A Colonialidade Sobre o Surdo_Chaibue-Aguiar

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O objetivo deste trabalho é discutir sobre a colonialidade imposta sobre o surdo brasileiro, tendo em vista a desvalorização da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) em sua legislação de reconhecimento e em suas políticas educacionais inclusivas. É uma pesquisa bibliográfica enquadrada numa abordagem qualitativa, buscando investigar dados históricos, culturais e linguísticos da comunidade surda para realizarmos nossa discussão. Tomaremos por fundamentação teórica sobre colonialidade, o trabalho de Quijano (2005). Como proposta para uma possível contraposição à colonialidade, utilizaremos a interculturalidade funcional e a interculturalidade crítica de Wash (2009). Acreditamos que para haver o rompimento da colonialidade sobre o surdo deve acontecer a interculturalidade crítica apresentada por Wash (2009), fazendo necessário repensar sobre a legislação e os modelos educacionais vigentes, trazendo a participação da comunidade surda.

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CENTRO VIRTUAL DE CULTURA SURDA REVISTA VIRTUAL DE CULTURA SURDAEdio N 13 / Setembro de 2014 ISSN 1982-6842http://editora-arara-azul.com.br/portal/index.php/revista/edicoes-revista/edicao-14

1A COLONIALIDADE SOBRE O SURDOKarime Chaibue Thiago Cardoso AguiarA COLONIALIDADE SOBRE O SURDO

Karime Chaibue

Thiago Cardoso Aguiar

A lngua portuguesa continua hegemnica, e o surdo, um colonizado dentro da grande maioria das escolas brasileiras.

RESUMO

(STUMPF, 2009, p. 437)

O objetivo deste trabalho discutir sobre a colonialidade imposta sobre o surdo brasileiro, tendo em vista a desvalorizao da Lngua Brasileira de Sinais (LIBRAS) em sua legislao de reconhecimento e em suas polticas educacionais inclusivas. uma pesquisa bibliogrfica enquadrada numa abordagem qualitativa, buscando investigar dados histricos, culturais e lingusticos da comunidade surda para realizarmos nossa discusso. Tomaremos por fundamentao terica sobre colonialidade, o trabalho de Quijano (2005). Como proposta para uma possvel contraposio colonialidade, utilizaremos a interculturalidade funcional e a interculturalidade crtica de Wash (2009). Acreditamos que para haver o rompimento da colonialidade sobre o surdo deve acontecer a interculturalidade crtica apresentada por Wash (2009), fazendo necessrio repensar sobre a legislao e os modelos educacionais vigentes, trazendo a participao da comunidade surda.

Palavras-chave: Colonialidade; Surdo; Interculturalidade.

CONSIDERAES INICIAIS

O incio da colonialidade do poder narrado por Quijano (2005) partindo do critrio de classificao social que se baseava na raa. Nesta classificao social, ocorre prticas de dominao, nas quais as novas identidades formadas, como as de ndios e negros so consideradas inferiores.Apesar de no ser baseada em raa, a comunidade surda tambm vive atualmente uma situao de colonialidade, pois seu processo histrico, cultural e lingustico so desvalorizados mediante um discurso multicultural, que de acordo com Walsh (2009) tal discurso pertencente interculturalidade funcional.Diante disso, pretendemos com este trabalho, discutir sobre a colonialidade imposta sobre o surdo brasileiro, visto que a sua lngua natural, a Lngua Brasileira de Sinais (LIBRAS)1, ainda desvalorizada na sua legislao de reconhecimento e nas polticas educacionais inclusivas.Para iniciar nossa discusso, partiremos de uma explanao bsica sobre colonialidade apresentada por Quijano (2005), posteriormente demonstraremos um panorama histrico vivenciado pelo surdo, bem como da sua lngua de sinais, fazendo ento uma reflexo da sua histria com as interculturalidades apresentadas por Walsh (2009): a interculturalidade funcional e a interculturalidade crtica. Por fim, apresentaremos as consideraes finais e as referncias utilizadas.

1 LIBRAS a sigla difundida pela Federao Nacional de Educao e Integrao de Surdos FENEIS, para referir-se lngua de sinais utilizada pela comunidade surda brasileira. Existe tambm LSB Lngua de Sinais Brasileira, que segue os padres internacionais de denominao das lnguas de sinais, porm LIBRAS utilizada pelo MEC, nos documentos legais, e por vrios pesquisadores e especialistas (cf. QUADROS, 2007).

A COLONIALIDADE SOBRE O SURDO

A Amrica foi o primeiro espao de poder no mundo, desta forma tornou-se a referncia de modernidade. O processo histrico racial anterior Amrica ignorado e as relaes sociais foram posteriormente construdas dependendo da raa, sendo constitudas por prticas de dominao. As novas identidades formadas, como ndios, negros e mestios ocupavam uma posio hierrquica de inferioridade enquanto que portugueses e espanhis ocupavam uma posio de superioridade, sendo denominados de brancos (QUIJANO, 2005).Quijano (2005) afirma que novas identidades, como amarelos ou azeitonados foram construdas e somadas s de ndios, negros e mestios, havendo para cada raa uma forma particular de dominao. Walsh (2009) ressalta que a colonialidade do poder ainda existente nos dias atuais e que ndios e negros so considerados como grupos de identidades inferiores, sendo sua histria, lngua e cultura desvalorizadas:Essa colonialidade do poder que ainda perdura estabeleceu e fixou uma hierarquia racializada: brancos (europeus), mestios e, apagando suas diferenas histricas, culturais e lingusticas, ndios e negros como identidade comuns e negativas. A suposta superioridade natural se expressou como diz Quijano, em uma operao mental de fundamental importncia para todo o padro de poder mundial, principalmente com respeito s relaes intersubjetivas. Assim, as categorias binrias, oriente-ocidente, primitivo-civilizado, irracional-racional, mgico/mtico-cientfico e tradicional- moderno justificam a superioridade e desumanizao (colonialidade do ser)- e pressupem o eurocentrismo como perspectiva hegemnica (colonialidade do saber). (WALSH, 2009, p. 14-15)

Seguindo a mesma ideia de Walsh (2009), Perlin (1998) apresenta uma outra categoria binria: surdo-ouvinte e Stumpf (2009) menciona a hegemonia imposta pela maioria ouvinte. Ambas autoras (PERLIN, 1998; STUMPF, 2009) so surdas e fundamentam suas afirmaes em decorrncia da desvalorizao da LIBRAS.A histria do surdo, da mesma forma que a lngua de sinais, sofreu vrios impasses devido valorizao extrema dada oralidade, chegando ao ponto de exercer sobre os surdos, atitudes de extrema violncia e tambm proibi-los de utilizarem uma comunicao gestual.Loureno e Barani (2011) mencionam que houve atitudes diferentes exercidas sobre o surdo em cada sociedade, como exemplos citam: o abandono em praas pblicas ou campos em Atenas, em Esparta eram atirados de rochedos e em Roma lanados sobre o Rio Tiger. Por mais que cada sociedade tenha uma justificativa baseada na sua cultura, as atitudes demonstram uma forte violncia para com o surdo. Embora a introduo da filosofia suscite estudos relacionados mente e conscincia, o surdo continuou sem direito a exercer sua cidadania. A privao social sofrida pelo surdo tinha embasamento na afirmao de Aristteles: [...] de todas as sensaes, a audio que contribui mais para a inteligncia e o conhecimento, portanto, os nascidos surdos se tornam insensatos e naturalmente incapazes de razo" (MAIA FILHO, 2009 apud LOURENO; BARANI, 2011).Na Idade Mdia, o surdo era considerado obra demonaca e segundo afirmam as autoras: "milhares de Surdos e demais pessoas com deficincia, por no passarem pelo exorcismo, foram queimadas na 'fogueira da inquisio', para purificar suas almas (LOURENO; BARANI, 2011).Strobel (2006), ao comentar sobre o livro "Histria da Loucura" de Foucault, declara que o modelo mdico e valores ticos e morais, do sculo XIV at o sculo XVII, tinham um poder de influncia muito grande nas prticas sociais, excluindo da

sociedade as pessoas no desejadas. Assim como outros sujeitos, o surdo vivia em situaes de isolamento, ficando presos em celas, cadeias, asilos, hospitais ou ento tidos como escravos. Posteriormente, os surdos foram vistos como merecedores de piedade e atitudes de exterminao ou isolamento foram substitudas por atitudes de insero em atividades religiosas e manuais, porm a excluso em atividades intelectuais ainda prevalecia.A preocupao com a educao de surdos comeou a partir do sculo XVI. Por vrias partes do mundo, professores utilizavam comunicao gestual para ensinar aos surdos. Em 1880, aconteceu em Milo um congresso internacional com o objetivo de discutir qual a melhor forma de ensinar o surdo, vencendo o mtodo oralista, o qual foi predominante por aproximadamente cem anos. Albres (2005) declara que os avanos tecnolgicos tiveram bastante contribuio para o fortalecimento do mtodo oralista. De acordo com Albres (2005, p. 21), "Mtodo 'manualista', fazia uso das mos para a produo dos sinais, por isso leva essa denominao, enquanto o que se preocupava especificamente com o ensino da fala chamado de 'oralista'.O avano dos estudos sobre a surdez pela medicina trouxe uma categorizao dos surdos em graus de surdez: "de surdos leves a surdos profundos". Em decorrncia da dificuldade em ouvir e falar, os surdos foram considerados doentes e deficientes. N o sculo XIX, devido viso assistencialista da sociedade, os surdos eram entregues s instituies para viverem em regime de internato.No Brasil, foi fundada no ano de 1856 pelo surdo francs Ernest Huet, na cidade do Rio de Janeiro, a primeira instituio para surdos, o atual Instituto Nacional de Educao de Surdos (INES) (ROCHA, 2007). No sculo XX, a sociedade comea a preocupar-se com a incluso do surdo, trazendo-o para o convvio social. Em 24 de maio de 1913, inicia a primeira associao de surdos no

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Brasil, tambm sediada na cidade do Rio de Janeiro, existindo atualmente acima de cem associaes (ou instituies afins) em nosso territrio (MACEDO, 2006).As pesquisas lingusticas nas lnguas de sinais foram iniciadas na dcada de60 pelo americano Willian C. Stokoe, comprovando ento o atendimento dessas lnguas a todos os critrios lingusticos de uma lngua natural. Aps o trabalho de Stokoe, pesquisas tm sido realizadas em diversos pases, na tentativa de descrever, analisar e demonstrar o status lingustico da lngua de sinais, desfazendo assim os mitos existentes com relao a esta modalidade de lngua. De acordo com Quadros e Karnop (2004), os mitos relativos s lnguas de sinais podem ser especificados da seguinte forma:

1- A lngua de sinais seria uma mistura de pantomima e gesticulao concreta, incapaz de expressar conceitos abstratos.Os sinais das lnguas de sinais possuem a mesma arbitrariedade que as palavras e a mesma capacidade de expressar ideias abstratas, sendo possvel discutir sobre qualquer assunto, assim como nas lnguas faladas.

2- Haveria uma nica e universal lngua de sinais usada por todas as pessoas surdas.Fatores geogrficos e culturais influenciam na determinao e mudana histrica do sinal, por isso cada pas apresenta sua respectiva lngua de sinais.

3- Haveria uma falha na comunicao gramatical da lngua de sinais, sendo um pidgin sem estrutura prpria, subordinado e inferior s lnguas orais.As lnguas de sinais so independentes das lnguas faladas. A comprovao dessa independncia percebida pelo fato de existir pases que falam a mesma lngua e possuem lngua de sinais diferentes, como por exemplo: Brasil e Portugal.

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A estrutura gramatical da lngua de sinais no subordinada s lnguas orais, pois pesquisas mostram que as lnguas de sinais no so um apanhado de gestos sem princpio organizacional, mas consistem em uma configurao sistmica de uma modalidade de lngua, tendo, portanto, estrutura gramatical prpria.

4- A lngua de sinais seria um sistema de comunicao superficial, com contedo restrito, sendo esttica, expressiva e linguisticamente inferior ao sistema de comunicao oral.Pesquisas realizadas por Klima e Bellugi (1979 apud QUADROS; KARNOPP, 2004) mostraram que fazem parte da cultura surda: poesias, piadas, trocadilhos, jogos, entre outros, no havendo limitaes prticas para uma conversao em sinais decorrente da modalidade visoespacial. Os fatores que podem influenciar no nvel da conversao em sinais so os mesmos das lnguas orais: memria, experincia, conhecimento de mundo e inteligncia.

5- As lnguas de sinais derivaram da comunicao gestual espontnea dos ouvintes.Este mito advm da concepo que perdurou por longos anos, e perdura ainda hoje, de que a linguagem est associada oralidade. Porm, como j visto anteriormente, as lnguas de sinais so independentes das lnguas orais, apresentam todos os elementos classificatrios identificveis de uma lngua, tm estrutura gramatical prpria, so reconhecidas linguisticamente como uma nova modalidade da capacidade de linguagem, seu aprendizado demanda tempo e prtica, como em qualquer outra lngua.

6- As lnguas de sinais, por serem organizadas espacialmente, estariam representadas no hemisfrio direito do crebro, uma vez que esse hemisfrio responsvel pelo processamento de informao espacial, enquanto que o esquerdo, pela linguagem.Bellugi e Klima (1990 apud QUADROS; KARNOPP, 2004) realizaram pesquisas com surdos que tinham leses cerebrais. Os resultados mostraram que as lnguas de sinais apresentam um processamento mais complexo do que as lnguas faladas. Alm de ser constatado que as lnguas de sinais so processadas linguisticamente no hemisfrio esquerdo da mesma forma que as lnguas faladas, devido sua especificidade espacial, so tambm processadas no hemisfrio direito.Apesar de pesquisas desmistificarem crenas errneas a respeito das lnguas de sinais, os estudos ainda so muito recentes e com pouca abrangncia, acontecendo ainda a colonialidade sobre o surdo, assim como Walsh (2009, p. 14) afirma ocorrer com ndios e negros, apagando suas diferenas histricas, culturais e lingusticas.No Brasil, a LIBRAS foi reconhecida legalmente como meio de comunicao e expresso das comunidades surdas brasileiras h 12 anos, atravs da Lei n 10.436 de 24 de abril de 2002 (BRASIL, 2002), sendo regulamentada pelo Decreto n 5.626 de 22 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005), o qual apresenta aes a serem aplicadas s polticas lingusticas educacionais para as pessoas surdas.A colonialidade sobre o surdo facilmente percebida na prpria lei que regulamenta a LIBRAS, pois em seu pargrafo nico diz: A Lngua Brasileira de Sinais - Libras no poder substituir a modalidade escrita da lngua portuguesa (BRASIL, 2002). O Decreto n 5.626 prev uma educao bilngue para os surdos, caracterizando como educao bilngue as escolas ou classes [...] em que a Libras e a modalidade escrita da Lngua Portuguesa sejam lnguas de instruo utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo e recomenda s instituies

escolares a desenvolver e adotar mecanismos alternativos para a avaliao de conhecimentos expressos em Libras, desde que devidamente registrados em vdeo ou em outros meios eletrnicos e tecnolgicos (BRASIL, 2005). Existe uma contradio na legislao citada, pois ao mesmo tempo, que reconhece a LIBRAS como forma de comunicao da comunidade surda e defende uma educao bilngue na qual, a Lngua Portuguesa deve ser ensinada como segundo lngua, veta a substituio da LIBRAS pela modalidade escrita da Lngua Portuguesa.A partir das contradies apresentadas na legislao relacionadas LIBRAS formamos alguns questionamentos, como: O surdo bilngue por direito ou por uma imposio? Como seria para ns, ouvintes e nativos da Lngua Portuguesa, poder comunicar em Lngua Portuguesa, mas escrever em outra lngua, como por exemplo, em Lngua Inglesa? Quadros (2005, p.29) critica com muita propriedade o status de bilngue colocado sobre o surdo:Se no fosse a diferena na modalidade, todos teriam tranquilidade em reconhecer as pessoas surdas enquanto bilngues. Elas nascem no Brasil e, portanto, falariam a lngua portuguesa. Convivem com surdos, portanto, usam a lngua de sinais brasileira. No entanto, no dessa forma que caracterizamos a situao bilngue dos surdos brasileiros, se que podemos consider-los genericamente com este status. Vrios aspectos devem ser considerados no caso especfico dos surdos:1) A modalidade das lnguas: visual-espacial e oral-auditiva;2) Surdos filhos de pais ouvintes: os pais no conhecem a lngua de sinais brasileira;3) O contexto de aquisio da lngua de sinais: um contexto atpico, uma vez que a lngua adquirida tardiamente, mas, mesmo assim tem status de L1;4) A lngua portuguesa representa uma ameaa para os surdos;5) A idealizao institucional do status bilngue para os surdos: as polticas pblicas determinam que os surdos devem aprender portugus;6) Os surdos querem aprender na lngua de sinais;

7) Reviso do status do portugus pelos prprios surdos: reconstruo de um significado social a partir dos prprios surdos.

A situao educacional do surdo um exemplo de um discurso (neo) liberal multiculturalista, no qual a colonialidade est simplesmente sendo reestruturada, de acordo com Walsh (2009). Para a autora, a partir dos anos 90, a diversidade cultural passou a estar presente nas polticas pblicas e reformas educacionais, porm uma incluso de grupos historicamente excludos que no passa de uma atitude integracionista, pois uma estratgia que atende um modelo globalizado.Walsh (2009) nomeia tais prticas como interculturalidade funcional, onde no ocorre o questionamento e sim a compatibilidade com um modelo vigente, certamente adequando a um grupo majoritrio. Na interculturalidade funcional, as diferenas so ofuscadas sob um discurso de respeito s diferenas, porm o que se pretende a permanncia de uma estabilidade social, onde os minoritrios excludos sejam tidos como includos de forma integracionista.Em oposio interculturalidade funcional, a autora apresenta a interculturalidade crtica. Enquanto a interculturalidade funcional visa uma estabilidade social, a interculturalidade crtica busca um questionamento, uma desconstruo do modelo vigente, uma construo das pessoas que sofreram uma histria de subjugao e subalternizao (WALSH, 2009, p. 10).O questionamento relevante na interculturalidade crtica, tendo como ponto de partida a diferena, pois esta no pode ser apagada. A base para a interculturalidade crtica a histria, a ao e a tomada de deciso das pessoas que sofreram a colonialidade e no os rgos governamentais que falam pelos grupos minoritrios, mas que muitas vezes ignoram o clamor dos mesmos. Assim sendo, ocorre um embate com a hegemonia que imposta minoria.

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Stumpf (2008) questiona como o surdo se apropriar da sua cultura, sua lngua e sua histria num ambiente inclusivo de maioria ouvinte, usando uma lngua oral. A autora aprofunda ainda mais a problemtica da insero do surdo na escola regular alegando que:As dinmicas educacionais da sala de aula e da escola esto focalizadas na lngua oral e na escrita da mesma. O aluno surdo inserido no espao educacional de alunos ouvintes, sem os suportes adequados, vai tentar se comportar como um deles. Sua Lngua de Sinais aparece pouco e desfigurada, de sua cultura no h sinais. Como vai esse aluno ter acesso aos conhecimentos se sua questo lingustica no est sendo observada e menos ainda seu pertencimento cultural? Como vai desenvolver conhecimentos se a escola apenas faz mnimas concesses e em seu imaginrio ainda v o surdo como um deficiente que, por fora da lei, est obrigada a receber? (STUMPF, 2008, p. 23)

Outro fator bastante criticado por Stumpf (2008) na escola inclusiva foi a avaliao. Para ela, falta ainda uma definio de critrios para a prtica avaliativa, pois esta apenas tenta mostrar um mau desempenho obtido pelo aluno surdo. A culpa do fracasso escolar cai sobre o surdo, sendo este avaliado na Lngua Portuguesa, ignorando toda a sua especificidade lingustica.No contexto educacional inclusivo para alunos surdos, a interculturalidade funcional apresentada por Walsh (2009) torna-se ainda mais intensa, devido o surdo no apresentar traos fenotpicos como o ndio e o negro. A incompatibilidade da modalidade oral-auditiva da Lngua Portuguesa com sua privao sonora, bem como o reflexo da modalidade visoespacial de uma lngua de sinais na sua escrita na Lngua Portuguesa so ignorados.

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Um exemplo que corrobora com a interculturalidade crtica apresentada por Walsh (2009) o movimento pela educao bilngue para surdos2, um movimento recente de embate hegemonia imposta comunidade surda que busca a educao bilngue traada com a autoria da comunidade surda e no apenas de tericos representantes do Ministrio da Educao (MEC). Tal movimento realizou manifestaes no Planalto Central e no MEC, tendo a participao da liderana surda que lutava contra o fechamento da educao bsica do INES, bem como as polticas educacionais inclusivas do MEC. Numa entrevista, uma representante das polticas educacionais do MEC deixa ntida a sua postura de desvalorizao daLIBRAS, ao mesmo tempo que enfatiza a necessidade do aluno surdo aprender a Lngua Portuguesa: at positivo que o professor de uma criana surda no saiba libras, porque ela tem que entender a lngua portuguesa escrita. Ter noes de libras facilita a comunicao, mas no essencial para a aula. No caso de ter um cego na turma, o professor no precisa dominar o braile, porque quem escreve o aluno. Ele pode at aprender, se achar que precisa para corrigir textos, mas h a opo de pedir ajuda ao especialista. S no acho necessrio ensinar libras e braile na formao inicial do docente. (MANTOAN, 2005,p. 3, grifo nosso)

Percebe-se pela fala de Mantoan (2005) que a proposta educacional de surdos do MEC, dita como inclusiva e bilngue, uma proposta de interculturalidade funcional, elaborada por representantes que apenas reforam a legitimidade de uma maioria ouvinte, descartando as diferenas. Faz-se necessrio uma interculturalidade crtica na qual atente para as reinvindicaes dos prprios surdos para que a colonialidade sobre eles seja rompida. preciso dar abertura a um questionamento que v alm dos pressupostos e manifestaes atuais da

2 Para maiores detalhes sobre tal movimento, acesse : http://www.feneis.org.br/page/imagens/noticias/noticias_2011/Revista%20Feneis_44.pdf

educao intercultural bilngue ou da filosofia intercultural (WALSH, 2009, p. 24), mas que inclua os surdos sem ignorar sua histria, cultura e principalmente sua lngua.

CONSIDERAES FINAIS

Apesar da colonialidade do poder ter seu incio com a classificao racial, ou seja, de acordo com a raa obtinha-se uma hierarquia, perceptvel ainda nos dias atuais a sua existncia e no caso do surdo, o critrio da raa extrapolado, pois ele compartilha do mesmo territrio dos ouvintes e dos mesmos traos fenotpicos. No entanto, a sua condio fsica de privao auditiva implica numa outra lngua natural, fazendo deste sujeito, um membro de um grupo minoritrio.A poltica educacional inclusiva apresenta um discurso de respeito diversidade, porm como apresentado por Walsh (2009), na verdade uma prtica integracionista que visa submeter a cultura de uma minoria a uma cultura majoritria. Tal prtica chamada pela autora de interculturalidade funcional, pois apresenta uma desvalorizao camuflada da histria, lngua e cultura, a qual busca apenas legitimar uma homogeneizao, descartando os possveis questionamentos que podem gerar uma reestruturao do sistema.No modelo educacional inclusivo vigente, o surdo geralmente prejudicado, carregando um status de bilngue que bastante questionado. Para que a colonialidade sobre o surdo seja abolida, acreditamos numa proposta de interculturalidade crtica, a qual Walsh (2009) a diferencia da interculturalidade funcional. Enquanto a interculturalidade funcional legitima uma homogeneizao de uma maioria, a interculturalidade crtica busca um questionamento a partir de uma participao ativa dos prprios movimentos dos grupos minoritrios. Para que o

surdo fique livre da colonialidade preciso que as diretrizes educacionais relativas educao de surdos sejam refeitas no por representantes alheios, mas com a participao ativa de representantes da comunidade surda.

REFERNCIAS

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IDENTIFICAO DOS AUTORES

KARIME CHAIBUEGraduada em Pedagogia e em Letras Libras; Especialista em Educao Infantil e Especial e em Libras; Mestre em Estudos Lingusticos; Professora do Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia (IFG) Cmpus Formosa.E-mail: [email protected]

THIAGO CARDOSO AGUIARGraduado em Cincia da Computao e em Letras Libras; Especialista em Metodologia do Ensino Fundamental; Mestre em Estudos Lingusticos; Professor do Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia (IFG) Cmpus Inhumas.E-mail: [email protected]