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Universidade de Aveiro 2007
Departamento de Biologia
Anabela de Oliveira Pereira
Cardosina A como modelo para o estudo da estabilidade conformacional de proteinases aspárticas
Universidade de Aveiro
2007 Departamento de Biologia
Anabela de Oliveira Pereira
Cardosina A como modelo para o estudo da estabilidade conformacional de proteinases aspárticas
tese apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Biologia, realizada sob a orientação científica da Professora Doutora Marlene Maria Tourais de Barros, Professora Associada com Agregação do Centro Regional das Beiras, Universidade Católica Portuguesa e da Professora Doutora Maria de Lourdes Gomes Pereira, Professora Associada com Agregação do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro.
Apoio financeiro do POCTI no âmbito do III Quadro Comunitário de Apoio através do projecto POCTI/QUI/60791/2004
Apoio financeiro da Universidade de Aveiro através de bolsa de Doutoramento
o júri
presidente Professor Doutor Armando da Costa Duarte Professor Catedrático do Departamento de Química da Universidade de Aveiro
Professora Doutora Maria Ana Dias Monteiro Santos Professora Catedrática do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro
Professor Doutor Euclides Manuel Vieira Pires Professor Associado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
Professor Doutor Eduardo José Xavier Rodrigues de Pinho e Melo Professor Associado com Agregação da Faculdade de Engenharia de Recursos Naturais da Universidade de Algarve
Professor António Carlos Matias Correia Professor Associado com Agregação do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro
Professora Doutora Marlene Maria Tourais de Barros Professora Associada com Agregação do Centro Regional das Beiras da Universidade Católica Portuguesa
Professora Doutora Maria de Lourdes Gomes Pereira Professora Associada com Agregação do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro
agradecimentos
Agradeço à Universidade de Aveiro a bolsa de estudos concedida. Agradeço ao Departamento de Biologia e ao Centro de Biologia Celular da Universidade de Aveiro a possibilidade de realização do trabalho conducente à execução desta dissertação. Desejo manifestar os meus agradecimentos à Professora Doutora Marlene Barros pela sua orientação, dedicação e apoio no decurso deste trabalho. Não posso deixar ainda, de agradecer a sua persistência, o incentivo e a forma positiva como encara os momentos mais difíceis. À Professora Doutora Maria de Lourdes Pereira gostaria de agradecer a sua disponibilidade e apoio como co-orientadora deste projecto. À “sub-chefe” devo agradecer, em particular, os seus valiosos esclarecimentos, sempre prestados de boa vontade e a paciência com que sempre ouviu as minhas dúvidas. Cristina, Cláudia, Sofia, Isabel, Joca e Marta, muito obrigada pelo vosso companheirismo e amizade. Às “miúdas”, que foram chegando e entrando nas nossas vidas, obrigada. Ao Professor Doutor António Correia quero agradecer o acolhimento e a possibilidade de realizar os trabalhos conducentes à execução do trabalho aqui apresentado. Ao Professor Doutor João Costa Pessoa agradeço por me ter recebido no seu laboratório, no Departamento de Engenharia Química e Biológica do Instituto Superior Técnico de Lisboa, para realizar os estudos de dicroísmo circular apresentados neste trabalho. Agradeço também às suas colaboradoras, Ana Isabel Tomaz e Ana Isabel Correia, a disponibilidade com que sempre responderam às minhas solicitações. Ao Professor Doutor Armando Duarte agradeço a possibilidade de utilizar o equipamento necessário à realização dos estudos de fluorescência, no seu laboratório, no Departamento de Química desta universidade. Agradeço também ao Professor Doutor Valdemar Esteves pelo interesse, acompanhamento e ajuda disponibilizada. À minha família agradeço por tudo. Aos meus pais em especial agradeço por me terem tornado possível o meu percurso. Ao meu marido, Nelson, agradeço o incentivo, a confiança e o apoio incondicional em todos os momentos. À minha filha agradeço todas as alegrias que me proporcionou nos últimos cinco anos e peço desculpa por todos aqueles “Agora não, Maria!…”. Este trabalho foi financiado pela Universidade de Aveiro, através de uma bolsa de Doutoramento e pela FCT, através do projecto POCTI/QUI/60791/2004.
palavras-chave
Cardosina A, Proteases Aspárticas, Estados Conformacionais, Desnaturantes, Hidrocloreto de Guanidina, Ureia.
resumo
As proteinases aspáticas (PA) constituem uma família das enzimas proteolíticas envolvidas em importantes processos biológicos. Nos últimos anos o conhecimento acerca das proteinases aspárticas tem aumentado devido ao interesse científico motivado pela descoberta do envolvimento destas enzimas em patologias humanas, como a SIDA, o cancro e a doença de Alzheimer. É conhecido que algumas destas doenças estão relacionadas com o folding incorrecto de proteínas. No entanto, são muito poucos os estudos realizados acerca do problema do folding de proteínas em proteinases aspárticas. A cardosina A é uma proteinase aspártica modelo, extraída a partir de C. cardunculus, é uma enzima heterodimérica que tem vindo a ser isolada, purificada e caracterizada. Neste trabalho foi estudado o equilíbrio de unfoldingda cardosina A na presença de desnaturantes clássicos, como a ureia e o hidrocloreto de guanidina (GndHCl), conhecidos por promover o desenrolamento das proteínas estabilizando o estado desenrolado relativamente ao estado nativo. Os desnaturantes químicos são frequentemente utilizados para desnaturar proteínas e caracterizar mecanismos e estados de transição do enrolamento. A estabilidade conformacional da cardosina A na presença de ureia e GndHCl foi avaliada, utilizando ensaios de actividade, cromatografia de exclusão molecular (SEC), proteólise reduzida e métodos espectroscópicas como dicroísmo circular (CD) e fluorescência. Verificou-se que concentrações crescentes de desnaturante induzem a completa inactivação da cardosina A e a perda de estrutura secundária e terciária. No entanto, a desnaturação da cardosina A na presença destes desnaturantes mostrou ser um processo reversível. A não coincidência das curvas de desnaturação obtidas por fluorescência e por CD na região do UV-afastado, para ambos os desnaturantes, revelou que a cardosina A segue um mecanismo não cooperativo com formação de intermediários estáveis em equilíbrio. Ambos os desnaturantes induzem um desenrolamento independente das sub-unidades da cardosina A, sendo a sub-unidade menor a que apresenta uma menor estabilidade. A comparação dos mecanismos de desnaturação conduzidos na presença da ureia e do GndHCl mostra algumas diferenças, nomeadamente a dissociação das sub-unidades da cardosina A que ocorre apenas na presença do caotrópico com carácter iónico. A análise estrutural das moléculas de cardosina A e de pepsina A permitiu concluir que o seu estado oligomérico assim como as ligações dissulfito desempenham um papel importante na estabilidade conformacional das PAs.
keywords
Cardosin A, Aspartic Proteinases, Conformational States, Denaturants, Guanidine Hydrochloride, Urea.
abstract
Aspartic proteinases (AP) are a family of proteolytic enzymes involved in a number of important biological processes. In the last years, the knowledge on aspartic proteinases has improved by the research interest caused by the discovery that these enzymes are involved in human diseases, like AIDS, cancer and Alzheimer´s disease. It is known that several of these diseases are related to the abnormal folding of proteins. However, only a small number of studies about the problem of the protein folding of aspartic proteinases are available. Cardosin A is a model aspartic protease, from C. cardunculus, a heterodimeric enzyme that has been already isolated, purified and characterised. In this work, the unfolding equilibrium of cardosin A in the presence of chemical denaturants, such as urea and guanidine hydrochloride (GndHCl), was studied. These denaturants have long been known to unfold proteins by stabilizing the unfolded state compared to the native state. Chemical denaturants are frequently used to unfold proteins and characterise mechanisms and transition states of protein folding reactions. The conformational stability of cardosin A against the denaturation action of urea and GndHCl was investigated using proteolytic activity assays, exclusion size chromatography (SEC), limited proteolysis and spectroscopic methods as circular dichroism (CD) and fluorescence. Increasing denaturants concentrations lead to a complete inactivation of cardosin A and loss of secondary and tertiary structures. Nevertheless, the unfolding of cardosin A in the presence of these denaturants is a reversible process. No coincidence of transitions, when detected by different probes as fluorescence and Far-UV CD, for both urea and GndHCl, showed that a non-cooperative mechanism with stabilization of partially folded intermediaries is involved. Both denaturants lead to an independent unfolding of cardosin A subunits, where the light chain is less stable than the heavy chain. Nevertheless, Comparison of the denaturation mechanisms induced by the urea and GndHCl showed some differences: namely the heterodimer dissociation that occurs only in the presence of the chaotrope with ionic character. Structural analysis of cardosin A and pepsin A molecules demonstrated that the oligomeric state, as well as the disulfide bonds, have an important role on the conformational stability of APs.
“Se não houver frutos, valeu a beleza das flores.
Se não houver flores, valeu a sombra das folhas.
Se não houver folhas, valeu a intenção da semente.”
Henfil, 1984
Índice
Abreviaturas ....................................................................................................... i
Lista de figuras ................................................................................................. iii
Lista de tabelas................................................................................................ vii
1 Introdução................................................................................................1
1.1 Da estrutura à função..............................................................................2
1.2. Estabilidade de proteínas.........................................................................3
1.2.1. Estabilidade conformacional de proteínas ...........................................6
1.2.2. Desnaturação reversível e irreversível .................................................9
1.2.3. Natureza do processo de desnaturação ...............................................9
1.2.4. Indução da desnaturação .................................................................12
1.2.5. Desnaturação química......................................................................13
1.3. Proteinases aspárticas ...........................................................................16
1.3.1. Características gerais .......................................................................17
1.3.2. Estrutura primária ...........................................................................19
1.3.3. Estrutura tridimensional ..................................................................20
1.3.4. Local activo e mecanismo catalítico...................................................22
1.3.5. Proteinases aspárticas de Cynara cardunculus L. ..............................24
1.3.5.1. Cardosina A...............................................................................25
a) características gerais........................................................................25
b) estrutura .........................................................................................27
c) interesse biotecnológico ....................................................................28
2. Objectivos ..............................................................................................31
3. Material e métodos.................................................................................33
3.1. Purificação da cardosina A.....................................................................33
3.1.1. Remoção de sal das amostras ...........................................................34
3.1.2. Concentração das amostras..............................................................35
3.1.3. Avaliação da pureza das amostras ....................................................36
3.2. Quantificação de proteína ......................................................................36
3.3. SDS-PAGE.............................................................................................37
3.4. Ensaio de actividade ..............................................................................38
3.4.1. Efeito da presença de concentrações crescentes de desnaturante na
actividade catalítica da cardosina A ............................................................38
3.4.2. Efeito da concentração de desnaturante na actividade catalítica da
cardosina A ao longo do tempo ...................................................................38
3.4.3. Efeito da concentração de enzima na actuação do desnaturante sobre a
actividade catalítica da cardosina A ............................................................38
3.4.4. Ensaios de reactivação .....................................................................39
3.5. Métodos espectroscópicos ......................................................................40
3.5.1. Fluorescência ...................................................................................40
3.5.2. Dicroísmo circular ............................................................................41
3.6. Estudos de hidrodinâmica .....................................................................43
3.6.1.Padrão de pesos moleculares para SEC..............................................43
3.7. Proteólise reduzida................................................................................46
4. Resultados e discussão ..........................................................................47
4.1. Caracterização estrutural/conformacional.............................................47
4.1.1. Estudos espectroscópicos .................................................................47
4.1.1.1. Fluorescência .............................................................................47
a) ureia ................................................................................................49
b) GndHCl............................................................................................51
c) análise dos resultados ......................................................................53
4.1.1.2. Dicroísmo circular ......................................................................55
4.1.1.2.1. UV-afastado .........................................................................56
a) ureia.............................................................................................56
b) GndHCl ........................................................................................58
c) análise dos resultados...................................................................60
4.1.1.2.2. UV-próximo..........................................................................61
a) ureia.............................................................................................61
b) GndHCl ........................................................................................63
4.1.1.3. Discussão...................................................................................65
4.1.2. Estudos de hidrodinâmica ................................................................70
a) ureia ...................................................................................................70
b) GndHCl ...............................................................................................73
4.1.2.1. Discussão ...............................................................................75
4.2. Caracterização funcional .......................................................................76
4.2.1. Efeito da presença de concentrações crescentes de desnaturante na
actividade catalítica da cardosina A ............................................................76
a) ureia ...................................................................................................77
b) GndHCl ...............................................................................................78
4.2.2. Efeito da concentração de desnaturante na actividade catalítica da
cardosina A ao longo do tempo ...................................................................79
a) ureia ...................................................................................................79
b) GndHCl ...............................................................................................81
4.2.3. Efeito da concentração de enzima na actuação do desnaturante sobre a
actividade catalítica da cardosina A ............................................................82
a) ureia ...................................................................................................82
b) GndHCl ...............................................................................................83
4.2.4. Discussão .........................................................................................84
4.3. Discussão geral.....................................................................................87
4.3.1. Acção desnaturante dos caotrópicos ureia e GndHCl.........................87
4.3.2. Estados desnaturados da cardosina A...............................................91
4.3.3. Resistência à desnaturação ..............................................................96
5. Conclusões ..........................................................................................103
6. Bibliografia ..........................................................................................105
i
Abreviaturas
ACN Acetonitrilo
ATEE N-acetil-L-triptofano etil ester
BCA Ácido bicinconínico
CD Dicroísmo circular
D Desnaturado
[D]1/2 Concentração de desnaturante à qual corresponde 50% da
desnaturação da proteína
DAN Éster metílico de diazoacetil-DL-norleucina
DMSO Dimetilsulfóxido
EDTA Ácido etilenodiamino tetra-acético
FPLC Cromatografia líquida de média pressão
GndHCl Hidrocloreto de guanidina
HIV Vírus da imunodeficiência humana
HPLC Cromatografia líquida de alta pressão
HSA Albumina do soro humano
I Intermediário
N Nativo
PAGE Electroforese em gel de poliacrilamida
PAs Proteinases aspárticas
PSI Inserto específico de plantas
RP Fase reversa
SASA Área de superfície acessível ao solvente
SEC Cromatografia de exclusão molecular
ii
SDS Lauril sulfato de sódio
TEMED N´,N´,N´,N´-tetrametil etilenodiamina
TFA Ácido trifluoroacético
TFE Ácido trifluoroetanol
Tris 2-amino 2-hidroximetil-1,3 propanodiol
UV Ultra violeta
λmáx Comprimento de onda máximo
iii
Lista de figuras
Introdução
Figura 1.1: Modelo do mecanismo da síntese uma cadeia polipeptídica a partir do
ribossoma e do seu folding para adquirir o estado nativo ....................................5
Figura 1.2: Ilustração de uma proteína na conformação nativa e desnaturada ....6
Figura 1.3: Representação esquemática da camada de hidratação formada por
moléculas de água em redor de uma proteína no estado nativo e no estado
desnaturado ......................................................................................................7
Figura 1.4: Representação esquemática do processo de desnaturação de
proteínas na presença de ureia ........................................................................14
Figura 1.5: Sobreposição dos resíduos do local catalítico de 18 famílias diferentes
de proteinases aspárticas.................................................................................18
Figura 1.6: Estrutura tridimensional da pepsina humana (identificação PDB:
1PSN) .............................................................................................................21
Figura 1.7: Representação do mecanismo catalítico das proteinases aspárticas.23
Figura 1.8: Representação da estrutura tridimensional da cardosina A
(identificação PDB: 1B5F).................................................................................27
Material e métodos
Figura 3.1: Perfil cromatográfico de exclusão molecular....................................33
Figura 3.2: Perfil cromatográfico de troca aniónica ........................................ ...34
iv
Figura 3.3: Perfil cromatográfico de exclusão molecular (HiPrep 26/10
Desalting).........................................................................................................35
Figura 3.4: Perfil electroforético das fracções obtidas durante o processo de
purificação da cardosina A ...............................................................................36
Figura 3.5: Perfil de eluição obtido por cromatografia de exclusão molecular.....44
Figura 3.6: Curva de calibração de pesos moleculares ......................................45
Resultados e discussão
Figura 4.1: Representação da estrutura tridimensional da cardosina A.............48
Figura 4.2: Efeito da ureia na cardosina A monitorizado por fluorescência........50
Figura 4.3: Efeito do GndHCl na cardosina A monitorizado por fluorescência....52
Figura 4.4: Diferença entre o comprimento de onda de emissão máxima
determinado para o ATEE e para a cardosina A ................................................54
Figura 4.5: Efeito da ureia na cardosina A monitorizado por CD no UV-
afastado............................................................................................................57
Figura 4.6: Efeito do GndHCl na cardosina A monitorizado por CD no UV-
afastado...........................................................................................................59
Figura 4.7: Variação da elipticidade da cardosina A em função das diferentes
concentrações de GndHCl e de ureia ................................................................60
Figura 4.8: Efeito de GndHCl na cardosina A monitorizada por CD na região do
UV-próximo .....................................................................................................62
Figura 4.9: Efeito de GndHCl na cardosina A monitorizado por CD na região UV-
próximo ...........................................................................................................64
Figura 4.10: Perfis de hidrólise da cardosina obtidos por proteólise reduzida ....66
v
Figura 4.11: Curvas de desnaturação da cardosina A obtidas por CD na região do
UV-afastado e por fluorescência, na presença de ureia e na presença de
GndHCl............................................................................................................69
Figura 4.12: Efeito da ureia no volume hidrodinâmico da cardosina A ..............71
Figura 4.13: Perfis de eluição da cardosina A na presença de 8M de ureia ........72
Figura 4.14: Efeito da GndHCl no volume hidrodinâmico da cardosina A ..........74
Figura 4.15: Perfil de inactivação da cardosina A, na presença de concentrações
crescentes de ureia e de reactivação após remoção do desnaturante por
diluição... ........................................................................................................77
Figura 4.16: Perfil de inactivação da cardosina A, na presença de concentrações
crescentes de GndHCl e de reactivação após remoção do desnaturante por
diluição ...........................................................................................................79
Figura 4.17: Perfis de inactivação da cardosina A na presença de 0,5M, 3,5M e
7M de ureia .....................................................................................................80
Figura 4.18: Perfis de inactivação da cardosina A na presença de 0,5M e 2,5M de
GndHCl ...........................................................................................................81
Figura 4.19: Perfis de inactivação da cardosina A na presença de concentrações
crescentes de ureia e duas concentrações de enzima ........................................83
Figura 4.20: Perfis de inactivação da cardosina A na presença de concentrações
crescentes de GndHCl e duas concentrações de enzima....................................84
Figura 4.21: Perfis de hidrólise da cardosina A obtidos por proteólise reduzida..86
Figura 4.22: Perfis de hidrólise da cardosina A, obtidos por proteólise reduzida,
na presença de 1M e 7M de ureia .....................................................................94
Figura 4.23: Esquema proposto para a desnaturação da cardosina A ...............96
Figura 4.24: Estruturas tridimensionais da cardosina A e da pepsina...............97
vi
Figura 4.25: Distribuição das ligações dissulfito nas estruturas tridimensionais
da cardosina A e da pepsina humana...............................................................99
Figura 4.26: Distribuição das ligações dissulfito e dos resíduos de triptofano nas
estruturas tridimensionais da cardosina A e da pepsina humana ...................101
vii
Lista de tabelas
Resultados e discussão
Tabela 4.1: Valores de [D]1/2 para ambos os agentes desnaturante, determinados a partir dos resultados de fluorescência e CD na região do UV-afastado.........................................67
Tabela 4.2: Valores de λmáx e de elipticidade obtidos para o estado conformacional da cardosina A que corresponde à alteração máxima induzida pelos caotrópicos ureia e GndHCl................................................................................................................................68
Tabela 4.3: Valores relativos da área de superfície acessível ao solvente, obtidos para os resíduos de triptofano na estrutura nativa, utilizando o programa GETAREA 1.1............100
viii
1. Introdução
Introdução
1
Nos últimos anos, o conhecimento sobre as proteinases aspárticas tem sido
muito incrementado pela descoberta do seu envolvimento em doenças humanas,
como a hipertensão, a SIDA, doença de Alzheimer, doenças gástricas, infecções
parasíticas e cancro. A base molecular de algumas destas doenças está associada
a erros no correcto enrolamento das proteínas envolvidas, que deixam de
desempenhar a função para a qual foram sintetizadas. Estudos de estabilidade
destas proteínas poderão ser de extrema importância para a caracterização dos
mecanismos envolvidos nas patologias a que estão associadas, assim como, para
a descoberta de soluções terapêuticas. A procura intensa de inibidores que
permitam conhecer e controlar as funções fisiológicas e/ou patológicas destas
enzimas tem estimulado a investigação no sentido de resolver a relação
estrutura/função (Hong & Tang, 2004).
A cardosina A é uma proteinase aspártica heterodimérica, de origem vegetal, cujo
procedimento de purificação permite obter um elevado rendimento de enzima
pura, motivando a intensa caracterização que tem vindo a ser alvo. Desde há
vários séculos a cardosina A é utilizada para o fabrico artesanal de queijos, no
entanto, possui características que potenciam diversas aplicações
biotecnológicas. Esta enzima tem vindo a ser considerada um bom modelo para
estudos de estrutura/função das proteinases aspárticas. A caracterização
estrutural destas proteínas poderá esclarecer a base da sua função assim como a
estrutura e a actividade das proteínas em geral.
O mecanismo de desnaturação das proteinases aspárticas geralmente envolve a
estabilização de estados não nativos ou parcialmente desnaturados, dos quais
muito pouco se sabe. Conhecer as características estruturais destes estados
conformacionais não nativos e quais as funções fisiológicas que desempenham
nas células tem sido o grande objectivo dos estudos de estrutura de proteínas.
Introdução
2
1.1. Da estrutura à função
Uma vez determinada a estrutura de uma proteína é possível retirar informação
relevante acerca do papel bioquímico e biológico que essa proteína desempenha
no organismo. A estrutura mostra a organização geral da(s) cadeia(s)
polipeptídica(s) em três dimensões, a partir da qual podem ser identificados os
resíduos que se encontram no interior da molécula e os que se encontram à
superfície, expostos ao solvente; a forma e a composição da superfície da
molécula; a estrutura quaternária; fazer a sobreposição com diferentes grupos;
identificar complexos proteína-ligando, etc. Relativamente à função, os
complexos proteína-ligando constituem uma das informações mais importantes,
a natureza do ligando e o local de ligação à proteína e mais especificamente no
caso das enzimas a sequência de resíduos no local activo, a partir da qual pode
ser inferido o mecanismo catalítico (Thornton et al., 2000). Por outro lado
comparar o enrolamento (fold) ou motivos da estrutura de uma proteína com
estruturas disponíveis nas bases de dados, poderá revelar semelhanças a partir
das quais é possível deduzir informações acerca da função biológica e bioquímica
dessa proteína (Orengo, 1994; Orengo et al., 1999).
Compreender e caracterizar o modo como as proteínas realizam todas as funções
biológicas necessárias à vida, constitui um grande desafio. Compreender estes
processos a nível molecular requer o conhecimento das estruturas
tridimensionais que revelam detalhes ao nível das ligações, da catálise e da
sinalização. Individualmente, estas estruturas revelam muito acerca de
mecanismos moleculares específicos que ajudam a elucidar a função biológica
em particular. Todas as estruturas já determinadas, formam um conjunto de
dados que permite aos biólogos inferir acerca da evolução estrutural e funcional
destas moléculas (Thornton et al., 1999).
No entanto, o papel biológico de uma proteína numa célula ou num organismo é
muito mais complexo e resolver a estrutura tridimensional não é suficiente para
conhecermos tudo acerca da estrutura da molécula no sentido de compreender
as suas propriedades. Para além do problema da estrutura é necessário conhecer
a conformação da molécula, ou seja, o arranjo espacial dos átomos que compõem
a molécula (Kauzman, 1964). A maioria das actividades dos organismos vivos é
Introdução
3
regulada por proteínas, na sua conformação nativa, i.e., com uma estrutura
tridimensional estável, determinante no desempenho da função biológica para a
qual a proteína foi sintetizada. A conformação nativa de uma proteína é apenas
relativamente estável, uma vez que depende do ambiente em que se encontra. A
alteração das condições do meio pode causar alterações na estrutura da proteína
afectando a sua actividade. A perda de actividade, como resultado de alterações
de estrutura denuncia um estado desnaturado da proteína. A desnaturação
ocorre na presença de condições adversas que destroem as ligações de hidrogénio
e interacções fracas, responsáveis por manter a estrutura tridimensional das
proteínas. Actualmente, são conhecidos estados desnaturados ou parcialmente
desnaturados de muitas proteínas, embora a sua caracterização seja ainda muito
pobre (Chen et al., 2007). A cristalografia de raio-X faz uma aproximação do
problema, limitada ao estudo de uma molécula no estado cristalino. Os
processos químicos em organismos vivos ocorrem em solução tornando-se
necessária a realização de estudos de estrutura e de estabilidade em solução.
Deste modo, analisar o papel das diversas variáveis na formação da estrutura da
proteína constitui um pré requisito para compreender quais as forças
responsáveis pela estabilidade conformacional.
1.2. Estabilidade de proteínas
A estabilidade de proteínas define-se como um balanço de forças que determina a
sua conformação nativa (enrolada) ou desnaturada (desenrolada) quando
submetida a determinadas condições. Nesta perspectiva, a estabilidade de
proteínas envolve duas vertentes, a estabilidade química e a estabilidade
conformacional. No primeiro caso, a perda de estrutura deve-se a quebra de
ligações de natureza covalente, normalmente irreversíveis. A estabilidade
conformacional do estado nativo diz respeito a alterações de natureza não
covalente0 e reversíveis, permitindo recuperar a conformação nativa na presença
de condições favoráveis. A estabilização e a desnaturação de proteínas são temas
de grande interesse fisiológico, terapêutico e biotecnológico, onde o controlo da
estabilidade de uma proteína representa uma importante estratégia para a
Introdução
4
manutenção da actividade biológica (Fonseca et al., 2006). A análise da
estabilidade de proteínas constitui actualmente um instrumento para o
conhecimento da termodinâmica do processo de enrolamento (folding). A
problemática do enrolamento das proteínas, “the protein folding problem”
constitui um paradigma da biologia molecular. Para que uma proteína
desempenhe a função específica para a qual foi produzida é necessário que
adquira uma estrutura tridimensional correcta (figura 1.1), utilizando para isso
informação que está codificada na sua estrutura primária (Anfinsen, 1973; Chen
et al., 2007). Durante muitos anos pensou-se ser uma reacção espontânea, no
entanto e apesar do conhecimento adquirido nesta área continuam por esclarecer
algumas questões: qual o processo utilizado pela proteína para adquirir a
conformação nativa e biologicamente activa, quais as bases físicas da
estabilidade conformacional e de que modo a sequência de aminoácidos
determina o processo de enrolamento e a estrutura tridimensional resultante
(Creighton, 1990; Dill et al., 2007).
Introdução
5
Figura 1.1: Modelo do mecanismo da síntese uma cadeia polipeptídica a partir do ribossoma e do seu folding para adquirir o estado nativo. Em condições desfavoráveis a proteína não adquire o seu estado nativo e funcional. In:http://web.mit.edu/king-lab/www/.
Nos últimos anos foram identificadas várias patologias humanas e animais que
resultam do enrolamento incorrecto ou da baixa estabilidade de algumas
proteínas. Entre as doenças mais conhecidas, causadas por folding incorrecto ou
agregação de proteínas, encontram-se as encefalopatias espongiformes
adquiridas (tal como a BSE), a doença de Alzheimer, a doença de Parkinson e as
polineuropatias amilóides familiares (PAF), entre as quais a PAF portuguesa,
vulgarmente conhecida como "doença dos pezinhos" (Thomas, 1995; Brito et al.,
2003). Deste modo, o problema do folding e a estabilidade de proteínas deixou de
ter um interesse restrito para se tornar um assunto essencial na compreensão
dos mecanismos moleculares de diversas patologias. Entender o processo de
enrolamento destas proteínas permite à indústria farmacêutica desenvolver
Introdução
6
novas terapêuticas, nomeadamente inibidores. No caso da SIDA, por exemplo, os
inibidores mostraram ser o melhor tratamento uma vez que a PA retroviral do
HIV é essencial para a maturação das partículas virais (Cooper, 2002).
1.2.1. Estabilidade conformacional de proteínas
A estabilidade conformacional de uma proteína é definida pela diferença de
energia livre (∆G) entre o estado nativo (N) e o estado desnaturado (D), em
condições fisiológicas (Pace, 1990).
Figura 1.2: Ilustração de uma proteína na conformação nativa e desnaturada.
A estabilização do estado nativo, que corresponde geralmente à conformação
termodinamicamente mais estável, é gerida sobretudo por ligações de hidrogénio
e interacções hidrofóbicas (Pace, 1996). Uma vez sujeita à presença de agentes
desnaturantes, alterações de pH ou de temperatura, este equilíbrio de forças
altera-se e as proteínas podem perder a conformação nativa, assumindo um
estado desnaturado. Este processo pode ocorrer em duas fases, a primeira, que
envolve alterações reversíveis e uma segunda fase, se as condições desfavoráveis
persistirem, em que ocorre uma desnaturação irreversível.
Estado nativo Estado desnaturadoEstado nativo Estado desnaturado
Introdução
7
O facto de normalmente o estado nativo ser apenas ligeiramente mais estável (-5
a -10kcal/mol) do que o estado desnaturado (Pace, 1990), constitui o problema
da estabilidade das proteínas. Esta diferença energética entre os dois estados
resulta essencialmente da contribuição do efeito hidrofóbico e das ligações de
hidrogénio, favorecendo a conformação nativa, e da entropia conformacional que
promove a conformação desnaturada, uma vez que as possibilidades
conformacionais neste caso são inúmeras. Há um factor muito importante neste
balanço energético que parece ser fundamental no favorecimento da conformação
nativa, que é o aumento da entropia das moléculas de água que deixam de
solvatar o grupo hidrófobo quando se dá o enrolamento da proteína (figura 1.3).
Figura 1.3: Representação esquemática da camada de hidratação formada por moléculas de água (círculos) em redor de uma proteína (rectângulos) no estado nativo (N) e no estado desnaturado (D). In: Fonseca et al., 2006.
Por este motivo, o equilíbrio em soluções aquosas está deslocado para o estado N,
apesar do estado D apresentar uma entropia conformacional mais elevada
também requer uma energia livre de hidratação muito superior relativamente ao
estado nativo. Por outro lado, a baixa entropia conformacional do estado N é
compensada pela baixa energia livre de hidratação obtida pela força hidrofóbica
que obriga os grupos apolares da proteína a manterem-se no interior anidro da
molécula (Fonseca et al., 2006).
N DN D
Introdução
8
O método de extrapolação linear (LEM de Linear Extrapolation Method) tem sido
muito utilizado para medir a estabilidade conformacional de proteínas. Este
método foi utilizado pela primeira vez por Greene & Pace em 1974 para analisar
curvas de desnaturação promovidas pela presença de ureia e guanidina. A
estabilidade do estado nativo relativamente ao estado desnaturado está
intimamente associada à constante de equilíbrio (KND) entre os dois estados,
definida pela equação:
KND= [D]/[N] (equação 1)
A variação da energia livre de desnaturação (∆GND) está directamente relacionada
com a variação de energia livre padrão da desnaturação (∆GºND) e com a
constante de equilíbrio (KND), como mostra a equação:
∆GND = ∆GºND + RT ln KND, (equação 2)
onde R corresponde à constante universal dos gases (8,314 JK-1mol-1) e T à
temperatura, em Kelvin.
Em condições de equilíbrio KND é zero, reduzindo a equação 2 à seguinte forma:
∆GºND = -RT ln KND, (equação 3)
Em soluções aquosas, com N e D em equilíbrio, o significado físico de ∆GºND deve
ser interpretado tendo em conta o equilíbrio de quebra e formação de ligações
(hidrofóbicas, iónicas e de hidrogénio) no interior da molécula, o equilíbrio de
interacção de grupos da proteína com o solvente e o equilíbrio da organização
estrutural do solvente. Embora a água favoreça o estado nativo de uma proteína,
todos estes processos de equilíbrio são comprometidos por diversos factores
como a composição do solvente, a temperatura e o pH (Fonseca et al., 2006).
Introdução
9
1.2.2. Desnaturação reversível e irreversível
A estabilização/desnaturação de proteínas tem vindo a ser periodicamente
revista em trabalhos que mostram a grande complexidade destes processos
(Tanford, 1968; Dill & Shortle, 1991, Timashiff, 1998 & Schellman, 2002).
Estudar o equilíbrio de desnaturação das proteínas consiste em alterar as
propriedades físico-químicas do solvente, de modo a deslocar o equilíbrio no
sentido do estado nativo ou do estado desnaturado. Uma vez atingido o novo
equilíbrio é possível quantificar as moléculas no estado nativo e no estado
desnaturado e calcular a constante de equilíbrio. Esta análise só é possível
assumindo que o processo de desnaturação é reversível. No caso da
desnaturação ser irreversível, tratando-se de uma enzima, a quantificação faz-se
pela medição da actividade enzimática que é directamente proporcional à
concentração de enzima activa (Pinho e Melo, 2003).
A desnaturação irreversível pode ter dois tipos de causas, covalentes e não
covalentes. As causas covalentes mais comuns são a hidrólise de ligações
peptídicas, causadas por proteólise, autólise, valores de pH extremos ou
temperaturas elevadas e a formação de ligações intramoleculares entre resíduos
de aminoácidos modificados. As causas não covalentes que levam à
irreversibilidade do processo de desnaturação prendem-se com fenómenos de
agregação ou de renaturação incorrecta (misfolding). Neste último caso, a
proteína pode adquirir uma conformação semelhante à nativa não sendo no
entanto funcional (Volkin & Klibanov, 1991).
1.2.3. Natureza do processo de desnaturação
Durante muitos anos, a análise termodinâmica do equilíbrio da desnaturação
assentou no pressuposto de que as proteínas desnaturavam segundo um
mecanismo em dois estados N e D, envolvendo apenas uma simples transição
entre eles (Privalov, 1982):
Introdução
10
N ↔ D (equação 4)
O que significa que em equilíbrio só existiriam duas conformações em
concentração significativa, a nativa e a desnaturada. Este mecanismo de
desnaturação em dois estados admite a formação de outras conformações, com
propriedades termodinâmicas diferentes de N e D, mas energeticamente instáveis
em qualquer condição, sendo conformações de transição entre os dois estados.
Este pressuposto tem por base estudos de desnaturação reversível, realizados
com proteínas globulares monoméricas de baixo peso molecular (Pace, 1990;
1996). Estudos posteriores com proteínas maiores e com multi-domínios
revelaram processos de desnaturação por fases, com uma desnaturação
individual dos seus domínios (Privalov, 1982), ou desnaturam
independentemente ou com diferentes níveis de interacção entre eles (Brandts et
al., 1989; Griko et al., 1989).
Em determinadas circunstâncias, as interacções conformacionais da proteína
podem ser reduzidas ou até eliminadas, transformando a estrutura nativa da
proteína em conformações com propriedades intermediárias (I) entre os estados
nativo e completamente desnaturado (Uversky, 2002):
N ↔ I ↔ D (Equação 5)
A capacidade de uma proteína para adoptar conformações parcialmente
enroladas, estáveis em equilíbrio, pode ser considerada uma propriedade
intrínseca da cadeia polipeptídica não estando, no entanto, relacionada com a
sequência de aminoácidos, mas sim com a relação carga/hidrofobicidade da
cadeia polipeptídica. Isto é, as conformações parcialmente enroladas parecem ser
estabilizadas principalmente por interacções não específicas entre cadeias
laterais de resíduos hidrofóbicos (Uversky, 2002). As diferentes conformações
adoptadas, parcialmente enroladas ou intermediárias, desempenham um
importante papel na síntese e folding, função e degradação das proteínas
globulares (Baldwin, 1991; Fink, 1995).
Introdução
11
Mais recentemente, a análise cinética do mecanismo de desnaturação, utilizando
proteínas oligoméricas veio acrescentar informação suplementar ao nível da
interacção das sub-unidades e do folding destas proteínas (Neet & Timm, 1994).
A contribuição das interacções entre e intra cadeias para a estabilidade
conformacional da molécula, foi determinante para o conhecimento de outros
modos de estabilização de proteínas, nomeadamente ao nível da estrutura
quaternária. As proteínas oligoméricas normalmente sofrem dissociação das suas
sub-unidades em primeiro lugar e em seguida ocorre a desnaturação das
mesmas, podendo no entanto desnaturar independentemente (Jaenicke, 1987).
Geralmente apresentam um processo de desnaturação em 3 estados, envolvendo
no equilíbrio de dissociação e desnaturação o dímero nativo (N2), um monómero
nativo (N) ou um intermediário monomérico (I) e o monómero desnaturado (D):
N2 ↔ 2N ↔ 2D ou N2 ↔ 2I ↔2D (equação 6)
A formação de dímeros completamente desnaturados não é muito comum,
excepto em casos específicos (agregação não especifica, intermediários
desnaturados ou dímeros ligados covalentemente), no entanto estão
referenciados intermediários diméricos parcialmente desnaturados (Blackburn &
Noltmann, 1981).
Estes intermediários conformacionais muitas vezes só são detectados
indirectamente pela não coincidência das curvas de desnaturação determinadas
por diferentes métodos, sensíveis a eventos distintos (Neet & Timm, 1994). Mais
especificamente, uma alteração de estrutura terciária detectada por fluorescência
pode acontecer a uma concentração do agente desnaturante diferente de uma
alteração de estrutura secundária, detectada por dicroísmo circular (CD), ou uma
alteração de estrutura quaternária, detectada por filtração em gel.
Apesar de possuírem processos de estabilização ao nível da estrutura
quaternária, muitas proteínas oligoméricas seguem uma transição em dois
estados, reduzindo o modelo anterior a dois intervenientes, o dímero nativo (N2) e
o monómero desnaturado (D):
Introdução
12
N2 ↔ 2D (equação 7)
A dissociação das sub-unidades leva à formação de populações com espécies
intrinsecamente instáveis e monómeros enrolados, cuja representação no
equilíbrio não é significativa (Neet & Timm, 1994).
1.2.4. Indução da desnaturação
Para induzir a desnaturação pode utilizar-se a temperatura, valores extremos de
pH, agentes desnaturantes, como a ureia e o ião guanidina e outros agentes
destabilizadores. A desnaturação térmica deve-se a uma diminuição da energia
livre que favorece a liberdade conformacional da proteína, ou seja, o estado
desnaturado. A desnaturação de proteínas a elevadas temperaturas conduz
frequentemente a processos irreversíveis (Ahern & Klibanov, 1988). A
desnaturação por valores extremos de pH está relacionada com a alteração dos
estados de ionização das cadeias laterais dos aminoácidos modificando a
distribuição das cargas na proteína. Neste caso, ocorre uma alteração ao nível
das interacções electrostáticas que resulta na diminuição da estabilidade da
conformação nativa. A desnaturação pelo pH também pode ocasionar processos
irreversíveis, sobretudo a valores de pH alcalinos (Volkin & Klibanov, 1991). A
adição de detergentes que se associam a resíduos apolares da proteína,
interferindo com as interacções hidrofóbicas também induzem a desnaturação,
uma vez que estas interacções são em grande parte responsáveis pela estrutura
proteica (Pace et al., 1996). Por último, a desnaturação química, frequentemente
induzida pela utilização de concentrações crescentes de ureia e do ião guanidina.
A adição destes agentes desnaturantes a soluções aquosas de proteína promove a
destabilização de agregados hidrofóbicos, micelas e proteínas no seu estado
nativo. A sua afinidade pelo estado desnaturado inspirou a designação de
caotrópicos, no entanto, o mecanismo que conduz a alterações na estrutura da
água e a consequente acção destabilizadora ainda não está elucidada (Moelbert
Introdução
13
et al., 2004). Estes agentes desnaturantes possuem a capacidade de aumentar a
solubilidade da cadeia polipeptídica, bem como das cadeias laterais hidrofóbicas
que favorecem a conformação desnaturada, onde a exposição destes grupos
apolares ao solvente é muito maior.
1.2.5. Desnaturação química
Há muito que se conhece a capacidade de desnaturantes químicos, como a ureia
e o hidrocloreto de guanidina (GndHCl), para promover a desnaturação proteica
estabilizando a conformação desenrolada, relativamente à conformação nativa
(Simpson et al., 1953; Tanford, 1964 & Pace, 1986). A ureia e o ião guanidina
apresentam algumas vantagens como desnaturantes de proteínas relativamente
a outros como o pH, a temperatura ou os detergentes. A fracção desnaturada é
mais definida uma vez que o nível de desnaturação é maximizado. Muitas
proteínas na presença de 8M de ureia e de 6M de guanidina aproximam-se da
conformação random coil (Pace & Vanderburg, 1979). Por outro lado, o
mecanismo de desnaturação aproxima-se mais de um mecanismo em dois
estados e pode ser completamente reversível. Estas vantagens assumem especial
importância quando o objectivo é estudar a estabilidade conformacional de uma
proteína.
Apesar de ser consensual que este tipo de desnaturação envolve alguma
interacção entre o desnaturante e a proteína, sabe-se muito pouco acerca destas
interacções. Kauzmann e colaboradores, depois de um estudo exaustivo sobre a
cinética da desnaturação na presença de ureia, concluíram que a desnaturação
de proteínas envolve a ligação de um grande número de moléculas de ureia à
proteína (Simpson & Kauzman, 1953; Frensdorff et al., 1953). As moléculas de
ureia ligam-se à proteína substituindo ligações de hidrogénio péptido-péptido por
ligações de hidrogénio ureia-péptido que desempenham um papel importante no
processo de desnaturação (Frensdorff et al., 1953). Posteriormente, foram
propostos dois modelos para o seu efeito destabilizador. O modelo de
transferência, que correlaciona o efeito dos desnaturantes na estabilidade da
proteína com a energia livre da transferência da cadeia polipeptídica de soluções
Introdução
14
aquosas para soluções desnaturantes (Tanford, 1964). Este modelo mostrou que
a ureia e o ião guanidina aumentam a solubilidade de algumas partes da
molécula, explicando a sua estabilização no estado desenrolado na presença de
solvente, relativamente ao estado nativo em água. O outro modelo atribui a
desnaturação às ligações fracas estabelecidas entre as moléculas de
desnaturante e a cadeia polipeptídica, explicando a desnaturação química pelo
grande número de locais de ligação no estado desenrolado relativamente ao
estado nativo (Aune & Tanford, 1969 & Schellman, 2002). Ambos os modelos
podem explicar as curvas da desnaturação química na região da transição
(Möglisch et al., 2005). Mais recentemente, surge outro modelo (figura 1.4) que
propõe três fases para o processo de desnaturação na presença de ureia. Na
primeira fase a proteína desenrola, expondo ao solvente zonas anteriormente
enterradas no interior da estrutura nativa; numa segunda fase ocorre a
hidratação destas zonas e uma terceira fase em que as moléculas de ureia vão
substituir algumas moléculas de água, estabelecendo ligações de hidrogénio com
a proteína (Timasheff & Xie, 2003).
Figura 1.4: Representação esquemática do processo de desnaturação de proteínas na presença de ureia. In: Timasheff & Xie, 2003. Este modelo mostra que a ureia liga preferencialmente às proteínas, quando
comparada com a água e que o aumento da concentração de ureia favorece a
conformação desnaturada, uma vez que a superfície de interacção é maior.
Apesar desta descrição termodinâmica da interacção do desnaturante com a
Introdução
15
forma desnaturada da proteína, fica por esclarecer mais uma vez, que tipo de
interacção ocorre entre o desnaturante e a forma nativa da proteína que estará
na base do processo de desnaturação.
A ureia tem a capacidade de se incorporar na água através de ligações de
hidrogénio, mantendo uma distribuição espacial muito semelhante àquela que é
formada apenas pelas moléculas de água (Soper et al., 2003). No caso do ião
guanidina, sendo um catião pouco hidratado, forma ligações distorcidas com as
moléculas de água (Zou et al, 2002). Há muito que é conhecida também a
afinidade da ureia (ou do ião guanidina), por grupos peptídicos e por cadeias
laterais de aminoácidos aromáticos, no entanto, sabe-se que os grupos peptídicos
expostos ao solvente durante o desenrolamento da proteína são o principal alvo
da actuação do desnaturante sendo predominantemente responsáveis pelo seu
efeito estabilizador/destabilizador. Interacções com outros grupos, por exemplo
com as cadeias laterais dos aminoácidos aromáticos, estão menos representadas
deixando a maior contribuição para os grupos peptídicos (Tanford, 1970;
Timasheff & Xie, 2003). Estudos de cristalografia realizados para proteínas na
presença de ureia e GndHCl têm permitido observar moléculas de desnaturante
ligadas à proteína, nomeadamente entre os grupos amina e o desnaturante,
através de ligações de hidrogénio. Estas moléculas de desnaturante por vezes
ligam a grupos polares próximos diminuindo a flexibilidade conformacional da
proteína (Dunbar et al., 1997).
A investigação acerca do efeito da ureia na desnaturação tem seguido dois
conceitos. O primeiro, designado por mecanismo indirecto, no qual a ureia actua
indirectamente, alterando a estrutura do solvente. Neste mecanismo a ureia
altera a estrutura da água quebrando a rede de ligações de hidrogénio que se
encontra em volta dos grupos hidrofóbicos da proteína, aumentando a sua
solubilidade e enfraquecendo as interacções hidrofóbicas (Frank & Franks, 1968;
Caballero-Herrera et al., 2005). O outro conceito refere-se ao mecanismo directo,
no qual a ureia estabelece ligações de hidrogénio preferencialmente com os
grupos recentemente expostos por acção de um mecanismo de desnaturação já
iniciado. Nesta situação, os locais de ligação das moléculas de desnaturante
estão em maior número comparando com o estado nativo, sendo que o estado
desnaturado é favorecido e estabilizado pela adição de ureia ao solvente
(Timasheff & Xie, 2003; Schellman, 2003; Möglich et al., 2005). É possível que o
Introdução
16
mecanismo de desnaturação dependa da concentração de ureia, no entanto, há
evidências de que os dois mecanismos poderão actuar em simultâneo (Bennion &
Daggett, 2003).
A actuação destes agentes caotrópicos e o seu efeito na estabilidade das
proteínas contínua por clarificar, tornando-se necessário mais trabalho de
investigação, sobretudo com proteínas conhecidas e bem caracterizadas na
tentativa de elucidar as bases físicas e moleculares que gerem estes mecanismos
de desnaturação.
1.3. Proteinases aspárticas
As proteinases aspárticas (PAs) constituem um dos grandes grupos de
proteinases, enzimas que hidrolisam ligações peptídicas. As proteinases estão
agrupadas com base nos resíduos de aminoácidos ou outros grupos químicos
envolvidos directamente no seu mecanismo catalítico (Rawlings & Barrett, 1999).
A primeira PA foi descoberta no séc. XIX, no estômago de animais, e designada
de pepsina por Theodor Schwann em 1836. Nesta época havia grande interesse
por substâncias químicas identificadas como constituintes de organismos vivos,
pelo seu envolvimento em processos fisiológicos importantes e possível aplicação
médica (Fruton, 2002). O rápido desenvolvimento da ciência permitiu identificar
enzimas que reúnem características comuns à classe das proteinases aspárticas
em diferentes tecidos e organismos. As PAs encontram-se amplamente
distribuídas por vertebrados, plantas, leveduras, nemátodes, parasitas, fungos e
vírus (Simões, 2004). Segundo a base de dados Merops
(http://merops.sanger.ac.uk), estão agrupadas em 14 famílias que por sua vez se
distribuem por sete clãs. Na mesma base de dados as proteinases encontram-se
agrupadas em famílias, de acordo com a similaridade da sequência de
aminoácidos, podendo estas dividir-se em sub famílias atendendo à percentagem
de similaridade da sua estrutura primária. As famílias, por sua vez estão
agrupadas em clãs, de acordo com as suas relações evolutivas e estrutura
terciária (Rawlings & Barret, 1999). As famílias de PAs mais estudadas são a A1
e a A2, pertencentes ao clã AA. A família A1 (pepsin-like family) divide-se em duas
Introdução
17
sub famílias, A1A e A1B, cujas enzimas tipo são a pepsina A de Homo sapiens
sapiens e a nepentesina da planta carnívora Nepenthes gracilis. Na família A2
estão agrupadas as PAs de retrovírus, está dividida em 6 sub famílias, no entanto
a mais estudada é a sub família A2A, cuja enzima tipo é a HIV-1 retropepsina.
Nos últimos anos, o conhecimento sobre esta classe de proteinases tem sido
construído através da descoberta do seu envolvimento em doenças humanas,
como a hipertensão, doenças gástricas, infecções parasíticas, SIDA, doença de
Alzheimer e cancro (Cooper, 2002).
1.3.1. Características gerais
As enzimas desta classe apresentam algumas características específicas: a sua
actividade é máxima a pH acídico, mostram especificidade para hidrolisar
ligações peptídicas entre resíduos aromáticos, são inibidas pela pepstatina
(hexapeptídeo produzido por streptomyces sp.) e o mecanismo catalítico é
composto por dois resíduos de ácido aspártico (Asp32 e Asp215). Apresentam
uma estrutura bilobada, com dois domínios muito semelhantes. Cada domínio
contribui com um resíduo de ácido aspártico no local de ligação ao substrato. Os
dois grupos carboxílicos do local activo estão ligados entre si por uma rede de
ligações de hidrogénio estabelecidas entre os resíduos da sequência conservada
em torno dos resíduos de aspartato (Tang & Wong, 1987; Davies, 1990). Para
além da sequência de aminoácidos no local catalítico, também a conformação
simétrica deste local é muito conservada (figura 1.5), estendendo-se ao resto da
molécula (Tang & Wong, 1987). A existência de duas regiões homólogas, sugerem
que as proteinases aspárticas tenham origem numa proteína ancestral dimérica,
com 150 aminoácidos, cujo gene tenha sofrido um processo de duplicação e
fusão (Tang et al., 1978).
Introdução
18
Figura 1.5: Sobreposição dos resíduos do local catalítico de 18 famílias diferentes de proteinases aspárticas. In: Thornton et al., 2000. No caso das proteinases retrovirais, consideravelmente mais pequenas que as
estruturas semelhantes à pepsina, cada molécula possui apenas parte da
estrutura catalítica, pelo que é necessária a formação de dímeros para obter a
enzima funcional (Rawlings & Barret, 1993).
Sobre o local activo das PAs encontra-se um loop que corresponde a um elemento
de estrutura secundária conhecido por flap, caracterizado por factores b elevados
indicando grande mobilidade. Esta estrutura possui uma sequência de
aminoácidos conservada e está envolvida no processo catalítico interagindo com
o substrato e inibidores (Davies, 1990). Estudos realizados com pepsina
mostraram que os resíduos 75, 76 e 77 são responsáveis pela conformação do
flap e pela ligação ao substrato. A Tyr75 está relacionada com a estabilização do
flap, a Gly 76 com a mobilidade e a Thr77 com a ligação ao substrato. Os
resíduos 76 e 77 contribuem também para a rede de ligações de hidrogénio,
responsáveis pelo alinhamento do substrato e eficiência da catálise (Okoniewska
et al., 2000). Nas PAs de retrovírus cada sub-unidade possui uma estrutura tipo
flap cuja sequência não apresenta homologia com as PAs de organismos
eucariotas (Rao et al., 1991).
Introdução
19
A base estrutural que determina o funcionamento dos loops não é ainda bem
conhecida, no entanto a relação estrutura/função assume grande importância,
uma vez que há uma procura intensa de inibidores que permitam conhecer e
controlar as funções fisiológicas e/ou patológicas destas enzimas (Hong & Tang,
2004).
1.3.2. Estrutura primária
A maioria das proteinases aspárticas de mamíferos, plantas e fungos da família
A1, são monoméricas e possuem uma massa molecular de aproximadamente
35kDa. Estas proteinases são sintetizadas sob a forma de percursores inactivos
ou zimogénios, contendo uma sequência de resíduos adicional, no terminal
amínico, designado de pró-peptideo ou peptídeo de activação, contendo
aproximadamente 50 aminoácidos (Rawlings & Barret, 1995). Apenas as
proteinases aspárticas isoladas de Plasmodium falciparum, plasmepsinas,
mostraram extensões do N-terminal com cerca de 120 aminoácidos (Dame et al.,
1994). A função do pró-peptídeo consiste em bloquear o local activo da enzima
impedindo a ligação do substrato. Desta forma, regula a actividade proteolítica
da enzima no espaço e no tempo, prevenindo a degradação proteica. Para além
da função reguladora, o pró-péptideo é importante para o folding (ou
enrolamento), estabilidade e localização intracelular do zimogénio (Khan &
James, 1998). A conversão do zimogénio em enzima activa envolve proteólise
limitada e remoção do segmento de activação. Os mecanismos de conversão em
enzima activa podem envolver moléculas acessórias, no entanto uma alteração de
pH para valores acídicos resulta nesta conversão por um processo autocatalítico
que começa com a quebra de interacções electrostáticas entre o pró-peptídeo e a
enzima activa (Richter et al., 1998). Após a conversão, o pró-peptídeo é
degradado, frequentemente pela forma activa da enzima, assegurando que o
processo é irreversível e que o pró-peptídeo não vai actuar como inibidor
competitivo da enzima activa (Khan & James, 1998).
Nas PAs de plantas, o percursor apresenta o pró-peptídeo comum a todas as
proteinases aspárticas. No entanto, possuem ainda uma sequência adicional na
Introdução
20
região do C-terminal, designada de PSI (plant-specific insert). Esta sequência de
inserção, com cerca de 100 aminoácidos, não apresenta homologia com outras
PAs de origem animal ou microbiana, apresentando no entanto, semelhanças
com o percursor das saposinas (Guruprasad et al., 1994). A função do PSI não foi
ainda completamente determinada, tendo sido sugerido o seu envolvimento no
enrolamento correcto do percursor da ciprosina e a sua importância no
processamento e activação da enzima (White et al., 1999). Na proteinase
aspártica do arroz foi demonstrado que o PSI não tem influência na actividade da
enzima, mas aparentemente influencia a velocidade de autólise durante o
processamento proteolítico (Asakura et al., 2000). A função mais referenciada
para o PSI refere-se ao seu envolvimento na localização do percursor no
compartimento celular onde a proteína madura vai ficar armazenada
(Guruprasad et al., 1994).
O mecanismo e a ordem pela qual são removidos os dois segmentos apresentam
algumas variações entre os casos já estudados. Em geral, o processamento das
PAs de plantas envolve a remoção do pró-peptídeo e do PSI, convertendo o
zimogénio em enzima madura, heterodimérica, com uma organização estrutural
semelhante às PAs de mamíferos e microbianas (Simões & Faro, 2004).
Tal como foi referido anteriormente, os aspartatos catalíticos fazem parte de uma
sequência bastante conservada Asp32-Thr-Gly (motivo DTG) e Asp215-Ser-Gly
(motivo DSG), numeração da pepsina. Os resíduos adjacentes podem ser
descritos por Xaa-Xaa-Asp-Xbb-Gly-Xbb, onde Xaa representa um resíduo
hidrofóbico e Xbb representa um resíduo de serina ou de treonina (Barret et al.,
1998).
A maioria das proteinases aspárticas da família da pepsina apresenta também
um padrão de ligações dissulfito muito conservado, possuindo seis resíduos de
cisteína envolvidas na formação de três ligações dissulfito.
1.3.3. Estrutura tridimensional
As PAs caracterizam-se pela elevada homologia que apresentam, em termos de
sequência e de estrutura. A molécula é constituída por dois domínios homólogos
Introdução
21
que se enrolam produzindo uma estrutura terciária composta por dois lobos
simétricos (figura 1.6). Os lobos ou domínios estão ligados por seis sequências
em folhas-β antiparalelas, formando a base da molécula, onde cada domínio
contribui com três dessas sequências (Davies, 1990). No que diz respeito à
estrutura secundária os dois domínios são semelhantes, compostos
maioritariamente por folhas-β, apresentando um baixo conteúdo em α-hélices.
Figura 1.6: Estrutura tridimensional da pepsina humana (identificação PDB: 1PSN). Os dois domínios da molécula contribuem cada um com uma tríade catalítica Asp-Thr/Ser-Gly (representados a vermelho e azul).
A análise de um grande número de estruturas tridimensionais de PAs, já
determinadas, mostrou que apesar da grande homologia estrutural há diferentes
estados oligoméricos. Entre os membros da família A1, podemos encontrar
estruturas monoméricas, como a pepsina (proteína tipo desta família) e a
plasmepsina, ou estruturas heterodiméricas, como a catepsina D e a fitepsina.
Na família A2, encontramos estruturas homodiméricas como as proteinases
aspárticas de retrovírus.
Introdução
22
1.3.4. Local activo e mecanismo catalítico
O local activo das PAs consiste numa fenda de 40 Ǻ de extensão situada entre os
dois domínios, com capacidade para acomodar cerca de oito aminoácidos do
substrato nos sub locais S5-S3´, no entanto a clivagem ocorre preferencialmente
entre dois resíduos hidrofóbicos que ocupam os locais S1-S1´ (Powers et al.,
1977). Os resíduos de ácido aspártico envolvidos no mecanismo catalítico (Asp32
e Asp215 da pepsina) estão localizados nos terminais dos loops, prolongamentos
de cada domínio, no centro da fenda, à distância de uma ligação de hidrogénio
um do outro. Uma extensiva rede de ligações de hidrogénio, característica do
local activo destas enzimas, confere-lhe uma grande rigidez, excepto ao nível do
flap que apresenta elevada mobilidade quando o centro activo da molécula está
livre (Davies, 1990). Alguns estudos foram conduzidos no sentido de mostrar o
envolvimento de um intermediário covalente no mecanismo catalítico das
proteinases aspárticas, à semelhança do que acontece para outras proteinases
(de serina e de cisteína). Estes estudos não tiveram sucesso, uma vez que o
mecanismo catalítico destas enzimas envolve a formação de um intermediário
tetraédrico de natureza não covalente, semelhante ao que se verifica nos
complexos enzima substrato (Veerapandian et al., 1992). Um elemento essencial
do local activo é a molécula de água ligada aos grupos carboxílicos do local
activo, que uma vez desprotonada com a ligação do substrato constituirá o início
da catálise. De acordo com o mecanismo catalítico (figura 1.7) aceite para as
enzimas da família da pepsina, o Asp215 actua como base e está ionizado,
enquanto que o Asp32 actua como um ácido e está protonado (Davies, 1990).
Uma primeira fase deste mecanismo envolve a ligação do substrato ao local
activo e o ataque da molécula de água ao átomo de carbono da ligação que vai
ser hidrolisada. Durante o ataque nucleofílico é transferido um protão para o
Asp32, formando um intermediário tetraédrico (Veerapandian et a.l, 1992).
Seguidamente há a transferência de um protão para o átomo de azoto,
proveniente de uma molécula de solvente ou dos grupos carboxílicos do local
activo (Davies, 1990; Veerapandian et al., 1992; Dunn, 2002).
Introdução
23
Figura 1.7: Representação do mecanismo catalítico das proteinases aspárticas. In: http://delphi.phys.univ-tours.fr/Prolysis/Images/mecaasp.gif
Introdução
24
A fenda catalítica das proteinases aspárticas é uma região muito conservada
(Davies, 1990). Este facto, aliado a uma elevada homologia da sequência e à
semelhança estrutural entre os membros desta família, sugere um mecanismo
catalítico comum na hidrólise do substrato. No entanto, existem diferenças
substanciais relativamente à especificidade e em consequência na actividade, que
terão resultado da evolução estrutural do local activo para ligação das cadeias
laterais dos aminoácidos do substrato.
1.3.5. Proteinases aspárticas de Cynara cardunculus L.
As inflorescências do cardo do género Cynara são utilizadas nos países
mediterrânicos, nomeadamente em Portugal, no fabrico artesanal de queijos
tradicionais devido à sua actividade coagulante do leite. Faro e colaboradores
mostraram que a actividade coagulante do extracto dos pistilos de Cynara
cardunculus L. era devida à presença de uma proteinase ácida (Faro et al., 1987).
Estudos posteriores revelaram a presença de uma população heterogénea de
proteinases aspárticas no mesmo extracto, as cardosinas e as ciprosinas. O
isolamento e purificação destas enzimas, permitiu identificar duas proteinases
aspárticas, a cardosina A e a cardosina B, com propriedades estruturais e
enzimáticas distintas (Veríssimo et al, 1996). A sequência parcial de aminoácidos
das cadeias de ambas as cardosinas indica que são produtos de genes diferentes,
embora apresentem um elevado grau de homologia (Veríssimo et al, 1996).
Recentemente foram identificados genes de 5 proteinases aspárticas presentes
nos pistilos de Cynara cardunculus L. (Pimentel et al., 2007) e foram purificadas,
sequenciadas e caracterizadas outras 4 proteinases aspárticas, cardosinas E, F,
G e H (Sarmento et al., 2007b).
Todas as enzimas identificadas e caracterizadas até ao momento, mostram ser
heterodiméricas e glicosiladas, constituídas por duas sub-unidades com massas
moleculares aparentes de 31 kDa e 15 kDa no caso da cardosina A e 34 kDa e 14
kDa no caso da cardosina B. Todas as cardosinas clivam preferencialmente entre
aminoácidos hidrofóbicos e volumosos, sendo que a cardosina A apresenta uma
Introdução
25
especificidade mais restrita e menor actividade proteolítica, relativamente à
cardosina B (Ramalho-Santos et al., 1996).
A localização histológica e citológica das cardosinas também é diferente,
enquanto que a cardosina A se encontra predominantemente acumulada em
vacúolos, na parede das células da papila estigmática e em menor abundância
nas células da epiderme do estilo, a cardosina B é uma proteína extracelular
encontrada no tecido de transmissão do pistilo. As diferenças na actividade e na
localização sugerem que as duas cardosinas desempenham funções biológicas
diferentes (Ramalho-Santos et al., 1997; Vieira et al., 2001).
As cardosinas A e B podem ser consideradas como proteínas modelo por
reunirem propriedades que caracterizam a maioria dos representantes das
proteinases aspárticas de plantas identificadas (Simões et al., 2005). A cardosina
A constituiu o objecto de estudo deste trabalho pelo que merecerá uma descrição
mais pormenorizada.
1.3.5.1. Cardosina A
a) características gerais
A cardosina A é sintetizada sob a forma de cadeia única inactiva (preproenzima)
contendo um peptídeo sinal, um pró-peptídeo com cerca de 45 aminoácidos e
uma sequência de inserção com 100 aminoácidos (PSI). Todos estes elementos
são posterior e sucessivamente removidos para dar origem à forma madura da
enzima (Faro et al., 1999; Frazão et al., 1999). O peptídeo sinal é o primeiro
elemento desta estrutura a ser removido, dando origem à procardosina A, que
por sua vez, será convertida em enzima madura por processamento proteolítico.
O processamento consiste, numa primeira fase, na remoção do pró-peptídeo,
formando-se um intermediário activo (Ramalho-Santos et al., 1998) seguindo-se
a remoção do PSI de uma forma sequencial (Castanheira et al., 2005). A
cardosina A madura é heterodimérica, constituída por duas cadeias
polipeptídicas com um peso molecular aparente de 31 e 15 kDa, como referido
Introdução
26
acima. À semelhança das restantes PAs, a cardosina A é activa a valores de pH
acídicos, apresentando um máximo de actividade próximo de 5, é inibida por
éster metílico de diazoacetil-DL-norleucina (DAN) e por pepstatina. Outra
característica comum à maioria dos membros da sua classe é a preferência por
hidrolisar ligações peptídicas entre aminoácidos hidrofóbicos, apresentando uma
especificidade primária (P1 e P1´) muito semelhante à encontrada para a
catepsina D e para as plasmepsinas (Castanheira et al., 2005).
A função fisiológica desta enzima permanece por esclarecer, no entanto tem sido
proposto o seu envolvimento em diversos processos como a senescência da flor,
defesa contra organismos patogénicos e interacções pólen-pistilo (Ramalho-
Santos et al., 1997; Faro et al., 1999). Egas e colaboradores mostraram que o PSI
interage com membranas biológicas, danificando a dupla camada lipídica e
promovendo a libertação do conteúdo vesicular (Egas et al., 2000).
O cDNA que codifica a procardosina A mostrou a presença de uma sequência
Arg-Gly-Asp (RGD) conhecida como motivo de adesão celular, identificada apenas
nesta proteinase aspártica de plantas (Faro et al., 1999). O RGD faz parte da
cadeia de alto peso molecular encontrando-se à superfície, na base da molécula
com uma localização oposta ao local activo (figura 1.8). A presença deste motivo
pode sugerir o envolvimento da cardosina A em mecanismos de interacção
celular que dependem de um mediador para o reconhecimento (Frazão et al.,
1999). Estudos de interacção proteína-proteína com formas recombinantes de
cardosina A mostraram a presença de outra sequência, Lys-Gly-Glu (KGE), com
um papel muito importante neste tipo de mecanismos. A sequência KGE faz
parte da sub-unidade de baixo peso molecular, encontra-se à superfície da
molécula (figura 1.8) e apresenta grandes semelhanças com a sequência RGD,
quer estruturalmente quer na forma como está carregado (Simões et al., 2005).
Foi ainda demonstrado que RGD e KGE constituem determinantes moleculares
essenciais na formação do complexo cardosina A-fosfolipase Dα (PLDα). As PLDα
de plantas estão envolvidas em processos celulares como a degradação de
membranas em condições de senescência ou de stress, sugerindo uma acção
concertada do complexo em processos degenerativos (Simões et al., 2005).
Estudos de estabilidade da cardosina A, na presença de acetonitrilo, mostraram
que a cadeia de baixo peso apresenta maior flexibilidade conformacional,
podendo ocorrer um desenrolamento independente das duas cadeias sem que
haja perda de actividade. Estados parcialmente desenrolados, como os induzidos
Introdução
27
pela presença de acetonitrilo, poderão estar também envolvidos em processos de
interacção com outras proteínas, nomeadamente a já referida PLDα (Oliveira,
2007).
Figura 1.8: Representação da estrutura tridimensional da cardosina A (identificação PDB: 1B5F). As sub-unidades maior e menor estão representadas a azul escuro e azul claro, respectivamente. As tríadas catalíticas DTG e DSG ( Asp-Thr/Ser-Gly ), localizadas no centro da fenda catalítica estão representadas a vermelho. Os açúcares estão representados a cinza e as ligações dissulfito a laranja. Os motivos RGD e KGE (Arg-Gly-Asp e Lys-Gly-Glu, respectivamente) encontram-se assinalados na figura.
b) estrutura
A estrutura tridimensional da cardosina A foi a primeira estrutura de proteinases
aspárticas de origem vegetal a ser determinada (Frazão et al., 1999). O cristal da
cardosina A revelou uma molécula com uma estrutura muito semelhante aos
restantes membros da sua família, bilobada com o centro activo localizado numa
fenda entre dois domínios aproximadamente simétricos, cada um contendo um
dos motivos catalíticos (DTG e DSG). Na cardosina A, ambos os motivos
KGE
RGD
Introdução
28
catalíticos, bastante conservados nas PAs de plantas, pertencem à cadeia de alto
peso molecular. Outro padrão, também muito conservado nas PAs, consiste nas
ligações dissulfito estabelecidas, duas entre resíduos da cadeia polipeptídica de
31kDa (Cys45/Cys56 e Cys206/Cys210) e uma terceira entre resíduos da cadeia
de 15kDa (Cys249/Cys282), como se pode observar na figura 1.8. As três
ligações de natureza covalente encontradas na molécula não são estabelecidas
entre as duas cadeias polipeptídicas, cuja associação é mantida por interacções
hidrofóbicas e pontes de hidrogénio resultando o enrolamento característico das
PAs (Frazão et al., 1999).
À semelhança de outras PAs, a cardosina A é glicosilada, possuindo 9 anéis de
açúcar distribuídos entre dois locais de glicosilação, Asn67 e Asn257. Os
açúcares estão localizados à superfície da molécula, um em cada cadeia
polipeptídica (figura 1.8), longe do local activo. Deste modo, é pouco provável que
os açúcares desempenhem algum papel relativamente à actividade e
especificidade, podendo estar envolvidos na estabilidade conformacional da
molécula assim como no correcto processamento da enzima (Frazão et al., 1999).
A importância destes açúcares na estabilidade da molécula é conhecida para
outras PAs, como a renina (Hori et al., 1988) no entanto, a sua função nesta
classe de proteinases ainda não está bem esclarecida (Costa et al., 1997).
Em termos de estrutura secundária os dois domínios são semelhantes,
compostos maioritariamente por folhas-β, apresentando um baixo conteúdo em
α-hélices.
c) interesse biotecnológico
A cardosina A é facilmente purificada a partir dos pistilos do cardo Cynara
cardunculus L., utilizando um procedimento simples (Sarmento et al., 2004) de
baixo custo e cujo rendimento de enzima pura permite não só proceder à
caracterização da molécula como também utilizá-la em processos
biotecnológicos. Acresce ainda, o conhecimento da estrutura tridimensional da
molécula que permite correlacionar alterações de actividade e de estabilidade
induzidas por agentes destabilizadores com alterações de estrutura. A
importância que esta enzima tem assumido nos últimos anos pode justificar-se
pelo número de publicações recentes, assim como, pelo investimento na
Introdução
29
produção de uma forma recombinante, estável, com características semelhantes
à cardosina A nativa para aplicação biotecnológica, nomeadamente na produção
de queijo (Castanheira, 2004).
A cardosina A é bastante abundante nos pistilos do cardo Cynara cardunculus L.,
cuja utilização no fabrico de queijos tradicionais tem passado de geração em
geração desde há vários séculos. A actividade coagulante das flores de Cynara
cardunculus L. tem sido utilizada na Península Ibérica na produção de queijos de
leite de ovelha, como o Serra da Estrela e o Serpa, em Portugal, o La Serena e o
Los Pedroches, em Espanha.
Estudos de enzimologia não aquosa mostraram que a cardosina A é estável e
activa em alguns solventes orgânicos (Sarmento et al., 2003). A cardosina A
mostrou ser um bom catalisador em aplicações práticas como a síntese de
péptidos, em alguns casos com melhor desempenho quando comparado com o
que está descrito para a pepsina (Sarmento et al., 1998). Um trabalho exaustivo
permitiu ainda estudar a especificidade da cardosina A, aumentando assim o
conhecimento acerca dos sub locais envolvidos na especificidade secundária
(Sarmento et al., 2004).
Ainda visando a aplicação prática desta enzima, tem vindo a ser caracterizada a
sua actividade colagenolítica, sendo a primeira referência de uma PA de origem
vegetal com esta capacidade. A cardosina A utiliza um mecanismo de hidrólise
semelhante ao da catepsina K de mamíferos, mais específico do que as
colagenases bacterianas, hidrolisando o colagénio fibrilar na região de hélice
tripla à semelhança das colagenases da família das MMPs de origem animal
(Duarte et al., 2005). Sendo o colagénio um substrato de interesse clínico tudo
indica que estamos na presença de uma enzima com potencial para aplicação
biomédica, nomeadamente na prevenção e/ou redução de fibroses peritoneais
após o acto cirúrgico. A aplicação da cardosina A, imobilizada em suportes
biodegradáveis, na cavidade abdominal de ratinhos submetidos a intervenção
cirúrgica, mostrou que a actividade colagenolítica da enzima se mantém
actuando como agente anti-fibrótico (Pereira et al., 2005). Numa outra aplicação
desta especificidade, as cardosinas foram utilizadas com sucesso no
estabelecimento de culturas primárias de neurónios. Este estudo mostrou que as
cardosinas, quando comparadas com a tripsina, são menos agressivas e
apresentam maior rendimento de células viáveis (Duarte et al., 2006).
Introdução
30
A cardosina A é uma proteinase aspártica muito estudada, tem sido bem
caracterizada em termos de estrutura primária, terciária e actividade proteolítica.
No entanto, a relação entre a estrutura e a sua função fisiológica permanece por
esclarecer. Compreender esta relação constitui um importante passo para
elucidar o papel bioquímico e biológico desta enzima, assim como para abrir
novas perspectivas relativamente à sua aplicação biotecnológica.
Objectivos
31
Muito pouco se sabe acerca da estabilidade conformacional e dos processos de
folding/unfolding das proteinases aspárticas em geral. Compreender a
estabilidade destas proteínas, é um desafio que requer a caracterização das
interacções envolvidas nos diferentes estados conformacionais que ocorrem
nestas moléculas. A estabilidade estrutural das proteínas é uma função de
variáveis externas, capazes de destabilizar diferentes tipos de ligações
responsáveis pela estabilidade intrínseca da molécula. Analisar o papel das
diversas variáveis na formação da estrutura da proteína é fundamental para
compreender quais as forças responsáveis pela estabilidade da molécula. Estes
estudos envolvem a monitorização de alterações conformacionais devidas à
destabilização da molécula por vários agentes como o pH, a temperatura e a
composição do solvente.
Este trabalho pretende estudar a estabilidade conformacional da cardoina A,
proteinase aspártica de Cynara cardunculus sp., na presença de desnaturantes
clássicos, como a ureia e o GndHCl. A indução da desnaturação da cardosina A
na presença destes agentes irá permitir estudar o equilíbrio de desnaturação
desta enzima, conhecer o tipo de mecanismo envolvido neste processo e
identificar possíveis intermediários.
Estudos de estabilidade conformacional em proteínas semelhantes, com
características individuais específicas, mas pertencendo à mesma família,
poderão contribuir para o esclarecimento da relação estrutura/função das PAs e
o seu papel em processos fisiológicos. Nesta perspectiva, os resultados obtidos
serão interpretados em termos de estabilidade conformacional em PAs por
comparação com a informação disponível acerca de outros membros desta
classe, nomeadamente a pepsina A.
Objectivos
32
Material e Métodos
33
3.1. Purificação da cardosina A
Neste trabalho foram utilizadas as inflorescências de Cynara cardunculus L.,
colhidas na região de Ansião e identificadas pela Dra. Rosa Pinho, responsável
pelo Herbário do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro. Os
estigmas ainda frescos foram separados e congelados a –20ºC até à sua
utilização.
A cardosina A foi purificada seguindo um procedimento previamente descrito
(Veríssimo et al., 1996), com algumas alterações (Sarmento et al., 2004).
Estigmas de flores frescas (2g) foram macerados com 100mM citrato de sódio, pH
3,5 (12ml) e centrifugados a 14 000rpm durante 10 minutos.
O sobrenadante (aproximadamente 10ml) foi filtrado através de um filtro com
poro de 0,2μm e aplicado numa coluna Hiload Superdex 75 26/60 semi prep (GE
Healthcare) para cromatografia líquida de média pressão (FPLC), previamente
equilibrada com 25mM Tris-HCl, pH 7,6, a um fluxo de 4ml/min. A detecção de
proteína foi obtida pela medição da absorvância a 280nm.
Figura 3.1: Perfil cromatográfico de exclusão molecular a 280nm, de 10ml de extracto acídico dos pistilos de Cynara cardunculus L.. A seta indica a fracção com actividade proteolítica.
Vol (ml)
Ab
s (2
80n
m)
0 100 200 300 400 500 600 7000
1000
2000
3000
Material e Métodos
34
A fracção com actividade proteolítica é composta por uma mistura de proteínas,
entre elas a cardosina A, as cardosinas E, F, G e H que co-eluem num único
pico, até recentemente designadas como cardosina A0 (Sarmento et al., 2007b) e
a cardosina B. A cardosina A foi posteriormente purificada numa coluna de troca
iónica para FPLC, Hiload 16/10 Q-Sepharose FF (GE Healthcare), também
previamente equilibrada com 25mM Tris-HCl, pH 7,6. A proteína foi eluída com
um gradiente de NaCl (0-1M), a um fluxo de 3ml/min. A detecção de proteína foi
obtida pela medição da absorvância a 280nm.
Figura 3.2: Perfil cromatográfico de troca aniónica (Q-Sepharose), a 280nm, de 25ml da fracção correspondente ao pico assinalado na figura 3.1. A fracção assinalada corresponde à cardosina A. A linha a tracejado representa o gradiente de NaCl.
3.1.1. Remoção de sal das amostras
A remoção do sal das amostras obtidas foi efectuada numa coluna de exclusão
Hiprep 26/10 Desalting (GE Healthcare), equilibrada com água ultra pura a um
fluxo de 10ml/min. A detecção de proteína foi obtida pela medição da
Vol (ml)
Ab
s (2
80n
m)
1M N
aCl (%
)
0 100 200 300
0
100
200
300
400
0
50
100
150
A
E, F, G, H
B
Vol (ml)
Ab
s (2
80n
m)
1M N
aCl (%
)
0 100 200 300
0
100
200
300
400
0
50
100
150
A
E, F, G, H
B
Material e Métodos
35
absorvância a 280nm e a detecção de NaCl nas amostras foi obtida pela medição
da condutividade.
Figura 3.3: Perfil cromatográfico, a 280nm, de exclusão molecular (HiPrep 26/10 Desalting), correspondente à injecção de 10ml da fracção assinalada na figura anterior. A fracção assinalada corresponde à cardosina A. O perfil a tracejado corresponde ao registo da condutividade do eluato.
Todos os solventes foram filtrados por uma membrana com poro 0,2μm e
desgaseificados com hélio antes de serem utilizados. Todas as cromatografias
foram realizadas à temperatura ambiente, num sistema de FPLC “Äkta Basic
System” (GE Healthcare), equipado com uma bomba P-920 e um detector UPC-
900. Este equipamento utiliza o software UNICORN 3.2.
3.1.2. Concentração das amostras
As amostras de cardosina A foram concentradas por liofilização. As soluções
previamente congeladas em Azoto líquido, foram colocadas no liofilizador (Dura-
Vol (ml)
Ab
s (2
80n
m) C
on
dutan
ce(m
Scm-1)
0 25 50 750
50
100
150
0
10
20
30
Material e Métodos
36
DryTM) durante 24h a uma pressão de 100mTorr e à temperatura de –50ºC. Após
este procedimento as amostras foram utilizadas ou armazenadas a -20ºC.
3.1.3. Avaliação da pureza das amostras
O conteúdo em proteina das amostras foi avaliado por electroforese em condições
desnaturantes utilizando géis de poliacrilamida a 15% (m/v), de acordo com o
ponto 3.3. desta secção.
Figura 3.4: Perfil electroforético das fracções obtidas durante o processo de purificação da cardosina A. A - extracto ácido de pistilos de Cynara cardunculus L.; B - fracção com actividade proteolítica da cromatografia de exclusão molecular; C, D e E - fracções obtidas por cromatografia de troca iónica. A segunda fracção (D) correspondendo à cardosina A pura.
3.2. Quantificação de proteina
Na determinação da concentração de proteína, foi utilizado o kit comercial
“BCATM Protein Assay” (Pierce), segundo as instruções do fabricante e tendo como
padrão a albumina sérica bovina. O ensaio baseia-se no método de Smith (1985)
e utiliza o ácido bicinconínico (BCA) para detectar e quantificar a proteína total
de uma amostra.
A B C D E
Material e Métodos
37
Este método foi utilizado para determinar a concentração de proteína utilizada
nos ensaios de actividade, fluorescência e hidrodinâmica. Nos ensaios de
dicroísmo circular a concentração de proteína foi determinada por
espectrofotometria a 280nm, utilizando o coeficiente de extinção molar da
cardosina A, 43,8 x 103 Mcm-1 e usando o peso molecular de 42kDa, estimado
por exclusão molecular (Veríssimo, 1996).
3.3. SDS-PAGE
A electroforese de proteínas foi realizada num sistema “Mini-Protein II” (BioRad)
acoplado a uma fonte de alimentação (Power Pac 300, BioRad). Prepararam-se
géis de acrilamida:bis-acrilamida (29:1) a 15% (v/v), contendo 3,35ml de 1,5M
Tris pH 8,8; 3,75ml de acrilamida: bisacrilamida 40% (v/v) e 200μl de SDS 10%
(m/v) num volume final de 10ml. A polimerização do gel foi iniciada pela adição
de 100μl de persulfato de amónia a 10% (m/v) e 5μl de TEMED. Após
homogeneização da mistura foi aplicado um volume de 3,5ml em cada suporte ao
qual se adicionou isopropanol (50%, v/v), deixando-se polimerizar. De seguida
prepararam-se os géis de concentração a 4%, contendo 1,25ml de 0,625M Tris
pH 6,8; 488μl de acrilamida: bisacrilamida 40% (v/v); 100μl de SDS, 10% (m/v);
50μl de persulfato de amónia a 10% (m/v) e 2,5μl de TEMED. Após
homogeneização e remoção da solução de isopropanol do topo do gel de corrida, a
mistura foi aplicada sobre o gel de separação, deixando-se polimerizar. As
amostras foram desnaturadas por fervura a 100ºC em solução de desnaturação
1:1 (v/v) contendo 100mM Tris:Bicina, 2% β-mercaptoetanol (v/v), 2% SDS
(m/v), 8M ureia e aplicadas no gel, tendo como referência um padrão de baixo
peso molecular (M 3913, Sigma). A electroforese decorreu a 150 volts, durante
60min num tampão com 100mM Tris: Bicina e 0,1% SDS (m/v).
A fixação e a coloração das proteínas foram obtidas mergulhando os géis numa
solução com 0,25% (m/v) de Coomassie Brilliant Blue R-250 (Sigma), 50% (v/v)
de etanol e 10% (v/v) de ácido acético, durante 15min à temperatura ambiente.
Quando necessário, os géis foram descorados, utilizando solução descorante
composta por 25% (v/v) de etanol e 5% (v/v) de ácido acético.
Material e Métodos
38
3.4. Ensaio de actividade
A determinação da actividade da cardosina A foi realizada utilizando diferentes
abordagens:
3.4.1. Efeito da presença de concentrações crescente de desnaturante na
actividade catalítica da cardosina A
A actividade da enzima foi testada na presença de concentrações crescentes de
agente desnaturante (ureia ou hidrocloreto de guanidina). Efectuou-se uma
incubação prévia da enzima durante uma hora. A incubação foi efectuada na
presença da mesma concentração de desnaturante presente no meio de reacção e
à mesma temperatura (25ºC).
3.4.2. Efeito da concentração de desnaturante na actividade catalítica da
cardosina A ao longo do tempo
No sentido de monitorizar o efeito do solvente na enzima ao longo do tempo, esta
foi solubilizada no tampão de incubação na presença de várias concentrações de
agente desnaturante e incubada a 25ºC. Nos tempos previamente determinados,
foram retiradas amostras procedendo-se ao ensaio de actividade na presença da
concentração de desnaturante utilizada no tampão de incubação.
3.4.3. Efeito da concentração de enzima na actuação do desnaturante sobre
a actividade catalítica da cardosina A
Foi efectuada a monitorização do efeito da concentração de enzima na actuação
do agente desnaturante sobre a sua actividade catalítica. Duas concentrações de
enzima, 40ug e 200ug, foram solubilizadas no tampão de incubação na presença
de concentrações crescentes de agente desnaturante e incubadas a 25ºC. Após
Material e Métodos
39
uma hora de incubação procedeu-se ao ensaio de actividade na presença da
concentração de desnaturante utilizada no tampão de incubação.
3.4.4. Ensaios de reactivação
A enzima foi incubada nas condições descritas em a), após 1h de incubação foi
diluída 200 vezes em tampão de incubação na ausência de agente desnaturante.
Procedeu-se a nova incubação na ausência de desnaturante, durante 1h a 25ºC.
A actividade proteolítica da cardosina A foi determinada utilizando o péptido
sintético, Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu como substrato, de acordo com
um método anteriormente descrito (Veríssimo et al., 1996; Sarmento, 2002;
Sarmento et al., 2007a). A enzima promove a hidrólise da ligação Phe-Phe(NO2),
produzindo o tripéptido Phe(NO2)-Ala-Leu detectável a 257nm por cromatografia
liquida de alta pressão utilizando uma coluna de fase reversa (RP-HPLC).
O péptido Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu foi sintetizado pelo Professor
Doutor Arthur Moir do Krebs Institute, Sheffield (United Kingdom), num
sintetizador automático “Miligen 9050 PepSynthesizer”. A pureza do péptido,
superior a 95%, foi determinada por espectrometria de massa e por RP-HPLC.
Uma vez solubilizado, o péptido foi armazenado a -20ºC, numa solução stock de
3mg/ml de tampão de reacção.
Após a adição de 21μl da solução stock de péptido (63μg de péptido) ao tampão
de reacção (4% DMSO, 0,2M NaCl, 50mM NaAc, pH 4,7), a reacção foi iniciada
pela adição da enzima (0,143μg), num volume final de 300μl. Nos tempos
previamente definidos, foram retiradas alíquotas e a reacção foi parada por
precipitação da enzima, com a adição de igual volume de TFA a 1,5% (v/v). As
amostras obtidas foram analisadas num sistema de RP-HPLC, “Äkta Basic
System” (GE Healthcare), utilizando uma coluna de fase reversa (250 x 4.6mm
LiChroCART® 100 RP-18, 5μm, Merck). O sistema de RP-HPLC, “Äkta Basic
System” (GE Healthcare) está equipado com uma bomba P-920 e um detector
Material e Métodos
40
UPC-900. Este equipamento possui ainda um sistema de injecção automática,
“Autosampler A-900” (GE Healthcare) e utiliza o software UNICORN 3.2.
Na fase móvel utilizou-se 20% (v/v) de acetonitrilo em água ultra pura, para
eluição, desenvolvendo um gradiente de acetonitrilo (20-50%, v/v), a um fluxo de
0,8ml/min. Todos os solventes foram desgaseificados com hélio antes de serem
utilizados. A detecção do produto (Phe(NO2)-Ala-Leu) decorreu a 257nm.
Para quantificar o produto da reacção, foi construída uma curva de calibração
das áreas de produto, em função da concentração de substrato, após hidrólise
total.
3.5. Métodos espectroscópicos
As técnicas mais utilizadas para avaliar a desnaturação de proteínas são as
espectroscópicas, baseadas em transições electrónicas, entre as quais estão a
emissão de fluorescência e o dicroísmo circular que foram utilizadas neste
trabalho.
3.5.1. Fluorescência
A monitorização da emissão de fluorescência de proteínas é uma técnica muito
utilizada para estudos de estabilidade de proteínas, sensível a alterações
conformacionais uma vez que os aminoácidos aromáticos e hidrofóbicos são os
responsáveis pela emissão de fluorescência intrínseca (Schmid, 2005). Deste
modo, a emissão de fluorescência da proteína no estado nativo é diferente da
mesma no estado desnaturado ou parcialmente desnaturado, permitindo a
monitorização de alterações conformacionais por espectrofluorimetria (Pace,
1986).
A cardosina A solubilizada em tampão fosfato de sódio, 10mM, pH 5,0, foi
incubada durante 1h, a 25ºC, em concentrações crescentes do agente
Material e Métodos
41
desnaturante (ureia ou hidrocloreto de guanidina) e de seguida procedeu-se à
análise da fluorescência intrínseca da molécula.
Os ensaios de fluorescência foram realizados num espectrofluorímetro “Jasco FP-
770”. O comprimento de onda de excitação usado foi 295nm, porque a este
comprimento de onda a absorção de luz dos outros aminoácidos aromáticos é
mínima, aumentando assim a contribuição da emissão de fluorescência dos
resíduos de triptofano (Schmid, 2005). Outros parâmetros constantes em todos
os espectros: fendas de 5nm, emissão de fluorescência registada num intervalo
de 300 a 400nm e velocidade de 100nm/min. Foi utilizada uma célula de 10mm
e uma concentração de proteína de 20μg/ml. Em todas as condições testadas foi
registada a emissão de fluorescência na ausência da enzima e na presença do
tampão de incubação, tendo sido posteriormente subtraída aos respectivos
espectros para corrigir o sinal.
A emissão de fluorescência da cardosina A foi comparada com a emissão de
fluorescência de um derivado do triptofano usado como modelo, ATEE (N-acetyl-
L-tryptophan ethyl Ester), determinadas nas mesmas condições.
As alterações conformacionais da cardosina A, na presença de concentrações
crescentes de agentes desnaturantes, foram monitorizadas utilizando o valor
equivalente a 80% do valor de intensidade máxima (λmáx) determinado para os
diferentes espectros (Pina et al., 2003).
3.5.2. Dicroísmo circular
O dicroísmo circular (CD de circular dichroism) é uma técnica também muito
utilizada neste tipo de estudos para detectar alterações conformacionais de
macromoléculas, baseando-se na diferente absorção de luz circularmente
polarizada à esquerda e a direita, depois desta atravessar a amostra (Kelly &
Price, 2000). Estudos de CD no UV afastado (far-CD) permitem aceder ao
conteúdo em estrutura secundária das proteínas e no UV próximo (Near-CD) ao
ambiente onde se encontram os aminoácidos aromáticos (Woody, 1995).
Material e Métodos
42
A cardosina A solubilizada em tampão fosfato de sódio, 10mM, pH 5,0, foi
incubada durante 1h, a 25ºC, em concentrações crescentes do agente
desnaturante (ureia ou hidrocloreto de guanidina).
Os espectros de CD, no UV afastado e no UV próximo foram realizados num
espectropolarímetro “Jasco Model J-715”, sob um fluxo constante de azoto. Os
espectros foram obtidos para o far-UV e para o Near-UV nos intervalos de
comprimento de onda descritos na literatura 250-185nm e 340-250nm,
respectivamente. No entanto, os desnaturantes utilizados neste trabalho
absorvem muito próximo dos 200nm pelo que os espectros apresentam grande
perturbação nesta região, tendo sido necessário encurtar um pouco a gama de
comprimentos de onda de leitura. A velocidade de obtenção dos espectros foi de
50nm/min, as fendas de 2nm e o tempo de resposta de 1s. O percurso óptico das
células utilizadas foi de 0,02 e 1cm e a concentração de proteína foi
aproximadamente de 200μg/ml e 1mg/ml para o far- e near-UV,
respectivamente. Cada espectro corresponde à média de 5 medições, o que
permitiu reduzir a perturbação observada em cada medição. Ao espectro final foi
subtraído um espectro registado na ausência da enzima e na presença de todos
os outros constituintes da respectiva amostra.
Todos os espectros foram convertidos para elipticidade molar, [θ] (deg · cm2 ·
decimole-1), calculada a partir da equação:
[θ]MRW = θobs x 100 x Mr/ C x l x NA
Onde θobs corresponde à elipticidade medida (deg), Mr ao peso molecular da
proteína, C à concentração de proteína (mg/ml), l ao percurso óptico da célula
(cm) e NA número de aminoácidos da proteína.
Material e Métodos
43
3.6. Estudos de hidrodinâmica
Alterações na estrutura das proteínas podem ser analisadas por cromatografia de
exclusão molecular uma vez que o desenrolamento altera o raio hidrodinâmico
das moléculas (Corbett & Roche, 1984).
A cardosina A solubilizada em tampão fosfato de sódio, 10mM, pH 5,0, foi
incubada durante 1h, a 25ºC, em concentrações crescentes do agente
desnaturante (ureia ou hidrocloreto de guanidina).
Após este período de incubação as amostras (100μl) foram analisadas por
cromatografia de exclusão molecular num sistema de FPLC “Äkta Basic System”
(GE Healthcare) equipado com uma coluna para FPLC, Superdex 75 HR 10/30
(GE Healthcare). Na fase móvel de cada cromatografia utilizou-se tampão fosfato
de sódio, 10mM, pH 5,0 com concentrações de ureia e hidrocloreto de guanidina
idênticas às utilizadas na incubação. Todos os solventes foram filtrados por uma
membrana com poro 0,2μm e desgaseificados com hélio antes de serem
utilizados. O perfil de eluição foi monitorizado a 280nm durante 70min e as
populações separadas recolhidas para posterior análise electroforética, de acordo
com as condições descritas no ponto 3.3. desta secção. O volume de eluição de
cada fracção foi comparado com um padrão de pesos moleculares, tendo-se
determinado o peso molecular de cada uma das fracções de acordo com o
descrito em 3.5.1.
3.6.1. Padrão de pesos moleculares para cromatografia de exclusão
molecular
Uma curva de calibração de pesos moleculares define a relação entre os volumes
de eluição de um grupo de proteínas e o logaritmo dos respectivos pesos
moleculares (Whitaker, 1963). Neste trabalho foi construída uma curva de
calibração de tempos de retenção em função dos pesos moleculares de proteínas
padrão, utilizando o kit comercial “Low Molecular Weight Gel Filtration kit” (GE
Healthcare).
Material e Métodos
44
As proteínas padrão foram diluídas segundo as instruções do fabricante,
procedendo-se à cromatografia de exclusão molecular, utilizando um sistema de
FPLC “Äkta Basic System” (GE Healthcare) equipado com uma coluna para FPLC,
Superdex 75 HR 10/30 (GE Healthcare). O volume de amostra utilizado em cada
cromatografia foi de 100μl e na fase móvel utilizou-se tampão fosfato de sódio,
10mM, pH 7,0. Todos os solventes foram filtrados por uma membrana com poro
0,2μm e desgaseificados com hélio antes de serem utilizados. O perfil de eluição
foi monitorizado a 280nm durante 70min (figura 3.5).
Figura 3.5: Perfil de eluição obtido por cromatografia de exclusão molecular de 1-dextrano azul 2000 (2000 kDa), 2- Albumina (67kDa), 3- Ovalbumina (43kDa), 4- Quimotripsinogénio A (25kDa) e 5- Ribonuclease A (13,7kDa). A curva padrão foi traçada utilizando o parâmetro Kav versus o logaritmo do peso
molecular. Este parâmetro é recomendado por ser menos sensível a erros de
procedimento como sendo a variação das dimensões da coluna assim como da
sua preparação. O Kav calcula-se utilizando a seguinte equação:
1 2 3 4 5
10 20 30 40 500
25
50
75
100
125
150
175
volume de eluição (ml)
Abs
280
nm
Material e Métodos
45
Kav = Ve-V0 / Vt-V0
onde, Ve corresponde ao volume de eluição, o V0 ao volume vazio da coluna e o
Vt ao volume total da coluna.
O volume vazio da coluna corresponde ao volume de eluição do dextrano azul
2000 (2000kDa) e as proteínas padrão utilizadas foram a ribonuclease A
(13,7kDa), quimotripsinogénio A (25kDa), ovalbumina (43kDa) e a albumina
(67kDa).
Figura 3.6: Curva de calibração de pesos moleculares. Foi calculado o parâmetro Kav para cada uma das proteínas utilizadas como padrão e traçada a curva de calibração em função do logaritmo do peso molecular de cada uma delas (y = -2,5806x + 12,911, R2 = 0,932).
3.75 4.00 4.25 4.50 4.75 5.00 5.250.0
0.5
1.0
1.5
2.0
2.5
log MW
Kav
Material e Métodos
46
3.7. Proteólise reduzida
A sonda proteolítica utilizada nos ensaios de proteólise reduzida foi a termolisina,
uma metaloproteinase de Bacillus thermoproteolyticus, com peso molecular de
cerca de 35kDa. A sua especificidade é dirigida para a hidrólise do N-terminal de
resíduos hidrofóbicos, como Leu, Ile, Phe, Val, Met e Ala (Beynon & Bond, 1989).
A digestão da cardosina A com a enzima proteolítica foi conduzida em Tris-HCl
100mM, com 100mM de CaCl2, pH 8,0, na presença de várias concentrações de
ureia e incubada a 25ºC. A cardosina A foi solubilizada no meio de reacção
(concentração final de 0, 054mM), ao qual se adicionou a sonda proteolítica
numa razão enzima:substrato de 1:25 (m/m). Nos tempos seleccionados foram
retiradas alíquotas e a reacção foi parada, utilizando uma solução de EDTA
50mM. As amostras obtidas foram posteriormente preparadas SDS-PAGE, de
acordo com a secção 3.3, deste capítulo.
Resultados e Discussão
47
“Desnaturação pode ser definida como uma modificação na conformação
proteica, ao nível das interacções não covalentes, que promove alterações
mensuráveis por parâmetros como a actividade enzimática e as propriedades
espectroscópicas” (Pain et al., 1985).
4.1. Caracterização estrutural/conformacional
4.1.1. Estudos espectroscópicos
As técnicas espectroscópicas baseiam-se na detecção e análise de um feixe de
radiação electromagnética emitido pela amostra que constituiu o objecto de
estudo. Existem algumas variantes deste esquema básico, avaliadas por diversas
técnicas e que permitem obter diferentes tipos de informação. As técnicas
espectroscópicas utilizadas neste trabalho, fluorescência e o dicroísmo circular,
utilizam energias correspondentes à zona do ultravioleta e do visível e são
amplamente utilizadas em biofísica. Técnicas como a emissão de fluorescência e
o dicroísmo circular permitem avaliar a dinâmica conformacional de proteínas,
acedendo a alterações da estrutura secundária e terciária, durante o processo de
desnaturação.
4.1.1.1. Fluorescência
A emissão de fluorescência da proteína no estado nativo é diferente da mesma no
estado desnaturado, permitindo a monitorização de alterações conformacionais
por espectrofluorímetria (Pace, 1986). Esta técnica apresenta uma elevada
sensibilidade na detecção de alterações da estrutura tridimensional da proteína,
uma vez que os aminoácidos aromáticos são os responsáveis pela emissão de
fluorescência. A fenilalanina (Phe) apresenta um máximo a 282nm, a tirosina
(Tyr) a 303nm e o triptofano (Trp) a 350nm. A emissão de fluorescência para a
Resultados e Discussão
48
maior parte das proteínas resulta da contribuição dos resíduos de triptofano,
sendo que a contribuição das fenilalaninas é desprezível e a das tirosinas é pouco
significativa. No entanto, se a proteína for excitada a um comprimento de onda
de 295nm, toda a emissão de fluorescência é devida aos resíduos de Trp uma vez
que, os resíduos de Tyr não absorvem neste comprimento de onda (Schmid,
2005).
A fluorescência intrínseca tem sido utilizada como uma das técnicas que melhor
monitoriza alterações conformacionais das proteínas em presença de
desnaturantes. Espectros de fluorescência com uma emissão máxima na zona
dos 330nm são característicos de resíduos de Trp que se encontram encerrados
no interior da molécula, num ambiente hidrofóbico, enquanto que espectros cujo
máximo ronda os 350nm são característicos de resíduos de Trp expostos ao
solvente (Lakovicz, 1983). A cardosina A possui cinco resíduos de Trp (figura 4.1),
quatro na sub-unidade maior e um na sub-unidade menor, dos quais apenas um
se apresenta um pouco exposto estando os restantes encerrados no interior da
molécula, no seu estado nativo (Frazão et al., 1999).
Figura 4.1: Representação da estrutura tridimensional da cardosina A (identificação PDB: 1B5F). As sub-unidades maior e menor estão representadas a azul escuro e azul claro, respectivamente. As tríadas catalíticas DTG e DSG ( Asp-Thr/Ser-Gly ), localizadas no centro da fenda catalítica estão representadas a vermelho e os Trp a laranja. À direita está representada a superfície da molécula, em cima a face anterior e em baixo a face posterior.
Trp 137
Trp 154
Trp 190
Trp 299
Trp 39
Trp 137
Trp 154
Trp 190
Trp 299
Trp 39
Resultados e Discussão
49
Os espectros de emissão de fluorescência da cardosina A, na ausência e na
presença de concentrações crescentes de ureia e GndHCl, foram determinados
utilizando um comprimento de onda de excitação de 295nm, em 10mM tampão
fosfato, pH5, após 1h de incubação a 25ºC, de acordo com os parâmetros
descritos na secção 3.5.1 do capítulo de material e métodos. As alterações
conformacionais da cardosina A, induzidas pela presença de concentrações
crescentes de agentes desnaturantes, foram monitorizadas utilizando o valor
equivalente a 80% do valor de comprimento de onda máximo (λmáx) determinado
para os diferentes espectros, tal como descrito anteriormente (Pina et al., 2003).
a) ureia
Na figura 4.2(A) podemos observar alguns espectros de emissão de fluorescência
intrínseca da cardosina A na ausência do desnaturante e na presença de
algumas concentrações de ureia. O estado nativo é caracterizado por um λmáx de
aproximadamente 328nm. O processo de desnaturação promovido pela adição de
concentrações crescentes de ureia ao tampão de incubação é acompanhado por
um aumento do λmáx (desvio para o vermelho) para aproximadamente 349nm,
como se pode ver na figura 4.2 (B) e por um decréscimo na intensidade do
espectro. Este valor de λmáx próximo de 350nm indica uma alteração no ambiente
dos resíduos de triptofano, indicando uma maior exposição ao solvente.
Resultados e Discussão
50
Figura 4.2: Efeito da ureia na cardosina A monitorizado por fluorescência A) espectros de emissão de fluorescência da cardosina A na ausência e na presença de diferentes concentrações de ureia. B) efeito da presença de concentrações crescentes de ureia no comprimento de onda de emissão máxima da cardosina A (---); efeito da presença de concentrações crescentes de ureia no comprimento de onda de emissão máxima do ATEE (…). Os espectros de emissão de fluorescência da cardosina A foram determinados em 10mM tampão fosfato, pH 5, após 1h de incubação a 25ºC. As condições experimentais encontram-se descritas na secção 3.5.1 do capítulo de material e métodos.
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11320
330
340
350
360
ureia (M)
λ máx
(nm
)
300 310 320 330 340 350 360 370 380 390 4000.00
0.05
0.10
0.15
0.20
0.25
0.30
0.35 0M7.5M
10.0M8.5M
λmáx (nm)
inte
nsid
ade
A
B
Resultados e Discussão
51
Na presença de concentrações elevadas de ureia, superiores a 8M, os resíduos de
Trp que se encontram encerrados no interior da molécula, em condições nativas,
ficam expostos ao solvente. Nestas condições, ocorre uma abertura da molécula
resultante de alterações ao nível da sua estrutura terciária.
Utilizando o valor de λmáx calculado foi construído um perfil de desnaturação em
função da concentração de ureia. O perfil representado na figura 4.2 (B) permite
verificar que o valor de λmáx atingido situa-se um pouco abaixo do valor de λmáx
determinado para o ATEE, nas mesmas condições. A diferença entre os dois
comprimentos de onda máximos (cardosina A e ATEE) registados para a
concentração de ureia mais elevada onde se verifica a maior exposição dos
resíduos de Trp é de 6,625nm. Este resultado poderá indicar que a molécula não
perde completamente a sua estrutura terciária, na presença de soluções
saturadas de ureia.
A transição mais acentuada ocorre entre os 8 e 11M de ureia, no entanto entre
os 3 e os 5M ocorre uma pré-transição que denuncia uma alteração do estado
conformacional da molécula, que precede alterações mais drásticas da sua
estrutura terciária.
O ponto médio da transição mais significativa no caso da desnaturação com
ureia é 9,04M.
b) GndHCl
O processo de desnaturação promovido pela adição de concentrações crescentes
de GndHCl ao sistema proteína-solvente, é acompanhado por um aumento do
λmáx, de 228nm para aproximadamente 353nm e por um decréscimo na
intensidade do espectro como se pode verificar na figura 4.3 (A).
O perfil de desnaturação dado pelo λmáx em função da concentração de GndHCl,
representado na figura 4.3 (B), mostra uma única transição entre 2 e 4M cujo
ponto médio corresponde a 3,05M deste agente desnaturante.
Resultados e Discussão
52
Figura 4.3: Efeito do GndHCl na cardosina A monitorizado por fluorescência. A) espectros de emissão de fluorescência da cardosina A na ausência e na presença de diferentes concentrações de GndHCl. B) efeito da presença de concentrações crescentes de GndHCl no comprimento de onda de emissão máxima da cardosina A (---); efeito da presença de concentrações crescentes de GndHCl no comprimento de onda de emissão máxima do ATEE (...). Os espectros de emissão de fluorescência da cardosina A foram determinados em 10mM tampão fosfato, pH 5, após 1h de incubação a 25ºC. As condições experimentais encontram-se descritas na secção 3.5.1 do capítulo de material e métodos.
A
300 310 320 330 340 350 360 370 380 390 4000.00
0.05
0.10
0.15
0.20
0.25
0.30
0.35
0.40 0M
3.5M6.0M
3.0M
λmáx (nm)
inte
nsid
ade
0 1 2 3 4 5 6320
330
340
350
360
GndHCl (M)
λ máx
(nm
)
B
Resultados e Discussão
53
O perfil representado na figura 4.3 (B) mostra que o valor de λmáx atingido para
valores de concentração de GndHCl iguais ou superiores a 4M é inferior ao valor
de λmáx determinado para o ATEE, nas mesmas condições. A diferença entre os
dois comprimentos de onda máximos (cardosina A e ATEE) registados para a
concentração de ureia mais elevada onde se verifica a maior exposição dos
resíduos de Trp é de 3,83nm.
A curva ajustada aos resultados de emissão de fluorescência, utilizando o
parâmetro λmáx da cardosina A na presença de concentrações crescentes de
GndHCl é adequada a uma transição em dois estados, em que apenas intervêm
no equilíbrio as populações nativa e desenrolada em concentrações significativas.
c) análise dos resultados
Os agentes desnaturantes utilizados neste trabalho não são igualmente eficazes
na destabilização da cardosina A, ao nível da estrutura terciária. Por um lado, os
valores de concentração de desnaturante correspondentes ao ponto médio da
transição [(D)1/2] determinados por fluorescência são 9,04M e 3,05M para o caso
da desnaturação com ureia e com GndHCl, respectivamente. Estes valores de
(D)1/2 referem-se ao valor da concentração de desnaturante para o qual 50% das
moléculas de cardosina A se encontram num estado conformacional não nativo.
Numa outra perspectiva, verificamos que o GndHCl é mais eficiente na
destabilização da estrutura terciária da cardosina A. O desvio no λmáx obtido para
este agente é maior quando comparado com o desvio obtido na presença de
ureia. De salientar que em nenhum dos casos foi possível obter um λmáx idêntico
ao que foi determinado para o Trp livre em solução, nas mesmas condições de
ensaio. Como mostra a figura 4.4, a diferença entre o λmáx obtido pelas
concentrações mais elevadas de GndHCl e o λmáx registado para o ATEE (3,83nm)
é inferior ao mesmo valor, determinado na presença de elevadas concentrações
de ureia (6,625nm).
Resultados e Discussão
54
Figura 4.4: Diferença entre o comprimento de onda de emissão máxima determinado para o ATEE e para a cardosina A, determinado por emissão de fluorescência na presença de concentrações crescentes de GndHCl (__) e de ureia (---).
Os desvios de λmáx apresentados na figura 4.4 mostram que ambos os caotrópicos
utilizados promovem uma alteração do ambiente que rodeia os fluoróforos
traduzida pelo aumento da polaridade e pela desorganização das interacções
hidrofóbicas. Este efeito, resulta numa maior exposição dos Trp ao solvente,
denunciando a perda de estrutura terciária da cardosina A quando submetida à
presença de GndHCl e de ureia.
Como mostram as figuras 4.2 (B) e 4.3 (B), a emissão de fluorescência do ATEE
não sofre alterações na presença de concentrações crescentes dos caotrópicos
utilizados neste trabalho. Deste modo, podemos considerar que as alterações de
fluorescência determinadas para a cardosina A são motivadas pela presença
destes agentes e pelo seu efeito na conformação da molécula, particularmente no
ambiente que envolve os resíduos de Trp.
0.0 2.5 5.0 7.5 10.0 12.50
5
10
15
20
25
30
desnaturante (M)
Δλ m
áx (n
m)
Resultados e Discussão
55
4.1.1.2. Dicroísmo circular
O dicroísmo circular (CD) é outra técnica espectroscópica muito utilizada para
estudos de desnaturação, baseando-se na diferente absorção da componente
polarizada à direita e à esquerda da luz segundo um plano (Kelly & Price, 2000).
Esta técnica permite a leitura de bandas na zona do UV-afastado (Far-UV),
correspondentes à absorção da ligação peptídica, na zona dos 240-180nm e do
UV-próximo (near-UV), correspondentes ao ambiente que rodeia os aminoácidos
aromáticos, na região dos 320-260nm. Phe, Tyr e Trp absorvem na região dos
250-290nm, no entanto poderá haver interferência de outras contribuições
provenientes de ligações dissulfito (260nm) e de outras ligações não covalentes
ou co-factores não proteicos que absorvem nesta região (Woody & Dunker, 1996).
A intensidade das bandas na região do UV-afastado é proporcional ao conteúdo
em estruturas secundárias o que permite acompanhar e quantificar o
desaparecimento de estruturas como as hélices α e as folhas β (Kelly & Price,
2000). Tipicamente, as proteínas com estrutura secundária rica em hélices α
apresentam uma dupla banda negativa muito intensa a 208nm e 220nm e uma
banda positiva a 190nm. Estruturas ricas em folhas β apresentam um espectro
de CD caracterizado por uma banda negativa menos expressiva próxima dos
216nm e uma banda positiva na região dos 195-200nm. A desnaturação proteica
acompanhada de desaparecimento de estrutura secundária traduz-se num
decréscimo da intensidade das bandas ao longo de todo o espectro e por este
motivo qualquer ponto permite esta análise, sobretudo se estivermos na presença
de uma banda característica da proteína em estudo. O valor da elipticidade a
222nm é utilizado frequentemente como indicador do desaparecimento da
estrutura secundária em geral.
As bandas no UV-afastado permitem obter informação acerca da integridade da
estrutura secundária da proteína enquanto as bandas no UV-próximo
proporcionam informação complementar acerca da estrutura terciária da
proteína.
As alterações conformacionais da cardosina A promovidas pela presença de
concentrações crescentes de ureia e GndHCl foram monitorizadas por CD, no
UV-afastado e no UV-próximo.
Resultados e Discussão
56
A forte absorvância exibida por alguns componentes das soluções tampão na
região do UV-afastado, nomeadamente a ureia e o GndHCl, pode constituir uma
limitação à técnica. Alguns espectros foram obtidos apenas para comprimentos
de onda acima dos 205-210nm, uma vez que a absorvância do desnaturante
causa grande interferência no traçado do espectro dificultando a sua
interpretação.
4.1.1.2.1. UV-afastado
a) ureia
O espectro de CD na região do UV-afastado da cardosina A, representado na
figura 4.5 (A), apresenta características típicas de uma proteína cuja estrutura
secundária é composta essencialmente por elementos do tipo folhas β. O espectro
da cardosina A, no estado nativo, mostra uma banda positiva próxima dos
197nm e uma banda negativa próxima dos 216nm. Na presença de
concentrações elevadas de ureia, superiores a 7M, há uma diminuição do sinal
de CD na zona da banda negativa, a 216nm. No entanto, para concentrações
mais baixas, entre 2-5M, parece haver um aumento do sinal, que significa um
aumento de estrutura secundária. Ou seja, para concentrações de ureia entre os
2 e os 5M parece haver um favorecimento de estados conformacionais com maior
conteúdo em elementos de estrutura secundária.
Tendo em conta a forte absorvância da ureia na proximidade dos 200nm e a
interferência causada nos espectros, a variação da elipticidade da cardosina A,
foi determinada a 222nm e está representada na figura 4.5 (B). O perfil da
variação da elipticidade da cardosina A a 222nm, mostra uma transição
importante entre os 7 e os 10M de ureia, onde ocorre uma diminuição da
estrutura secundária da proteína. Apesar da notória alteração conformacional, é
possível verificar que a 10M de ureia a enzima ainda apresenta um espectro
definido nesta zona o que significa que ainda retém estrutura secundária.
Resultados e Discussão
57
Figura 4.5: Efeito da ureia na cardosina A monitorizado por CD no UV-afastado. A) espectros de CD na região do UV-afastado na ausência e na presença de concentrações crescentes de ureia. B) variação da elipticidade da cardosina A, a 222nm, em função das diferentes concentrações de ureia. Todos os espectros foram obtidos após 1 hora de incubação da cardosina A na presença das várias concentrações do desnaturante, em tampão fosfato, 10mM, a 25ºC, de acordo com os parâmetros descritos na secção 3.5.2 do capítulo de material e métodos.
A
B
190 200 210 220 230 240 250-5.0
-2.5
0.0
2.5
5.0
7.5
10.0
λ (nm)
10-3
[θ] (
deg
cm2 d
mol
-1)
0M8M
10M
1M5M
190 200 210 220 230 240 250-5.0
-2.5
0.0
2.5
5.0
7.5
10.0
λ (nm)
10-3
[θ] (
deg
cm2 d
mol
-1)
0M8M
10M
1M5M 0M
8M10M
1M5M
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10-4
-3
-2
-1
ureia (M)
10-3
[θ] 2
22n
m
Resultados e Discussão
58
O ponto médio da transição mais significativa, na presença de ureia, corresponde
à concentração de 8,33M deste desnaturante.
b) GndHCl
O efeito da presença de concentrações crescentes de GndHCl na estrutura da
cardosina A também foi monitorizado por CD na região do UV-afastado. Na figura
4.6 (A) podemos observar um espectro de cardosina A na ausência de GndHCl e
outro na presença de 4M deste desnaturante que corresponde à concentração
máxima utilizada nesta técnica. Como se pode observar o espectro na presença
de 4M de GndHCl encontra-se completamente descaracterizado, aproximando-se
de um espectro típico de uma estrutura desordenada. Apesar de alguma
perturbação proveniente da elevada concentração de desnaturante, é possível
verificar uma diminuição do sinal de CD na zona do máximo negativo,
característico do espectro na ausência de desnaturante.
A variação da elipticidade da cardosina A, determinada a 222nm, representada
na figura 4.6 (B), mostra uma única transição estrutural entre 2 e 4M,
acompanhada por uma diminuição de estrutura secundária, sendo o ponto
médio dessa transição correspondente a 2.90M de GndHCl.
Resultados e Discussão
59
Figura 4.6: Efeito do GndHCl na cardosina A monitorizado por CD no UV-afastado. A) espectros de CD na região do UV afastado na ausência e na presença de 4M de GndHCl. B) variação da elipticidade da cardosina A, a 222nm, em função das diferentes concentrações de GndHCl. Todos os espectros foram obtidos após 1 hora de incubação da cardosina A na presença das várias concentrações do desnaturante, em tampão fosfato, 10mM, a 25ºC, de acordo com os parâmetros descritos na secção 3.5.2 do capítulo de material e métodos.
B
A
190 200 210 220 230 240 250-5.0
-2.5
0.0
2.5
5.0
7.5
10.0
λ (nm)
10-3
[θ] (
deg
cm2 d
mol
-1)
0M
4M
190 200 210 220 230 240 250-5.0
-2.5
0.0
2.5
5.0
7.5
10.0
λ (nm)
10-3
[θ] (
deg
cm2 d
mol
-1)
0M
4M
0 1 2 3 4-4
-3
-2
-1
0
GndHCl (M)
10-3
[θ] 2
22n
m
Resultados e Discussão
60
c) análise dos resultados
À semelhança dos resultados obtidos anteriormente, a monitorização de
alterações estruturais por CD na região do UV-afastado mostrou que ambos os
desnaturantes utilizados neste trabalho promovem alterações de estrutura na
cardosina A e que o GndHCl é mais eficiente que a ureia. Os valores de (D)1/2
obtidos por esta técnica foram de 8,33M e 2,90M, para o caso da desnaturação
com ureia e com GndHCl, respectivamente.
Nas condições utilizadas, verifica-se ainda uma maior eficiência do GndHCl ao
nível do efeito produzido na enzima, relativamente à ureia, ou seja, o GndHCl
promove uma maior destabilização da estrutura secundária da cardosina A
(figura 4.7).
Figura 4.7: Variação da elipticidade da cardosina A, a 222nm, em função das diferentes concentrações de GndHCl (__) e de ureia (…).
De salientar que nas concentrações máximas utilizadas, 10M de ureia e 4M de
GndHCl, o valor de elipticidade indica que há uma diminuição do conteúdo em
elementos de estrutura secundária. Embora o efeito do GndHCl seja mais
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10-0.2
0.0
0.2
0.4
0.6
0.8
1.0
desnaturante (M)
Δ [θ
] 222
nm
(uni
dade
s re
lati
vas)
Resultados e Discussão
61
acentuado, a enzima não perde completamente a sua estrutura secundária, nas
condições utilizadas.
Os resultados de CD na região do UV-afastado, para a desnaturação na presença
de ureia mostram inequivocamente que estamos em presença de um mecanismo
multifásico. O perfil da variação de elipticidade obtido revela uma transição
subtil do estado conformacional da cardosina A, para concentrações de ureia
entre os 2-5M, com incremento de estrutura secundária. Entre os 7-10M ocorre a
transição estrutural mais expressiva, onde se verifica uma perda de conteúdo em
estrutura secundária.
No caso da desnaturação com GndHCl, o perfil da variação de elipticidade
corresponde a um perfil típico de uma transição em dois estados, onde ocorre
apenas uma transição estrutural, à semelhança do que se verificou para os
resultados de emissão de fluorescência. No entanto, os valores de [GndHCl]1/2
obtidos por fluorescência e por CD (3,05M e 2,90M, respectivamente), indicam
uma não coincidência dos perfis de desnaturação obtidos por ambas as técnicas.
Neste caso, podemos dizer que estamos em presença de um mecanismo de
desnaturação que envolve a formação de conformações intermediárias entre o
estado nativo e o estado desnaturado.
4.1.1.2.2. UV-próximo
O CD na região do UV-próximo (320-260nm), como já foi referido anteriormente,
permite obter informação acerca do ambiente onde se encontram os aminoácidos
aromáticos, constituindo uma informação complementar acerca da estrutura
terciária da proteína.
a) Ureia
O espectro de CD na região do UV-próximo da cardosina A no estado nativo,
representado na figura 4.8, apresenta duas bandas mais significativas, uma
negativa a 276nm e outra positiva próxima dos 290nm. Na zona dos 250-270nm
apresenta várias bandas positivas menos expressivas. O aumento da
concentração de ureia resulta na diminuição da elipticidade das bandas ao longo
Resultados e Discussão
62
de todo o espectro, embora a concentração máxima de desnaturante utilizada
não permita verificar alterações estruturais significativas, tendo em conta os
resultados de fluorescência.
Figura 4.8: Efeito de GndHCl na cardosina A monitorizada por CD na região do UV-próximo. A) espectros de CD na região do UV-próximo na ausência (__) e na presença de 8M de ureia (…). B) variação da elipticidade da cardosina A, a 292nm, em função das diferentes concentrações de ureia. Todos os espectros foram obtidos após 1 hora de incubação da cardosina A na presença das várias concentrações de desnaturante, em tampão fosfato, 10mM, a 25ºC, de acordo com os parâmetros descritos na secção 3.5.2 do capítulo de material e métodos.
250 260 270 280 290 300 310 320 330 340 350-20
-10
0
10
20
30
λ (nm)
[θ] (
deg
cm2
dmol
-1)
A
B
0 1 2 3 4 5 6 7 80
10
20
30
ureia (M)
[ θ] 2
92n
m
Resultados e Discussão
63
Na monitorização de alterações de estrutura por CD nesta região do espectro,
utiliza-se frequentemente a variação de elipticidade na região dos 290nm, uma
vez que, a este comprimento de onda a contribuição é maioritariamente devida
aos resíduos de Trp. No caso da cardosina A, podemos observar uma banda
positiva próxima deste comprimento de onda, a 292nm, que parece ser ideal para
acompanhar a desnaturação da enzima. A variação de elipticidade da cardosina
A na presença de diferentes concentrações de ureia, a 292nm, representada na
figura 4.8 (B), facilita a observação de uma transição estrutural entre os 3 e os
5M deste desnaturante. Nesta gama de concentrações acontece uma
reorganização estrutural das moléculas, com alteração do ambiente onde se
encontram os resíduos de Trp, no sentido de uma maior mobilidade, antecedendo
a principal transição, a partir dos 8M de ureia e que conduz a uma perda
acentuada de estrutura terciária.
b) GndHCl
Na região do UV-próximo, os espectros de CD da cardosina A na presença de
GndHCl mostram uma diminuição do sinal concordante com o aumento da
concentração de desnaturante. Na figura 4.9 (A) é possível verificar que o
espectro para a concentração de GndHCl mais elevada (4M) mostra um perfil
descaracterizado muito próximo de zero, o que indica claramente uma perda de
estrutura terciária. O perfil de variação da elipticidade da cardosina A a 292nm
em função da concentração de GndHCl, representado na figura 4.9 (B), mostra
mais uma vez uma única transição estrutural muito acentuada, na presença de
concentrações de GndHCl entre 2M e 4M. Os resultados obtidos nesta secção são
consistentes com os resultados obtidos por fluorescência, previamente
apresentados.
Resultados e Discussão
64
Figura 4.9: Efeito de GndHCl na cardosina A monitorizado por CD na região UV-próximo. A) espectros de CD na região do UV-próximo na ausência (__) e na presença de 2M (---) e de 4M de GndHCl (…). B) variação da elipticidade da cardosina A, a 292nm, em função das diferentes concentrações de GndHCl. Todos os espectros foram obtidos após 1 hora de incubação da cardosina A na presença das várias concentrações de desnaturante, em tampão fosfato, 10mM, a 25ºC, de acordo com os parâmetros descritos na secção 3.5.2 do capítulo de material e métodos.
250 260 270 280 290 300 310 320 330 340-20
-10
0
10
20
30
λ [nm]
[θ] (
deg
cm2
dmol
-1)
A
B
0 1 2 3 4-10
0
10
20
30
GndHCl (M)
[ θ] 2
92n
m
Resultados e Discussão
65
4.1.1.3. Discussão
Os resultados de CD na região do UV-afastado, na presença de ureia (figura 4.5)
mostram um efeito não muito comum deste desnaturante. Para concentrações de
ureia entre os 2 e os 5M há um aumento do sinal de CD, indicando que estas
concentrações parecem favorecer estados conformacionais com maior conteúdo
em elementos de estrutura secundária. Este efeito foi também descrito para a
cardosina A na presença de baixas concentrações de acetonitrilo (1-10%),
beneficiando o enrolamento da molécula (Oliveira, 2007). Não sendo um efeito
muito comum, tem sido descrito para outros solventes como o TFE (ácido
trifluoroetanol), capaz de induzir hélices em sequências com propensão
intrínseca para a sua formação (Sönnichsen et al., 1992) ou de promover
transições entre diferentes elementos de estrutura (Kuwata et al., 1998).
Whittington e colaboradores mostraram que a ureia promove a formação de
estruturas em hélice em pequenos péptidos e proteínas desnaturadas, indicando
que estados desnaturados poderão conter estrutura local ordenada (Whittington
et al., 2005). Outros autores mostraram que a HSA (albumina do soro humano)
na presença de concentrações muito baixas de ureia apresenta um aumento do
conteúdo em hélices (Gull et al., 2007). Apesar de conhecido, o fenómeno
permanece por elucidar, uma vez que a ureia é utilizada geralmente como
desnaturante de proteínas no sentido de promover a desorganização estrutural.
Uma hipótese aponta para alterações da estrutura do solvente, promovidas por
baixas concentrações de ureia, aumentando a constante dieléctrica e
consequentemente as forças hidrofóbicas, resultando num aumento do conteúdo
em estrutura secundária (Gull et al., 2007).
Em simultâneo, na mesma gama de concentrações verifica-se uma alteração
muito subtil da estrutura terciária da cardosina A (figuras 4.2 e 4.8) que precede
a maior transição estrutural a partir de aproximadamente 7M de ureia. Esta
adaptação conformacional na fase de pré-transição foi comprovada por proteólise
reduzida, utilizando a termolisina como sonda proteolítica. A proteólise reduzida
constitui uma técnica bioquímica simples capaz de detectar alterações
conformacionais em proteínas nativas ou parcialmente desnaturadas. A
informação obtida por esta técnica acerca da estrutura e dinâmica da proteína
Resultados e Discussão
66
poderá complementar os resultados obtidos por outros métodos biofísicos e
espectroscópicos (Fontana et al., 2004).
Figura 4.10: Perfis de hidrólise da cardosina A, obtidos por proteólise reduzida, utilizando a termolisina como sonda proteolítica, na presença de diferentes concentrações de ureia de acordo com a secção 3.7 do capítulo de material e métodos.
Na figura 4.10 pode verificar-se uma alteração dos perfis de hidrólise da
cardosina A entre 3 e 7M de ureia. Este resultado mostra que o substrato, a
cardosina A, está mais susceptível à proteólise indicando uma maior exposição
da molécula ao solvente. Apesar de ser uma adaptação conformacional muito
subtil, relativamente à maior transição estrutural que ocorre para concentrações
superiores a 7M, permite que locais de hidrólise anteriormente inacessíveis
estejam expostos sugerindo uma perda de estrutura terciária e uma maior
abertura da molécula, na presença de baixas concentrações de ureia.
O facto de ocorrer simultaneamente uma perda de estrutura terciária e uma
reorganização da estrutura secundária corrobora com trabalhos de outros
autores que mostram a existência de estruturas ordenadas locais em estados
desnaturados induzidos pela ureia. A tendência para adoptar estas estruturas
locais durante o processo de desnaturação está relacionada com a sequência da
proteína naquele local e com as condições da solução (Whittington et al., 2005).
Resultados e Discussão
67
A informação baseada nas propriedades espectroscópicas da cardosina A, na
presença de ureia e GndHCl, mostra que ambos os agentes caotrópicos
promovem alterações estruturais na molécula enzimática, apesar de não terem o
mesmo grau de eficiência. Os valores de [D]1/2 apresentados na tabela 4.1, uma
maior eficiência do GndHCl, relativamente à ureia. Estes resultados não são
surpreendentes uma vez que, para a maioria das enzimas a desnaturação com
GndHCl é mais eficiente 2 a 2,5 vezes do que com ureia (Greene & Pace, 1974;
Pace, 1986).
Tabela 4.1: Valores de [D]1/2 para ambos os agentes desnaturante, determinados a partir dos resultados de fluorescência e CD na região do UV-afastado.
[GndHCl]1/2
[ureia]1/2
Fluorescência
3,05M
9,04M
CD (UV-afastado)
2,90M 8,33M
Alguns estudos têm sugerido que estes desnaturantes promovem a desnaturação
de proteínas por interacções favoráveis com grupos expostos devido ao
desenrolamento (Scholtz et al., 1995; Zou et al., 1998). A forma como diferentes
grupos poderão contribuir para que as proteínas apresentem maior ou menor
sensibilidade aos desnaturantes, assim como a origem desta eficácia do ião
guanidina relativamente à ureia não estão completamente esclarecidos. Dempsey
e colaboradores (2005) mostraram que o cloreto de guanidina é bastante mais
eficiente do que a ureia em proteínas cuja estabilidade estrutural depende muito
das interacções hidrofóbicas, nomeadamente entre os aminoácidos aromáticos
das cadeias laterais. No caso de proteínas cuja estabilidade depende sobretudo
de ligações de hidrogénio, o cloreto de guanidina apresenta uma eficácia muito
semelhante à da ureia (Dempsey et al., 2005).
Resultados e Discussão
68
O GndHCl mostrou também ser mais ofensivo para a integridade estrutural da
molécula, quando comparado com a ureia. Os resultados mostram que o estado
conformacional final, induzido na presença de GndHCl, apresenta uma maior
desintegração estrutural relativamente ao estado conformacional induzido pela
concentração máxima de ureia, próxima da saturação. A tabela 4.2 apresenta um
resumo dos valores de λmáx e de elipticidade obtidos para o estado conformacional
final, na presença das respectivas concentrações de ureia e GndHCl.
Tabela 4.2: Valores de λmáx e de elipticidade obtidos para o estado conformacional da cardosina A que corresponde à alteração máxima induzida pelos caotrópicos ureia e GndHCl.
4M GndHCl
10M ureia
Fluorescência
λ máx (nm)
352
348
CD (UV-afastado) 10-3[θ222]
-0.8424273 -1.329968
O estado conformacional final obtido na presença de GndHCl apresenta um λmáx
inferior ao que foi determinado para o Trp em solução (Δ λmáx ≈ 4nm), no entanto
os dados de CD na região do UV-próximo, indicam que o impacto ao nível da
estrutura terciária da enzima é bastante acentuado (figura 4.9 (B)). Nestas
condições, apesar do conteúdo em estrutura secundária ser evidente (figura 4.6),
as interacções hidrofóbicas que contribuem para manter a conformação nativa
encontram-se diminuídas. Em proteínas oligoméricas, as interacções intra
cadeias podem ser suficientes para estabilizar uma estrutura compacta, com
hélices α e folhas β, na ausência de interacções inter cadeias. Deste modo não é
surpreendente a formação de uma estrutura compacta, com estrutura
secundária, na desnaturação de proteínas diméricas (Neet & Timm, 1994).
Resultados e Discussão
69
A análise das curvas de desnaturação obtidas a partir das diferentes abordagens
espectroscópicas, permite afirmar que estamos na presença de transições
multifásicas, i. e., de mecanismos de desnaturação não cooperativos (figura
4.11). A falta de coincidência dos perfis de alteração de estrutura secundária e
terciária vem confirmar que a desnaturação da cardosina A, na presença destes
caotrópicos, admite a formação de intermediário(s).
Figura 4.11: Curvas de desnaturação da cardosina A obtidas por CD na região do UV-afastado (----) e por fluorescência (___), na presença de ureia (A) e na presença de GndHCl (B). O modelo sigmoidal adaptado apresenta em todos os casos um R2 superior a 0,98.
Muitas proteínas, em determinadas condições, existem em conformações estáveis
que não correspondem nem ao estado nativo nem ao estado completamente
desnaturado (Creighton, 1990). Quando os dados se ajustam a modelos de
processos cooperativos, à semelhança do que obtivemos no caso da desnaturação
da cardosina A na presença de GndHCl, é possível detectar estes intermediários
indirectamente, pela não coincidência das curvas de desnaturação obtidas por
técnicas espectroscópicas que acedem a informações diferentes (Neet & Timm,
1994). Estas técnicas não permitem, no entanto, averiguar a natureza dos
intermediários.
0 1 2 3 4 5 6
0
20
40
60
80
100
GndHCl (M)
frac
ção
desn
atur
ada
(%)
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
0
20
40
60
80
100
ureia (M)
frac
ção
desn
atur
ada
(%)
A B
0 1 2 3 4 5 6
0
20
40
60
80
100
GndHCl (M)
frac
ção
desn
atur
ada
(%)
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
0
20
40
60
80
100
ureia (M)
frac
ção
desn
atur
ada
(%)
0 1 2 3 4 5 6
0
20
40
60
80
100
GndHCl (M)
frac
ção
desn
atur
ada
(%)
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
0
20
40
60
80
100
ureia (M)
frac
ção
desn
atur
ada
(%)
A B
Resultados e Discussão
70
4.1.2. Estudos de hidrodinâmica
A cromatografia de exclusão molecular (SEC de size-exclusion chromatography)
pode ser utilizada para monitorizar alterações de volume das proteínas,
associadas ao seu desenrolamento (Corbett & Roche, 1984). A separação baseia-
se nas diferenças de volume hidrodinâmico (Stokes radius) das moléculas no
estado nativo (enroladas) e no estado desnaturado (desenroladas). Uma molécula
no estado nativo é compacta e apresenta um volume hidrodinâmico muito menor
quando comparada com o volume ocupado pela mesma molécula no estado
desnaturado. Moléculas parcialmente desnaturadas apresentam um volume
hidrodinâmico intermédio (Light & higaki, 1987). A cromatografia de exclusão
molecular poderá constituir, deste modo uma técnica apropriada não só para
detectar alterações de estrutura quaternária, mas também para identificar a
presença de intermediários estáveis em processos de desnaturação de proteínas.
A cardosina A, previamente incubada durante 1 hora na presença das diferentes
concentrações dos agentes desnaturantes ureia e GndHCl, foi submetida a
análise por cromatografia de exclusão molecular, utilizando uma coluna para
FPLC, Superdex 75 HR 10/30 (GE Healthcare). Na fase móvel de cada
cromatografia utilizou-se tampão fosfato, 10mM, pH 5,0 com concentrações de
ureia e GndHCl idênticas aquelas que foram utilizadas na incubação das
amostras, tal como descrito na secção 3.6 do capítulo de material e métodos.
a) ureia
Os perfis de eluição da cardosina A, na presença de concentrações crescentes de
ureia, estão representados na figura 4.12 (A). Os resultados mostram um
decréscimo no volume de eluição que resulta do aumento do volume
hidrodinâmico da molécula e da sua desorganização estrutural provocada pelo
aumento da concentração de ureia. Não foi possível a análise cromatográfica
para soluções de cardosina A com concentrações superiores a 9M de ureia uma
vez que excediam o limite máximo permitido pela coluna. No entanto, até à
Resultados e Discussão
71
concentração máxima utilizada não se verificou a dissociação das duas sub-
unidades.
Figura 4.12: Efeito da ureia no volume hidrodinâmico da cardosina A. A) Perfis de eluição da cardosina A obtidos por cromatografia de exclusão molecular na presença de diferentes concentrações de ureia. O tracejado vertical indica o volume vazio da coluna (V0). B) Variação do volume de eluição (__) da cardosina A e do seu peso molecular aparente (…), em função do aumento da concentração de ureia.
0 10 20 30 40 50
1M
3M
0M
4M
7M
5M
8M
9M
2M
volume de eluição (ml)
A
B
0.0 2.5 5.0 7.5 10.017.5
20.0
22.5
25.0
27.5
30
40
50
60
70
ureia (M)
volu
me
de e
luiç
ão (m
l) Mr aparente (K
Da)
Resultados e Discussão
72
Na figura 4.12 (B) está representada a variação do volume de eluição de 26ml
(0M de ureia) para 21ml (9M de ureia), assim como a variação do peso molecular
aparente, calculado a partir da curva de calibração de pesos moleculares,
apresentada na secção 3.6.1 do capítulo de material e métodos.
Entre os 3 e os 5M há um patamar no perfil, que está de acordo com os
resultados anteriores e que sugere uma alteração conformacional da molécula
nesta gama de concentrações.
Os perfis correspondentes às concentrações de 7 a 9M de ureia mostram o
aparecimento de fracções de baixo peso molecular. Este fenómeno aumenta
claramente com o aumento do tempo de incubação, como se pode observar na
figura 4.13.
Figura 4.13: Perfis de eluição da cardosina A, na presença de 8M de ureia, com incubação prévia de 1 hora (__) e de 4 horas (…).
Estas fracções de baixo peso molecular poderão estar relacionadas com
fenómenos de autólise. O aparecimento de fracções de peso molecular mais
elevado é normalmente atribuído a fenómenos de agregação, enquanto que as
fracções de menor peso molecular poderão resultar da hidrólise de ligações
peptídicas, induzidas frequentemente pela temperatura (Ahern & Klibanov,
1988). Este efeito encontra-se descrito para a cardosina A quando submetida a
0 10 20 30 40 500
5
10
15
20
volume de eluição (ml)
Abs
(mA
U)
Resultados e Discussão
73
inactivação térmica, a 100ºC, assim como na presença de acetato de etilo,
incubada durante 2 horas, a 37ºC (Sarmento et al., 2007a). A autólise na
presença de ureia não é contudo um fenómeno muito comum, apesar de estar
referenciado (Colacicco & Dawson, 1959; Khan & Salahuddin, 1977).
b) GndHCl
A mesma análise foi efectuada para a desnaturação da cardosina A na presença
de GndHCl. Os perfis de eluição estão representados na figura 4.14 (A). Os
resultados mostram que o aumento da concentração de desnaturante até aos 3M
promove uma diminuição gradual do tempo de retenção que corresponde a uma
alteração do volume de eluição da molécula de 26ml para 22,5ml. A partir desta
concentração deixamos de ter apenas um único pico simétrico. Entre os 3 e os
4M de GndHCl o perfil assume diferentes formas que são associadas a diferentes
estados intermediários do desenrolamento. A forma dos picos indica, que nesta
gama de concentrações de desnaturante, estamos em presença de uma
população heterogénea de intermediários. A 4.5M de GndHCl são detectadas
apenas duas fracções cromatográficas, cujo volume de eluição corresponde a
18,5ml para a fracção maior e a 23,6ml para a fracção menor. Cada uma das
fracções foi recolhida após a cromatografia de exclusão molecular e submetida a
análise electroforética em condições desnaturantes, tal como descrito na secção
3.3 do capítulo de material e métodos. Esta abordagem permitiu atribuir cada
uma destas fracções a uma das sub-unidades da molécula de cardosina A, como
se pode observar na figura 4.14 (C). A fracção maior corresponde à sub-unidade
de 31kDa e a fracção menor, apesar de estar ligeiramente contaminada com a
sub-unidade de alto peso, corresponde maioritariamente à sub-unidade de
15kDa da cardosina A.
Resultados e Discussão
74
Figura 4.14: Efeito da GndHCl no volume hidrodinâmico da cardosina A. A) Perfis de eluição da cardosina A obtidos por cromatografia de exclusão molecular na presença de diferentes concentrações de GndHCl. O tracejado vertical indica o V0 da coluna que corresponde ao volume vazio. B) Variação do volume de eluição da cardosina A, em função do aumento da concentração de GndHCl. C) Análise electroforética das fracções obtidas por cromatografia de exclusão molecular na presença de 6M de GndHCl.
10 20 30 40 50
5M
6M
4M
0M
1M
3M
2M
3.5M
4.5M
3.75M
volume de eluição (ml)
A
B
0 1 2 3 4 5 610
15
20
25
30
GndHCl (M)
volu
me
de e
luiç
ão (m
l)
C SDS-Page
31kDa
14kDa
5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
volume de eluição (ml)
SDS-Page
31kDa
14kDa
5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
volume de eluição (ml)
Resultados e Discussão
75
4.1.2.1. Discussão
Os estudos de hidrodinâmica estão de certa forma condicionados pela
estabilidade química da matriz utilizada para separação por exclusão molecular.
Na presença de ureia, foi possível apenas utilizar concentrações até 9M. Entre os
0M e os 7M assistimos a um ligeiro aumento do volume hidrodinâmico que
corresponderá a uma expansão da molécula. Tendo em conta os resultados
obtidos a partir de técnicas espectroscópicas, nesta gama de concentrações de
ureia, a molécula apenas sofre pequenas alterações estruturais. A alteração
estrutural que denuncia a desnaturação da cardosina A, na presença de ureia,
tem início a partir dos 7M com a perda de estrutura secundária e terciária
(figuras 4.2 e 4.5). Esta transição é evidente nos perfis de exclusão molecular na
presença de 8M e 9M de ureia, onde se verifica uma redução do pico
correspondente à molécula de cardosina A e o aparecimento de pequenas
fracções de peso molecular inferior, indicando uma desorganização estrutural da
molécula.
Da mesma forma, comparando os resultados de hidrodinâmica com os
resultados espectroscópicos de fluorescência e de CD obtidos, verifica-se uma
concordância nas transições estruturais da cardosina A, na presença de GndHCl.
As propriedades espectroscópicas da molécula mostraram uma única transição
entre os 2-4M deste agente caotrópico, acompanhada de perda de estrutura
secundária e terciária em simultâneo. Os resultados de hidrodinâmica mostram
apenas uma fracção até aos 3M de GndHCl, gama de concentrações onde ocorre
uma expansão da molécula, entre 3-4M há o aparecimento de várias fracções,
indicando a formação de estados intermediários sucessivos e a partir de 4,5M
verifica-se uma estabilização da conformação desnaturada, com duas fracções
apenas. A análise electroforética destas fracções comprovou que a conformação
final corresponde à dissociação da cardosina A, na presença de concentrações de
GndHCl superiores a 4M. Esta gama de concentrações encontra-se na fase de
pós transição anunciada pelos resultados espectrocópicos.
Estudos de desnaturação térmica da cardosina A mostraram a formação de
estado(s) parcialmente desenrolado(s), com retenção de estrutura secundária e
terciária. A desnaturação pela temperatura não induz a separação dos
monómeros desenrolados, mantendo o mesmo estado de oligomerização da
Resultados e Discussão
76
proteína nativa. Do mesmo modo, a desnaturação na presença de acetonitrilo,
induz a destabilização da molécula sem dissociação dos monómeros. No caso da
desnaturação promovida pela variação dos valores de pH, as alterações
conformacionais foram também monitorizadas por cromatografia de exclusão
molecular. O perfil obtido para a cardosina A a pH 12 mostra a formação de duas
fracções cromatográficas que, após confirmação por SDS-PAGE, foram atribuídas
a cada uma das sub-unidades da molécula (Oliveira, 2007).
Outros autores referem que a pepsina, PA monomérica, após desnaturação
alcalina adquire um estado parcialmente desnaturado, com o N-terminal a sofrer
uma perda de estrutura nativa mais acentuada do que o C-terminal (Kamatari et
al., 2003). Não é possível estabelecer neste caso um paralelo entra a cardosina A
e a pepsina relativamente à desnaturação com GndHCl, uma vez que a pepsina
apresenta uma forte resistência à presença deste agente desnaturante, mantendo
grande parte das estruturas ordenadas na fase de pós transição (Ahmad &
McPhie 1978).
4.2. Caracterização funcional
A função biológica das proteínas está intimamente associada à sua estrutura
tridimensional. A preservação dessa estrutura é essencial em todas as aplicações
que envolvem proteínas, nomeadamente enzimas.
4.2.1. Efeito da presença de concentrações crescentes de
desnaturante na actividade catalítica da cardosina A
O efeito da desnaturação química na actividade catalítica da cardosina A, na
presença de diferentes concentrações de ureia e GndHCl, foi determinado
utilizando o ensaio de actividade descrito na secção 3.4 do capítulo de material e
métodos. A enzima foi incubada durante uma hora na presença de concentrações
crescentes de ureia e GndHCl, frequentemente utilizadas para induzir a
desnaturação química de proteínas e permitir a caracterização termodinâmica
desse processo.
Resultados e Discussão
77
A actividade proteolítica da cardosina A foi determinada utilizando o péptido
sintético, Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu como substrato, de acordo com
um método anteriormente descrito (Veríssimo et al., 1996; Sarmento, 2002;
Sarmento et al., 2007a). A enzima promove a hidrólise da ligação Phe-Phe(NO2),
produzindo o tripéptido Phe(NO2)-Ala-Leu detectável a 257nm por cromatografia
líquida de alta pressão, utilizando uma coluna de fase reversa (RP-HPLC).
Em todos os ensaios foi efectuada uma pré-incubação de 1 hora, tempo
estipulado neste trabalho, para permitir que o agente desnaturante actue sobre a
enzima. O ensaio de actividade proteolítica foi realizado na presença da mesma
concentração de desnaturante utilizada na incubação prévia de 1 hora.
a) ureia
Na figura 4.15 podemos observar o perfil de inactivação da cardosina A na
presença de concentrações crescentes de ureia.
Figura 4.15: Perfil de inactivação da cardosina A na presença de concentrações crescentes de ureia (___) e de reactivação após remoção do desnaturante por diluição (….). A actividade proteolítica da cardosina A, nas condições referidas, foi determinada utilizando o péptido sintético, Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu, como descrito na secção 3.4 do capítulo de material e métodos.
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 100
25
50
75
100
ureia (M)
acti
vida
de r
elat
iva
(%)
Resultados e Discussão
78
A presença de ureia, nas concentrações utilizadas, induz um decréscimo da
actividade catalítica da enzima até à completa inactivação. A 3M de ureia a
enzima apresenta 50% da sua actividade máxima e a 9M encontra-se
completamente inactiva. A curva de inactivação apresenta uma forma complexa,
composta por dois pontos de inflexão, formando um patamar entre 3-5M de
ureia. Após uma diluição de 200 vezes da solução de cardosina A foi efectuado
novo ensaio de actividade, desta vez na ausência do destabilizador (conforme
descrito na secção 3.4.4 do capítulo de material e métodos), podemos verificar
que há reversibilidade no efeito causado pela presença do desnaturante, levando
à recuperação da actividade da molécula enzimática.
b) GndHCl
A actividade proteolítica da cardosina A foi também analisada na presença de
concentrações crescentes de GndHCl. Na figura 4.16 é possível observar o perfil
de inactivação da enzima na presença deste desnaturante. O GndHCl é muito
eficiente no processo de inactivação da cardosina A uma vez que a 0,3M de
GndHCl mais de 50% das moléculas já se encontram desnaturadas e a 3,5M a
enzima está completamente inactiva. Neste caso, também se verifica a
reversibilidade da inactivação, sendo possível recuperar a actividade da enzima
eliminando o agente desnaturante por diluição.
Resultados e Discussão
79
Figura 4.16: Perfil de inactivação da cardosina A na presença de concentrações crescentes de GndHCl (___) e de reactivação após remoção do desnaturante por diluição (….). A actividade proteolítica da cardosina A, nas condições referidas, foi determinada utilizando o péptido sintético, Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu, como descrito na secção 3.4 do capítulo de material e métodos.
4.2.2. Efeito da concentração de desnaturante na actividade
catalítica da cardosina A ao longo do tempo
a) ureia
No sentido de averiguar se o tempo de incubação de 1 hora permite à molécula
atingir o equilíbrio, foi efectuado um ensaio de monitorização do efeito do
solvente ao longo de 6 horas na actividade catalítica da enzima, cujo resultado
pode ser observado na figura 4.17. A cardosina A foi incubada na presença de
0,5M; 3,5M e 7M de ureia e nos tempos previamente determinados foram
retiradas alíquotas, procedendo-se ao ensaio de actividade na presença da
mesma concentração de ureia na solução de incubação.
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.50
25
50
75
100
GndHCl (M)
acti
vida
de r
elat
iva
(%)
Resultados e Discussão
80
Figura 4.17: Perfis de inactivação da cardosina A na presença de 0,5M (círculos fechados), 3,5M (círculos abertos) e 7M de ureia (quadrados), durante 6 horas de incubação. A actividade proteolítica da cardosina A, nas condições referidas, foi determinada utilizando o péptido sintético, Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu, como descrito na secção 3.4 do capítulo de material e métodos.
O perfil correspondente à concentração mais elevada de ureia mostra que
durante os primeiros 30 minutos a molécula sofre uma redução da sua
actividade catalítica para valores residuais. Após este tempo, até às 6 horas de
incubação a molécula mantém a mesma actividade. Para as concentrações de 0,5
e 3,5M ureia a enzima sofre uma redução da sua capacidade hidrolítica nos
mesmos 30 minutos, no entanto parece haver alguma recuperação nos minutos
seguintes até às 6 horas de incubação. Este efeito é mais acentuado para a
concentração de 0,5M, sugerindo uma recuperação da actividade inicial ao fim de
3 horas de incubação e um incremento da actividade da enzima após 6 horas de
incubação de aproximadamente 25%. Este resultado parece sugerir um efeito de
protecção da molécula enzimática na presença de baixas concentrações deste
desnaturante.
0 1 2 3 4 5 60
20
40
60
80
100
120
140
tempo de incubação (horas)
acti
vida
de r
elat
iva
(%)
Resultados e Discussão
81
b) GndHCl
O efeito da presença prolongada do GndHCl, na actividade catalítica da
cardosina A, também foi monitorizado. Para tal, a enzima foi solubilizada na
presença de duas concentrações diferentes de GndHCl, ao longo de 6 horas de
incubação, procedendo-se ao ensaio de actividade na presença das mesmas
concentrações de desnaturante. Os perfis de inactivação estão representados na
figura 4.18.
Figura 4.18: Perfis de inactivação da cardosina A na presença de 0,5M (círculos abertos) e 2,5M de GndHCl (círculos fechados), durante 6 horas de incubação. A actividade proteolítica da cardosina A, nas condições referidas, foi determinada utilizando o péptido sintético, Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu, como descrito na secção 3.4 do capítulo de material e métodos.
Os resultados mostram que as concentrações de GndHCl utilizadas induzem um
decréscimo na actividade da enzima em apenas 30 minutos. Os valores de
actividade catalítica obtidos ao fim deste tempo mantêm-se ao longo das 6 horas
de incubação. Na presença de 2,5M de desnaturante a actividade da enzima é
reduzida de uma forma drástica para aproximadamente 2% da actividade inicial.
0 1 2 3 4 5 60
25
50
75
100
tempo de incubação (horas)
acti
vida
de r
elat
iva
(%)
Resultados e Discussão
82
4.2.3. Efeito da concentração de enzima na actuação do desnaturante
sobre a actividade catalítica da cardosina A
Foi feita a monitorização da dependência da concentração de cardosina A em
solução, sobre o efeito dos desnaturantes na actividade proteolítica da enzima.
Para tal, a cardosina A foi incubada em diferentes concentrações, na presença de
concentrações crescentes de desnaturante, ureia e GndHCl, durante 1 hora a
25ºC. De seguida procedeu-se ao ensaio de actividade como descrito na secção
3.4.3 do capítulo de material e métodos.
a) ureia
Como se pode observar na figura 4.19, as curvas de inactivação obtidas para as
duas diferentes concentrações de enzima utilizadas neste ensaio, realizado na
presença de concentrações crescentes de ureia são coincidentes para
concentrações de desnaturante superiores a 2M não se verificando o mesmo para
concentrações mais baixas. Este resultado não permite afirmar com segurança se
a inactivação pela acção da ureia depende ou não da concentração de enzima
utilizada no ensaio. A alteração do perfil de inactivação na presença de diferentes
concentrações de enzima é um efeito conhecido para a cardosina A quer em
soluções aquosas quer na presença de acetonitrilo, embora não esteja ainda
esclarecido (Oliveira, 2007; Sarmento et al., 2007a).
Resultados e Discussão
83
Figura 4.19: Perfis de inactivação da cardosina A na presença de concentrações crescentes de ureia e duas concentrações de enzima, 40ug/ml (….) e 200ug/ml (___). A actividade proteolítica da cardosina A, nas condições referidas, foi determinada utilizando o péptido sintético, Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu, como descrito na secção 3.4 do capítulo de material e métodos.
b) GndHCL
Relativamente ao efeito da concentração de enzima sobre a actividade catalítica
na presença de GndHCl (figura 4.20), as curvas de inactivação obtidas para as
duas concentrações de enzima utilizadas são claramente coincidentes em todas
as condições testadas. A eficiência dos dois caotrópicos utilizados neste trabalho poderá explicar a
diferença obtida nestes resultados. Uma vez que o GndHCl actua de forma mais
eficiente na inactivação da cardosina A poderá mascarar o efeito da concentração
de enzima.
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 100
25
50
75
100
ureia (M)
acti
vida
de r
elat
iva
(%)
Resultados e Discussão
84
Figura 4.20: Perfis de inactivação da cardosina A na presença de concentrações crescentes de GndHCl e duas concentrações de enzima, 40ug/ml (….) e 200ug/ml (___). A actividade proteolítica da cardosina A, nas condições referidas, foi determinada utilizando o péptido sintético, Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu, como descrito na secção 3.4 do capítulo de material e métodos.
Uma transição independente da concentração de proteína indica que só os
monómeros estão envolvidos (Ragone, 2000 & Parisi et al., 2003). O facto do
perfil de inactivação ser independente da concentração de enzima utilizada
poderá sugerir um processo de desnaturação em que as sub-unidades
desnaturam de forma independente.
4.2.4. Discussão
A análise das curvas de inactivação da cardosina A, representadas nas figuras
4.15 e 4.16, sugere que a ureia e o GndHCl promovem a desnaturação desta
molécula enzimática utilizando diferentes mecanismos. Em ambos os casos
ocorre uma diminuição da actividade da enzima em função do aumento da
concentração de desnaturante, que poderá ser explicada como uma
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.50
25
50
75
100
GndHCl (M)
acti
vida
de r
elat
iva
(%)
Resultados e Discussão
85
consequência das alterações de estrutura da molécula. Nestas condições, o
equilíbrio entre a flexibilidade conformacional e a rigidez do local activo estará
comprometido e o desempenho funcional da enzima diminuído.
A curva de inactivação, na presença de ureia, apresenta um patamar entre os 3 e
os 5M, coincidente com pequenas transições estruturais detectadas por
alterações espectroscópicas e hidrodinâmicas. Na presença de 9M de ureia a
enzima encontra-se completamente inactiva, sendo esta concentração de
desnaturante muito próxima do valor [D]1/2 determinado para alterações de
estrutura secundária e terciária. Isto significa que a enzima perde
completamente a actividade catalítica a meio da grande transição estrutural
promovida por este desnaturante. Na presença de GndHCl, pequenas
concentrações induzem um acentuado declínio na actividade da cardosina A
([D]1/2=0,3M), no entanto a completa inactivação acontece a 3,5M, durante a
transição estrutural que conduz à dissociação das sub-unidades da enzima. O
perfil de exclusão molecular na presença de 3,5M de GndHCl mostra que a
molécula apresenta uma conformação intermediária.
Em resumo, ambos os desnaturantes conduzem à perda de actividade da
cardosina A e, à semelhança dos resultados anteriores, também a funcionalidade
do local activo é mais resistente à presença de ureia.
O impacto da presença prolongada de ureia e GndHcl na actividade catalítica da
enzima foi monitorizado, utilizando diferentes concentrações de desnaturante na
solução de incubação. No geral, para todas as concentrações testadas, verifica-se
que ao fim de 1 hora ocorreram os efeitos esperados da desnaturação na
presença destes agentes (figuras 4.17 e 4.18). Os perfis de inactivação na
presença de 0,5 e 3,5M de ureia sugerem um aumento de actividade após a
redução inicial. No caso da concentração mais baixa verifica-se um incremento
relativamente à actividade inicial de aproximadamente 25%. Este efeito não
sendo convencional poderá ser explicado pela capacidade dos agentes
caotrópicos estabelecerem ligações com diferentes grupos da proteína (cross-
linking), quando utilizados em concentrações da fase de pré-transição,
protegendo as moléculas da desnaturação.
Este efeito de protecção da molécula na presença de baixas concentrações de
ureia foi também evidenciado por proteólise reduzida, como mostra a figura 4.21.
Resultados e Discussão
86
Figura 4.21: Perfis de hidrólise da cardosina A, obtidos por proteólise reduzida, utilizando a termolisina como sonda proteolítica, na presença de 0M de ureia (A) e de 1M de ureia (B), de acordo com a secção 3.7 do capítulo de material e métodos.
Os perfis de hidrólise obtidos na ausência do desnaturante (figura 4.21 A),
mostram um maior número de fragmentos, relativamente aos perfis obtidos na
presença de 1M de ureia (figura 4.21 B). Nestas condições a enzima proteolítica
tem menor acessibilidade ao substrato, sugerindo uma alteração da estrutura
conformacional da cardosina A, da qual resulta uma menor exposição ao solvente
e à acção proteolítica da termolisina.
Existem evidências da interacção directa entre a ureia e o ião guanidina e as
proteínas, nomeadamente por estudos de cristalografia (Pike & Acharya, 1994;
Dunbar et al., 1997; Del Vecchio, 2002). Quando utilizados em concentrações
muito baixas, que não causam desnaturação, estes agentes estabelecem
múltiplas ligações de hidrogénio e interacções de van der Waals com a cadeia
principal e com as cadeias laterais da proteína (Pike & Acharya, 1994; Dunbar et
al., 1997). Estas ligações reduzem a liberdade e a entropia conformational da
molécula (Kumar et al., 2004). Concentrações mais elevadas destes agentes
induzem um efeito desnaturante que se sobrepõe a este efeito estabilizador
(Kumar et al., 2004).
No caso da cardosina A, verifica-se uma recuperação da actividade ao longo do
tempo na presença de baixas concentrações de ureia, mas no entanto, não se
verifica o mesmo para a concentração mais baixa de GndHCl. Apesar das
propriedades espectroscópicas da cardosina A não revelarem alterações de
estrutura registáveis na presença de 0,5M de GndHCl (figura 4.11 B), o efeito na
0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW 0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW 0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW 0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW 0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW 0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW
A B
Resultados e Discussão
87
actividade da enzima é bastante nefasto, podendo o efeito destabilizador
sobrepor-se ao efeito estabilizador. Este não é o primeiro registo de um aumento
de actividade da cardosina A na presença de agentes destabilizadores. Em
concentrações de acetonitrilo até 10%, há um aumento da actividade desta
enzima, que pode estar relacionado com pequenas alterações na estrutura
secundária que ocorrem na mesma gama de concentrações (Oliveira, 2007).
4.3. Discussão geral
4.3.1. Acção desnaturante dos caotrópicos ureia e GndHCl
Os resultados aqui apresentados mostram que os agentes caotrópicos utilizados
induzem a desnaturação da cardosina A com diferentes eficiências, [ureia]1/2 ≈
3[GndHCl]1/2. Para a maioria das proteínas monoméricas o GndHCl tem uma
eficiência 2,3 vezes maior que a ureia (Myers et al., 1995). No caso das proteínas
multiméricas a razão [ureia]1/2/[GndHCl]1/2 é maior, sugerindo uma maior
susceptibilidade à desnaturação pelo GndHCl. O valor de [D]1/2 para proteínas
que desnaturam segundo mecanismos não cooperativos não deve ser utilizado
como medida da estabilidade da proteína ao caotrópico, no entanto, pode dar
algumas indicações acerca das diversas interacções entre os desnaturantes e as
diferentes classes de proteínas (Akhtar et al., 2002).
As curvas de desnaturação obtidas por CD e fluorescência, assim como os perfis
de exclusão molecular que mostram as alterações do comportamento
hidrodinâmico da enzima, na presença de ureia e GndHCl, revelam mecanismos
de desnaturação complexos. A destabilização da cardosina A, promovida por
estes agentes, segue mecanismos multifásicos com formação de conformações
intermediárias estáveis entre o estado nativo e o estado completamente
desnaturado. No entanto, há algumas diferenças relativamente aos mecanismos
seguidos pelos dois agentes desnaturantes. No caso do GndHCl, a desnaturação
da molécula envolve a formação de conformações intermediárias estáveis,
culminando com a dissociação das duas sub-unidades.
Resultados e Discussão
88
No geral, a desnaturação de proteínas por acção da ureia e do GndHCl tem vindo
a ser relacionada com a interacção favorável destes reagentes com regiões da
proteína normalmente situados no interior da molécula, estabilizando a forma
desnaturada relativamente à nativa (Wu, 1931). Contudo, o mecanismo
molecular da acção desnaturante da ureia e do GndHCl não está ainda bem
determinado (Schellman, 2002). Muitos modelos têm sido propostos baseados em
dois pontos fundamentais da acção desnaturante da ureia e da guanidina: a)
ambos interagem preferencialmente com a cadeia peptídica ao nível dos grupos
CONH e com outros grupos polares das cadeias laterais formando múltiplas
ligações de hidrogénio e b) a adição de ureia ou GndHCl à água causa um
aumento da tensão superficial (Del Vecchio et al., 2002). De acordo com estes
mecanismos, a desnaturação das proteínas deveria ser idêntica para ambos os
desnaturantes. No entanto, existem algumas diferenças no processo de
desnaturação da cardosina A, observado na presença de ureia e na presença de
guanidina. Estes resultados poderão ter uma explicação baseada nas
características específicas de cada um dos caotrópicos.
O GndHCl é um electrólito e como tal é esperado que se ionize em GndH+ e Cl-
em soluções aquosas. Apesar do ião Cl- não apresentar um efeito negligenciável,
o efeito do GndHCl deve-se sobretudo ao ião GndH+ (Schellman, 2003). Do ponto
de vista estrutural, ureia e Gnd+ são muito semelhantes, no entanto, a ureia é
uma molécula neutra (não possui carga) enquanto que o ião guanidina possui
carga positiva. O carácter iónico do GndHCl, ausente na ureia, pode constituir
um factor relevante na estimativa da estabilidade das proteínas (Monera et al.,
1994).
A estabilização de proteínas por acção de desnaturantes iónicos pode ser um
processo comum, uma vez que as proteínas frequentemente contêm locais de
ligação a iões com diferente afinidade e especificidade (Akhtar et al., 2002). Na
presença de elevadas concentrações de GndHCl, há uma predominância de iões
Gnd+ ligados à molécula, deslocando o equilíbrio para o estado desenrolado e
induzindo a desnaturação da proteína (Monera et al., 1994). Acresce ainda a
elevada força iónica da solução de GndHCl que poderá mascarar interacções
electrostáticas (Pace, 1990). Na presença de baixas concentrações, o ião Gnd+
contacta com a superfície da proteína através de interacções com os aminoácidos
carregados negativamente, das cadeias laterais da molécula proteica. Deste
modo, o ião Gnd+ perturba e enfraquece as interacções electrostáticas
Resultados e Discussão
89
optimizadas, presentes na conformação nativa da proteína, estabilizando
conformações intermediárias (Monera et al., 1994; Shukla et al., 2005).
Uma vez que ureia não possui carga, não se espera que tenha qualquer efeito
sobre as interacções electrostáticas inter ou intra moleculares da proteína. A
acção desnaturante da ureia presume-se que seja sobretudo baseada na sua
capacidade de se ligar à proteína (Tanford, 1970; Pace, 1986). É conhecida a
afinidade da ureia por grupos peptídicos, estabelecendo ligações de hidrogénio
que substituem as ligações entre esses grupos peptídicos e a água, em proteínas
desenroladas (Timasheff & Xie, 2003).
O carácter iónico do GndHCl, que lhe confere a capacidade de mascarar
interacções electrostáticas durante a desnaturação de proteínas, mostra uma
grande diferença no efeito desnaturante, relativamente à ureia. Esta diferença
pode ser usada para monitorizar a contribuição particular de cada tipo de
interacção, hidrofóbica ou electrostática. O GndHCl poderá aceder de forma mais
eficiente a alterações da estabilização resultante da contribuição de interacções
hidrofóbicas ou não iónicas, enquanto que a ureia é mais apropriada para
detectar contribuições específicas de interacções electrostáticas (Monera et al.,
1994). Estudos de estabilidade na presença de ureia e guanidina poderão deste
modo, indicar que tipos de interacções são dominantes na estabilização de uma
determinada proteína.
Apesar de ser evidente a interacção directa destes desnaturantes com as
proteínas, é também intuitivo que elevadas concentrações destas moléculas
podem causar alterações substanciais no comportamento do solvente.
Indirectamente, a alteração da estrutura da água que forma uma rede em torno
dos grupos hidrofóbicos das proteínas aumenta a sua solubilidade e enfraquece o
efeito hidrofóbico (Vanzi et al., 1998).
Recentemente foi demonstrado que o catião Gnd+ é fracamente hidratado (Mason
et al., 2003), forma ligações de hidrogénio com a água no plano molecular mas
interage de forma fraca com as moléculas de água acima e abaixo do plano
molecular (Dempsey et al., 2005). Sendo um catião pouco hidratado, forma
ligações distorcidas com as moléculas de água (Zou et al., 2002). A ureia tem a
capacidade de se incorporar na água através de ligações de hidrogénio,
mantendo uma distribuição espacial muito semelhante àquela que é formada
apenas pelas moléculas de água (Soper et al., 2003).
Resultados e Discussão
90
A fraca hidratação do ião Gnd+ é um factor relevante no mecanismo de
desnaturação destas moléculas. A interacção com a proteína é estabelecida em
regiões pouco hidratadas da molécula, particularmente as que se vão expor com
o desenrolamento. A desnaturação resulta da maior ou menor extensão de
interacções favoráveis com a cadeia polipeptídica, tal como está descrito para o
ião guanidina e para a ureia (Timasheff & Xie, 2003). Outra contribuição para
induzir desnaturação, também relacionada com a fraca hidratação deste ião, é a
capacidade de promover a solubilidade de grupos apolares. Fraca hidratação
resulta necessariamente na redução da densidade de moléculas de água (Mason
et al.,2003).
A capacidade da ureia para estabelecer ligações de hidrogénio, assim como para
se incorporar na rede formada por moléculas de água mostra que este caotrópico
causa um efeito significativo na estrutura da água. Através de um mecanismo
indirecto, a ureia destrói a conformação tetraédrica das ligações de hidrogénio
estabelecidas pela água, enfraquecendo a rede tridimensional formada por estas
moléculas e o efeito hidrofóbico. O efeito directo na proteína envolve a solvatação
da cadeia polipeptídica por ambas as moléculas, água e ureia (Caballero-Herrera,
et al., 2005).
De acordo com o que está descrito acerca das interacções destes solventes com
as proteínas, os resultados obtidos sugerem que a estabilidade da estrutura
tridimensional da cardosina A se deve sobretudo a interacções hidrofóbicas.
Provavelmente o forte efeito causado pelo GndHCl deve-se ao carácter iónico
deste caotrópico. Na presença de ureia, é provável que para as concentrações
mais baixas actue o mecanismo indirecto, alterando a estrutura da água e
diminuindo o efeito hidrofóbico. A partir de 6M, onde começa a grande transição
ao nível da estrutura secundária, poderá haver uma maior exposição da molécula
para estabelecer ligações com as moléculas de ureia.
A concentração de desnaturante à qual corresponde a completa inactivação da
cardosina A corresponde a 9M e a 3,5M, para a ureia e o GndHCl,
respectivamente. Tendo em conta os valores de λmáx na presença destas
concentrações de desnaturante, parece que a destabilização estrutural da
molécula é muito maior para o caso do GndHCl, relativamente à ureia. Isto é, a
enzima encontra-se completamente inactiva a 3,5M de GndHCl e a 9M de ureia,
correspondendo a estes valores um λmáx de 350,5nm e 338,5nm,
Resultados e Discussão
91
respectivamente, mostrando que a inactivação da cardosina A na presença de
ureia ocorre quando esta se encontra menos desenrolada do que na presença de
GndHCL. Este resultado sugere que a inactivação da enzima na presença de 9M
de ureia é causada por alterações de estrutura menos profundas, mas que tem
um efeito mais drástico ao nível do local activo.
4.3.2. Estados desnaturados da cardosina A
Em determinadas condições, a estrutura nativa de uma proteína pode sofrer
alterações, originando novas conformações com propriedades intermediárias
entre o estado nativo e o estado completamente desnaturado. A capacidade de
uma proteína para adoptar diferentes conformações, parcialmente enroladas e
estáveis, pode ser considerada uma propriedade intrínseca dessa proteína. A
informação necessária e suficiente para que uma proteína adopte a conformação
nativa, biologicamente activa, está presente na sua estrutura primária, mas a
capacidade de formar intermediários em equilíbrio está codificada na razão
carga/hidrofobicidade da cadeia polipeptídica (Uversky, 2002). Por outro lado, o
desenrolamento induzido por desnaturantes como a ureia e o GndHCl, em
proteínas grandes ou multiméricas, tem mostrado ser um processo multifásico
com estabilização de intermediários parcialmente enrolados (Akhtar et al., 2002).
A não coincidência das curvas de desnaturação da cardosina A obtidas por CD
na região do UV-afastado e por fluorescência mostraram que a enzima segue um
processo de desnaturação multifásico. As técnicas utilizadas permitiram detectar
a presença de conformações intermediárias em equilíbrio no processo de
desnaturação induzido quer pela ureia, quer pelo GndHCl, no entanto não
permitem caracterizar estas formas parcialmente desenroladas. Contudo, na
presença de concentrações superiores a 4M de GndHCl ocorre a dissociação da
molécula o que pode indicar um desenrolamento independente das duas sub-
unidades. Esta ideia é ainda apoiada pelo facto da curva de inactivação ser
independente da concentração de enzima, o que indica o envolvimento
independente dos monómeros no processo de desnaturação (Ragone, 2000).
Estudos com proteínas grandes e com multi-domínios revelaram processos de
desnaturação por fases, com uma desnaturação individual dos seus domínios
Resultados e Discussão
92
(Privalov, 1982), ou desnaturam independentemente ou com diferentes níveis de
interacção entre eles (Brandts et al., 1989; Griko et al., 1989). Estudos recentes
de estabilidade conformacional da cardosina A mostraram, que a desnaturação
induzida pela temperatura e pelo pH é um processo parcialmente reversível e não
cooperativo, caracterizado pelo desenrolamento independente das duas cadeias
polipeptídicas. A cadeia polipeptídica de 15kDa, correspondente ao C-terminal da
proteína, desenrola primeiro mostrando uma menor estabilidade relativamente à
cadeia 31kDa (Pina et al., 2003; Shnyrova et al., 2006 & Oliveira, 2007). A
desnaturação da cardosina A na presença de solventes orgânicos, nomeadamente
acetato de etilo e acetonitrilo, mostrou também uma forte destabilização da
cadeia polipeptídica de baixo peso molecular relativamente à cadeia de alto peso,
interpretada como um aumento da flexibilidade da primeira (Shnyrova et al.,
2006; Oliveira, 2007 & Sarmento et al., 2007a).
O desenrolamento assimétrico das duas sub-unidades da cardosina A não é um
padrão único no grupo das PAs. Diferentes associações oligoméricas apresentam
mecanismos de desnaturação onde monómeros, domínios e zonas da mesma
molécula mostram diferenças de estabilidade.
Muito pouco se sabe acerca da estabilidade conformacional das PAs em geral.
Apesar de ser conhecido o seu envolvimento em algumas das doenças chamadas
“conformacionais”, causadas por processos de folding errados e agregação das
proteínas, há um número muito reduzido de trabalhos disponíveis na literatura.
Entre as PAs estudadas, relativamente à sua estabilidade conformacional e a
processos de folding e unfolding, encontram-se a pepsina, a enzima arquétipo
desta família (Ahmad & McPhie, 1978; McPhie, 1989; Privalov, et al., 1981;
Campos & Sancho, 2003 & Dee et al., 2006), a proteinase do HIV-1 (Cheng et al.,
1990; Szeltner & Polgár, 1996; Bhavesh et al., 2003 & Kovalskyy et al., 2005), a
catepsina D (Lah et al., 1983; 1984 & Pain et al., 1985b) a cardosina A (Pina et
al., 2003; Shnyrova et al., 2006; Oliveira 2007 & Sarmento et al., 2007a) e
algumas PAs de fungos (Beldarraín et al., 2000). As mais estudadas são a
pepsina e a proteinase do HIV-1 devido à sua importância comercial e
farmacêutica.
A desnaturação da pepsina, na presença de ureia e GndHCl, mostrou que após a
fase de transição, esta retém um grande conteúdo em estruturas ordenadas.
Estudos de calorimetria revelaram que esta PA monomérica, apresenta um
Resultados e Discussão
93
desenrolamento independente dos seus domínios, sendo o domínio C-terminal
mais estável e com maior capacidade de desenrolar de forma reversível.
A protease do HIV-1, PA homodimérica, na presença de GndHCl apresenta zonas
com diferentes estabilidades e que desenrolam de forma sequencial, sendo os
flaps que protegem o local activo as zonas de menor estabilidade. Estudos de
RMN mostraram que na presença de 5M de guanidina, a protease do HIV-1
apresenta um desenrolamento complexo em que diferentes moléculas seguem
diferentes mecanismos de desnaturação.
A catepsina D de origem bovina, PA heterodimérica, desnatura também segundo
um processo não cooperativo, com formação de intermediários. Na presença de
ureia e GndCl, numa primeira transição verifica-se a perda de actividade e de
estrutura terciária e posteriormente ocorre a destabilização da estrutura
secundária, sugerindo o desenrolamento independente dos dois lobos da
molécula. A perda de actividade após o desenrolamento é irreversível, no entanto
a perda de estrutura secundária e terciária é parcialmente reversível.
Por proteólise reduzida, utilizando a termolisina como sonda, foi possível neste
trabalho, confirmar o desenrolamento independente das duas sub-unidades da
cardosina A, na presença de ureia. Nas figuras 4.22 (A) e (B) podemos observar
os perfis de hidrólise da cardosina A pela termolisina obtidos durante 2 horas de
ensaio, na presença de 1M e de 7M de ureia, respectivamente. Os perfis de
hidrólise na presença de 7M de ureia, sugerem que a sub-unidade de baixo peso
é degradada mais rapidamente quando comparada com a sub-unidade de alto
peso.
Resultados e Discussão
94
Figura 4.22: Perfis de hidrólise da cardosina A, obtidos por proteólise reduzida, na presença de 1M (A) e 7M (B) de ureia. C) Degradação proteolítica das sub-unidades da cardosina A, de baixo peso molecular (....) e de alto peso molecular (__), determinada por análise densitométrica dos perfis obtidos na presença de 7M de ureia.
A análise da densidade óptica das bandas de cardosina A, dos perfis de hidrólise
obtidos na presença de 7M de ureia (figura 4.22-C), revelou a inexistência da
banda correspondente à sub-unidade de baixo peso ao fim 15 minutos de ensaio,
facto só evidenciado para a sub-unidade de alto peso após 2 horas de hidrólise.
Estes resultados mostram que a sub-unidade de baixo peso se encontra mais
susceptível à acção proteolítica da termolisina, nestas condições, havendo maior
acessibilidade ao substrato. Ou seja, a cardosina A na presença de ureia, sofre
uma alteração conformacional da qual resulta uma maior exposição dos locais de
hidrólise, sendo que, ao nível da sub-unidade de baixo peso essa exposição é
maior, sugerindo uma maior flexibilidade desta fracção.
0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW 0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW 0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW 0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW
A B
C
0 20 40 60 80 100 1200
25
50
75
100
tempo (min)
den
sida
de ó
ptic
a (%
)
Resultados e Discussão
95
Os resultados sugerem que as duas sub-unidades apresentam diferente
estabilidade e a sub-unidade menor é menos estável, o que está em concordância
com o que foi descrito para a cardosina A, na presença de outros agentes
desnaturantes, nomeadamente pH, temperatura e acetonitrilo (Oliveira, 2007).
Adicionalmente, estão descritos estados conformacionais parcialmente
desnaturados com actividade catalítica (Oliveira, 2007). Tendo em conta que o
local activo se encontra essencialmente na sub-unidade maior, apenas dois dos
aminoácidos envolvidos na catálise estão situados na sub-unidade menor,
poderemos estar na presença de uma enzima cujos domínios estão associados a
funções distintas, tendo a sub-unidade menor uma função essencialmente
reguladora, independente da função catalítica.
A desnaturação da cardosina A na presença de ureia e GndHCl sugere
mecanismos diferentes associados a cada um destes desnaturantes. Em ambos
os casos segue um mecanismo não cooperativo, com formação de intermediário(s)
que poderão estar relacionados com o desenrolamento independente das duas
sub-unidades. A ureia, assim como a temperatura e o acetonitrilo (Oliveira,
2007), desnaturam a cardosina A sem haver dissociação das sub-unidades, ao
contrário do GndHCl, à semelhança do que acontece com o pH (Oliveira, 2007),
que conduz à separação dos monómeros. O estado desnaturado final obtido na
presença de 5M de GndHCl é muito semelhante ao estado desnaturado obtido na
presença de valores de pH próximos de 12, quer em emissão de fluorescência
quer em comportamento hidrodinâmico. A dissociação das sub-unidades da
cardosina A e valores de λmáx superiores a 350nm denunciam um estado
desnaturado muito próximo da completa desnaturação. Os estados desnaturados
finais obtidos na presença de outros agentes desnaturantes já estudados,
nomeadamente ureia, temperatura e acetonitrilo, correspondem a estados
parcialmente desnaturados, inactivos, com retenção de estrutura terciária. A
molécula sofre alterações estruturais drásticas, no entanto as interacções
hidrofóbicas e as ligações de hidrogénio que mantêm a ligação entre as duas sub-
unidades não são destruídas.
Estas diferenças de actuação dos desnaturantes referidos sugerem duas vias
possíveis para o mecanismo de desnaturação da cardosina A, representadas na
figura 4.23.
Resultados e Discussão
96
Figura 4.23: Esquema proposto para a desnaturação da cardosina A. N- estado nativo, I2- sub-unidades com desenrolamento assimétrico, D2- dímero desnaturado e 2D- monómeros desnaturados.
O mecanismo proposto envolve a formação de um estado intermediário (I2) com o
desenrolamento assimétrico das duas sub-unidades da cardosina A, que parece
ser comum a todos os agentes desnaturantes, divergindo posteriormente de
acordo com o estado desnaturado final obtido, dímero desnaturado (D2) ou
monómeros desnaturados (2D).
4.3.3. Resistência à desnaturação
A cardosina A mostrou baixa resistência à acção desnaturante dos caotrópicos
clássicos, relativamente à enzima tipo das PAs, a pepsina. Os resultados
apresentados mostram que concentrações de aproximadamente 3,5M de GndHCl
são suficientes para inactivar e desnaturar a cardosina A. No caso da
desnaturação com ureia, concentrações próximas de 9M induzem a perda de
actividade, aproximam-se do ponto médio da fase de transição estrutural mais
significativa. Relativamente à pepsina, apenas na presença de concentrações
próximas de 7M de GndHCl se verifica a inactivação e desnaturação da enzima e
em soluções muito concentradas de ureia, próximas de 9M, verificamos que a
enzima apresenta uma actividade residual e apenas uma ligeira perturbação da
sua estrutura nativa (Cardoso, 2007).
N I2
2D
ureiaACNtemperatura
GndHClpH
D2
N I2
2D
ureiaACNtemperatura
GndHClpH
D2
Resultados e Discussão
97
Se observarmos o que acontece com os restantes membros das PAs, cujo
comportamento foi estudado na presença destes desnaturantes, verificamos que
a estabilidade conformacional da pepsina é maior, apresentando uma maior
resistência à desnaturação química. Estudos com a proteinase do HIV-1 (PAs
homodimérica) mostraram que concentrações de 2M de ureia são suficientes
para iniciar a destabilização da molécula e na presença de 4M a enzima
encontra-se inactiva e desnaturada (Szeltner & Polgár, 1996). Concentrações de
6M de ureia e 2M de cloreto de guanidina desnaturam a catepsina D (Lah et al.,
1983). Estes factos indicam uma maior estabilidade conformacional da
representante monomérica das PAs relativamente aos restantes estados
oligoméricos.
Estruturalmente, apesar do estado oligomérico ser diferente há uma elevada
homologia entre as PAs. Uma única cadeia no caso da pepsina ou duas cadeias
no caso da cardosina A, formam dois domínios com sequências de aminoácidos
diferentes mas com um enrolamento semelhante, como se pode verificar nas
estruturas tridimensionais representadas na figura 4.24.
Figura 4.24: Estruturas tridimensionais da cardosina A (identificação PDB: 1B5F), à esquerda e da pepsina humana (identificação PDB: 1PSN), à direita. As cores das estruturas representam a flexibilidade da molécula, distribuindo-se de acordo com os factores b. As cores variam entre o azul e o vermelho, correspondentes aos resíduos com menor e maior flexibilidade, respectivamente.
flapflap
Asp32-Asp215
Resultados e Discussão
98
Os factores b representam uma medida da flexibilidade dos resíduos das
proteínas enroladas (Rhodes, 1993). A comparação da composição em
aminoácidos entre zonas experimentalmente caracterizadas como ordenadas e
desordenadas de uma proteína mostra que geralmente as zonas desordenadas
possuem aminoácidos com maior flexibilidade (Romero et al., 2001) segundo a
escala de Vihinen et al. (1994). Se observarmos os factores b da cardosina A e da
pepsina (figura 4.24), verificamos que a pepsina possui uma maior flexibilidade
local, relativamente à cardosina A. Está também descrito que a média dos
factores b ao nível do C-terminal (domínio mais estável da pepsina) é duas vezes
maior que ao nível do N-terminal (Sielecki et al., 1990). Na cardosina A, o
domínio mais estável, constituído pela sub-unidade maior, é também aquele que
possui regiões com factores b mais elevados (figura 4.24).
Estas zonas constituídas por resíduos com maior flexibilidade geralmente
apresentam uma conformação em loop. Um destes loops corresponde ao flap
(figura 4.24), estrutura de reconhecida mobilidade envolvida no processo
catalítico. Em moléculas com estrutura mais simples o flap poderá constituir
uma zona propensa a transições conformacionais, apresentando maior
sensibilidade ao efeito de agentes ou condições desnaturantes. Isto acontece com
a proteinase do HIV-1, proteinase aspártica homodimérica, onde se verifica que o
flap corresponde à zona da molécula com menor estabilidade (Bhavesh et al.,
2003). Em moléculas mais complexas haverá outras características estruturais
com relevância para a estabilidade destas moléculas, nomeadamente as pontes
S-S estabelecidas por ligações dissulfito entre resíduos de Cys. Estas ligações de
natureza covalente contribuem para a estabilização da estrutura nativa. Em
condições desnaturantes, impedem a molécula de adquirir uma conformação do
tipo random-coil.
A pepsina possui três ligações dissulfito, uma situa-se no N-terminal e as outras
duas no C-terminal. A cardosina A também possui o mesmo número deste tipo
de ligações, duas na sub-unidade maior e uma na sub-unidade menor.
Curiosamente, os domínios com maior estabilidade (C-terminal da pepsina e sub-
unidade maior da cardosina A) possuem duas ligações dissulfito e os domínios
com menor estabilidade possuem apenas uma. Atendendo à localização destas
ligações nas moléculas de cardosina A e de pepsina, verificamos que estas
ligações se encontram muito próximas de loops com grande flexibilidade
conformacional (figura 4.25). Está descrito para a pepsina que ao nível das
Resultados e Discussão
99
ligações dissulfito há um constrangimento da molécula formando um loop (Tang
et al., 1973). Estas estruturas apesar de apresentarem grande mobilidade
encontram-se estabilizadas pelas ligações covalentes.
Figura 4.25: Distribuição das ligações dissulfito nas estruturas tridimensionais da cardosina A (identificação PDB: 1B5F), em cima e da pepsina humana (identificação PDB: 1PSN), em baixo. Os aspartatos catalíticos estão representados a cinza. As cores das estruturas representam a flexibilidade da molécula, distribuindo-se de acordo com os factores b. As cores variam entre o azul e o vermelho, correspondentes aos resíduos com menor e maior flexibilidade, respectivamente.
A estabilização da estrutura ao nível das ligações dissulfito poderá também
contribuir para a fraca exposição de alguns resíduos de Trp. Tendo em conta os
valores estimados da área de superfície acessível ao solvente, dos resíduos de Trp
da pepsina (tabela 4.3), verificamos que o Trp39 e o Trp299 se encontram
encerrados no interior da estrutura, o Trp190 é completamente inacessível ao
solvente e os Trp141 e Trp181 não sendo considerados resíduos expostos são
C45/50
C206/210
C249/282
C45/50
C206/210
C249/282
Resultados e Discussão
100
mais acessíveis ao solvente. Os valores relativos da área de superfície acessível
ao solvente (SASA de solvent acessible surface área) foram determinados
utilizando o programa GETAREA 1.1 (Fraczkiewicz & Braun, 1998). Resíduos
com um valor de SASA superior a 50% são considerados expostos e valores
inferiores a 20% correspondem a resíduos encerrados no interior da molécula.
Por outro lado, na figura 4.26 podemos observar a distribuição das ligações
dissulfito, relativamente a estes resíduos de Trp. A ligação covalente entre os
resíduos de Cys 45 e 50 encontra-se muito próxima do Trp39 e as outras duas
ligações entre resíduos de cisteína (Cys206/Cys210 e Cys249/Cys282) situam-se
na proximidade do Trp299.
Tabela 4.3: Valores relativos da área de superfície acessível ao solvente, obtidos para os resíduos de triptofano na estrutura nativa, utilizando o programa GETAREA 1.1.
Trp
SASA (%)
Pepsina A
39
141
181
190
299
0,1
42,1
32,1
0
2,5
Cardosina A
39
137
154
190
299
0,2
0,8
8,0
0,5
0
Resultados e Discussão
101
Figura 4.26: Distribuição das ligações dissulfito e dos resíduos de triptofano nas estruturas tridimensionais da cardosina A (identificação PDB: 1B5F), em cima e da pepsina humana (identificação PDB: 1PSN), em baixo. Os aspartatos catalíticos estão representados a vermelho. A observação das estruturas tridimensionais das duas moléculas, cardosina A e
pepsina, mostra que também a distribuição dos resíduos de Trp bem como a
distribuição das ligações dissulfito é muito semelhante nas duas moléculas. No
entanto, é possível verificar que na molécula de cardosina A, os resíduos de Trp
estão ainda menos acessíveis ao solvente (figura 4.26), como também mostram os
valores de acessibilidade da tabela 4.3. Todos os resíduos de triptofano na
cardosina A se encontram encerrados no interior da molécula (valores de SASA
inferiores a 20%), sendo o Trp299 completamente inacessível ao solvente. À
semelhança do que se verifica para a pepsina, também na cardosina A o Trp299
está muito próximo das ligações dissulfito Cys206/Cys210 e Cys249/Cys282,
sendo completamente inacessível ao solvente e o Trp39, que apresenta o valor de
SASA mais baixo, está situado na proximidade da ligação Cys45/Cys 50.
C206/210
C249/282C45/50
W39
W299
W154
W190
W137
C206/210
C249/282C45/50
W39
W299
W154
W190
W137
C206/210
C249/282C45/50
W39
W299
W181
W190W141
C206/210
C249/282C45/50
W39
W299
W181
W190W141
Resultados e Discussão
102
As ligações dissulfito, estabelecidas normalmente entre resíduos de Cys não
adjacentes, constituem uma interacção terciária de natureza covalente. Estas
ligações desempenham um papel importante na estabilização da estrutura
enrolada da proteína cuja formação pode contribuir para o mecanismo de
enrolamento e para a estabilidade do estado nativo (Ladenstein & Ren, 2006). O
papel destas ligações na estrutura, estabilidade e mecanismo de enrolamento das
proteínas tem sido objecto de grande interesse na área da engenharia. No
entanto, a sua contribuição para a estabilização das proteínas não está
esclarecida. Está descrito que a formação de ligações dissulfito mostrou ser
essencial na aquisição da conformação nativa de algumas proteínas e noutras, a
sua redução levou ao desenrolamento das moléculas, sugerindo um papel
importante na manutenção da conformação nativa (Vaz et al., 2006). Na
literatura encontra-se outros casos em que as ligações dissulfito não contribuem
para a estabilidade da conformação nativa, sendo apenas responsáveis por
manter a conformação no local activo e na sua proximidade de forma a manter a
actividade da enzima (Siddiqui et al., 2005).
As ligações dissulfito nas proteínas multiméricas constituem um factor
importante contribuindo para a maior estabilidade da associação das sub-
unidades quando estabelecidas inter sub-unidades. No caso da cardosina A, a
molécula heterodimérica em estudo, este tipo de ligações forma-se apenas dentro
de cada sub-unidade. A análise das estruturas da cardosina A e da pepsina não
permite identificar as ligações dissulfito como responsáveis pela menor
estabilidade da cardosina A face à correspondente monomérica, uma vez que esta
característica estrutural é muito conservada nas duas moléculas. No entanto, o
facto de ser constituída por duas sub-unidades que não se encontram
estabilizadas por pontes S-S contribui certamente para a menor estabilidade da
cardosina A, quando comparada com a pepsina.
Conclusões
103
A cardosina A é uma proteinase aspártica heterodimérica, de origem vegetal, cujo
procedimento de purificação permite obter um elevado rendimento de enzima
pura, motivando a intensa caracterização que tem vindo a ser alvo e a sua
utilização em estudos de estrutura/função das proteinases aspárticas. O
objectivo deste trabalho consiste no estudo da estabilidade conformacional da
cardoina A, na presença de desnaturantes clássicos como a ureia e o GndHCl.
Para tal foram utilizadas técnicas espectroscópicas como a fluorescência e o CD,
cromatografia de exclusão molecular, proteólise reduzida e ensaios de actividade.
A indução da desnaturação na presença destes agentes permitiu conhecer o tipo
de mecanismo envolvido neste processo e identificar possíveis intermediários.
A informação baseada nas propriedades espectroscópicas da cardosina A, na
presença de ureia e GndHCl, mostrou que ambos os desnaturantes induzem
alterações conformacionais na molécula enzimática, mas com diferentes
eficiências. Foi obtida uma razão [ureia]1/2/[GndHCl]1/2 ≈3 que indica uma maior
susceptibilidade da cardosina A ao caótropico com carácter iónico, sugerindo
que a estabilidade da estrutura tridimensional da cardosina A se deve sobretudo
a interacções hidrofóbicas.
O GndHCl mostrou ser mais ofensivo para a integridade estrutural da molécula,
quando comparado com a ureia, uma vez que o estado conformacional final se
aproxima mais da completa desnaturação. Por outro lado, a ureia promove
alterações conformacionais menos profundas mas com um efeito mais drástico
no local activo da enzima.
A não coincidência das curvas de desnaturação obtidas por fluorescência e por
CD na região do UV-afastado indicam que estamos em presença de mecanismos
Conclusões
104
de desnaturação não cooperativos, com formação de intermediários em
equilíbrio.
O comportamento hidrodinâmico da cardosina A foi analisado por cromatografia
de exclusão molecular, revelando que o mecanismo de desnaturação da enzima,
na presença de GndHCl culmina com a dissociação da molécula. Este facto
sugere um desenrolamento independente das sub-unidades da cardosina A
durante o processo de desnaturação.
A inactivação da cardosina A na presença de concentrações crescentes de
GndHCl mostrou ser independente da concentração de proteína, confirmando o
desenrolamento independente das duas sub-unidades da enzima.
O mecanismo de desnaturação da cardosina A na presença de ureia não envolve
a sua dissociação, no entanto, estudos de proteólise reduzida mostraram um
desenrolamento independente e assimétrico das sub-unidades da enzima, com a
sub-unidade menor a apresentar menor estabilidade.
As diferenças no efeito desnaturante induzidas pela ureia e pelo GndHCl
sugerem duas vias possíveis para o mecanismo de desnaturação da cardosina A.
O mecanismo proposto envolve a formação de intermediário(s), etapa comum a
ambos os desnaturantes, divergindo posteriormente para um estado de dímero
desnaturado na presença de ureia ou para um estado de monómeros
desnaturados na presença de GndHCl.
A diferença de estabilidade dos domínios que compõem a molécula da cardosina
A sugere funcionalidades diferentes. O domínio correspondente à sub-unidade
maior, que possui a quase totalidade dos resíduos envolvidos na catálise, poderá
desempenhar a função catalítica e o domínio correspondente à sub-unidade
menor estará associado a uma função essencialmente reguladora.
Uma análise estrutural das moléculas de cardosina A e de pepsina permite
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