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    NOVA DIREITA

    NAS RUAS?UMA ANLISE DO DESCOMPASSO ENTREMANIFESTANTES E OS CONVOCANTES DOSPROTESTOS ANTIGOVERNO DE 2015

    Pablo Ortellado1, Esther Solano2

    Manifestao na cidade de Curitiba-PR, na praa Santos Andrade.Foto: Orlando Kissner/Fotos Pblicas (16/08/2015).

    Introduo

    Aconteceram grandes manifestaes que expressavam descontenta-

    mento com o governo federal e exigiam o afastamento, o impedimento ou arenncia da presidenta Dilma Rousseff em diversas cidades do pas nos dias

    15 de maro, 12 de abril e 16 de agosto de 2015. Nas manifestaes de abril

    e agosto, aplicamos questionrios junto aos manifestantes que protestavam

    na cidade de So Paulo, buscando verificar algumas hipteses desenhadas a

    partir da observao do processo de mobilizao dos grupos liberais e con-

    servadores que convocavam os protestos3.

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    A principal hiptese que norteava o primeiro questionrio era que adescrena no governo federal no estava restrita a ele, mas se estendia a todoo sistema poltico, entendido num sentido amplo que inclua os polticos e ospartidos polticos, as Organizaes No Governamentais (ONGs) e os movi-mentos sociais, e a imprensa poltica e seus comentadores. Nossa hiptese

    tinha surgido do acompanhamento do processo de mobilizao e da grandedesconfiana que tanto as pessoas mobilizadas como os grupos convocantestinham da grande imprensa e dos partidos polticos, inclusive os da oposio,como o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Pesquisas prvias

    j captavam esse alto ndice de desconfiana institucional. Cabe destacar osresultados da pesquisa ndice de Percepo do Cumprimento das Leis da Fun-dao Getlio Vargas para 2015, onde s 5% da populao afirmava confiar empartidos polticos, 15% no Congresso Nacional, e 33% nas emissoras de TV4.

    primeira vista, os protestos pareciam fundamentalmente antipetistas.Parecia que o descontentamento dos manifestantes estava restrito ao governofederal e seu partido, j que as faixas e cartazes nas ruas poupavam as demaisforas polticas. Mas teria a insatisfao como foco o Partido dos Trabalhado-res (PT) devido a uma seletividade partidria ou o PT seria apenas considera-do uma expresso mxima e mais clara de um problema que os manifestantesacreditavam estar espalhado por todo o sistema poltico?

    Aps verificarmos nossa hiptese de que a descrena se espalhava

    por todo o sistema, desenvolvemos outro conjunto de hipteses que advi-nham da similaridade entre a desconfiana nas instituies representativasque constatamos nos manifestantes de 2015 e a desconfiana que haviaaparecido no ciclo de protestos de junho de 2013. As pesquisas de opiniorealizadas na semana de 17 de junho de 20135haviam indicado um conte-do reivindicatrio que poderia ser resumido na rejeio das instituies derepresentao (executivo, legislativo e os partidos polticos), e na demandapela consolidao e expanso de direitos sociais (principalmente transporte,

    sade e educao).Como havia semelhana entre a primeira parte das reivindicaes dejunho de 2013 e as opinies constatadas em abril de 2015, nos perguntamosse, a despeito da profunda diferena da composio social (em 2015, os ma-nifestantes eram mais velhos, mais ricos e mais escolarizados) e da orientaopoltica dos grupos convocantes (em 2013, na esquerda do espectro poltico;em 2015, na direita), se no poderia haver uma inquietao e insatisfao co-mum que ligava subterraneamente um fenmeno ao outro.

    Num momento em que o pas vive uma polarizao aguda, nossa pes-quisa fornece evidncias que desconstroem essa dialtica da poltica inimi-ga, sugerindo que devemos ir alm da simplificao e caricaturizao dos

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    processos sociais. O debate poltico atual tem se dado em termos muitossuperficiais, estruturado em torno da dicotomia petismo/ antipetismo comose o espectro ideolgico pudesse se reduzir a este binarismo e como se essesconceitos fossem unvocos e monolticos. Qualquer manifestao poltica quesurja fora dessa dinmica rapidamente recuperada ou atribuda a um dos

    polos, esvaziando o debate poltico de matizes e posies independentes.

    Confiana no sistema poltico

    A crise de confiana nas instituies representativas um velho temada cincia social, desde os anos 19706. De certa maneira, o fato relevante darecente descoberta da crise brasileira no tanto seu contedo, mas quetenha sido percebida como uma novidade. Talvez por isso, no tenha pare-

    cido evidente para muitos analistas relacionar a oposio ao governo federalexpressa nos protestos de 2015 com a profunda crise de confiana nas insti-tuies representativas.

    O PT e suas principais lideranas, a presidenta Dilma e o ex-presidenteLula, eram os principais alvos dos manifestantes das mobilizaes aqui anali-sadas. Mas, o que pensariam os manifestantes do protesto do dia 12 de abrilcom relao aos principais representantes do PSDB e do Partido do Movimen-to Democrtico Brasileiro (PMDB)? Segundo os dados do Datafolha relativos

    primeira manifestao, de 15 de maro7

    a maioria dos manifestantes sedeclaravam votantes do PSDB8. Mas, levando-se em considerao a crise deconfiana nas instituies representativas, ser que confiavam nos candidatosnos quais votaram ou o voto tinha, para eles, apenas uma orientao pragm-tica antipetista, uma vez que o partido era visto como a expresso mais agudados problemas do sistema?

    Podemos ver na Tabela 1 que 73% dos manifestantes no dia 12 deabril no confiavam nos partidos polticos de uma maneira geral. No tocante

    a siglas especficas, no s o PT merecia a desconfiana dos manifestantes,mas tambm o principal partido da base aliada (PMDB) e mesmo os par-tidos polticos menores e mais novos como a Rede Sustentabilidade9, e oPartido Socialismo e Liberdade (PSOL). Surpreendentemente, apesar doseleitores do PSDB serem a grande maioria dos manifestantes, apenas 11%confiavam muito no partido.

    Quando indagados sobre polticos individuais, vemos na Tabela 2 que,novamente os polticos petistas tm confiabilidade baixssima entre os mani-festantes, como era de se esperar. No entanto, mais uma vez, a desconfianano fica restrita a este campo: o baixo ndice de confiana recai tambm nosprincipais lderes da oposio. Apenas 14% dos manifestantes declararam

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    Tabela 1Confiana nos partidos polticos (%)10

    Partidos PT PSDB PMDB Rede PSOL

    Confia muito 01,10 00,20 11,00 01,40 02,60 01,90

    Confia pouco 25,20 03,70 41,20 16,30 14,00 16,10

    No confia 73,20 96,00 47,60 81,80 61,10 77,10No conhece 00,00 00,00 00,00 00,40 21,50 04,70

    No respondeu 00,50 00,20 00,20 00,20 00,70 00,20

    Tabela 2Confiana nos polticos (%)11

    Polticos Acio Dilma Eduardo Fernando Geraldo Marina Neves Rousseff Cunha Haddad Alckmin Silva

    Confia muito 00,40 22,60 00,40 03,20 02,10 29,00 14,70

    Confia pouco 28,90 48,30 02,50 17,00 08,40 41,50 44,70No confia 69,90 28,40 96,70 73,40 87,60 28,00 39,80

    No conhece 00,00 00,40 00,20 06,10 01,40 00,90 00,20

    No respondeu 00,90 00,40 00,40 00,40 00,50 00,50 00,70

    Pastor Jean Jos Luciana LulaFeliciano Willys Serra Genro

    Confia muito 03,90 03,90 23,80 04,00 01,40

    Confia pouco 13,10 09,80 42,70 12,30 02,50

    No confia 75,10 70,20 32,70 74,30 95,30

    No conhece 07,20 15,60 00,20 08,90 00,40

    No respondeu 00,70 00,50 00,50 00,50 00,50

    confiar muito em Marina Silva, que substituiu o candidato Eduardo Campos,do Partido Socialista Brasileiro (PSB), falecido no curso das eleies para Pre-sidncia em 2014; 22% em Acio Neves, candidato a presidente pelo PSDB nomesmo pleito; e 29 declararam confiar muito no ento governador reeleito doestado de So Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB.

    Alm de investigar a confiana no sistema partidrio, foi objeto de an-lise a confiana em ONGs e movimentos sociais. Uma longa tradio nascincias sociais relaciona a crise do sistema representativo com a ascensodos chamados novos movimentos sociais a partir dos anos 1970, cuja de-mocracia direta no processo de mobilizao se contraporia aos limites da de-mocracia representativa12. No contexto destas manifestaes, foi investigada aconfiana nos grupos e movimentos direita do espectro poltico, que haviamconvocado a manifestao, e tambm nos movimentos mais tradicionais, nor-malmente esquerda do espectro e muitos deles associados ao PT.

    Aparentemente, tambm com os movimentos sociais a confiana estavarelacionada com uma posio antiestablishment. Como uma senhora declarou

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    durante uma entrevista, confio no Vem para a Rua, porque eles ainda noforam corrompidos pela poltica, esto de fora. Isso talvez explique por quos grupos convocantes, como era de se esperar, tenham a confiana dos ma-nifestantes, enquanto que movimentos mais prximos ou identificados ao PT,como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ou o Movi-

    mento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), no tenham. Assim, por exem-plo, 70% dos manifestantes declararam confiar muito no Vem para a Rua,enquanto apenas 11% responderam confiar muito no PSDB. Surpreende aconfiana no Movimento Passe Livre (53% confia muito ou pouco), ndicemais alto que o atribudo a um dos grupos convocantes, o Revoltados OnLine,e tambm 1% mais alto que a confiana depositada no PSDB. Esse alto ndicede confiana no MPL possivelmente se deve ao entendimento de que o mo-vimento verdadeiramente desvinculado dos partidos polticos, ao contrrio

    do MST e do MTST.

    Tabela 3Confiana em ONGs e movimentos sociais (%)13

    ONGs Movs. Vem pra Brasil MPL MST Revoltados MTSTsociais Rua Livre Online

    Confia muito 20,00 30,50 70,80 52,70 25,20 03,90 19,30 04,20

    Confia pouco 46,20 48,00 20,80 21,90 28,20 09,10 26,30 11,40

    No confia 29,80 20,30 06,00 09,30 37,80 84,40 30,60 79,20

    No conhece 03,30 01,10 02,30 15,90 08,60 02,50 23,60 05,10No respondeu 00,70 00,20 00,20 00,20 00,20 00,20 00,20 00,20

    Por fim, foi analisada a confiana na imprensa. Em nosso acompanha-mento do processo de mobilizao, em eventos e nas redes sociais, tanto osgrupos convocantes como as pessoas mobilizadas demonstravam desprezopela Folha de S.Paulo e pela rede Globo. Essa postura muito disseminada dedesconfiana nos meios de comunicao de massa orientou a formulao dahiptese de que a imprensa tambm compunha o sistema poltico, num sen-tido ampliado, j que ela responsvel por prover as informaes necessriaspara o debate e a tomada de deciso polticas.

    Mais uma vez, foi constatada uma ampla desconfiana. Entre os veculosapresentados, apenas a revista Veja, de extrema direita, teve muita confianados manifestantes, com 51%. A Folha de S.Paulo e o Jornal Nacional tiveramgrande ndice de desconfiana, com 29 e 37%, respectivamente. Investigamostambm a confiana depositada pelos manifestantes em comentaristas pol-ticos. Aqui prevaleceu o grande desconhecimento dos comentaristas da im-

    prensa escrita o que sugere que a televiso ainda o meio de comunicaopredominante na formao da opinio poltica.

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    Entre os comentaristas, apenas Raquel Sheherazade e Reinaldo Azevedo,alinhados extrema direita, receberam altos ndices de muita confiana, 49%e 39% respectivamente. Em seguida, destaca-se Paulo Henrique Amorim, co-mentarista posicionado esquerda no espectro poltico, com mais confianaque William Bonner, apresentador do influente Jornal Nacional, da rede Globo.

    Assim como Sherazade e Reinaldo Azevedo, as intervenes de Amorim somarcadas por uma postura crtica e enftica. Mais uma vez, a postura antiesta-blishmentparece explicar melhor as opinies dos manifestantes que o posiciona-mento direita ou esquerda no espectro poltico.

    Tabela 4Confiana na imprensa (%)14

    Imprensa Folha de Estado de Veja Carta Jornal Jornal Globo El Pas BBCS.Paulo S. Paulo Capital Nacional Record News

    Confia muito 21,00 26,00 40,20 51,80 16,80 16,30 14,90 34,50 09,50 31,70

    Confia pouco 57,80 42,30 41,90 31,90 19,50 45,70 42,00 38,90 17,20 23,60

    No confia 20,80 29,80 14,70 14,70 32,60 37,10 31,30 22,60 14,70 09,10

    No conhece 00,20 01,90 03,20 01,60 30,70 00,50 11,40 03,90 58,50 35,20

    No respondeu 00,20 00,00 00,00 00,00 00,40 00,40 00,40 00,20 00,20 00,40

    Tabela 5Confiana em comentaristas polticos (%)15

    Demtrio Guilherme Gregrio Jnio Jos Luiz LuisMagnoli Boulos Duvivier de Freitas Datena Nassif

    Confia muito 9.50 2.50 4.00 7.20 18.20 12.10

    Confia pouco 11.70 10.90 14.90 17.50 33.10 23.10

    No confia 6.70 18.90 17.50 11.70 43.80 25.40

    No conhece 71.10 66.80 62.50 62.70 4.00 38.50

    No respondeu 1.10 0.90 1.10 0.90 0.90 0.90 Olavo de Paulo H. Raquel Reinaldo William Vladimir Carvalho Amorim Sheherazade Azevedo Bonner Safatle

    Confia muito 17.20 28.00 49.40 39.60 25.20 4.20

    Confia pouco 17.90 38.50 21.70 19.80 45.00 17.30No confia 10.70 25.00 11.40 9.80 27.70 16.50No conhece 53.60 7.50 16.60 29.80 1.20 61.10

    No respondeu 0.70 0.90 0.90 1.10 0.90 0.90

    Seletividade poltica

    Diante da indignao seletiva das lideranas dos protestos, que poupa-

    vam partidos e polticos acusados de corrupo, a pesquisa na manifestaodo dia 16 de agosto investigou se havia respaldo para esta postura na percep-o dos manifestantes, ou se, mais uma vez, constataramos uma indignao

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    generalizada que tinha o PT e seus polticos apenas como uma expressomais aguda. Alm disso, tambm investigamos se as demandas sociais quesurgiram no ciclo de protestos de junho de 2013 que pediam a ampliaoe melhoria dos servios pblicos de sade, educao e transporte encon-travam eco na opinio dos manifestantes deste ano, a despeito da orientao

    liberal dos grupos convocantes.A indignao contra a corrupo um dos motivos mais evidentes

    para a mobilizao. Nas manifestaes sempre estavam presentes cartazessobre a operao Lava-Jato, por exemplo. O PT, e principalmente o ex-presi-dente Lula, apareciam como smbolos da corrupo poltica. Os lderes dosprotestos deixaram claro que estavam sendo seletivos ao no mencionar osescndalos de corrupo envolvendo outros partidos16, mas ser que essaseletividade se estendia aos manifestantes? Foi medida a percepo da gra-

    vidade de escndalos de corrupo, que envolviam polticos da situao eda oposio para ver se haveria grande variao entre eles. Evidenciou-seelevado ndice de percepo de gravidade nos escndalos que envolviama oposio, como o do Metr/CPTM, com 87%, e o Mensalo tucano, com80%. O ndice dos dois casos estava um pouco abaixo daqueles dos escn-dalos envolvendo polticos do PT, como o Lava Jato e o Mensalo do PT, aosquais 99% dos manifestantes atriburam gravidade.

    Investigamos em seguida a percepo dos manifestantes quanto ao en-volvimento de polticos dos dois campos com corrupo. Neste caso, as varia-es foram bem maiores e algo surpreendentes. Cerca 60% dos manifestantesno percebiam ou no sabiam do envolvimento de Acio Neves e Geraldo

    Alckmin com corrupo, mas 77% acreditavam que o prefeito de So Paulo,Fernando Haddad, tinha envolvimento, embora no houvesse nenhuma sus-peita que ligasse ele a qualquer escndalo de corrupo na imprensa. Acredi-tamos que a desconfiana deve-se vinculao do prefeito ao PT.

    Investigamos tambm a insatisfao com o atual sistema poltico, de-clarada por 96% dos manifestantes, e que tipo de sada para a crise estesapontam. Em particular, queramos investigar se prevaleciam alternativas an-

    Tabela 6Gravidade de escndalos de corrupo (%)

    Lava Jato Zelotes Metr/CPTM Mensalo PT Mensalo tucano

    Grave 99,00 58,80 87,40 99,30 80,20

    No grave 00,50 03,00 04,90 00,20 06,70

    No sei 00,20 38,00 07,40 00,20 12,60

    No respondeu 00,20 00,20 00,20 00,20 00,50

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    tipolticas, como entregar o poder para um juiz honesto, para os militares oupara algum de fora do sistema poltico, ou se prevaleciam alternativas quebuscavam o aprofundamento da democracia, como aumento de consultas di-retas como os plebiscitos ou o fortalecimento de ONGs e movimentos sociais.Os resultados foram ambivalentes. Pouco mais da metade dos manifestantes

    concordavam total ou parcialmente em entregar o poder para um juiz honestoou para algum de fora do jogo poltico. Por outro lado, 76% concordavam to-tal ou parcialmente em tomar decises polticas por consultas diretas, e 59%em fortalecer ONGs e movimentos. Felizmente, uma slida maioria de 71%rejeitava a passagem do poder aos militares.

    Tabela 7Percepo do envolvimento de polticos com corrupo (%)

    Dilma Geraldo Fernando Acio Eduardo Renan Rousseff Alckmin Haddad Neves Cunha Calheiros

    Sim 89,60 41,70 77,00 37,80 70,90 93,80

    No 04,70 36,30 09,60 35,80 08,10 00,70

    No sei 05,40 21,70 13,10 26,20 20,70 05,20No respondeu 00,20 00,20 00,20 00,20 00,20 00,20

    Tabela 8Alternativas para a crise poltica (%)

    Entregaro poder

    para umpolticohonesto

    Entregar opoder para

    algumfora do jogo

    poltico

    Entregaro poder

    para osmilitares

    Entregar opoder para

    um juizhonesto

    Tomardecises

    polticas porconsultapopular eplebiscitos

    Fortalecerorganizaes

    comoONGs e

    movimentossociais

    Concordo totalmente 64,20 27,70 13,10 43,70 40,50 27,90

    Concordo em parte 23,50 28,90 15,10 20,00 36,30 31,40

    No concordo 10,60 38,50 71,10 32,80 21,00 39,80

    No sei 01,70 04,70 00,20 03,00 02,00 00,50

    No respondeu 00,00 00,20 00,50 00,50 00,20 00,50

    O resultado mais surpreendente ocorreu quando investigada a hip-tese de que, contrrio a todas as aparncias, a opinio dos manifestantes notocante a direitos sociais fundamentais poderia ser progressista, como partedo legado de junho de 2013, isto , que a defesa dos servios pblicos aven-tada nas manifestaes de dois anos atrs poderia tambm estar presente naopinio dos manifestantes de 2015, a despeito do antipetismo e da orientaoliberal e conservadora dos grupos que convocavam os protestos.

    Perguntamos aos manifestantes sua concordncia com sentenas quedefendiam a universalidade e a gratuidade de trs servios pblicos: sade,educao e transporte os trs servios pblicos que haviam aparecido mais

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    frequentemente nas manifestaes de junho de 2013. O grau de concordnciafoi muito alto. Cerca de 97% dos manifestantes concordava total ou parcialmen-te tanto com a universalidade, como com a gratuidade dos servios pblicos desade e educao, e mesmo a demanda por tarifa zero nos transportes pblicoscontava com a concordncia total ou parcial de 50% dos manifestantes.

    Tabela 9Concordncia com universalidade e gratuidade de servios pblicos (%)

    O estadodeve proverservios desade paratodos os

    brasileiros

    Os serviosde sadedevem sergratuitos

    O estadodeve provereducao

    paratodos os

    brasileiros

    A educaopblicadeve sergratuita

    O estadodeve provertransporte

    coletivo paratodos oscidados

    O transportepblico,como o

    nibus e ometr, deveser gratuito

    Concordo totalmente 88,60 74,30 92,30 86,90 72,10 21,00

    Concordo em parte 07,90 21,70 05,40 09,60 17,50 29,40

    No concordo 03,20 03,70 02,00 03,20 10,10 48,90

    No sei 00,00 00,00 00,00 00,00 00,00 00,50

    No respondeu 00,20 00,20 00,20 00,20 00,20 00,20

    Concluses

    Um dos objetivos da pesquisa realizada com manifestantes que protes-tavam contra a presidenta Dilma Rousseff em 2015, na Avenida Paulista, foi

    verificar se era apropriado tomar a posio poltica dos lderes destes protes-tos, que vm da nova direita liberal e do neoconservadorismo, para entender adisposio e o sentido poltico dos manifestantes. A insatisfao e a descrenadestes, como os resultados da pesquisa demonstram, extrapolam o PT, se es-tendendo a todo o sistema poltico. A despeito das manobras das lideranas,os manifestantes entendiam que a corrupo principal queixa nos protes-tos no estava restrita ao governo federal, mas estava espalhada nas outrasesferas de poder e nos outros partidos, inclusive no PSDB, no qual a maioria

    dos manifestantes tinha votado.Por fim, a despeito da agenda de Estado mnimo e privatizaes dosgrupos que convocavam as manifestaes, os manifestantes eram ainda fiiss demandas de consolidao, ampliao e melhoria dos servios pblicosque tinham emergido em junho de 2013. Ao contrrio do esteretipo do ma-nifestante privilegiado e ressentido com o avano social dos mais pobres,h um notvel consenso entre os manifestantes a favor dos direitos sociaisfundamentais.

    Como essa crena pode ento estar combinada com uma liderana ul-traliberal, com um sentimento antipetista e uma admirao pelo comentaris-mo neoconservador? Acreditamos que o paradoxo seja um legado do ciclo de

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    protestos de junho de 2013 . Na ausncia de grupos progressistas desvincu-lados dos partidos polticos, para alm do MPL, que fossem capazes de darorientao e liderana para a indignao que foi despertada, os grupos libe-rais e conservadores se aproveitaram da oportunidade para moldar e explorarpoliticamente a insatisfao.

    RESUMOO presente artigo resultado de uma pesquisa de campo realizada nasmanifestaes pelo impeachmentda presidenta Dilma Rousseff em So Pau-lo nos dias 12 de abril e 16 de agosto de 2015. Atravs da aplicao dequestionrios, buscou-se questionar o senso comum que acompanha estesprotestos, e tende a simplificar o fenmeno social que representam. As prin-cipais hipteses comprovadas foram: 1) que o descontentamento e descon-fiana dos manifestantes no se restringem ao Partido dos Trabalhadores,

    mas se estendem ao sistema poltico como um todo; 2) embora os gruposque convocam as manifestaes tenham uma orientao ideolgica liberale privatizante, os manifestantes no compartilham esta viso, defendendoum Estado que fornea educao, sade e transporte pblicos.

    PALAVRAS-CHAVEManifestaes, desconfiana, servios pblicos.

    The new rights on the streets? Analysing the gap between protesters and leaders in

    2015 antigovernment protests.

    ABSTRACTThis paper is the result of a field research during the demonstrations in So Pau-lo for the impeachment of President Dilma Rousseff in April 12 and August 16,2015. By applying surveys, we seek to question the common sense around theseprotests which simplifies the complexity of this social phenomenon. Our mainhypotheses are: 1) discontent and distrust of protesters are not restricted to theWorkers Party (PT), but extends to the political system as a whole, 2) although

    the groups that summon the demonstrations have a liberal and privatizing ideo-logy, protesters do not share this opinion, supporting that the State must providepublic education, public health and public transportation.

    KEYWORDSDemonstrations; distrust; public services.

    NOTAS1. Professor do curso de Gesto de Polticas Pblicas da Escola de Artes, Cincias eHumanidades da USP. Contato do autor: [email protected].

    2. Professora doutora em Cincias Sociais, vinculada ao departamento de Relaes

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    Internacionais da UNIFESP. Contato da autora: [email protected].

    3. As pesquisas foram realizadas sob a coordenao dos autores e da cientista pol-tica Lucia Nader, com apoio da Fundao Ford. Nas manifestaes dos dias 12 deabril e 16 de agosto de 2015 aplicamos, respectivamente, 571 e 405 questionriosnos manifestantes presentes na avenida Paulista. As abordagens limitaram-se aos

    manifestantes maiores de 16 anos, foram aleatrias e distribudas por toda a exten-so da avenida, no perodo das 12 horas s 17 horas e 30 minutos. A margem deerro para a primeira pesquisa foi de at 2,1% e da segunda de at 4,5%. A margemfoi calculada sobre a estimativa total de manifestantes do Datafolha (100 mil mani-festantes no protesto do dia 12 de abril e 135 mil no do dia 16 de agosto). Os resul-tados completos da pesquisa esto disponveis em: http://www.lage.ib.usp.br/manif/e http://www.gpopai.usp.br/pesquisa.

    4. Disponvel em http://direitosp.fgv.br/publicacoes/ipcl-brasil.

    5. Por exemplo, a pesquisa do Datafolha, Protestos sobre o aumento de tarifa dos

    transportes II, de 18/06/2013 e a pesquisa do Ibope Inteligncia de junho de 2013,Pesquisa de opinio pblica sobre as manifestaes.

    6. Para um balano em portugus do debate, veja MOISS, Jos lvaro. Cidadania,confiana e instituies democrticas. Lua Nova, n. 65, agosto de 2005, p. 71-94.

    7. Pesquisa Datafolha Manifestao na Avenida Paulista, 15/03/2015. Disponvel em:

    8. Oitenta e dois por cento se declararam votantes de Acio Neves, candidato doPSDB, no segundo turno das eleies presidenciais de 2014.

    9. Partido em processo de registro junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no mo-mento analisado neste estudo. Obteve registro em setembro de 2015.

    10. Os trs primeiros partidos (PT, PSDB e PMDB) so os de maior representati-vidade no Congresso. Inclumos adicionalmente dois partidos que exploram umaidentidade antissistmica: a Rede e o PSOL.

    11.O critrio para a apresentao dos polticos foi o seguinte: candidatos presiden-te na eleio de 2014 (Acio Neves e Dilma Rousseff), o presidente da Cmara dosDeputados e terceiro na linha de sucesso presidencial (Eduardo Cunha), o prefeitoe o governador de So Paulo (Geraldo Alckmin e Fernando Haddad), expoentes do

    debate sobre liberdades individuais no Congresso, nos dois lados do espectro (pastorEveraldo e Jean Wyllys), lderes dos dois principais partidos polticos (Lula e JosSerra) e lderes dos dois partidos com identidade antissistmica (Luciana Genro eMarina Silva).

    12. Por exemplo, OFFE Clauss. New Social Movements: Challanging the Boundar-ies of Institutional Politics. Social Research, vol. 52, n. 4, 1985 e, mais recentemente,POLLETTA, Francesca. Freedom Is an Endless Meeting. Chicago: Chicago UniversityPress, 2002.

    13. Os movimentos sociais inseridos nos questionrios foram os convocantes da ma-

    nifestao (Vem para a Rua, Revoltados Online e MBL); os movimentos socais maisatuantes direta ou indiretamente associados ao PT (MST, MTST); e o MPL, principalconvocante dos protestos de junho de 2013.

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    N 11, Ano 7, 2016180

    14. A apresentao dos veculos buscou equilibrar abrangncia nacional, orientaopoltica e diversidade dos meios: jornais impressos, revistas, jornais televisivose sitesde notcias estrangeiros.

    15. A seleo dos comentaristas para constar dos questionrios buscou equilibrar omeio (televisivo e impresso) e o posicionamento poltico destes, incluindo matizes

    que vo da extrema-esquerda extrema direita.16. Verificado em entrevistas imprensa, por exemplo, Movimento Brasil Livre:Dilma deve cair at o final do ano. El Pas, 15 de agosto de 2015. Disponvel em:

    17. Sobre a mudana de pauta nos protestos de 2013 que pode estar na gnese daapropriao liberal e conservadora do esprito de junho, veja JUDENSNAIDER,Elena; LIMA, Luciana; ORTELLADO, Pablo. Vinte centavos: a luta contra o aumento.So Paulo: Veneta, 2013.