View
2
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
REV. BRAS. PSICOTER., PORTO ALEGRE, 21(2), 21-33, 2019 21
O acOmpanhamentO terapêuticO na cena urbana: transiciOnalidade e interjOgO na arena sOciOcultural
ISSN 2318-0404I
RBPsicoterapiaRevista Brasileira de PsicoterapiaVolume 21, número 2, agosto de 2019
ARtigo oRiginAl
O acompanhamento terapêutico na cena urbana: transicionalidade e interjogo na arena sociocultural
The therapeutic follow-up care in the urban scene: transitionality and interplay in the sociocultural arena
El seguimiento terapéutico en la escena urbana: transicionalidad e interjuego en la arena sociocultural
Danilo Marques da Silva Godinhoa
Carlos Augusto Peixoto Juniorb
a Centro Universitário de Mineiros, Departamento de Psicologia – Mineiros – GO – Brasil.
b PontifíciaUniversidadeCatólicadoRiodeJaneiro,DepartamentodePsicologia–RiodeJaneiro–RJ–Brasil.
DOI 10.5935/2318-0404.20190010
Instituição:UNIFIMES–CentroUniversitáriodeMineiros.PontifíciaUniversidadeCatólicadoRiodeJaneiro
Resumo
Opresenteartigovisarefletirsobreoacompanhamentoterapêutico,nointuitodearticularasanálisesde
DonaldWinnicottacercadaimportânciadasprovisõesambientaisprimárias,àqualidadedarelaçãoquese
estabeleceentreoacompanhanteterapêuticoeosujeitoacompanhado.Oacompanhamentoterapêuticose
inscrevenoprocessodeReformaPsiquiátricabrasileira,sendoumadesuascaracterísticasmaismarcantesa
propostadeumaclínicaampliada,queacontecenosterritóriosdevidadaquelesquesãoassistidos.Apartir
destaperspectiva,buscaremosesquadrinharasquestõesclínicasdecorrentesdessaaberturaparao“fora”
quecaracterizaestetipodeacompanhamento.Constata-secomissoque,noacompanhamentoterapêutico,
asrelaçõesclínicassãoestabelecidasno“aquieagora”docotidianocoletivo,domínionoqualarealidade
22 REV. BRAS. PSICOTER., PORTO ALEGRE, 21(2), 21-33, 2019
danilO marques da silva gOdinhO, carlOs augustO peixOtO juniOr
IISSN 2318-0404
sópodesercompartilhada,fazendocomqueovínculosejadistintodaquelequepermeiaosconsultóriose
clínicasdeatendimento,promovendooutraqualidadederelaçãoaqualprecisasermaisbemexploradapela
literaturaacercadotema,exigindoacriaçãodeconceitosqueescapemàscategoriasclínicastradicionais.
Palavras-chave:Saúdemental;Acompanhamentoterapêutico;Clínicaampliada;Intersubjetividade
Abstract
Thisarticleaimstoreflectonthetherapeuticfollow-upcare,withtheintentiontoarticulateDonaldWinnicott
analysisaboutthe importanceoftheprimaryenvironmentalprovisions,andtothequalityoftherelation
establishedbetweenthetherapeuticaccompanistandthesubjectwhoisfollowed-up.Thetherapeuticfollow-up
careispartoftheBrazilianPsychiatricReformprocess,beingoneofthemoststrikingfeaturestheproposalof
sanexpandedclinic,whichtakesplaceinthelivingterritoriesofthosewhoareassisted.Fromthisperspective,
wewillseektoanalyzetheclinicalissuesarisingfromthisopennesstothe“outside”thatcharacterizesthiskind
offollowup.Itcanbeobservedthat,inthetherapeuticfollow-upcare,clinicalrelationsareestablishedinthe
“hereandnow”ofcollectiveeverydaylife,adomaininwhichrealitycanonlybeshared,makingthatthebond
establishedbedifferentfromtheonethatpermeatestheclinicsandconsultingservices,promotinganother
kindofrelationsquality,whichneedstobemoreexploredbyliteratureregardinthistheme,demandingthe
creationofconceptswhichgetawayfromtraditionalclinicalcategories.
Keywords:Mentalhealth;Therapeuticfollow-upcare;Expandedclinic;Intersubjectivity
Resumen
Elpresenteartículotieneporobjetoreflexionarsobreelseguimientoterapéutico,conelfindearticularlos
análisisdeDonaldWinnicottsobrelaimportanciadelasprovisionesambientalesprimarias,lacalidaddela
relaciónqueseestableceentreelacompañanteterapéuticoyelsujetoacompañado.Elseguimientoterapéutico
seinscribeenelprocesodeReformaPsiquiátricabrasileña,siendounadesuscaracterísticasmásmarcantesla
propuestadeunaclínicaampliada,queocurreenlosterritoriosdevidadeaquellosquesonasistidos.Apartir
deestaperspectiva,buscaremosescudriñarlascuestionesclínicasderivadasdeesaaperturahaciael“fuera”
quecaracterizaestetipodeacompañamiento.Seconstataconelloque,enelacompañamientoterapéutico,
lasrelacionesclínicasseestablecenenel“aquíyahora”delcotidianocolectivo,dominioenelcuallarealidad
sólopuedesercompartida,haciendoqueelvínculoseadistintodelquepermealosconsultoriosyclínicasde
atención,promoviendootracalidadderelaciónalacualnecesitasermejorexplotadaporlaliteraturaacerca
deltema,exigiendolacreacióndeconceptosqueescapenalascategoríasclínicastradicionales.
Palabras clave:Saludmental;Acompañamientoterapéutico;Clínicaampliada;Intersubjetividad
REV. BRAS. PSICOTER., PORTO ALEGRE, 21(2), 21-33, 2019 23
O acOmpanhamentO terapêuticO na cena urbana: transiciOnalidade e interjOgO na arena sOciOcultural
ISSN 2318-0404I
Introdução
DasnauserrantesaosHospitais-dia,passandopelosasilos,variadoslugaresforamatribuídosàloucura.
Atualmenteestamosdiantedeumaabordagemclínicaemsaúdementalquepretendeevitaraomáximoo
confinamentodolouco,permitindo-olocalizar-seemqualquergeografia,semdestinar-lheafixaçãoemumlugar
específico.Surgem,comisso,umasériederecursosclínicossubstitutivosàspráticasdeasilamento,segregação
eexclusão,taiscomo:osCentrosdeAtençãoPsicossocial,asResidênciasTerapêuticas,oAcompanhamento
Terapêutico,dentreoutros.
Aloucura,ouaquiloqueescapaaospadrõesdenormalidademaisclássicos,desacomoda,nosfazduvidar
equestionarumpunhadodeobviedades.Essaexperiêncianãopodeserromantizada,pois,semdúvida,gera
umasériededesafioscujasrespostasprecisamserconstantemente(re)inventadas.
Seguindoumaapostadetrabalhosustentadanaliberdadeenaautonomia,opresenteartigoobjetiva
desenvolverumareflexãoacercadotipodevínculoestabelecidoentreacompanhanteterapêuticoesujeito
acompanhadonoâmbitodoAcompanhamentoTerapêutico.Emconsonância comapráticaporpartede
diversosautores,adotaremosaabreviaçãoATparadesignaro“AcompanhamentoTerapêutico”eAtparase
referirao“acompanhanteterapêutico”.
EoquevemaseroAT?Trata-sedeumrecursoclínicoquevisaàreabilitaçãopsicossocialdesujeitos
consideradosloucos,insanosoudesarrazoados,emgeraltratadoscomocasoscrônicosdedoençamental.
Noentanto,nasúltimasdécadasocenáriofoialterado,tendosidoampliadaademanda,incluindoquadros
demenciais,espectrosautistas,usuáriosdeálcooleoutrasdrogas,portadoresdedeficiênciafísicasementais,
idosos,dentreoutros1.
OATconsisteemumapráticaclínicaqueseinscrevenoprocessodeReformaPsiquiátricabrasileira,
intensificadoapartirdadécadade80emfunçãoda“aberturapolítica”quepôsfimaoperíodoobscuroda
ditaduramilitar.Mas,afinal,oqueconstituioprocessodeReformaPsiquiátricabrasileira?PauloAmarante2
nosorientanacompreensãodoquepodemosentenderacercadestemovimento,dandoênfaseàtrajetória
da desinstitucionalização,períodoiniciadonofinaldadécadade80.Deacordocomoautor,essemomentoé
marcadoporumaparticipaçãopolíticamaissignificativadeimportantesatoresdasociedadecivil,dentreos
quaisosprópriosusuáriosdosserviçoseseusfamiliares.Nestecontextodelutaantimanicomialfoilançadoo
lema“PorumaSociedadesemManicômios”,intensificandoacríticaaossaberesefazerespsiquiatrizantese
implementandoumconjuntodemedidasquevisaàdesconstrução,naprática,dalógicamanicomial,atuando
pormeiodacriaçãodeumarededecuidadosedeassistênciasubstitutivaaosasilospsiquiátricos.
FoiprecisamentenobojodestecenárioqueoATganhouimpulso,configurando-secomoumdispositivo
clínicopotentefrenteaosimperativosimpostospeloprocessodeReformaPsiquiátrica.Umadascaracterísticas
maismarcantesdoATresidenofatodeinvestirnapropostadeumaclínicaampliada,clínicaestaqueacontece
nosterritóriosdevidadaquelesquesãoassistidos,ouseja,trata-sedeumcuidadoqueapostanosvínculos
24 REV. BRAS. PSICOTER., PORTO ALEGRE, 21(2), 21-33, 2019
danilO marques da silva gOdinhO, carlOs augustO peixOtO juniOr
IISSN 2318-0404
sociaiseafetivosmenoscircunscritosaoslaçosfamiliaresestritos–trocasintersubjetivasmaisamplas–que
acontecemnosespaçosdesociabilidadeemgeral.
Destemodo,oATabdicadomodeloclínicoclássico,circunscritoàsquatroparedesdosconsultórios
psicológicosoumesmopsiquiátricos, colocandoaênfasenos intercâmbios socioculturais.O fatodeoAT
seconstituircomoumamodalidadeclínicaqueaconteceemestreitodiálogocomoqueexiste“fora”dos
espaçosdesociabilidadeterapêuticamaiscomuns,impõepensarmosasuadimensãoclínicanomundoda
cultura,comoumefeitodacríticaàexclusãosocialdaquelesquefogemaosparâmetrosde“normalidade”
estabelecidos socialmente.
OpresenteartigovisaarticularasanálisesdeWinnicottacercadaimportânciadasprovisõesambientais
primáriasàqualidadedarelaçãoqueseestabeleceentreoAteosujeitoacompanhado.Dentreasquestões
clínicasdecorrentesdessaaberturaparao“fora”quecaracterizaoAT,podemosdestacarpelomenosuma:
ao tomarmos a cidade como ambiência,qualéotipoderelaçãodesenvolvidaentreacompanhanteesujeito
acompanhado? Inequivocamente, trata-sedeumaatmosferadiversa, emmuitosaspectos,daquelaque
acontecenoâmbitodosconsultórioseclínicasdeatendimento,performandooutraqualidadederelação,a
qualcumpreinvestigarmos.
Destaforma,optamosportransitaremumdomínioteórico-conceitualqueprivilegiaaideiadequea
constituiçãodesiedooutrosópodeserpensadaàluzdeumaperspectivacompreensivaquecontemplea
dimensãointersubjetiva,emdetrimentodasconcepçõesdesubjetividadetradicionais,pautadas,emlarga
medida,pormodelosconceituaisqueprivilegiamfatoresintrapsíquicos.Paratanto,centraremosasdiscussões
prioritariamenteemtornodopensamentoteórico-clínicodopediatraepsicanalistaDonaldWinnicott,um
dosprincipaisexpoentesdapsicanálise relacionalnaescolabritânica.Neste contexto,dialogaremoscom
importantesreflexõesquenosauxiliamapensaraimportânciadasprovisõesambientais–primáriaseatuais
–noprocessodeconstituiçãosubjetiva.
Partimosdopressupostodequeaconstituiçãodesisedánainterfacecomasexperiênciasvividasao
longodavida,constituindo,comisso,umprocessoininterruptoeinacabado.Portanto,nãofazsentidooperar
umacisãoentreinternoeexterno–psiqueemundo–umavezquesomospermanentementeatravessadospelo
contexto–ambiente–noqualvivemos.DaíarticularmosasanálisesdeWinnicottacercadaimportânciadas
provisõesambientaisprimáriasàqualidadedarelaçãoqueseestabeleceentreoAteosujeitoacompanhado.
Tendoemvistaestepanorama,naprimeiraseçãodoartigo,julgamosserinteressantepercorreralgumas
noçõescentraisdesenvolvidasporWinnicott.Combasenasuateoriasobreoamadurecimentoemocional
primitivo,privilegiaremosanoçãodeintersubjetividadecomoumelementocentralparapensarmosaclínica
doAT.Cumpreassinalarque,emboraWinnicottnãotenhateorizadosobreestecampodeatuaçãoespecífico,
suascontribuiçõessãopreciosas,auxiliandonareflexãoacercadesterecursoterapêutico.Exploraremos,em
especial,osseguintesconceitosdesenvolvidospeloautor:espaço potencial, experiência de ilusão, holding
e regressão à dependência. Chamaremosa atençãoparaoprocessode interação comoambienteque
REV. BRAS. PSICOTER., PORTO ALEGRE, 21(2), 21-33, 2019 25
O acOmpanhamentO terapêuticO na cena urbana: transiciOnalidade e interjOgO na arena sOciOcultural
ISSN 2318-0404I
acompanhaoindivíduodesdeomomentoemquedespertaparaavida,estendendo-seaolongodetodoo
seudesenvolvimento.Nasegundaseção,osconceitosenoçõesdiscutidascombasenateoriawinnicottiana
serãoarticuladasàumareflexãoacercadapráticaclínicadoAT.
A Teoria do Desenvolvimento Emocional Primitivo em Donald Winnicott
Aolongodetodaasuaobra,Winnicottsededicouapensarosprocessosdematuraçãoassociando-
osàsprovisõesambientaisprimárias,asquais sãoencaradascomodeterminantesparaaconstituiçãoda
subjetividade.Ofocoprincipaldoautorrecainosestágiosmaisprimitivosdodesenvolvimentoemocionaldo
bebê,osquaisremontamaodomíniopré-verbaleàsprimeirasrelaçõesobjetais.Assim,parte-sedopressuposto
dequeosambientesprimáriosparticipamativamentenoprocessodeamadurecimentoemocional,interferindo
deformadecisivanacapacidaderelacionalposteriordoindivíduo.
As observações deWinnicott, desenvolvidas a partir de sua experiência clínica comopediatra e
psicanalista,fizeramcomqueoautoratentasseparaoestadodedependênciaabsolutadosbebês,noperíodo
queseestendedagestaçãoatéosprimeiroscincoouseismesesdevida,aproximadamente.Taisobservações
o levaramapostularanecessidadedaexistênciadoquedesignoucomomãe devotada comum,ou,mãe
suficientemente boa,afimdesublinharaexigênciadeumaadaptaçãoativaàsdemandasdorecém-nascido
nosestágiosprimáriosdodesenvolvimentomaturacional.
Winnicott3 defendeahipótesedaexistênciade tendênciasnaturais inerentesaoamadurecimento
emocionalindividual.Noentanto,estastendênciasnãosãoalheiasàsintervençõesdoambiente.Dentroda
perspectivateóricaapresentadapeloautor,casoomeio-ambienteatendaàsnecessidadesprimáriasdobebê,
odesenvolvimentoemocionalseguiráoseucursonatural.Assim,ocontextonoqualorecém-nascidodesponta
paraavida–istoé,ascontingênciasexternasquecompõemoseuentorno–étãoimportantequantoas
tendênciasnaturaisaodesenvolvimento.
SegundoWinnicott3,noestágioinicialobebêécompletamentedependentedeum“outro”quelhe
assegureasobrevivênciaeacontínua“sensaçãodecontinuidadedoseuser”.Oautorassinalaqueatendência
doprocessomaturativoestárelacionadaaosignificadodapalavraintegração4. Deste modo, o desenvolvimento
emocional depende inteiramente do processo de integração doego,oqual sópoderá sedarapartirda
capacidadedeadaptaçãoemocionaldamãe.
Noiníciodavida,orecém-nascidoencontra-seemumestágiodenão-integração,istoé,nãoconstitui
aindaumaunidadeenquantoindivíduo,sendouno emrelaçãoàmãe-ambiente,comaqualseencontranuma
situaçãoparadoxaldeunidade-dual. Issoimplicanofatodeque,nesteprimeiroestágio,háumestadode
indistinçãoorigináriaentreopsiquismodobebêeodesuamãe,semqueexista,comisso,umadelimitação
maisprecisadasfronteiraseu e não-eu.DeacordocomWinnicott5, a integraçãodoegoéumprocessogradual
26 REV. BRAS. PSICOTER., PORTO ALEGRE, 21(2), 21-33, 2019
danilO marques da silva gOdinhO, carlOs augustO peixOtO juniOr
IISSN 2318-0404
quesóéalcançadocasoamãeatendaàsnecessidadesprimáriasdorecém-nascido,numcontextodetotal
dependência,permitindoqueoamadurecimentoemocionalprimitivotranscorraemsegurança.
Emsíntese,noestágioinicialcaracterizadoporumestadodedependênciaabsoluta,éprecisohaver,
porpartedamãe,umaadaptaçãoativasuficientementeboa,poisestaéacondiçãodepossibilidadepara
queodesenvolvimentoemocionaldobebêocorradeformasatisfatória.Destemodo,osprimeiroscuidados
oferecidosaobebêgarantemoestabelecimentodeumritmoconstantenadoaçãomaterna,permitindoo
sentimentodecontinuidadedoser,baseparaodesenvolvimentodoself.
Winnicott6pontuaqueéemfunçãodapossibilidadedeobebêencontraroseionomomentoemque
dele sente necessidade – vivendo a ilusãodequecriaaquiloquelheprovêmdesde“fora”–,queelepode
desenvolver-senosentidodacontinuidadedosersemserinterrompido.Destemodo,aexperiência de ilusão
éoquegaranteaobebêserresguardadodeperturbaçõesdemasiadoconstantes,àsquaisteriaquereagir,e
quepoderiaminterromperoprocessotranquilodedesenvolvimentodoego.
Oencontroexitosoentreailusãodobebêeapreocupaçãomaternaprimáriadáensejoaumaárea
intermediáriadaexistência,regiãoparadoxalquenãosesitua“dentro”enemtampouco“fora”dobebê,mas
queconjugaestasduasdimensõesnamedidaemquepermiteaelemesclá-lasemseuviver.Winnicott6defende
atesedequeentreomundosubjetivoeoqueéobjetivamentepercebidoexisteumespaçopotencialonde
ocorreumaexperimentaçãoouexperiência de ilusão,aqualédesumaimportânciaparaodesenvolvimento
dopotencialcriativodobebê.
Dentrodestaperspectivateórica,arealidadeexternasópoderásecolocarparaobebêdeformanão
intrusiva,ouseja,nocasodeantesamãeter-lhepermitidoaexperiência de ilusão.Assim,éfundamentalque
sejaasseguradaaorecém-nascidoacrençadequeaquiloquelheéofertadoéumacriaçãosua.
É somente a partir da ilusãoqueas tendênciasaoamadurecimentopodemdesdobrar-sedemodo
saudável,permitindoqueobebêcomeceaseapropriardassensaçõescorrespondentesàsexperiênciasmais
primitivasdoperíododedependênciaabsoluta.Valeressaltaraindaqueaexperiência de ilusão depende do
estabelecimentodeumritmonocuidadoofertadopelamãe,suapresençaesuaausênciasendoadministradas
demodoanãointerromperosentidodecontinuidadedoser.
Portanto,Winnicott6assinalaqueéprecisogarantiraobebêapossibilidadedeiludir-se,afimdeque
tenhacondiçõesdesuportarumadesilusãogradualemmomentosposterioresdesuavidaemocional.Dito
emoutraspalavras,éprecisoqueaexperiência de ilusão sejaassegurada,demodoque,àposteriori,o
bebêsuporteasfrustraçõesinerentesaoencontrocomarealidadeexterna.E,nestesentido,adimensãoda
transicionalidadeéumelementofundamental.
SegundoWinnicott7,osfenômenostransicionaisemergemnoespaço potencialexistenteentreapsique
eomundo.Obrincarhabitaesteespaço potencial,áreaintermediáriadaexperimentaçãoque,conformedito
REV. BRAS. PSICOTER., PORTO ALEGRE, 21(2), 21-33, 2019 27
O acOmpanhamentO terapêuticO na cena urbana: transiciOnalidade e interjOgO na arena sOciOcultural
ISSN 2318-0404I
anteriormente,caracteriza-seporserumazonaparadoxal,umavezquereúneomundointernodobebêà
realidadeexterna.Nestesentido,oautorassinalaqueénoâmbitodestedomínioqueseconstituiaexperiência
criativa,marcadapelacontinuidadedosernoespaço-tempo,representandoumaformabásicadeviver.
Winnicott8postulaaexistênciadeumaterceiraáreadaexperiência–aáreadacriação–,representada
nos estágios iniciais pelos objetos e fenômenos transicionais,osquaissesituamentreosubjetivoeoqueé
objetivamentepercebido.Estaáreaintermediária,criadapormeiodousodestesobjetosedaexperiênciacom
aquelesfenômenos,permiteaobebêdesenvolver-secriativamentenoâmbitodeumazonaentrearealidade
internaeapercepçãoobjetivadarealidadeexterna(compartilhada),perfazendoumdomínionoqualoeloé
dadopelapossibilidadedeconciliardoismundosaparentementeincompatíveis.
Vemos,assim,queaquiloqueWinnicott8chamadeobjetos e fenômenos transicionais,dizrespeitoà
possibilidadedacriançatransitardasubjetividadeàobjetividade,valendo-sedousodestamesclacriativaque
conjugaointernocomoexternoemumamesmaexperiência.Aqui,umavezmais,valeressaltarocaráter
paradoxaldestaterceiraárea,poiselanãoconstituiumasimplessoma–reuniãoaditivaentreaspartesinterna
eexterna–,oumesmoumafronteiradefinida,emquesepoderiadiscernirolimitequeseparasujeitoeobjeto.
Trata-senaverdadedeumespaçoque“existe,masnãopodeexistir”,entreamãeeobebê.
Winnicott6sublinhaqueodesenvolvimentodopotencialcriativodependedequearealidadeexternaseja
paulatinamenteapresentadaaobebê,emdosesquepossamserporeleexperimentadashomeopaticamente.
Ouseja,éprimordialmodularaapresentaçãodomundoexternoaorecém-nascido,deacordocomasua
capacidadedeassimilação.Assim,conformeodesenvolvimentoemocionalavança,o“testedarealidade”
podeserintroduzidodemodogradativo.
DeacordocomWinnicott9,aausênciadosentimentoderealidadepodeserverificadanoscasosde
pessoasconsideradas“doentesmentais”.Nestes,ocursododesenvolvimentoemocionalfoi interrompido
aindanoestágioprimário,emfunçãodarecorrênciadasfalhasambientais.Comoumarespostaaestasfalhas,
umfalso selfimpedequeoverdadeiro selfpossamanifestar-se,ocultando-o.
Cumpreassinalarqueofalso selfnãoéumaspectoestranhoàpersonalidade,istoé,emcondições
normaisasuaexistênciaéimportantenosentidodeprotegeroverdadeiro selfdosujeito.Winnicott9 destaca
queoproblemadizrespeitoaoscasosemqueéverificadaumacisãoentreofalso e o verdadeiro self,situações
ondeháanecessidadedeintervirclinicamentenosentidodeofereceraopacienteosuportenecessáriopara
queumaprovisãoambientaladequadaocorra.
Destaforma,emcasosdestetipo,aapostaclínicaresidenacriaçãodeumanovaoportunidade,na
quala(s) falha(s)primária(s)poderávira ser trabalhadapormeiodeumaregressãoaoestágio inicialdo
desenvolvimentoemocional,denominadaporWinnicott9 como regressão àdependência.Paratanto,épreciso
quehajaaofertadeumnovoambientequeseadapteplenamenteàsnecessidadesdopaciente,permitindo
queelepossaretomarodesenvolvimentoemocional.Portanto,noqueserefereàdimensãoclínica,ovalor
28 REV. BRAS. PSICOTER., PORTO ALEGRE, 21(2), 21-33, 2019
danilO marques da silva gOdinhO, carlOs augustO peixOtO juniOr
IISSN 2318-0404
da regressão consisteemoferecerao sujeitoumanovaoportunidadeparaexperimentaroprocessode
desenvolvimentomaturacional,agoraemumnovocontexto.
Winnicott10acentuaoquãodifícilé,paraoanalista,omanejodestescasos.Oretornoaumestadode
dependênciaabsolutaemanálise–oqueoautorconcebecomoregressão à dependência–exigepermitirqueo
passadosetornepresente,comtodasasimplicaçõesqueadvémdestaproposta.Estaquestãodadependência
impostaaoanalistanocasodepacientesgravesnoqueserefereaocomprometimentodasaúdemental,
remeteànecessidadedequeoterapeutaestejacapacitadoaperceberavulnerabilidadedoegodosujeito.
Quantomaisconscienteoanalistaforacercadaexistênciadasfalhasprimordiais,melhorpoderácorresponder
àsnecessidadesprimáriasdopaciente.
Emsíntese,otrabalhoclínicojuntoapacientesgravesdasaúdementaldevevoltar-seaoestágiomais
precocedodesenvolvimentoemocional.Nestesentido,faz-senecessárioummanejosensívelporpartedo
analista,jáqueestálidandocomsujeitosquenãopossuemumegosolidamenteintegrado,e,porconsequência,
tampoucoumapersonalidadesuficientementemaduraemtermosemocionais.
Aestaaltura,játemosumaideiadebaseacercadodesenvolvimentoemocionalprimitivo,bemcomo
dosprocessosqueconcorremparaaconstituiçãopsicossomáticadobebê,talcomoWinnicottosconcebe.
Podemosentãoindagar:dequemodoodispositivoclínicodoATpodeserentrelaçadoàsquestõeslevantadas
peloautor?Ou,quaisdesuasnoçõeseconceitospodemcontribuiràclínicadoAT,noquedizrespeitoàrelação
entreacompanhanteesujeitoacompanhado,promovidaemmeioaosespaçospúblicos?
Interfaces da teoria winnicottiana com o AT
No livro Ética e técnica no acompanhamento terapêutico: andanças com Dom Quixote e Sancho Pança,
Kleber Barreto11 sinalizaqueapropostacentraldo seu trabalhoéarticularocampodoATao referencial
psicanalíticowinnicottiano,comênfasenatentativadeexplicitaroquesepassanarelaçãoacompanhante-
acompanhado.Assim,oautorsebaseiaemWinnicottpararefletiracercadasfunçõesambientaisresponsáveis
pelodesenvolvimentoemocionalhumanosatisfatório.
Barreto11aproximaocontextoprimáriodeunidadeentreamãeeobebê,existentenosprimeirostempos
devidadorecém-nascido,dotipodeidentificaçãoempáticaquesefaznecessáriaàclínicadoAT.Nestesentido,
oautorchamaatençãoparaademandadirigidaaoAtnosentidodehabitarumazonadeindiferenciaçãona
relaçãocomosujeitoacompanhado,ressaltandoquetalindiferenciaçãoéfundamentalnosentidodeauxiliar
opacientenoseudesenvolvimento.
Vê-sequenoATdeparamoscomalgunscasos–notadamenteaquelesconsideradosmaisgraves–em
queháaexigênciadoestabelecimentodeumadinâmicadenãodiferenciaçãonarelaçãocomooutro,ainda
quesejanecessárionãoperderdetodoacapacidadedediscriminação.Assim,oacompanhanteterapêuticoé
convocadoaassumirumaposturaanálogaàpreocupaçãomaternaprimária,pois,talcomoamãe,éinstadoa
REV. BRAS. PSICOTER., PORTO ALEGRE, 21(2), 21-33, 2019 29
O acOmpanhamentO terapêuticO na cena urbana: transiciOnalidade e interjOgO na arena sOciOcultural
ISSN 2318-0404I
descentrar-seemdireçãoaopaciente,semperderaancoragememsimesmo.Combasenateoriawinnicottiana,
ahipóteseéadequeemcasosdestetipohouve,aindanosestágiosprimáriosdodesenvolvimento,uma
interrupçãonosentidodecontinuidadedoser.Talinterrupçãoseinserenocontextodasfalhasambientais
iniciais,asquaisconstituemumdosfatoresresponsáveisporfazercomqueosujeitosesintadespojadoda
capacidadedevivercriativamente.Emfunçãodisso,persistenavidaadultaademandadequesejaencontrado
umobjetoquedêcontinênciaàsnecessidadesprimárias.
AnalicePalombini12tambémdestacaestademandadirigidaaoAt,naqualháoapeloporumtipode
identificaçãofusional.Somenteatravésdoestabelecimentodeumarelaçãodestetipo,osujeitoacompanhado
poderáusufruirdeumavivênciapsíquicacompartilhada,indispensávelparaquesesintareal,dandocontorno
aoseueuatravésdamesclaentrefantasiaerealidade.
Aidentificaçãodescritapelosautoresapontaparaaimportânciadafunçãodeholding noAT.Talfunção
dependedeumacapacidadedoacompanhanteterapêuticoemoferecer-secomosuporteaopacienteatravés
deumaatitudeempática,permitindoqueelepossarelacionar-secomomundodosobjetosobjetivamente
percebidosde formacriativaenãoapenasreativa.Destemodo,a funçãodesustentaçãoecontinênciaé
imprescindívelaocampodeatuaçãodoAT,nosentidodepropiciaraosujeitoumaexperiênciadecontinuidade
deser,semaqualelenãopoderáviradarvazãoaoseupotencialcriativo.
De acordo com Barreto11,éindispensávelproporcionaraosujeitoacompanhadoumaexperiência de
ilusãoatravésdessacontinênciafísicaepsíquica,marcadaporumperíododeindiferenciação.Estaéacondição
paraque,posteriormente,oindivíduosejacapazdesuportaraseparaçãoe/oudiscriminaçãocomrelação
aoAt.Ditodeoutromodo,seoperíododeindiferenciaçãoforbem-sucedido,entãoserápossívelpermitir,
emseguida,aemergênciadeumdomínioemquejápodehaveraseparaçãoeu – não-eu.Nestesentido,a
relaçãoestabelecidaentreoAteosujeitoacompanhadosedánoâmbitodosfenômenostransicionais,jáque
oacompanhantepresta-seaserumapossenão-eudopaciente,atuandocomoobjetotransicional.Somente
destemodooAtpoderáintroduzir,gradativamente,asfrustraçõesedesilusõesquepermeiamoencontro
comarealidadeexterna.Emsuma,oacompanhantetrabalhaafavordequeosujeitopossaexperimentara
continuidadedeseremmeioaovivercoletivo,semqueesteúltimosesintaameaçadopelarealidadeexterna.
Esseprocessodeassunçãodarealidadeexternaconduzaocampodointerjogo,abertopeloespaço
potencialdecriação.Destarte,osujeitoacompanhadopodefazerusodosobjetos,representandoapossibilidade
deaberturaàimaginaçãoeaodesenvolvimentodoseurepertórioimaginativo.Aaposta,nestecaso,recaino
desenvolvimentodacapacidadedevaler-sedomundocomocampodejogo.
Tem-seaquiadimensãoterapêuticadeintervençãoqueatravessaocampodoAT,dispositivoqueatua
navidadosujeitoacompanhadoapostandonosfenômenostransicionais,ouseja,ampliandoapossibilidade
decriaçãotantodasuasubjetividade,quantodomodocomoparticipadacriaçãodarealidadeexterna.
OATsitua-se,portanto,noespaço potencial–necessariamenteparadoxal–queexistenointerjogodo
30 REV. BRAS. PSICOTER., PORTO ALEGRE, 21(2), 21-33, 2019
danilO marques da silva gOdinhO, carlOs augustO peixOtO juniOr
IISSN 2318-0404
mundointernocomarealidadeexterna.Aoapostarnaocupaçãodesteespaço,oATdáensejoaosprocessos
decriação,investindonaparticipaçãodosujeitoacompanhadonosintercâmbiossocioculturais,levando-o
comisso,adespojar-sedosentimentodeinutilidade,defaltadesentidoedesolidão.
Destemodo,odispositivodoATinvestenopotencialcriativodo(s)indivíduo(s),dando-lheaoportunidade
dedesenvolverumainteraçãomaisadaptadacomoambientequeocircunda.Noentanto,istoestálonge
deserumatarefafácil,poiséaltoocustopsíquicodeocuparolugarde objeto transicionaljuntoaosujeito
acompanhado.
Conformevimosanteriormente,àluzdateoriadeWinnicott,determinadoscasossãocaracterizados,
justamente,pordificuldadese/oufalhasnoqueconcerneaoencontrocomarealidadeexterna,emquepese
ocuidadoredobradoquesedeveternosentidodemediarousodosespaçosdesociabilidade,afimdeevitar
quesetornemumfatorqueagravaaindamaisosofrimento.
AdamPhillips13chamaaatençãoparaofatodequehá,dentrodaperspectivaclínicadefendidapor
Winnicott,apropostaderecriaçãodomundointerno–primordial–dosujeito,apartirdaofertadeumsetting
capazdepropiciarapossibilidadedeusodoambienteafavordoprocessodeamadurecimento.Nestecaso,o
novoambiente,criadoapartirdotratamento,sófavoreceráodesenvolvimentodoprocessodeamadurecimento
emocionalseforsustentadocombasenumaatmosferadeconfiança.
Assim,afunçãodeholding,desempenhadapeloAt,dizrespeitoaajudaroindivíduoadesenvolverum
sentidodecontinuidadedoser,tantofísicaquantopsiquicamente.Eparaqueoindivíduosesintacontínuo,
às vezesépreciso tão somente testemunhare compartilharasexperiências vividas.Neste caso,mesmo
queaparentementeoacompanhanteterapêuticonãoestejafazendonada,seasuapresençafordotadade
qualidadeafetiva,estejáéopontodepartidaparaquehajaaofertadapossibilidadedealgumaintegração,
apartirdodesenvolvimentodopotencialcriativo.
Estarjuntosignificacompreenderqueexercerestelugar“aolado”implicanofatodeque“algosefaz”,
mesmoquandoaparentementenadaéfeito.Assim,adisponibilidadeparaestarefetivamentepresenteganha
contornosclínicosoutros,osquaissãodegranderelevânciaterapêutica,emespecialquandosetratadecasos
considerados graves no campo da saúde mental.
ApresençadoAtestárelacionadaaindaapossibilidadededesenvolvimentodaquiloqueWinnicott14
considera comoumdos sinaismais importantes do amadurecimentododesenvolvimento emocional,
relacionadoàcapacidadedeestarsóacompanhado.Odesenvolvimentodestacapacidadedependedaoferta
deumaatmosferapermeadapelaconfiança,oqueapontaparaumaspectodesumarelevâncianoâmbitoda
teoriadeWinnicott,qualseja,aofertadeumespaço potencialdecriaçãoparaotratamento.
Comisso,constata-sequeovínculonoATédesenvolvidonoâmbitodarealidadecompartilhada,no
qualaintersubjetividadedespontacomoumacategoriaconceitualfundamental,apontandoparaoresgateda
funçãoterapêuticapresentenasexperiênciasdocotidianocoletivo,dimensãosocioculturalemsuaacepção
REV. BRAS. PSICOTER., PORTO ALEGRE, 21(2), 21-33, 2019 31
O acOmpanhamentO terapêuticO na cena urbana: transiciOnalidade e interjOgO na arena sOciOcultural
ISSN 2318-0404I
maisampla.Assim,emmeioàsandançaspelacidade,oacompanhantecosturaaexperiênciadeser e estar
nosambientespúblicos,cerzindojuntoaooutroasincontáveistramassubjetivasquepodemservivenciadas.
Emúltimainstância,trata-sedeserparaooutroalguémqueoajudaaencarnarnomundo.
OAtdespontaaquicomoguiaàsavessas,dispondo-seaserconduzidodeacordocomosinteresses
doacompanhado:uma referênciaque chancela aquiloqueaexperiência (com)partilhadadescortina;o
acompanhantetranspiraefazressoarestaexperiência,oferecendoaosujeitoaoportunidadededesenvolver
acapacidadedecriar,aumsótempo,asimesmoeaomundo.
Considerações Finais
OartigoarticulouasanálisesdeDonaldWinnicottacercada importânciadasprovisõesambientais
primáriasàqualidadedarelaçãoqueseestabeleceentreoacompanhanteterapêuticoeosujeitoacompanhado.
Aonosdedicarmosàinvestigaçãoacercadaatmosferarelacionalqueseestabeleceentreoparacompanhante
eacompanhado,constatamosquesetratadeumvínculo,emgrandemedida,distintodaquelequepermeia
osconsultórioseclínicasdeatendimento,promovendooutraqualidadederelação.
Vimosqueaaberturaparao“fora”quecaracterizaestamodalidadeterapêuticafazcomqueasrelações
clínicas sejamestabelecidasnodomíniopúblico,no “aquieagora”docotidianocoletivo, investindonos
intercâmbiossocioculturais.Háaquiopressupostoteórico-clínicodequearealidade,emseusentidomais
pleno,sópodesercompartilhada.Nestesentido,asquestõeslevantadasporWinnicottsetornamextremamente
relevantes para pensarmos este campo.
Osfenômenostransicionaisnospermitemconsiderarummanejoclínicoqueapostaemumarelação
quevenhaaseestabelecernumespaço potencialdecriaçãoconjunta.Paratanto,háqueseestarabertoa
desenvolver,acadanovasituação,acapacidadedeentraremcontatocomasangústiasdosujeitoacompanhado,
sabendoaomesmotempojogarcomoqueomeio-ambienteoferece.Destemodo,oacompanhanteprecisa
entrarnojogodialógico,valendo-sedoslugaresporondecircula.
Épreciso,portanto,estarempaticamentevinculadoàsdemandasenecessidadesdopacientee,ainda,
saberaproveitarosfatoresexternos–socioculturais–,entãoapropriadoscomomatériadaclínica.Oacento,
nestecaso,recainainstauraçãodeumadinâmicadeinterjogo,noespaço potencial,doacompanhantecom
osujeitoacompanhado.Comovimos,taldinâmicaémarcadapelaexperiência de ilusão,possívelapenasa
partirdoholdingedaofertadapossibilidadedeumaregressão à dependência,experiênciainstituídaentreo
eu e o outro,istoé,nodomíniodarealidadecompartilhada.
Compreendemos,assim,umavezmais,aimportânciadaaberturaaosocius,chamandoaatençãoparao
fatodequeénecessário–emais,urgente!–estendermosocuidadoparaalémdosdomíniosteórico-práticos
institucionalizadoseinstitucionalizantes,própriosaoenquadrepsicoterapêuticopresentenosconsultóriose
clínicasdeatendimento.Nestesentido,faz-senecessáriaaampliaçãodaproduçãodeinvestigaçõesquepossam
32 REV. BRAS. PSICOTER., PORTO ALEGRE, 21(2), 21-33, 2019
danilO marques da silva gOdinhO, carlOs augustO peixOtO juniOr
IISSN 2318-0404
cartografaraspráticascotidianasdeacompanhantesterapêuticos,poisemborasejaconstatadoumprogressivo
aumento,háaindamuitoaserexplorado,exigindoacriaçãodeconceitosqueescapemàscategoriasclínicas
tradicionais.Emoutraspalavras,práticasqueensejamoutrosmodosdeestarcomaloucuraecomoqueé
tidocomoanormal,nosimpelemàincursãopornovosdomíniosdoconhecimento.
Referências
1. SerenoD.Acompanhamento terapêuticodepacientespsicóticos:uma clínicana cidade. SãoPaulo.Dissertação[MestradoemPsicologiaClínica]–UniversidadedeSãoPaulo;1996.
2. AmaranteP.Loucospelavida:atrajetóriadareformapsiquiátricanoBrasil.RiodeJaneiro:SDE/ENSP;1995. p. 21-55.
3. WinnicottDW.Dapediatriaàpsicanálise.Obrasescolhidas.RiodeJaneiro:Imago;2000.p.332-346.
4. WinnicottDW.Oambienteeosprocessosdematuração:estudossobrea teoriadodesenvolvimentoemocional.PortoAlegre:Artmed;1983.p.55-61.
5. WinnicottDW.Obrincarearealidade.RiodeJaneiro:Imago;1975.p.153-162.
6. WinnicottDW.Dapediatriaàpsicanálise.Obrasescolhidas.RiodeJaneiro:Imago;2000.p.316-331.
7. WinnicottDW.Obrincarearealidade.RiodeJaneiro:Imago;1975.p.59-77.
8. WinnicottDW.Obrincarearealidade.RiodeJaneiro:Imago;1975.p.133-143.
9. WinnicottDW.Dapediatriaàpsicanálise. Obrasescolhidas.RiodeJaneiro:Imago;2000.p.374-392.
10. WinnicottDW.Dapediatriaàpsicanálise.Obrasescolhidas.RiodeJaneiro:Imago;2000.p.393-398.
11. BarrettoKD.ÉticaetécnicanoAcompanhamentoTerapêutico:andançascomDomQuixoteeSanchoPança.SãoPaulo:UnimarcoEditora;2000.
12. PalombiniA.Vertigensdeumapsicanáliseacéuaberto: a cidade. Contribuiçõesdoacompanhamentoterapêuticoà clínicana reformapsiquiátrica.Riode Janeiro. Tese [DoutoradoemSaúdeColetiva]–UniversidadedoEstadodoRiodeJaneiro;2007.
13. PhillipsA.Winnicott.SãoPaulo:Ideias&Letras;2006.
14. WinnicottDW.Oambienteeosprocessosdematuração:estudossobrea teoriadodesenvolvimentoemocional.PortoAlegre:Artmed;1983b.p.31-37.
Contribuições:DaniloMarquesdaSilvaGodinho–Investigação,Redação–Preparaçãodooriginal;
CarlosAugustoPeixotoJunior–Contribuiçãodoautor:Redação–RevisãoeEdição,Supervisão.
REV. BRAS. PSICOTER., PORTO ALEGRE, 21(2), 21-33, 2019 33
O acOmpanhamentO terapêuticO na cena urbana: transiciOnalidade e interjOgO na arena sOciOcultural
ISSN 2318-0404I
Correspondência
Danilo Marques da Silva Godinho
e-mail:danilomgodinho@gmail.com
Carlos Augusto Peixoto Junior
e-mail:cpeixotojr@terra.com.br
Submetidoem:10/02/2019
Aceitoem:17/06/2019
Recommended