14
ARTIGO 8 8 RESUMO O presente artigo visa elaborar reflexões a respeito do ensino da música na Educação Básica, mediante o cumprimento obrigatório, previsto para 2011, da lei federal nº 11.769, sancionada em 18 de agosto de 2008. Para tanto, pretende-se considerar aspectos significativos que permearam a história brasileira das políticas públicas de educação em relação à Educação Musical nas escolas do Brasil no século XX, assim como discorrer sobre a movimentação da sociedade musical na análise crítica das LDBENs Nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, e nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - que resultou no Manifesto pela Implantação do Ensino de Música nas Escolas, impulsionando a promulgação da Lei nº 11.769. Foi realizada uma revisão bibliográfica e espera-se que o resultado da análise reflexiva do texto apresentado contribua para um entendimento comum de como as características gerais deste retorno da educação musical obrigatória nas políticas públicas da educação poderão influenciar a cultura nacional de maneira sem precedentes na história do Brasil. Conservatório de Tatuí e-mail: [email protected] O retorno do ensino musical obrigatório na Educação Básica: caminhos rumo a um novo paradigma cultural ERIK HEIMANN PAIS The mandatory return of musical education in basic education: paths towards a new cultural paradigm REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, ano II, n. IV, p. 08-21,dezembro, 2011.

Artigo Erik publicado.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Artigo Erik publicado.pdf

ARTIGO

88

RESUMO

O presente artigo visa elaborar reflexões a respeito do ensino da música na Educação Básica,

mediante o cumprimento obrigatório, previsto para 2011, da lei federal nº 11.769, sancionada

em 18 de agosto de 2008. Para tanto, pretende-se considerar aspectos significativos que

permearam a história brasileira das políticas públicas de educação em relação à Educação

Musical nas escolas do Brasil no século XX, assim como discorrer sobre a movimentação da

sociedade musical na análise crítica das LDBENs Nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, nº 5.692,

de 11 de agosto de 1971, e nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - que resultou no Manifesto

pela Implantação do Ensino de Música nas Escolas, impulsionando a promulgação da Lei nº

11.769. Foi realizada uma revisão bibliográfica e espera-se que o resultado da análise reflexiva

do texto apresentado contribua para um entendimento comum de como as características

gerais deste retorno da educação musical obrigatória nas políticas públicas da educação

poderão influenciar a cultura nacional de maneira sem precedentes na história do Brasil.

Conservatório de Tatuí

e-mail: [email protected]

O retorno do ensino musical obrigatório na Educação Básica: caminhos rumo a um novo paradigma cultural

ERIK HEIMANN PAIS

The mandatory return of musical education in basic education: paths towards a new cultural paradigm

REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, ano II, n. IV, p. 08-21,dezembro, 2011.

Page 2: Artigo Erik publicado.pdf

9

ARTIGO

ABSTRACT

This paper aims to develop ideas about teaching of music in elementary education, by binding,

in 2011, the Federal Law No. 11,769, enacted on August 18, 2008. To this end, we intend to

consider significant aspects that permeate the Brazilian history of education policies in relation

to music education in schools of Brazil in the twentieth century and discuss the handling of

musical society in the critical analysis of LDBENs No. 4024 of 20 December 1961, No. 5692 of

August 11, 1971 and No. 9394 of December 20, 1996, which resulted in the deployment of

the Manifest for Music Education in Schools, driving the enactment of Law No. 11,769. Was

performed a literature review and it is expected that the result of reflective analysis of the text

shown to contribute to a common understanding of how the general characteristics of the

mandatory return of music education in public education policies may influence the national

culture in a unprecedented way in the history of Brazil.

PALAVRAS-CHAVE

Políticas Educativas, Ensino de Música nas

Escolas, Educação Musical Brasileira.

KEYWORDS

Education Policies, Teaching of Music in

Schools, Brazilian Music Education.

1 INTRODUÇÃO

Segundo a Lei nº 11.769 (BRASIL, 2008), as escolas públicas e privadas de ensino

fundamental e médio de todo o Brasil tiveram que incluir, a partir de 18 de agosto de 2011,

conteúdos de música em sua grade curricular. A referida lei determina que Música passe a ser

“componente curricular obrigatório, porém não exclusivo, do ensino de arte em todos os níveis

da Educação Básica” (BRASIL, 2008), significando a retomada de uma estratégia educacional

abandonada pelo governo federal há 40 anos.

O desenvolvimento deste texto pretende apresentar a hipótese de que o retorno da

inclusão obrigatória do ensino musical na Educação Básica ocorre de forma sem precedentes

na história sociopolíticoeconômica nacional, podendo causar, na formação do povo brasileiro,

impacto suficiente para modificar o paradigma cultural do país nas próximas décadas. Para

tanto, desenvolveu-se um levantamento bibliográfico sobre o tema, a partir do qual se buscou

dialogar e realizar a análise crítica das diferentes perspectivas encontradas.

2 O NACIONALISMO MUSICAL E O CANTO ORFEÔNICO

A cultura ocidental registrou, a partir da segunda metade do século XIX, um fenômeno

que se alastrou por diversos países que viviam sob o estigma da “importação cultural” de

suas metrópoles coloniais, em detrimento da produção intelectual local. Nos períodos que

sucederam a emancipação política das nações, houve intensa busca por um desenvolvimento

ERIK HEIMANN PAIS, O retorno do ensino musical obrigatório na Educação Básica: caminhos rumo a um novo paradigma cultural

Page 3: Artigo Erik publicado.pdf

ARTIGO

1010

autônomo, pela independência socioeconômica e moral, e, especialmente na cultura, pela

consolidação de uma identidade nacional autêntica.

Como princípio comum desse fenômeno cultural nacionalista, figurava sempre o empenho

pela criação de uma linguagem intelectual étnica, isto é, que expressasse fontes representativas

das raízes folclóricas nacionais, capazes de causar imediata identificação por parte da população

nativa – e, por conseguinte, um sentimento pátrio fomentado por ideais e integradores que

afastassem, cada vez mais, a identidade sociocultural deixada pelos colonizadores.

No Brasil, o movimento nacionalista apareceu fortemente nas primeiras décadas do século

XX, tendo, na cultura, marcas deixadas por artistas e intelectuais modernistas. Ao abordar o

nacionalismo no Brasil, Mário de Andrade cita:

Se um artista brasileiro sente em si a força do gênio que nem Beethoven e Dante sentiram, está claro

que deve fazer música nacional. Porque como gênio saberá fatalmente encontrar os elementos

essenciais da nacionalidade. Terá, pois, um valor social enorme. Sem perder nada o valor artístico,

porque não tem gênio por mais nacional que não seja do patrimônio universal. E se o artista faz parte

dos 99 por cento dos artistas e reconhece que não é um gênio, então é que deve mesmo fazer arte

nacional. (apud MARIZ, 1983, p. 28)1.

Na mesma época, os ideais democráticos e o progresso da industrialização, que

alavancavam as transformações culturais e econômicas da República Nova2, concederam à

educação um papel central no pensamento político dos governantes. A educação passou a ser

vista como “motor propulsor” do progresso e a alfabetização das massas como solução para

o desenvolvimento social da nação. A cultura nacional viveu o “entusiasmo pela educação”, o

“otimismo pedagógico”, o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova. Destacava-se a crença de

que “pela disseminação da educação escolar, seria possível incorporar grandes camadas da

população na senda do progresso nacional e colocar o Brasil no caminho das grandes nações

do mundo” (NAGLE, 2001, p. 134).

A escolarização em âmbito nacional virou debate entre os governantes que passaram a ver,

na década de 1930, o nacionalismo como ferramenta para estabelecer uma hegemonia cultural

e fortalecer o poder político. A intenção do governo Vargas (1930-1945) de homogeneizar a

cultura nacional a partir do conhecimento das raízes locais resulta na convocação de diversos

intelectuais para auxiliar na condução do processo de renovação cultural nacional.

A relação próxima entre Anísio Teixeira, então secretário do Departamento de Educação

do Distrito Federal, com o compositor Heitor Villa Lobos, expoente do movimento musical

nacionalista, resultou na criação da Secretaria de Educação Musical e Artística (SEMA),

possibilitando a implantação de um projeto em favor da educação musical do jovem brasileiro

por meio da prática do canto orfeônico3.

Neiva (2008) explica que o canto orfeônico difere por conceito do canto coral, pois

este último tem por premissa a utilização de cantores com conhecimento teórico-musical

aprofundado e capacidade prática de execução de arranjos complexos. Já o orfeão não possui

1 Citação atribuída a Mario de Andra-de por Vasco Mariz no texto de intro-dução de seu livro “A História da Mú-sica no Brasil”, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.

2 Referência aos termos utilizados na história do Brasil que definem como “República Velha” o período que vai da Proclamação da República, em 1889, até a Revolução de 1930 – e de “República Nova” o período a partir da chamada Era Vargas.

3 O termo Orfeão (utilizado para se referir aos coros de canto orfeônico) advém do mito grego de Orfeu e Eurídice. A mitologia grega é aborda-da de forma didática no trabalho de Paulo Sérgio de Vasconcellos (1998). Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/2176458/mitos-gregos>. Acesso em 02.07.2010).

REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, ano II, n. IV, p. 08-21,dezembro, 2011.

Page 4: Artigo Erik publicado.pdf

11

ARTIGO

pretensão técnica ou artística. Com entendimento dos fundamentos musicais básicos, grandes

grupos vocais podem executar repertórios simples e interessantes com belos resultados. “O

Canto Orfeônico do Governo Vargas não possuía a pretensão e objetivo de formar músicos

profissionais, mas sim de se configurar como um meio eficaz de popularização da música, de

se elevar o padrão artístico e do senso estético da população brasileira” (NEIVA, 2008, p.14).

“Destinava-se a desenvolver, no aluno, a capacidade de aproveitar a música como meio de

renovação e de formação moral, intelectual e cívica” (VILLA-LOBOS, 1951, p.3).

A ampliação desse projeto, com o advento do Decreto Nº 24.794 (BRASIL, 1934), registrou,

pela primeira vez na História do Brasil República, a inclusão de um programa de educação

musical comum a todos os estabelecimentos de ensino primário e secundário do país.

3 A IMPLANTAÇÃO DA EDUCAÇÃO ARTÍSTICA

Enquanto as gerações das décadas de 1930 a 1950 recebiam sua alfabetização musical

na escola, fomentando o ensino formal dos conservatórios e universidades, o forte caráter

nacionalista do projeto de Villa-Lobos era relacionado ao autoritarismo e ao militarismo

fascista. “O caráter cívico e moralizante visando diretamente à obediência ao Estado também

se mostra, evidentemente, como uma das metas a serem atingidas pelo ensino do Canto

Orfeônico” (FUCCI AMATO, 2008, p. 14).

O grupo Música Viva, fundado em 1939 por Hans J. Koellreutter para buscar o incremento da

atividade musical no Brasil, também fomentou as críticas ao movimento musical nacionalista.

Egg (2005) menciona que compositores como Guerra Peixe e Cláudio Santoro alegavam

a falta de um estudo mais aprofundado do folclore, que visasse a elevação do nível técnico

das composições nacionais, manifestações mais vanguardistas e a reforma da formação

academicista presente nos conservatórios4. Tais ideais enfraqueciam ainda mais o programa

de educação musical, então presente na Educação Básica.

Em paralelo, durante o período nacional–desenvolvimentista, intelectuais ligados ao

ensino normal criticavam fortemente a educação nacional alterada por meio da Reforma

Capanema5, apontando o analfabetismo, o desemprego e a pobreza da maioria da população.

Organizações como a União Nacional de Estudantes (1939), o Movimento de Cultura Popular

(1960), a Campanha De Pé No Chão e o Movimento de Educação de Base (1961), entre outros,

viveram ativamente os treze anos de debates (1948 a 1961) que culminaram na criação

da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a Lei nº 4024 (BRASIL,

1961), promulgada por João Goulart em 20 de dezembro de 1961 - e prosseguiram nos

questionamentos em prol de um ensino gratuito e laico para toda a nação.

Apesar da então esperança de revolucionar a educação brasileira, segundo Larroyo (1969)

o texto de lei aprovado constituía “uma renúncia do Estado ao ensino público” (p. 910). “Levaria

meio século desde o Manifesto dos Pioneiros da Nova Educação, datado de 1932, até que o marco

institucional do ensino brasileiro começasse a mudar novamente”. (SCHWARTZMAN, 2005, p. 25)

4 As considerações literais dos compositores foram citadas por André Egg nas seguintes publicações: SANTORO, Cláudio. Considerações em torno da música brasileira contemporânea. Boletim Música Viva, n. 9, 1941 e PEIXE, Guerra. Aspectos da música popular. Boletim Música Viva, n. 12, 1947.

5 Nome dado à reforma do sistema educacional realizada em 1942 pelo Ministro da Educação Gustavo Capanema, implantado sob a ditadura conhecida como “Estado Novo” (MENEZES; SANTOS – DIEB, 2002). Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=371>. Acesso em 07.09.2010.

ERIK HEIMANN PAIS, O retorno do ensino musical obrigatório na Educação Básica: caminhos rumo a um novo paradigma cultural

Page 5: Artigo Erik publicado.pdf

ARTIGO

1212

A educação musical baseada no canto popular das massas foi substituída pela normatização

descrita no artigo 38 da LDBEN nº. 4024 (BRASIL, 1961), que previa a realização de atividades

complementares de iniciação artística. Por falta total de diretrizes, a educação pública passou

a considerar, cada vez mais, uma abordagem generalizada de Educação Musical em seus

programas curriculares (embora o sistema de canto orfeônico ainda tenha sido usado por

várias décadas por força do hábito educacional6). Apesar de obrigatória, a Música deixava de

ser considerada uma área específica para ser vista como contribuição ao desenvolvimento

global do indivíduo por meio do incentivo à criatividade e expressão pessoal.

Nos anos que se seguiram, viu-se um gradual enfraquecimento do ensino musical nas

escolas – em sua maior parte motivado pela frágil formação dos professores, que passaram,

por conta disso, a optar por um caráter experimental de ensino, aproveitando-se da ideia de

“Educação pela Arte”7 do período pós-guerra. Desafortunadamente, os aspectos positivos do

enfoque polivalente das linguagens artísticas não tiveram chance de se perpetuar na formação

cultural da população brasileira. A crise sociopolíticoeconômica das décadas de 50-60, que

motivou tantos debates e questionamentos sobre a educação, deparou-se com o “cala-boca

nacional” do Golpe de Estado de 1964, que submergiu o país em 20 anos de autoritarismo

ditatorial (CUNHA; GÓES, 1989). Quanto aos impactos na educação causados pela repressão

imposta pelos governos militares, Cunha (1989) discorre:

Ainda não foi feito o balanço [...] de modo a se saber quantos professores e quantos estudantes

tiveram seu trabalho ou seus estudos prejudicados pela perseguição política. [...] Desespero e apatia

foram os dois componentes do efeito da repressão nas escolas e nas universidades. (CUNHA; GÓES,

1989, p. 40).

Surpreendentemente, durante a ditadura, a Educação Artística não foi suprimida dos

programas curriculares como ocorreu com a História e a Filosofia. A razão disso talvez

tenham sido os séculos de influência da educação musical européia, ou, talvez, as fortes

contribuições do movimento nacionalista musical do início do século XX. Talvez ainda,

por estar o repressor voltado aos “subversivos” da nova MPB, passou quase despercebido

o trabalho dos educadores que desenvolviam e adaptavam sistemas de educação musical

apropriados à população nacional. É difícil definir uma razão pela qual a educação musical

sobreviveu ao “massacre cultural” promovido pelos sucessivos Atos Institucionais da década

de 1960. Fato é que, no geral, “a educação passava a ser encarada como uma questão

secundária diante da ditadura” (GERMANO, 1994, apud GOMES, 2001, p.12)8. Supõe-se,

então, que o contato com o ensino musical manteve-se presente na educação, seja pela

“utilidade” do aspecto cívico e patriótico do canto orfeônico, pela “impermeabilidade” das

instituições educacionais religiosas ou até mesmo pelo considerado “inofensivo” Movimento

de Escolinhas de Arte (MEA)9. Não obstante, a frustração quanto à evolução músico-cultural

do país pode ser sentida no depoimento de Eurico Nogueira França, da Academia Brasileira

de Música, quando questiona a “afirmativa indubitável” relativa à extrema musicalidade do

povo brasileiro:

6 “A menos que a situação mude sensivelmente, os organismos continuam a reagir à sua maneira habitual. O que se tornou familiar é preferido”. (WATSON apud HUBERMAN, 1973, p. 64).

7 Referência ao movimento que surge a partir da perda de poder da pedagogia escolanovista, “propondo a livre-expressão, onde a arte é considerada essencialmente expressiva, portanto ‘não se ensina, se expressa’”. (SCHRAMM, 2001). Disponível em <http://www.artenaescola.org.br/pesquise_artigos_texto.php?id_m=23>. Acesso em 03.10.2010.

8 GERMANO, José Willington. Estado militar e educação no Brasil: 1964/1985. São Paulo: Cortez, 1994.

9 Apesar de não estar atrelado às leis educacionais, o Movimento Escolinhas de Arte (MEA) se espalhou por todo o Brasil nas décadas de 50, 60 e 70 com escolas de artes voltadas ao público infantil valorizando as experiências de aprendizagem livre e os incentivos à expressão criativa. Disponível em: <http://w w w . i t a u c u l t u r a l . o r g . b r /aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=marcos_texto&cd_verbete=3757&cd_idioma=28555&cd_item=10>. Acesso em: 01 set. 2010.

REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, ano II, n. IV, p. 08-21,dezembro, 2011.

Page 6: Artigo Erik publicado.pdf

13

ARTIGO

O brasileiro foi um povo musical, porém está deixando de sê-lo cada vez mais, à medida que cresce.

[...] É o brasileiro um povo musical? Dir-se-ia antes que foi. Uma tradição de amor à música nos anima,

mas sem as ligações com o presente que o crescimento do país está pedindo. (FRANÇA, 1966, p.42-43).

Mas a ditadura militar não deixou “impune” o desenvolvimento artístico da população

brasileira. Em 11 de agosto de 1971, o governo Médici implantou a chamada Reforma

Passarinho10, promulgando a LDBEN nº 5692 (BRASIL, 1971). O tecnicismo da reforma

educacional proposta pelos militares, a partir dos acordos MEC/USAID11, foi então instaurado

em nome do desenvolvimento capitalista e dos interesses político-econômicos norte-

americanos. O impacto dessa lei para a formação musical dos estudantes brasileiros pode ser

sentido nas palavras de Fonterrada (2008):

A citada lei extinguiu a disciplina de educação musical do sistema educacional brasileiro,

substituindo-a pela atividade de educação artística. [...] Ao negar-lhe a condição de disciplina e

colocá-la com outras áreas de expressão, o governo estava contribuindo para o enfraquecimento e o

quase total aniquilamento (na educação geral) do ensino de música (p.218).

A LDB nº 5692 (BRASIL, 1971) obrigava o enfoque polivalente, dentro da disciplina Educação

Artística, de música, teatro, artes plásticas e desenho (posteriormente substituído pela dança).

Como bem explicita o Parecer CFE 540/77, estes componentes12 têm características bem específicas

no conjunto curricular, não podendo ser tratados de forma idêntica às do tratamento dos demais

componentes. Não devem ser encarados como “matérias” ou “disciplinas”, mas como “uma preocupação

geral do processo formativo, intrínseca à própria finalidade da escola, porque partes constitutivas e

intransferíveis da educação do homem comum”. (DELIBERAÇÃO CEE Nº 18/86, BRASIL, 1986).

O currículo universitário proposto para a formação e multiplicação de docentes do ensino

de artes das escolas normais é, até hoje, motivo de espanto e inconformismo. Os cursos de

licenciaturas curtas e plenas13, em Educação Artística, propunham a formação de profissionais

aptos a compreender, motivar e ensinar artes cujo domínio específico demandaria décadas

de estudo. A superficialidade do ensino e o comprometimento cada vez menor com o

planejamento e o método, por parte da classe docente mal formada e mal paga, deram

à disciplina de educação artística o caráter de entretenimento. “O professor de artes é

considerado o festeiro da escola, aquele que ajuda os alunos a passarem seu tempo enquanto

se recuperam dos esforços empreendidos com as disciplinas consideradas ‘importantes’”

(FONTERRADA, 2008, p.229).

A fundamentação teórica da livre expressão, do improviso, do experimentalismo e do

laissez-faire14 foi o guia para ensinar arte na escola. Entretanto, apesar da LDBEN nº 5692 (BRASIL,

1971) determinar, no parágrafo único do art. 2º, que a “organização administrativa, didática e

disciplinar de cada estabelecimento do ensino será regulada no respectivo regimento” e de

que “excepcionalmente, a parte especial do currículo poderá assumir, no ensino de 2º grau, o

caráter de aprofundamento em determinada ordem de estudos gerais, para atender a aptidão

específica do estudante, por indicação de professores e orientadores” (Art. 5º, § 3º) e ainda que

10 Em alusão ao então Ministro Jarbas Passarinho.

11 Série de acordos entre o Ministé-rio da Educação brasileiro (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID), que visavam estabelecer convênios de assistên-cia técnica e cooperação financeira à educação brasileira. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_mec-usaid%20.htm>. Acesso em 15.07.2010.

12 Educação Artística, Educação Moral e Cívica, Educação Física, Programas de Saúde e Educação Religiosa.

13 Dois anos para a licenciatura curta e quatro anos para licenciatura plena.

14 “Deixais Fazer”. Expressão idealista surgida no século XVIII que se trans-formou em chavão para identificar aquilo que deve funcionar livremen-te sem interferência. Disponível em: <http://recantodasletras.uol.com.br/ensaios/741674>. Acesso em 20 jul. 2010).

ERIK HEIMANN PAIS, O retorno do ensino musical obrigatório na Educação Básica: caminhos rumo a um novo paradigma cultural

Page 7: Artigo Erik publicado.pdf

ARTIGO

1414

“em qualquer grau, poderão organizar-se classes que reúnam alunos de diferentes séries e de

equivalentes níveis de adiantamento, para o ensino de línguas estrangeiras e outras disciplinas,

áreas de estudo e atividades em que tal solução se aconselhe” (Art. 8º, § 2º, grifo nosso), o que

se viu nas décadas seguintes foi o crescente desinteresse e desrespeito da sociedade escolar

no entendimento da arte como conteúdo curricular sério, causando um efeito paradoxal na

intenção fundamental de melhor formação do indivíduo.

4 O MOVIMENTO ARTE-EDUCAÇÃO

Apesar do parecer nº 540/77 (BRASIL, 1977) ter gerado polêmica entre a sociedade

musical brasileira, em especial junto àqueles envolvidos com a educação musical, nota-se,

no texto da relatora Edília Coelho Garcia, a intenção do Conselho Federal de Educação de

prover auxílio às instituições de ensino que se viam na posição de obedecer ao Art. 7º da lei

nº 5.692 (BRASIL, 1971).

A educação artística não se dirigirá, pois, a um determinado terreno estético. Ela se deterá, antes de tudo,

na expressão e na comunicação, no aguçamento da sensibilidade que instrumentaliza para a apreciação,

no desenvolvimento da imaginação, em ensinar a sentir, em ensinar a ver como se ensina a ler, na

formação menos de artistas do que de apreciadores de arte. (PARECER CFE Nº540/77, BRASIL, 1977).

Entretanto, havia um desconforto na classe docente responsável pelo ensino de artes, que

identificava a impossibilidade de qualquer aprofundamento sobre música, dança, teatro e

artes plásticas, tendo os temas de serem abordados ao mesmo tempo e pelo mesmo educador

em apenas cinquenta minutos semanais. Se, por um lado, a intenção do CFE em estabelecer

orientações e diretrizes aumentou o descompasso entre a teoria e a prática no ensino de artes

na escola, por outro viu-se abertura para as idéias de Read e Lowenfeld15 que já se enraizavam

pelo país por meio dos esforços de educadores como Augusto Rodrigues, Aloísio Magalhães

e Noemia Varella.

A partir dos anos 80 constitui-se o movimento Arte – Educação permitindo que se ampliassem as

discussões sobre a valorização e o aprimoramento do professor que reconhecia seu isolamento dentro

da escola e a insuficiência de conhecimentos e competência na área. (PCN, Vol. 06, p.30, BRASIL, 1997).

Barbosa (2007), primeira doutora brasileira em arte-educação, chamou a atenção para

as contribuições que o contato com a arte pode trazer ao aprendizado e à formação social

dos jovens: “Na arte, eles podem ousar sem medo, explorar, experimentar e revelar novas

capacidades”.

15 Herbet Read (Inglaterra) e Vicktor Lowenfeld (Áustria) formularam, entre as décadas de 1930 e 1950, um novo conceito para a educação, que estava completamente defasada. Surge então o Movimento de Educação pela Arte. Disponível em: <http://cabecacoletiva.blogspot.c o m / 2 0 0 7 / 0 9 / h e r b e r t - r e a d - e -educao-pela-arte.html>. Acesso em 02.09.2010.

REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, ano II, n. IV, p. 08-21,dezembro, 2011.

Page 8: Artigo Erik publicado.pdf

15

ARTIGO

O espaço conquistado pelos arte-educadores na década de 80 teve grande influência na

redação da LDBEN nº 9394 (BRASIL, 1996), quando foram revogadas as disposições anteriores.

São características desse novo marco curricular as reivindicações de identificar a área por Arte (e não

mais por Educação Artística) e de incluí-la na estrutura curricular como área, com conteúdos próprios

ligados à cultura artística e não apenas como atividade (PCN, Vol. 06, p.25, BRASIL, 1997).

Entretanto, para retomar as ações efetivas de educação musical (como na Educação Básica

das décadas de 1930 e 1940) que passaram praticamente a inexistir a partir de 1961, ainda

muito teria de ser feito. Sobre a mesma lei, Fonterrada (2008) salienta:

Ainda não se chegou sequer a arranhar a questão atrelada ao valor da música e da educação

musical: o reconhecimento de uma real capacidade artística potencial presente em crianças, jovens e

professores de música, que necessita de trabalho específico e competente para aflorar, sem o que não

se atingirá o âmbito educativo, e muito menos o ultrapassará, para alcançar o artístico, fim último da

área de artes (p. 229 – 230).

Apesar das dificuldades e polêmicas, ficou claro o norte seguido pela comunidade artística

ligada à educação, que continuamente motivou discussões e debates para traçar estratégias

políticas a fim de alterar a realidade então presente nas escolas.

5 O GRUPO DE ARTICULAÇÃO PARLAMENTAR PRÓ-MÚSICA (GAP) E O MANIFESTO

PELA IMPLANTAÇÃO DO ENSINO DE MÚSICA NAS ESCOLAS

Dez anos após a promulgação da LDBEN nº 9394 (BRASIL, 1996), músicos e artistas que

elaborava documentos para o Ministério da Cultura decidiram criar um Grupo de Articulação

Parlamentar (GAP) para aproveitar as conexões e experiências já adquiridas junto ao Governo,

atuando em prol de melhorias nas questões de música no país.

Assim como detectado em 1961 e 1971, paradoxalmente, tanto a necessidade quanto

o impedimento a uma educação musical plena nas escolas brasileiras eram ainda oriundos

da ambiguidade e ambivalência do texto da atual LDBEN, permitindo distorções e omissões

responsáveis pelo quase desaparecimento da música na Educação Básica.

A estratégia do GAP foi elaborar um manifesto aberto a adesões, sugerindo a atuação direta

sobre o texto da lei. O documento, chamado Manifesto pela Implantação do Ensino de Música

nas Escolas, chamou a atenção para a importância da educação musical no “desenvolvimento

cognitivo, psicomotor, emocional e afetivo e, principalmente, para a construção de valores

pessoais e sociais de crianças, jovens e adultos”16 e para a “incoerência entre as demandas

docentes por parte das instâncias públicas e privadas e o que está acontecendo na prática de

formação de professores.”17

16 Texto do Manifesto Pela Implan-tação Do Ensino De Música Nas Escolas. Disponível em: <http://www.queroeducacaomusicalnaes-cola.com/index2.htm>. Acesso em 12.09.2010.

17 Ibidem

ERIK HEIMANN PAIS, O retorno do ensino musical obrigatório na Educação Básica: caminhos rumo a um novo paradigma cultural

Page 9: Artigo Erik publicado.pdf

ARTIGO

1616

A argumentação de que a aprendizagem musical é ferramenta privilegiada para alcançar

os objetivos da própria LDBEN demonstrou a contradição presente no texto de lei e recebeu

a adesão de dezenas de entidades ligadas à música do Brasil e Exterior, bem como milhares

de assinaturas de artistas, músicos profissionais, estudantes e personalidades da sociedade

brasileira. O manifesto resultou na apresentação do Projeto de Lei 330/06 (BRASIL, 2006),

aprovado por unanimidade no dia 4 de dezembro de 2007.

Entretanto, a lei 11.769 (BRASIL, 2008) não contemplou a totalidade das intenções do

GAP. “Por contrariedade ao interesse público”18, o Presidente da República vetou a exigência à

obrigatoriedade de formação específica em música para habilitar um docente a ministrar aulas

de música na Educação Básica.

Embora o veto tenha causado frustração em muitos educadores musicais, o clima de vitória

e otimismo em relação à educação brasileira pôde ser sentido nas palavras do então Presidente

da ABEM, Prof. Dr. Sergio Luiz de Figueiredo (2008):

[...] muitas pessoas consideram que o movimento está perdido por causa do veto. Eu não entendo

desta maneira [...]. O que vale é a lei e não o veto. Isto quer dizer que nós hoje temos a música como

componente curricular obrigatório na educação brasileira.19

A polêmica gerada pelo veto reacendeu a discussão sobre a formação acadêmica do

educador musical e chamou a atenção da sociedade. “A profissão de educador musical não

existe no Código de Profissões do Ministério do Trabalho. [...] Não há código de área, então

não entra no sistema, portanto não existe. [...] não há, oficialmente, educação musical no país”.

(FONTERRADA, 2008, p.281)

O prazo para a adaptação das escolas, determinado no texto da própria lei nº 11.769

(BRASIL, 2008). é de três anos letivos a partir da data de sua publicação - porém, já no início

de 2011, muitas (senão a maioria) das instituições de Ensino Fundamental e Médio iniciaram

estudos sobre de que maneira cumprir, na prática, a determinação federal.

6 OS DEBATES E AS DISCUSSÕES DO PROCESSO DE TRANSIÇÃO

Desde a determinação do retorno da obrigatoriedade do ensino de música na escola

normal, publicaram-se muitas considerações, reflexões, discussões e debates entre educadores

musicais sobre a maneira pela qual tal conhecimento deve ser abordado no contexto escolar.

De modo similar ao ocorrido no passado, percebe-se que as escolas aguardam auxílio do

governo por meio de diretrizes oficiais sobre o assunto. Fica evidente, todavia, que, enquanto

não houver oficialização de novos parâmetros curriculares nacionais para o ensino de Artes (em

específico da Música), o ponto de partida para o bom cumprimento da lei nº 11.769 ainda serão

18 Mensagem de Veto Nº 622, de 18 de agosto de 2008.

19 Palavras do presidente de honra da ABEM sobre a aprovação da Lei n. 11.769, que estabelece a obrigatoriedade da música na escola, como conteúdo obrigatório do componente curricular ARTE. Disponível em: <http://www.a b e m e d u c a c a o m u s i c a l . o r g .br/noticias7.html>. Acesso em 04.10.2010.

REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, ano II, n. IV, p. 08-21,dezembro, 2011.

Page 10: Artigo Erik publicado.pdf

17

ARTIGO

as orientações contidas nos PCNs de 1997. Porém, embora bem estruturados e relativamente

bem fundamentados, tais parâmetros não são suficientes para evitar a necessidade de

esclarecimentos a respeito, uma vez que inúmeros educadores serão responsáveis pelo ensino

do conteúdo Música sem apresentarem especialização na área.

Arco Verde (2010, p.6), presidente do Conselho Nacional de Secretários da Educação,

explicou ao jornalista Thiago Azanha, do Jornal Folha de São Paulo, que “o objetivo da

determinação, no entanto, não é formar músicos, mas sim que os alunos adquiram o

conhecimento da linguagem musical e ampliem sua formação artística”, corroborando a

opinião de Figueiredo, presidente de honra da ABEM, de que “a escola não vai virar um

conservatório! Muita gente pensa que se estuda música para tornar-se músico. Veja bem, todo

mundo estuda a língua portuguesa, mas nem todo mudo vai virar poeta um dia” (FIGUEIREDO,

2010, p. 33). Porém, segundo as Secretarias de Educação, o problema consiste no risco de uma

inadequada formação profissional para a atuação nas salas de aula, visto que a lei é vaga no

tocante à especialização necessária para atuar como docente de Música na escola.

Sobre a questão, Figueiredo (2010, p.34) ainda expõe:

A Lei de Diretrizes e Bases diz que todo mundo que leciona na Educação Básica tem de ter Curso

superior. Ela valoriza o profissional da educação que é alguém que estuda as questões voltadas ao

ensinar e ao aprender. O fato de eu tocar bem um instrumento não quer dizer que eu vá ensinar bem.

[...] aquele que quiser ensinar irá fazer a licenciatura para dar suas aulas.

O veto ao art. 2º da lei foi justificado pela alegação de que a música é uma prática social

e que diversos profissionais atuantes na área não possuem formação acadêmica, embora

tenham competência reconhecida. “Esses profissionais estariam impossibilitados de ministrar

tal conteúdo na maneira em que este dispositivo está proposto (MENSAGEM DE VETO nº 622

da Lei nº 11.769, BRASIL, 2008)”. Entretanto, Silvia Sobreira (2008) discorre que “o fato do ensino

de música ser efetivado por pessoas não habilitadas pedagogicamente, embora competentes

como artistas, abre espaço para inúmeras controvérsias (p. 46).”

A ausência de representantes das escolas públicas nos debates e discussões presentes

na mídia também chamou a atenção de Sobreira (2008, p.47) ao perceber que “o lócus de

efetivação das propostas não foi presença efetiva nos debates, fazendo pressupor que o

consenso podia não ser tão amplo como se aparentava e que o dispositivo legal seria imposto

às escolas, e não resultado de suas demandas”.

Hentschke (2008, p.3), ex-presidente da Sociedade Internacional de Educação Musical

(ISME), declara para Vanessa Coelho, da Revista No Tom, não haver desvantagens no processo:

“O principal papel das escolas será melhorar a qualidade da nossa didática Musical e elevar o

senso crítico dos apreciadores e consumidores de música”.

Silva (2010), empresário, criador e diretor do programa Música no Museu/RJ, considera

o retorno obrigatório da música nas escolas como apenas um elemento entre os vários

necessários para salvar nossa educação. “Se bem utilizada, comprovadamente a música aliada

ERIK HEIMANN PAIS, O retorno do ensino musical obrigatório na Educação Básica: caminhos rumo a um novo paradigma cultural

Page 11: Artigo Erik publicado.pdf

ARTIGO

1818

harmonicamente aos demais conteúdos reflexivos e práticos pode dar bons frutos na formação

da cidadania brasileira” (SILVA, 2010, p. 32).

Radicetti (2008, p.13), coordenador do GAP, em entrevista a Vanessa Coelho, compartilha

das mesmas ideias acima expostas, opinando que “a maior melhora que poderá ser percebida

é a da educação como um todo e a geração de um importante espaço de reconstrução do

tecido e inclusão sociais, da memória musical e da resistência cultural”.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O panorama da música e, por conseguinte, da educação musical no Brasil na década de

1930 até os dias de hoje, é permeado de situações que caracterizam o empenho na busca

de uma identidade artístico-pedagógica consensual, assim como a potencialidade do povo

em relação à criação, interpretação e ao ensino musical. Por outro lado, evidencia uma séria

segregação de ideais, uma descontinuidade de diretrizes públicas perniciosa à formação

cultural da população em médio e longo prazo e um diálogo difícil, moroso e muitas vezes

contraproducente entre a classe artística profissional e os poderes públicos responsáveis pelas

políticas federais de cultura e educação.

Pela síntese desse panorama, conclui-se que não há como desassociar o aprender e o fazer

musical da população brasileira do contexto sociopolíticoeconômico do país em cada década

de sua história. Entretanto, apesar da descontinuidade de excelentes iniciativas em todos os

âmbitos de nossa cultura musical, a música sempre esteve presente, de uma forma ou de outra,

na educação do povo brasileiro.

Ao se comparar as iniciativas de inclusão da educação musical na Educação Básica já

realizadas até hoje, percebem-se peculiaridades que corroboram a conclusão de que o

novo momento, gerado a partir de 2011 (mediante o cumprimento da Lei nº 11.769), não

encontra similaridades com as ações do passado. Cabe destacar a diferenciação do contexto

sociopolíticoeconômico atual, evidenciando, principalmente, o índice de alfabetização

nacional, a hegemonia do acesso simultâneo e democrático à informação por meio da internet,

a oferta de ensino superior em todos os Estados e um maior amadurecimento sobre o conceito

geral do papel que desempenha a educação musical na escola e suas estratégias de aplicação.

Sobre esses últimos, apesar das críticas, ceticismos, divergências e polêmicas sobre

de que maneira o poder público intenta cumprir a formação cultural do povo garantida

na sua Constituição, a proporção quantitativa de jovens em contato com a música por

meio da Educação Básica durante a próxima década (estimada em aproximadamente 52

milhões de pessoas)20 é suficiente para que, ao término daquele período, seja sensível uma

mudança positiva no paradigma cultural da população brasileira, mesmo que se comprove a

desigualdade prevista na proporção qualitativa desse contato.20 Fonte: Relatório MEC/INEP/DEED - 2009

REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, ano II, n. IV, p. 08-21,dezembro, 2011.

Page 12: Artigo Erik publicado.pdf

19

ARTIGO

REFERÊNCIAS

ARCO VERDE, Yvelise Freitas de Souza. Notas Musicais. Folha de São Paulo, São Paulo, 27 set. 2010, Caderno Cotidiano, p.6. Depoimento a Thiago Azanha.

BARBOSA, Ana Mae. Entrevista para Agência Repórter Social. Disponível em: <www.apeduu-frgs2007.pbworks.com/f/ANA+MAE+BARBOSA.doc>. Acesso em: 01 out. 2010. Depoimento a Flávio Amaral.

BRASIL. Decreto do Executivo nº 24.794, de 14 de julho de 1934. Cria, no Ministério da Educação e Saúde Pública, sem aumento de despesa, a inspetoria geral do ensino emendativo, dispõe sobre o ensino do canto orfeônico, e da outras providências, Base da Legislação Federal do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 1934.

______. Deliberação CEE nº 18/86, aprovada em 1º de outubro de 1986, Dispõe sobre Regularização de Vida Escolar. Diário Ofi cial do Estado de São Paulo, SP, out. 1986.

______. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Ofi cial da União, Brasília, DF, 27 dez. 1961.

______. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências. Diário Ofi cial da União, Brasília, DF, 12 ago. 1971.

______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacio-nal. Diário Ofi cial da União, Brasília, DF, 23 dez . 1996.

______. Lei nº 11.769, de 18 de agosto de 2008. Altera a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino da música ncaEduca-ção Básica. Diário Ofi cial da União, Brasília, DF, 19 ago. 2008.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais: Volume 06 – Arte, Secretaria de Educação Fundamental, Ministério da Educação e Cultura, Brasília, DF, 1997.

______. Parecer nº 540/77 aprovado em 10 de fevereiro de 1977, Sobre o tratamento a ser dado aos componentes curriculares previstos no art. 7º da Lei nº 5.692/71. Conselho Federal de Educação, Brasília, DF, 1977.

______. Projeto de Lei do Senado nº 330/06 aprovado em 04 de dezembro de 2006, Altera a Lei nº 9.394, de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino da música ncaEducação Básica. Diário Ofi cial da União, Brasília, DF, 14 dez. 2006.

ERIK HEIMANN PAIS, O retorno do ensino musical obrigatório na Educação Básica: caminhos rumo a um novo paradigma cultural

Page 13: Artigo Erik publicado.pdf

ARTIGO

2020

CUNHA, Luiz Antonio; GÓES, Moacyr de. O Golpe na Educação. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.

EGG, André. O Grupo Música Viva e o Nacionalismo Musical. Anais do III Fórum De Pesquisa Científi ca em Arte, EMBAP, Curitiba, 2005. Disponível em: <www.embap.pr.gov.br/arquivos/File/anais3/andr_egg.pdf>. Acesso em: 25 set. 2010.

FIGUEIREDO, Sérgio. As Idéias do Educador. Anuário 2010 VivaMúsica!, Rio de Janeiro: VivaMúsica!, 2010.

FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira, De Tramas e Fios – Um ensaio sobre música e educação. São Paulo: UNESP, 2008.

FRANÇA, Eurico Nogueira. Matéria de Musica. Rio de Janeiro: Pongetti, 1966.

FUCCI AMATO, Rita de Cássia. Momento Brasileiro: Refl exões sobre o Nacionalismo, a Educação Musical e o Canto Orfeônico. Revista Electronica Complutense de Investigación en Educación Musi-cal, Madrid, v. 5, n. 2, 2008. Disponível em: <www.ucm.es/info/reciem/v5n2.pdf>. Acesso em: 22 ago. 2010.

GOMES, Marco Antônio de Oliveira. Vozes em Defesa da Ordem: O Debate entre o Público e o Privado na Educação (1945-1968). Faculdade de Educação. UNICAMP, Campinas, 2001. Disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/artigos_frames/artigo_064.html>. Acesso em: 12 jul. 2010.

HENTSCHKE, Liane. O Lá, Si, Dó de volta ao A, B, C? Revista No Tom, São Paulo, 2008. n. 10, p. 13. Depoimento a Vanessa Coelho.

HUBERMAN, Allen Michael, Como se Realizam as Mudanças em Educação, São Paulo: Cultrix, 1973.

LARROYO, Francisco. História Geral da Pedagogia. São Paulo: Melhoramentos, 1969.

MARIZ, Vasco. História da música no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.

NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. Rio de Janeiro: DPA, 2001.

NEIVA, Ismael K. de Andrade. Educação Musical Escolar: O Canto Orfeônico na Escola Normal de Belo Horizonte (1934-1971). Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, UFMG, Belo Horizonte, 2008.

RADICETTI, Felipe. O Lá, Si, Dó de volta ao A, B, C? Revista No Tom, São Paulo, 2008, n. 10, p.13. De-poimento a Vanessa Coelho.

REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, ano II, n. IV, p. 08-21,dezembro, 2011.

Page 14: Artigo Erik publicado.pdf

21

ARTIGO

SCHWARTZMAN, Simon. Os desafi os da educação no Brasil. 2005. Disponível em: <www.schwartz-man.org.br/simon/desafi os/1desafi os.pdf>. Acesso em: 10 out. 2010.

SILVA, Sérgio da Costa e. A Música Nas Escolas. Revista Concerto, n. 160. São Paulo, p. 32, 2010.

SOBREIRA, Sílvia. Refl exões sobre a obrigatoriedade da música nas escolas públicas. Revista da

ABEM, Porto Alegre, 2008.

VILLA-LOBOS, Heitor. Canto Orfeônico: Volume 02, São Paulo: Irmãos Vitale, 1951.

ERIK HEIMANN PAIS, O retorno do ensino musical obrigatório na Educação Básica: caminhos rumo a um novo paradigma cultural