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Quaderni di THULE Rivista italiana di studi americanistici XI Centro Studi Americanistici “Circolo Amerindiano” Onlus XXXIII Convegno Internazionale di Americanistica XXXIII Congreso Internacional de Americanística XXXIII Congresso Internacional de Americanística XXXIII International Americanistic Studies Congress XXXIII Congrès International d’Américanisme Perugia (Italia), 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 maggio 2011 Sala del Consiglio Comunale, Palazzo dei Priori, Corso Vannucci 19 a cura di Aura Fossati

Americanística Perugia [2011] - Nexos sociais e violência. o caso do conflito de 2004-2005 entre os Maxakali

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Quaderni di

THULE Rivista italiana di studi americanistici

XI

Centro Studi Americanistici “Circolo Amerindiano”

Onlus

XXXIII Convegno Internazionale di Americanistica

XXXIII Congreso Internacional de Americanística

XXXIII Congresso Internacional de Americanística

XXXIII International Americanistic Studies Congress

XXXIII Congrès International d’Américanisme

Perugia (Italia), 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 maggio 2011

Sala del Consiglio Comunale, Palazzo dei Priori, Corso Vannucci 19

a cura di

Aura Fossati

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Nexos sociais e violência: o caso do conflito de 2004-2005 entre os Maxakali

Rodrigo Barbosa Ribeiro Universidade Federal de Uberlândia, Brasil

Introdução Até pouco tempo atrás todos os cerca de 1200 membros do povo Maxakali – falantes da língua Maxakali, a qual pertence ao tronco linguístico Macro-Jê – estavam todos agrupados na Terra Indígena (T.I.) Maxakali, situada nos municípios de Santa Helena de Minas e Bertópolis, ambos pertencentes ao Estado de Minas Gerais, na fronteira com a Bahia. Todavia, entre 2004 e 2005 eclodiu um violento conflito englobando a quase totalidade deste povo, tendo como consequência o assassinato de 19 pessoas e a expulsão de dois grupos da TI. Atualmente o grupo liderado por Noêmia Maxakali, que conta com cerca de 150 pessoas, foi realojado na Reserva Indígena (R.I.) de “Aldeia Verde”, constituída após a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) adquirir uma fazenda de 552 hectares no município de Ladainha, nas proximidades do município de Teófilo Otoni-MG. O outro grupo, liderado por Rafael Maxakali, conta com aproximadamente 70 membros e foi inicialmente deslocado para a T.I. Krenak, situada em Resplendor-MG; em seguida para um acampamento provisório situado numa fazenda no município de Campanário-MG. Desde o início de janeiro de 2008, no entanto, sua situação também foi regularizada, e atualmente eles habitam numa reserva indígena no mesmo município. Tal quadro me chamou a atenção para a necessidade de compreender o lugar do conflito na vida social deste povo, associando-o às demais manifestações de sua vida social. Com este objetivo em mente, fiz incursões de campo nos períodos de férias escolares desde 2004 – sendo a última delas realizada em fevereiro deste ano – e consultei uma bibliografia sobre esta temática. A partir destes dados, pude perceber que o povo Maxakali é formado pela ação direta do colonialismo luso-brasileiro, apresentando uma forma própria de manifestação da violência, a qual está relacionada com os demais aspectos de sua vida social, em especial o parentesco e a cosmologia (RIBEIRO R. 2008). Neste texto irei discorrer sobre os mecanismos de formação de alianças durante o conflito que levou à cisão do povo Maxakali. Embora o parentesco sirva de base para a formação dos grupos da sociedade Maxakali, outras considerações estratégicas também intervêm na construção dos mesmos, com destaque para a cosmologia e para as relações políticas existentes entre os Maxakali e os colonizadores, habitantes das fazendas e cidades do entorno. Boa parte dos dados apresentados aqui foi coletada enquanto preparava minha tese de doutorado, defendida em 2008 no Programa de Estudos Pós-Graduados da PUC-SP. Queria agradecer o espaço de diálogo que encontrei lá entre meus colegas do departamento de antropologia, em especial na figura de minha orientadora, a Dra Lucia Helena Vitalli Rangel e do Prof. Livre Docente Edgard de Assis Carvalho. Agradeço ainda à Rosângela Pereira de Tugny pelo diálogo franco e esclarecedor, além do acesso concedido ao acervo que ela organiza acerca dos cantos e da cosmologia Maxakali. Por último sou grato ao EREA (Enseignement et Recherche en Ethnologie Amérindienne), nas figuras de Bonnie Chaumeil e Jean-PierreChaumeil, por me acolher para a realização de um pós-doutorado em 2009, no qual boa parte das ideais deste trabalho puderam ganhar sua forma atual.

Formação das glebas de Água Boa e do Pradinho e o conflito de 2004-2005 Os Maxakali da T.I. Maxakali vivem em duas glebas distintas, formadas por conta do processo de homologação desta parcela de seu território pelo Estado Nacional brasileiro ao longo do século XX. Estes dois núcleos de povoamento ficam às margens de dois pequenos cursos de água de onde retiram seus respectivos nomes, sendo um o da Água Boa e outro o do Pradinho. Ambos são tributários do rio Umburanas, que por sua vez é afluente do rio Itanhém. Os agentes indigenistas responsáveis pela “pacificação” dos Maxakali, um “amansador de índios” de nome Joaquim Fagundes e um indígena que atuou como intérprete (“língua”), formaram primeiro um aldeamento nas cercanias de onde fica a gleba de Água Boa, tentando acomodar todos os Maxakali nesta porção de terra.

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Como esta ação não recebeu recursos do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), estes agentes decidiram vender as terras nas cercanias do aldeamento para financiar seu projeto, bem como a título de pagamento por sua atuação. Como contavam com a confiança dos Maxakali, eles introduziram estas pessoas apresentado-os como amigos seus e os indígenas aceitaram-nos sem reservas. Quando os Maxakali perceberam o que havia ocorrido, já era tarde demais para voltar atrás em sua decisão. Tudo seria perfeito, não fosse a forte oposição de parte dos indígenas, em especial dos moradores que vieram a formar a gleba do Pradinho. Este viviam ao redor de um monte rochoso de nome Mikax xap, o qual fica próximo à nascente do riacho do Pradinho e dispõe de um importante papel na mitologia Maxakali, particularmente no episódio do dilúvio – os antepassados dos Maxakali (mõnãyxop) teriam escapado do mesmo subindo ao cume deste monte (POPOVICH H. 1976). Esta parcela dos Maxakali teria insistido em permanecer nas cercanias deste monte sem a chancela oficial do SPI e mesmo enfrentando as ameaças dos fazendeiros que estavam se instalando em suas terras. Com isso uma situação insustentável se estabeleceu na região e as relações entre os Maxakali, em especial os do Pradinho, e os pequenos fazendeiros era marcada por forte tensão, como atesta a visitação que Curt Nimuendaju fez à região no ano de 1937:

«Pela manhã cedo rompem todos os adultos da aldeia, homens e mulheres, rumo ao sítio do “português ruim”, os homens com seus arcos e flechas, que ainda sabem manejar com perícia, ou às vezes também com algumas espingardas velhas, as mulheres com suas redes de carga as costas. Estas invadem a plantação do intruso, à vista do dono, colhendo e destruindo o que bem entendem, enquanto os homens, de armas em punho esperam que o prejudicado esboce um gesto de protesto, para cercar-lhe imediatamente a casa, intimando-o a abandonar as terras na mesma hora sob a ameaça de morte dele e da família, e insultando-o de toda maneira. O ameaçado, para escapar pelo menos momentaneamente de tal aperto, recorre então ao clássico “brabos não sejam”: “Compadre: eu bom pr’a (sic.) tu!”, oferecendo aos índios, para livrar-se deles, algum porco ou outra coisa que eles exijam.» (NIMUENDAJÚ C. 1982: 214).

Joaquim Fagundes decidiu então remover os Maxakali da região, levando-os para uma terra devoluta situada em Vereda, um município da Bahia que fica à nordeste da área onde está a T.I. Maxakali. Quase todos seguiram para esta região, com exceção da família de Mikael Maxakali. Os indígenas perfizeram o trajeto a pé e pouco depois de terem chego ao destino foram acometidos por uma epidemia de varíola e depois de sarampo, que levou muitos a morrerem. Decidiram então voltar ao antigo aldeamento, suspeitando de terem sido vítimas de feitiçaria de Joaquim Fagundes e de seu língua. Nesta volta muitos outros morreram e os que chegaram lá estavam bastante debilitados. Todos se acomodaram ao redor de Mikael Maxakali, pois encontraram um número maior de invasores em suas terras e não confiavam mais na ação de Joaquim Fagundes. A situação foi atenuada tempos depois, quando o SPI enviou funcionários à região, demarcando em 1940 a reserva indígena de Água Boa e instalando um Posto do SPI no local. O intento era levar todos para a terra, mas enfrentaram a oposição de Mikael, cuja terra não foi incluída na demarcação e resistiu em sair da mesma, e dos antigos moradores de Mikax xap, que resolveram voltar às suas antigas terras. Somente Mikael foi convencido a viver em Água Boa e os Maxakali tiveram de esperar até 1956 para que a terra indígena situada nos arredores de Mixax xap fosse regularizada, através da instalação da Reserva Indígena (R.I.) do Pradinho. Neste ínterim a ocupação de fazendeiros se intensificou na região intermediária entre as duas glebas, inclusive com a instalação de fazendas por parte dos funcionários do SPI, e a terra do Pradinho ficou separada da de Água Boa. Somente no ano de 2000 as duas áreas foram reunificadas, formando a atual Terra Indígena (T.I.) Maxakali. Esta reunificação territorial, no entanto, não aboliu os efeitos decorrentes da distinção formada durante este período de separação, pois os dois grupos se firmaram como entidades distintas, adotando posturas diferentes entre si e face ao colonizador. Os moradores de Água Boa sempre dispuseram de um contingente populacional maior e uma maior dispersão política e espacial, com mais núcleos residenciais independentes entre si – muitas vezes uma única família extensa se firma como uma entidade política autônoma face às demais. Com isso, cada grupo político tornou-se proprietário de uma porção específica do território de Água Boa, sendo que neste processo o grupo de Noêmia Maxakali, o principal pivô do conflito, sempre foi tido como “hóspede” em Água, dado que sua terra era aquela de Mikael Maxakali.

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Já os habitantes de Pradinho compuseram uma aliança mais ampla, vivendo em um único grupo residencial, comumente chamado de “aldeia do Pradinho”. Além disso, o pessoal de Água Boa assumiu uma postura mais aberta frente aos não Maxakali, permitindo alguns casamentos com os colonizadores e chegaram mesmo a aceitar que um indígena Borun(1) vivesse entre eles. Quanto aos moradores do Pradinho, eles adotaram uma posição mais reservada frente aos agentes externos, recusando-se a realizar casamentos com estes. Os impasses e problemas desse processo de demarcação da terra indígena, bem como as diferenças de atitude assumidas pelos habitantes das duas glebas, têm um papel direto nos conflitos ocorridos entre os anos de 2004-2005. O intento dos grupos expulsos da T.I. foi o de retomar à terra de Mikael Maxakali, a qual fora deixada de lado na demarcação feita pelo Estado brasileiro em meados do século XX. A ação consistiu na ocupação à força da terra de seus ancestrais, no melhor estilo que foi notabilizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). No dia 18 de agosto de 2005 algumas dezenas de pessoas, em sua maioria descendentes de Mikael Maxakali, ocuparam as terras chamadas por eles de tehakohix, situada nos arredores do Córrego do Norte, onde fica a fazenda Monte das Oliveiras, cujo título de posse pertence a Valdomiro Alves de Almeida. Neste momento somente tomaram parte os grupo de Noêmia Maxakali e de Rafael Maxakali, este último era originário do Pradinho, mas após um conflito grave teve de sair às pressas desta gleba(2) e encontrou abrigo junto a Noêmia Maxakali, uma vez que este grupo enfrentava conflitos e estava enfraquecido pela morte de duas pessoas(3). Posteriormente, outros desentendimentos levaram os grupos de Totó Maxakali e do professor Pinheiro Maxakali a se juntarem aos indígenas acampados, perfazendo um total aproximado de 250 indivíduos. Vale notar que esta demanda por mais terra, associada a uma série de outros acontecimentos, levou ao acirramento das tensões e violências internas aos Maxakali ao invés de produzir uma aliança maior. Tanto os demais Maxakali de Água Boa quanto os de Pradinho insurgiram-se contra os “sem terra”, como eles chamavam de modo jocoso aqueles grupos envolvidos na reivindicação pela terra de Mikael. Neste momento o único apoio informal que os acampados receberam foi do pessoal da equipe Maxakali do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), um órgão acessório da CNBB (Confederação dos Bispos do Brasil) que atua dando suporte às reivindicações do movimento indígena. Entre as linhas mestras de ação do CIMI encontra-se a luta pela ampliação das terras indígenas e para eles foi natural se aliarem à demanda dos acampados. Aliás, essa ação do CIMI teve consequências para seus militantes, cujas casas foram apedrejadas pelos fazendeiros e moradores da cidade tão logo a ocupação se processou. Quando estive em campo, muitos motivos foram elencados por indígenas e indigenistas para explicar a atitude de afastamento dos demais Maxakali. Como já indiquei de passagem (Cf notas 2 e 3), havia conflitos anteriores não resolvidos, os quais ressurgiram com força total após a ocupação da terra, que fora realizada sem que os demais Maxakali sequer soubessem desta ação. Vale notar que a aliança entre os grupos de Noêmia e de Rafael levou à formação da unidade política mais forte entre os Maxakali. Tanto que enquanto eles viveram na gleba de Água Boa as hostilidades contra eles foram suspensas, pois ninguém quis arriscar enfrentá-los diretamente. Talvez essa força tenha levado esses grupos a desconsiderarem os riscos envolvidos nesse empreendimento. É possível supor que se eles não contavam com a adesão dos demais grupos dos Maxakali, ao menos contavam com a neutralidade deles face aos fazendeiros. Todavia, os conflitos internos tornaram-se todos ativos, e foram mesmo intensificados, após o assassinato de Dulcineide Maxakali, morta a pauladas por seu marido Carioca Maxakali em 20 de setembro de 2005, após uma bebedeira ocorrida na volta de uma feira na cidade de Santa Helena de Minas. Tanto Dulcineide quanto Carioca estavam entre os indígenas que ocupavam a terra, mas os parentes de Dulcineide não e resolveram se vingar de sua morte, em conformidade com a tradição, matando posteriormente o pai de Carioca, Xibil Maxakali. Este pretexto foi utilizado para que os grupos que rivalizavam com Noêmia e Rafael formassem uma coalizão ampla entre os demais Maxakali. Entre outras considerações estratégicas, outros conflitos parcialmente resolvidos foram rememorados nesta ocasião. Por exemplo, entre o pessoal do Pradinho outras parentelas que não a de Guigui, a única diretamente empenhada na peleja, enumeravam vários assassinatos e conflitos cometidos pelos parentes de Rafael Maxakali, sendo que alguns desses caso teriam ocorrido décadas atrás. O resultado disso foi a expulsão dos indígenas acampados em novembro de 2005. Muitos agentes indigenistas apontam as bebedeiras como causadores do conflito, uma vez que vários assassinatos envolveram indígenas embriagados. No entanto, os próprios Maxakali rechaçam esta explicação, pois este conflito adquiriu um contorno político, não podendo ser reduzido ao propalado problema do “alcoolismo indígena”, sempre utilizado como explicação simplista para diversos fenômenos que acometem os indígenas atualmente. Há, em seguida, as acusações de feitiçaria de parte a parte, as quais acirraram ainda mais os ânimos dos envolvidos – algo potencializado pela eclosão de uma epidemia de diarreia infantil no

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início de 2005, cuja incidência maior se deu justamente nos grupos políticos onde os conflitos eram mais intensos na área de Água Boa. Por último, este dissenso esteve relacionado às disputas políticas ligadas à escolha do candidato indígena ao posto de vereador para eleições municipais que se aproximavam – tanto os moradores de Água Boa quanto os do Pradinho participam ativamente das eleições e em cada pleito conseguem eleger um vereador em cada município no qual se situa sua T.I., desde que haja somente um candidato em cada gleba. Em Água Boa Marcelo Maxakali disputava para ser o escolhido no lugar da candidata à reeleição Maria Diva Maxakali. Em suma, havia um quadro de tensão prévia que explica essa tomada de posição por parte dos Maxakali, no sentido de adotar a via bélica contra um grupo seu como a única solução capaz de resolver as diferenças entre as unidades litigantes. Percebe-se que cada um destes fatores isolados não explica a opção maior dos Maxakali, qual seja: a recusa em apoiar a demanda de uma parcela dos seus visando a ampliação do seu território. Vale notar que a T.I. Maxakali encontra-se em avançado estado de deterioração ambiental, tendo a Mata Atlântica cedido espaço ao capim pela ação do colonizador, visando abrigar uma pastagem para um gado cuja posse e cuidados permanecem alheios aos Maxakali, mesmo depois de quase cem anos nesta região. Em outras palavras, qualquer iniciativa de ampliação do território receberia uma acolhida positiva entre este povo, com exceção única e exclusiva desta tentativa, na qual a maioria dos Maxakali preferiu se aliar aos fazendeiros numa guerra fratricida, obtendo deles as armas de fogo utilizadas na ação final que redundou na expulsão dos grupos da área que disputavam. Posteriormente, eles foram acomodados num ginásio de esportes na cidade de Santa Helena de Minas, sendo posteriormente retirados da região em uma ação da Polícia Federal, visando salvaguardar a integridade física destes indígenas. Aliás, esta remoção foi tomada como a expulsão dos “sem terra”, algo que bastante comemorado pela vereadora Maria Diva Maxakali em um programa de rádio local àquela época. Este quadro não aponta para uma forma de irracionalidade, mas antes para a necessidade de se levar em conta um conjunto amplo de fatores, visando o dimensionamento correto desta opção política por parte da maioria dos Maxakali. Por conseguinte, talvez a melhor forma de começar a tratar desta questão seja analisando os mecanismos responsáveis pela formação dos vínculos sociais entre os Maxakali e em seguida analisar as atitudes tomadas pelas pessoas envolvidas nos conflitos, sempre fazendo referência ao contexto mais amplo no qual estas atitudes ocorreram.

Sociedade como uma estrutura de comunicação Do ponto de vista teórico as indagações de Claude Lévi-Strauss sobre o processo de formação das sociedades oferecem grande interesse para a abordagem do tema em questão. Segundo este autor:

«Uma sociedade é feita de indivíduos e de grupos que se comunicam entre si. Entretanto, a presença ou a ausência de comunicação não poderia ser definida de maneira absoluta. A comunicação não cessa nas fronteiras da sociedade. Mais que fronteiras rígidas, trata-se de limiares, marcados por um enfraquecimento ou deformação da comunicação, e onde, sem desaparecer, esta passa a um nível mínimo. […] Em toda sociedade, a comunicação se opera ao menos em três níveis: comunicação de mulheres, comunicação de bens e de serviços, comunicação de mensagens» (LÉVI-STRAUSS C. 1985a: 336).

Esta conhecida passagem indica, no mínimo, a necessidade de se levar em conta o sistema de parentesco, a economia e o sistema mitológico ritual para a identificação dos laços que unem as pessoas de uma sociedade específica. Lévi-Strauss não indica que a lógica de circulação de cada um destes atributos seja idêntica, mas antes que o intercâmbio efetuado em cada um destas esferas atua para sedimentar as ligações existentes nos grupos humanos – aliás, algo que ele já havia indicado no capítulo 5 das do livro As estruturas elementares do parentesco (LÉVI-STRAUSS C. 1976a: cap. 5). Mesmo quando esta assume uma forma que parece ser antes o avesso da troca, como nas guerras, temos de ter em mente que as comunicações continuam a existir, como vê nas palavras abaixo:

«Está fora de dúvida que, numa época antiga, como aliás presentemente, os grupos vizinhos se tratavam antes como inimigos do que como aliados, que eles se temiam e se evitavam, e que esta

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atitude tinha razões bastante sólidas. Contudo, aparece claramente, mesmo da leitura dos autores antigos, que esta atitude dos agrupamentos indígenas tinha um limite e que nem tudo nas suas relações era determinado por razões negativas. […] A guerra, o comércio, o sistema de parentesco e a estrutura social devem ser assim estudados em correlação íntima» (LÉVI-STRAUSS C. 1976b: 326, 339).

Deste modo, nem a tênue ligação mantida historicamente com os colonizadores autoriza a considerá-los como entes impossíveis de se tornarem parceiros dos Maxakali, nem tampouco o grave conflito citado acima autoriza a se pensar em uma ruptura total entre os envolvidos. A maioria dos Maxakali não precisava escolher como aliado o grupo de indígenas acampados, expulso da área posteriormente, pois sempre houve formas de intercâmbio com o colonizador. Embora esta forma de reciprocidade seja torne “discreta” e/ou deformada em relação à praticada com os demais Maxakali, ela não cessou jamais de existir, como atestam os raros casamentos interétnicos em Água Boa (trocas matrimoniais), as frequentes feiras e compras em geral que ocorrem nas cidades (trocas econômicas) e o entusiasmo com que os Maxakali ouvem e dançam o forró-brega dos colonizadores (troca de mensagens). No que se refere às atuais relações entre os grupos expulsos e os demais Maxakali, várias pessoas me informaram que atualmente Noêmia Maxakali e Maria Diva Maxakali se reaproximaram, trocando telefonemas semanais. Além disso, alguns casais que viviam nas Reservas Indígenas foram autorizados a voltar para a T.I., indicando que algum grau de aproximação está em curso – somente o caso do grupo de Rafael e os habitantes do Pradinho parece permanecer no mesmo pé. Sendo assim, descreverei sumariamente as formas assumidas pelos três sistemas de comunicação/troca entre os Maxakali, visando identificar alguns dos parâmetros utilizados nesta ocasião para a constituição dos grupos litigantes.

Os núcleos residenciais entre os Maxakali Como já foi indicado por outros autores com pesquisa junto aos Maxakali (POPOCICH F. 1980, 1988; FERREIRA DO NASCIMENTO N. 1984; ALVARES M. 1992), a composição dos núcleos residenciais dos Maxakali é algo baste inconstante, dada a mobilidade de pessoas e a constate refacção das alianças. É até mesmo sendo difícil identificar um único modelo de disposição espacial válido para todos os núcleos residenciais. No entanto, há um modelo tradicional de construção dos grupos locais e mesmo quando as moradias não respeitam esse modelo de construção, os Maxakali imaginam suas relações a partir dele (figura 1).

Legenda:

Grupo domésticoCasa - Miptut

Pau de religião - Yãmiyxop kupFluxo de YãmÎy

H(Pátio de central)

ãpxep

Kuxex

Ilustração 1: croqui representando os grupos residenciais Maxakali.

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A casa de religião (kuxex) fica no ponto oposto às moradias que abrigam as famílias e tem papel central na vida social. Tanto é assim, que não é local no qual se constrói as casas que indica a filiação da família a um núcleo residencial, mas sim a frequência a uma casa de religião. Tal fato levou Myriam Alvares a dizer que «o nome da aldeia ou grupo local é Mĩptut te kuxex penãn ‘as casas estão olhando para a ‘casa dos cantos’. Descrição formal e literal do que significa o grupo local.» (ALVARES M. 1992: 55). Logo à frente dela se situa o mastro de religião (mĩmãnãn) e em seguida o hãpxep, que é um pátio onde acontecem vários ritos. Por último ficam as casas, sem que haja nenhuma regra quanto ao local de construção das mesmas, havendo somente a tendência que as pessoas associadas pelo parentesco ou amizade morem próximas entre si, formando uma espécie de grupo agnático. A formação de uma coalizão duradoura por parte dos moradores de um grupo residencial é tarefa das mais árduas, pois:

«Através das observações, começamos a ver que os cabeças dos grupos patrilineares eram os líderes cuja opinião exercia maior influência. Nunca encontramos uma pessoa que se destacasse como sendo mais responsável ou mais importante que outras. Os Maxacali possuem um governo muito igualitário; os líderes formam um conselho que expressa opiniões de consenso geral, e não um grupo de pessoas que dá ordens aos outros. As habilidades individuais variam muito; uns têm mais influência e carisma que outros, mas ninguém tem o direito de dar ordens aos outros.» (POPOVICH F. 1980: 23).

Com isso, a composição dos grupos residenciais varia bastante, pois não é raro que as pessoas se mudem para outras paragens, por conta de conflitos interpessoais, ou acordos e preferências pessoais de toda sorte. Em todos estes casos os vínculos estabelecidos pelo parentesco ocupam lugar central, uma vez que há a tendência de fixar moradia junto aos parentes cosanguíneos mais próximos, particularmente os patrilaterais. Assim, penso ser oportuno indicar as linhas gerais dos vínculos estabelecidos pelo parentesco entre os Maxakali.

Parentesco entre os Maxakali Frances Blok Popovich e seu marido Harold Popovich são os únicos pesquisadores fluentes na língua Maxakali, uma competência que adquiriram ao longo de seus mais de trinta anos de trabalho junto a este povo como missionários do SIL (Summer Institute of Linguistics). Esta autora realizou um estudo detalhado das relações instauradas pelo parentesco, uma das únicas forças, ao lado da religião, capazes de refrear os elementos disruptivos que ameaçariam os Maxakali de desagregação, como se vê em suas palavras:

«Os Maxakali estabeleceram como seu alvo propositado a sobrevivência étnica. Em muito, sua sociedade está se desintegrando. Os jovens, em particular, irritam-se com as restrições impostas à sua antiga liberdade e invadem, com muito prazer, as propriedades dos neobrasileiros, derrubando roças e roubando animais domésticos. O estilo de vida sedentário, a eles imposto, leva muitos indivíduos a escaparem em períodos de bebedeira. Porém, o sistema de parentesco maxakali continua a dar equilíbrio e flexibilidade para dar continuação à sua sociedade. Outro fator importante de estabilidade é a religião tradicional. […] Esta pesquisa não tem como propósito discutir assuntos como mito e ritual, no entanto, a religião tem providenciado estabilidade e continuidade, dando significado à existência dos indivíduos dessa tribo. Nessa cultura, a religião é atributo […] masculino [exclusivo] e, portanto, separa os homens das mulheres. É uma responsabilidade de todos os homens iniciados, sendo também uma força unificadora em toda a sociedade» (POPOVICH F. 1980: 48, 47, grifo meu).

Popovich empreende um levantamento com todos os 110 casamentos vigentes durante a sua pesquisa(4). A partir destes dados, a pesquisadora descobriu os termos de referência aplicados tanto para o ego masculino como para o feminino, bem como a classificação das pessoas efetuada por essas designações (Cf. Anexo). Com base em alguns princípios(5), cada pessoa enquadraria as demais em três grandes categorias: os Xape e’e ou “parente verdadeiro” – entre os quais estão os pais, avós, irmãos, filhos e netos; os Xape max ou “parente bom”, que incluem: «os pais e siblings do mesmo sexo dos avós do ego, a tia materna, o tio paterno, e os filhos de cada – os primos paralelos, os filhos dos primos paralelos, os netos dos siblings classificatórios do

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mesmo sexo do ego, e os filhos dos siblings do ego» (POPOVICH F. 1980: 30). Por último, os Xepe hãptox hã, englobando os demais parentes e os afins potenciais – «tio materno, tia paterna, primos cruzados e filhos de siblings do ego do sexo oposto» (POPOVICH F. 1980: 30). Vale notar que estas categorias não seriam absolutamente rígidas e haveria certa margem para alguma interpretação pessoal e/ou manipulação. Em especial, os xape hãptox hã podem se confundir com os xape max ou com os puknõg, os não parentes. Segundo a autora, o enlace ideal envolveria Maxakali não aparentados entre si, sendo que os indivíduos dessa categoria seriam encontrados entre os primos cruzados matrilineares. Popovich apenas afirma que os Maxakali não consentem com o casamento envolvendo parentes patrilineares, sem esboçar uma explicação para o fato (POPOVICH F. 1980: 40). Caso essa regra tenha realmente existido em algum momento, talvez a interdição decorresse das regras de residência vigentes anteriormente, já que a patrilocalidade foi apontada como preponderante outrora (NIMUENDAJU C. 1982; POPOVICH F. 1980) e a residência contínua provocaria uma consanguinização dos afins patrilaterais (POPOVICH F. 1980: 21; ALVARES M. 1992: 69). Assim, haveria certa maleabilidade do sistema, pois:

«Parece, que as regras de casamento não são tão rígidas que não podem ser adaptadas ao desejo de um casal. Embora a rigor não se aprovem os casamentos com as primas cruzadas patrilateral, parece que toleram alguns vínculos próximos patrilaterais quando a ligação com o lado materno está em ordem. Entre os 89 casos anteriormente mencionados, que fazem parte dos nossos dados, observaram-se diversos casamentos cujos cônjuges, embora não "parentes" pela linha matrilateral, possuíam estreitos vínculos patrilaterais. Antes desse estudo estatístico dos casamentos atuais, pensei que jamais alguém tivesse se casado com a filha da irmã do seu pai. Talvez através dos anos, casamentos desse tipo (com avó [sic.]) fossem considerados como incestuosos, mas, por motivos de conveniência, fez-se uma simples reinterpretação das regras referentes ao casamento» (POPOVICH F. 1980: 41-42, 46).

Myrian Martins Álvares refuta a posição de Popovich e afirma não haver nenhuma distinção entre as duas parentelas e a bilateralidade seria plena para fins de casamento. Por conseguinte, a categoria de cônjuge prescrito, englobaria os primos cruzados bilaterais de segundo grau, mediante a afinização dos seguintes parentes (ALVARES M. 1992: 73): «ukto’ãyã ‘primo’ ou ‘cunhado’, yãyã ‘avô’ ou ‘sogro’ e ugnix ‘neto’ ou ‘genro’ e seus correspondentes femininos, respectivamente: ukto’ãkux, prima ou cunhada, xukux ‘avó’ ou ‘sogra’ e dixix ‘neta’ ou ‘nora’.» (ALVARES M. 1992: 64). Para além desses casos, existiria a possibilidade de afinizar outras categorias de parentes, como é possível notar em suas palavras:

«Os Maxakali costumam realizar com frequência casamentos com parentes de outras categorias mais próximas classificadas como parentes próximos max. As formas mais comuns são o casamento com irmãos classificatórios, ou seja, com primos paralelos. Outra forma frequente é o casamento com a filha da irmã, principalmente das filhas das irmãs classificatórias. Mas ocorre também o casamento com a filha da irmã verdadeira. […] Em todos estes casos os parentes mais próximos dos conjugues são transformados terminologicamente, para as categorias correspondentes. Os pais são transformados em yãyã e xukux “sogro” e “sogra” e os irmãos em cunhados. O restante dos parentes não são modificados» (ALVARES M. 1992: 75).

Parece haver um sentido nesta forma de associação, pois a introdução da interdição de um grau na definição do casamento preferencial ainda implica na troca direta entre os parceiros envolvidos, isto é, entre as famílias que trocam os cônjuges. Dessa maneira, o fato a ser destacado seria a garantia da reciprocidade matrimonial entre os aliados e não a regra em si, que postula a reciprocidade na geração descendente para os filhos dos primos cruzados (ALVARES. M. 1992: 76). Há muito é sabido, que o casamento é uma maneira de estabelecer um circuito de reciprocidade(6), resta saber que tipo de circunstâncias estão associadas a este tipo de aliança no interior das relações sociais Maxakali. Em primeiro lugar, é preciso dimensionar os elementos envolvidos. Como, a mulher trocada em matrimônio não é simplesmente um sinal de hospitalidade, ou um presente precioso, mas, segundo as palavras de Lévi-Strauss, «o presente supremo, entre aqueles que podem ser obtidos somente na forma de

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dons recíprocos.» (LÉVI-STRAUSS C. 1976a: 105), é de esperar-se que essa dádiva implique em contraprestações capazes de sedimentar uma sólida aliança política. Esta forma de troca restrita parece vigorar entre grupos com aliança recente, como é ocaso dos Maxakali. Como indica Frances Popovich, há uma heterogeneidade de grupos na base da formação dos Maxakali atuais, pois segundo ela no início do século XX, havia «cerca de 1.000 [pessoas], divididos em quatro grupos distintos na época em que um certo Joaquim Fagundes, que se autodenominava amansador dos índios, vendeu muitas terras indígenas. […] Com isso, os Maxakali perderam o seu meio tradicional de subsistência» (POPOVICH F. 1980: 13, grifo meu) e se viram forçados a se tornarem uma única unidade social. Esta aliança compulsória seria a responsável pela eclosão dos conflitos de tempos em tempos, o que seria reforçado pelo relato de um indigenista que dominava a língua e dispunha de larga experiência junto a esse povo, como se vê a seguir:

«José Silveira de Souza começou a trabalhar no Posto Engenheiro Mariano de Oliveira pouco depois de sua fundação entre os Maxakali. Foi um dos poucos funcionários que aprendeu a língua e afirma que, durante a primeira metade deste século [XX], alguns pequenos grupos tribais foram forçados a se unirem, visto que foram cercados pelo mundo de fora. Ele acredita que os remanescentes dos grupos lingüisticamente relacionados, entre eles os Monaxó, os Malali, bem como os Maxakali, eram basicamente hostis. Nos meados da segunda e terceira décadas, todos esses grupos viram-se obrigados a se retirar para a parte superior do Rio Itanhaém, na fronteira entre os Estados de Minas Gerais e a Bahia. Aparentemente, alguns maxakali nunca saíram da região, e a eles se juntaram outras tribos vadias que procuravam escapar da iminente extinção. Segundo Silveira de Souza, os Maxakali sempre terão brigas entre si por causa da incompatibilidade desses grupos.» (POPOVICH F. 1980: 15, grifo meu).

Não creio que esta heterogeneidade leve necessariamente ao conflito, uma vez que outros exemplos etnográficos também apontam para a associação o descumprimento das obrigações de parentesco como causadores de guerra. Ao menos é o que se depreende da análise da guerra entre os Jivaro, efetuada por Philippe Descola (1993). Neste povo, a unidade organizacional é o nexus endogâmico, cujos contornos precisos estão assentados num mecanismo de aliança (mediante casamentos com afins consanguínezados, principalmente) e de conflitos dirigidos a outros nexus próximos, e quase nunca contra os povos estrangeiros. Utilizando as palavras do autor: «a guerra Jivaro é essencialmente endógena. Limitada a ações esporádicas, a resistência contra os Brancos e seus contingentes/supletivos indígenas jamais tomam o aspecto duma sublevação generalizada.» (DESCOLA P. 1993: 176, tradução pessoal). Descola identifica a existência de duas modalidades de guerra: uma intratribal e outra intertribal. A primeira fica restrita às pessoas próximas entre si, enquanto a outra abrange “adversários anônimos” e distantes, mas próximos o bastante para partilharem uma mesma identidade cultural (DESCOLA P. 1993: 176). Um destaque especial deve ser dado ao sistema de parentesco, dado que boa parte dos conflitos decorre do desrespeito dos direitos que emanam dele. Assim, «A inimizade surge, com efeito, sempre duma infração real ou suposta das regras de apropriação das pessoas, e bem particularmente das mulheres.» (DESCOLA P. 1993: 177, tradução pessoal). A única diferença significativa na classificação do tipo de ação guerreira decorre do alcance dos mecanismos de pacificação: quando se trata de um conflito intratribal, existem mecanismos eficazes de refreamento da luta, como a intervenção de um grande homem. No caso das guerras intertribais, as formas de negociação são menos ativas, mesmo que o conflito normalmente tenha origem semelhante:

«A guerra intertribal não se distingue realmente da guerra intratribal da qual ela constitui um resultado lógico, mesmo histórico; com efeito, os afrontamentos repetidos entre blocos de nexus coligados podem somente consolidar as identidades regionais antagônicas, contribuindo, assim, ao processo contínuo de diferenciação tribal necessário à perpetuação da caça às cabeças.» (DESCOLA P. 1993: 183, tradução pessoal).

Deste modo, para haver a aliança deve ter sido necessário uma “normalização” na relação entre grupos (potencialmente) hostis. Tal circunstância, provavelmente, levou à produção de um novo padrão de casamentos entre os Maxakali, sem que estivesse apoiado numa entidade social preexistente e firmemente

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arraigada. A primeira criação deste processo colonial foi a própria coletividade conhecida pelo etnônimo Maxakali e vigente ainda hoje. De modo que, não poderia haver a alteração da regra matrimonial deste povo, pois ele ainda sequer existia enquanto tal. Assim, é mais provável que as atuais regras expressem o produto fluído das circunstâncias que incidem sobre a vida deste “povo novo”, sem apresentar-se como um dilema trágico e de difícil solução. Se por ventura havia uma norma única, anterior e comum a todos os grupos autóctones envolvidos neste processo, ela só pôde fazer-se presente nas novas condições como um dos elementos rearticulado pelo devir que produziu os Maxakali e que encetou sua própria normatização. Aliás, este processo não se encerrou e nem se encerrará de maneira definitiva, de modo que o descompasso entre as formas de casamento preferencial indicadas acima, apenas indicam o caráter histórico das normas criadas por este povo.

Yãmĩyxop: a troca de bens e de mensagens O sistema de parentesco Maxakali recorta e classifica um grupo de pessoas com os quais se entretém uma série de relações sociais, servindo como elemento de pacificação das relações potencialmente hostis, algo igualmente propiciado pela realização de yãmĩyxop, termo que designa o coletivo de espíritos (animais e ancestrais) e os rituais religiosos realizados em honra destes (cantos e performances inclusos). Atualmente, os Maxakali indicam a existência de nove grupos de yãmĩyxop entre eles. Eles são identificados pelos nomes dos seres que seriam os mais poderosos em cada uma dessas categorias. No entanto, é provável que houvesse outros yãmĩyxop ao longo da história, ligados a outras coletividades contatadas pelo colonizador e pertencentes ao complexo cultural dos Maxakali, mas que não fazem parte da coalizão atual. Seis deles são ligados a espíritos animais: Putuxox (espírito do Papagaio), Mõgmõgka (espírito do Gavião), Xunin (Morcego), Amãxux (Anta), Tatakox (espírito da Lagarta), Po’op (Macaco); e outros três são ligados diretamente a outros tipos de seres: Koatkuphi (o fio não comestível da mandioca), Yãmĩy/Yãmĩyhex (espíritos ancestrais humanos masculinos e femininos, respectivamente) e Kõmãyxop (ritual ligado à amizade formal, ou seja, das pessoas que se tratam reciprocamente pelo termo komãy). Há ainda uma variação do Xunin, denominada de Hemex (um ser ainda não identificado na língua portuguesa), que ocorre quando o ritual do Xunin é feito durante a noite. Somente 3 grupos dos espírito têm mĩmãnãm, isto é, o mastro de religião, também conhecido por yãmĩyxop kop, “pau de religião”, sendo eles: Xunin, Mõgmõgka e Yãmĩy/Yãmĩyhex. Ele é afixado defronte a kuxex e quando o mastro estraga ou quando é chegado o momento de mudar de yãmĩyxop, o mĩmãnãm é trocado. É feito um yãmĩyxop para erguê-lo e para retirá-lo, sempre ligado ao espírito representado pelo seu mastro. Para retirá-lo do pátio, como em todo ritual, faz-se comida para ser distribuída, só que nestas ocasiões ele serve de lenha, sendo simbolicamente “devorado” junto com o alimento servido pelas mulheres no cerimonial. A pintura do mĩmãnãm não muda nunca, sendo que cada uma delas está associada a um yãmĩyxop específico.

Tabela 1:Origens dos Cantos

Localidade de Origem

Nome do antepassado Nome do descendente* Canto que trouxe

Vereda (BA) Justino Guigui (avô mat.), Pinheiro

(avô pat.). Putuxop

Herculano Milton (Pai).Manuel Resende Américo (Pai). Putuxop e Tatakox

Almenara (MG)

Capitãozinho Mõgmõgka

Mikael Totó (pai), Noêmia (avô mat.), Pinheiro.

Justino Guigui (avô mat.), Pinheiro (avô pat.). Putuxop

Jiribá Antoninho José Antoninho (pai), Toninho (avô). Xunin

Rubim (MG) Damásio Guigui (pai).Araçoaí (MG) Cascorado Dozinho (pai). Xunin e Tatakox

Itamarajú (BA) Antônio Maria Marinho (pai).

Justino Guigui (avô mat.), Pinheiro (avô pat.). Putuxop

* Entre parêntesis o grau de parentesco em relação ao antepassado.

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Cada um desses grupos tem um número variável de yãmĩyxop no seu interior com suas canções correspondentes, sendo que suas letras são de domínio público. Acerca do aspecto formal das canções, há um grupo delas – ou de introduções a algumas dentre elas – compostas de “palavras vazias”, isto é, de sons melódicos, sem nenhum significado associado. A maioria, todavia, apresenta letras com significação, sendo que boa parte do conteúdo consiste na narração, por um yãmĩy, de algum acontecimento concreto, ou mesmo, sobre o comportamento de algum dos seres que habitam o mundo (homem incluso). Os cantos que compõem cada grupo são tidos como definitivamente dados e imutáveis, pois teriam sido recebidos de uma maneira fixa por parte dos próprios espíritos cantores. Na prática, no entanto, existe a possibilidade de mudança e renovação. Estas alterações só podem se tornar inteligíveis se referidas ao passado; decorre daí que mesmo os cantos novos sejam compreendidos como sendo histórias de antigamente. Assim, os Maxakali dispõem de canções que versam sobre temas bem atuais, como os voos dos aviões e as bebedeiras nas cidades, mas que teriam sido contados pelos yãmĩyxop desde tempos imemoriais, portanto, desde antes do contato com estas realidades empíricas. Cada ritual apresenta sequências específicas de cantos e nem todos dispõem de danças e evoluções no pátio (hãpxep). Mas há alguns princípios comuns a eles: todos começam por um chamado feito pelos humanos, na forma de assovios e silvos, para que um yãmĩy específico venha visitá-los na kuxex. Durante estes ritos é mobilizada boa parte do grupo local: os homens ficam na kuxex, seu espaço exclusivo, uma vez que eles são tidos como os senhores do sagrado; são eles que entoam os cantos em uníssono e preparam os meninos mais jovens para encarnar o yãmĩyxop, isto quando o ritual dispõe de danças e evoluções no pátio situado defronte à kuxex. Quanto às mulheres, elas ficam no hãpxep, ora acompanhando as evoluções feitas pelos yãmĩyxop, ora deitadas no chão, escutando as mensagens que ecoam da kuxex. Em todos os casos, porém, elas ficam à posto para preparar alimentos que serão distribuídos na kuxex, de onde os homens emprestam seus corpos para dar vida aos espíritos cantores. Cada canto pertence a uma pessoa específica e só pode ser entoado nos rituais mediante sua presença e/ou sua autorização expressa, sendo que cada canção foi legada por um yãmĩyxop a um humano. Por exemplo, no ritual do Xũnĩn cada comida é ofertada ao espírito pela mulher do dono do canto, indicando esta ligação estrita entre os humanos e o yãmĩyxop. Quando se estabelece uma ligação positiva, o yãmĩy pode ensinar um canto para o ente humano, o qual será repetido pela pessoa na kuxex em companhia de outros homens, dos demais yãmĩyxoptak (literalmente os “pais” da religião), isto é, os homens que frequentam a kuxex e emprestam suas vozes aos yãmĩy que frequentam esta casa. Os cantos não são criados com constância, havendo um repertório fixo que é passado de geração em geração, normalmente ainda em vida. Como todas as pessoas dispõem de cantos pessoais, a esmagadora maioria dos cantos lhes foi dada por um parente próximo ou um aliado. Sendo assim, os yamĩyxop acionam circuitos de relações comensais. Para se realizar estes rituais é preciso haver um excedente de víveres, dado que uma parte será destinada ao todos os moradores do núcleo residencial que realiza o yãmĩyxop e outra parte é destinada aos homens que realizam as performances física e vocais que dão forma aos yãmĩyxop. Além disso, como mostra a Tabela 1, na origem da atual coalizão de pessoas que forma os Maxakali há grupos que viviam afastados entre si, separados por até 450 quilômetros, e formaram o repertório de cantos dos yãmĩyxop atuais através da troca de cantos pessoais que eles traziam consigo. Com isso, o acesso aos yãmĩyxop somente é possível mediante a participação de pessoas provenientes de parentelas distintas, mediante a troca de palavras desta pessoas, o que leva à construção do entendimento entre eles. Em suma, foi preciso construir um meio de aliar estes grupos, através das trocas matrimoniais, mas também pela codificação da violência que perpassava as relações, algo presente nos yãmĩyxop, dado eles instauram trocas de mensagens entre os envolvidos, além de acionar circuitos de reciprocidade comensal nos alimentos doados aos yãmĩyxop.

Horizontes e limites abertos pelo conflito de 2004-2005 Pessoalmente, não acho tão extraordinário que a rede de alianças formadas ao longo do conflito envolva alguns grupos Maxakali com os fazendeiros. Até porque do lado dos grupos “minoritários”, também houve acordo com setores não indígenas favoráveis à sua empreitada – o CIMI, no caso. Como mencionei acima, sempre existiu algum grau de proximidade entre os membros deste povo e os colonizadores que os engolfaram, por mais que isso não mobilize todos os elementos necessários para a formação de uma ligação social sólida, algo formado apenas mediante as trocas matrimoniais e os yãmĩyxop – que são responsáveis, simultaneamente, pela formação de uma reciprocidade de bens e mensagens para além dos grupos familiares tomados individualmente.

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De fato, o aspecto que mais me impressiona é a amplitude que a aliança interna aos grupos Maxakali assumiu. Nos embates todos os grupos políticos e parentelas se voltaram contra os grupos de Noêmia, Rafael, Totó e Pinheiro. Formou-se “um todos contra um”, algo bem atípico para o pensamento político Maxakali. Tão extraordinário que não teve nenhuma perenidade. Em minha estadia de campo posterior à expulsão dos grupos vencidos, em janeiro de 2005, os grupos voltavam a habitar separadamente, uma vez que a ameaça de um ataque inimigo estava afastada. Quando voltei no ano seguinte, os conflitos e tensões menores entre as parentelas e grupos políticos voltavam a ocupar a ordem do dia. De fato, quando consultamos os dados históricos sobre os Maxakali a fragmentação parece ser uma constante em sua organização política. Temos somente o exemplo do Capitão Tomé (MISSÁGIA DE MATTOS I. 2006) como sendo capaz de manter uma coalizão política ao longo de algumas décadas, na segunda metade do século XVIII. Tanto no caso desta personagem histórica quanto no presente conflito há algo em comum: a guerra serviu de mote para a constituição de uma aliança mais ampla. Tudo isso parece ir ao encontro das ideias de Pierre Clastres sobre a guerra primitiva (2004). Para este autor a fragmentação institucional é efeito esperado deste tipo de dinâmica societária e a única forma de manter certo poder se dá na guerra, o que leva muitas vezes o guerreiro selvagem a um fim trágico, quando seu desejo de poder e glória extravasam a vontade de luta dos demais. Embora concorde com a afirmação de Philippe Descola (1988), quando este diz que este caráter fragmentário parece ser fruto do colonialismo europeu, cuja ação desarticulou as formas de cooperação presentes nas chefaturas autóctones, tendo a conceder algum grau de plausibilidade às hipóteses de trabalho empreendidas por Clastres. O caso Maxakali parece ilustrar a ação desse tipo de lógica. Ainda se considerarmos que esse tipo de conduta ocorre sob a ação do colonialismo, ele deve ter alguma eficácia para lidar com este contexto. Tanto no que se refere à dimensão do contingente populacional criado, quanto à sua coesão interna. Em ambos os casos, deveria ter sido bom o bastante para garantir os recursos necessários à subsistência. No mínimo, ainda que estivesse fora dos padrões ótimos de funcionamento, este sistema deve ter garantido acesso aos recursos naturais imprescindíveis para a sobrevivência do grupo, acesso à terra. Por mais paradoxal que seja, tal lógica esteve atuante no caso deste conflito e parece ter funcionado a contento. Não criando uma máquina de guerra capaz de confrontar e vencer os inimigos colocados à sua frente, como estaríamos tentados a pensar que ela atuava. Parece, ao contrário, que a formação de fragmentação social consiste na força deste mecanismo, na medida em que ele leva os grupúsculos formados a se espraiar por um território e se instalar de maneira discreta. No caso foi exatamente isso que aconteceu, ainda que intermediada pela ação indigenista oficial, os grupos expulsos da T.I. Maxakali ganharam a posse de outras 2 pequenas porções de terras, mais ou menos afastadas da qual eles foram alijados. Como os mecanismos de conflito e alianças acionam circuitos semelhantes, aqueles que se enfrentam hoje podem ser os aliados de amanhã, como as relações entre Noêmia e Maria Diva parecem indicar. Aliás, como seria diferente, uma vez que os casamentos preferenciais, hoje, englobam cônjuges Maxakali e a troca de parceiros neste caso terá de fazer apelo cedo ou tarde aos grupos expulsos e vice versa. Além disso,uma vida ritual levada a cabo com parte da coletividade não é completa e tudo leva a crer que alguma instância de aproximação se fará presente entre estes agentes cedo ou tarde. Do contrário, os Maxakali alijados da vida na T.I. terão de inventar uma outra dinâmica para sua vida, outros mecanismos de aliança e acomodação dos conflitos. Mas caso isso ocorra, isso será assunto para outra hora. Agora, só me cabe constar a eficácia do mecanismo de alianças criado pelos Maxakali para se instituírem enquanto povo. Ao menos é isso que espero ter indicado na exposição acima.

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Quadro sinóptico e termos de parentesco dos Maxakali.

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Quadro de referência: termos de parentesco – ego masculino.

Quadro de referência: termos de parentesco – ego feminino.

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Notas (1) Os Borun são popularmente conhecidos como Botocudos, sendo os inimigos históricos dos Maxakali. (2) Trata-se do assassinato de Cotia Maxakali, ocorrido em 20 de novembro de 2004. Cotia era sobrinho de Guigui Maxakali, o principal líder do Pradinho atualmente, que exigiu a reparação por sua morte – isto é, que Rafael Maxakali entregasse o responsável pela morte de Cotia para que ele fosse executado. Como não foi atendido em suas reivindicações, Guigui jurou se vingar por conta própria. (3) O grupo de Noêmia Maxakali enfrentava fortes conflitos com outros grupos de Água Boa, em especial o liderado por Marcelo Maxakali. A violência se tornou aguda por conta do assassinato de Alfredo Maxakali, na volta da feira de Santa Helena de Minas ocorrida em 2 de maio de 2004. Quando vão às cidades muitas vezes os indígenas se embriagam, podendo ocorrer desentendimentos mais ou menos graves. Neste dia, Alfredo, que pertencia ao grupo de Marcelo Maxakali, conflitou com o pessoal de Noêmia, que acabaram matando-o. O revide veio poucos dias depois, quando alguns parentes de Marcelo investiram contra Valtair e Jupi, duas pessoas do grupo de Noêmia (Jupi era irmão desta). (4) Segundo a autora: «O meu papel, como mulher dentro da comunidade, possibilitou um melhor aprendizado de certos fenômenos culturais, ao passo que, em outros assuntos, o acesso foi relativamente mais difícil. A mulher Maxakali não fala sobre assunto íntimos com facilidade, muito menos quando é interrogada. Ela não fala sobre sexo nem religião. Essa situação, aliada ao meu interesse natural, fizeram com que a minha pesquisa recaísse mais sobre assuntos de parentesco e casamento, e não sobre ideias religiosas, para as quais meu marido, como homem, tinha acesso natural.» (POPOVICH F. 1980: 7). (5) Explicitados da seguinte forma por Popovich: «I. Distinguem-se todos os parentes, em termos da terminologia, através do sexo de alter. II. Distinguem-se todos os parentes da geração do ego, e todos os parentes colaterais das gerações descendentes conforme o sexo do ego. III. O sexo dos parentes intermediários distingue os parentes paralelo dos parentes cruzados. IV. Não há termos específicos para designar os afins. O parentesco advindo através do casamento enquadra-se na categoria de parentes cruzados, dando a entender que o casamento entre primos cruzados matrilaterais é o ideal. V. Distingue-se a geração do alter através da terminologia. Os termos de parentesco da categoria de avós e netos referem-se a todos os parentes afastados por duas ou mais gerações do ego. Referem-se também aos parentes de outras gerações por um dos dois princípios de equivalência: A. 1º princípio: A distinção existente entre uma geração afastada do ego e mais de uma geração não se aplica no caso dos parentes cruzados. Aplicam-se os termos de parentesco da categoria de avós e netos a todos os tipos de parentes cruzados correspondentes à primeira geração, a partir do ego. B. 2º princípio: Não há distinção de termos entre a geração do ego e uma geração afastada do ego quando se trata da prima cruzada patrilateral do ego masculino: elas são classificadas do mesmo modo que os parentes cruzados do sexo feminino mais velhos que elas, e os parentes masculinos, do mesmo modo que parentes cruzados mais novos que eles.» (POPOVICH F. 1980: 30-31). (6) Como apontou Claude Lévi-Strauss: «Os primitivos só conhecem dois meios de classificar os grupos estranhos: ou são ‘bons’ ou são ‘maus’. Mas a tradução ingênua dos termos indígenas não nos deve iludir. Um grupo ‘bom’ é aquele ao qual, sem discutir, concede-se hospitalidade, aquele para o qual nos despojamos dos bens mais preciosos, ao passo que o grupo ‘mau’ é aquele do qual se espera e ao qual se promete, na primeira ocasião, o sofrimento ou a morte.» (LÉVI-STRAUSS C. 1976a: 100).

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