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matemática Professores consideram exame menos fácil do que o de 2008 Plano de acção é “boa ideia” que deixa um “amargo de boca” CORBIS / VMI Este suplemento é parte integrante do Público n.º 7022 de 24 de Junho de 2009 e não pode ser vendido separadamente Turma de Lisboa fez exame de 1983 e só dois tiveram nota positiva

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Matemática2 • Público • Quarta-feira 24 Junho 2009

Exames A 25 de quilómetros de Coimbra são poucos os que chegam ao Superior

Daniela está satisfeita: “Menos de 16 é negativa, s’tôra!” Num agrupamento de escolas onde a luta se faz contra o abandono escolar, a maior parte dos doze alunos do 12º ano saiu confi ante da prova de Matemática

“São garotos com muita garra”, diz a professora de Matemática

a Ao meio-dia, Ana Baptista dirige-se ao fundo das escadas do pavilhão da escola EB/S de Vila Nova de Poiares e ergue o olhar, expectante. No país, há 50 mil jovens que naquele preciso momento acabam o exame de Matemática. Ali, apenas um ruído seco de passos anuncia o fi m de uma das últimas provas da primeira fase de acesso ao ensino superior. Só frequentam o 12º ano 12 alunos, cujos rostos Ana Baptista perscruta, agora, com ansiedade. Ainda nenhum atingiu o último degrau já a professora sorri, aliviada: “Correu-vos bem!”

Não é uma pergunta. Depois de três anos a lidar com aquele grupo, Ana Baptista não precisa de as fazer: “O exame era trabalhoso, mas correu-vos bem!”, continua. Extrovertida, Daniela Soares ergue o punho em sinal de vitória: “Menos de 16 é negativa, s’tôra!”, anuncia, provocando o riso dos colegas, que confi rmam que a prova “não era difícil”. Só André Rodrigues abana a cabeça, desolado: “Bloqueei”.

André, de 18 anos, é fi lho de licenciados em Economia, ambos professores. É caso único. Se atingirem os seus objectivos, os restantes serão os primeiros das respectivas famílias a ingressarem no Ensino Superior. São a excepção, num concelho cujo agrupamento de escolas tem 1100 alunos mas onde só 15, três dos quais externos, aspiram a prosseguir os estudos para além do 12º ano.

“São garotos com muita garra. É preciso muito esforço, as pessoas nem imaginam quanto!”, elogia-os a professora de Matemática. Lembra que os seus alunos não têm explicadores ou a ajuda dos pais que, na generalidade, fi zeram apenas o ensino básico. Uma ideia que o director-adjunto do agrupamento, Mário Henriques, reforça: “Estamos a 25 quilómetros de Coimbra, onde várias escolas públicas disputam os primeiros

lugares do ranking, mas, aqui, a nossa luta é contra o abandono escolar”, diz.

Uma das prioridades é tentar chamar os pais à escola – com reuniões, com festas – na tentativa de que valorizem o estudo, a aprendizagem. Outra é a oferta de alternativas aos alunos, a quem aliciam primeiro com Cursos de Educação e Formação, depois com os profi ssionais, e promessas de estágio integrado e possibilidade de entrada imediata no mercado de trabalho.

“Somos quase uma família” “A maior parte dos nossos colegas acha que é mais fácil conseguir emprego com esses cursos do que com uma licenciatura”, critica Pedro Reis, que sonha com enfermagem e festeja “o provável doze” no exame que acabou de fazer. Carlos Simões está menos entusiasmado. Quer fazer Engenharia Informática e, contra o conselho de Ana Baptista, anulou a disciplina e apostou tudo no exame: “Perdi demasiado tempo com as probabilidades e fi z o resto à pressa”, explica, já sem esperança no 15.

Daniela Soares, que pela manhã chegara ensonada, de mãos enterradas nos bolsos das calças e ouvidos no mp3, tagarela sobre a entrada no curso de Reabilitação Psicomotora: “Vou conseguir! O exame era acessível e em ano de eleições o Governo tem de mostrar resultados!”

Já estão à porta da escola. Folheiam as provas, comparam as respostas às questões de escolha múltipla, e se um festeja, o outro bate com a mão na testa, irritado por ter falhado. Até que Ana Baptista os despacha: “Vá, vão-se embora, agora descansem!”.

Já se afastam, a pé, quando a professora os chama, em tom severo: “Amanhã vejam se não se atrasam!”. Depois explica: “Não, as aulas acabaram, os exames também. Vamos fazer um jantar de despedida”. Ri-se, de si para si. Afi nal, acrescenta, há vantagens naquela espécie de interioridade: “Somos quase uma família. Já estou com saudades deles”.

Graça Barbosa Ribeiro

Reportagem

JORGE SILVA

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Público • Quarta-feira 24 Junho 2009 • 3

JORGE SILVA

Homens “cortados ao meio”

a Sempre gostei de Matemática. Nos primeiros anos após a instrução primária, a Matemática, juntamente com o Português, era a minha disciplina preferida, e ambas aquelas onde obtinha sempre melhores classifi cações.

Estou convencido de que o meu amor pela Matemática e pelo Português (e, depois, no Complementar – hoje 10º �e 11º anos – pela Literatura) se deveu principalmente aos professores que tive. Julgo que seja uma experiência comum, a de, enquanto estudantes, amarmos as disciplinas de cujos professores gostamos. É minha convicção, fundada na experiência, que o amor é o maior e mais generoso de todos os veículos de comunicação. Quando um professor ama aquilo que ensina, e ama ensinar, o que ele ensina torna-se naturalmente contagiante. Em “O prazer do texto”, Barthes fala do prazer do leitor como um prazer de tipo “voyeur”, um prazer que se compraz no prazer pressentido do autor no acto da escrita. Daí que pense que talvez uma boa parte do insucesso escolar no domínio da Matemática esteja relacionado com o facto de haver por aí gente de mais a ensinar Matemática sem gostar de Matemática nem de ensinar, gente que foi parar ao ensino por, mas que sei eu?, se lhe terem eventualmente fechado outras portas. Tratar-se-á, pois, mais do que apenas um problema da escola, de um problema da sociedade, independentemente de, se calhar, todos os problemas da escola serem o rosto de problemas da sociedade.

Podia dizer – e digo – que a Matemática é uma disciplina, se não uma aventura, emocionante, mas todas as áreas do saber o são, muito particularmente hoje, em que é notório que todas, em especial as chamadas Ciências da Natureza, vivem (sempre assim aconteceu, mas hoje acontece talvez de forma mais arrebatadora, porque mais mediatizada) em “estado de fronteira”, forçando permanentemente os seus limites, num movimento em espiral para dentro (muitas vezes para dentro umas das outras) no sentido da simplifi cação e da convergência, o que, no entanto, conduz a problemas cada vez mais difíceis.

Uma vez ouvi Edward Witten dizer numa entrevista que

pressentia que a Natureza “tem um truque qualquer”. Talvez nunca como hoje o conhecimento tenha perseguido de forma tão obstinada o mistério irresolúvel da existência. “É possível demonstrar que o � tem um valor entre 3,14 e 3,15. Mas por que razão? Porquê? No entanto, se tivesse outro valor, a própria existência seria outra coisa…” Para isso, para sabermos mais de nós e do mundo, se não para nos compreendermos e ao mundo ao menos para o descrevermos, a Matemática é o principal instrumento que temos, às vezes mesmo o único. A própria beleza, o inefável que tanto seduziu os românticos, os ritmos da poesia e da música, as simetrias e assimetrias, os enquadramentos, as perspectivas, das artes visuais, têm implícitas pautas matemáticas, que nos podem ajudar a compreender como (se não porque) “funciona” a beleza. Hoje, o ensino raramente estimula a curiosidade dos nossos jovens. Limita-se aos imprescindíveis “comos” sem entreabrir a porta também à interrogação, aos “porquês”.

É de um desastre que falamos quando falamos das difi culdades de relacionamento dos nossos jovens com a linguagem Matemática (o mesmo que acontece com idêntica difi culdade com a Língua, que tem raízes exclusão da “linguagem da Língua”, o Latim, dos programas escolares). Um amigo meu, professor de uma Faculdade de Arquitectura, gasta habitualmente as primeiras aulas do curso a… ensinar a tabuada aos seus alunos e a combater o estúpido preconceito que o Secundário neles instilou contra a memorização, como se o conhecimento fosse possível sem memorização.

Sendo embora um observador distante, e apenas curioso, do fenómeno do ensino, julgo que, por razões de bom senso, tanto a Matemática como o Latim, como também a Filosofi a, deveriam fazer obrigatoriamente parte dos curricula escolares durante todo o Secundário. Ora, há uns anos (porque o facilitismo “simplex” não é invenção dos actuais responsáveis do ME), até a Filosofi a se quis excluir, ou limitar a uma situação residual, do ensino. O resultado está à vista: estamos a construir uma sociedade de homens, como diz Drummond, “cortados ao meio”.

Nascido no Sabugal, Beira Alta, em 1943, licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra. Entre 1971 e 2001 foi jornalista do Jornal de Notícias. Actualmente é colunista da revista Visão.O Pequeno Livro da Desmatemática é uma das suas muitas obras. Recebeu vários prémios, tanto nacionais como internacionais.

Crónica

Manuel António Pina

Último dia de provas na primeira fase

Matemática melhor, História com “gaffe”a Para o exame de Matemática A, ontem realizado, estavam inscritos mais 10 mil alunos do que no ano passado, quando foram batido os recordes das notas em exames des-ta disciplina realizados por alunos internos ( aqueles que frequentaram as aulas durante todos o ano lectivo). Tiveram uma média de 14 valores contra 10,6 de 2007 e 8,1 em 2006. As notas deste ano só serão conheci-das a 7 de Julho, mas a avaliar pelos pareceres de professores pode não voltar a repetir-se um milagre desta dimensão.

“Sem ser difícil, não é escandalo-samente fácil, ao contrário da pro-va equivalente de 2008 e da prova do 9º ano” realizada segunda-feira, certifi cou a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), que no entanto acrescenta: “apesar de o exame não ser trivial e testar adequadamente

algumas partes do programa, não nos parece ainda” que tenha o grau de exigência necessário”. Em termos de difi culdade, a Associação de Pro-fessores de Matemática (APM) consi-derou “a prova acessível à generali-dade dos alunos que estudaram ao longo do ano lectivo, mas com um nível de exigência que reclama dos examinandos um trabalho cuidado-so e persistente”. Para o exame de Matemática A, feito por estduantes dos cursos de Ciências e Tecnologias e Ciências Sócio-Económicas, esta-vam inscritos 47 512 alunos. Outros cerca de nove mil inscreveram-se na prova de Matemática B, feita pelos alunos de Artes Visuais

Ontem, último dia da primeira fase dos exames do secundário, a segunda começa a 13 de Julho, foi detectado um erro na prova de História A, para o qual estavam inscritos cerca de 14

mil alunos. No fi m da página seis do exame, feito pelos alunos do 12.º ano, há uma nota de rodapé que informa os alunos sobre quem é Mikhaïl Gor-batchev: “Secretário-Geral do PCUS e dirigente da URSS (1985-2001)”. O er-ro das datas, Gorbatchev foi dirigente até 1991 e não 2001, foi detectado a tempo e os estudantes foram infor-mados antes de inciarem o exame, confi rmou o Ministério da Educação. “Não é um erro, é uma gaff e”, declara Helena Verissimo, presidente da As-sociação de Professores de História, quando questionada pelo PÚBLICO sobre a incorrecção.

Na prova disponibilizada na pági-na electrónica do Gabinete de Avalia-ção Educacional (Gave) pode ler-se: “Nota comunicada pelo Júri Nacio-nal de Exames: Onde se lê ‘(1985-2001)’, deve ler-se ‘(1985-1991)’”. Clara Viana e Bárbara Wong

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Matemática4 • Público • Quarta-feira 24 Junho 2009

Prova 635 Proposta de correcção da APM para Matemática A

A prova de exame enquadra-se nas Informações Exame do GAVE e no programa da disciplina, havendo questões sobre os grandes temas previstos – Probabilidades e Combinatória, Funções e Cálculo Diferencial e Números Complexos.

As questões são diversificadas, envolvendo competências como o raciocínio algébrico, raciocínio demonstrativo, raciocínio geométrico, cálculo algébrico e cálculo de limites. Prevêem-se procedimentos analíticos, mas também recurso a tecnologia.

A prova era realizável no tempo previsto, permitindo, se necessário, uma revisão do trabalho efectuado, como é desejável.

Em termos de dificuldade, a Associação de Professores de Matemática considera a prova acessível à generalidade dos alunos que estudaram ao longo do ano lectivo, mas com um nível de exigência que reclama dos examinandos um trabalho cuidadoso e persistente.

Associação de Professores de Matemática

Comentário da APMAcessível mas exigente

RUI GAUDÊNCIO

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Público • Quarta-feira 24 Junho 2009 • 5

A SPM considera que a prova de exame do 12.º ano de Matemática A que hoje se realizou é mais razoável que a do ano anterior. Sem ser difícil, não é escandalosamente fácil, ao contrário da prova equivalente de 2008 e da prova do 9.º ano ontem realizada.

A parte relativa aos números complexos, que corresponde à matéria leccionada nas últimas semanas de aulas, parece-nos bem concebida. As questões de probabilidades não são difíceis, sem caírem nos excessos de facilidade verificados em 2007 e 2008. A matéria de trigonometria, que é muito importante e cuja inclusão no exame faria subir o seu grau de dificuldade, é tratada marginalmente e vale menos de um valor em 20. A parte de funções tem perguntas razoáveis, mas pouco exigentes no cálculo (predominância de equações lineares). Julgamos que esta parte, em especial, deveria ser muito mais desenvolvida e exigente.

Algumas das questões da prova são rotineiras, por serem

típicas de muitos exames e manuais. A questão 7, por exemplo, relativa à função exponencial, é uma cópia da prova modelo de 1999, exercício 2. O raciocínio dedutivo continua a estar praticamente ausente da prova. Também não nos parece que o número de questões e o seu grau de dificuldade justifiquem uma duração de prova de três horas. É de salientar, no entanto, a rapidez com que o GAVE disponibilizou o enunciado e os critérios de correcção.

Em conclusão, apesar de o exame não ser trivial e testar adequadamente algumas partes do programa, não nos parece ainda que, na sua globalidade, cubra bem as matérias, com o grau de exigência necessário. Um desempenho positivo nesta prova não é ainda garantia de uma preparação adequada à saída do Ensino Secundário e entrada no Superior.

O Gabinete do Ensino Básico e Secundário da Sociedade Portuguesa de Matemática

Parecer da SPMProva é mais razoável que a do ano anterior

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Matemática6 • Público • Quarta-feira 24 Junho 2009

Prova 735 Proposta de correcção da APM para Matemática B

A prova está em conformidade com as informações sobre o exame previamente publicadas pelo GAVE.

Apresenta cinco conjuntos de itens e, de acordo com o tema central do programa “Aplicações e Modelação Matemática”, os itens são de modelação e aparecem contextualizados em situações realistas.

A calculadora gráfica revela-se um instrumento necessário para encontrar respostas às questões postas no enunciado da prova.

Os itens distribuem-se pela Geometria, Modelos de Probabilidade, Movimentos periódicos, Movimentos não lineares, Modelos discretos e Problemas de Optimização, respeitando a distribuição da valorização estipulada nas informações para exame.

Consideramos as questões do teste, de um modo geral, interessantes e bem elaboradas, porque, embora acessíveis, só podem ser resolvidas por quem domina os conceitos.

Consideramos o tempo previsto para a sua realização adequado, permitindo uma resolução cuidadosa de cada uma das questões, embora alguns estudantes a tivessem considerado um pouco longa.

Associação Portuguesa de Matemática

Comentário da APMQuestões interessantes e bem elaboradas

ENRIC VIVES-RUBIO

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Público • Quarta-feira 24 Junho 2009 • 7

A prova não tem incorrecções científicas e contempla bem os diversos tópicos do programa de Matemática B, à excepção da Estatística, que apenas surge numa pergunta trivial de Regressão Linear (questão 2 do grupo II).

O enunciado de algumas questões é desnecessariamente complicado e palavroso: são exemplos o grupo I e o grupo IV. Neste último, à força de se tentar ser preciso, acaba-se por gerar um texto que pode confundir os alunos. A tentativa de encontrar a qualquer preço aplicações da Matemática às chamadas “questões da vida real” tem o seu expoente máximo no grupo II, formado por uma série de questões desconexas.

Muitas questões são excessivamente fáceis: o grupo I está ao nível de um 7º ano de escolaridade e o grupo V poderia ser resolvido razoavelmente no 9º ano. Refira-se que as cotações das questões destes grupos excedem 1/3 do total da prova. É de notar que as sugestões extremamente pormenorizadas ainda contribuem mais para

trivializar algumas questões. Mesmo as perguntas sobre tópicos exclusivamente leccionados no Ensino Secundário são tão elementares que não permitem distinguir os alunos que dominam realmente bem a matéria daqueles que têm apenas os conhecimentos mínimos.

As cotações também nos merecem alguns reparos: não se percebe como é que questões trabalhosas e envolvendo diversos conceitos, como o grupo III (Programação Linear) têm a mesma cotação (20 pontos em 200) que perguntas que se reduzem à mera substituição de valores numa fórmula (questão 2 do grupo V).

O raciocínio dedutivo, mesmo o mais elementar, continua a estar praticamente ausente da prova. Teria sido por exemplo interessante pedir para provar que os dois ângulos assinalados com na figura do grupo V são efectivamente iguais, em vez de o assumir tacitamente.

O Gabinete do Ensino Básico e Secundário da Sociedade Portuguesa de Matemática

Parecer da SPMMuitas questões são excessivamente fáceis

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Matemática8 • Público • Quarta-feira 24 Junho 2009

Exames Alunos do 10º ano fazem prova que em 1983 foi proposto a estudantes do 9º

Eles são bons a Matemática, mas só dois tiveram positivaA falta de calculadora foi fatal. O enunciado também era muito menos palavroso, mas com questões mais difíceis

A turma que respondeu ao desafio do PÚBLICO e, em baixo, lado a lado, início das provas de 1983 e de 2008

Clara Viana

a Mauro está sentado a meio da sala e percebe-se que quer arrumar o as-sunto. Está há mais de uma hora na aula, já fez uma prova e agora tem os jornalistas do PÚBLICO a perguntar como correu. “Se tivesse sido este o exame do ano passado, eu tinha chumbado”, diz, lapidar, entre aplau-sos e alguns apupos. Ele faz parte de uma turma do 10º ano da escola se-cundária Pedro Nunes, em Lisboa, que, respondendo a um desafi o do PÚBLICO, embarcou no passado dia 5 numa curta viagem ao passado, re-alizando um exame que foi feito por estudantes que frequentavam o 9º ano em 1983, nas mesmas condições de então. Ou seja, e sobretudo, sem recurso a máquina calculadora.

Algumas horas depois, eram co-nhecidos os resultados. Mauro, que é um aluno de oito, tinha acertado no comentário. Entre os 18 que fi zeram a prova que há mais de um quarto de século foi realizada pela geração dos que hoje já podiam ser seus pais, só dois obtiveram positiva (um com 10, outro com 11); quatro fi caram-se pela nota mais baixa, 1; as classifi cações 2, 4,5 e 7 foram repartidas aos pares; e houve um com 3, outro com 8 e mais um com 9, comunicou ao PÚBLICO o seu professor de Matemática, Carlos Grosso, que corrigiu as provas, e frisa o seguinte: “Estes alunos pertencem a uma turma com bom aproveitamen-to a Matemática, como classifi cações a variar no intervalo de 7 a 19 e média global de 12,2”.

Voluntários “à força”Apesar disso, os resultados não o sur-preenderam: “Não estava à espera de muito mais”. “O tipo de questões é de difi culdade superior às que se colocam actualmente”, mas também porque eles se empenharam menos do que nos testes: “sabiam que os re-sultados obtidos nesta prova não têm qualquer interferência na avaliação fi nal da disciplina de Matemática”.

Ao contrário do que costuma ser o sentimento geral, quase todos eles gostam de Matemática. Por isso, quando o professor os convidou a fazer a experiência na penúltima aula antes das férias de Verão, a maioria aceitou. Carlos Grosso resume assim a iniciativa: foi uma prova “realiza-da a título de curiosidade”. “Fomos voluntários à força”, brinca Patrícia,

uma aluna de 17 valores, que repete: “Não tem comparação possível com o exame que fi z no 9º ano”. O 9º foi a fronteira que a maioria atravessou, com sucesso, no ano passado, em que 44,9 por cento dos alunos inscritos a nível nacional tiveram negativa no exame de Matemática.

O que é que os “tramou” então? A ausência da calculadora afectou-os a todos – “muitos de nós utilizamo-la até para as operações mais simples, do género 2x2”, admite Bruno, tam-bém ele um aluno de 17, que acabou por só fazer a pergunta de Geome-tria. Na altura esperava-se um domí-nio das técnicas de cálculo que não se compadece com o que aconteceu entretanto – estas “praticamente de-sapareceram devido à utilização da calculadora”, explica Grosso.

Também não estão habituados à “extensão de procedimentos inter-médios que algumas das questões apresentadas envolvem antes de se chegar à solução”. Tendencialmente, quantos mais passos intermédios tem uma questão, mais difícil esta é. Com uma agravante de peso: “regra geral, qualquer falha nestes passos tem con-sequências graves quanto à solução pretendida”, acrescenta.

Desta forma avalia-se também a “ca-pacidade de concentração”. É do que se queixa, sobretudo, Pedro. Apesar de ser um aluno de 19 valores, defi -ne-se como fazendo parte do grupo cada vez mais numeroso dos que têm difi culdades em focar a atenção por períodos longos. Mesmo assim res-pondeu a quase tudo. “Também foi difícil porque não tem nada a ver com aquilo a que estamos habituados, em exames ou testes”, acrescenta.

De três para 13 páginasHá uma perplexidade que se adivi-nha neles. O exame do 9º ano que fi zeram em 2008 tinha um enunciado que se estendia por 13 páginas; o de 1983 cabe em três. É outra coisa a que não estão habituados, a estes “enun-ciados enxutos”, que vão directos ao assunto, constata o seu professor. O que não quer dizer que as questões apresentadas sejam mais fáceis, frisa (ver caixa). Já Miguel não se queixa tanto das diferenças como das seme-lhanças. No geral, os conteúdos do programa de então eram similares aos de hoje e ele apagou: “Já não me lembro bem do que dei no 9º ano”.

Esta proximidade de conteúdos pe-

sou na escolha da prova que lhes foi proposta. Grosso fez o exame equi-valente ao do 9º ano em 1977. O desa-fi o inicial proposto pelo PÚBLICO era que levar os seus alunos mais atrás, mas a resposta veio rápida: “As pro-vas da década de 70 são demasiado difíceis”. Mesmo nos anos seguintes ao 25 de Abril, tidos como de absolu-ta confusão nas escolas? “A confusão

existia, mas o nível de exigência dos exames levou anos a baixar”, diz.

Primeiro estes acabaram por de-saparecer de vez,logo após 1983, na sequência de um despacho do então ministro Fraústo da Silva, era Pinto Balsemão primeiro-ministro. Regres-saram ao sistema de ensino em 1993, para o 12º ano, e a partir de 2005 tor-naram-se também obrigatórios para

a conclusão da escolaridade obri-gatória.Para os estudantes que em 1983 realizaram a prova proposta aos alunos do Pedro Nunes, esta já fi cara para trás há três anos. A escola obri-gatória acabava então aos 12 anos, no 6º ano. Ainda hoje, as habilitações escolares de quase metade da popu-lação activa portuguesa não excede o segundo ciclo do ensino básico.

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Público • Quarta-feira 24 Junho 2009 • 9

RUI GAUDÊNCIO

“A capacidade de interpretar enunciados é diversa da capacidade de dominar as ferramentas matemáticas”, lembra o professor Carlos Grosso. Antes privilegiavam-se estas, mas actualmente “tem-se assistido a uma maior incidência na contextualização das questões, com enunciados por vezes bastante longos mas que, em geral, ao serem traduzidos para linguagem matemática resultam numa questão matemática de resolução simples e com poucos passos intermédios”, acrescenta.

Os seus alunos já lhe conhecem a crítica e alguns dos que estão por perto antecipam o fim da anedota de que ele se socorre de novo, desta vez para ilustrar para o PÚBLICO algumas das consequências dos “enunciados muitos contextualizados” agora em voga.” Há a tendência para envolver “o João e a Maria” nas diversas situações apresentadas.

E esta insistência faz lembrar aquela anedota em que um pai pergunta ao filho: ‘Se tiveres 12 maçãs e comeres quatro, com quantas ficas?’. Ao que o filho responde: ‘Não sei. Lá na escola

só resolvemos problemas com laranjas’”

Grosso não menospreza a importância, para a aprendizagem, do recurso a situações concretas. Diz que estas são “muito importantes na introdução dos assuntos, que devem “ter primazia nos primeiros anos de escolaridade”, mas defende que “à medida que se vai avançando na idade e no percurso escolar deve-ir ir aumentando a exploração do raciocínio abstracto”. “A excessiva contextualização dos exercícios propostos pode ser um factor tendencialmente nefasto para o desenvolvimento da abstracção, que é um dos pilares fundamentais da Matemática”.

Perdê-la pode significar, por exemplo, não ser capaz de se chegar à “essência do conceito do número“ e deixar assim para trás um dos atributos dos humanos: “A capacidade que os seres humanos têm para compreender o número 3 como uma pura abstracção é excepcional no universo dos seres vivos conhecidos. Não são 3 laranjas, nem 3 biscoitos, nem 3 moedas de ouro, nem 3 desejos, mas é tudo isso simultaneamente.” C.V.

Maçãs e laranjasAbstracção está a ser posta em causa

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Matemática10 • Público • Quarta-feira 24 Junho 2009

Balanço Três anos depois, o que mudou e vai mudar por causa do PAM

Plano de Acção para a Matemática é “uma boa ideia” que deixa um “amargo de boca”Nos próximos três anos, as crianças vão iniciar a escolaridade em condições excepcionais em relação às gerações anteriores. Mas isso signifi ca precisamente o quê?

Graça Barbosa Ribeiro

a Divididos em grupos, os meninos do 1º ano da Escola EB1 do Castelo, em Vila Viçosa, visitam as salas dos colegas mais velhos e verifi cam quan-tos usam óculos. Feitas as contagens regressam à respectiva sala de aula, onde os esperam duas professoras. Comparam dados, organizam-nos, constroem gráfi cos, lêem-nos... Estão a aprender os rudimentos de estatísti-ca, que até agora só eram abordados no 5º ano de escolaridade. Estarão, também, no caminho certo para se-rem melhores a Matemática dos que os da geração anterior? Há quem diga que sim e quem tema que não. Ou, pelo menos, quem fi que com “um amargo de boca”.

Para já, a turma da EB1 do Caste-lo é excepção – trata-se de uma das chamadas turmas-piloto. É formada por apenas 18 alunos, tem dois pro-fessores que acabam de receber dois anos de formação contínua, materiais pedagógicos a estrear e um progra-ma de Matemática reformulado, que promove uma melhor ligação entre ciclos e aponta para um maior envol-vimento das crianças no processo de aprendizagem.

Acontece que, ao longo dos pró-ximos dois anos, a tendência é para que aquelas condições, agora excep-cionais, se generalizem. “Como em relação há dez anos, daqui a outros dez todos saberão mais e gostarão mais de Matemática”, assegura Ale-xandra Pinheiro, da Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Cur-ricular (DGIDC).

O investimento deste Ministério da Educação (ME) tem, declaradamente, um objectivo ainda mais ambicioso do que o citado: “promover o sucesso na disciplina” num país em que, tem de-nunciado a ministra Maria de Lurdes Rodrigues, os maus resultados eram recebidos com “um imobilismo fata-lista”. Em contracorrente, como fez questão de realçar, o Governo lançou, em 2006, o Plano de Acção para a Ma-temática (PAM), que agora termina.

Aquele consta de seis acções, entre as quais se encontram a reformula-ção do programa da disciplina para o Ensino Básico, este ano testado em 40 turmas do 1º, 3º, 5º e 7º anos; a formação contínua daqueles que o hão-de aplicar (que já terá abran-gido 15000 professores (mais de 40 por cento) do 1º ciclo e 2700 do 2º ciclo; e o Plano da Matemática (PA). Trata-se, este, de um plano de apoio para os 2º e 3º ciclos que, segundo o ME, nestes três anos mobilizou cerca de nove milhões de euros em 97 por cento das escolas do 2º e 3º ciclos, que desenvolveram projectos de pro-moção da disciplina, cuja carga ho-rária aumentou graças à utilização de espaços que estavam destinados a Área de Projecto e a Estudo Acom-panhado.

concretos: nenhuns”, denuncia Nuno Crato, da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPA).

O Governo tem valorizado o au-mento da percentagem de positivas nas provas de aferição e nos exames do 9º ano. E, recentemente, a res-ponsável pela DGCI, Joana Brocardo, citou o resultado da análise feita por instituições do ensino superior que acompanham a formação contínua dos professores, dizendo que os alu-nos dos docentes que dela benefi cia-ram melhoraram os resultados esco-lares em cerca de 25 por cento.

O que faz faltaNuno Crato não vê utilidade naqueles números, já que, denuncia, “o tipo de prova varia todos os anos” e “o Mi-nistério recusa-se a revelar dados que permitam uma avaliação externa do PAM”. Por esta razão, diz que “é im-possível” prever que impacte terá o facto de, a partir do próximo ano lec-tivo, as crianças a partir dos seis anos poderem benefi ciar, em simultâneo, da implementação do novo programa (a que se candidataram cerca de 400 escolas) e da promoção de projectos no âmbito do PA (cujo concurso de-corre até fi nal do mês). “O PAM é, sem dúvida, uma boa ideia, mas sem uma avaliação externa é impossível responder”, mantém.

Conceição Roque, professora do 1º ano da EB1 do Castelo, que tem 23 anos de serviço, está encantada com a experiência que vive por dentro. “Cresceram tanto, estes meninos! Fa-zem cálculos mentais com números até cem quando, até agora, no 1º ano só ensinávamos, no máximo, até ao 30…”, exemplifi ca.

Sobre o que se passou nas outras escolas é prudente. Diz que nas reu-niões sobre a implementação do programa se apercebeu de que “no 1º ano as coisas correram melhor” do que no 3º ano (“em que se terá verifi cado “falta de tempo”) e no 2º e 3º ciclos (“em que foi difícil pôr as crianças a trabalhar em grupo”).

Acrescenta que, para que se ge-neralize o êxito do trabalho que se verifi cou na sua escola, “há dois as-pectos essenciais”: que todos os pro-fessores tenham acesso à formação contínua orientada para aplicação do novo programa; e que haja um segundo professor na sala, “indis-pensável à nova forma de condução das aulas e ao apoio individualizado aos alunos”.

Edite Santos, coordenadora de Es-cola do PA no agrupamento de Santa Comba Dão, tem reservas semelhan-tes. “No terreno, as coisas nunca são como idealizamos”, diz. “Quando ob-tivemos fi nanciamento para materiais

pedagógicos, precisávamos não só de quadros interactivos mas dos tra-dicionais, onde há anos não conse-guíamos escrever”; “o apoio de uma segunda professora em sala de aula nem sempre foi possível e, quando aconteceu, foi dado por professores mais velhos, que ajudavam, contra-ditoriamente, usando a componen-te não lectiva do seu horário”; “e as vagas nos cursos de formação estão longe de corresponderem às necessi-dades e à procura”, enumera.

Aquela professora lamenta também não se ter apercebido, no anúncio do PAM II, das mudanças sugeridas ao PA nos relatórios semestrais, que en-viou nos últimos três anos. Entre elas o desdobramento das turmas (como em Ciências da Natureza e Físico-Química); a atribuição de dois pro-fessores a tempo inteiro (como em Educação Visual e Tecnológica); e o reforço do investimento para aquisi-ção de material pedagógico. Também gostaria de conhecer a avaliação na-cional do trabalho feito.

“Conclusão: o PA e o PAM são, com certeza, positivos e o alargamento ao 1º ciclo é benéfi co. Mas por que há-de ser sempre assim? Por que não pode-mos fazer melhor quando bastava tão pouco para que assim acontecesse? Há-de fi car sempre este “amargo de boca”, diz.

No próximo ano lectivo, o Plano vai ser alargado ao primeiro cicloENRIC-VIVES RUBIO

“Cresceram tanto, estes meninos! Fazem cálculos mentais com números até cem quando,até agora, no 1º ano só ensinávamos, no máximo,até ao 30…”

Recentemente, ainda com as acti-vidades lectivas em curso, o Gover-no anunciou o PAM II e o respectivo alargamento ao 1º ciclo. Argumento do ME: “Os balanços intercalares que têm sido feitos dão conta do impac-to positivo” daquele plano “quer ao nível das práticas lectivas, quer do trabalho entre professores”. “Dados

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Público • Quarta-feira 24 Junho 2009 • 11

Os alunos que este ano fizeram as provas de aferição estavam menos bem preparados para responder ao teste de Matemática do que os do ano passado, prova o aumento de desempenhos negativos no 4.º e no 6.º ano. Ainda não se conhecem os resultados dos exames nacionais do 3.º ciclo e do secundário, feitos esta semana, mas sabe-se que 2008 correu bem aos finalistas dos dois ciclos, com a maioria a chegar à positiva.

As provas são mais fáceis ou os alunos estão mais bem preparados para responder? As opiniões divergem sempre, mesmo entre os professores da disciplina, como se pode ver pelos comentários que a associação e a sociedade de Matemática fazem (ver textos nestas páginas).

Em 2007, pela primeira vez em dez anos, os alunos do secundário internos, que frequentaram a disciplina e foram a exame, conseguiram média positiva, apesar de ser à tangente; o ano passado esta média subiu ligeiramente para os 11,4 valores,

a Matemática A, a prova com mais alunos inscritos. Quanto ao 9.º ano, para o qual as notas dos exames contam 30 por cento da avaliação global, em 2007 sete em cada dez alunos tinha tido negativa; mas no ano seguinte esse valor desceu para44,9 por cento de 1 e 2, numa escala de 1 a 5.

Há um ano, os alunos do 4.º e do 6.º anos também foram notícia porque os seus resultados nas provas de aferição, que não contam para nota mas servem para aferir os seus conhecimentos, reduziram os desempenhos negativos. De 20 para nove por cento, no 4.º ano; e de 41 para 18 por cento no 6.º. No entanto, este ano as negativas subiram mais de dois por cento em ambos os anos escolares.

Os resultados internacionais revelam que o Portugal se encontra a meio da tabela do estudo da OCDE que avalia as competências matemáticas dos estudantes de 15 anos, o PISA. No último estudo, de 2006, o país tinha precisamente a mesma avaliação que em 2003. B.W.

Insucesso a Matemática é nos primeiros anosMelhores no 3.º ciclo do básico e no secundário

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Radiografia dos resultados a Matemática

Nas primeiras provas nacionais que fazem, a maioria dos alunostem positiva...

Portugal comparado com outros:Melhor do que Itália, pior que a Finlândia

... no exame do 9.º anoas notas têm subido...

... mas é no secundário que asmelhorias são mais visíveis

Provas aferidas do 4.º ano Provas aferidas do 6.º ano

Positiva

Negativa

200920082007

200820072006

200920082007

Nota: as provas aferidas não chumbam nem contam para avaliação; são feitas a nível nacional

Nota: média dos alunos que foram a exame do secundário na 1.ª fase,numa escala de zero a 20 valores

57. Quirguízia

56. Qatar

55. Tunísia

39. Grécia

38. Itália

37. Portugal

4. Coreia

3. Hong Kong

2. Finlândia

1. Taiwan

Nota: Pontuação dos alunos obtida nos testesque avaliam a literacia matemática dos jovensde 15 anos de 57 países (Program forInternational Students Assessment, 2006)

em%

14,6

64,073,0

44,9

41,0

18,3 20,0

84,9

8,8

90,8

11,0

89,0

36,0 27,0 55,1

58,9 81,8 79,0

200820072006

7,39,4

11,4

Classificação médiano exame

(...)

(...)

549

548

547

547

466

462

459

365

318

311

FONTE: Ministério da Educação

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Matemática12 • Público • Quarta-feira 24 Junho 2009

Balanço O Plano de Acção para a Matemática visto a partir das escolas

“O pior inimigo da escola é o abandono escolar”A EB 2,3 de Miragaia, no centro do Porto, é das piores a Matemática. Mas isto pouco diz sobre a efi cácia de uma escola cujos alunos são os fi lhos das mães solteiras, dos presos por tráfi co, dos dependentes do RSI.

a Se pegássemos nos resultados dos exames nacionais de Matemática para avaliar o desempenho da EB2,3 de Miragaia, no centro histórico do Porto, a escola sairia imediatamente chumbada, já que, nos dois últimos anos, os seus alunos estiveram entre os piores classifi cados no ranking nacional. Nada mais injusto. Porque esta escola lida com uma realidade que as estatísticas não conseguem traduzir – a do centro histórico do Porto, pobre e analfabeto.

Os alunos que acolhe são os fi lhos dos detidos por tráfi co, os fi lhos das mães solteiras e dos pais incógnitos, dos que dependem do Rendimento Social de Inserção (RSI) para sobreviver. São miúdos que nunca puseram um pé em Serralves, se não aconteceu a escola levá-los, e que sabem, de ouvir falar em casa, quem matou quem na noite do Porto e quem vai a seguir. Em muitos casos, a matéria dos sonhos passa por integrar a claque Super Dragões e aparecer durante alguns minutos numa televisão a matraquear em directo o seu apego incondicional ao clube.

Nesta escola, integrada no Programa dos Territórios Educativos de ntervenção Prioritária (TEIP) um professor sente-se realizado quando consegue impedir um dos seus alunos de a abandonar. Claro que manter preso à escola quem não se sente com vocação para estudar tem inconvenientes. Por exemplo: os maus resultados nos exames nacionais. “Quando procura combater o abandono – e o relatório de avaliação externa deste agrupamento dá o abandono como erradicado – tem de aceitar que o insucesso vai aumentar”, conforma-se Eugénia Mota, presidente do conselho executivo da escola.

Voz pausada, numa sala marcada por um constante vaivém dos professores e onde o telefone raramente se cala, a responsável da escola recorre a uma metáfora para relativizar os maus resultados da escola nos exames nacionais. “É um mal necessário, assim como a queda de cabelo num tratamento de quimioterapia”. Dito de outro modo: “O abandono escolar é o nosso principal inimigo. Ao procurarmos combatê-lo, temos que aceitar que fi caremos com mais insucesso e mais indisciplina”.

A resignação é só aparente. Todos

os anos Eugénia Mota renova a expectativa de ver os seus alunos fazer melhor fi gura no retrato nacional. Em 2007, os 41 alunos da escola obtiveram uma média de 1.27. No ano seguinte, os 18 alunos melhoraram umas décimas para os 1.78 de classifi cação média. Já iremos às estratégias entretanto adoptadas. Confrontemos por enquanto alguns dos 34 alunos que se preparam para os exames deste ano com as más notas à disciplina.

– Acho que este ano vão melhorar. No teste intermédio já houve mais do que uma positiva, não foi professora?, dispara uma aluna.

A professora – de Matemática – confi rma que sim. No último teste intermédio, a turma obteve quatro positivas. No anterior, tudo negativas. E não resiste a uma ligeira admoestação:

– Poucos fazem os trabalhos de casa, não é meninos?

– Eu desta vez esforcei-me e tirei quarenta e nove. No outro tinha tido zero – discorda outra aluna.

– É muita brincadeira nas aulas – reconhece, por seu turno, um rapaz. Logo outro, repetente nesta questão dos exames nacionais, nota que estes deviam abarcar apenas matéria do 9.º ano. Mas garante:

– Desta vez vamos tirar melhores notas. A professora vai ver.

Acompanhamento falhaDeixada a aula para trás, Eugénia Mota desafi a a acústica dos corredores para explicar que há questões culturais que ajudam a que estes miúdos minimizem a importância das notas. “Há uma atitude defensiva do género ‘não somos betos’. E isso transforma o mau desempenho em motivo quase de congratulação”, interpreta, empenhada em pôr as notas a pesar na auto-estima dos miúdos. “Eles são capazes do melhor quando se empenham”, justifi ca. “Temos neles amigos para toda a vida”.

No universo de 800 alunos da escola, cerca de 400 provêm de famílias que vivem do RSI. “Para estas famílias ter os fi lhos numa escola é um requisito para aceder ao subsídio. Portanto, matriculá-los é fundamental, o acompanhamento depois é que falha”. E falha também porque, por pior que estejam na aprendizagem, a maior parte destes alunos é mais escolarizada que os pais. “Muitas vezes, os contactos do director de turma não passam, desde logo, o crivo da descodifi cação”, enfatiza.

A pensar nestes pais, a escola abriu este ano lectivo uma turma de alfabetização de adultos que

rapidamente se desdobrou em quatro. “Alguns pais dos nossos alunos andam cá”. Aos que se matricularam não deverá acontecer o mesmo que àquele encarregado de educação que, quando foi à escola, descobriu que andara sem saber a justifi car as faltas do fi lho. Mas há histórias piores. “Mães que saem de casa às seis de manhã e até têm o cuidado de deixar o fi lho acordado mas depois não têm como controlar a que horas eles saem”. Alguns saem à hora de almoço. “Aparecem na escola para comer”. E faltam. “Faltam quando o [FC] Porto ganha, faltam porque lhes apeteceu fi car a dormir... A escola sofre muito deste absentismo difuso”.

Sofre com as gravidezes adolescentes também. “Em seis anos que cá estou, já sou avó de oito”, conta Eugénia Mota. Já foi pior. Este ano lectivo, a escola deitou mão aos recursos previstos no Plano Nacional Para a Matemática e criou assessorias à disciplina nos 6.º e 9.º anos. “Temos dois professores em simultâneo nas turmas onde há mais difi culdades”, explica. Os tempos lectivos a Português e a Matemática para os alunos do 9.º ano também foram reforçados. “Passaram a ter mais cinco tempos lectivos, com aulas sujeitas à marcação de faltas”.

Num universo cujo arco etário vai dos nove aos 19, a escola criou ainda um gabinete de acção preceptorial, à luz do qual alguns alunos do 3.º ciclo com desempenho razoável são chamados a acompanhar alunos do 2.º ciclo com mais difi culdades. “Têm de os ajudar a fazer os trabalhos de casa, confi rmar se têm os cadernos em ordem...”. E a escola consegue motivá-los? “O prémio para o melhor par é um computador e isso é motivo sufi ciente”. De caminho, diminuiu-se o bullying. “A decalage etária propicia o safanão, o ultrapassar na fi la. E este acompanhar dos mais pequenos por parte dos mais velhos ajuda nisso também”.

Receitas mágicas, “não há”, diz Eugénia Mota. Melhorias lentas, algumas. “O agrupamento tem feito um percurso de recuperação de resultados no 1.º e 2.º ciclos, mas ainda não conseguimos encontrar saída para os resultados do 3.º ciclo, que é onde está o nó górdio”. Ou estava, segundo garantem os alunos que este ano vão a exame. “Andam a dizer que vou ter que lhes pagar um jantar por causa das boas notas que vão tirar”, brinca Eugénia Mota. A fazer fi gas para que a ameaça se concretize.

Natália Faria

Reportagem

“Desta vez vamos tirar melhores notas. A professora vai ver”

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Público • Quarta-feira 24 Junho 2009 • 13

ADRIANO MIRANDA

“As notas são como as omeletas: dependem da qualidade dos ovos”

a As notas dos alunos são como a culinária: mesmo que se use sempre a mesma receita a qualidade dos ingredientes é determinante. A opinião é dos professores da Escola Secundária Augusto Cabrita, no Barreiro, – o estabelecimento do país que registou a maior subida nas notas do exame de Matemática do 9.º ano. Em 2007, tiveram uma média de apenas 1,4 e no ano seguinte 2,8 (numa escala de zero a cinco). Contudo, os professores asseguram que utilizaram a mesma receita e que só a qualidade dos ingredientes variou. Para 2009, esperam novas difi culdades na cozedura das notas, pois a colheita deste ano ferve em pouca água, apesar de os chefes de cozinha serem os mesmos.

O cenário azedo é traçado numa reunião do Plano de Acção para a Matemática em que os professorem abriram as portas ao PÚBLICO. Os docentes da disciplina dividem-se sobre a infl uência do projecto nas notas. Isto porque, explicam, é ainda prematuro avaliar os resultados das acções que desenvolveram nas aulas de estudo acompanhado e nas aulas de apoio. No dia-a-dia não houve mudanças signifi cativas, apesar de acreditarem que as suas investidas estão a marinar. O principal problema são as bases, insistem, e que fazem os resultados oscilar.

Problema é a indisciplinaSentados à volta de uma mesa rectangular, numa sala onde a idade não teve qualquer misericórdia ao deixar as suas marcas, olham com orgulho para os dossiers que desenvolveram: exercícios com as matérias mais difíceis e outros para fugir à rotina das aulas, trazendo a Matemática para coisas mais palpáveis.

É Margarida Ribeiro, coordenadora do plano na escola, quem rompe o silêncio: “Atenção que muitas destas coisas nós já fazíamos. Veja-se este dossier em que acompanhávamos as notas dos alunos de uns anos para os outros e de período para período. O plano só veio sistematizar”. Sistematizar e decorar a escola com alguns ícones da modernidade: quadros brancos, projectores e quadros interactivos que dão um ar da sua graça nas paredes amarelecidas, mas que são materiais pouco aproveitados numa escola onde a indisciplina se encontra em doses demasiado elevadas. “Tudo o que eles [Ministério da Educação] dizem que é um caso isolado não é a grande maioria dos alunos, mas não são casos tão isolados quanto isso”, assevera a docente.

O que falha então numa escola que trabalha, mas cujos resultados parecem uma balança mal calibrada? “Enquanto não

houver respeito dos pais pela escola é muito difícil motivar os alunos”, afi rma Margarida Ribeiro. E sublinha: “As notas dos alunos são como as omeletas: dependem da qualidade dos ovos”. “Os alunos não sabem distinguir as regras da escola das de casa”, acrescenta Helena Pimenta, coordenadora do grupo de recrutamento.

“Este tipo de planos só dão resultado a médio prazo. Há uma carência de bases muito grande e não vamos conseguir curar uma pneumonia com uma aspirina”, remata José Carlos Sousa. Por seu lado, Jéssica Nova defende que “falta trabalho autónomo”. Para José Correia “se fossem estimulados mais cedo era melhor”. Por último, Ana Canas lamenta que nas aulas “tudo tenha de ser divertido”.

Os docentes atropelam-se e desdobram-se em lamentações – muitas delas que nada têm que ver com a matéria propriamente dita mas com disciplina, cuja falta boicota a partilha de conhecimentos. “Há muita difi culdade em penalizar e impor regras”, exemplifi ca Helena Pimenta. José Carlos Sousa vai mais longe e disseca a sociedade: “Os tempos que atravessamos são muito acelerados e na Matemática é preciso tempo. Não se aprende e não se superam difi culdades se não estudarmos sozinhos”. Sobre o “antigamente”, afi rma que não era necessário estar sempre a impor regras. “Nós tínhamos polícias dentro da cabeça”, ironiza.

Uma opinião partilhada por alguns dos alunos do 9.º ano ouvidos pelo PÚBLICO. Pedro tem 15 anos e é aluno de cinco. A paixão pela Matemática nasceu logo no primeiro ano, altura em que a adoptou “como um hobby”.

Diz que “a maioria dos alunos não se esforça, simplesmente por que não quer”. Enquanto mexe nervosamente as mãos em cima de uma capa de desenhos aproveita para dizer que a menina dos seus olhos é a Geometria Descritiva. Sobre a professora Margarida Ribeiro ser demasiado rígida, avança em sua defesa: “Uma professora rígida é alguém que se preocupa connosco”.

Falta de atençãoPelo que Andreia se apercebeu

“há muita gente que não consegue fazer as coisas por falta de atenção”. Sobre o plano da Matemática garante que está a ajudar os mais fracos. “Então não viram que a rapariga que se senta ao meu lado agora já faz muita coisa sozinha e pede ajuda desde que vai às aulas de apoio?”, pergunta aos colegas. Porém, reconhece que o comportamento é um bloqueio: “A se´tora explicou que só usávamos quadro interactivo quando nos portássemos melhor. Ela diz que quem não quer aprender ao menos que vá lá aprender a ser uma pessoa civilizada”. Por seu lado, Catarina considera a matéria “um desafi o”, mas admite fazer exercícios em casa para treinar.

Do lado dos “opositores” à Matemática e à professora estão Diogo e Ruben, ambos com nota negativa. Diogo explica (nos poucos minutos em que se abstraiu do telemóvel escondido debaixo da mesa) que começou a perder-se “nas equações” e que não faz trabalhos de casa. “Se não sei, não vou fazer, né?”, questiona. “Eu simplesmente não gosto da prof e não me interessei, não estudei nada e não peguei em nada”, assume Ruben, que encolhe os ombros ao criticar a “rigidez” de Margarida.

É com esta realidade que as estatísticas não mostram que Margarida Ribeiro tem de viver diariamente e onde até os jogos da calculadora gráfi ca servem de pretexto de distracção para os alunos. Mas nada lhe retira a fi rmeza, auxiliada pela bata branca que todos os docentes desta disciplina envergam e que lhes confere o ar asséptico e grave dos hospitais. “O meu contentamento este ano é que ao menos já estão sossegados dentro da sala”, afi rma ao mesmo tempo que suspira e que fi xa os olhos azuis líquidos num ponto indeterminado. “Os alunos começam a não perceber algumas coisas logo nos anos iniciais e acham que não vale a pena esforçarem-se. Uma ideia que é muito difícil de inverter, pois começam a entrar num processo de raiva e de rejeição absoluta”, conta.

Sobre o futuro destes alunos e como vão enfrentar o secundário e o mercado de trabalho sorri e diz: “Não cabe aos professores e aos orientadores escolares tirar os sonhos. Não é um papel que se deva ter. Quem sabe, a maturidade venha ajudá-los a recuperar”.

Romana Borja-Santos

Reportagem

“Este tipo de planos só dão resultado a médio prazo. Não se cura uma pneumonia com uma aspirina”

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Matemática14 • Público • Quarta-feira 24 Junho 2009

Entrevista Maria Dulce Gonçalves, especialista em difi culdades de aprendizagem

“Ministros, pais e alunos não devem tolerar a mediocridade”Por vezes, os problemas a matemática ultrapassam a disciplina e têm a ver com a auto-estima do aluno, defende esta psicóloga

Bárbara Wong

a Confessa que não sabe falar da matemática como um matemático. Nem podia, Maria Dulce Gonçalves é professora e investigadora na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, na Universidade de Lisboa e trabalha com crianças e jovens com difi culdades de aprendizagem no Centro de Psicologia Clínica Educacional de Lisboa. Sobre os problemas dos estudantes com a matemática defende que a família pode ajudar, transmitindo confi ança e ensinando os fi lhos a lidar com a frustração. Na escola, é preciso trabalhar de maneira diferenciada. Onde é que começam os problemas com a matemática? Os problemas começam precisamente por não haver problemas! Em si mesma, a matemática faz apelo à estimulação cognitiva. Falamos dos problemas da matemática para fazer diagnósticos negativos, como se houvesse alunos livres de problemas e que a matemática é um problema só para alguns. A forma como cada um se confronta com os mesmos é que é diferente. Devíamos gerar, desde a mais tenra idade, uma atitude de curiosidade.Como? Mudando as concepções parentais sobre o que é um problema. O que preocupa os pais não é o confronto dos fi lhos com os problemas, mas o modo como os superam. Lidar com os problemas pode ser ensinado desde cedo, por exemplo através de jogos. A criança aprende as regras, a superar e a lidar com a frustração ao perder. Os pais devem ajudar os fi lhos a superar os problemas?Quando sentem que perante um problema o fi lho está em difi culdade, não devem substituir-se a ele, mas sugerir formas de lidar com o mesmo. A forma mais básica é dar-lhe confi ança: “Eu acredito que vais ser capaz.” As componentes emocionais como a auto-estima, a auto-efi cácia e o auto-conceito são muito importantes. Quer dizer que as difi culdades estão para além da resolução de problemas? Muitas vezes olhamos para os problemas da matemática como

sendo só lógico-matemáticos, mas muitos problemas são de atitude. Nalguns casos, os alunos não têm parceiros ou grupos que os motivem para a matemática. É mais fácil aprender quando temos suporte social. E também quando os outros dão o exemplo?Quantos fi lhos vêem os pais resolver problemas matemáticos? Os pais podem fazer cálculos ou jogar. Com crianças muito pequenas é possível fazer somas e subtracções sem usar algarismos.Quando agrupamos objectos, estamos a treinar competências para preparar a introdução de algarismos e das operações. Pensar exige tempo, vivemos numa cultura de grande imediatismo e quando o fi lho dá uma resposta correcta é mais confortável.Mas a criança pode responder correctamente sem perceber o que diz?Sim, essa resposta pode não corresponder a um processo mental óptimo, mas automatizado. Por isso, os pais podem convidar a criança a rever a resposta, a refl ectir. Se quisermos entender porque é que uma criança está a cometer um determinado erro: demora tempo a perceber o que é que podemos fazer e exige observação, alguma formação teórica, mas também sensibilidade. Se o pai censura a resposta, aumenta a probabilidade da criança não deixar ver como e o que pensou para chegar à resposta errada. Não sugiro que aplaudamos os erros, mas podemos devolver com outra pergunta para observarmos o processo mental. A ministra defende que os pais não devem ser tolerantes com os maus resultados a matemática. Concorda?Os ministros, os pais e os alunos não devem ser tolerantes com a mediocridade. Devemos ter uma cultura orientada para a evolução e melhoria contínua. Não devemos tolerar que as coisas permaneçam iguais ao longo do tempo. Mas a ministra, como os pais, tem que perceber que as crianças estão a mudar e, em alguns aspectos, de forma mais rápida do que o sistema educativo. No caso da matemática, muitas vezes têm que desconstruir esse processo. Os pais não devem

da Educação relativamente às provas de aferição e exames nacionais?Eu prefi ro pensar menos em sucesso e insucesso, e mais em problemas e difi culdades. O insucesso dos alunos pode gerir-se nos bastidores. Tenho a certeza que o ano passado as provas de aferição eram mais fáceis, porque trabalho com crianças com difi culdades de aprendizagem, casos complicados de insucesso repetido ao longo do tempo e alguns tinham a expectativa de ter maus resultados porque sabiam das suas insufi ciências, e tiveram positiva Não sei analisar as provas do ponto de vista matemático, mas penso que é preciso criar condições para que todos os anos as provas sejam moderadamente mais difíceis do que no ano anterior.Os professores preparam os alunos para responder às provas nacionais, através da realização de testes semelhantes. Concorda?Esse é um problema. Nas provas de aferição, pode ser enganador quando treinamos os alunos para responder à prova; ou quando dispensamos alguns. Precisamos de todos e temos que ter consciência que vamos ter todos os tipos de resultados. Não é defeito nem dos professores, nem dos alunos. Os resultados devem prolongar-se ao longo de uma curva normal, de um extremo ao outro, porque o ensino é universal e obrigatório. As difi culdades são fáceis de ignorar se os que não estão a aprender abandonam o sistema educativo. Se estão todos na escola, vai haver todos os tipos de resultados. Uma escola que sobe no ranking, é bem vista; a que desce, mas onde os alunos melhoraram os seus resultados devia ser premiada. Precisamos de professores a investir nos alunos com maus resultados. Em termos

de psicologia, se punirmos o insucesso, a desistência acontece, por isso, é preciso dar suporte para que o aluno seja implicado na sua melhoria.E nos exames nacionais?Os exames podem ter outro tipo de função, infelizmente podem ter uma função motivadora.Infelizmente?Sim, porque podia haver outras práticas de motivação. É importante haver exames, mas estes não asseguram todos os tipos de aprendizagem. É possível ir a exame nacional, ter êxito e não estar preparado, porque pode não ter desenvolvido atitudes para continuar a aprender. Às vezes, ouvimos os alunos perante um exame dizer: “Ja está”.E esquecer tudo imediatamente a seguir à prova.Esse é que o problema. Porque um dos critérios da aprendizagem ao longo da vida é a qualidade que a aprendizagem deve ter. Não é porque há mais anos de escolaridade obrigatória que a qualidade do sistema vai aumentar. Esta tem tido situações perversas que são as difi culdades de aprendizagem com que os alunos se deparam. Não podemos continuar com um currículo único. É preciso currículos alternativos, para manter os níveis de exigência. Porque da maneira como o currículo está organizado, muitos alunos vão ganhando práticas de isenção, ou seja, tornam-se alunos transparentes, que vão acompanhando o processo, mas não conseguem progredir e não se esforçam. O que me dói são as situações em que o aluno é isento de se continuar a esforçar.

Da maneira como o currículo está organizado, muitos alunos vão ganhando práticas de isenção, ou seja, tornam-se alunos transparentes.

ser tolerantes com a forma como lidamos com alguns insucessos. Precisamos que todos os cidadãos tenham desenvolvido um conjunto de competências básicas. Em muitos momentos, quer ministros, quer pais, estão preocupados com a excelência de alguns.Com os alunos das escolas dos primeiros lugares dos rankings?Tenho o maior respeito pelas escolas que surgem muito mal posicionadas nos rankings, onde todos os dias os professores lutam para que todos os alunos tenham os melhores resultados. Nenhuma sociedade tem um desenvolvimento equilibrado se uns forem excelentes e outros muito incompetentes. Devemos incentivar ao máximo o sucesso, mas para isso é preciso saber identifi car erros e difi culdades. Se ignorarmos, os alunos podem aprender as boas respostas, os falsos bons resultados.Está a referir-se ao facilitismo de que tem sido acusado o Ministério

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Público • Quarta-feira 24 Junho 2009 • 15

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CARLOS MANUEL MARTINS

Críticas ao facilitismo

sucesso. As estatísticas têm vindo a favorecer uma lógica que persiste em Portugal que é a do sucesso imediato, as escolas são pressionadas para reduzir a percentagem de insucesso escolar em um ou três anos. O que fazer quando alunos se apercebem das difi culdades a Matemática já no secundário?O aluno tem que aprender a aprender, a identifi car as suas difi culdades e a pedir ajuda. Tem de perceber quando não está a compreender um processo e deve ser ensinados a pedir ajuda. O aluno do secundário é diferente porque é voluntário e escolheu as matérias que está a estudar. Portanto, pode ter uma participação mais activa. Deve ser estimulado pelos próprios professores a desenvolver competências de auto-regulação para identifi car difi culdades ou, quando está a aprender, a pedir ajuda para melhorar. O problema no secundário é que mesmo que o aluno seja bom, o professor deve ajudá-lo a ser melhor. B.W.

“É preciso aprender com os insucessos”a Os professores não sentem a pressão dos resultados?Resultados não signifi ca qualidade. Há muitos professores a reagir negativamente às medidas mais recentes, porque estão no terreno e percebem que nem sempre os valores numéricos traduzem o que se passa. O plano de matemática está a responder às difi culdades de aprendizagem dos alunos?A percepção que tenho é que se está a fazer pouco. Aulas de compensação ou de apoio é mais do mesmo. Podíamos encontrar alternativas porque estamos a ensinar da mesma forma. Lamento que os resultados positivos que estão a ser obtidos sejam confundidos com o facilitismo. Do ponto de vista científi co, um plano da matemática deve dar resultados ao fi m de dez ou 30 anos e não de um ou dois. Em educação as coisas não mudam de um dia para o outro. O plano, à partida tem coisas interessantes. Tem que ser avaliado mas não numa tentativa de silenciar os problemas. Não precisamos

de olhar os insucessos para nos lamuriar, mas para aprender com eles. Os professores, em muitos aspectos, não precisam de formação, mas de dar formação aos outros. Os professores têm muito boas práticas pedagógicas que deviam ser mais documentadas, partilhadas e incentivadas. Às vezes, há experiências que são uma espécie de meteoros e morrem quando o professor sai da escola. Poucos professores publicam ou têm coragem de vir a público dizer o que fi zeram, como também não há ninguém a dizer que não conseguiu.O insucesso da matemática continua marcado pela desigualdade de acesso aos recursos?Os pais devem ser cooperantes e não a causa dos problemas. O mesmo se aplica a professores ou ao ministério. Temos que aprender a pedir a todos que assumam as suas responsabilidades. A responsabilização dos pais parece fundamental porque há aspectos em que podem ajudar muitíssimo

– a brincar com o fi lho, a levar à escola a sua opinião sobre o que está a correr menos bem. O que acontece, é que os pais têm medo de ir à escola, porque vão ser culpabilizados, nem falam sobre as difi culdades dos fi lhos. Nada disto favorece a aprendizagem. Porquê?Porque aprender é encarar problemas e difi culdades. Vamos ter que desenvolver uma cultura

não de facilitismo, isso é o que temos neste momento, quando o sistema permite que o aluno esteja horas, dias, sem fazer um esforço, porque só há um exame ao fi m de vários meses. É preciso substituir o facilitismo por pedagogia diferenciada onde todos estão a fazer esforço. O problema do esforço é um problema de

“Há experiências que são uma espécie de meteoros e morrem quando o professor sai da escola. Poucos publicam”

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Matemática16 • Público • Quarta-feira 24 Junho 2009

Exames Primeira fase terminou ontem sem incidentes

Os alunos merec

a Propuseram-me escrever um “diário” sobre as vivências na minha escola durante esta época de exames nacionais. Terá por isso uma certa lógica que neste último relato e dentro daquilo que é a minha “janela de percepção”, faça um balanço retrospectivo de todo o processo. Por um lado, e como já tive ocasião de referir antes, é de assinalar a normalidade, a efi ciência - e porque não dizer - o civismo com que tudo decorreu. Nunca é demais salientar que existe neste momento uma estrutura organizada ao nível das escolas, assente no trabalho de muitos professores e funcionários e que é capaz de responder com efi cácia a esta tarefa monumental.

Diário de professor

António Marques

Provas foram acessíveis, fáceis, adequadas, segregacionistasAssociações de docentes divididas na apreciação do grau de difi culdade das provas. Para os pais, o peso dos exames deve ser repensado

Natália Faria

a Nem greve às notas nem manifesta-ções. A revolta dos professores contra a avaliação do desempenho docente não contaminou, como se chegou a temer, a realização dos exames nacio-nais, cuja primeira fase chegou ontem ao fi m. Cerca de 253 mil alunos do 9.º e do 12.º anos fi zeram os mais de 340 mil exames num processo manchado, porém, por algumas críticas sobre o alegado facilitismo de algumas pro-vas. Aliás, uma das imagens que fi cam destes exames é a dos alunos à saída das escolas a adjectivar os exames co-mo “fáceis” e “acessíveis”, a pedido de jornais e televisões.

Ontem, a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, cortou rente o assunto, preferindo subli-nhar “o profi ssionalismo” de escolas e professores. De resto, a avaliação do grau de difi culdade dos diferentes exames não reúne consenso entre os representantes de professores. Por exemplo, o exame de Matemática do 9.º ano, realizado anteontem, era “de-masiado elementar”, segundo Filipe Oliveira, da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM). Já a Associação Portuguesa de Matemática (APM) considerou a prova “adequada”. Na opinião da ministra, é esta opinião que conta.

No tocante às provas de Português – a disciplina com mais alunos inscri-tos (73.696) - Paulo Feytor Pinto é o primeiro a reconhecer que o parecer da Associação de Professores de Por-tuguês (APP) esteve longe de colher unanimidade entre os docentes da disciplina. Atentemos na apreciação da APP. “Ao contrário do ano pas-sado, ambas as provas seguem os programas curriculares em vigor”, começa por assinalar Feytor Pinto. Segundo ponto positivo: “O exame do 9.º ano incluiu um texto que não tinha sido dado nas aulas e, na nossa opinião, só assim é que se consegue avaliar as competências de leitura do aluno”. Caso contrário, “este vai ape-nas repetir o que ouviu o professor dizer na sala de aula”. Já os exames do 12.º ano não correram esse risco, “provavelmente porque quando fi -zeram isso, no ano passado, as notas baixaram”.

Por isso, a APP desafi a o ME a di-vulgar a avaliação pergunta a pergun-ta. “Seria fundamental para que os professores pudessem perceber onde

estão as principais lacunas da apren-dizagem”, sustenta.

Quanto às perguntas de escolha múltipla, nada contra. “São ideais para avaliar a capacidade de leitura e de compreensão. Se a pergunta pedir resposta escrita, fi camos sem saber se a resposta está mal porque o aluno não sabe escrever ou se está mal por-que o aluno não sabe ler”, sustenta. Porém, a prova de português do 9.º ano oferecia uma hipótese de respos-ta “que usava as mesmas palavras do texto”, ou seja, “não passou de um exercício de mero reconhecimento de palavras”, criticou.

Porque “o mundo não é a preto e branco”, Feytor Pinto recusa dizer se as provas eram mais ou menos fáceis este ano. Para o presidente da APP, o importante era que o ME refl ectisse sobre as disparidades das notas nos exames nacionais por comparação com os da Organização para a Coope-ração e Desenvolvimento Económico, os chamados PISA. “Os alunos portu-gueses têm sempre notas mais baixas nos PISA e, portanto, isso devia obri-gar-nos a refl ectir sobre a avaliação que está a ser feita em Portugal”-

De volta à Matemática, o presidente da SPM recusa a ideia de que a exces-siva facilidade apontada à prova do 9.º ano seja deliberada. “Seria muito grave se se hipotecasse uma geração em nome de uma situação política imediata. Não me parece que seja por aí”, descartou.

Para Albino Almeida, presidente da Confederação Nacional das Associa-ções de Pais, estas apreciações sobre o grau de difi culdade das provas são “folclore desnecessário”. “Enquanto não dermos às escolas condições para ensinar de acordo com as capacida-des de cada aluno, os exames servirão apenas para fazer segregação e selec-ção de alunos para as universidades, quando o que deviam era servir para aferir se o aluno atingiu os standar-ds mínimos no fi nal de cada ciclo”, declarou Albino Almeida, para quem “os milhares de euros gastos pelas fa-mílias em explicações de preparação para os exames são a prova de que as escolas não estão a ser capazes de transmitir aos alunos e às famílias confiança nas aprendizagens que proporcionam”.

Se as explicações valeram a pena, saber-se-á a 7 de Julho, pouco antes da segunda fase, que decorre entre 13 e 16 do mesmo mês.

Cerca de 253 mil alunos estavam inscritos nesta primeira fase

ENRIC VIVES-RUBIO

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Público • Quarta-feira 24 Junho 2009 • 17

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em todo o investimento

ANA BANHA

Os alunos também cumpriram o seu papel. Enfrentaram esta maratona com naturalidade, estudando, sofrendo e rejubilando - uns mais do que outros - quando tudo acabou. Para eles vai também a minha solidariedade e admiração. Apesar de muitas “zangas” e chamadas de atenção que possam ter ocorrido durante as aulas, não há professor que se preze neste mundo que não goste que os seus alunos se saiam bem. É impossível – digo eu – lidar com os alunos apenas no estrito senso profi ssional sem descortinar o ser humano em formação e cheio de possibilidades que existe dentro de cada um deles. Eles são a preciosa reserva de capital humano que irá moldar o futuro e por essa razão justifi cam plenamente todo o investimento material e humano que neles se possa depositar. E não existe investimento de retorno mais rentável. Nenhuma soma de TGV´s, auto-estradas e aeroportos se lhe pode igualar em importância.

Então o que mais há a dizer

neste quadro quase edílico de normalidade? Os ecos relativos a um grau de facilidade excessivo das provas de exame voltou a fazer-se ouvir este ano. Quem de direito nas diversas associações de grupos disciplinares, deverá avaliar melhor esta questão. Deveremos todos fi car satisfeitos com bons resultados, é certo, mas apenas se estes forem reais. Será um crime de hipoteca do tal futuro de que falei atrás, se estivermos a formar uma juventude que acaba o seu percurso no secundário convencida da sua boa preparação quando, em boa verdade, não a tem. O resultado dos exames deve por isso ser um espelho das reais capacidades dos alunos e as provas devem ser elaboradas com essa premissa em mente.

O tipo de sucesso que nos interessa a todos é aquele que antes de mais, nos permite ver as coisas como elas realmente são...

Professor de Artes Visuais na Escola Secundária Santa Maria, Sintra

Uma prova fácil é má e injusta

a Parece ser consensual: os exames nacionais deste ano têm sido fáceis. Afi rmam-no os jornais, os professores e até os alunos que estiveram a prestar as provas. Para uns, isso serve para mostrar que o nível do ensino melhorou. Se os alunos acharam as provas fáceis, é porque estão mais bem preparados. Para outros, o baixo nível de difi culdade dos exames serve apenas para distorcer as estatísticas em ano de eleições legislativas. Menos notas negativas e médias mais altas são indícios de que o sistema educativo está a melhorar.

Deixemos os exames nacionais de lado, e pensemos nos testes escolares em geral. Para que servem? Por um lado, um teste serve para medir o nível de conhecimentos adquiridos. Se um aluno tem positiva, é porque atingiu níveis de conhecimento sufi cientes. Se quase todos atingem esses níveis, é porque

o ensino é bom ou porque os conhecimentos exigidos não são difíceis de alcançar. Qualquer que seja o motivo, é sinal de que estamos prontos para subir um degrau, o que implica um maior grau de exigência, tanto para com os alunos, que têm de aprender mais, como para com os professores, que têm de ensinar mais sem comprometer a qualidade do ensino. Não devemos fi car a viver dos louros.

No entanto, os testes também têm outra função: diferenciar os alunos, repartindo-os ao longo

de uma escala que vai dos piores aos melhores. Esta função tem um peso enorme na vida real. Bem o sabem os alunos que prestam exames nacionais para ingressar no ensino superior. A diferença de uma décima pode signifi car tudo. E aí é que uma prova fácil é má e injusta. É má porque não cumpre bem a função diferenciativa. Se todos têm boas notas, de nada valeu a prova. É injusta porque prejudica os bons alunos. Se todos os alunos conseguem ter um aproveitamento que se aproxima do obtido pelos melhores, fi cam todos em pé de igualdade. Conclusão: não vale a pena ser bom aluno.

Para os alunos que prestam provas específi cas de acesso ao ensino superior, se os exames não os diferenciam, o que acaba por fazê-lo são as notas da escola. E isto é uma má alternativa, pois sabemos que os critérios de cada escola, para não dizer de cada professor de cada disciplina, são impossíveis de comparar.

Professora universitária

Ana Frankenberg-Garcia

Opinião

A diferença de uma décima

pode significar tudo.

E aí é que uma prova fácil

é má e injusta. É má

porque não cumpre bem

a função diferenciativa.

Se todos têm boas notas,

de nada valeu a prova.

É injusta porque prejudica

os bons alunos

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Matemática18 • Público • Quarta-feira 24 Junho 2009

Exames A primeira fase das provas vista por alunos e professores na Internet

Para alguns, “fi nalmente acabaram”, para outros os estudos vão continuarOs alunos que escrevem no blogue Nota Final confessam alívio, preocupação, mas também agradecem aos professores. O sucesso foi tal que foram convidados para participar no Hotel Babilónia, que vai para o ar no próximo sábado, das 10h00 às 12h00, na Antena 1.

“Não pode ser tão fáciltodos os anos!” Pedro Nunes, 17 anos, 12.º ano

Finalmente acabaram os exames!No fi m de um ano inteiro de

estudo, e, sobretudo, no fi nal destas últimas semanas de exames, sinto que o meu esforço não foi em vão. Estudei muito para estes exames, principalmente para o de Física e Química, que era o que mais receava. Encontrei-me com os meus professores por algumas vezes, no sentido de esclarecer as minhas dúvidas, e de sentir o seu apoio, que é importante para a confi ança de um aluno. Por isso, só tenho a agradecer-lhes, pela disponibilidade demonstrada nesta fase fi nal.

Queimei as pestanas, é o que é! Não considero que as provas tenham sido muito difíceis. Considero, sim, que algumas manhas nos esperaram: O exame de Português não foi muito exigente. Numa fase inicial, parecia até muito acessível, mas os critérios de correcção não perdoam, nem as perguntas de escolha múltipla! O exame de Física e Química também não foi muito rebuscado, embora houvesse perguntas que me deixaram a pensar. Penso que se incidiu em conceitos aos quais tinha sido dada pouca importância, e que, por isso, não mereceram o estudo aprofundado da minha parte.

Matemática foi hoje [ontem]... Para mim, é a disciplina mais importante, porque é uma das minhas provas de ingresso. Estava ansioso pela prova e, ainda por cima, esperavam-me três horas dentro de uma sala. O exame era grande. Considero que o nível de exigência subiu este ano. Comparativamente à prova do ano passado, este era mais difícil, o que não é de estranhar. Não pode ser tão fácil todos os anos! As perguntas de escolha múltipla não eram muito complicadas. Achei algumas perguntas de desenvolvimento exigentes, mas consegui chegar ao fi m das três horas com tudo feito!

No fi nal de tudo, consigo fazer um balanço positivo, esforcei-me bastante para isso, e espero sinceramente que os resultados correspondam minimamente a esse esforço fi nal. Quero seguir o curso de Economia, embora me tivesse inscrito, no secundário, no curso de Ciências e Tecnologias, fi z o exame de Economia A no ano passado, como externo.

Agora é só esperar pelo dia sete de Julho...

“Exigência dos meus professores é superior à dos exames” Cláudia Amorim, 17 anos, 12.º ano

Decidi ir à 1ª fase e fazer os exames de Biologia e Geologia e de Matemática, deixando o de Português para 2ª fase. Esta opção não foi inocente, visto que os exames de Biologia e Geologia e Português estavam marcados para dias consecutivos, facto revelador de uma mui justa e apropriadíssima calendarização… Porém, vejamos isto serve como preparação para os rígidos calendários universitários que nos esperam (deixemo-nos, assim, convencer por tão arenoso argumento!). Afi nal de contas que razão outra poderia ser? Má gestão dos dias disponíveis?... Oh! Mas que falácia tão indevida!

Os exames, os que realizei, posso dizer que, de uma forma ou de outra, acabaram por ir ao encontro do nível de difi culdade estabelecido ao longo do ano, nas respectivas disciplinas, através dos testes intermédios, nível esse que considero verdadeiramente adequado. Claro está que a exigência dos (meus) professores é superior àquela a dos exames/testes intermédios. Ainda bem que assim é!

No que diz respeito ao exame de Português, qual ilusória guloseima,

revelou ser, na minha opinião, uma graçola a todo o trabalho desenvolvido por professores e alunos ao longo do ano lectivo. Refi ro-me, mais concretamente, ao teor das questões de interpretação e aos critérios de correcção que lhes foram destinados. (...) Termino com esta harmoniosa frase: “Não há lugar a classifi cações intermédias.”, até porque como nos ensinou Aristóteles “no meio está a virtude” não é verdade?

“Foram duas semanas difíceis” Luís Loureiro, 18 anos, 12.º ano

Época de exames! Poderia dizer que foi agradável. Muito estudo, bastantes tentativas de concentração falhadas, subornar-me a mim próprio (fazer-me propostas do género: “Luís, quando terminares esse exercício comes um chocolate!”) e, acima de tudo, muitos exercícios e dúvidas. Contudo como disse, poderia dizer que foi agradável, mas o que acontece é que ainda me faltam dois exames: Física e Química e Biologia e Geologia. Quanto aos exames já realizados posso afi rmar que tanto o de Matemática como o de Português não demonstraram grande difi culdade.

Foram duas semanas difíceis

por serem cansativas ou cansativas por serem difíceis, quanto a qual é a causa ou à consequência ainda não sei defi nir muito bem. Sei que os dois estiveram presentes e que de algum modo foram combatidos graças ao divino conhecimento e prestabilidade da professora de Português, Fátima Gomes, e da professora de Matemática, Glória Magalhães, que além de disponibilizarem os seus “e-mails” para tirarmos dúvidas, ainda se dispuseram a tirá-las pessoalmente.

Posso concluir então que as últimas 360 horas ou os 21.600 minutos – depende do que o enunciado pedir, passaram a correr; que o que chamava de dia resumia-se a exercícios de probabilidades, ou à leitura de Mensagem, ou então uma coesão lexical... Muitos temas diferentes que não só foram estudados para um exame, como também foram estudados por uma última vez. Até o papel mais aguardado do momento se encontrar afi xado, estarei como numa chamada, a ouvir a música irritante de espera (de Mozart, talvez).

“Exame de História A quase que não requer estudo” Joana Gonçalves, 17 anos, 12.º ano

Que raio de exame este [História

A (623)]!? Primeiro, outra vez Estado Novo?! Caramba, acho que já é tempo de se variar de matéria, visto que todos os anos Oliveira Salazar está presente nas nossas provas!

Segundo, que raio de pergunta de desenvolvimento foi esta? Se era pretendido escrever aos bocadinhos quase sem conexão de ideias, acho que está bastante bem formulada. Agora, se queriam alguma coisa mais lógica, se calhar convinha que não fossem pedidos três tópicos apenas para cada uma delas, visto que assim a resposta fi ca tipo “pára-arranca”.

Terceiro, não compreendo como é que com um ano inteiro para formular meia dúzia de provas é possível haver erros como o do tempo de Gorbatchev na presidência da URSS (que em 2001 nem existia!...)

E quarto, com um exame destes, sem quase história nenhuma, porque raio frequentei eu as aulas durante três anos? É o tipo de exame que é difícil por ser tão óbvio e que quase não requer estudo.

Ah! Quinto! Acabaram-se os exames da primeira fase e hoje [ontem] é noite de São João! Não é fantástico?

Coordenado por Bárbara Wong

ANA BANHA

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Público • Quarta-feira 24 Junho 2009 • 19

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São mais de 20 os exames nacionais do ensino básico e secundário da primeira fase que arrancaram a 16 de Junho e que ontem terminaram. As notícias, comentários, análises, críticas e correcções proliferaram nos meios de comunicação impressos e nos sites. Contudo, nos blogues dos professores, que normalmente se dedicam a matérias de Educação, a referência a estas provas passou quase despercebida entre os inúmeros textos e cartoons que a avaliação e a carreira docente continuaram a merecer.

Mesmo assim, a Matemática foi das disciplinas mais comentadas – sempre pela negativa. “Facilitistas” e “descaradamente acessíveis”. Estes foram apenas alguns dos adjectivos que os internautas utilizaram para descrever as provas da área, em jeito de metáfora da situação da escola pública em Portugal.

Por outro lado, foi também frequente a acusação ao Executivo de estar a servir-se dos exames nacionais com

objectivos eleitoralistas. “O nível de dificuldade dos exames de Matemática tem vindo a descer. A politização dos exames deu nisto: perda de confiança. Será agora necessário esperar pelos resultados do PISA para se saber ao certo o que se esta a passar com a aprendizagem”, lê-se, a título de exemplo no blogue Profavaliação. Houve, ainda, quem arriscasse fazer contas com imagens e somasse uma fotografia da ministra Maria de Lurdes Rodrigues com uma do primeiro-ministro, José Sócrates: o resultado, para o autor do blogue O País do Burro, é zero.

“Amanhã começa uma nova época de exames e o Governo não vai perder o ensejo de voltar a manipular os resultados. À semelhança do que se verificou no ano lectivo transacto, com particular incidência na Matemática, as provas vão ser descaradamente acessíveis, por forma a se obterem os resultados desejáveis e assim criar a ideia na população de que a qualidade do

ensino está a melhorar, quando de facto piora a olhos vistos. Como aliás o PISA, mais uma vez, irá demonstrar”. O Cantinho da Educação, 15 de Junho

“Em 2008, quase metade das provas de Matemática do 9.º ano foi negativa. Este ano tal não deve suceder. Temos eleições em Setembro. À semelhança do que aconteceu com as provas já realizadas, o exame de Matemática de hoje deve ser uma boda aos pobres”. Profavaliação, 22 de Junho

“Exames mais fáceis levam alunos a cancelar matrícula: Durante a campanha eleitoral para as eleições europeias o partido do

governo anunciou que estava a fazer uma revolução profunda na Educação. Ora está aqui a solução para reduzir o excessivo número de alunos por turma”. Correntes, 22 de Junho

“Até agora ainda não ouvi ninguém dos envolvidos nos exames, sejam alunos ou professores, a dizerem que as provas têm sido difíceis. Pelo contrário. Até a Sociedade Portuguesa de Matemática e a Associação de Professores de Português têm alertado para a facilidade dos exames. É pelo caminho do facilitismo que o Ministério da Educação quer fazer progredir o ensino em Portugal. Eu prefiro dizer que é assim que estamos a criar um país de ignorantes”. O Cantinho da Educação, 22 de Junho

“Mais razoável mas com falhas, lê-se no parecer da Sociedade Portuguesa de Matemática sobre o exame nacional hoje realizado: ‘Apesar de o exame não ser trivial e testar adequadamente

algumas partes do programa, não nos parece ainda que, na sua globalidade, cubra bem as matérias, com o grau de exigência necessário. Um desempenho positivo nesta prova não é ainda garantia de uma preparação adequada à saída do ensino Secundário e entrada no superior’. A expressão ‘ser fácil mas não escandalosamente fácil’ soar como algo de positivo diz bem do estado a que chegou o ensino em Portugal”. O País do Burro, 23 de Junho

“Restam poucas dúvidas: os exames são um instrumento do processo de engenharia social que este Governo conduziu na Educação. Quando o Governo fala em qualificação, deve ler-se “certificação”. É um processo de engenharia social com efeitos nefastos a longo prazo. Para já, o efeito é a desvalorização do capital simbólico dos diplomas e da educação”. Profavaliação, 23 de Junho

Romana Borja-Santos

Blogues de professores quase ignoram examesProvas serviram para novas críticas às políticas do Governo

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