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AS DONAS DA HISTÓRIA
Capítulo 9.
Novela de Renan Fernandes.
Escrita por Renan Fernandes.
Personagens deste capítulo:
Sérvia Antônio
Malu Cláudia
Codinome Taís
Neusa Júlia
Dirce André
Fabiano Jaqueline Humberto
Constantinopla Nader Gene
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CENA 1. MANSÃO DE SÉRVIA. PORTÃO. EXT. NOITE.
Continuação imediata da última cena do capítulo anterior.
Sérvia e Antônio continuam a discussão, e ela insiste em fazê-lo se afastar
de sua neta, Malu.
SÉRVIA — É a solução mais coerente, Antônio! Você não
pode ser tão imbecil de esquecer a sua carreira, o
seu status e a sua dignidade por conta da Malu. Eu
sei que você não a ama. Todos nós sabemos que
você só está com ela por causa da Letícia.
Música de suspense. Antônio olha para os lados, ficando pensativo. Logo, ele
volta a encarar Sérvia, com cara de cinismo.
ANTÔNIO — Só que nem todos sabem dos seus podres, não é
mesmo? E como a gente está cada vez mais
envolvido nessa rede de chantagens, eu duvido
muito que você me entregue pra Malu e pra Sônia.
Oportunidade você já teve pra fazer isso. Não
aproveitou porque tem senso de perigo.
SÉRVIA — (emocionada) Você não sabe como é doloroso
saber que a minha neta está sendo feita de idiota
por um psicopata que nem você, e não ter como
fazer nada pra impedir.
ANTÔNIO — (enfurecido) Ah, por favor, minha cara! Você
acha que comove quem com esse sentimentalismo
todo? Quem sabe o Irineu, não é? A sua paixão
platônica. Pensa que eu não sei da sacanagem que
você fez com ele no passado?!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
SÉRVIA — (nervosa) Mas do que é que você está falando?!
O que é isso agora/
ANTÔNIO — Eu sei, porque eu me lembro. Lembro muito bem
que na época que você roubou o Cristiano da minha
mãe, traiu o Irineu e fez ele ficar com nojo de
você.
SÉRVIA — Você está distorcendo os fatos e as épocas/
ANTÔNIO — Eu estou retratando tudo o que o Irineu me
contou há alguns anos... Toda a decepção dele, a
raiva de ter se sentido trocado. Ou seja, você
preferiu apostar na vingança contra a minha mãe e
se aproveitar de um conceituado advogado pra dar
o golpe do baú. Mas eu entendo o seu lado... O
Irineu na época era um empreendedor pé de
chinelo. Não poderia garantir a vida da “rainha das
vadias”!
Descontrolada, Sérvia mete um forte tapa na cara de Antônio, que inclina o
rosto para o lado direito, coloca a mão sobre a parte machucada, e vira até
ela, com aquela mesma cara de cinismo.
ANTÔNIO — Essa doeu, hein?
SÉRVIA — Era pra doer muito mais! E chega de ficar
lembrando dessas coisas... O Irineu não tem nada a
ver com a nossa história.
ANTÔNIO — É isso o que você pensa! É claro que ele deve ter
muito estômago pra ter voltado com você, e
esquecido de todas aquelas suas tramóias do
passado...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
... Mas imagina se ele descobre as suas omissões, o
fato da Malu nem ser a sua própria neta. Enfim, as
suas mentiras, os seus mistérios.
SÉRVIA — (quase chorando) Eu errei e eu admito! Você
não tem necessidade de me fazer chantagem,
ameaçando contar todo o meu passado negro pro
Irineu. O meu único pedido é que você se afaste da
Malu. (implorando/agarrando o terno dele) Por
favor! Eu te imploro! Deixe ela em paz! Não a
estrague! Não a faça sofrer! Tudo o que eu fiz a
ela foi por amor! E você não tem o direito de
envenenar a vida da minha neta por causa desse
seu ódio pela mãe dela! (gritando) A Malu não é a
Letícia! Bota isso na sua cabeça de uma vez por
todas!
Clima tenso. Sem mover um passo, Antônio a encara com superioridade.
Chorando sem parar, Sérvia, se ajoelha aos pés de Antônio, completamente
transtornada.
ANTÔNIO — Não adianta implorar, Sérvia. Aliás, vamos
acabar com essa ceninha agora! (ajuda-a a se
levantar).
Os dois voltam a se encarar, e Sérvia seca as suas lágrimas com os dedos,
revoltada.
SÉRVIA — Então esse é o seu ultimato! Você vai realmente
casar com a Malu. Mas como, hein? Como se você
já é casado há 10 anos com a Sônia?!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
ANTÔNIO — (irônico) Não se preocupe! Eu já providenciei
todos os detalhes. Já está tudo esquematizado na
minha cabeça. O nosso casamento vai ser de
fachada... Com direito a padre de mentirinha,
registro frio no cartório e trilha sonora, pra
embalar o conto de fadas!
SÉRVIA — (indignada) Eu... Eu não posso acreditar. Ouvir
uma blasfêmia dessas. (gritando) Como que você
consegue ser tão monstruoso, Antônio?! (batendo
no peito dele) Como?!
ANTÔNIO — (segurando-a) Olha aqui! É melhor acabar com
esse escândalo. Você quer que os vizinhos
reclamem? Ou melhor... Você quer que a Malu
apareça de repente?! Porque daí eu já mando
chamar o Irineu, a Sônia, pra todo mundo fazer
uma lavação de roupa suja. Que tal?!
SÉRVIA — (soltando-se abruptamente) Você ainda vai se
arrepender de fazer mal às pessoas que eu mais
amo nessa vida. Não se meta com eles.
ANTÔNIO — Eu não posso fazer nada, Sérvia! O Irineu já é
amigo de décadas, até sabe de alguns casinhos
meus.
SÉRVIA — (chocada) Espera... Então... Então ele sabe da
Malu!
ANTÔNIO — Não sabe! E se descobrir... Não só a nossa
amizade acaba...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
... Como também a sua belíssima relação de amor.
Então raciocina comigo! É muito melhor que nós
sejamos cúmplices do que inimigos.
SÉRVIA — É melhor eu entrar na minha mansão e te deixar
falando sozinho! Afinal de contas, um ser
patológico feito você não merece nenhuma
consideração.
Antes de abrir o portão, Antônio a pega pelo braço.
ANTÔNIO — Você já ta avisada. Não conta nada nem pra
Sônia e nem pra Malu. Muitas coisas estão em
jogo! (irônico) Inclusive, a sua linda e pacata
família.
Por fim, Sérvia se solta dele, entra na sua mansão, fecha o portão e segue o
seu rumo. Antônio, por sua vez, volta ao seu carro, dá a ré e acelera para a
esquina mais próxima.
Corta imediatamente para...
CENA 2. MANSÃO DE SÉRVIA. SALA. INT. NOITE.
Sérvia fecha a porta da sala, transtornada, e leva um susto ao ver Malu, no
canto do sofá, observando-a.
MALU — Algum problema, vó?
SÉRVIA — (desconversa) Problema?! Não... Claro que não.
MALU — É que eu ouvi umas vozes exaltadas lá na frente.
Alguém foi importunar a sua paciência?!
SÉRVIA — (mentindo) Na verdade, era um indigente que
veio me abordar... Mas eu consegui me livrar da
peça, depois de muita insistência.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
MALU — Toma cuidado, vó. A gente não pode facilitar pro
lado dessas pessoas abusadas de rua. Não é
preconceito, mas sempre é bom se prevenir!
SÉRVIA — Concordo com você. Agora, eu quero muito subir
até o meu quarto e descansar. Amanhã já é
segunda. A rotina recomeça com tudo.
MALU — Tem razão. (beija-a no rosto) Boa noite!
SÉRVIA — Boa noite, minha linda.
Sérvia sobe as escadas e é observada por Malu, que, vendo-a sumir de cena,
dá uma virada para o lado, com ar de desconfiança.
MALU — (p/si) Abordada na rua? Sei...
Som de suspense no final da cena.
CENA 3. CASA DE FABIANO. SALA. INT. NOITE.
Clima tenso. Taís, Fabiano, Neusa, Dirce e André estão sentados no sofá da
sala, de onde a primeira explica o seu sofrimento nos EUA.
FABIANO — (chocado) Meu Deus do céu, Taís. Mas isso que
você ta nos dizendo é um absurdo. Você foi
explorada?!
TAÍS — (olhos vermelhos) Muito mais do que isso,
Fabiano. Eu fui tratada como uma cadela, um lixo
de ser humano. Melhor dizendo, como um animal
adestrado à força.
NEUSA — Mas espera... O Vicente nunca me disse que você
ia de graça aos EUA pra virar prostituta... Ele
nunca me contou a verdade. Meu Deus... Ele
morreu e não me revelou.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
TAÍS — (vira p/ela/enfurecida) O meu pai foi enganado
pelo Nader! Foi esse o desgraçado que propôs pra
ele me levar de graça pro exterior, com promessas
de emprego fácil... Como se fosse um intercâmbio.
DIRCE — Mas a gente tem que denunciar esses bandidos/
TAÍS — A gente não pode fazer nada, tia Dirce! Quando
o bordel que eu trabalhava faliu, o Nader e a
Constantine, a dona de lá, desapareceram, e
deixaram eu e algumas colegas sem casa, sem
comida, a mercê da miséria e da caridade dos
outros. Que policial daria crédito pra um bando de
imigrantes ilegais? Nenhum!
ANDRÉ — Mas Taís... Como é que você conseguiu arranjar
dinheiro pra voltar pro Brasil?
TAÍS — Depois que eu fui roubada pelo Nader, que fugiu
da justiça graças ao meu dinheiro, eu tive que me
virar... Trabalhar horas e horas, sem direitos,
como uma garçonete de uma lanchonete. Foi assim
que eu consegui o green card.
FABIANO — Caramba... Eu não posso acreditar que a minha
irmã passou por esse sufoco.
TAÍS — (emocionada) E eu, Fabiano? Como eu, que vivi
tudo isso ainda consigo ter garganta pra relatar
toda a monstruosidade que me fizeram? Me diz
meu irmão! Me diz como que eu consegui superar
tudo isso...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
... Como que eu sobrevivi ao saber que o meu pai
tinha morrido aqui no Brasil, sem ter como dizer
um adeus?!
Logo, Taís não controla a emoção e chora sem parar. Fabiano, que está ao
seu lado, dá o seu ombro para ela abraçar. Enquanto Dirce, Neusa e André
apenas presenciam tudo, solidários com o drama dela.
FABIANO — (emocionado) O que importa é que você ta aqui
com a gente, viva e salva desses bandidos!
TAÍS — (desvencilha-se/seca as lágrimas) Mais viva
impossível, Fabiano... Tão viva que eu nunca vou
conseguir esquecer tudo o que me fizeram de mal...
Toda a exploração... Toda a humilhação! (encara
todos) Eu marquei muito bem aqueles dois rostos
que me maltrataram... (olhar distante) Nader e
Constantine... Eles ainda vão me pagar muito caro!
(encara todos) Podem ter certeza disso!
Som de suspense. Todos ficam ainda mais preocupados, enquanto Taís
engole o choro e pensa longe.
CENA 4. BAR 14 BIS. INT. NOITE.
Cláudia continua conversando com Codinome.
CLÁUDIA — Eu não tenho nada a te oferecer, Codinome!
Aliás, porque você ta tão aflito assim? Por acaso
você ta passando por alguma necessidade?!
Música de suspense. Codinome olha para todos os lados, evidentemente
apavorado. Já Cláudia, percebe que o mesmo não está nada bem.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CODINOME — (encara-a) Você não tem grana, né? Então ta
certo... Não vou te incomodar.
Codinome se levanta rapidamente, indo em direção a rua. Cláudia fica
preocupada.
CLÁUDIA — Codinome, espera! (levanta-se) Não vá embora
assim!
Logo, Cláudia se prepara para sair, tira uma grana da sua calça, coloca em
cima da mesa do bar e corre atrás de Codinome.
Nisso, corta imediatamente para...
CENA 5. FACHADA DO BAR 14 BIS. EXT. NOITE.
CAM foca em Codinome saindo do local e se direcionando para a faixa de
pedestres, na esquina do bar. Cláudia, por sua vez, pode ser vista alguns
metros atrás dele, correndo para alcançá-lo.
CLÁUDIA — (gritando) Codinome!
Codinome atravessa a rua tranquilamente, enquanto Cláudia é surpreendida,
na faixa de pedestres, por um carro, que quase a atropela. O motorista
freia a tempo, mas buzina para ela, pedindo mais atenção. Cláudia faz gesto
de arrependida e segue o seu rumo. Finalmente ela alcança Codinome, no
meio da quadra da rua.
CLÁUDIA — (pega-o pelo braço) Eu quero conversar com
você!
CODINOME — (solta-se abruptamente) É melhor você não se
meter/
CLÁUDIA — Agora que você me pediu dinheiro, eu fiquei
curiosa. E só paro de te azucrinar quando saber o
que ta acontecendo!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CENA 6. PRAÇA DO MUSEU OSCAR NIEMEYER. EXT. NOITE.
Minutos depois, Cláudia e Codinome andam pelos arredores do local,
atravessam uma rua movimentada e se direcionam para a entrada da praça,
subindo uma escada. A conversa já havia começado.
CLÁUDIA — Então você só pediu dinheiro porque você anda
em dificuldade financeira. (desconfiada) Mas a sua
mãe também ta passando por necessidade?!
CODINOME — (estúpido) Você já sabe de toda a história, né
Cláudia?! O meu pai era a garantia da nossa família.
Só que o coroa pensou que dinheiro fácil era
tranqüilo de manter, e quando viu... Acabou sendo
pego pela justiça federal.
CLÁUDIA — (solidária) É, eu fiquei sabendo... Uma história
bem triste!
CODINOME — (alterado) Uma grande palhaçada, isso sim!
CLÁUDIA — Fica calmo, Codinome!
Ela pega na mão dele e os dois sentam em um dos bancos da gigantesca
praça, que fica atrás do museu. Codinome, por sua vez, olha para todos os
lados, observa a iluminação do museu, e volta a encarar Cláudia, arrependido
de ser tão estúpido.
CODINOME — Desculpa! Eu to muito revoltado com essas
coisas que aconteceram na minha vida, e não queria
envolver você nos meus problemas.
CLÁUDIA — Mas não se esqueça que nós sempre fomos muito
amigos. Eu, por exemplo, sinto muitas saudades
das nossas conversas, das nossas saídas.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CODINOME — Mas infelizmente a minha turma agora é outra.
Eu não sou mais aquele bacaninha, aquele certinho.
CLÁUDIA — Você ta muito mudado mesmo. Mas algumas
coisas sempre continuam no mesmo lugar. E uma
delas, é que eu sei quando você ta escondendo algo
e não quer contar. Só que eu exijo que você me
conte o motivo de pedir dinheiro emprestado pra
mim. Eu não vou te deixar em paz até descobrir a
verdade.
CODINOME — (olha para o redor/perturbado) Deixa de lado
isso, garota! Se você não tem grana, sem
problemas... Eu arrumo de outra forma.
CLÁUDIA — (pegando-o pelo braço) Fala direito comigo!
Você lembra daquele dia que eu impedi que você
assaltasse aquela garota do parque Barigui, não
lembra? Então, Codinome, pode começar a contar o
que você anda aprontando. Eu não sou otária, eu sei
que você ta fazendo coisa errada!
CODINOME — (decidido) Já que você ta tão decidida, eu vou
parar de te enrolar. (T) Eu to usando cocaína... E a
minha mãe nem imagina.
Música de suspense. CAM foca na expressão assustada de Cláudia, que se
distancia um pouco de Codinome, olha para os lados, pensativa, e volta a
encará-lo.
CLÁUDIA — Agora eu entendi... A sua mãe não sabe que você
usa cocaína, o seu pai ta preso por traficar
cigarros na fronteira...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
... E você ta devendo dinheiro pra traficante
também, não está?! (revoltada) Diz Codinome! É
isso, não é?! Você não só ta seguindo o exemplo do
seu pai, como ta se comportando de uma forma
ainda mais imbecil. Porque convenhamos... As
coisas agora se inverteram... O seu pai era o
magnata... E você, seu idiota, é o viciado!
Enfurecido, Codinome se levanta da cadeira, quase vai embora, mas recua.
CODINOME — Mas que palhaçada é essa agora?! Quem é você
pra ficar dizendo essas coisas pra mim? Eu não te
dei tanta intimidade assim, não, ouviu bem? E não
fique achando que só porque você conseguiu evitar
que eu assaltasse aquela dondoquinha do parque,
que pode agora querer mandar na minha vida e dar
palpite onde não é chamada!
CLÁUDIA — (levantando-se/encarando-o) Eu posso fazer o
que eu quiser, Codinome! Eu não tenho medo de
você. Aliás, vocês homens são um bando de fracos
e influenciáveis. Se deixam envolver por qualquer
porcaria, qualquer vício. Veja o caminho que a sua
vida ta tomando... Tente imaginar o quanto a sua
mãe vai sofrer quando descobrir o que você ta
fazendo. Você acha mesmo que ela merece mais
essa decepção na vida dela? Será que todos são
assim, egoístas que nem você?! Porque eu to tendo
cada vez mais provas de que o ser humano é podre,
é nojento, é vil!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
Completamente perturbado, Codinome tenta meter um tapa na cara de
Cláudia, mas, de repente, desiste na última hora, e abaixa a sua mão,
confuso e triste ao mesmo tempo.
CODINOME — (chorando/olha para baixo) Eu sei que eu sou
um nada... A vida sempre faz questão de me
mostrar o quanto eu sou essa pobreza de gente,
essa imundice de pessoa! (encara-a) E eu sei que
no fundo você ta certa! O vício me envolveu de uma
forma que eu não consigo nem respirar direito,
nem sentir vontade de fazer as coisas... Eu to
consumido demais por esse mal. Eu preciso de
cocaína! (balbuciando) Eu preciso, eu não posso
sobreviver sem isso... (desesperado) Será que você
não me entende?!
De repente, uma música triste começa a tocar. Codinome se ajoelha no
gramado, com as mãos tampando o seu rosto, que não para de chorar.
Sensibilizada, Cláudia chora levemente, ajoelha-se também e coloca as suas
mãos sobre as costas dele, abraçando-o.
CENA 7. CASA DE FABIANO. QUARTO DE TAÍS. INT. NOITE.
Neste momento, as visitas André e Dirce já foram embora, enquanto Taís se
direcionou ao seu quarto, deitando-se e pensando na vida. De repente,
flashes dos momentos que ela passou nos EUA, em 2009, invadem a sua
mente, dando a origem a uma seqüência de fatos:
1. Na rodoviária de Curitiba, Taís se despediu de seus pais, Neusa e
Vicente, e foi embora juntamente de Nader, o coiote.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
2. Já nos Eua, ela se deu conta da realidade: foi traficada e teve que
trabalhar de graça para pagar a passagem ilegal para Nader.
3. Constantinopla, a dona do bordel que a mesma trabalhou como prostituta,
bateu nela e a fez cair da escada, obrigando-a a cumprir serviço com
importantes magnatas australianos.
4. Numa fatídica noite, Taís e suas colegas voltaram para o bordel e se
deram conta de que a polícia fechou o local. Constantinopla e Nader já
haviam fugido nessa época.
5. Desesperadas, cada prostituta correu para um canto diferente. Taís por
sua vez, vagou pelas ruas movimentadas de Nova Iorque e se deparou
com Nader, carregando a sua mochila com suas economias.
6. Numa luta corporal, Taís tentou reaver a sua mochila, mas Nader era
mais forte, empurrou-a com tudo no chão e desapareceu na esquina mais
próxima.
Voltando ao presente, Taís vira para o outro lado da cama e tenta esquecer
estes pensamentos que tanto lhe atormentam.
TAÍS — (p/si) Eu só vou conseguir ficar em paz quando
descobrir onde esses dois desgraçados se
enfiaram!
Corta imediatamente para...
CENA 8. MANSÃO DE ANTÔNIO. SALA. INT. NOITE.
Antônio acaba de abrir a porta com tudo, e nota que Constantinopla está nos
fundos da adega, apreciando um vinho argentino.
ANTÔNIO — (debochado/aproximando-se) Invés de arrumar
ocupação, você passou o seu tempo acabando com o
estoque das minhas bebidas, foi?!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CONSTANTINOPLA — Ora essa... Até parece que você não conhece a
mãe que tem. Não deu tempo de te avisar naquela
hora que você tava aqui, mas eu consegui um
emprego numa mansão de família. Vou trabalhar
como governanta.
ANTÔNIO — (surpreso) Ah, mas era só o que me faltava...
Coitada da pessoa que te contratou, né? Deve ter
sido uma idiota pra ter caído na sua lábia.
CONSTANTINOPLA — (levanta-se/vai até ele) Muito pelo contrário!
Era uma garota esperta até demais! Porque as
pessoas inteligentes sabem reconhecer as boas de
dote. E eu, logicamente, posso me considerar uma
superdotada.
ANTÔNIO — (irônico) Exatamente. Superdotada. Dotada de
truques, de mesquinharias, não é mesmo?!
CONSTANTINOPLA — (revidando) Dotada de experiência, de
esperteza. Dotada de uma sensibilidade aguçada
que consegue perceber quando alguém ta
aprontando e esconde o jogo nas costas da
coitadinha da mulher. (sussurra no ouvido dele) A
Sônia deveria ser menos toupeira, você não acha?
Assim ela perceberia a sucuri camuflada que é o
marido dela!
Música de suspense. Enfurecido, Antônio dá meia-volta e sobe as escadas,
enquanto Constantinopla vira para um outro lado, sorrindo feito uma
vitoriosa.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CONSTANTINOPLA — (p/si) Já que a Sônia não ta aqui... Quem sabe
eu não tenha sorte e descubra os podres do meu
filho queridinho!
Corta imediatamente para...
CENA 9. MANSÃO DE ANTÔNIO. QUARTO. INT. NOITE.
Antônio tira o seu paletó, joga em cima de um cesto de roupa e se
despreguiça na cama, recebendo uma ligação pelo celular. Vendo que é Malu,
ele atende.
ANTÔNIO — (T) Oi meu amor! Há quanto tempo a gente se
vê, né? (T) É claro que eu to com saudades. E eu
queria muito que a gente marcasse alguma coisa
pra sair.
De repente, CAM foca, pela fresta da porta, Constantinopla ouvindo a
conversa atentamente.
ANTÔNIO — (T) Sei... Vai fazer os ensaios na agência
amanhã... Tudo bem meu amor, outra hora nós nos
encontramos. (T) Você não imagina como me fez
bem falar contigo agora. (T) Eu te amo demais!
Muito, muito! (T) Tchau! Cuida-se, viu? Saudades!
Logo, ele desliga o celular, joga-o em cima da cama, levanta-se e se direciona
para a suíte. Constantinopla, por sua vez, percebe ter uma chance de
descobrir algum podre de seu filho.
CONSTANTINOPLA — (observando o celular/p/si) Finalmente surgiu a
oportunidade certa, na hora certa! Eu sabia que a
minha intuição não ia falhar....
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
... Agora eu vou descobrir quem é a amante do
Antônio! (confiante) E ele vai ter que me engolir!
Som de suspense no final da cena, focalizando a expressão de vitória dela e
o celular em cima da cama.
PRIMEIRO BREAK.
Tema de abertura: UNDER PRESSURE-QUEEN.
CENA 10. MANSÃO DE ANTÔNIO. CORREDOR. INT. NOITE.
Continuação imediata da última cena do bloco anterior.
Constantinopla continua observando o celular que Antônio deixou em cima da
cama, até que anda discretamente até o local, para não fazer muito barulho.
Antes de pegar o objeto, ela olha para a suíte do quarto, de onde se pode
ouvir o barulho da água do chuveiro. Aí, ela decide pegar o celular para
verificar as últimas chamadas.
CONSTANTINOPLA — (p/si/mexendo no celular) Vamos lá,
Constantinopla... Vamos descobrir algumas minas
de ouro pra garantir a sua boa-estadia aqui no
Brasil. Qual será o nome da amante que vai ser a
minha salvação diante dos tributos que esse filho
ingrato ta me cobrando?!
Logo, ela vai até o menu, clica em chamadas, mas não encontra nenhuma
chamada recebida no celular dele, ficando possessa.
CONSTANTINOPLA — (p/si) Mas que absurdo é esse? Aquele
lazarento apagou as chamadas?! (CAM foca na
caixa de entrada vazia) Nem mensagem esse
safadinho deixa pra gente descobrir!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
(joga o celular em cima da cama) Ah, vida
frustrada! (observa a porta da suíte) Antônio
Meirelles... Dessa vez você foi salvo pela sua
própria esperteza. Mas nem sempre você vai ser
tão prevenido assim. E é nesse dia que eu vou te
desmascarar!
De repente, ela escuta o barulho da ducha diminuir gradativamente,
decidindo sair lentamente do quarto e fechar a porta pela parte de fora. No
mesmo instante, Antônio sai do banho com a toalha em volta da cintura, pega
o seu celular deixado na cama e guarda na gaveta do criado-mudo, trancando
com uma chave. Por fim, CAM foca, de costas para Antônio, Constantinopla
observando-o pela pequena fresta da porta. Os olhos dela denunciam raiva.
CENA 11. CASA DE FABIANO. QUARTO DE TAÍS. INT. NOITE.
Fabiano e Taís conversam sentados na cama dela.
TAÍS — Que bom que você veio pra conversar comigo. Eu
acho que hoje eu não vou conseguir dormir.
Aquelas lembranças dos EUA não param de me
atormentar/
FABIANO — (acariciando-a no rosto) Procure esquecer
isso! Porque se você só focar nesse seu desejo de
vingança pelas pessoas que te fizeram mal, você
não vai mais conseguir viver. Por acaso a sua vida
passou só a girar em torno da tal Constantine e do
tal Nader?!
TAÍS — (sorrindo levemente/abraçando-o) É claro que
não, meu querido...
18
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
... Tantas coisas passam pela minha cabeça, que é
difícil eu conseguir dizer tudo o que eu penso pra
você.
FABIANO — Nem uma história de amor? Nem um romance
passa pelos seus pensamentos?!
TAÍS — (desvencilha-se/sorri) Muito romance, Fabiano!
A minha volta aqui em Curitiba me fez recordar de
uma pessoa muito especial.
FABIANO — (curioso) Quem?!
TAÍS — O nome dele é Carlos. Mais conhecido como
Codinome. A gente namorava antes de eu ir embora
pros EUA... E a gente se curtia demais. (encara-o)
A minha vontade agora é de reencontrar ele. E é
isso que eu vou fazer a partir de amanhã!
Corta imediatamente para...
CENA 12. PRAÇA PRÓXIMA AO MON. EXT. NOITE.
Cláudia e Codinome andam em direção à saída do parque, que dá num acesso
ao Centro Cívico. Eles conversam sobre a vida.
CLÁUDIA — Agora que a gente desabafou, tirou todo esse
peso das costas, eu acho que você deveria pensar
bem, Codinome.
CODINOME — Pensar? (encara-a) A verdade é que
ultimamente eu nem sei o significado dessa
palavra.
CLÁUDIA — Mas eu sei que você é inteligente, e vai refletir
sobre tudo isso que a gente conversou...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
... Você é um cara estudado! Se formou até esses
tempos em engenharia elétrica! Se você quiser
você pode ter futuro. Isso só depende da sua
força de vontade.
CODINOME — (sorrindo) Amiga autoritária você, hein?
CLÁUDIA — (sorri/abraça-o) Eu só quero o melhor pros
meus melhores amigos!
Os dois continuam caminhando, abraçados e felizes, pela saída da praça, até
que se deparam com três sujeitos mal-encarados.
Clima tenso. Codinome reconhece os três, e Cláudia vira para o seu amigo,
assustada.
SUJEITO 1 — (aproxima-se dos dois) E então, parceiro?! Já
disponibilizou a bufunfa? Não se esqueça que a
dívida ta cada vez maior. Os juros estão sendo
bem contados.
CODINOME — Peraí, gente, vamos conversar/
SUJEITO 2 — (pega-o pelo colarinho) Qual foi, meu irmão?
Ta querendo enrolar, é? O segundo prazo da grana
que você deve pra gente ta vencendo nesse exato
momento. Daqui a pouco não vai mais ter como
renegociar. (encara os sujeitos) Não é rapaziada?!
SUJEITO 3 — Exatamente.
Tanto o sujeito 3 quanto o sujeito 1 ficam em volta de Codinome e Cláudia,
que olha para cada um deles, com os olhos arregalados de medo.
SUJEITO 3 — Só se... (encara Cláudia com interesse) Quem
sabe...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
... Essa dívida pode ser quitada de um outro jeito.
Com uma gostosa dessas, a gente até que pode
reconsiderar.
CODINOME — (nervoso) Vocês não mexam com a Cláudia, tão
me ouvindo?!
No ímpeto, o sujeito 2 mete um soco certeiro no rosto de Codinome, que cai
com tudo no chão, para o desespero de Cláudia.
SUJEITO 2 — (p/Codinome) Você é que tem que se situar,
rapaz! O seu prazo aqui ta vencendo. E daqui a
pouco, a sua vida também pode ser a garantia da
inadimplência. Estamos entendidos?!
Som de suspense. Os três sujeitos encaram Cláudia e Codinome com
superioridade, enquanto ela olha para o seu amigo no chão, e não sabe o que
fazer.
CENA 13. CASA DE JAQUELINE. INT. NOITE.
Ao som de Robbie Williams- Feel, Jaqueline e Humberto chegam até a casa
dela aos beijos, nem observando nada que está ao redor deles. De repente,
Jaqueline, que está de costas, sendo conduzida pelo caliente momento, se
joga no sofá e Humberto fica em cima dela, encarando-a com desejo.
HUMBERTO — Será que finalmente você se deu conta de que
eu sou o homem da sua vida?!
JAQUELINE — (feliz) Ah, meu amor... Eu é que fui muito
medrosa, de não admitir pra mim mesma que uma
amizade que nem a nossa podia ser algo muito mais
intenso e pleno.
21
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
Logo, Humberto se joga também no sofá, para ficar ao lado dela e escutar
os seus desabafos.
HUMBERTO — Pelo jeito hoje você ta querendo uma bela
conversa. Não tem problema, eu me controlo e a
gente bebe alguma coisa... Um vinho, quem sabe...
Pra deixar a noite mais interessante.
JAQUELINE — Humberto... Só você mesmo me entende. A
verdade é que eu fui egoísta demais naquela época
que eu me casei com o pai da Cláudia. A paixão
cega que eu nutria por ele não fez enxergar que eu
desperdicei o amor da minha vida, e ainda o
magoei/
HUMBERTO — Você não me magoou. Aquilo só me deixou um
pouco triste. Mas eu sempre tive esperanças de
que um dia você ia ser minha. Mas não de um forma
possessiva, e sim de uma maneira natural.
JAQUELINE — Pelo jeito não tem ninguém aqui em casa. Eu
posso mostrar pra você que eu to louca de vontade
de matar as saudades desse homem maravilhoso
que finalmente se tornou meu. (brincando) E olha
que eu sou o inverso de você, viu? Eu sou muito
possessiva! Agora você é meu e de mais ninguém!
Nisso, Jaqueline se monta em cima dele, e o envolve com beijos e carícias.
Eles se jogam no sofá e desaparecem da vista da CAM, que agora foca no
celular de Jaqueline, que está na mesinha próxima, mas em silencioso. É
Cláudia que está ligando desesperadamente.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CENA 14. PRAÇA PRÓXIMA AO MON. EXT. NOITE.
Cláudia tenta disfarçar para os três sujeitos que tentou ligar para a sua
mãe. Mas o sujeito 1 percebe que ela está escondendo algo no bolso e a
aborda.
CLÁUDIA — (nervosa) Ei, escuta! O que é isso que você ta
fazendo? Me solta!
Logo, o sujeito dá uma empurrada de leve nela e pega o celular, mostrando
para os colegas.
SUJEITO 3 — Então a x-9 já tava querendo avisar alguém do
perigo, né? (encara-a) O que você tem de
gostosinha, tem de perigosa, hein!
SUJEITO 1 — Acabou a palhaçada! (vai até Cláudia e a
imobiliza) O prazo já se esgotou, Codinome... E
você vai ter que pagar um preço bem salgado pra
gente, talvez a sua própria vida.
CLÁUDIA — (cortando) Eu tenho dinheiro!
Música de suspense. Codinome e todos ficam chocados.
CODINOME — (surpreso) Tem?! Mas lá no boteco você disse
que/
CLÁUDIA — Tenho dinheiro e vou quitar a dívida do meu
irmão.
SUJEITO 1 — (desconfiado) Ah, então esse filé é a sua irmã,
Codinome?!
CODINOME — (encara-a/mentindo) Sim. É a minha irmã.
SUJEITO 1 — (convencido) Beleza?! E cadê a grana?
(p/Cláudia) Posso saber?
Nervosa, ela tira uma grana da sua calça e joga até o sujeito 1.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CLÁUDIA — Ta aí a garantia. Eu não sei quantos que é o
valor, mas eu imagino que isso seja o suficiente pra
vocês deixarem a gente em paz!
Nisso, o sujeito 1 pega o resto da grana que está jogada no gramado,
entrega para os sujeitos 3 e 2, e contabilizam para ver a quantia.
SUJEITO 3 — É... Aqui ta tudo certo. É até mais do que a
gente cobrou.
SUJEITO 2 — Isso vai servir como juros. (irônico) É
Codinome... A delícia da sua irmã te salvou de uma
encruzilhada. Só toma cuidado pra na próxima vez
não ter esse anjo da guarda pra te resgatar do
inferno.
Por fim, o sujeito 2 dá uma joelhada em Codinome, que cai no chão e grita de
dor. Enquanto isso, o sujeito 1 se direciona para a rua, e o sujeito 3 encara
Cláudia, acariciando-a no rosto.
SUJEITO 3 — Quem sabe um dia a gente não se depara, né
minha gata?
CLÁUDIA — (desvencilha-se/decidida) Quem sabe um dia
vocês se toquem do quanto são patéticos.
Logo, os três marmanjos saem de cena, e Cláudia observa Codinome, que
continua estirado no chão.
CODINOME — (reclamando) Ai, ta doendo muito!
CLÁUDIA — (enfurecida) Veja só que ironia, né? Menti pra
você que não tinha dinheiro lá no bar, mas acabei
pagando pela minha própria língua.
CODINOME — (levanta-se com dificuldade) Sinceramente...
Eu não sei nem como te agradecer.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CLÁUDIA — Eu sei um jeito muito simples. Nunca mais
olhando na minha cara!
Clima tenso. Codinome percebe que ela está nervosa, e tenta pegá-la pelo
braço, mas ela é ríspida.
CODINOME — Não fique assim, Cláudia. Você foi generosa
demais/
CLÁUDIA — Talvez seja esse o meu problema. Eu me
preocupo tanto com o bem-estar dos outros, que
acabo esquecendo que a minha vida é que precisa
de cuidado. (preparando-se pra sair) Você já
ouviu o meu ultimato. (gritando) Não me veja nem
pela sombra!
A partir daqui, começa a tocar Bette Davis Eyes- Kim Carnes. CAM se
distancia deles, e Cláudia sai sem olhar para trás. Codinome grita diversas
vezes o nome dela em vão, desistindo de correr em direção à mesma.
CENA 15. TRANSIÇÃO DE TEMPO. NOITE/AMANHECER.
Em uma cena de videoclipe, Cláudia vai caminhando pelas ruas locais, que
ainda não tem tanto movimento, devido ao horário: 6 horas da manhã. Nesse
instante, o sol do horizonte está contornando os seus cabelos castanhos
claros, e ela vai atravessando as esquinas sem sequer olhar para o fluxo
mínimo de carros. De repente, ao chegar até a rua de sua casa, Pedro Ivo,
ela vai recordando dos momentos em que foi iludida pelo Antônio, quando o
flagrou aos beijos com Malu, sem saber que era ela, e quando ele propôs
para ambos serem amantes. Nisso, ela tenta ordenar os seus pensamentos,
que estão controversos, passando a mão pelos seus cabelos, ao mesmo tempo
que se direciona para o brechó de sua mãe.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CENA 16. CASA DE JAQUELINE. SALA. INT. DIA.
Humberto chega do corredor dos quartos e encontra Jaqueline, toda
preocupada na sala.
HUMBERTO — Acordou tão cedo, meu amor. Aconteceu alguma
coisa?
JAQUELINE — (abraça-o) Ai Humberto, eu to muito
preocupada.
HUMBERTO — (desvencilha-se) A Cláudia? Ela não veio até
agora?
JAQUELINE — (nervosa) É aí que ta o problema! (pega o
celular da mesinha) Eu acabei de ver pelo celular
que ela me ligou diversas vezes ontem à noite, e
eu, burra como sempre fui, acabei deixando no
silencioso.
HUMBERTO — Fique tranqüila, que eu tenho certeza que logo
ela aparece.
De repente, CAM foca em Cláudia abrindo a porta da sala, e encarando os
dois, que ficam surpresos com o jeito dela.
JAQUELINE — (aproxima-se) Filha? Ta tudo bem?
CLÁUDIA — (chorando/abraçando-a) Mãe... Você nem
imagina... Eu quase fui assaltada.
JAQUELINE — (abraça-a mais forte) Meu Deus!
CLÁUDIA — Foi horrível demais! Eu achei que eles iam me
matar.
JAQUELINE — Eles quem? Os bandidos?
CLÁUDIA — (com raiva) Os comparsas do Codinome! Como
eu fui idiota de se encontrar com ele.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
JAQUELINE — Ai, filha... Você tem que se distanciar desse
cara/
CLÁUDIA — É isso o que eu fiz. Cansei de dar confiança pra
bandido! Só que o problema é que eu não tenho
condição de ir fazer os ensaios na agência com a
Malu hoje de manhã. (encara-a) Eu vou ter que
faltar!
Som de suspense. Enquanto Cláudia continua abraçada com a sua mãe, esta e
Humberto se encaram, preocupados.
CENA 17. MANSÃO DE SÉRVIA. COZINHA. INT. DIA.
1 hora depois da cena anterior, Malu e Sérvia tomam café na mesa e
conversam sobre assuntos pendentes.
MALU — Eu esqueci de te dizer ontem, mas hoje a nova
governanta que eu contratei dará as caras por
aqui.
SÉRVIA — (curiosa) Hum, e como ela é?
MALU — Exatamente da forma que você queria...
Refinada, culta, extremamente pontual. Nós
marcamos pra ela vir às 7h30... Então se prepara...
Enquanto eu me arrumo pra ir até a agência, você
recebe a nossa ilustre visita.
SÉRVIA — Tudo bem. Pode deixar comigo!
CENA 18. MANSÃO DE ANTÔNIO. MESAS DE CAFÉ. INT. DIA.
Constantinopla toma rapidamente o seu café, na mesa redonda, enquanto
Antônio desce as escadas, já preparado para trabalhar.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CONSTANTINOPLA — Hoje eu não posso demorar muito! Tenho que ir
ao encontro do meu trabalho servil!
ANTÔNIO — (irônico) Já não era sem tempo! (senta-se na
mesa e pega a garrafa de café) Agora sim eu
vou ter todo o prejuízo pago. (encara-a) E com
direito a juros.
CONSTANTINOPLA — (revidando) Invés de se você se preocupar com
as dívidas, você deveria pensar na sua mulher, que
não voltou até agora.
ANTÔNIO — A Sônia foi pousar na casa da amiga.
CONSTANTINOPLA — (venenosa) E você realmente acredita nisso?
Oh, meu querido... Pense bem, reflita! Se você trai
ela, com certeza a sua mulherzinha não deixa por
menos.
ANTÔNIO — (nervoso) Cansei da sua presença, sabia? Vai
embora logo! (joga uma grana na mesa) Pega esse
dinheiro e se manda de táxi.
CONSTANTINOPLA — (pega a grana) Ótimo! Porque como eu sempre
digo: eu não nasci pra ser emergente... E muito
menos mãe de corno-manso!
Clima tenso. Constantinopla termina o café e se direciona para a saída.
Antônio, por sua vez, continua tomando a sua xícara, mas se deixa levar
pelas intrigas de sua mãe.
ANTÔNIO — (p/si) Eu espero que isso não seja verdade...
Porque se for, a Sônia me paga!
Som de suspense no final da cena.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CENA 19. MANSÃO DE SÉRVIA. SALA. INT. DIA.
Minutos depois, Malu e Sérvia já estão na sala. A primeira vê, através da
janela, um táxi chegando até a residência.
MALU — Olha só vó! A nova governanta já está vindo.
SÉRVIA — (olha p/relógio) Realmente... Mais pontual do
que isso, só o big-bang.
MALU — (ri) Pois é. Antes de sair eu vou te apresentar
pra ela.
SÉRVIA — (ansiosa) Tudo bem!
Nisso, a campainha toca e Malu corre para atender. Esta abre metade da
porta, e Constantinopla a cumprimenta de fora, com um forçado sorriso no
rosto.
CONSTANTINOPLA — Tudo bem? (bajulando) Como você está linda!
MALU — (descontraída) Imagina! Só to essencialmente
básica! (pega a mão dela) Mas venha! Deixa eu te
apresentar a minha avó, e sua futura patroa.
CONSTANTINOPLA — (vai com ela) Excelente!
De repente, uma música de tensão começa a tocar. À medida que vai se
aproximando, Constantinopla vai diminuindo o seu sorriso sacana. De
repente, Sérvia vai até elas e faz cara de séria.
SÉRVIA — (revoltada) Então é essa a nova governanta?!
MALU — (sem se tocar) Sim! É a Constantinopla! Eu
tenho certeza de que vocês vão ser dar muito bem!
Som de suspense. CLOSE em Constantinopla, que não acredita estar na casa
de Sérvia, a sua grande inimiga do passado, e que irá trabalhar para ela.
SEGUNDO BREAK.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CENA 20. MANSÃO DE SÉRVIA. SALA. INT. DIA.
Continuação imediata da última cena do bloco anterior.
Clima tenso. Constantinopla descobre que irá trabalhar de governanta na
mansão de Sérvia, a sua grande inimiga do passado. Malu, por sua vez, não
percebe a reação de espanto das duas.
MALU — Agora que vocês já foram apresentadas, eu não
tenho mais ofício aqui na mansão. (p/Sérvia) Já ta
na minha hora, vó! Vou acertar os últimos detalhes
da campanha publicitária do shopping.
SÉRVIA — (sem jeito) Claro... Claro minha querida! Pode ir
tranqüila.
Nisso, Malu dá um beijo nela, acena um adeus para Constantinopla e sai de
cena. Quando ouve-se o barulho da porta trincar, Sérvia vira-se de costas
para a sua inimiga, apóia os seus braços numa mesinha próxima do sofá, e
provoca o espanto de Constantinopla.
CONSTANTINOPLA — Você ta passando mal? A senhora está bem?
Logo, quando Constantinopla vai tocar nas costas de Sérvia, esta a
surpreende com uma brusca virada de 360º.
SÉRVIA — (enfurecida) Que ousadia é essa? (empurra a
mão dela) Tira essa pata velha de perto de mim e
deixe de ser tão cínica!
Música de suspense. CAM foca no olhar surpreso de Constantinopla, que dá
uma risada de leve, ainda espantada com a coincidência.
CONSTANTINOPLA — Como eu podia imaginar que aquela menina...
Aquela criatura adorável da Malu é neta sua!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
SÉRVIA — (rindo) Ah, sua ordinária... Veja como o destino
conseguiu ser traiçoeiro com a gente, né? (respira
fundo) Então você... Então a sua criatura
abominável precisava trabalhar... E nem imaginava
que prestaria serviços pra pior inimiga.
CONSTANTINOPLA — (enfurecida) Mas é claro que se eu soubesse
que você era a dona da mansão, eu sequer teria
cogitado essa hipótese de me candidatar à vaga/
SÉRVIA — Mas com certeza você deve estar bastante
necessitada! (provoca) O que aconteceu? O
Antônio deixou de pagar a conta do asilo?
CONSTANTINOPLA — (raivosa) Você cale essa sua boca/
SÉRVIA — (revida) Cale essa sua boca você! (solta uma
gargalhada) Mas eu realmente estou impactada
com essa situação! (encara-a) Quem diria que o
mundo daria tantas voltas desse jeito, não é
mesmo?
CONSTANTINOPLA — (nostálgica) Se eu to me sujeitando a essa
humilhação de bater de porta em porta, pode
apostar que é culpa sua! Porque foi você que
roubou tudo o que era pra ser meu no passado!
SÉRVIA — (revoltada) Tudo o quê? Os restos de um amor
burocrático que o Cristiano mantinha com você
antes de me conhecer? Minha querida... Naquela
época eu lembro muito bem que você era a amante
dele...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
... E você sabe que eu descobri isso pelo fato dele
ter se aproximado de mim quando eu fechei as
portas do meu bordel/
CONSTANTINOPLA — (irônica) Aquela espelunca/
SÉRVIA — (nervosa) Aquele meu ganha-pão! Você não
imagina o quanto eu penei depois de você ter
planejado aquela armadilha pra denegrir a imagem
do meu estabelecimento/
CONSTANTINOPLA — (defendendo-se) Eu só fiz o que uma mãe faria
pelo filho! Porque depois que eu descobri que o
cabeça fraca do Antônio mantinha um caso com
uma das suas prostitutazinhas... A tal Letícia... Eu
não encontrei outra alternativa a não ser acabar
com o lugar que virou a vida dele de pernas pro ar!
Eu gostava da minha nora, sabia? A Renée não
merecia ser traída por uma das suas vagabundas/
SÉRVIA — (exaltada) E que culpa tive eu? Ora
Constantinopla! Você tentou bancar a mãe do
século e a sogra perfeita, mas acabou mesmo é
destruindo sonhos e vidas! Eu até reconheço que o
meu trabalho não era exemplo a ser seguido... Mas
as minhas meninas precisavam trabalhar! Elas não
eram um monte de desocupadas que nem você, não!
E depois cada uma teve que seguir o seu próprio
rumo, e o pior: sem nenhuma garantia...
Completamente zeradas!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CONSTANTINOPLA — Eu pouco me lixei pra isso! O meu intuito mesmo
era acabar com aquele bordelzinho furreca/
SÉRVIA — (complementa) E conseguiu! Mas como Deus foi
justo comigo, as conseqüências dos seus atos
egoístas vieram de imediato. Eu aproveitei a crise
e encontrei a oportunidade no Cristiano!
Justamente o Cristiano! O advogado famoso,
íntegro, que só havia pecado uma vez nessa vida
desgraçada: quando decidiu ter você como amante!
CONSTANTINOPLA — (chorando) Eu amava o Cristiano! E você se
aproveitou da aproximação dele pra ser vingar de
mim e seduzi-lo. (enfurecida) Como você foi baixa,
Sérvia!
SÉRVIA — No meu lugar você faria até pior! E o que eu
podia fazer se ele nunca te amou?! Ora
Constantinopla... O Cristiano se apaixonou por
mim... E pelo visto até hoje você não superou esse
trauma!
Logo, as duas dão uma pequena pausa na discussão. Constantinopla controla
as suas lágrimas, mira os seus olhos para o canto e focaliza o porta-retrato
de Sérvia com Malu, localizado mais atrás.
CONSTANTINOPLA — (encara-a) E a Malu? Ela por acaso é neta do
Cristiano?
SÉRVIA — (nervosa) E com que audácia você me pergunta
uma coisa dessas?!
CONSTANTINOPLA — Eu exijo que você me conte a verdade! ...
33
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
... Porque antes do Cristiano terminar comigo pra
te encontrar, ele havia me dito que tava
procurando uma filha desaparecida... E agora,
vendo essa sua neta, eu deduzi que ela fosse a
filha dessa filha que ele tava procurando!
SÉRVIA — (ríspida) Isso agora não importa! A Malu é a
minha neta, entendeu? Minha neta! E chega de
fazer perguntas! Você não tem o direito,
Constantinopla. As coisas agora funcionam de uma
forma muito clara: eu sou a patroa, e você a
empregada! Estamos entendidas?!
CONSTANTINOPLA — (resignada) Eu sei... (encara-a) Então você não
vai me demitir?
SÉRVIA — Isso numa foi cogitado por mim. Você é que
anda muito precipitada. Sabe Constantinopla...
Esse nosso reencontro não foi por acaso. E agora
que nós estamos aqui pra lavar a roupa suja do
tanque... Você já pode começar o seu serviço. Isso
claro, como um teste de efetividade.
CONSTANTINOPLA — (intrigada) Teste de efetividade?
SÉRVIA — Sim. Pra ver se você tem capacidade pra ser
governanta ou não!
CONSTANTINOPLA — Mas a Malu não me falou que precisava disso/
SÉRVIA — Ela não! Mas eu digo que sim! (irônica) Ou você
acha mesmo que eu contrataria qualquer lesada?
(decidida) Vamos começar o teste agora!
Corta imediatamente para...
34
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CENA 21. MANSÃO DE SÉRVIA. LAVANDERIA. INT. DIA.
Ao som de uma música cômica, Sérvia leva Constantinopla até a lavanderia
para mostrar a quantidade de roupas que estão jogadas no cesto do lixo, e
prontas para serem lavadas.
SÉRVIA — Como você ta vendo... Ta na hora de mostrar
serviço braçal.
CONSTANTINOPLA — Mas eu posso muito bem jogar as roupas na
máquina de lavar e depois na secadora.
SÉRVIA — A secadora e a máquina de lavar estão
desreguladas. E eu ainda não me prontifiquei a
comprar outras ou mandar arrumar. Portanto, é só
na base do tanquinho. (indica o tanque com sabão
de pedra em cima) Tudo certo pra você?!
Nisso, Constantinopla dá uma olhada de leve para o tanque, para as roupas
sujas no cesto do lixo, e volta a encarar Sérvia, com cara de clemência.
Instantes depois, Constantinopla já está se sujeitando à humilhação,
esfregando o sabão de pedra nas roupas, e, de vez em quando, deixando-o
escapar de suas mãos. Por fim, quando ela vai pendurar as roupas num varal
improvisado, ela percebe que esqueceu de fechar a torneira do tanque, que
já jorra água até as proximidades dos lixos recicláveis. Sérvia chega pela
porta de entrada e se assusta.
SÉRVIA — (estarrecida) Meu Deus, mas que horror! Você
nunca deve ter ouvido falar em aquecimento global
e no Rio + 20, não é mesmo?
CONSTANTINOPLA — (humilhada) Foi um pequeno deslize meu.
(desliga a torneira) Mas pronto! Isso não vai mais
se repetir.
35
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
SÉRVIA — É... Mas agora é o momento da 2ª etapa dessa
maratona. E aproveitando o embalo… Eu quero
esses cestos recicláveis de lixos tinindo, e depois
disso... Todos os sacos jogados lá na frente, pro
caminhão do lixo pegar!
CONSTANTINOPLA — (indignada) Mas isso não é serviço pra uma
governanta!
SÉRVIA — O que foi que eu já te falei? Pra ser governanta
minha, tem que ter capacidade. E até agora você
mostrou que não tem. Então minha cara, é a sua
última chance. É ganhar ou perder!
Corta imediatamente para...
CENA 22. MANSÃO DE SÉRVIA. QUINTAL. EXT. DIA.
Agora, Constantinopla surge da porta de saída da lavanderia, carregando
sacos amarelos de lixo. Ela está vestida com o mesmo uniforme dos
trabalhadores do caminhão de lixo. De repente, focaliza-se, atrás de
Constantinopla, Sérvia a observando pelo vidro da janela de sua sala. Esta
segura um celular bem forte, e quando vê o caminhão se aproximar de
Constantinopla, lá na rua, decide ligar para alguém e dizer.
SÉRVIA — (T) Agora é com vocês!
Nisso, através do PV de Sérvia, ela nota Constantinopla acenando para os
sujeitos do lixo, e jogando os seus sacos dentro da caçamba do caminhão. Lá
na rua, a coisa funciona de uma maneira diferente.
SUJEITO 1 — (debochando) A senhora não é a mãe do lixão?!
CONSTANTINOPLA — Mas da onde você tirou isto?
36
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
SUJEITO 1 — (observando-a) É que você ta com o mesmo
uniforme. E avisaram que você estaria por aqui pra
gente dar uma carona até o aterro do Caximba.
CONSTANTINOPLA — (revoltada) Mas como você ousa em dizer uma
barbaridade dessas? Vê se não me amolem!
Logo, quando se direciona para a mansão, um outro cara do lixo a intercepta.
SUJEITO 2 — Não precisa ser tão estúpida, também! Não quer
a nossa carona?!
CONSTANTINOPLA — Claro que não quero!
Nisso, o sujeito 1 observa Sérvia, lá na janela da mansão dela, e pisca para a
mesma. Ele pula da caçamba e pega Constantinopla pelo braço.
SUJEITO 1 — É claro que ela quer! Ela é a nossa colega.
CONSTANTINOPLA — (tentando se soltar) Mas é lógico que não.
Vocês estão me confundindo.
SUJEITO 2 — (pegando-a pelo outro braço) Vamos lá, mãe
Lucinda! Vamos pro seu habitat natural!
Por fim, eles a puxam com tudo e a arremessam até a caçamba repleta de
lixos. O caminhão começa a andar em movimento e os dois sujeitos pulam
rapidamente para não ficar pra trás. Os gritos de Constantinopla de nada
adiantam. O caminhão some do quarteirão da casa, e CAM se direciona até
dentro da casa de Sérvia, por onde ela dá uma virada de lado e ri horrores.
SÉRVIA — (p/si) Se ela pensou que eu ia entubar tudo o
que ela me aprontou no passado... (olha para a
janela) Sentiu a realidade dura nesse exato
momento!
Assim sendo, Sérvia pega o seu celular e dá um beijo de agradecimento.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CENA 23. CASA DE JAQUELINE. SALA. INT. DIA.
Já recuperada do susto, Cláudia sai do seu quarto e encontra Jaqueline e
Humberto no sofá, ainda preocupados.
CLÁUDIA — Não fiquem assim, não, gente! Eu já to melhor!
JAQUELINE — (levanta-se/vai até ela) E você vai faltar o
ensaio mesmo?
CLÁUDIA — (respira fundo) Infelizmente eu não tenho o
menor pique pra fazer isso hoje.
JAQUELINE — Então tem que avisar a Malu, né?
CLÁUDIA — É isso o que eu vou fazer.
HUMBERTO — (levanta-se) Bom... E eu vou ter que ir
trabalhar. Não posso deixar a clínica às moscas
nesse horário.
CLÁUDIA — (observa-o) Você deve ser o Humberto, né?
HUMBERTO — (sorrindo) Sou eu mesmo!
CLÁUDIA — (aproxima-se dele) Minha mãe já falou muito
de você. E não é que ela tava mesmo certa: você é
um gato!
Todos riem, descontraídos.
HUMBERTO — Bom... Agora eu me sinto no dever de te pedir
perdão por tudo o que o Antônio te fez, Cláudia!
CLÁUDIA — Não esquente a cabeça com isso! Você não pode
assumir as besteiras que os outros fazem. Mas eu
me sinto à vontade pra te alertar sobre o seu
colega de trabalho: o Antônio é traiçoeiro. Toma
cuidado com ele!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
Clima tenso. Os três se encaram, apreensivos. Mas Humberto corta o clima
e dá um sorriso forçado.
HUMBERTO — Claro! Fique tranqüila, Cláudia. Eu vou me
cuidar... Pra depois, quem sabe, poder cuidar da
minha nova família!
JAQUELINE — (irônica) Nossa, mas você já ta indo direto ao
ponto, hein.
Nisso, ela vai até ele e o enche de beijos.
CLÁUDIA — (brincando) Isso... Continuem com essa melação
na minha frente. Depois não reclamem se os dois
virarem molho de caramelo.
Tanto Jaqueline quanto Humberto riem, e este se projeta para a saída da
sala, que dá diretamente ao corredor do brechó. Jaqueline sai junto com ele.
Ainda preocupada, Cláudia senta-se no sofá e pensa longe.
CLÁUDIA — (p/si) Eu preciso avisar a Malu!
Corta imediatamente para...
CENA 24. AGÊNCIA VITAL. ESTÚDIO FOTOGRÁFICO. INT. DIA.
Malu já se encontra falando com Cláudia no celular, sendo observando pelo
fotógrafo, por Gene e Júlia.
MALU — (T) Tudo certo, Cláudia! Eu entendo você. (T)
Eu espero que esteja tudo bem, viu? Um beijo!
Nisso, ela desliga o celular e encara os três personagens.
MALU — A Cláudia não vai poder vir!
JÚLIA — (revoltada) Mas que absurdo! A campanha já ta
correndo e essa sua amiguinha apronta uma dessas
com a gente?
39
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
GENE — (aproxima-se de Malu) Mas aconteceu alguma
coisa com ela, Malu?
MALU — Parece que ela foi vítima de um assalto. Os
bandidos roubaram quase tudo dela. Deixaram a
menina bem traumatizada.
JÚLIA — (debochando) Mas que frescura!
FOTÓGRAFO — Nesse caso, a gente vai ter que adiantar as
divulgações da campanha primavera-verão, que é só
com a Malu. Porque quando for a outono-inverno, a
Cláudia entra junto com ela!
MALU — Claro! Que bom que o trabalho já ta meio
adiantado.
JÚLIA — Meio adiantado, né? Porque a incompetência de
certas pessoas que confundem vida pessoal com
profissional quase fizeram a canoa da agência
afundar com todo mundo junto.
GENE — (revida) E pelo que dependesse da sua
compreensão, Júlia, nessa hora a canoa já estaria
virando comida pra tubarão, não é mesmo?!
Som de suspense. Todos se entreolham, em um clima de tensão absoluta.
Sentindo-se humilhada, Júlia encara os três, mira os olhares para o chão e
sai de cena.
FOTÓGRAFO — Então vamos lá, Malu? Vamos finalizar os
detalhes da campanha do shopping Metrópole!
Corta imediatamente para...
CENA 25. AGÊNCIA VITAL. SALA DE JÚLIA. INT. DIA.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
Enquanto Malu vai tirando algumas fotos finais, Júlia entra na sua sala, e
observa o estúdio fotográfico, que fica na sua frente. Ela fecha a cortina
persiana, demonstrando muita raiva. Logo, Gene invade a sala e Júlia leva um
susto.
JÚLIA — Mas o que é isso?
GENE — (decidido) É o que eu quero saber! O que é isso,
Júlia? Qual é o seu problema?!
Música de suspense. CAM foca na expressão revoltada de Júlia.
JÚLIA — (anda para todos os lados) O problema mesmo
é a forma como vocês tratam essas duas
despreparadas! (encara-a) Duas desconhecidas do
público. Que com certeza não vão render nada com
essa campanha visionária do shopping! Você sabe
que eu tenho experiência de mercado, Gene! Com
certeza uma mulher famosa, como a Gisele
Bündchen, ou até uma atriz como a Cláudia Abreu
renderiam muito mais com a proposta das “Donas
da História”!
GENE — Mas o foco não é ficar mostrando uma imagem
pronta e um merchandising de gente famosa. A
proposta do slogan do shopping é o da mulher
brasileira. A mulher comum. Aquela que é fácil de
ser encontrada nas ruas.
JÚLIA — (irônica) Realmente... Muito fáceis de serem
encontradas....
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
... Aquela que ta ensaiando facilmente seria achada
numa dessas lojinhas metidas à besta do shopping.
Já que o dono de lá é padrinho dela. Veja só a
coincidência, né. Puro nepotismo!
GENE — Essa discussão não vai levar a nada, Júlia! A
Malu é talentosa. Tem carisma. E ainda por cima
trabalhava aqui com a gente na área de mídia. Se
fosse com uma mulher famosa, o cachê que ela
poderia cobrar poderia ser alto demais pros
padrões atuais da nossa agência. Você sabe que
nós ainda estamos saindo da crise. Precisamos
avançar aos poucos!
JÚLIA — (senta-se na cadeira) To vendo que foi a maior
besteira da minha vida ter investido nessa agência
de beira de esquina! Nem a tradição do seu pai
salva esse lugar do vermelho.
GENE — Nós estamos melhorando, sim! Não estamos
mais no vermelho. (apóia os braços na
mesa/encara Júlia) Então colabora, minha cara!
Se você quer que o que você investiu lucre
rapidamente, não dê mais pitaco onde não é
chamada! (tira os braços da mesa/projeta-se
para a saída) Dá licença!
No ímpeto, Gene sai da sala e fecha a porta com tudo. Júlia, por sua vez,
gira a cadeira onde está sentada e pensa em algo.
JÚLIA — (p/si) Eu vou acabar com a farra dessa
ordinária da Malu! ...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
... Eu não quero nem saber se o Irineu é padrinho
dela, e tem um ótimo poder aquisitivo. Eu só quero
essa mulher longe da minha sombra!
CENA 26. AGÊNCIA VITAL. CORREDOR. INT. DIA.
Minutos depois, o ensaio com Malu já acabou. O fotógrafo e ela saem
animados da sala, enquanto Gene sai de sua sala e os encara.
GENE — Correu tudo bem com as fotos?
FOTÓGRAFO — Tudo muito bem feito. Material de primeira! Vou
guardar as fotos lá no computador da sua sala e
depois dar umas editadas finais.
GENE — (abre a porta de sua sala) Tudo certo!
(encara Malu) E você, Malu? Vai almoçar?
MALU — (corta) Eu já to de saída. Vou dar uma passada
lá em casa. Vocês me dão licença.
Não dá nem tempo do Gene dizer nada. Malu já correu para o elevador, que
fecha com ela dentro. Enquanto isso, do PV de alguém distante, o fotógrafo
entra na sala, Gene vai até um outro departamento, e CAM revela Júlia, que,
ao ver o fotógrafo sair da sala de Gene, decide agir.
CENA 27. AGÊNCIA VITAL. SALA DE GENE. INT. DIA.
Música de suspense. Rapidamente, Júlia abre a porta, observa para ver se
alguém está no corredor, fecha-a e tranca com uma chave. Aí, ela entra no
PC de seu marido, digita uma senha de acesso e encontra todas as fotos, de
todos os ensaios fotográficos de Malu. Nisso, sem o menor pudor, Júlia
seleciona todos os arquivos e manda diretamente para a lixeira. O seu olhar
cínico e o seu sorriso de vitória são focalizados.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
CENA 28. MANSÃO DE SÉRVIA. RUA. EXT. DIA.
Constantinopla vai chegando toda descadeirada até o local, ainda com aquela
uniforme de lixeira.
CONSTANTINOPLA — (p/si) Aposto que isso tudo foi armação daquela
velha esclerosada! Mas eu ainda me vingo dessa
ordinária! (gritando) Ah, seu me vingo!
De repente, quando se direciona para a entrada da mansão, Nader é
focalizado atrás dela.
NADER — (irônico) O que é isso, madame? Além de falar
sozinha agora decidiu virar a mãe Lucinda? Ou
seria a mãe Constantine?
Música de suspense. Estarrecida, Constantinopla fica paralisada ao ouvi-lo, e
dá um giro de 360º para encará-lo.
CONSTANTINOPLA — Mas o que é que você ta fazendo aqui, Nader?
Pare de ficar me seguindo! Por favor!
Nisso, Nader aproxima-se dela e a encara de perto.
NADER — Eu não agüentei ficar esperando o seu retorno.
Você nem se deu ao trabalho de ligar pro número
que eu te passei no cartão. Então eu decidi dar
uma pesquisada no território inimigo, e to
descobrindo coisas muito interessantes. Eu não
sabia que o seu filho era dono de uma das clínicas
mais famosas de Curitiba/
CONSTANTINOPLA — (dá uma empurrada nele) Você sai daqui! (olha
para os lados) Eu não posso marcar bobeira nesse
lugar!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 09
NADER — Você sabe muito bem porque eu to te
azucrinando, Constantinopla! O dinheiro ta
escasso, e eu exijo o pagamento logo. (prensa-a no
muro) Ou você prefere continuar fugindo de mim e
do seu passado? A sua vida podre deixou rastros,
velhaca! É impossível limpar essa mancha do teu
currículo!
De repente, Sérvia surge através do portão automático, e nota os dois
encostados no muro de sua mansão.
SÉRVIA — (gritando) Mas o que está acontecendo aqui? O
que você ta fazendo com esse sujeito,
Constantinopla?!
FIM DO CAPÍTULO 9.
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