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E S P I R I T O D E V I E I R A
ou
SELECTA
D E
P E N S A M E N T O S E C O N Ô M I C O S , P O L Í T I C O S ,
M O R A E S , L I T T E R A R I O S ,
C O M A B I O G R A P H I A
DESTE CELEBRADO ESCRIPTOR.
A P P E N D I C E
A O S
ESTUDOS DO BEM-COMMUM.
P O R
JOSÉ DA SILVA LISBOA.
O que unicamente des ejo , he ver o Reino unid o, fiel, e obed iente;
x>s meios de sua conservação pro m pto s, e bem app licado s; e para mi m,
acabar o resto dos dias na minha Missão.
Vieir.
Cart.
Rom.
RI O DE JANE I RO. NA I MPRE SSÃO RE GI A.
1 8 2 1 .
Com Lice?iça.
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A D V E R T Ê N C I A .
A
Inda que na parte I. dos
Estudos- à« Bem-
Cornmum
não enumerasse ao Padre Antônio Vieira
en tre os Escriptores Nacionaes sobre objectos de E co
nomia política, por não ter composto obra dirccta acer
ca das m atérias concernentes ; comtudo , tendo sido
hum Colosso de saber nas letras divinas e hum ana s
do>
seu te m p o , na Pa rte I I I . t ranscrevi varias suas passa.
gens relativas á assumptos an álogo s, annun ciando ten-
çáo de ofFerecer luima Selecta de outros por Appendice.
M a s ,
como a edição dos ditos
Estudos
em to
das- as Partes do Plano exige tempo; e ora he no
tório o desvia da atten ção pu blic a á acenas improvisa»
nos Reinos da Europa; sendo por isso importante
que se diflundão em maior esphera as sãas doutrinas
do di to Gran de M estre e Pregoeiro da Lealdade Na
cional, as quaes são menos conhecidas, por se acha
rem dispersas em seus . numerosos escriptos , que ra
ra s pessoas hoje possuem e lê m ; pareceo-rae conve
nie nte ir j á publicando a annun ciada Se lecta ; afim de
oppôr o Espirito de Vieira ao Espirito do Século.
Aos que menosprezão
Lição Pátria
, e se dirigem
sem ca ute la, nem prud ên cia , por vários escriptos
«eduetores da Hespan ha e F ra n ç a , que ora correm
devassos no vulgo , seja-me licito fazer a seguinte
Adv ertência do nosso Historiador da Descoberta do
Brasil no Prólogo da Década I I I . " Traz-se quasi em
Provérbio. =
Os Hespanhoes se governão p elo pre
sente, e os Francezes pelo que está por vir. = Não
convém olhar sempre as cousas presentes, mas a re
volução que «lias tem do pretérito para o futuro.
Porque o seu curso natural he hum bem correspon
der á outro, e hum mal á outro mal; por estarem
as cousas futura s sujeitas a terem as vezes que j á
tiverão, quasi como hum curso circular. — Não re-
*i i
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II
provamos 09 exemplos da historia dos outro s povo»
mais que na precedência de anteporem aos naturaes
c familiares de casa; porque ahi ha grande perigo,
em que pode incorrer a gen te de tenro juízo , que
são os mancebos. Para não se corromperem com algum veneno de damnosa lição, diremos o que Pla
tão diz em nome de Sócrates; que mais grave he o
perigo no acceitar a disciplina ou lição de liv ro s,
que no comprar as cousas do mantimento de que vi
vemos. Porque este, da Praça não se leva logo no
estômago, mas em cousa, que, se nel las houver al
gum veneno, não pôde empecer, e ainda sobre isso
temos o conselho do medico , que nos ensina quaes
devemos come r, e quaes nã o; o que
.
não se fa i
na compra de livros. Donde v em , que a peçonha
da má dou trina , e leitura delles , lavra no animoprimeiro que assentemos no entendimento. — E com o,
afim de bem obrar, o escriptores ordenarão as suas
escripturas, aquellas são mas úteis e proveitosas pa
ra ler, que mais movem para bem obrar. — As es
cripturas que não tem esta utilidade de lição, além
de se nellas perder tempo, que he a mais preciosa
cousa da vida, barbarizáo o engenho, e escandalizai
a alma. „
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III
DISCURSO PRELIMINAR.
O Padre Antônio Vieira, ainda que bem
conhecido como
Pregador Regio
em Por tugal ,
e Superior das Missões no Brasil por Nom ea
ção d 'El-Rei D . João IV . , não goza neste Re ina
do conceito de que he digno também como
huma das boas Cabeças Poli t icas da Nação;
havendo por isso sido encarregado de Com-
missÕes Diplomáticas pelo mesmo Soberano
em varias pr ineipaes Cortes da Europa, no
tem po mais cr it ico do E st a d o , depois da
Restauração da Monarchia,
El-R ei D . João V ., 3 3 annos depois de
falecido aquelle Orador de Seus Augustos
Predecessores, desejou resusci tar a sua fa
ma , que começava a de cl in ar , mandando
imp rimir a Oração fúnebre do P ad re M a
noel Caetano de Souza, Clér igo Regular da
Divina Pro vid enc ia, com que o Conde da
Ericeira solemnixara as Exéquias de tão il-
lustre Ecclesiastico , tendo sido thema o
texto da Ep. I I . de S. Paulo á Timotheo Cap.
I . Vers. I I .
Fui constituído Pregador
,
Apóstolo,
e Mestre das Nações.
Em 1746 Anselmo Cae tano, Doutor na U ni
versidade de Co imb ra, deo á luz em Lisboa hum
Re sum o dos Sermõ es imp ressos do P . Viei
ra em dous Volum es in 4-° com o titulo de
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IV
Vieira Abbreviado.
Porém o progresso das
«ciências e o de scr éd ito que sobreveio â
Ordem dos Jesuítas *, e que occasionou a sua
extincça o . concorrerão a de sapprec iar o Ori
ginal, e o Extraeto, que se fizerão raros. Este
mesmo Compêndio além disto. sendo mui
succincto em alguns po n to s, e amplo em ou
t r o s ,
contém cousas incompatíveis com o
actual melindre dos tempos.
Perse verou comtudo sempre a reputação:
do Author como hum dos Mestres do Idio-
" Na epocha d a proscripção dos Jesuítas , e da ex
tinc çao de sua Orde m , e confiscação de seus bens .
apparecerão escriptos bem conhecidos , de mão sup erior,
em Li sb oa , em que se intitulou por ironia ao Pad re
Vieira o
façanlwso Vieira,
falecido havia mais de setten-
ta annos. O seu Author prescindio do Conselho do Poe
ta de A ugusto. — Perdoa ao Sepultado. — H a jus t iça
em confundir o indivíduo benemérito com o Corpo que
depois abusou da Confiança Real , e do seu Inst i tuto,
qua l o mesmo Vieira d eclara no Sermão , que vem no
To m. XIV . das suas Obras pag. 56 ? = " O Instituto da
„ Co mp anhia professa consiste em renvmciar os bens
„ pr óp rio s, e fazer próprios os male s alheios. Con siste
, , em jeuuBciar es bens próprios, porque nenhuma Casa
,, professa d a Com panhia pode ter propriedade al gu m a,
„ nem ainda para o Culto Divino, de que he tão ze-
„ loza: e Consiste em fazer próprios os majes alheios,
,, porque esse he o voto e obrigação dos pro fess os,
,, acud ir aos males com mun s e dos provimos , como
„ se forão pró prios , e particulares» „ = Ta l foi a ob
servância religiosa do P. Vieira, como bem mostrou o
seu Bi og rap ho , e especialmente se manifestou pelo z el o,
e sacrifício da própria vida e fama, com que se osten
tou exemplar na Religião e Hum anidade , qu an do , em
fervoroso espirito de caridade, foi do Brasil á Portugal
a defender contra os poderosos a Liberdade dos índios,
obtendo por isso favorável Legislação.
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ína Lusi tano, bem que houvesse discórdia
de opiniões
r
quanto a preferencia do melhor
Clássico, segundo declara o moderno Escr i-
ptor do Diccionario Portuguez, Antônio de
•Moraes Si lva, no Prólogo do mesmo, di
zendo que os Críticos tem cada hum o seu
mimoso..
O Ex."
10
M arquez d 'A gu iar , sendo Mi
nistro de Estado dos Negócios do Brasi l ,
foi o primeiro que excitou a curiosidade
publica, t ranscrevendo e louvando var ias
passagens dos Sermões de Vieira nas
Notas
à s suas TraducçÕes , que em 1810 e 1 811
deo â luz nesta Corte do Rio de Janeiro
d o =
Ensaio da Critica'
= e das —
Epístolas
Moraes •= de Pope. * Elle ahi insinua o m é
rito da penna dèscriptiva do mesmo Vieira-, .
e se authoriza com o juízo do exímio Th eolo -
•go e Ph ilólogo o P . Antônio P e re ir a , o q u al
aaa Diss ertação incorporada no Tom . IV das
-Mem órias Litterarias da Real Academia das
Sciencias de Lisboa, diz que o P. Vieira
d e ra á Língua Po rtug ue sa o seu ul timo
po-
ümento e esplendor.
Em 1820 Roberto Southey no I I . e I I I .
Tomo da sua
Historia do Brasil,
mostrou o
m erecim ento do P . V ieira , e de seus escr i
p t o s ,
com tal profu são , q ue o relatório dos
successos do M aranhão e P a r á , no mais
importante período do estabelecimento des
s a s Capitanias», he quasi l iteral ex traeto dos
* Vai. I. p»g. 20 e 75. — Vol. II. 124 * 125.
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VI
seus Sermões e Cartas. Até lhe attr ibue o
ter sido o Introductor da Caneleira e Pi-
menteira da índia na Bahia.
Além das obras impressas de V ieira ,
sendo algumas fora do Reino, e até tradu
zidas em varias Línguas, ha manuscriptos au-
tographos
delle na Re al B ibliotheca desta
C o r te : o que hé prova da sua estimação.
Destas inéditas não fiz extractos, nem das
t idas por apocryphas no melhor cr i tér io,
tal como a =
Arte de Furtar. =
N o meu fraco en tend er ainda que o
P . Vieira seja á muitos respeitos beneméri
to da Pátria, e por isso com razão o seu
Biographo o P.
André de Barras,
o intitulou
Movo
Apóstolo
do Bras il, o seu maior mérito,
não he tanto a excellencia da Linguagem,
como a elevação de Pensamentos, pelo enla
ce com que une os dictames do Christianis-
mo aos deveres de todas as classes, desde o
So bera no até o minimo vassallo. Ainda que
na
Econômica
seja mais pa rc o , e men os con
forme aos actuaes adiantamentos dessa Scien-
cia, com tudo na Política he abun dan te , e
m ui sublime po r ser a sua base o Gov erno
Theocrat ico, e a Lei da Graça.
JEis os motivos porque arranjei este
Promptuar io de alguns seus Pensamentos,
que me parecerão interessantes, pela matér ia,
ou fôrma. Ainda onde não ha novidade na
doutr ina, e eccentr icidade de phantasia, o
contraste do methodo de Vieira com o pre
sen te , serve para a historia do progresso
do Espirito Hu m ano. O meu trabalho he dlri-
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y-i í
gído somente a® eomtm&o dos estudiosos
asp iran tes ao &erviço do So bera no . Ainda
•assim he ju st o e nece ssário dar desco ntos
ao gosto e ' modo de pens ar da idade em
qnie essereveo o sublime Gênio Nacional, a.
qoaera se dep o titulo de
Ptrixtdpe dos Ora*
dores Porátguezes.
Este Varão Apostólico, nascido em Lisboa,
•fea os se u s -estudos n o C olleg io. de Ed uc aç ão
da Companhia de
JBSUS
na Bahia, onde veio
depois tenmmar os seus dias, falecendo qua
si nonagenark)
-tem
h&97. E oi-me isto não leve
mot ivo de consagrar a lgum monumento d e re s -
peito ao Nome immortal de quem tanto re«*
com me ndou ( seg un do a sua prhrase ) cam i-
ÍÈÍHX
sem pre pela Estrada Real da
Verdade
e
Virtude; e q u e , fazendo votos po r melho r
sy stem a «cono mioo , . quasi em espir ito de
•vatiemio, presa giou o fiaturp., ora ex pe rim en
tad o Bem-Coiimium deste R ei n o, pela vin
da , e es t ada da Cor te , des t ' a r t e havendo p re
gado «a Cade i r a
v
Evang élica da Igreja da
Misericórdia daquelía antiga capital do en
tã o Vice-Reinado do Principado Ultramari-
«WD. Vio o Profeta Malachias em espirito
aquella felicíssima jornada, que havia de fa
zer do Ce o á ter ra o Red em ptor e R es-
taurad or d o m un do ; e dando as boas novas
a -todos ©s homens, como enfermos pelo
peecado de Adão, d iz ass im: Alegra- te en
fermo gênero humano, a legfa- te , e começaa esperar melhor de teus males, porque vi-
j á o .Spl de ju st iç a , e te trará a saúde nas
azas. Cumprida temos hoje esta tão espera-
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VIII
da profecia. — Alegre-se o enfermo Brasil,
porque vê também cumprida em si aquella
pr of ec ia, qu e havia de vir hum Sol d e jus*»
tiça a restaurallo, que traria a saúde nas
azas. — Atégora nada luz ao Brasi l , por
mais que dê; nada lhe monta, e nada lhe
ap rov ei ta , por mais que faç a , e se des
faça. — Mas alegra- te, anima-te, e dá gra
ças á D eos , que , já por m ercê s u a , es
tamos em tem po , q u e , se concorrer-mos com
o nosso suor , ha de ser para nossa saúde.
Tudo o que der a Bahia, para a Bahia ha
de ser ; tudo o que se t i rar do Brasi l , com
o Brasi l se ha de gastar . — Presentemente,
sendo tão particulares as conveniências do no
v o g ov ern o d o n osso F E L I C Í S S I M O C É S A R ,
que Deos guarde , se ja também nova, e
mais exacta que nunca, a sujeição. respei
to , e rev eren cia, com qu e todos os Va ssal-
los da mesma M agestade o ve ne rem , e obe-
deção. — Esta he a f ineza do nosso caso,
respei tando e obedecendo ao ORIGINAL
S O B E R A N O , n ão n as i m ag en s , i q u e a t ég o r a
cá se mandavão, senão nos naturaes da nos
sa mesma terra. — " Neste Estado* ha num a
só Vontade, hum só Entendimento , e hum
só Po der qual o de Quem o Go verna. * „
Eis como acclamou a I . Restauração do
Reino , e a Con stante. Lealdade da B a h ia ,
logo que ahi chegou tão boa no va Com
que êxtase acclamaria a I I . Restauração na
* Vide Vieira Abbreviado tom. I. pag. 271 e seg. : e
Cart. tom.
III.
pag . 15 . .
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IX
Presença do Invicto Libertador , que, vindo na
sua feliz viagem.á Capital do Brasil , Se Resol-
veq, qual Inclyto Argonauta, de Próprio Motu,
H on rar prim eiro com a sua .Augusta Pe ssoa
aquel la Cidade, tão bem t i tulada de
S. Sal
vador ; e ahi logo pela C ar ta R egia de 28
de Janeiro de 1808 Fazer o Manifesto do
Seu Novo Sy stema de Comm ercio Fra nc o; e
pelo Decreto de 23 de Fevereiro Crear huma
Cadeira da Sciencia Econômica, Ordenando o
seu estabelecimento nesta Corte, com a De
claração no Preâmbulo de que " são neces
sários os estudos desta Sciencia, para que os
Meus fieis vassallos Me possão melhor ser
vir ; e acha r-se o Brasil em circun stanc ias
de se appl icarem alguns dos seus Pr incípios,
sem que se caminha ás cegas, e com pas
sos mui lentos
„
e ás vezes co ntrá r ios , em
matér ias de governo? „
A vista disto, espero que não seja pre
cisa maior apologia, para também fazer con
tr ibuir á Instrucção Publica nestas matér ias
a erudição do
r
Padre Vieira,
como na Par
te I . pratiquei com a de
João de Barros;
vis to que o Mesmo Soberano, também de
Motu Próprio, se Dignou Fazer-me a 'Mer*>
cê da di ta Cadeira, e convém que as dou
trinas econômicas tenhão o cunho do Cara
cter Nacional .
(
Para , de a lgum modo, cor responder á
R ea l Co nfiança , vendo a notória indece nte
opposiçao (que ainda existe ) dos accexrimos
e interesseiros sec tár ios„ do Sy ste m a, Colo
nial, ora virtualmente extincto pelo Decreto
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X
da tJniSo dos t rês Reinos de Portugal , Bra
sil , e Algarves , gradua lm ente fui dand o á
Juz (n ã o sem algum effeito ) varias
Memórias
Econômicas,
em demonstração das vantagens
da Franq ueza do Commercio ê Ind us tr ia , e
e de outros subsequentes
Benefícios Políticos
do No sso So bera no. P o r firn resolvi-me a
publicar os meus
Estudos,
como obra mais
systematica, considerando já caducas as ve
lhas preoccupaçÕes.
Por natural idade, e prof issão, dir igindo
os m eus estudo s a sab er das cousas do Bra
sil , conformei-me ao Juiz o qu e El- R ey D .
João IV- formou do nosso Grande Homem,
assim recomm endando ao Gov erno = " Con-
„ suite o Padre Antônio Vieira com o conhe-
, , c imento que tem de todo o E st a d o , e
„ suas conquistas, as quaes correo e visitou
„ todas em onze mezes; não havendo par te
, , no mar r io s, e te r ra s , p or espaço de
,, quinhentas legoas, que não tenha visto e
„ pizadõ. *
E ra já tem po de tirar do olvido ( con
tra a Seita dos Quinhèntistas ) o incompara-
vel Méri to Li t terar io de quem tanto promo-
veo a civilisação d o B ra s il , e no ma is diffi-
cil empenho de dar aos salvagens indígenas
instrú cçã o religiosa , e vida regular. Sen do
Exemplar no ze lo do Bem-Commum, se as
idéas do teníp o , e a ctíbiça dos Co lon os ,
impossibili tarão a destinada extensão des bons
effeitos do seu zelo , a s ua fama de ve se r
* Cartas de Vieira Tom. II. -pag. 177.
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X í
sempre pura e esplendida. Não seja este
Reino a Terra do Esquecimento.
A
Real Academia das Sciencias ,de Lis
boa , na Dissertação Preliminar do seu Diccio-
nario em qu e fixou o devido conceito dos
nossos C láss icos , fez justiça ao P ad re Antônio
Vieira, colligindo os elogios que lhes tem
feito Nacionaes e Estrangeiros, que até lhe
derão o t i tulo de Pai da Eloqüência Portu-
gueza :
p or ém , pelas subtilezas do seu estilo ,
dec ide com a senten ça de
Quintiliano
á Seneca,
que as suas obras seriao melhores, se as t i
vesse feito com o próprio en ge nh o, m as com
juízo alheio. Com reverencia á tão Alta Au-
tfcor idade, cumpre-me dizer , que hoje nem
Cicerj e Tácito são havidos por m odelos da
Ora tória e H isto ria ; aq ue lle ' por m ui florido,
e este por mui lacônico. Reconheço que o
nosso Orad or bem que tivesse o dom da
falia, não teve sem pre economia na verda de.
Mas esse defeito foi mais do tempo que do
liomem. Além de que os Gênios tem privi
légios exclusivos: o que he nodoa em es-
cr ip tor ordinár io , he graça no preeminente ,
e objecto de admiração, ainda cfue não em
tudo de imitação. As obras destes originaes
•assemelhão-se ás arvores de tronco arraigado
cm ter re no viçoso que por mais que se
decotem e desfolhem, semp re deixão a co
lher, á mãos cheias, fructos e f lores. Per
suado-m e que nas do Pa dre Vieira se acha
rão passagens dignas dos Exemplares gregos
e latinos. Convém se compensem as argucias
Ja intell igencia com a riqueza da dicção.
**
JI
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x i r
Não he de razão condemnar , com os
conhecim entos do século décimo no n o, e se
vero escrutínio de crit ica transcend ente , os
Litteratos do século décimo septimo. Os que
assás contribuirão a enriquecer a Litteratura
N acion al , e aos interesses da M onarchia, tem
direito á perpetua gratidão e estima. Seria
absurdo es pe ra r , que o Pa dre V ieira , fallan-
d o , por exem plo , em luz e moeda, empa
relhe á
Newton
e
Smith
; mas as suas paró
dias semp re serão dignas de attenção á Le i
tores cândidos , e dis cre to s, que sabem discernir o diamante do crystal . Por isso quan
to pude , sem mutilação offensiva, ap ure i
os extractos desta Se lec ta, desvelando-me na
escolha somente das Obras que tiverão ap-
provação em Ceftsura official, e que até se
derão á luz sob os Reaes Auspícios.
Inteiramente omit t i a obra de mera phan-
tasia do
Quinto Império,
que só foi efFeito
de paroxismo de amor da gloria do Throno
Lu si ta no , que o insigne Diplomata desejava
ver sobresahir no Th eatro P olít ico. Ahi fez
a ten tativa de transc end er a esph era m ortal
e vér o-futuro. Ainda assim convém dar ve-
nia ao enthusiasmo patr iót ico no ta nd o- se ,
que já hoje os Geographos eontão por Quin
ta Parte da Terra
a
AuUrolasia e Polyfltsia
,
( originaes des cob ertas d os nossos Arg ona u-
tas * ) e qu e a Intell igencia e Indu stria H u
mana ( segun do disse o
Cantor do Oriente )
Novos Mundos ao Mundo vão mostrando.
*
Veja-se o Supplemento á Encycloped. Britan. Vol. II.
Pa rt. I . pag . 1 §. 2 , com referencia ao nosso
Barros.
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X I I I
Em tem po em q ue vemos a todas as N a
ções , que avanção para a Riqu eza e Gran
deza , porfiarem com em ula çã o, em assoalhar
á Hum anidade os seus Heroes e Sá bio s, q ue
illustrarão o próprio século, e Paiz, não nos
he airoso desaproveitar a nobre Herança Ja-
ce/ite de tanta Opulencia Li t te rar ia , que e stá
sepultada na poeira das Livrarias.
Em conclusão: Sendo o Padre Antônio
Vieira Honra do Reino U nid o; tendo P ort u
gal o Brasão de lhe ter dado o nascimen
to , app laus o , e cred ito ; e o B rasil p re -
zando-se do Timbre de lhe haver dado o
ensino , a s y lo , e Jazigo na Bahia , onde
está o deposito de seus honrados ossos
thesouro da Cidade; tendo-se mostrado o Pa
drão de Espirito Religioso e Civil nos he
róico s sacrifícios , com qu e ( seg un do dis se
no Prólog o da P a rt e I . das suas Ob ras )
foi em toda a vida occupado no serviço de Deos,
e da Pátria;
espero se perdoe dedicar esta
Memória
á
Sombra de Grande Nome,
atim de
que o Padre Grande ( segu ndo o appellidavão
os ín dio s ) seja d aqu i em dian te o Pó Le
vantado. *
Esta Selecta, pelo menos, servirá
á Mocidade de Lição da Lingua.
Se for nec essá ria m aior Apologia ao meu
trabalho, offereço a que elle deo no dito
Prólogo :
" Se gos tas da affectação e pom pa de
pala vra s, e do es t i lo , q ue chamão cu l to, não
* He objecto de hum dos seus magníficos Sermões.
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19/58
XIV
m e leias. Q uan do es te estilo m ais florecia,
nascerão as pr im eiras verdu ras do meu ( q u e
perd oará s q uand o encon trares ) : m as valeo-
me tanto sem pre a clare za, que só po rqu e
m e e nten dião , com ecei a se r o uvido : e o
começarão também a ser os que reconhece
rão o seu engan o e mal se ente nd ião a si
mesmos. , ,
" O nome de Pr im eira Pa r te com que
sahe este Tomo, promette outras. Se me
perguntas quantas serão ? Só te pôde respon
der com certeza o Author da vida. , ,
Assim também digo a respei to das Par
tes annunciadas no Frontispicio desta Selecta,
se t iverem Accei te Público. Não se espere
achar com precisão em cada huma a matéria
cor re spo nd ente , mas só a preponderante ;
pois que todas as do annuncio tem entre si
relações intimas, e difficeis de bem se extre
marem. Aos Lei tores austeros só responderei
com a justa queixa do nosso ant igo Poeta,
transcripta no Diccionario da Real Academia
das Sciencias de Lisboa:
Por Constellação do Clima,
Es ta Nação Por tugueza ,
O nada estrangeiro est ima,
O muito dos seus despreza.
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20/58
XV
A dita Real Academia no seu referido
Diccionario transcreve© o juizo do P. André
de Barros,
Biographo d© P . V ieira, dize nd o,
fora dotado- d e tantas l u z e s , q u e , por si
s ó , podia dar luz á toda a Lusitânia.
Alguns Aristarchos de Portugal não só
con testão este elo gio , mas até ecl ipsão a
boa fama do Feliz Gênio, não vendo em suas
obras senão chistes sentenciosos, t rocadi lhos
dfe voc ábu los , arras tos da Es crip tura , c re-
dulidade do vulgo. Çom semelhantes- censu-
« í » ,
os emulos de seu talento já em vida
tanto lhe magoarão o espi r i to , que , sendo
m ais de septuagenário â supplicas e instân
c ias , obteve o refugiar -sè na Bahia - 'donde
havia sahido havia quarenta annos, queixan
do-se • d e
ingratidões da Pátria,
e dize ndo ,
•que os seus o não receberão.
Estava reservado á Escr ip tores Est ran
geiros apregoar na E urop a o méri to do Va
rão Apostól ico.
H e bem conhecido pelos Litteratos o
panegyrico que lhe faz o
Historiador dos Es
tabelecimentos dos Europeos nas duas índias; o
q u a l , t ra tando do B ra si l , t ranscreveò boa
pa r te do ce lebrado S erm ão , que o P . Vie ira
pregou na Igreja de Nossa Senhora d'Ajuda da
Bahia, onde, no espir i to da mais pura lealdade,
com sublimada g ra ça , e rel igioso ê x ta se , la
mentou a invasão dos Hollandezes no per ío
do da Dominação Hespanhol .
O acima ci tado Bri tannico Escr iptor da
Histor ia do Brasi l no tomo I I I . , suppo sto re
conhecesse haver nos Sermões do Vieira ob-
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3CVI
jectos de censura nas que int i tula
parfes ty-
picas e allegorkas, todav ia acclama o seu
bom nome,
aflirmando conterem essas
compo
sições extraordinárias força de conceito', -feli
cidade de expressão, estremada eloqüência- ,
r ica ph anta sia, e , mais qu e tudo» 6 mani
festo de nobre coração, que const i tuo com
just iça as suas obras o pr imor e t imbre dà
Li t tera tura Por tugueza . Por i sso a té t rans-
creveo varias passa gens no orig ina l, dizendo
ser para gosto dos amigos , confessando qu e
lhe era impossível traduzillas, pelos singula
res idiot ismos, e estilo inimitável.
Havendo-se pois recentemente em Paris
e Londres feito esplendidas edições das obras
do Príncipe dos Poetas Portuguezes, Camões, o
pat r io t i smo die ta , que nesta Cor te do Bra
sil saia á luz, ao menos em miniatura, hu-
ma collecção das doutrinas mais instruetivas
do Príncipe dos Oradores do Reino Unido, que
talvez superiormente contribuio á gloria da
Coroa e Nação, e que além disto tem o
particular mérito de haver sido o Defensor
da Causa Liberal dos Indígenas deste Paiz.
Nas actuaes circunstancias he especial
mente at tendivel a seguinte Lição clássica d a -
quel le Pregador Regio , com que applaudio
a grat idão do Brasi l ; inspirou o dever da
união de todos os vassallos pa ra amor á se u
So be ran o, ainda que não tenha o a fortuna
de viverem no lugar de Sua Residência; pro**
pôs o Memorial do bom governo do Funda
dor da Augusta Dynast ia Reinante , para Exem
plar ao Pr íncipe He rdeiro e Bem -Com mum .
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- X V I I
" Ninguém diga que a terra do Brasil
he ingrata: o agradecimento he fi lho do amor,
e o amor ordinariam ente o tem po esfria , e
a distancia apaga: porém o nosso agradeci
m en to , como filho d e amor mais nobre
t
qual deve ser o dos R ei s, e da P át r ia ,
nem o tempo com tantos mares em meio
bastou a lhe esfriar o contentamento, nem
as distancias tão remontadas para não ver
e festejar as causas delle. „ *
*' O primário effeito do amor he a união.
S e alguém me ama ( diz Christo no Eva nge
lho ) guarda rá o meu pre ce i to; e quem me
não ama, não guardará os meus precei tos.
Este effeito unitivo do amor he a Graça dos
vassallos que amão á Seus Príncipes. Assim
•como o amor de muitos preceitos faz hum
só preceito , assim faça de muitos parec eres
•hum só pa re ce r, de mu itos juízos
>
hum só
juizo, de muitas vontades huma só vontade,
•e de mu itos interess es hum só interes se. „
" E-que interesse ha d e ser este? A Con
veniência do Príncipe. O amor que tem outro
interesse mais .,
mais de enganado amor. Estavão tr istes os
Apóstolos pela partida de Christo, e disse-
lh es o S en ho r : se m e am areis verdadeira»-
* # *
— • • — - . . . • .
* Serm. Vol. X. pag. 505.
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23/58
XVIII
m en te , he cer to que havieis d e estar não
tr istes, senão muito alegres nesta minha
part ida. Pois, Senhor meu, a t r isteza pela
auzencia não he amor? Em outras occasiões
sim, neste caso não. O par t i r -me, e ausen
tar-m e da te rr a , he grande Conveniência mi
nha; porque vou tomar inteira posse do
meu Re in o, e assentar -me no Thron o de
minha gloria; e quem ama mais a minha
Pres enç a que a minha Conveniência , nã o
me ama fina e fielmente. Todos amão á
porfia a Pre sen ça e Assistência do P rín ci
p e ;
não sei se porfiamos tanto por suas
Conveniências: se he amor, não chegue a
ser c iúme. . . Senhores , já que o nosso
amor he racional, queiramos o possível. As
sistir todos com o Príncipe m orar com o
Príncipe, não pôde ser : amar o Pr íncipe a
todos , e morar o Pr íncipe em to do s, isso
he o que pôd e s er : contentemo -nos com e ste
modo de amor; contentemo-nos com este
modo d e G ra ça , ( ainda que seja men os v i
sível ) e esta rem os todos contentes» *
" A Graça que queria pedir ao Divino
Espir i to por par te do Príncipe ( que Deos
nos guarde ) , não he Graça n ov a, senão an
t ig a, e su a. . . Tome este por t imbre e
empreza de suas acções retratallas todas
pelas do glorioso e invictissimo Libertador
El-Rei D . João o IV . , Ne ste l ivro , nes
te ex em pla r , neste e spe lho, Se nho r , estudar
» Serm. Vol. XIV. pag. 33.
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XIX
f à j imi tará, , e v e r á V . A. (co m o tem deli
be rad o ) toda s as acções generosas , todos
os attr ibu tos Re aes e todas as virtudes
heróicas de hum Soberano Christão perfeito.
Para com Deos, a Rel ig ião , a p iedade, o
fcelo: para comsigo a temperança, a modés
t ia , a so brie da de : para os su bd ito s, a pru
dên cia , a jus t iç a , a c lemência : para com
estran ho s a vigilância, a fortaleza , a ver
d ad e .
Verá V. A. hum valerosissimo Rei
cercado sempre dos maiores per igos, mas
nel les acautelado igualmente, e confiado: na
confiança com recato, na cautela sem temor,
no per igo com magnanimidade. Moderado, mas
a moderação t com decên cia,; affavel m as a
affabilidade com respeito; l iberal, mas a
iiberalidade com medida.
.
A M agestade sem
effectaçao ,
c
o Senhorio sem fasto , o M ando
«em depend ência. Ve rá V. A. hum coração
a l to
r
,
talhado para grandiosas emprezas, más
c i r cunspec to e p ruden te ; p ruden te , porque
aco nselh ado ; e bem aconselhado, porque com
os melhores. Pacifico por inclinação; belli-
coso por necessidade; victorioso contra seus
inimigos se m pr e, porqu e sempre refer io £
Deos as victorias. Bemafortunado em tudo,
mas nunca al t ivo; porque, sendo tão gran
d e a sua fo rtu na , era maior o seu peito .
Observantissimo em recatar os segvedos pró
pr ios , f idelissimo em gua rdar os alh eio s:
•e em sab er , e penet rar os es t ra nh os, v ig i -
lantissim o. Cu idava de no ite o quei havia d e
executar de dia; e pórque"media os per .sa-
jne nto s com o po de r , se m pre , as suas idéas
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X X
chegavao a ser obras. Incansável no traba
lho , posto que com suas h o ra s, e interval-
los de allivio; mas o trabalho como tarefa
de obrigação; o all ivio, como respiração do
trabalh o. Sabia rei na r, po rque sabia dissimu
lar . Pre zav a-se só d a ju sti ça r affeetava o
nome de Justiceiro . e e ra jns to : para os
pleiteantes Ig ua l; para os M inistros Senhor \
para os vassallos Pai; e para todos Rei. ,
r
Finalmente contra os pseudo-criticos do
Século, presumidos de
bom gosto
, que só sam
bem esquadrinhar defeitos,, encubrindo os
méritos dos Escriptores, offereço a seguin
te doutrina do mesm o Vieira, , com q u e , em
espirito resoluto, sempre acclamou a verda**-
d e , ainda em Auditório de Cortes.
" Mui seguro está do seu valor quem
tira a sua opinião á campo: e se he teme
ridade tomar-se com m u ito s, com todo o
Mundo se tomou quem desafiou a sua fa
m a. Perg untou Christo Senhor Nosso aos
D iscíp ulo s, que dizião dellc os hom ens ?
Perguntou o Senhor , para que os Senhores
que mandão o Mundo, se não desprezem
de perguntar. Se pergunta a Sabedoria Di*-
vin a, porque não pergu ntará a ignorância
hum ana? Mas esse he o maior argumento
de ser ignorância. Quem não pergunta, não
qu er sab er ; quem não quer saber que r
errar . Ha porém ignorantes tão al t ivos, que
se desprezão de perguntar ; ou porque pre
sumem que tudo sabem, ou porque não se
presum a qu e lhes falta algum a cousa por
saber . Deos guie a Náo, onde estes forem
os Pilotos.
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XXI
" Não perguntou o Senhor o que era,
senão o que se dizia. Antes de se fazerem
as cousas, hade-se temer o que dirão; de
pois de feitas, hade-se examinar o que di
zem. Huma cousa he o acer to, e outra o
applauso. A boa opinião de que tanto de
pend e o bom go ve rno , não se fôrma do
que h e , senão do que sé cuid a; e tanto
se devem observar as obras próprias, como
respei tar os pensamentos, e l ínguas alheias.
A providencia com que Deos permitte a,
murmuração, he porque de tão má ra iz se
colhe o fructo da em enda. E se eu de m ur
murado me posso fazer applaudido, porque
nã o m e informarei do que se diz ?
'* Respondendo os discípulos á questão,
referirão os parec eres ou ditos do p o v o :
erão do povo; claro está que havião de ser erra
dos. H uns dizião que e ra o B au tista , outros
que era El ias, ou algum dos Prophetas an
tigos. Grande he o ódio que os homens tem
á idade em que nasc erão Pois assim como
antigamen te houve tantos Prop hetas não
poderia também agora haver hum ? Por me
nos * milagre t inhão o resuscitar hum dos
Pr op he tas passados , que nasc er em seu
tem po outro como elle . Todo o m oderno
desp reza o , só o antigo vene rão , e aere ditão .
E po rqu e á Ch risto não podião negar a
sabedoria, f ingião-lhe a antigüidade. Ora
desenganem-se os idolatras do tempo passa
d o ,
que também no presente podem haver
homens tão grandes, como os que já forão,
e ainda maiores»
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X X I I
E v ó s , discípulos m eus ( continuou o
Senhor ) vós que não sois povo, e estudaes na
minha escola,
q uem dizeis que sou eu ? Só
Pedro disse a verdade; e por isso deo-lhe
o Divino Mestre as chaves do seu Reino.
E qual ha de ser o officio, ou exercício
destas chaves ? Fechar e abrir . Não diz isso
o texto. As chaves que abrem e fechão, po
dem abrir para dentro. e fechar para fora.
Por isso vemos os thesouros tão estreitos e
tão fechados para os outros, e tão abertos pa
ra os que tem as chaves. Que havia logo fazer
com el las Pedro? Atar e desatar , diz Chris
t o . — A peste do governo he a irresolução.
Es tá parado o que havia de co rre r ; está sus
pen so o qu e havia de voar por isso que
não atamos , nem desa tam os. *
Se hoje causa estranheza este modo de
escrever e do utr ina r , ad vir ta -se , que já antes
d o Século de Vieira p redom inava o equ ivoco
até nos Conselhos de E st ad o , como se mos
tra do segu inte pouco sabido facto , qu e
el le descreve no tom. XIV., ul t imo dos
S e rm õ es , em que na pag, 240 e 241 faz
a sua Monitoria =
Voz de Deos à Portu
gal
= por occasião do Co m eta de 1 69 5:
" Vejamos o cuidado que tem a Sum
iria Providencia de annunciar a este Reino
seus acontecimentos com sinaes do Ceo.
" No anno de mil quinhentos setenta
e sete, preparando-se em Portugal a jorna-
* Sermões Vol, 7 pag, 224 e seguintes.
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x x n i
da de El-Re i D . Sebastião a África, estava
o Reino, e a Corte dividida em duas opi
niões ; a dos m oç os , e adulad ore s, que se
guisse o Rei a del iberação, ou apprehensão
de seus grandes espír i tos: e a dos velhos,
e sezu dos , que reconhecíão as perigosas
conseqüências, lhe aconselhava o contrar io:
senão quando apparece neste tempo hum
grand e Com eta , como mandado por D eos
para decidir a questão: todos o vião, e a
cada hum parecia da côr dos seus olhos
e do seu affecto. O s adu lad ore s, fazendo do
nom e ve rb o, dizião que o mesmo C ometa
desde o Ceo estava bradando ao Rei , que
cometesse a empreza, e dizendo-lhe Deos
por e l le : Cometa , cometa; ass im se creo;
e com tão cegos ap pla uso s, q u e, par t ido o
escudo das sagradas Quinas, já hião borda
das ao lado dellas nos dóceis ( qu e dep ois
forão lutos ) as arma s Im periaes de Ma rro
cos.
Pa rtio emfim a ar m ad a, e deu-se a
infelice batalha, succedeu a morte de El-Rei
D . Sebast ião, ou a fal ta dél le , que he o
mesmo; e este foi o effeito daquelle Co
m e ta , que durou até o fim do anno.
E st e he o único extra eto que fiz da
longa D issertaçã o histórica do P. Vieira sobre o*
C om etas. Não defendo a sua opinião que acerri*
mamente sustenta, por ser ora contestada a
me sma opinião , bem qu e se refira a K le pe r,
e se apoie com Táci to, e outros Escr ipto
r e s , os qua es estavã o persuadidos que os
C om etas erã o annun cios de castigos do Ceo
ás N aç õ e s, e de grandes mudanças pol i ti -
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XXI V
cas. * O certo he que o Com eta de 180?
teve notável coincidência com o immediato e
improviso torneio da Orbita Polít ica,
-
que
occasionou a vinda de S. Ma gestad e & es te
Seu Estado Ultramarino, real isando o Pro-
jecto de El-Rei D . João IV . , de que o P .
Vieira foi intimo Co nfiden te, p ar a, em caso
ext remo . Retirada Segura ao B ras i l , segundo
o declarou na Carta ao Conde de Castanhe*»
d e , que se vê no tom . II . das suas Car
tas pag. 416,
A Selecta de vários nossos mais anti
gos C lássico s, inti tulada = Philosophia dos
Príncipes =, que no fim do Século passa do
foi tão acceita do P ú bl ic o , servio-me de
modelo para o tran sum pto pres ente , que
tem muitos exemplos das Nações Letradas,
* As posteriores observações de Newton, e seguintes
As trôno mo s, parecem convencer , que taes corpos ce
lestes , tem suas orbitas peri ód icas , como os Pl an et as ,
ainda que eccen tricas, e cheias de anomalias. Com tudo
os mais mod ernos Astrônomos reconhecem- não haver hu-
raa perfeita evidencia d e sua natureza e iden tidade de
reapparição; pois, não obstante terem-se visto mais de 35P
Cometas; a té o de 1759, o mais exactamente calculado,
parecendo haver feito quatro revoluções desde 1531, nemr
pre se tem mo strado com differenças consideráveis nas co
res , como diz o Professor
John Playfair
=
Outlines of Na
tural Philosophy. ~r
Vol. II . pag . 197 — Edinburgh 181 6.
Os Redactores da Nova Encyclopedia de Edinburgh no
Volume VII. Pa rt. I . pag . 4 confes são, que os limitados
poderes do homem não são capazes de saber á que destino
os Cometas
sã o
mandados.
Seja o qu e for, he notável
que os Cometas d e 1799 , 1807 , e 1 8 1 1 , forão precurso
res das msiores mudanças políticas na Europa.
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xxr
que estão continuamente dando á luz seme«
lhantes epi tom es, com os t í tulos de — Es
pirito = Bellezas = do s seus mais distin-
ctos A ut h or es , p ara facilitar a instrucçã o
do Povo.
O Professor de Philosophia de Lisboa
só comprehendeo na di ta
Selecta
as dou trinas
dos egrégios Clássicos Portu gu ezes do nosso
acclamado Século de Quinhentos, appropriados
á instrucçã o dos q u e a D ivina Providen cia
Con st i tuo Re gedo res das Naçõ es. N ão he
me nos digna da att en çã o a que offereço,
sendo proporcionada á instrucção de todas
as classes, e com especial idade insinuando
os deveres dos que representão a Seu So
berano para o bom governo dos povos; o
que, nas ac tuaes c i rcustancias , he de sum-
ma importância; convindo a todos não per
de r jamais o seguinte M em oria l , extraindo
de hum Sermão pregado no M aranh ão, quan
do o Es tad o se reparti© em dous go vernos.
o
'*
A figura , que haveis de traze r sem
pre d iante dos o lh os , he o mesmo R e i , de
que m sois im age m : e não como au sen te ,
senão como pre sen te , nem como * invisível ;
senão como vista. Mas como pôde isto ser,
se elle está tão distante? Muito facilmente,
senão tirares os olhos do seu reg im en to;
no qual vereis ao mesmo Rei tão natural ,
e i vivamen te retra tad o em sua própria f igu
r a , como se o t ivesseis prese nte. D irme-
heis, que no vosso regimento ledes sim as
pa lav ras , e a f irma do R e i, mas não lhe ve
des a figura. Ora abri melhor os olhos, e
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XXVI
logo a vereis. Nunca o pincel de Apelles*
retratou tão felizmente a A lex an dre , e o re
presentou aos olhos tão próprio, e tão vi
vo
r
como os Reis no que escrevem, e or-
den ão, se re t ra tã o , ou reproduzem a s i mes
mos : diz o Esp ir i to S an to :
o Sábio nas pa
lavras produz a si próprio.. * Mas ouçamos
a hum Rei .
" No tem po , em que os-Godos domina-
vão a I tál ia , hum dos Reis, que t iverão a
fortuna de escreve r conv a penna de Cassio-
d o r o ,
despachando seus regimentos a alguns
Ministros ausentes, que nunca o t inhao vis*
t o ,
diz ass im : — Quando chegarem á s vossas
mãos essas minhas letras, recebei-as como
hum espelho do meu coração, . da minha
v o n ta d e, e de mim mesmo : das quaes ,.
pois me não conheceis pelo rosto, me co-
nhecereis pelo animo..— Notai agora o que
accrescenta com juízo verdadeiramente real.
—«
Folgai , diz ,. de m e ver an tes no q ue vos
escrevo, que em minha própr ia pessoa , en
tendendo q ue me- vede s me lhor , . do que os.
q ue em minha CÔrte* es tão p re se n te s ; por**
qu e vereis o que elles não ve m ,. e* sabereis
de mim o qu e eu lhes encub ro : . . a s
sim que por este modo nenhum damno re*-
cebereis da minha au sê nc ia, nem a minha
presença vos fará falta; porque na presen
ça, como os demais, ver-me-heis o rosto; .
e na ausência , pe lo que vos ordeno, ver -
*. Sapieaa in verbis producet s e ipsum. Eccl. XX . 2 9.
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xxvit
«ne-heis a alma . — A mais perfeita figura, qu e
inventou a na tur ez a, e não p ôde imitar a
a r t e , he a que se vê no espelho ; porque
o que se vê nas cores d a pintura , ou no
vulto das esta tua s, he só huma sem elhança,
e representação da pessoa; porém no espe
lho não se vê semelhança, ou representa
ção , senão a me sm a pes soa p or reflexão da s
espéc ies. O espelho não he outra co us a,
que hum impedimento das espécies , com
que vemos, o qual as não deixa passar , e
tornão para os olhos. E assim como o es
pelho , sendo impedimento da vi st a , por
meio da reflexão melhora a mesma vista*
assim na ausência, que também he impedi
mento da vista, por meio da escritura fica
a mesma vista melhorada. Sem escritura he
a ausência im pe dim en to, cora escr i tura he
espelho. Este espelho pois dos Reis, era
que mais vivamente se representa a sua
m esm a pesso a , que n a sua própria figura,
he o que hão de trazer sempre diante dos
olhos o s qu e tem po r ob rigação , e officio
se r imagens do R e i : ente nde ndo , que , em
quanto observarem as ordens do seu regi
m en to , serã o imagens de C ésa r ; e pelo con
trar io, no ponto em que se não conforma
rem com ellas perderáÕ a sem elha nça , a
figura, e o ser de ima gen s suas . Assim não
ha outro meio cer to, e seguro de se con
servarem na mteira representação de imagens
de César os que por mercê, e authoridade
sua, tem esse nome, senão a verdadei ra , e
exacta observância de suas ordens. , e verem-
WVWW. | l
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X X V III
s e , comporem-se e retratarem -se em seus
regimen tos como em espe lho.
" Não ba sta , que o que ho uver de
go vern ar , se ja homem com al m a; mas he
necessár io, que seja alma com homem. Se
tiver alm a, e boa alma não qu ererá fazer
m al ; ma s, se juntamente não t iver ac t iv idad e
r
reso luçã o, e talento d e ho m em , não fará
cousa boa. Deo-lhe Deos memória, entendi
mento e von tade: a m em ór ia , p ara que
se lem bre da sua obrigação-: o entend ime n
to , para que saiba o que ha de m a n d a r: e
a vontade pa ra q ue rer o que for melhor. Se n
do hom ens de hum a só potênc ia, . ( que po r
isso fazem impo tencias ) e faltando-lhe a m e
mór ia , e o entendimento , só tem má von
tade . Quem ju lga com o entendimento . pô
de ju lgar be m , e pôde ju lgar m a l : quem
julga com a vontade nun ca pôd e julgar
bem. A razão he muito clara. Porque quem
julga com o entendimento, se entende mal ,
ju lga mal , se entende bem. ju lga bem. Po
rém quem julga com a vontade, ou queira
mal , ou quei ra bem, sempre ju lga mal : se
q u er m a l , julga como apaixonado se quer
bem, julga como cego. Ou cegueira, ou
paixã o , vede como julg ará a vontade com
taes adjuntos.
" O prim eiro Apólogo que se escreve©
no m u n d o , ( qu e he fábula com significação
v er d ad ei ra ) foi aquelle que refere a sa
grada Escr i tura no Cap. 9 dos Juizes. Qui-
zerão. diz, as Arvores fazer hum Rei , que
as governasse, dizendo vinde, e governai-no» »
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xx rx
e forão offerecer o gov erno á oliveira a
qua l se escusou diz en do , que não queria
deixar o seu óleo, com que se ungem os
homens, e se alumião os deoses e os ho
mens. Ouvida a escusa, forão a figueira, e
também a figueira não quiz acceitar, dizen
do , qu e os seus figos erão muito doc es , e
qu e não queria deixar a sua do çura. Em
terc eiro lugar forão á vide , a qual disse ,
qu e as suas uvas comidas erão o sabor, e
beb idas a alegria do mundo ; e a quem tinha
tão rico patrimônio, não lhe convinha dei-
xallo para se meter em governos. De sorte
que assim andava o governo universal das
arvores , como de por ta em por ta , sem ha
ver quem o quizesse. Mas o que eu noto
nestas escusas he, que todas convierão em
hum a só raz ão , e a m esm a, que e ra , não
qu ere r cada h um a deixar os seus fructos. E
houve alguém que dissesse , ou prop osess e
tal cousa a estas arvores ? Houve alguém ,
que dissesse á oliveira, que havia de deixar
as suas azeiton as nem á figueira os seus
figos, nem á vide as suas uvas
t
Ninguém.
Somente lhe d isse rão , e prop ose rão , que
quizessem acceitar o governo. Pois se isso
foi só o que lhe disserão, e offerecerão, e
ninguém lhe fallou em haverem de deixar
os seus fructos; porq ue se escusão todas
com os não quererem deixar ? Po rqu e en
tend erão sem terem entendimento que quem
acceita o governo dos outros, só ha de tra
tar del les, e não de si ; e que senão dei
xa totalmente o interesse» a conveniência,
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X X X
a utilidade, e qualquer outro gênero de bem
particular, e próprio, não pôde tratar do
commum.
" Saibamos ag o ra , e não de outrera ,
senão das mesmas arvores, se este bom go-
verno, do modo que ellas o entenderão, se
pôde conseguir, e exercitar com as raízes
em terra
?
Assim as que o ofFerecerão, co
mo as que o não acceitarão, todas concor-
d ã o ,
que não. Que disserão as que offere-
cerão o governo? Disserão a cada huma das
outras: Vinde, e govemai-nos. Vinde
?
Logo
se ellas havião de ir, havião-se de arrancardo lugar, onde estavão, e deixar as suas
raízes : e cada huma das que não acceitar
r ã o , que respondeo
?
Respondeo. que não
podia ir porqu e, movendo-se, havia de dei
xar as suas raízes: e sem raízes não podia
dar fructo: de maneira que governar, e
governar bem, não pôde ser com as raízes
na terra. Governar mal, e para destruição
do bem com mum , isso sim , e na mesma
historia o temos, que ainda vai por diante.
" Vendo as arvores, que as três, a que
tínhão offerecido o governo, o não quizerão
acceitar, diz o texto, que se forão ter cora
o espinheiro, e lhe fizerão a mesma oflferta»
E que respondeo o espinheiro? He reposta
muito digna de ponderação. A proposta das
arvores foi a mesma: vinde, e governai-nos;
e elle re spondeo, não só como espinheiro ,
senão como espinhado : se verdadeiram ente
me dais o Império, vinde todas deitarvo*
a rneus pés, e porvos á minha sombra: e
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XXX
se houver alguma, que repugne, sahirá tal
fogo do espinheiro, que abraze os mais al
tos cedros do Líbano. Não sei se reparais
na differença. As- arvores que lhe offerece
rão o governo, disserão-lhe v Veni e elle
disse-lhes: Venite. Não sou eu o que hei de
deixar as minhas raízes
r
senão vós as vos
sas . Em conclusão, que quem ha de gover
nar bem, deixa as suas raízes; e quem go
verna mal, arranca as dos subditos, e só
trata de conservar as suas.
No Apólogo
r
que referimos da Es
critura Sagrada, em que as arvores
1
busca-
r ã o ,
e elegerão quem as governasse, he
muito para notar, que aquellas, a que offe-
recerão o governo, forão a oliveira, a figuei
ra, e a vide, sem entrar outra nos pelou-
ros desta eleição. Reparai agora nos appelli-
dos de FigueiraÍ Vide, e Oliveira,, que to
dos são honrados, mas da nobreza do meio.
E porque não fizerão as arvores este mes
mo offerecimento aos cedros, ás palmas, e
aos cypFestes? Não são estas arvores entre
todas as mais altas,, as mais celebradas, e
as mais illustres ? Pois porque não entrarão
em consideração para querer a verde, e flo-
rente republica das plantas,, que ellas a go
vernassem? Por isso mesmos porque erão as
mais al tas, e as mais illustres. O alto , e o
illustre he bom para o bizarro, e ostentoso,
mas não para o útil, e necessário. As arvo
res não as fez- Deos para as bandeiras dos
ventos , senão para sustento dos homens:
que importa que a sua altura, ou a sua
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X X X I I
altiveza seja muita, se o seu fructo he pou
co ? A quem sustentarão já mais os cedros,
as p alm as, ou os cyprestes ? Pelo con t rar io ,
a f igueira he a que saborea o m un do , a
oliveira a que o alumia, a vide a que o
alegra, e todas entre as plantas as que
mais o suste ntão. O que diz a Esc ritura
das outras três arvo res alt íssim as, e i l lus-
tr issimas he, que todas buscão a sua exal
tação nos montes mais levantados. Honrem-
se embora com essas arvores os seus mon
tes
;
/que os nossos valles não hão m ister
quem (proc ure a sua ex al taç ão, senão quem
trate do nosso remédio. Os cedros, as pal
m a s ,
e os cy p re st es , são os gigantes das
arvores ; e o que trouxerão os gigantes á terra,
não foi menos q ue o dilúvio. Oh que duro
seria o governo daquelle tr ium vira to; no for
te do cedro, inflexível; no rugoso da palma,
ás pe ro; no funesto do cy pre ste , t r i s te Po
rém o das outras arvores de meã estatura
seria igual, seria moderado, seria suave, que
por isso todas allegarão a sua doçura. E isto
he pelas mesmas razões o que devemos es
perar do nosso,
" , Mas he tal a protervia da condição
hu m an a, e vicio tão próprio da pá tr ia , q u e ,
por serem naturaes , domest icas , e suas as
mesm as imagens , em vez de conciliarem
maior veneração, obediência , e respei to , de-
generão em desprezo, desobediência, e rebeldia. — Assim suecedeo a Saul? e a Da-
vid , sendo ambos eleitos por D e o s, e os
mais dignos do governo da sua pátria. Huns
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XXXIII
obed ecerão , out ros se rebe l larao , e em al
guns durou a rebeldia não menos que sete
annos inteiros, até que a experiência do
seu erro os sujeitou á razão. *
" O prim eiro Rei f qu e De os fez foi
S a u l : mandou ao Profe ta Sam uel , que o
ungisse, e a ceremonia do acto foi notável.
Assentou-se á mesa S a u l , e deu ordem o
P ro fe ta , que lhe puzessem diante o hom-
bro de huma r e z , que naquel le dia t inha
sacrificado. Esta foi a única iguaria. E por
que se não duvidasse que o prato, e a par
te t inhao m ys ter io , acrescentou Sam uel , que
de industria lhe mandara guardar. Pois se
o prato era m ys ter io so , aquel la par te da
rez fòi reservada para Saul não acaso. se
não de industria; porq ue lhe reservou Sa
muel o hombro, e não out ra par te , ou de
mais regalo por hospede, ou de mais pro
pr iedade por Rei
?
Supposto que ungia a
* Es ta doutrina sobre o bom governo econômico he
huma paraphrase do Cap. IX. do Livro dos Juizes,
em que o Historiador Sagrado refere as desordens, re-
belliões e anarc hia s, que sobrevierão aos Isr ae lita s,
quando por serem de dura cerviz, se desconten tarão
do seu Governo Theocratico, e alterarão a primordial
Constituição do Estado : o que deo ouzadia á aventu
reiros para usurparem a So beran ia, trazendo á parti
do os pobres , vagabundos , ven aes , e facinorosos; do
que resultarão mortandades, e instabilidade da regência,
havendo entre o povo e o governo
espirito péssimo
, se
gundo a phrase do Oráculo divino no mesmo Liv. Cap.
XI. Vers. 3.
. f h Reg. 9. 34. — Vide Tom. XIV. pag. 30.
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xxxtv'
Saul , e para cabeça suprema daquél le pòvó,
parece que a par te da rez, que se lhe de.
via presentar, era a cabeça sacrificada. Pois
p or qu e lhe não põe diante Sam uel a ca*>
beca, senão o hombro ? Porque Saul , como
dizíam os, era o pr imeiro R e i , que Deos
elégeo, e coroou neste mundo: e o lugar ,
e assento próprio da Coroa (segundo a ins
t i tuição d ivi na ) não he a ca be ça , he o
hombro. A Coroa feia Deos para o pezo, e
para o t rabalho : os ho m ens , abusando del ia ;
fizerão-na pa ra o re sp le n d or , e pa ra a ma*-
gè&tade. A Coroa feia Deos para carregar
sobre o hom br o: os hom ens , t rocando- lhe: ©
lugar, f izerao-na para authorizar, e adornar
a cabeça. Assim que assentar a Coroa so
bre a cabeça, he pôr a Coroa fora de soa
lugar, , e seguir o esti lo dos homens: Carre
gar a Coroa sobre o ho m bro , h e pôr a
Coroa em seu próprio lugar , e obrar pelos
dictames de De os. — E quem podia infun
dir huma l ição tão a l t a , e de tão su p e
r ior madureza em hum pensamento genero
so de tão verdes annos , senão aquelle E s
pirito , e virtude do A ltís sim o, qu e assim-
o ensinou a elle, para assim nos consolar
a nós.
" A verdadeira Pol í t ica he o temor de
-Deos, o respei to de Deos, a dependência
de D e o s. e a amizade d e Deos ; e a ver
dadeira arte de reinar he guardar sua lei .
Os polít icos antigos estudavão pelos precei
tos de Aristóteles, e Xenofonte; os pol í t i
cos mod erno s e stud ão pelas malicias de Ta-
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X X X V
• c i t o , *
e de ou tros indignos de se pronu ncia
rem seu s. nomes ne ste lugar. A verdadeira
po lí t ica, e ún ic a, he a lei de Deos. Se Deos
sab e mais , q ue elles , e h e a verd adeira ,
e única sabedor ia , es tudem-se , aprendão-se ,
e sigão-se as
razões de Estado
de Deos.
" Não digo, que se não leão os l ivros;
mas toda a polít ica sem a lei de Deos he
ignorância , he engano, he desacer to , he
er ro , he desgoverno, he ru ína . Pelo cont ra
r io , a lei de Deos s ó , sem nenhum a o utra
polí t ica, he pol í t ica, he sciencia, he acer to,
he governo, he conservação, he seguridade.
To da a polít ica d e hum Re i Ch ristão se re
duz a quat ro par tes , e a quat ro respei tos .
Do Rei para com Deos, do Rei para com
s i g o , do R ei para com os vassal los, do
Rei para com os estranhos. Tudo isto acha
rá o Rei na lei de Deos. De si para com
Deos a religião, de si para comsigo a tem
p e ra n ça , de si para com os vassallos a ju s
t i ça , de si pa ra com os estranhos a pru
dência. Para todos estes quatro rumos na
veg ará segura a M onarch ia, se os seus con
selhos levarem sem pre por norte a D e o s,
e po r leme a sua l e i : disse S, Cy priano .
Os conselhos são o governo da Republica,
* Ainda que Tácito seja hoje do piaior credito entre
os Po lític os , o severo e jus to juizo de Vieira contra este
Historiador procede ( ao qu e parece ) de que como Et h-
n i c o ,
condemnon com falsidade e impiedade a nossa
.S an ta Religião-,, e os primeiras Ch ris tão s, qae forão tão
..cruelmente martyrisados por Nero.
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XXXVI
e a le i ' de De os h a de ser o governo dói*
conselhos. C on selh o, e R epu blica , que se
não governa pela lei de Deos, he náo sem
leme. P or isso os Reinos d e Jero bo ão , d e
B aa sa, de Je h u , e de tantos ou tro s, f izerão
tão miseráveis naufrágios.
O Pa dre Vieira definio, com espirito de
Estadis ta , e genuíno Pat r io ta , a Monarchia
L u s i t an a , para correcção dos míopes. que.
só vêm a Nação por distr ictos, mal f i tan
do á torrões ter m os , e seg m ento s , e não
em vasto horr izonte, e vista comprehensiva,
do
Reino Unido
, harmoniado com todos os
seus Estados e Terr i tór ios integrantes. As
sim diz no seu famoso Sermão de Acção
de graças pelo Na scimen to da antiga Prin ce-
za em 1669 depois da l.
a
Res tauração , que
he não menos applicavel ao Nascimento da
nova Princeza em 1819 depois da 2.
a
R e s
tauração.
" Que obrigação tem toda a terra â
Primog ênita de P or tu ga l ' para vir dar graças
á Deos pelo seu Na scime nto ? Se Portugal
não conhece esta obrigação, não se conhece.
Por tugal , quanto ao Reino, he par te de
huma par te das ter ras da Europa; mas Por
tugal , quanto a M on arc hia , he hum todo
composto de todas as quatro Pa r tes da Te r
ra na E u ro p a , na Áfr ica , na Á si a , na
Am erica . porq ue teve a ben ção da =
Dilatação.
*
• - - • • • • • i - * - i i . • - • — • • — • • • — — — - • • • • l i » « ir »
* Vide Tom. XII. pag. 1 7 3 , onde diz : " O primeiro
Portuguez que houve no Mundo, foi Tubal: sua memória
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X X X V I I
O Padre Vieira, bem conhecendo as
regras da prudência polít ica, e a alt ivez do
caracter Nacional, indicou as seguintes Má
ximas de Administração, e os motivos e
remédios dos descontentamentos do povo.
" C hr is to , como Author da Lei N ov a
t
parece que, para t i rar do Mundo a Circum-
cisão, havia de entrar condemnando-a, des-
terrando-a, e prohibindo-a sob graves penas,
e não a admittindo por nenhum caso. Quem
entra a introduzir huma Lei nova, não pô
de tirar de j rep en te os abusos da velha.
Ha de permit t i r com dissimulação, para t i
rar com suavidade: ha de deixar crescer o
trigo com a ziz an ia, qua ndo não faça mal
ás raízes do tr igo.
" Todo o zelo he mal soffrido; mas o
se conserva, ainda hoje , não longe da foz do nosso Tejo ,
na povoação primeira que fundou com o nome
Coetus Tu-
bal,
e, com pouca corrupção —
Cetuval.
— Ne ste filho
quinto de Noé se verificou a sua benção —
Deos te dilate
Japhet; porque só os Po rtu gu eze s, filhos, descen dentes , e
suecessores de T ub al , s ã o , e forão sem contro vérsia,
aquelles que , por suas navegações e con quista s, com o
Astro labio, na mão se extenderão e dilatarão por todas as
quatro par tes do immenso G l o b o . . . . Houve a lgum fi lho
de N o é , houve algum a Nação bellicosa e numerosa que
fosse celeb rada nas trombetas da fam a, que se dilatasse
e extendesse tanto por todas as quatro partes da Terra? " —
Ne nh um a. „ Os críticos que se riem de tradições imm e-
moriaes sobre a origem das Nações, digão o que quizerem:
o patriotismo de Vieira confundirá o empirismo dos que
olhão para Portugal só como recineto local, pondo-se a si
próprios á
curta ração,
conte ntand o-se com o seu módico
' do ninho paterno, quasi como servos da gleba, constituindo
o Estado pequeno, tendo-o a Providencia feito Grande.
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xxx vi i r
zelo Po rtug uez mais' impa ciente que todos.
A ' qualquer relíquia dos males pa ssa do s, á
qua lquer som bra das desigualdades antigas ,.
já tomamos o Ce o com as m ão s, porque
não está tudo mudado, porque não está*
eme ndado tud o. Assim se muda hum Reino ?
Assim se emenda huma Monarchia ? Tantos
entendimentos assim se endireitão ? Tantas
von tades tão d ifferentes assim se tem pera o ?
" R ei era C hri sto , e Rei Re dem ptor ,
e nenhuma cousa trazia mais diante dos
olhos que extinguir os usos da Lei velha,
e renovar e introduzir os preceitos da Nova;
e com ter sabe doria infinita, e braç os om ni-
po ten tes , ao cabo de t r inta annos de Rei
no muitas cousas deixou como as achara,
para que seu successor S. Pedro as emen
dasse. J á Christo não estava viv o, quando
se rasgou o veo do Templo, f igura da Lei
antiga. E que cousa se podia representar
mais fácil , que romper hum tafetá em trin
ta annos
?
*
Pouco a pouco se fazem as cousas grandes;
e não ha melhor arbítr io para as concluir
com bre vid ad e, que não as querer acabar
de r e p e n t e . . . . Com este vagar fez Deos
as cousas : e assim qu er q ue as facão os
que estão em seu lu g ar , quando ellas o
soffrem; e tenha paciência o zelo; que não
seja tão estreito de coração. Mais dóe aos
Re is que aos Vassallos dissimular co m . al-
* Vide Tom. XI. pag. 421,
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XXX IX'
guriías co us as :" mas por força se hão de
fazer .assim , pa ra não se fazerem por for
ça. Não he o mesmo perm it t ir que ap -
provar. A benevolência e dissimulação , como
são effeitos da mesm a c ô r , equivocão-se
facilmente nas apparencias: e quantas vezes
se cho rarão ruínas os que se invejarão fa
vores Vem a ser indu stria n o Prínc ipe o
que he razão de Estado no Lavrador , que
as espigas que ha de cortar, , essas abraça
primeiro. *
" Es tarem conten tes todos não pô de
de pe nd er de hum só como mu itos se en-
ganão. O contentamento de todos depende
do Pr íncipe , depende dos Minis t ros , e de
pende dos vassallos. Para todos estarem con
ten tes hão de concorrer todo s pa ra o con ten
tamento
r
huns t ratando de contentar , outros
querendo contentar-se,
" Seja o primeiro cuidado do Príncipe
enxugar as lagr imas, e logo haverá menos
descon tentam entos. M a s , vindo á prát ica des
ta doutr ina, vejo que me dizem, que mui
to fácil he dizer que se enx ug uem a s la
gr imas de todos; mas como se hão de en
xugar? Enxugar as lagr imas bom remédio
he para não haver descontentame ntos. M as
que remédio ha de haver para se enxuga-
*
Edmund Burhe,
celebrado Antago nista dos Revolucio
nários de todos os paizes, não disse, em substancia, melhor
que o P. Vieira. Perm itta-se-me aqui lembrar as elo
qüentes passagens da Traducç ão de var ias suas Ob ras ,
-que dei á luz nesta Corte em 1812.
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XL
rem as lagrimas ? Fácil remédio o que Ch ri
sto fez. Inq uirir a causa das lagrim as, e t i-
ralla. Quando Christo appareceo á Magdale-
na, a pr imeira cousa, que fez, foi inquir i r
a causa po rqu e chorava. M ulher porqu e cho
ras ? Busque-se a causa das lagrimas; e logo
o remédio será fácil . Bem poderá Christo
enxug ar as lagr imas de M agd alen a, e conso
lar a tr isteza dos discípulos sem lhe pergun
ta r pela ca u sa , pois a sabia ; m as quiz dar
nesta acção hum grande documento aos Prín
cipes de como havião de proceder na cura
de huma enfermidade tão difficultosa, como
a de sarar descontentamentos.
" E xam ine o Pr íncipe ex actam ente don
de nascem as lagrimas dos vas sallos : se tem
cau6a, ponha-lhe remédio; se não tem cau
sa, não lhe dem cuidado. Em nenhuns Reis
do mundo se vê isto mais cla ra m en te, que nos
de Portugal . Conquistar a terra das t rês par tes
do mundo a nações estranhas foi empreza que
os Reis de Portugal conseguirão muito fácil , emuito fel izmente; mas repar t i r t rês palmos
de terra em Portugal aos vassallos com sa
tisfação delles foi impossível, que nenhum
R ei pôde ac com m odar nem com facilidade ,
nem com felicidade jamais. Mais fácil era
antigame nte conq uistar dez Reinos na índia ,
que repar t i r duas Comm endas em Po rtug al .
Is to foi e isto ha de se r sem pre ; e es ta-,
na minha opinião, he a maior difficuldade,
que tem o governo do nosso Reino, Tanto
assim, que se pôde pôr em problema na
polí tica de Po r tu ga l , s e ' he m elh or , ; que
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XLI
os Reis facão mercês, ou que as não facão.
Não se fazerem mercês, he faltar com o
prêmio á v i r tu de : fazerem -se , he semear be
nefícios para colher queixas. Pois que hão
d e fazer os Reís^?; A q ue stã o e ra para ma ior
vaga r. M as / pára qu e não fique ind ec isa , di
go ent re tanto , que hum só meio acho aes
Reis para salvarem ambos estes inconve
n ien tes .
r
E qual he ? N ão dar nada a nin
guém? S im. O dar , e o p remiar , são cou
sas mui differentes. Dar aos que merecem.,
ou não merecem, he dar : dar só aos que
m er ec em , he premiar . Não fazerem mercês
os R e is , ser ia não serem R eis ; mas hão de
fazel las de maneiia, que as mercês não
•sejão dádivas, e sejão prêmios. Bem os
Reis só aos beneméri tos, e fecharáõ as bo
cas a todos. Quando os prêmios se dão aos
qu e m erec em , os mesmos qu e os murm urão
com a boca, os approvão com o coração.
" A praxe desta pol í t ica exerci tou glo
r iosamente no nosso Reino El-Rei D. Joãoo II . digno de ser chamado D. João o do
bom m em orial , assim como D . João o I . se
chamou o de boa memória. Tinha este pru
dent íssimo Rei hum mem orial se cr et o, no
qual trazia apontados todos os que se avan-
tajavão em seu serviço, ou fossem Ministros
d e E s t a d o , - ou da Ju st iç a , ou da Fa ze nd a,
ou da Guerra: e segundo o merecimento de
eada hum lhe t inha dest inado os lugares, e
os prêmios, assim como fossem vagando.
Era provérbio dos Hebreos , de que também
usou Chr is to . Onde houver corpo mor to , lo-
* * * * * *
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X L I I
go alli correrão as águias. Falia das águias
vulturinas, que são aves de rapina, as quaes
tem ag.udissima vista, e subtilissimo olfato,
e era v e n d o , ou cheirando corpo mo rto -
logo correm a em polgai , e cevar-se nelle.
Assim succede com a ambição dos perten-
den tes a todos aq ue l le s, por cuja mo rte
vaga offici©, co m m en da , v a ra , cadeira , ou
t ra , governo, ou out ro emolumento u tü , e
pingue, em que empregar (não d igo as unhas)
as mãos. M as que fazia nestes casos
•
quo
tidianos o R ei do bom memorial ? Com o
nelle t inha já destina das as pe sso as, a quem
havia de fazer o pro vim ento , reç po nd ia ,
que já o lugar, officio, ou beneficio, estava
provido; e as águias, que corr ião famintas
aos despojos do morto, encolhião as azas,
embainhavão as unhas, e ainda que quer ião
grasnar , tapavão o bico.
" São merecedores de hum
não
muito
claro, e muito seco, cer to gênero de alvi-
treiros, que inventando, e offerecendo novos
arbítr ios, e industrias de accrescentar Era-»
r i o , ou Fazenda Real , juntamente d izem (e
aqu i bate o pon to ) qu e elles hão de se r
também os exe cuto res , e para i sso pedem
m eios , e jurisdicçÕ es. N as ce o zizania , di»
Ch risto , entre a se ara de hum pai de fa
míl ias; o que vendo os cr iados, vierão Io»
go mui zelosos encarecendo aquel la perda
da fazenda de seu amo, e offerecendo-se a»
ir mondar a se ar a, e arranc ar a zizania.
' Quereis se nh or , que a vamos colher ? C o
lher , disserão, e não arrancar , , porque es-*
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48/58
L X I Í
tes zelos, e offerecimentos sempre se en*
eaminhão á colhei ta . Resp ondeo o pai de
famílias sem lhes agradecer o cu id ad o : o
que respondeo
?
Disse-lhe : N ão. Assim se
ha de responder com hum não mui to seco,
e mu ito ' re so lu to , a sem elhantes propo stas.
" O modo com que as resti tuições dá
Fa ze nd a Real se podem fazer facilm ente ,
ensinou aos Reis hum Monge. o qual assim
como soube fur tar , soube também res t i tuir .
Refere o caso M ay ôlo , C rantz io , e out ros .
Chamava-se o Monge Fr . Theodor ico; e por
que era homem de grande
inteüigencià
e
in
dustria, eom m et teodbe o Impe rador Car
los IV algumas negociações de im po rtânc ia,
em que el le se aprovei tou de maneira, que
competia em riquezas com os grandes se
nho res. Advir t ido o Imp erador , mand ou-o
chamar á sua p r es en ça , e d i ss e - lhe , que
se apparelhasse para dar contas. Que faria
o pobre",'. , ©u rico M onge ?, R esp on de o sem
ser a s su s ta r, qu e já estava appa relhado ,•
que naqraelle mesmo ponto as daria, e disse
ass im: En, César , ent re i no serviço de V.
Magestade com este habi to, e dez, ou doze
7
tostões' na bolça das esmolas das minhas
Missas: deixe-me V- Magestade o meu ha- ;
bi to , e os> meus to s tõ e s , e tudo o m ai * ;
que '
po ss uo , mande-o V. M agestade receber
qu e he s e u , e tenh o dad o contas". -jÇom
tanta facilidade como isto fez a sua resti
tuiçã o o M onge , e e lle f icou gua rdan do
*
os
seus v o to s , í:e o Im perad or a sua-rfazenda.
Rei&v e Príncipes mal servido*, se
r
quereisr
* * * * * * j j
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&L1V
salvar .a a lm a, e rec upe rar a fazenda ^ i n
troduzi sem excepçao de pessoa as resti tui
ções de Fr . Theodorico. Saiba-se com que
entrou cada hürn; o de mais torne para
donde sahio, e salvem-se todos,
•> •
" Oh qu e gran de ventu ra lie qu erer
d ian te de hum Pr ínc ipe , que q u er , e pôde
Assim seria tamb ém a m aior de todas as
desgraças esperar o remédio de algum tão-
pouco poderoso, que não possa , e de tão
m á vontade , que não queira» A A ug us to
César d isse Marco Tul l io prudente , e e le
gantem ente , que a na ture za , e a for tuna
lhe t inhão dado, huma a maior , e out ra a
melhor coUsa, que podião, para fazer bem
a muitos. A maior cousa, que pôde dar a
for tuna a hum P r ín ci pe , he o p o d er , e a
melhor . , que lhe pôde dar a natureza, he
o querer , para poder , e querer fazer bem
a todos.
Tenho as sà s , e de sob ra , ap resen tado
varias
amostras
do espi r i to ' de V iei ra , p ar aconciliar a benevolência dos compatriotas
a quem e d*além mar, amantes do Reino
Unido, e da Legi t ima Dynast ia da Augusta
Casa de Bragança, que duas vezes nos tem,
res taurado o Nome e o Ser de Por tuguezes .
Seja o cordial voto de todos o de sua se
guinte Peroração no acima refer ido Sermão
de
Acçf/o de Graça».
Esp ir i to Co nsolad or , e- M estre Divi
no : infinitas gra ça s vos dam os
r
e vos sejão
eternamente da d as , pe lo que nos consolou
vossa B on da de , e- pe lo q ue nos ensinou
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50/58
XLV
vossa Sabe doria. . Com a pa 2 , verdadeira
m ente vo ss a , nos consolas tes o tem or , é
afflicção" d a g u e rr a : com a es pe ran ça tão
prom pta d a R eal descendência , nos conso
lastes a antiga desconfiança da successão:
com o governo presente de Pr íncipe Sobe
ran o, ju s to , le por s i mesm o, nos consolas
te s as desattlençÕes, e sugeições do passado .
P or es tas gr aç as , que vos da m os , e por
es tes m esm os benefícios tã o singu lares de
vós recebidos, nos concedei
r
Senhor , a s
que para os annos futuros, com igual con
fiança em vossa Divina Bondade, e Sabe-,
d o ri a , humildemente vos pedimo s. H e hoje
o d ia , que en tre todos os do an n o , se le
vanta vulgarmente com o nome de maior. ,
po r che gar nelle o Sol a seu auge , e en
cher o mais dilatado giro de sua carreira-
A' man hã com eção ou tra vez a dec rece r os
d ias ,
com pregão de publico desengano a
todas as cousas do mundo ( ainda qu e estão
acima das sublunares) que nenhuma ha tão.
fi rme, que não se m ud e, , nenhum a tã o le
vantada , que não se a b a ta , nenh um a tão
grande-, que não diminua, e torne a traz.
pelos mesmos passos de seu augmento. Não.
seja assim > em nossas fortunas , So bera no „
e Omni potente Author da nature za „ que as
sim com o a er ea st es , podeis emendar a
fazer constante; Co nse rvai , Se nh or , pe rpe -
tuam ente vossos dons , e prorogai sem m u
da nç a , nem fim , po r tod os os- anno s futu
r o s , as felicidades de que tão liberalmente
nos fizeste mercê no presente. Não as per*
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X t . V l
camos depois
c
d e Togradas, pa fs q u e não'
resuscitem com dobrad a mágoa em nós aq ue l-
Jas mesmas desconsòlaçõeá
,<
de que tão effi-»
caz , e cumpr idamente , e com tão esquis i
tos remédios nos l ivrastes. Uni nos vassal
los o amo r do P rínc ipe : confirmai no P rín
cipe a imitação do pai : prosperai na Espo
sa a c ontinuaçã o do s felicíssimos ann os ,
com petind o nelles a felicidade com o nu
mero . e o num ero com os herde iros de
seus soberanos dotes , para que o sejão
digníssimos da m esm a Co roa. So bre tudo-
ensinando-nos a todos a passar de tal ma
neira os annos breves, e incertos desta vi--
da, que saibamos por meio delia conseguir
as consolações dos ann os ete rno s : pois pa ra
ser eternamente nosso Consolador, vos dip--
nastes ser temporalmente nosso Mestre.
O que dá realce á doutr ina do Padre
Vieira h e , que el le in st ru e, não só com
docum entos do Ev ang elho, mas também com
exemplos dos nossos Sobe ranos,* que expu
nha ha Real Capella ainda nos objectos mais
delicados da Adm inistração Pu blica ; tend o
só em vista a Lei d e D e o s , em que diz
dever-sé fundar a verdadeira Polít ica, e as
razões do ' E st ad o; podendo -se del le diz er
com o Psalmista = Paliava dos teus
testemunhou
na presença dos Reis, e não era confundido;
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LXVII
.ceneiou o pr ia ve iro , o o ultínro «tomo dos
,§*rraÕes de Vieira.
No primeiro . o Censor Kegao se valeo das
palavras de Jo b no Ca p. 51 Ver?.-35
—
Ou
ça De os o meu des ejo , e* escreva hum Li
vro o mesmo que ju lg a, para qu e eu o tra
ga por estimação nos hombros, e por coroa
na cabeça. = • N ão ;ha nos S ermõ es do P .
Vieira cousa que encontre o serviço Re a l;
mas nmiías para
à
qu e V Alfceza co nt inue ,a
obed iência , c o m , q u e obrigou ao Authop a
dar á estampa este l ivro,
v
para que_saia á
luz com os mais trabalhos tão luzidos dos
seus estudos, e engenho, para glor ia de
Deos, e honra deste Reino.
N o ultimo ( qu e o he XIV - ) o Qualifica-
dor do Santo Officio assim diz. " Na Carta
qu e o P. Vieira escreveo á M agestade de
El-Rei D. Affonso VI. mostrou, que a Sabedo
ria he melhor que a força,
como diz Salomão
( Sap. Ca p. 6 Ve rs. 1 ) porque o que os no s
sos Portuguezes na Conquista do Maranhão
não vencerão com tanto valor e armas por
espaço de vinte annos, venceo o Author
com huma folha de papel em Carta aos
Principaes dos índios daquelle E st ad o , tão
do ut a, dis cre ta, e persu asiva , que bastou
para os reduzir á nossa Santa Fé Catholi-
ca, e para os sujeitar ao Império de Portu
gal.
E como este livro não contém cousa
alguma que encontre nossa Santa Fé, ou
bons costumes, me parece não só digno que
se dê ao Prelo, mas que devemos louvar
muito o zelo de quem o faz sahir á luz..
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Lvnr
Se o Público der acolhimento â annun-
ciada
Selecta
com a
Subscripção
necessária,
irá sahindo por Partes, para facilidade da
edição, como
Supplemento
aos
Estudos do
Bem
Commum.
E R R A T A S .
Advertência pag. n. lin. 18 e 19 o escripto
res — os escriptores — mas úteis — mais
úteis — Discurso pag. 24 msiores — maiores
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BRASILIANA DIGITAL
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Esta é uma cópia digital de um documento (ou parte dele) quepertence a um dos acervos que participam do projeto BRASILIANAUSP. Trata!se de uma referência, a mais fiel possível, a um
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