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7/23/2019 A Cultura Poltica Do Socialismo Chileno
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTAJLIO DE MESQUITA FILHO
FACULDADE DE HISTRIA, DIREITO E SERVIO SOCIAL
MRCIA CAROLINA DE OLIVEIRA CURY
JULIO CSAR JOBET E A CULTURA POLTICADO SOCIALISMO CHILENO (1957-1973)
FRANCA
2007
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MRCIA CAROLINA DE OLIVEIRA CURY
JLIO CSAR JOBET E A CULTURA POLTICA DO SOCIALISMO CHILENO(1957-1973)
Dissertao apresentada Universidade Estadual PaulistaJulio de Mesquita Filho Faculdade de Histria,Direito e Servio Social, para a obteno do ttulo deMestre em Histria.rea de Concentrao: Histria e Cultura Poltica.
Orientador: Prof. Dr. Alberto Aggio.
FRANCA2007
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Cury, Mrcia Carolina de OliveiraJlio Csar Jobet e a cultura poltica do socialismo chileno
(1957-1973) / Mrcia Carolina de Oliveira Cury. Franca :UNESP, 2007
Dissertao Mestrado Histria Faculdade de Histria,Direito e Servio Social UNESP.
1. Intelectuais Histria Chile. 2. Chile Histria poltica.3. Jlio Csar Jobet Crtica e interpretao. 4. Socialismo Histria Chile.
CDD 983.06
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MRCIA CAROLINA DE OLIVEIRA CURY
JULIO CSAR JOBET E A CULTURA POLTICA DO SOCIALISMO CHILENO(1957-1973)
Dissertao apresentada Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Histria, Direito e Servio Social, para a obteno do ttulo de Mestre em
Histria.rea de Concentrao: Histria e Cultura Poltica.
BANCA EXAMINADORA:
Presidente: ___________________________________Orientador: Prof. Dr. Alberto Aggio
1 Examinador: ___________________________________Prof. Dr. Marcos Alves de Souza UNIFRAN
2 Examinador: ___________________________________Prof Dr Teresa Malatian UNESP/Franca
Franca, ___ de ____________ de 2007.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo ao meu Vi, que me ensina todos os dias a sutil diferena entre dar as mos
e acorrentar a alma. Obrigada por sua constante presena, pela pacincia, por suportar crises
e dias mais difceis, tornando-os mais felizes para mim. Enfim, por ser quem voc , esta
pessoa que se mostra especial em cada gesto do dia a dia e que me faz querer me tornar
algum melhor. Obrigada por existir e por fazer parte da minha vida.
minha me, a quem eu tanto amo e admiro. O seu poder de superao e a fora
com que enfrenta o peso das injustias deste mundo sempre foram a minha inspirao para
crescer. Ao meu pai, Mario, e Teresa; figuras que sua maneira esto sempre presentes e
contribuindo para cada passo que dou.
grande famlia: meu irmo, Claudio, esta personalidade controversa e muito
marcante na minha formao. minha nova famlia, Dona Jeusa e Wagner, pessoas especiais,
com as quais sei que sempre posso contar. Dinha e Tatiane, famlia que pude escolher e
que sempre far parte da minha vida.
rika, amiga so-paulina com quem compartilho sofrimentos e alegrias pelo
futebol e pelos encontros e desencontros da vida. Aos meus bichinhos Sandro e Mylla,
seres que no entendem o significado disto, mas que sentem o quanto so queridos e a alegria
que trazem por fazer parte da famlia.
Ao meu orientador, Alberto Aggio, obrigada pela oportunidade e por acreditar no
meu trabalho. Aos professores presentes na banca de qualificao, Teresa Malatian e Marcos
Alves, por seus questionamentos e sugestes esclarecedoras e muito enriquecedoras para a
finalizao deste trabalho. Ao professor e colega Fabio Franzini, por sua gentileza e
disponibilidade para ajudar.
Devo registrar ainda as pessoas que tornaram a viagem ao Chile uma experincia
inesquecvel e muito frutfera. Primeiramente, agradeo colega Janana Capistrano, por terfacilitado as coisas para mim com a sua ateno e dicas infalveis.
Agradeo ao Sr. Mario e Dona Gladis por me receberem com tamanha gentileza em
sua residncia. s figuras simpticas e sempre atenciosas que conheci nas livrarias chilenas e
que mesmo distncia esto sempre dispostas a atender. Assim como ao Sr. Alejandro,
funcionrio da Biblioteca Nacional, e Gina Morales, secretria do PS, que com inestimvel
ateno, contriburam muito para a agilidade das minhas pesquisas. Aos professores Julio
Pinto, Luiz Ortega e Juan C. Gmez, pela ateno e disponibilidade para discutir sobre o meuobjeto de pesquisa. Agradeo tambm a CAPES pelo financiamento da pesquisa.
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RESUMO
Em grande parte dos pases da Amrica Latina alguns intelectuais se destacaram por
proporem no s interpretar a realidade poltica de seus pases, mas tambm intervir na
mesma de maneira a transform-la. Entre eles, muitos mantiveram uma colaborao orgnica
com o movimento poltico e partidrio da esquerda. Em meio ao debate de interpretaes do
desenvolvimento nacional e de propostas de ao poltica para a Amrica Latina, o Chile se
destacou na participao de intelectuais na formulao de projetos de ao que influenciaram
a arena poltica do pas ao longo do sculo XX. Partindo do debate em torno da interao
entre os intelectuais e a cultura poltica, o presente trabalho tem por objetivo refletir acerca do
papel do intelectual Julio Csar Jobet (1912-1980) na cultura poltica do socialismo chileno.
Vinculado organicamente ao Partido Socialista, Jobet foi dirigente desde a sua fundao edestacou-se na formulao do pensamento socialista e dos princpios tericos que o
animariam. Buscaremos apreender a singularidade do pensamento deste intelectual por meio
das interpretaes e propostas expressas nos seus escritos, nos debates tanto no interior do seu
partido como com as demais foras de esquerda da poltica nacional, de maneira a apreender o
alcance e a influncia da sua produo nos rumos do socialismo chileno.
Palavras-chave: Intelectuais, Cultura poltica, Socialismo, Chile, Histria poltica, Amrica
Latina.
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ABSTRACT
To a large extent of the countries of Latin America some intellectuals attracted attention not
only for commenting on the political reality in their countries, but also intervening in order to
transform it. Among them, many kept an organic collaboration with political and partisan left-
wing movement. In the midst of the debate of interpretations of national development and
proposals for political action for Latin America, Chile stood out because of the participation
of intellectuals to the formulation of action plans that influenced the countrys political arena
throughout the twentieth century. Starting from the debate on the interaction between
intellectuals and political culture, this work aims at reflecting about the role of an intellectual
called Julio Csar Jobet (1912-1980) in Chilean socialisms political culture. Organically tied
to the Socialist Party, Jobet was its leader since its foundation and outstood in the formationof the socialist thinking and the theoretic principles that would drive it. We will seek to get
hold of the singularity of his thought through the interpretations and proposals expressed in
his writings, in the debates inside his party as well as with other Chilean left-wing groups, in
order to apprehend the reach and influence of its production in the routes of Chilean
socialism.
Keywords: Intellectuals, Political culture, Socialism, Chile, Political History, Latin America.
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SUMRIO
APRESENTAO....................................................................................................................7
CAPTULO 1
O SOCIALISMO CHILENO: HISTRIA E HISTORIOGRAFIA..................................15
1.1 O socialismo chileno: das origens ao perodo da UP......................................................16
1.2 Elementos da historiografia do socialismo chileno........................................................39
CAPTULO 2
A EXPECTATIVA DA MUDANA.....................................................................................52
2.1 Transformaes na cultura poltica do socialismo chileno............................................532.2 Uma nova configurao poltica e ideolgica.................................................................67
CAPTULO 3
JULIO CSAR JOBET E A CULTURA POLTICA SOCIALISTA...............................90
3.1 Anlises e debates: as faces de um protagonista............................................................91
3.2 Julio Csar Jobet e o socialismo:
a construo de uma identidade partidria........................................................................109
CONSIDERAES FINAIS...............................................................................................127
FONTES.................................................................................................................................134
REFERNCIAS....................................................................................................................136
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APRESENTAO
Praticamente desconhecido no Brasil, o chileno Julio Csar Jobet (1912-1980) se
insere num grupo de homens que buscou, ao longo da sua trajetria, aliar a atividade
intelectual prtica poltica no intuito de contribuir, de uma maneira ou de outra, para a
transformao da sociedade. A trajetria deste intelectual e os aspectos mais relevantes do seu
pensamento se relacionam diretamente com a histria do socialismo chileno e, em especial,
com o contexto da experincia poltica que buscava a construo do socialismo por meio da
democracia, um dos momentos cruciais da histria daquele pas.
Membro do Partido Socialista do Chile (PS) desde a sua fundao, em 1933, Jobet sededicou produo terica, difuso das idias e da trajetria socialista, ao debate poltico
com diferentes grupos polticos do pas e a representar o PS em diversos encontros polticos
na regio. A sua atuao se deu principalmente no campo terico e na vida intrapartidria, no
se constituindo em um homem vinculado vida poltico-institucional, j que no ocupou
cargos pblicos.
Jobet nasceu em Perquenco, uma pequena cidade chilena, em 1912. Sua vida pblicase desenvolveu a partir da dcada de 1930 e esteve compreendida entre duas profundas crises
sociais: um golpe de Estado ocorrido em 1924 que consolidou no poder Carlos Ibaez, at
1931 , ante o fracasso do parlamentarismo, e o golpe militar de setembro de 1973 que
destituiu Salvador Allende e deu um duro golpe na democracia do pas. O descendente de
agricultores franceses realizou seus estudos secundrios no Liceo de Hombres de Temuco.
Continuou seus estudos no Instituto Pedaggico da Universidade do Chile e recebeu o ttulode Professor de Histria, Geografia e Educao Cvica, cujo trabalho para a obteno do ttulo
se destinava a pesquisar as idias dos primeiros pensadores da questo social no pas.
O seu trabalho historiogrfico comeou a se destacar a partir da dcada de 1940 e se
enquadrou num perodo de mudanas de enfoque acompanhada de uma nova abordagem
metodolgica apreendida pelas novas geraes de historiadores que, entre outros mtodos de
anlise, assimilaram o marxismo como concepo de mundo e forma de construo do
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conhecimento histrico. Seu trabalho veio representar uma proposta de ruptura com a
historiografia at ento predominante.
Como membro do PS, Jobet tambm se dedicou, desde a dcada de 1930,
publicao de textos socialistas em peridicos nacionais e de outros pases da regio.1 De
acordo com Jobet, a sua inclinao poltica tem origem na sua famlia e na realidade que o
cercava, marcada por uma profunda desigualdade social. Segundo ele, seu pai lhe dava lies
libertrias, citando idias de Jean Jaurs influncia expressada at no nome dado s terras
cultivadas pela famlia: La Bastilha.2
Jobet publicou diversos trabalhos acerca do pensamento social chileno, destacandoos primeiros autores que se debruaram sobre os temas polticos e sociais do pas, localizados,
principalmente, no sculo XIX, numa tendncia literria que se tornou referncia no pas por
seu pioneirismo no estudo da denominada questo social. Alm disso, seus ensaios esto
entre as principais referncias da interpretao marxista da histria nacional, com abordagens
acerca de temas polticos desde a fundao do Estado chileno, at temticas que ainda
atingiam a sua gerao, como o imperialismo, o movimento operrio e o desenvolvimentopoltico do pas.
O trabalho de Jobet parte da histria do pensamento marxista na Amrica Latina.
Sua perspectiva central encontra-se referida anlise da formao e das contradies internas
das sociedades latino-americanas. Outra dimenso fundamental do seu trabalho foi a
elaborao de projetos polticos de transformao, caracterizando sua produo como uma
tentativa de transplantar as concepes da abordagem marxista para a anlise da sociedadechilena. Este encontro entre as particularidades da realidade local e a teoria marxista adquiriu
variados contornos, de acordo com a lgica da complexidade que compe o subcontinente. A
interpretao histrica da formao desses pases expressou o desafio que os intelectuais
contemporneos enfrentaram na utilizao dos conceitos marxistas diante das nossas
especificidades.
1Em 1935 Jobet elaborou o manual intitulado Estructura y ritmo de las doctrinas sociales(1760-1930), efundou com seu amigo Juan Picasso o peridico El socialista de Cautn. Em 1938, j colaborava com operidico socialista argentino, La Vanguardia.2ROBNOVITCH, Rosa. Un ensaysta quimicamente puro.La Nacin, 12 sept 1971, Suplemento, p. 15
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Pode-se considerar que a contribuio de Jobet para o pensamento poltico chileno
fez dele um protagonista da histria poltica do pas. Homem que viveu os dilemas do
desenvolvimento de um partido que, embora inicialmente se definisse como classista, assumiu
uma concepo socialista difusa, para, em seguida, adotar uma postura concertacionista at
meados da dcada de 1950. Jobet buscou, ao longo da sua trajetria, implementar uma
identidade e coeso internas ao PS, sempre em torno de uma perspectiva classista e
revolucionria.
Ao mesmo tempo, entendemos que, ao indicar as continuidades e contradies da
histria do pas, Jobet buscou apresentar uma nova proposta poltica, identificada ao partidono qual militou, e contribuiu ativamente para a formulao das concepes revolucionrias,
constituindo-se numa das principais referncias intelectuais da organizao socialista. A
trajetria intelectual e a atuao poltica de Jobet estiveram, portanto, intimamente vinculadas
sua fidelidade partidria.
Compreende-se a atuao de maior importncia deste intelectual socialista no
contexto do final dos anos cinqenta, perodo no qual se identifica em parte da sociedadechilena um descontentamento com a dinmica poltica pautada em compromissos e alianas
entre diferentes setores, que visavam polticas integradoras, mas que no se mostraram
eficientes para realizar mudanas estruturais no pas. Internamente, o Partido Socialista
viveria uma mudana que acarretaria transformaes na sua cultura poltica, com a
predominncia de elementos rupturais, dos quais Jobet destacou-se como um expressivo
representante.Entendemos que o pensamento socialista, composto de diferentes correntes e
perspectivas, representou um elemento de fundamental importncia no complexo conjunto de
mudanas que se processaram no cenrio chileno no sculo XX. Suas proposies foram
animadas por diferentes concepes traduzidas em manifestaes intelectuais e polticas que
conferiram ao dos seus grupos um contedo terico e ideolgico ao longo das suas
trajetrias na poltica nacional. A abordagem das suas formulaes tericas, que nos indica
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uma leitura da realidade daquele pas e suas perspectivas polticas, nos remete para a sua
singularidade.
A perspectiva do presente trabalho entende que as idias so fruto de uma produo
social, e os intelectuais certamente podem ser encarados como desveladores das
representaes e prticas sociais, assumindo o papel de um analista da sociedade e propagador
das aspiraes desta.3Trata-se de analisar o alcance e a responsabilidade dos tericos sobre os
processos polticos, e de considerar a dimenso que assume a referncia intelectual na
delimitao e difuso de concepes de mundo, de elementos de coeso para determinados
grupos ou na sua organizao interna e tambm no exerccio da presso poltica.Neste processo, o referencial terico construdo pelos intelectuais, em especial
aqueles que, assim como Jobet, apresentam como parte integrante da sua atividade a prtica
poltica, termina por expressar elementos de uma cultura poltica especfica em um momento
determinado, por meio de um conjunto de referenciais que se relaciona e contribui para a
definio de uma identidade voltada a uma coletividade. Esta uma concepo em que o
universo da cultura poltica tambm se constitui de uma produo intelectual; universocompreendido numa sistematizao de discursos capaz de explicar a realidade, gerar
identidades coletivas, orientar prticas sociais e articular projetos de futuro.
Para a compreenso deste processo, o conceito de cultura poltica deve estar pautado
em sua historicidade, na qual o desenvolvimento de determinado conjunto de crenas, atitudes
e smbolos ocorre de acordo com determinado contexto histrico, como uma resposta quilo
que se vive. A partir de tais pressupostos, para identificar o papel do intelectual na culturapoltica do socialismo, deve-se avaliar os diversos elementos que a constituem e considerar a
especificidade do seu contexto, a partir do movimento histrico das conjunturas.
A mesma perspectiva deve ser adotada para a compreenso do papel que exerceu
Jobet. necessrio inseri-lo no ambiente poltico e intelectual vivenciado pelo Chile a partir
do incio do sculo XX, especialmente a assimilao de novas teorias que permitiram
formulaes muito significativas para o debate da esquerda do pas. Tais teorias passaram a3FREDRIGO, Fabiana de Souza. Os intelectuais e a poltica nos regimes autoritrios: um estudo do casochileno. Estudos de Histria, Franca, v. 7, n. 2, p. 231-264, 2000.
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influenciar o movimento operrio e, gradativamente, parte importante dos intelectuais que se
vincularam a ele. Nesse perodo, um novo panorama poltico levou cristalizao de um
movimento de esquerda influenciado pelos ideais marxistas, que se tratava de uma entidade
indiferenciada multiplicada em uma gama de vertentes socialistas ou emancipadoras.4
Em outras palavras, preciso identificar o lugar social e poltico do intelectual,
relacionando tal descoberta com sua produo e sua ao no meio em que constri suas
relaes, possibilitando a anlise mais precisa da sua interferncia e da relao da sua
produo com um processo poltico e com a coletividade social. Visando apreender as teorias
produzidas, o historiador necessita, mais do que uma articulao puramente mecnica entrecontexto e contedo, integrar no campo das investigaes os paradigmas intelectuais, as
correntes filosficas que interferem, direta ou indiretamente, nas representaes e vises de
mundo.5
A compreenso da dimenso ideolgica de um partido poltico constitui um rico
campo de anlise para o historiador na medida em que permite apreender o que ele define
para o eleitorado, como programas, discursos da formao, etc.
6
Ou para aqueles que seencontram na ideologia poltica do partido, que consiste em uma grade comum de leitura dos
acontecimentos, capaz de fundar uma solidariedade de ao e, para alm de toda finalidade
prtica, um conjunto de crenas que permite integrar os membros do partido numa
comunidade. Destaca-se, dessa maneira, a importncia da ideologia expressa pelos membros
de um partido poltico e por seus intelectuais, por meio de uma cultura poltica que constitui
o ncleo das formaes polticas e que garante, para alm dos acontecimentos conjunturais, aperenidade dos partidos expressa na longa durao.7
Nesse trabalho de compreenso das motivaes dos atos polticos, buscou-se a
apreenso desse conjunto de referentes compartilhados pelos indivduos e pela coletividade
representada no partido, referentes ao sistema de valores, de uma leitura comum do passado,
4MOULIAN, Toms. El marxismo en Chile: produccin y utilizacin. Santiago de Chile: FacultadLatinoamericana de Ciencias Sociales, 1991. Serie Estudios Polticos, p. 1.5FREDRIGO, op. cit., p. 260.6O sentido de ideologia utilizado no presente texto refere-se ao conjunto de idias do partido.7BERNSTEIN, Serge. Os partidos. In: RMOND, Ren (Org.). Por uma histria poltica. Rio de Janeiro:IUPERJ, 1996, p. 90-91.
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de aspiraes e projees de um futuro, da comunho de uma viso de mundo, elementos que
constituem, em geral, a compreenso dos historiadores em torno da cultura poltica, e que
utilizamos neste trabalho, considerando o papel de um dos principais intelectuais do
socialismo chileno na formao dessa cultura poltica.8
Esse estudo permite alcanar um amplo espectro de anlise que deixa compreender
as razes e filiaes dos grupos e restituir coerncia aos seus comportamentos frente poltica
em permanente dilogo com os contextos e experincias vividas pelos atores sociais,
permitindo assim, no se prender a esquemas de anlise pr-estabelecidos para apontarmos os
supostos desvios na postura poltica desses grupos.O intuito do presente trabalho analisar a especificidade do pensamento de Jobet e a
sua influncia na cultura poltica socialista entre o incio da Frente de Ao Popular (FRAP),
em 1957, e o governo da Unidade Popular, at 1973, passando pelas candidaturas
presidenciais de Salvador Allende, em 1958 e 1964, considerando o cenrio poltico do
perodo. Considera-se que esse foi um momento de crescente radicalizao da esquerda e de
uma polarizao ideolgica do sistema partidrio chileno. A inteno procurar apreendertambm de que maneira e em que grau esse processo comprometeu e alterou a cultura poltica
socialista e, consequentemente, influiu ou determinou a sorte do governo da esquerda no
Chile.
Um aspecto que deve ser considerado que ao empreender-se a tarefa de analisar a
trajetria de um intelectual dedicado poltica, da importncia de Jobet, pode-se incorrer em
dois perigos. Por um lado, ao tomar contato com o pensamento de um historiador que seposicionou frente s contradies da sua sociedade, a incorporao do seu discurso torna-se
um risco. Por outro, observar o dilema da relao entre a atividade intelectual e a prtica
poltica exige uma arguta clareza diante das funes, bem como frente fuso das atividades,
para no se perder em crticas maniquestas em torno da negatividade do envolvimento
intelectual com os assuntos polticos.
8BERSTEIN, Serge. A cultura poltica. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-Franois (Org.). Para umahistria cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 355.
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Para a compreenso da sua trajetria foi importante analisar tal questo, j que Jobet,
como um intelectual marxista, concebia a teoria como instrumento de transformao da
sociedade. Nesse sentido, foi necessria a abordagem da sua trajetria a partir da reflexo em
torno da tenso que configura este tipo de prtica intelectual. No entanto, uma dificuldade a
mais se coloca. Sob a perspectiva de que a dimenso da cultura constitui uma forma de
transcender a poltica, as concepes acerca dos intelectuais como homens de cultura so
recorrentes para referir-se ao grupo, considerado por vezes como independente e autnomo
diante dos dilemas da sociedade.
Dessa forma, esta discusso em torno do engajamento poltico dos intelectuais, quecoloca em questo a relao entre teoria e prxis, tratada de maneira a direcionar o debate
para a distino entre as atividades. A partir destas observaes, considera-se que analisar a
atividade partidria e a construo terica de um intelectual que almejava a insero prtica
na transformao da sociedade significa abordar esta categoria social distanciando-se de uma
percepo idealista que encara os intelectuais como um grupo autnomo.
O intuito do trabalho, portanto, realizar uma abordagem da sua trajetria e do seupensamento que no resulte unilateral. Em outras palavras, o desafio consiste em analisar seu
papel intelectual e poltico dialeticamente. Recorrendo terminologia gramsciana9, busca-se
encarar a funo organizativa desempenhada por Jobet e dimensionar o alcance da atividade
do intelectual no papel da produo, reproduo e organizao de bens de identificao e de
consensos coletivos, compreendendo o presente trabalho na seguinte perspectiva: a da atuao
intelectual numa determinada cultura poltica.Para apresentarmos o texto, optamos por dividi-lo em trs captulos: o primeiro se
destina a esboar a trajetria da esquerda chilena desde as suas origens, localizadas nas
organizaes operrias e nas primeiras publicaes de cunho socialista, passando pela
sistematizao do discurso poltico e a sua vinculao com o movimento partidrio. Esta
abordagem permite compreender a singularidade da formao e do desenvolvimento da
esquerda chilena bem como os aspectos que compreendem a formao da sua identidade,9GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organizao da cultura. 9 ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,1995.
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visto que muitos elementos so resgatados ou negligenciados pelo movimento ao longo do
sculo XX.
Ainda no primeiro captulo dedica-se um tpico discusso historiogrfica,
demonstrando algumas das interpretaes a respeito do socialismo chileno. O enfoque
adotado objetivou traar um debate com autores que desconsideraram muitas das
singularidades deste segmento poltico, e apresentar novas perspectivas para o entendimento
acerca das suas origens, do significado dos processos que marcam a sua atuao na poltica
institucional at o alcance do poder, considerando os diversos elementos e conjunturas que
contriburam para a construo da sua cultura poltica.O contexto poltico que conforma o cenrio histrico da nossa pesquisa abordado
no segundo captulo, abarcando um panorama do perodo que compreende as dcadas de 1950
e 1960, os novos atores que surgem ou se fortalecem nesse momento, bem como os diferentes
processos que dinamizaram a disputa poltica, destacando o espao ocupado pelo socialismo.
So subsdios que nos permitem obter uma melhor compreenso da maneira como se desenha
a polarizao ideolgica que culmina no 11 de setembro de 1973 e, especialmente, dasmetamorfoses da cultura poltica do socialismo chileno que alterariam, em alguns aspectos, a
sua identidade, temtica abordada no segundo item deste mesmo captulo.
O terceiro e ltimo captulo objetiva apresentar um mapeamento dos conceitos,
temas discutidos e influncias sofridas por Julio Csar Jobet. Analisar o papel do intelectual e
dirigente poltico na cultura poltica do socialismo chileno, em especial no processo de
radicalizao daquele segmento, examinando sua funo organizativa a partir de um projetopoltico. Para tanto, busca-se apreender a sua leitura da sociedade chilena, suas propostas e os
principais debates empreendidos tanto no interior do seu partido como com as principais
foras polticas do Chile por meio dos seus escritos, compreendendo a sua atuao em meio
ao efervescente debate poltico e intelectual do perodo. Ao compreender as formulaes
tericas que animavam as aes do socialismo chileno, possvel apreender os limites da
cultura poltica da esquerda que almejava a construo do socialismo naquele pas e quevivenciou o fracasso do governo da Unidade Popular.
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CAPTULO 1
O SOCIALISMO CHILENO: HISTRIA E HISTORIOGRAFIA
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1.1 O socialismo chileno: das origens ao perodo da UP
importante considerar que a compreenso do socialismo chileno deve levar em
conta uma grande tradio histrica do Chile que remonta ao perodo das lutas operrias do
sculo XIX, passando pela formao dos partidos de esquerda, bem como pelos diversos
processos dos quais participaram, considerando que a Unidade Popular um captulo
carregado de capital histrico acumulado. Trata-se de um perodo capaz de expressar todas
as tenses e contradies do pas.
Dessa forma, a apreenso daquele movimento vai alm da sua vinculao com o
comunismo internacional do ps-guerra, com a Guerra Fria ou com o impacto do processo
revolucionrio cubano. preciso pensar o socialismo chileno como uma expresso poltica
daquela sociedade, em especial, dos trabalhadores.
At as primeiras dcadas do sculo XX, a estrutura agrria da sociedade chilena se
manteve juntamente com os seus reflexos nos setores poltico e social. Enquanto que pases
como Brasil, Mxico e Argentina apresentaram o processo de consolidao do Estado
Nacional juntamente com uma maior insero no sistema capitalista mundial, o Chile, j em
1830, dava sinais de um Estado forte, e ao final do mesmo sculo passou por uma experincia
parlamentarista, que indicava a reorganizao dos grupos dominantes na poltica nacional.1A
imagem de um pas politicamente maduro e democrtico se fortaleceu ainda mais com a
possibilidade de vivenciar o socialismo pelas vias institucionais no sculo XX.
Mas certo tambm que, assim como os demais pases latino-americanos, o Chile
sofreu no incio do sculo XX presses que caracterizaram os pases perifricos, como a forte
presena imperialista, tenso social gerada pelo processo de modernizao capitalista e uma
precria e insuficiente incorporao das classes populares. Foi nesse sentido que o debate da
esquerda se desenhou ao longo do seu desenvolvimento: o da superao da contradio entre
a estabilidade poltica e a questo social do pas. Debate que se ampliou de acordo com as
1AGGIO, Alberto. Frente popular, radicalismo e revoluo passiva no Chile. So Paulo: Annablume, 1999, p.26.
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interpretaes marxistas no pas, que indicaram as diferentes vias de transformao para
aquela sociedade.
No Chile, o Estado assumiu um importante papel na intermediao entre a presena
imperialista e as elites locais na explorao das riquezas nacionais. Ao final do sculo XIX,
intensificou-se no pas a explorao de minerais que se tornariam os seus principais produtos
comerciais. Ao mesmo tempo, o pas viveu um grande desenvolvimento urbano e sua
conseqente concentrao populacional.
O desenvolvimento das relaes sociais de produo na minerao e na indstria
determinou um crescimento do proletariado, sobretudo nas exploraes de prata e cobre, e demaneira especial, na explorao do salitre, alm de aumentar o nmero de operrios na
construo de ferrovias. Os primeiros ncleos do proletariado industrial surgiram nas ltimas
dcadas do sculo XIX e j realizavam atos de greve expressivos que se intensificaram no
sculo XX.2
As relaes estabelecidas na minerao, propcias para a ao das massas, a
migrao para o norte mineiro, estabeleceu uma corrente de transmisso poltica com o sul,com operrios, camponeses e parentes que se deslocavam em ambas as direes,
disseminando idias e comportamentos que afloravam entre os trabalhadores do salitre. Estas
so algumas das condies, bastante originais no meio latino-americano dessa poca, que
motivaram o precoce surgimento de partidos operrios, de franca definio socialista, ainda
antes da revoluo bolchevique de 1917.
Como conseqncia da Guerra do Pacfico (1879-1884)
3
, o Chile se converteu nonico produtor mundial de salitre, transformando a explorao salitreira, ao longo da mudana
de sculo, no eixo dinamizador do conjunto da economia chilena, de maneira a favorecer a
diversificao de sua base produtiva e tornar mais complexa a sua estrutura social.4
2ELGUETA, Belarmino. La cara oculta de la historia: el legado intelectual de Julio Csar Jobet. Chile:Factum Ediciones, 1997, p. 69.3Em decorrncia deste conflito, o Chile expandiu seu territrio, recebendo parte do Atacama (cidade deTarapac), do Peru, e parte do territrio boliviano (Antofagasta), que perdeu a sada para o mar.4CORREA, Sofa; FIGUEROA, Consuelo (Org.). Historia del siglo XX chileno: balance paradojal. Santiago:Editorial Sudamericana, 2001, p. 23.
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possvel identificar as primeiras organizaes operrias modernas nas cidades,
entre os crculos de artesos que passaram a ser integradas por operrios industriais e os
mineiros. Inicialmente tratavam-se das mutuales, sociedades de socorro mtuo, que estavam
investidas de preceitos ilustrados, e buscavam, atravs da associao de trabalhadores de
diferentes sindicatos, incentivar a cooperao e a solidariedade entre seus filiados. A principal
caracterstica destas organizaes era a ateno especial formao educacional dos seus
membros atravs da integrao cultural, especialmente articulada por meio de diversos
peridicos e folhetins operrios.
No final do sculo XIX, emergiram outros tipos de organizaes operrias, como asmancomunales e as sociedades de resistncia. De acordo com Sofia Correa e Consuelo
Figueroa, as primeiras se caracterizavam por reunir trabalhadores de diferentes atividades,
enquanto que as sociedades de resistncia eram marcadas por opor-se de forma permanente a
qualquer tipo de negociao nos conflitos, evidenciando um maior esprito confrontacional
nos seus postulados.
No entanto, ambas, diferentemente do mutualismo da primeira poca, ostentaram umcarter revolucionrio, apresentaram-se em termos programaticamente confrontacionais frente
aos setores que oprimiam a classe operria, com propenso conformao de uma identidade
de classe de mais claro perfil. Sofia e Consuelo destacam a transio das organizaes na
medida em que:
[...] se observa um evidente trnsito de um associacionismo com demandasexclusivamente sociais e com ambies de cooperao mtua a entidades embudasde uma orientao e discurso de carter poltico. Os postulados socialistas e
anarquistas, de crescente gravitao durante a mudana de sculo, estimularam odesenvolvimento desse tipo de organizao, que experimentou um notvelincremento, aumentando de 240 sociedades operrias na ltima dcada do sculoXIX, a 433 em 1910.5[traduo nossa]
Nesse primeiro momento, havia estudiosos que se voltavam para as questes sociais
e, ao mesmo tempo, homens que iniciaram suas atividades no meio operrio para se
destacarem como articuladores de movimentos de trabalhadores e difusores de idias
questionadoras daquela ordem. O contexto inicial de difuso de um ideal socialista ou
5CORREA; FIGUEROA, op. cit.., p. 59.
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anarquista caracterizado pela atuao de grupos de agitadores independentes, articuladores e
at poetas que estabeleciam a necessidade de mudana do sistema e denunciavam os
problemas que atingiam, especialmente, os trabalhadores urbanos e industriais.
Surgiram nesse perodo os primeiros grupos operrios com suas publicaes
peridicas iniciais, como o Centro Social Obrero e a Unin Socialista, em 1897, que
buscaram expressar as reivindicaes nacionais do proletariado chileno. Os grupos, que eram
orientados por idias socialistas e anarquistas, disseminavam sua propaganda nos grandes
povoados e regies industriais. Seus jornais eram elaborados, principalmente, em Santiago e
Valparaso, na regio salitreira e em Magallanes, traduzindo as aspiraes de uma classe quese formava vigorosamente.6
Eduardo Devs indica o incio do socialismo cientfico no Chile, gestado na figura de
Alejandro Bustamante, no interior de duas organizaes polticas: o Partido Obrero Francisco
Bilbao e o Partido Socialista, sucessor do primeiro.7De acordo com o autor, este movimento
contrastava com o corte revolucionrio dos grupos anteriormente mencionados, destacando
em seu programa a defesa do progresso, da liberdade; a oposio servido do povo e presso exercida pela oligarquia; em combate pobreza, bem como a defesa do sufrgio
universal. Tais documentos teriam sido redigidos por Ricardo Guerrero, apontado como o
primeiro marxista chileno.
A formao de partidos polticos ligados ao mundo operrio se inicia em 1887, com a
fundao do Partido Democrtico, grupo de tendncia laica denominao necessria para
um perodo no qual as disputas polticas se demarcavam com especial ateno na questoreligiosa liberal e democrtica. A identificao do grupo com as demandas de artesos e
operrios permitiu uma postulao reformista, de defesa da luta no interior do sistema vigente.
Ao mesmo tempo, formou-se no pas um importante nmero de correntes anarquistas
identificadas com postulados libertrios e que se filiaram IWW (Industrial Workers of the
World).
6JOBET, Julio Csar.Ensayo crtico del desarrollo econmico social de Chile. 3.ed. Mxico: Centro deEstudios del movimiento obrero Salvador Allende, 1982, p. 123-124.7Cf. DEVS, Eduardo; DAZ, Carlos. El pensamiento socialista en Chile: antologa 1893-1933. Chile:Ediciones Documentas, 1987.
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A prosperidade econmica vivenciada aps a guerra de 1879 sofria flutuaes e
crises que afetavam com maior intensidade os estratos mais pobres, situao que gerou o
grmen dos movimentos de protesto que culminaram com a primeira greve geral do pas, em
1890, abrindo um ciclo grevista de orientaes trabalhistas e polticas que se estendeu por
quase duas dcadas.
A partir de 1903, os trabalhadores chilenos passaram a realizar manifestaes e
greves de maior repercusso. O nome de Luis Emilio Recabarren8, considerado o mais
importante lder do movimento dos trabalhadores no Chile, destacou-se nesse perodo de
efervescncia social. Liderou manifestaes por aumento de salrio, reduo de preos emelhores condies de trabalho. Recabarren ingressou no Partido Democrata, que agrupava
artesos e alguns setores operrios e consistiu no nico partido popular da poca.
Recabarren o principal nome do socialismo chileno a ser reivindicado pelo Partido
Socialista. Como um dos mais importantes lderes do movimento operrio e fundador do
Partido Obrero Socialista, ele iniciou este grupo no intuito de criar uma organizao que fosse
verdadeiramente representante dos trabalhadores, e o fez a partir da sua desvinculao doPartido Democrata e da crtica postura dessa organizao.
possvel extrair das suas postulaes algumas idias que sero reivindicadas por
membros do socialismo, especialmente Jobet, na busca de uma identidade operria e de
elementos para o projeto socialista, que denotam o pioneirismo do lder operrio no incio do
sculo XX. A questo da independncia de classe uma das principais caractersticas do
pensamento de Recabarren, na medida em que ele j buscava diferenciar os componentes daburguesia e da oligarquia nacional reunidos no Partido Democrata.
Egresso deste grupo, Recabarren publicou, em 1912, o folheto intitulado El
Socialismo, que constituiu o manifesto da nova organizao fundada neste mesmo ano, em
Iquique, o Partido Obrero Socialista. Neste folheto, Recabarren se preocupa em tecer severas
crticas aos democratas, apontando-os como vendidos da oligarquia. Inicia-se, portanto,
8A contribuio de Luis Emilio Recabarren destacada em diversos trabalhos a respeito do desenvolvimentomarxista na Amrica Latina e do movimento operrio no Chile. Alm das obras utilizadas no presente trabalho,ver: JOBET, Julio Csar. Recabarren y los orgenes del movimiento obrero y el socialismo chilenos.2.ed.Santiago de Chile: PLA, 1973.
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uma delimitao importante do movimento da esquerda nacional que, no obstante as
mudanas sofridas, ser retomada com fora em diferentes momentos: a independncia de
classe, as crticas em torno do reformismo burgus e, especialmente, crticas democracia
nacional:
[O programa democrata] s contm um programa de reformas por realizar sobre asinstituies existentes, ampliando-as, suavizando e democratizando, mas deixandosempre o que so: instituies coercitivas da liberdade dominadas pela burguesia.Democracia o governo do povo, pelo povo e para o povo.9[traduo nossa]
Recabarren dedicou-se organizao de uma estrutura sindical da classe operria e
consistiu no maior responsvel pela organizao do movimento e, posteriormente, passou a
ser o principal nome da Federacin Obrera Chilena (FOCH), organizao criada pelos
conservadores, sob bases mutualistas, com finalidade de assistncia social e de mediaes nas
relaes de trabalho. A despeito desse carter inicial, Recabarren passou a liderar o que viria a
ser um dos principais centros de atuao do proletariado chileno, gerando uma radicalizao
das aes do setor e a sua filiao Internacional Comunista, em 1921, pouco antes da
criao do Partido Comunista.
O lder tornou-se uma das referncias do movimento operrio chileno, dentre outros
motivos, por congregar o movimento trabalhista e a luta partidria no mbito da poltica
institucional chilena, ao tomar contato com a teoria socialista. Essa particularidade do
movimento operrio daquele pas serve de referncia para pensar que a adoo do marxismo
foi realizada historicamente e de acordo com a sua insero nos processos polticos e sociais
especficos, legando ricas e frustrantes experincias histricas que permitem analisar
movimentos e culturas polticas desenvolvidas a partir desse encontro.
O exemplo da influncia exercida pelos ideais revolucionrios, com o triunfo da
Revoluo Bolchevique, sobre a constituio da esquerda do pas est na transformao do
Partido Obrero Socialista, fundado por Recabarren, em Partido Comunista, em 1921. A
mudana se deu aps a sua visita a Moscou, ilustrada a partir do registro das suas impresses,
bastante equivocadas, que j deixam visualizar a concepo mecanicista de transplantao de
um modelo revolucionrio:
9RECABARREN, Luis Emilio. Democracia Socialismo (1907). In: DEVS; DAZ, op. cit., p. 87.
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Pude ver com alegria que os trabalhadores da Rssia tinham efetivamente em suasmos toda a fora do poder poltico e econmico, e que parece impossvel que tenhano mundo fora capaz de despojar o proletariado da Rssia daquele poder jconquistado.[...] ao proletariado do Chile s falta disciplinar um pouco mais sua organizao
poltica e econmica para encontrar-se capacitado a realizar a revoluo social queexpropriar todo o sistema de explorao capitalista [...]10[traduo nossa]
Ao longo da dcada de 1920, diversos nomes se destacaram como herdeiros do ideal
de Recabarren, tais como Ramn Seplveda, Carlos Alberto Martinez, Manuel Hidalgo Plaza.
Foram lderes polticos que faziam parte do mundo operrio e que trabalhavam em
organizaes sociais, especialmente voltados para a difuso dos ideais socialistas da zona de
Valparaso, do norte salitreiro, de organizaes operrias de Via Del Mar e do porto.
Parte dessas lideranas deixou o ento Partido Comunista aps cises internas e
fundou grupos de orientao socialista que viriam a formar o Partido Socialista do Chile,
como a Nueva Accin Pblicae a Izquierda Crist. Somaram-se a eles o Partido Socialista
Marxista, a Orden Social, o Partido Socialista Unificado, aAccin Revolucionria Socialista.
Alm do crescimento do operariado e de um movimento de esquerda, o Chile viveu,
no incio do sculo XX, a ascenso das classes mdias ao cenrio poltico com forte
representao partidria. Dessa forma, a arena poltica chilena, que tinha como demarcao
dos debates a questo clerical/anticlerical, representados pelos partidos da oligarquia nacional,
evidenciou o conflito de classes latente no seio da sociedade, a partir do seu deslocamento
para a luta poltico-partidria e da colocao de novas alternativas que iriam percorrer todo o
sculo.
O sistema de partidos passou a se definir tanto em funo de diferenas doutrinrias
como em termos de representao social: de modo geral, liberais e conservadores se
identificavam com a elite, proprietria de grande parte da terra e do capital; os radicais
representavam a classe mdia em particular aos empregados pblicos e aos profissionais de
provncia , assim como aos grandes latifundirios do sul; democratas, socialistas e
comunistas eram os representantes das classes populares.
10RECABARREN, Luis Emilio. La Rusia obrera-campesina. In: DEVS; DAZ, op. cit., p. 108-109.
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Na dcada de 1930, portanto, iniciava-se o conflito poltico estruturado em dois
campos contrapostos - direita e esquerda - bem definidos; coexistindo, em cada um, uma
pluralidade de foras diferenciadas entre si, ainda que aglutinadas em torno de projetos
compartilhados e em funo da sua confrontao em relao a outro setor. Sendo assim,
possvel falar em direitas e esquerdas, de acordo com os matizes que se advertiam no interior
de cada um desses blocos, no doutrinrio ou nas estratgias polticas.11
Formando a ala direita da poltica chilena, tem-se o Partido Conservador que,
sinteticamente, pode ser caracterizado como o grupo representante da aristocracia
latifundiria. Alm da defesa da doutrina catlica, principal elemento de oposio ao PartidoLiberal, a plataforma conservadora apoiava com firmeza a livre empresa privada como fator
chave no processo de desenvolvimento do pas.
Formado em 1840, o Partido Liberal representa um segmento da elite orientado para
o comrcio. Com a proposta de laicizao do Estado, da ampliao das liberdades civis e do
sufrgio, e da limitao da autoridade Executiva, as foras liberais chegaram ao poder em
1861 e governaram por trinta anos, durante a chamada Repblica Liberal. Ideologicamente,as diferenas entre estes e os Conservadores so bastante tnues, em especial, aps o fim da
questo religiosa nos assuntos de Estado.
Conforme se ver adiante, durante o perodo de 1932 a 1964, o Partido Radical (PR)
teve o maior poderio eleitoral. Protagonista de um dos governos de maior impulso
modernizador, o grupo tambm apresenta divises internas entre uma ala direitista que
identifica sua filosofia poltica com a dos conservadores e liberais, e uma ala esquerdistapromotora de reformas sociais. De acordo com Julio Pinto e Gabriel Salazar, trata-se de uma
diviso que tem suas razes sociais e ideolgicas. Sociologicamente, o PR foi dirigido pela
classe mdia de provncias, com um ncleo dirigente formado nas escolas secundrias do
Estado e na Universidade do Chile.12
11CORREA; FIGUEROA, op. cit.., p. 117.12SALAZAR, Gabriel; PINTO, Julio. Historia contempornea de Chile I: Estado, legitimidad, ciudadana.Santiago: LOM, 1999, p. 275, v. 1.
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Inicialmente, o anticlericalismo constitua o principal eixo ideolgico do movimento,
com um desenvolvimento vinculado maonaria e reforma educacional, alm de
latifundirios do sul, de inclinao conservadora, que se transformaram em radicais pelo
desejo de reformas eclesisticas e pela desconfiana em torno da centralizao poltica. Este
o partido do sistema poltico chileno que tem a mais variada composio, que compreende
desde operrios at latifundirios. Inclui nortistas dos distritos mineiros, latifundirios do sul,
pequenos comerciantes, profissionais, intelectuais, artesos, operrios especializados. A sua
espinha dorsal provm da classe mdia.
Na esquerda, de forma muito particular no contexto latino-americano, o PartidoComunista (PC) esteve representado precocemente e de forma mais consistente do que os seus
similares no subcontinente, marcando, assim, uma especificidade da esquerda chilena na
Amrica Latina, que apresentou, primeiramente, a formao de um partido comunista
originado do movimento operrio, para somente duas dcadas depois se formar um partido
socialista.
O PC exerceu um papel central no movimento sindical do pas durante quasequarenta anos, ao mesmo tempo em que se configurou como a principal fora poltica entre os
trabalhadores chilenos. De acordo com Pinto e Salazar, a mudana ttica do partido, que passa
a seguir um caminho gradualista e pacfico at o poder, seu forte impacto em crculos
sindicais e intelectuais ajudou a manter a influncia nacional da organizao, chegando a
alcanar, no ano de 1964, aproximadamente 30.000 filiados.13
No entanto, o que se observa na histria do Partido Comunista a sua orientao apartir dos ditames da Internacional Comunista, o que revela, entre as dcadas de 1920 e 1930,
a adoo pelo PC da linha ultraesquerdista do chamado Terceiro Perodo, caracterizada por
uma postura confrontacional, que o isolou de outros grupos da esquerda nacional. Essa linha
13Devemos considerar que os programas de recuperao econmica, adotados na dcada de 1930, alm do
impulso industrializao, significaram a incorporao de um importante segmento do setor popular urbano sreas fabris e construo. O proletariado industrial, por exemplo, experimentou um aumento quantitativo quevariou de 84.991, em 1926, para 389.700, em 1949. ATRIA, Raul; TAGLE, Matias (Edit.). Estado y poltica enChile: ensayos sobre las bases sociales del desarrollo poltico chileno. Santiago de Chile: CPU, 1991, p. 162.
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ditada pelo Comintern rechaava os contatos com os partidos burgueses e objetava as
tendncias parlamentares do Partido Socialista.
Por outro lado, os socialistas se contrapunham orientao ultraesquerdista dos
comunistas, porque entendiam que essa postura isolaria a classe trabalhadora de outros
segmentos sociais igualmente explorados, e principalmente, por tratar-se da adoo de uma
orientao externa. O abandono da linha do Terceiro Perodo pelos comunistas deu-se a
partir da proposta de criao de amplas alianas, inclusive com os partidos considerados
burgueses, para salvar a democracia da ameaa fascista, consolidada na coalizo da Frente
Popular, em 1936.Nos anos cinqenta, a estratgia do PC era a de libertao nacional. Do ponto de
vista programtico, permaneceram as chamadas tarefas da revoluo: expropriao dos
latifndios e nacionalizao das empresas imperialistas; manteve-se da fase anterior a
inteno estratgica de aliana com a burguesia nacional, afirmando-se a concepo de que,
no Chile, o caminho poderia ser pacfico.14
No entanto, para os comunistas, havia terminado a etapa histrica de direo daFrente de Libertao por parte da burguesia chilena. A aliana s seria segura se se optasse
pelos setores antagnicos ao imperialismo, aos monoplios e ao latifndio. A esquerda
deveria, portanto, constituir a aliana comunista-socialista para atrair a esses setores da
burguesia; deveria se objetivar a hegemonia do proletariado, indicando-se, assim, como
ncleo, o eixo comunista-socialista. Esta nova linha estratgica apresentava como requisito
indispensvel a classe operria e as suas vanguardas como plo dirigente da revoluo delibertao nacional. Vale lembrar que o XX Congresso do PCUS admitia a tese da transio
pacfica, o que legitimava o percurso do PC chileno na dcada de 1950.15
O Partido Comunista considerava a sua luta como parte da revoluo mundial do
proletariado a efetuar-se nos moldes da Revoluo de Outubro. A Frente de Libertao
Nacional era considerada a ferramenta com a qual se poderia construir uma democracia
popular e um governo popular para a criao de um pas independente e democrtico.14AGGIO, Alberto. Democracia e socialismo: a experincia chilena. 2.ed. So Paulo: Annablume, 2002, p. 83.15Ibidem, p. 83-84.
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No projeto comunista, a unio das foras populares, dirigida pelos operrios e
agricultores, desalojaria a minoria oligrquica do poder econmico e poltico para impulsionar
as reformas estruturais da sociedade. Tratava-se de uma organizao essencialmente de
operrios. Sua fora provinha basicamente de trabalhadores urbanos e sindicalizados,
incluindo seguidores provenientes do setor campons, a partir da dcada de 1950, fator
impulsionado, principalmente, aps a Revoluo Cubana; alm de um pequeno segmento dos
setores mdios e um nmero pequeno, mas significativo, de intelectuais.
Em geral, possvel indicar trs momentos na trajetria do PC, sendo o primeiro, o
perodo que compreende desde a sua fundao, em 1921, at 1933. O segundo momento, queabarca o perodo de 1933 at o X Congresso de 1956; e o terceiro at fins de 1980. O primeiro
momento se caracteriza como a etapa confrontacional, inserida no contexto de crise do Estado
oligrquico, no qual o PC preconizava a poltica do enfrentamento de classes e se mantinha
margem da poltica estatal.
Como conseqncia da Guerra Fria, da ampliao do campo socialista e das
intervenes norte-americanas em diversas partes do mundo, a posio comunista se definiucomo uma linha de frentes amplas com signo antiimperialista. Nas eleies presidenciais de
1946, o PC fez parte de uma composio poltica com os radicais que elegeria Gonzalez
Videla presidncia da Repblica.
Este governo herdou srios problemas econmicos e sociais e se viu numa situao
delicada, especialmente no plano externo, devido participao comunista na administrao.
O Chile dependia dramaticamente do financiamento externo, ao mesmo tempo em que a suacomposio poltica era contrria orientao da nova poltica exterior norte-americana no
perodo da guerra fria, cujo apelo solidariedade nas naes americanas a fim de defender o
continente da ameaa comunista ditava as regras das relaes entre os pases vizinhos. Mesmo
aps o afastamento dos comunistas do governo, os Estados Unidos mantiveram o embargo, a
fim de assegurar a completa ruptura entre o governo e o Partido Comunista.
No entanto, o apoio dos comunistas s greves contra a poltica do governo e aspermanentes crticas feitas relao do Chile com os Estados Unidos proporcionaram ao
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presidente Gonzlez Videla a justificativa necessria ao rompimento definitivo com os
comunistas. Para conseguir conter a presso do PC e a agitao operria, apoiada pelos
comunistas, o governo decretou, em 1948, a Lei de Defesa da Democracia, proscrevendo o
Partido Comunista e atingindo diretamente os direitos e liberdades sindicais. O movimento
operrio e popular voltou a atuar com maior desenvoltura em meados da dcada de 1950.16
J no X Congresso, de 1956, refletiu-se a tese da transio pacfica e a linha da
frente nica entre socialistas e comunistas, substituindo a poltica de enfrentamento que a
Guerra Fria estabeleceu no mundo, e que foi ratificada na formao da Frente de Ao
Popular (FRAP), como se ver adiante. Os comunistas concebiam um movimento no qual eraessencial uma poltica de alianas pluriclassistas para a revoluo de libertao nacional, no
bojo de um processo que acentuasse a participao das massas, levando em conta as suas lutas
de classe mais diretas.
Para que ambos se efetivassem, defendiam reformas substanciais nas estruturas
polticas do pas, de forma a que se restaurassem todas as liberdades polticas, com vistas a
um aprofundamento de processo de democratizao. Nesse sentido, o Partido Comunista foiuma das foras polticas que mais se empenharam na defesa de reformas polticas e
institucionais de cunho democratizante, visando aperfeioar o sistema institucional.17
Este contexto que permitiu a formao da FRAP marca um momento de redefinio
para o socialismo chileno, cuja cultura poltica fora caracterizada por forte antagonismo ao
comunismo. A criao do Partido Socialista se deve tambm insatisfao de alguns grupos
socialistas com a liderana comunista dentro da esquerda, o que o levou a delimitar, desde oincio, o carter alternativo ao comunismo na esquerda nacional como uma das suas principais
caractersticas, e que se fortaleceu ao longo da sua trajetria. A sua histria tem a
particularidade do contexto de crtica ao stalinismo, poltica da URSS e aos partidos
comunistas. O partido se autodefiniu, constantemente, a partir da diferenciao com relao
ao comunismo, do anseio de realizar o que o PC no havia sido capaz de fazer, e de
representar verdadeiramente os anseios populares.16AGGIO, op. cit., 1999, p. 152-153.17AGGIO, op. cit., 2002, p. 84.
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preciso problematizar o surgimento da esquerda chilena, j que esta se formou
primeiramente com o comunismo, com o pioneirismo de Recabarren. O fortalecimento do PS
se deu no momento de crise da URSS, o que permite afirmar que o seu discurso, caracterizado
como humanista e libertrio, tambm tem a ver com esse momento de contestao ao regime
sovitico e das denncias contra o stalinismo.
O Partido Socialista, fundado em 1932, pode ser caracterizado como um grupo
formado essencialmente pelas classes mdias, unido por uma concepo bastante difusa do
socialismo. Sua formao tem como marco a Repblica Socialista de 12 dias, movimento
liderado pelo comandante da aviao Marmaduque Grove, para destituir do governo EstebanMonteiro, primeiro presidente eleito pelo Partido Radical.
Deste governo pode-se afirmar que Monteiro buscou articular em torno de si apenas
os setores tradicionais da poltica chilena, deixando de lado a esquerda que se fortalecia e que
tentava afirmar um projeto de ao capaz de superar a grave questo social que atingia o pas.
A partir deste evento, as organizaes socialistas se reuniram para formar o Partido Socialista,
que esteve sob a liderana de Grove at 1943.
18
Tratava-se inicialmente de uma organizao definida como marxista, mas que
privilegiava um projeto nacional e popular e que enfatizava o carter pluriclassista da sua
identidade. possvel afirmar que se tratou de uma organizao que veio compor um novo
quadro poltico que se configurava no pas, marcado pela concepo antioligrquica e
antiimperialista. Seu carter nacional e popular, alm da sua caracterizao como um partido
dos trabalhadores manuais e intelectuais, e que no admitia a diviso classista, marca apostura do grupo que tambm se comprometeu com a proposta modernizadora da Frente
Popular, abrindo, assim, a primeira etapa das recorrentes cises no partido.
Podemos destacar que, o que definiria a adeso de um indivduo ao Partido Socialista
no seria o seu pertencimento de classe, mas a sua conscincia poltica revolucionria, a sua
oposio oligarquia e ao capital estrangeiro, como possvel observar no seguinte excerto:
18Os lderes da rebelio foram destitudos e presos na Ilha de Pscoa. Ainda em 1932, Marmaduque Groveconcorreu eleio presidencial, vencida por Arturo Alessandri, e obteve a segunda colocao, com 17,7% dosvotos.
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No se vem ao Partido porque intelectual ou operrio, vem porque se adquiriuconscincia revolucionria do atual momento histrico. Por isso lutamos contra ademagogia, a mentira de fazer crer que s os intelectuais podero salvar-nos, ou ques os operrios so os revolucionrios. Por isso um atentado unidade de nossopartido o divisionismo mentiroso do obrerismo e intelectualismo, e quem atenta
contra a unidade do Partido Socialista atenta hoje contra o futuro do povo,pretendendo destruir o seu instrumento de libertao.19[traduo nossa]
Ainda de acordo com Schnake, uma das principais lideranas do grupo naquele
contexto, o movimento que originou o partido se denominava socialista por ser contrrio ao
liberalismo individualista. O partido se caracterizaria pela unidade social e poltica da classe
operria, setores camponeses e classe mdia do pas, no intuito de libertar-se da explorao
econmica e poltica do capital internacional e da oligarquia. Nas suas palavras, significava a
mobilizao do povo para uma ao de Segunda Independncia Nacional, a Independncia
Econmica do Chile.
Essa caracterstica nacionalista do socialismo chileno um dos componentes que vo
perdurar ao longo da sua histria, mas que, como se nota, trata-se tambm de uma forma de
demarcar a originalidade do movimento frente ao comunismo, entendido como uma extenso
do socialismo sovitico; alm de referendar o passado das lutas operrias e se projetar como
alternativa para o futuro, um dos determinantes mais evidentes da ao do PS, constantemente
preocupado com a chilenidad dos seus pressupostos, como afirma Marie Nolle Sarget.20
Trata-se de um nacionalismo unido ao ideal da unio continental fundado no sonho de
Bolvar.
Um elemento que ilustra esse ideal nacionalista o smbolo do Partido Socialista,
que permite observar a constante referncia feita ao passado do pas, assim como aos ideais de
luta e da originalidade do grupo. O desenho de um machado ndio sobre o mapa da Amrica
Latina remete ao toqui, instrumento utilizado pelos ndios mapuche, do sul do Chile, tanto
para destruir, como para construir, e que se tornou smbolo da resistncia mapuche ao invasor
19SCHNAKE, Oscar. Poltica Socialista (1938). In: WITKER, Alejandro (Org.). Histria documental delPSCH 1933-1993: signos de identidad. Chile: IELCO, sd, p. 23-24, v.18.20SARGET, Marie-Nolle. Systme politique et Parti Socialiste au Chili: un essai danalyse systematique.Paris: ditions LHarmattan, 1994.
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espanhol. O smbolo colocado sobre o mapa do continente para se referir coletividade,
unio e libertao antiimperialista.21
Em geral, os postulados da Repblica Socialista de 1932 apregoavam a justia social
e a libertao econmica do pas por meio da unio dos trabalhadores manuais e intelectuais.
Sendo a unio de diferentes setores sociais um dos principais pontos da declarao socialista,
assim como a definio de socialismo como um programa contrrio ao liberalismo
individualista. Questionado sobre qual ideologia correspondia revoluo, seu representante,
Marmaduque Grove, respondeu:
A nenhuma. Ns tratamos de fazer para esta revoluo seu peculiar contedoideolgico [...] As doutrinas sociais foram criadas [a partir da] observao darealidade europia [...] Assim que aplicadas na Amrica Latina, cuja realidade distinta, postergam-nos as solues imediatas de nossos problemas e introduzem oconfusionismo.22[traduo nossa]
Esta afirmao d uma dimenso do carter inicial do PS, que apregoava, dentre
outras coisas, a flexibilidade das ideologias, como na utilizao do marxismo, e do carter
pluriclassista de um grupo que era composto de correntes ideolgicas que variavam desde
tendncias trotskistas, passando por grupos denominados antioligrquicos, latino-
americanistas, at personalidades intelectuais advindas do anarquismo e do socialismo
humanista. Os autores latino-americanos no chilenos influenciaram relativamente pouco o
PS, em comparao com outros marxistas europeus. O argentino Juan B. Justo e Jos Carlos
Maritegui, marxista peruano, figuram entre os autores socialistas que ocupam lugar em
algumas referncias, mais por tradues e comentrios que fizeram da obra de Marx.
No entanto, o partido valoriza constantemente a contribuio de autores nacionais,
como Recabarren e, sobretudo, a daqueles fundadores do partido, como Grove, Eugenio
Matte, Oscar Schnake, nomes que constituram a liderana nos primeiros anos de vida do
partido. Alm disso, o grupo conferia especial espao aos escritores do partido, como Jobet,
Alejandro Cheln, Raul Ampuero, Salomon Corbaln, Eugenio Gonzalez, Oscar Waiss, cujos
textos, especialmente aps a dcada de 1940, contriburam diretamente para forjar uma
determinada cultura poltica ao partido, bem como sua identidade.
21SARGET, op. cit., p. 79.22GROVE, Marmaduque. Manifiesto Socialista (1934). In: WITKER, op. cit., p. 221.
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Esses membros, em especial quando formavam parte do Comit Central (CC),
tinham importante influncia nas deliberaes do partido quanto s linhas e rumos a adotar. O
CC representava a organizao nas suas relaes com outros grupos, decidia os acordos a
estabelecer, designava as candidaturas socialistas em via de eleies, tomava as sanes
eventuais contra dirigentes e militantes, nomeava e destitua diretores da imprensa do partido
e aplicava as decises do Congresso Geral. Alm de exercerem forte influncia nas idias a
serem seguidas pelo grupo, j que o contedo terico-ideolgico representava um elemento
muito valorizado na conduo no partido.
possvel conceber a histria do Partido Socialista em duas etapas. A primeira podeser demarcada do momento da sua fundao at a reunificao do socialismo, em 1957;
enquanto que a segunda abarca desse momento at a diviso de 1979; sem, no entanto,
caracterizar-se como momentos estanques, ou seja, trata-se de momentos nos quais elementos
diversos, concertacionistas e rupturais se imbricavam na conformao da cultura poltica
socialista, alm da sua identificao latino-americanista, popular e dos objetivos de ocupao
do poder serem elementos compartilhados por grupos internos com orientaes diferentes.So concebidas aqui essas duas fases na trajetria do socialismo chileno por entender-se que
ocorre uma modificao na postura ideolgica do Partido Socialista, demarcada pela
predominncia do carter confrontacional a partir do final da dcada de 1950 naquele
movimento.
A etapa que compreende o perodo de 1933 a 1957 pode ser definida como o
momento nacional-popular
23
, no contexto em que o socialismo surgiu como uma alternativapara as classes populares e setores mdios, apresentando caractersticas definidas por uma
clara distino ideolgica e poltica dos comunistas, antioligrquicas e antiimperialistas.
23Um projeto nacional-popular tem como caractersticas: a concepo da poltica como constituio da vontadecoletiva, como uma busca pelo consenso, e no como o aproveitamento das conjunturas em funo de umamobilizao manipulada de massas disponveis; pensa cada um dos elementos da poltica em uma perspectivautpica, como realizao de graus cada vez maiores de democracia, portanto, como processo que deve conduzir
ao socialismo, este concebido como sistema que permite a mxima liberdade de todos; e o consenso encaradocomo algo alm da articulao de interesses econmicos e polticos, trata-se de um pacto social em funo deuma mudana concertada. Cf. MOULIAN, Toms. Democracia y socialismo en Chile. Santiago: FLACSO,1983.
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Esta distino demarcada por elementos, como um papel mais flexvel e
instrumental do marxismo, a necessidade de substituir o Estado burgus pelo Estado dos
trabalhadores, a superao do capitalismo, crtica ao internacionalismo comunista, a definio
do partido como popular e no exclusivamente operrio. Alm disso, a defesa, por parte das
suas principais lideranas do perodo, da participao ativa em coalizes de governo, e a
defesa de programas de reformas democratizantes, de fomento industrializao e do
fortalecimento do papel do Estado como regulador das desigualdades.
Esse foi um perodo bastante conturbado na histria do partido, que reunia diferentes
grupos e concepes acerca do papel do socialismo. Incapacidade de influncia do partido nasdecises do governo, seguidismo frente direo burguesa e ausncia de uma perspectiva
estratgica para iniciar o processo de construo socialista a partir da etapa de reformas,
foram algumas das crticas internas dirigidas s lideranas do grupo. Comeava a se delinear a
trajetria da convivncia conflitiva entre as tendncias com pretenses confrontacionais e os
grupos que defendiam alianas e a promoo de reformas a partir do Estado.
A segunda etapa do socialismo chileno o momento do qual se ocupa o presentetrabalho, identificada na mudana das suas lideranas. Esta pode se caracterizar por sua
crescente ideologizao e o progressivo abandono da perspectiva nacional-popular,
influenciada por processos e teorias revolucionrias externos, alm do descontentamento com
as experincias de governo vivenciadas pelo pas sob o comando das classes dominantes;
tendncia alimentada por concepes que visualizavam uma crise total na sociedade, que
passavam a guiar seus projetos polticos.Caractersticas centrais da cultura poltica socialista, como o nacionalismo, o
antiimperialismo, a postulao da substituio do Estado burgus pelo Estado dos
Trabalhadores eram compartilhadas por esta nova tendncia frente do socialismo. No
entanto, o Partido Socialista confrontaria ento o que se denominou na poca de
colaboracionismo, expresso na poltica de lideranas do socialismo chileno que
participaram do governo da Frente Popular, como Grove, Oscar Schnake e Salvador Allende,
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e o inconformismo de algumas de suas lideranas apoiadas por intelectuais como Oscar
Waiss, Julio Csar Jobet e Alejandro Cheln Rojas.
O governo da FP pode ser considerado o processo que ratificou a incorporao da
esquerda no cenrio poltico do Chile, a partir da formao de uma aliana entre o Partido
Radical e os partidos Comunista e Socialista, apesar das pssimas relaes estabelecidas entre
ambos, como resultado basicamente de duas conjunturas especficas: uma crise econmica
marcada por agitaes populares reprimidas pelo segundo governo de Arturo Alessandri
(Alianza Liberal) e uma estratgia poltica externa advinda da ttica definida no VII
Congresso da Internacional Comunista, em 1935. A partir desta diretiva, formou-se a coalizono Chile para estabelecer a oposio ao governo autoritrio alessandrista. Alm disso,
preciso destacar que a formao da coalizo foi favorecida por uma srie de iniciativas
polticas graduais que propugnavam alianas entre foras polticas consideradas defensoras
das liberdades pblicas.24
Diante da impossibilidade de uma aliana com a direita, que sustentava o governo
repressor, os Radicais assumiram uma postura mais esquerda. Outro fator que contribuiupara a unio dos diferentes segmentos foi a represso do governo contra os sindicatos, que
atingiu seguidores dos partidos populares; bem como a represlia a uma expressiva greve dos
ferrovirios. Portanto, essas medidas do governo deram maior sustentao ao projeto da FP
medida que validou a posio dos dirigentes do Partido Radical a favor de uma aliana
antialessandrista e ocasionou a convergncia dos interesses dos partidos de esquerda.
Pela Frente Popular, Pedro Aguirre Cerda, indicado como pr-candidato Presidncia da Repblica, venceu a disputa interna em que o Partido Socialista apresentou a
candidatura de Marmaduque Grove, um dos principais lderes do grupo, e que passou a ser
presidente de honra da aliana. Numa conjuntura de fortes suspeitas de instalao de uma
ditadura no pas comandada por Alessandri, a eleio de 1938 tornava-se decisiva para a
democracia do pas. A necessidade de barrar o governo repressor por meio da unidade dos
setores populares se refletiu na eleio do candidato da coalizo.
24AGGIO, op. cit., 1999, p. 102.
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A despeito das divergncias presentes na aliana, que se tornaram fator de desunio
aps a conquista do governo, a poltica conduzida pelo Partido Radical possibilitou relativo
consenso em torno de temas como o fortalecimento da democracia representativa no pas, do
desenvolvimento econmico e, principalmente, a presena do Estado na economia e da defesa
dos interesses sociais e polticos das camadas subalternas.
A emergncia dessa coalizo poltica, que compartilhava a defesa da democracia
como um dos principais valores, garantiu maior estabilidade ao sistema poltico do pas,
assegurando aos partidos de esquerda o seu papel de representantes dos trabalhadores no
quadro institucional e tambm uma ampliao das suas bases sociais. So fatores que,contudo, foram concebidos negativamente por suas lideranas, a partir das dcadas seguintes,
e que teve a complexidade da sua formao poltica e social negligenciada por Jobet e por
intelectuais, que, como ele, debruaram-se sobre a formulao e difuso de idias rupturais.
Estas teses eram baseadas em concepes preestabelecidas nos moldes do socialismo
internacional, direcionando o debate e a conduo poltica por parte da esquerda para uma
polarizao.O processo poltico iniciado em 1938 pode ser caracterizado como o marco da
consolidao da modernizao do pas, anunciada na dcada de 1920, como a afirmao de
um novo papel do Estado na economia e da democracia representativa. Essa poltica
conduzida pela Frente Popular, no entanto, no correspondeu integralmente s aspiraes dos
grupos que a constitua, principalmente, devido correlao de foras estabelecida no
governo, que favorecia, em grande medida, direita.A direita, que alm do poder econmico, contava com maioria parlamentar,
representou um obstculo implementao de medidas democratizantes que afetavam seus
interesses imediatos. Nesse sentido, a esquerda ficou impossibilitada de influenciar as
resolues na economia de maneira a alcanar seus objetivos por meio de projetos de
desenvolvimento e da diminuio da dependncia do pas em relao ao capital estrangeiro.25
25AGGIO, op. cit., 1999, p. 22.
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Depois da vitria da Frente Popular, em 1938, a direita conseguiu se favorecer nas
disputas no governo, num perodo em que deveria enfrentar ameaas manuteno da
estrutura social e dos seus interesses, dentre elas o desafio ordem senhorial no mundo rural.
Esta questo colocava para o setor o dilema de como evitar a formao de sindicatos nos
campos, que os partidos de esquerda comeavam a propugnar. Assim, o perodo aberto em
1938, no que concerne s dificuldades e restries organizao sindical no campo pode ser
registrado como negativo para as expectativas da esquerda.
De acordo com Sofia e Consuelo, estas mudanas seriam sentidas nas dcadas
seguintes, junto com a chegada de pautas culturais urbanas ao mundo rural, agora maispermevel devido difuso do rdio e da bicicleta. Alm disso, os partidos de esquerda e a
Democracia Crist, principal motor da poltica nacional da dcada de 1960, penetraram, pela
primeira vez, de forma exitosa no campo, tornando esse setor um espao de disputa poltica
entre estes grupos pela adeso do campesinato, mobilizando-os em prol de demandas
trabalhistas e com promessa de diviso de terras, o que significou, posteriormente, o aumento
das greves camponesas.
26
Como destaca Aggio, as divergncias na esquerda se acentuaram a partir do
momento em que o PR assumiu a hegemonia da coalizo e que Pedro Aguirre Cerda,
apontado como uma expresso da moderao e da negociao poltica, foi designado
candidato presidencial da FP.27Alm disso, a despeito da presso da retrica ruptural exposta
pela esquerda, pautada em propostas nacionalistas e de amplo apelo popular, a esquerda no
foi capaz de ditar de maneira determinante os rumos da conduo do governo. Estas so asprincipais limitaes que ficaram marcadas na participao socialista no governo, e que foram
criticadas por parte das suas lideranas, especialmente, a partir da dcada de 1950.
De acordo com Sarget, durante as presidncias radicais, o Partido Socialista teria
sido um elemento totalmente passivo no sistema poltico chileno, de maneira que o sistema
teria agido sobre ele, ameaando a sua identidade; relao que se inverteria durante a dcada
26CORREA; FIGUEROA, op. cit.., p. 223.27AGGIO, op. cit., 1999, p. 123.
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de 1950, na qual o partido se tornaria um dos elementos motores do sistema poltico,
juntamente com a grande novidade que representava a Democracia Crist.28
No entanto, entendemos que ao longo da sua trajetria, em especial durante a
experincia da coalizo, o Partido Socialista exerceu importante papel na expresso dos
conflitos sociais e demandas populares, na mobilizao do mundo do trabalho e na defesa
desses interesses, ao mesmo tempo em que canalizou tais demandas para inseri-las nas pautas
do quadro institucional.
Alm do partido se constituir em um importante grupo de presso e de mobilizao
dos grupos populares, o perodo contribuiu para forjar a sua identidade, cuja delimitao sedeu em relao aos outros grupos polticos como o Partido Radical, representante dos
setores mdios, e do Partido Comunista, que, no discurso socialista, servia de instrumento
para a poltica sovitica ; identidade que assumiu novos contornos e veio a se impor como
um forte elemento para a polarizao ideolgica do sistema poltico do pas.
Esta histria foi marcada por embates entre os grupos de esquerda que conquistaram
uma rpida insero e poder de representao no quadro institucional e que mudaram aconfigurao poltica chilena. A anlise desta experincia e das idias e perspectivas que
constituram o socialismo chileno remete para uma histria singular na Amrica Latina.
A apreenso das motivaes e perspectivas que animaram o socialismo daquele pas
requer um mapeamento da trajetria dos grupos que protagonizaram aquele processo,
consistindo, assim, a perspectiva adotada, numa anlise das idias que constituram a cultura
poltica do socialismo e das conseqncias advindas da sua postura, a partir do aporte de umadas suas principais referncias intelectuais. Para tanto, a anlise deve se centrar naquele que
o principal contexto de definio da polarizao ideolgica caracterstica do perodo de 1957
a 1973.
Nesse perodo, de acordo com Jocelyn Holt, o Chile comeava a ser pensado em
termos de subdesenvolvimento e de atraso, de maneira que, segundo alguns intrpretes da
poca, a realidade vivida por aquela sociedade corroborava tal qualificao. Pode-se afirmar,
28SARGET, op. cit., p. 214.
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no entanto, que mais do que germinar essa concepo acerca da sociedade chilena, o perodo
marca uma difuso e cristalizao de idias j construdas, principalmente, pela esquerda
poltica daquele pas.
Concepes traduzidas em diversas manifestaes intelectuais e polticas que
apresentaram importantes nomes, como Anbal Pinto, Julio Csar Jobet, Jorge Ahumada, que
conferiram ao poltica de diversos grupos o contedo terico e ideolgico ao longo das
suas trajetrias na poltica nacional. Estas postulaes contriburam para a forte polarizao
ideolgica que caracterizou a dcada de 1960, e consequentemente, as concepes em torno
da conduo do governo da Unidade Popular.Com a formao de um forte e combativo movimento operrio no Chile, desde fins
do sculo XIX, a questo social ocupou espaos no debate intelectual e poltico, de forma que
os setores populares passaram a ser solicitados como apoio eleitoral no discurso dos partidos
tradicionais, mas sem ser canalizados pelos mesmos. Esse contexto de ausncia de um partido
ou movimento que conseguisse articular as demandas das classes populares em crescimento, e
que exercia forte presso naquela sociedade determinou, em grande medida, a formao dospartidos de esquerda.
Primeiro, o Partido Comunista, criado exclusivamente por lderes do movimento
sindical de princpios do sculo XX, e que, inicialmente, teve apoio fundamentalmente
operrio e, posteriormente, o Partido Socialista, com uma formao bastante ecltica, que
reunia desde militares at operrios, e conseguiu tornar-se um dos maiores representantes
populares do sistema poltico chileno.
Diferentemente dos seus similares na Amrica Latina, os partidos de esquerda do
Chile no se isolaram da cultura e dos movimentos populares, ao contrrio, constituram-se
em seus principais representantes polticos. Nas palavras de Moulian:
[...] o marxismo representou no Chile algo mais que a ideologia de um conjunto departidos, com uma relao superficial e aparente com as massas, uma simplesreferncia ritual, importante para os intelectuais polticos, mas carente de sentidopara os homens comuns. possvel afirmar que constituiu um componenteimportante da cultura poltica nacional, especialmente entre os setores populares.Desenvolveu-se como um dos sistemas hegemnicos no mbito das ideologias
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polticas, cuja influncia se podia sentir alm dos partidos polticos de esquerda.29[traduo nossa]
Ainda que o presente trabalho no possa apreender o alcance do marxismo e da
teoria poltica da esquerda chilena para alm dos seus quadros, essa cultura poltica que rene
indivduos em torno de concepes acerca da poltica, da sociedade, de projetos e da diferena
entre os grupos polticos e sociais, tem especial importncia na mobilizao de diversos
setores. Mesmo se pensarmos que o marxismo surgia consubstanciado na figura material do
partido, como uma entidade aglutinadora onde os intelectuais adquiriam sua organicidade,
esta idia bastante vlida.
Esse processo de formao da esquerda poltica do pas, da sua incorporao no
sistema institucional e da introduo dos seus projetos polticos demarca o incio da trajetria
desta tendncia que vivenciou a expectativa do trnsito democrtico ao socialismo. A
construo desta experincia pode ser avaliada desde a atuao do seu movimento operrio no
sculo XIX, at a posterior organizao dos seus partidos de representao popular, no se
configurando, portanto, como uma experincia discrepante dentro da sua trajetria.
possvel afirmar que um dos fatores mais destacados da vida poltica chilena foi a
existncia de uma esquerda muito forte e estruturada, no sentido da sua constante participao
e no exerccio da presso poltica sobre o centro decisrio, alm da capacidade de mobilizao
que remonta s suas origens. Esta trajetria diferenciada de um movimento de esquerda na
poltica institucional dentro da Amrica Latina foi um dos elementos discutidos e
incompreendidos por parte da historiografia do pas.
29MOULIAN, Toms. La forja de ilusiones: el sistema de partidos (1932-1973). Santiago: FLACSO, 1993, p.73.
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1.2 Elementos da historiografia do socialismo chileno
O tema do socialismo chileno adquiriu espao considervel na historiografia daquele
pas, porm com contornos pouco diferenciados no que se refere s abordagens adotadas. Em
geral, encontram-se trabalhos destinados a analisar o sistema poltico nacional, preocupados
com o seu desenvolvimento a partir das influncias e relaes entre os diferentes partidos que
o compuseram, entre eles, os partidos de esquerda.
Em geral, as avaliaes acerca da esquerda se remetem trajetria dos seus partidos,
e, pautam-se nas mesmas categorias analticas adotadas no perodo analisado, de maneira aapontar os limites e os desvios polticos de suas escolhas, visto que grande parte desses
trabalhos elaborada por protagonistas daquele processo30; alm de compilaes de
documentos referentes a diferentes perodos dessas trajetrias.31
possvel destacar tambm trabalhos dedicados ao Partido Socialista que buscaram
identificar suas principais caractersticas, e, numa abordagem que abarca a sua trajetria desde
a sua fundao at o seu governo, em 1970, analisa a sua participao no sistemainstitucional, numa avaliao que adquiriu poucas variaes. Dentre elas, podemos destacar
comparaes com o Partido Comunista e, principalmente, a indicao de desvios na sua
prtica poltica, especialmente no que se refere a sua atuao poltico-institucional, bem como
as deficincias tticas na transio ao socialismo no governo da Unidade Popular.
Uma das anlises mais significativas desta concepo de deficincia ttica na
conduo do governo para a construo do socialismo a abordagem presente no trabalho deIgncio Walker, cuja hiptese central sustenta que a ausncia de uma concepo socialista
democrtica privou Allende do necessrio apoio poltico no interior da coalizo de partidos
30ALTAMIRANO, Carlos. Dialtica de uma derrota: Chile 1970-1973. So Paulo: Editora Brasiliense, 1979.Neste trabalho, Altamirano tece duras crticas UP por sua inadequada percepo poltica da inevitabilidade doconflito; Alejandro Cheln, liderana intelectualmente prxima a Altamirano, publicou Trayectria delSocialismo: apuntes para una historia critica del socialismo chileno. Trata-se de um trabalho que expressasignificativamente a posio inconformista, que se ops s participaes governamentais em coalizes
pluripartidrias do PS e cobrou uma posio confrontacional do partido.31Alm das compilaes utilizadas neste trabalho, podemos citar El socialismo y la unidad: (cartas del PartidoSocialista al Partido Comunista). Coleccin Documentos, n.1, Santiago, 1966, publicada pela Secretaria deEducao Poltica do PS.
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que o conduziu ao poder, o que teria contribudo para o fracasso da via allendista ao
socialismo.32
Numa leitura teleolgica da trajetria do Partido Socialista, Walker entende que o
desfecho do processo do governo socialista esteve d