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Aspectos da sintaxe dos clíticos em contos regionalistas brasileiros do século XIX Masterproef voorgedragen tot het behalen van de graad van Master in de historische taal- en letterkunde Dafne Palú Faculteit Letteren en Wijsbegeerte Promotor: Dr. Clara Vanderschueren Academiejaar 2014-2015 Co-promotor: Dr. Miriam Bouzouita

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Aspectos da sintaxe dos clíticos em contos

regionalistas brasileiros do século XIX

Masterproef voorgedragen tot het behalen van de graad van

Master in de historische taal- en letterkunde

Dafne Palú

Faculteit Letteren en Wijsbegeerte Promotor: Dr. Clara Vanderschueren Academiejaar 2014-2015 Co-promotor: Dr. Miriam Bouzouita

ii

iii

Agradecimentos

Gostaria de agradecer aqui àqueles que de alguma maneira

contribuíram para que eu pudesse concluir meus estudos da melhor

maneira possível. Aos meus pais, ao Pierre e aos meus amigos: obrigada

pelo apoio e incentivo infalíveis. Às professoras Dra. Clara Vanderschueren

e Dra. Miriam Bouzouita, as orientadoras desta tese, pelos conselhos

acertados, pelo bom humor e pela paciência que tiveram comigo. É claro

que qualquer incorreção remanescente neste trabalho é de minha total

responsabilidade. Minha gratidão também aos professores da Athénée

Bracops-Lambert pelo exemplo de paixão pelo que ensinavam e aos

voluntários da Fondation Pensée et Action Laïque pela confiança e pelo

auxílio.

iv

Sumário

1.1. Introdução.......................................................................................................... 1

1.2. O português europeu ....................................................................................... 3

1.3. O português brasileiro ..................................................................................... 5

1.4. Panorama histórico ........................................................................................... 7

2.1. O corpus ........................................................................................................... 16

2.2. Critérios de análise ......................................................................................... 17

2.2.1. Os autores ............................................................................................. 17

2.2.2. Modalidade discursiva ........................................................................ 17

2.2.3. Tipo de oração ...................................................................................... 18

2.2.4. Forma verbal ......................................................................................... 21

2.2.5. Tempo verbal ........................................................................................ 25

2.2.6. Tipo de pronome clítico ...................................................................... 26

2.2.7. Contexto sintático ................................................................................ 28

2.2.8. Colocação pronominal......................................................................... 35

3.1. Formas finitas .................................................................................................. 38

3.1.1. Não-futuro ............................................................................................ 38

3.2. Formas não-finitas .......................................................................................... 50

3.3. Modalidade discursiva e tipo de pronome ................................................. 52

3.4. Formas do futuro ............................................................................................ 55

3.5. Conclusão ........................................................................................................ 56

5.1. Obras analisadas ............................................................................................. 61

5.2. Obras consultadas .......................................................................................... 61

Número de palavras (excl. bibliografia) 18169

v

Lista de abreviaturas e sinais convencionais

CA Sousa Inglês de Sousa (Contos amazônicos) OC Silveira Valdomiro Silveira (Os caboclos) PS Arinos Afonso Arinos (Pelo sertão) PA português antigo (sécs. XIII-XV) PB português brasileiro (séc. XX) PC português clássico (sécs. XVI-XVIII) PE português europeu (séc. XX) SN sintagma nominal PP frase preposicional narr. narrativa diál. diálogo V_cl ênclise cl_V próclise cl_V1 V2 próclise à forma finita V1_cl V2 ênclise à forma finita V1 cl_V2 próclise à forma não-finita V1 V2_cl ênclise à forma não-finita cat. catalão esp. espanhol fr. francês it. italiano port. português prov. provençal

vi

Lista de tabelas, gráficos e figuras

Tabela 1: Pronomes clíticos do português (Castro 2006: 195) ...................... 27

Tabela 2: Ênclise e próclise nas orações finitas por autor ............................. 38

Tabela 3: Ênclise e próclise nas orações finitas por tipo de oração ............. 39

Tabela 4: Ênclise e próclise nas orações principais por autor ...................... 39

Tabela 5: Ênclise e próclise nas orações principais por tipo de constituinte

pré-verbal ............................................................................................................ 41

Tabela 6: Ênclise e próclise com V1 por autor ................................................ 41

Tabela 7: Ênclise e próclise por tipo de V1 ..................................................... 42

Tabela 8: Ênclise e próclise com conjunção coordenativa ou elemento

discursivo por autor ........................................................................................... 43

Tabela 9: Ênclise e próclise com operador de negação predicativa (não e nem)

por autor .............................................................................................................. 45

Tabela 10: Ênclise e próclise com advérbio por autor ................................... 45

Tabela 11: Ênclise e próclise com quantificador ou sintagma-Q por autor 46

Tabela 12: Ênclise e próclise com SN sujeito por autor................................. 47

Tabela 13: Ênclise e próclise por tipo de sujeito (nominal ou pronominal) 47

Tabela 14: Ênclise e próclise com sintagma preposicional (PP) por autor . 48

Tabela 15: Ênclise e próclise em oração subordinada por autor ................. 50

Tabela 16: Ênclise e próclise com formas não-finitas simples ..................... 51

Tabela 17: Ênclise e próclise na narrativa e no diálogo por autor ............... 53

Gráfico 1: Ênclise e próclise nas orações principais conforme a posição do

verbo ..................................................................................................................... 40

Gráfico 2: Ênclise e próclise por tipo de conjunção coordenativa ............... 43

Gráfico 3: Ênclise e próclise com PREP + infinitivo por tipo de preposição

............................................................................................................................... 51

vii

Gráfico 4: Ênclise e próclise com formas não-finitas em locução verbal .... 52

Gráfico 5: Ênclise e próclise nas orações finitas no diálogo e na narrativa 53

Gráfico 6: Ênclise e próclise na narrativa e no diálogo por tipo de pronome

clítico .................................................................................................................... 54

viii

Introdução

Muito já foi dito sobre a colocação pronominal em português. A

questão vem causando alvoroço entre linguistas e literatos d’aquém e

d’além mar desde o século XIX, e também pudera: trata-se de uma das

maiores zonas de divergência entre a língua portuguesa falada em Portugal

e no Brasil.

Como se sabe, a posposição do pronome complemento clítico (ou

ênclise) é o padrão de colocação no português europeu (doravante PE).

Nessa variante a anteposição do pronome (ou próclise) só ocorre em

determinados contextos sintáticos, ao passo que o português brasileiro (ou

PB) generalizou o uso pré-verbal (até quando o verbo está em posição inicial

absoluta, contexto de ênclise obrigatória em toda a história do português).

E não para por aí: estudos mostram que a ênclise não aparece na fala de

crianças não-escolarizadas e é fruto da aprendizagem da norma padrão (de

cunho lusitano) nas salas de aula (Corrêa 1991, citado por Pagotto 1993:

187). Especialistas ressaltam também que os pronomes clíticos de 3ª pessoa

são menos usados no Brasil do que em Portugal (Duarte 1986, citado por

Pagotto 1993: 187).

Cabe lembrar, entretanto, que a tradição defende o conceito de uma

“estrutura linguística comum” às variantes faladas no Brasil e na Europa

(Silva Neto 1986: 20), assim como a superioridade do modelo português

sobre o brasileiro (Azevedo 1989: 862). Consideradas “simples processos

estilísticos, simples reflexos da nossa sensibilidade” (Silva Neto 1986: 22),

certas especificidades do português brasileiro – dentre elas sua sintaxe

pronominal – carecem de um tratamento aprofundado nas gramáticas

normativas (Lucchesi e Lobo 2005: 305), onde ainda aparecem em apartado.

Fato é que a norma padrão brasileira, de forte cariz lusitano, difere bastante

ix

do vernáculo. Disso resulta que, hoje, a língua culta – apanágio de falantes

escolarizados – vacila entre o uso (às vezes aproximativo (Azevedo 1989:

862, Pagotto 1993: 187)) de um padrão aportuguesante prestigioso e o

recurso à estratégias do falar nativo, nomeadamente em casos de

hipercorreção e de covert prestige (Azevedo 1989). Pode se argumentar que

a pressão pelo uso do padrão é ainda maior na língua literária, dada a

convicção tenaz de que “quem se mete a escritor está obrigado a ter

instrução [e] a conhecer os princípios normativos do idioma” (Silva Neto

1986: 22). É verdade que com a revolução modernista de 1922, iconoclasta e

ultranacionalista, se conquistou (timidamente) o direito de escrever em

“estilo brasileiro”. Entretanto, fica claro que a norma continua a exercer

alguma pressão sobre os escritores brasileiros, influência variável segundo

o indivíduo (Teyssier (1980: 116) observa, aliás, que não existe uma única

língua literária no Brasil pós-modernista).

É o que mostra a sueca Ane Schei (2000) em seu estudo sobre a

colocação pronominal na literatura brasileira no século XX. Schei nota, entre

outras coisas, que na maioria dos contextos onde a gramática recomenda a

ênclise, predomina a próclise – exceto em posição inicial, onde a posposição

ao clítico é mais ou menos categórica, contrariamente ao que acontece no

PB vernáculo (Schei 2000: 205, 207).

Por outro lado, em outro trabalho (desta vez sobre a língua literária

brasileira do século XIX), Schei (2002) constata o contrário: de acordo com

seus dados, o PB literário da época diverge pouco do padrão português

vigente, apesar de “já apresentar alguns traços típicos do PB do final do

século XX” (há, por exemplo, alguns casos de próclise ao verbo não finito

numa locução verbal) (Schei 2002: 82-83).

Não surpreende: antes do Modernismo, nem a independência

política, nem o advento do romantismo (nacionalista e utópico) no Brasil

tinham podido abalar o prestígio da norma lusitana necessariamente

x

associada ao bon usage, dado que foi pouco o investimento da metrópole

em educação e cultura no Brasil durante os séculos de colonização. É

verdade, no entanto, que o patriotismo vigente nesse século XIX alimentou

o interesse pela herança nativa do Brasil e contribuiu para o nascimento de

uma literatura que valorizava os modelos brasileiros e procurava igualá-los

aos portugueses.

Foi assim que surgiu o regionalismo: retrato poético e idealizado do

povo brasileiro sob os românticos, a literatura regional adota no final do

século XIX e no começo do século XX um enfoque objetivo, crítico, e procura

retratar de maneira fiel a linguagem e os costumes do tipo descrito -

prefigurando, de alguma maneira, o modernismo. Diz-se que os contistas

regionalistas do pré-modernismo “imitent souvent la langue rude du

peuple, et leurs œuvres sont pleines de brésilianismes” (Teyssier 1980: 114).

Resta saber se a representação do dialeto local (mais próximo do vernáculo

da época) se restringe ao diálogo ou se penetra na narrativa. Em outras

palavras, se a língua do regionalismo pré-modernista se assemelha mais à

do romantismo (e, portanto, ao padrão português da época, como o

mostrou Schei) ou à do modernismo (e ao PB atual), pelo menos no que diz

respeito à colocação pronominal.

Levando em conta que não é possível propor uma descrição

universal e definitiva da língua literária brasileira, esta tese procura

caracterizar e explicar o comportamento linguístico desses autores

regionalistas que encarnam a dicotomia norma padrão/norma popular,

típica da língua culta e literária contemporânea brasileira.

Para tal, realizamos um estudo à base de um corpus constituído de

frases extraídas de contos regionalistas brasileiros escritos em fins do século

XIX e início do século XX: Contos amazônicos (1893), de Inglês de Sousa;

Pelo sertão (1898), de Afonso Arinos; e Os caboclos (publicado em 1920), de

Valdomiro Silveira.

xi

O presente trabalho está dividido em duas partes:

A primeira contém o estudo teórico e consiste em uma revisão da

colocação pronominal no português e investiga a gênese das diferenças

encontradas nas variantes europeia e americana com base na história da

implantação do português no território brasileiro, enfatizando a

disparidade existente entre a norma padrão e a realidade linguística no país.

A segunda parte, o estudo empírico propriamente dito, explica o

processo de definição do corpus e método de análise de dados e

contextualiza as obras escolhidas social e historicamente. Por fim, contém a

análise dos dados coletados e a discussão dos resultados obtidos.

Contata-se que certos contextos tinham ênclise ou próclise

obrigatória ou majoritária ao longo de toda a história do português. Nos

outros contextos, os padrões de colocação evoluíram da seguinte maneira:

passamos da ênclise majoritária (PA) à próclise majoritária (PC) à ênclise

obrigatória (PE) ou à próclise obrigatória (PB). Cada grande mudança foi

precedida um período de transição onde oscilavam a próclise e a ênclise.

Proponho aqui que a instabilidade nos textos talvez reflita o processo de

mudança em que as regras da gramática inovadora substituíram as regras

da gramática conservadora. Adoto aqui o ponto de vista da teoria da

competição de gramáticas de que essa substituição acontece de maneira

brusca no vernáculo, aquando da aquisição da língua, por causa da falha na

transmissão do traço linguístico, mas que o seu impacto nos textos é gradual

(em parte porque a língua escrita é mais conservadora). Por isso, nos textos

(nossa única fonte para o estudo diacrônico), formas instanciadas por

diferentes gramáticas da língua coocorrem e competem.

No final deste breve estudo, conclui-se que a sintaxe pronominal

atestada no corpus obedece a regras complexas, procedentes de diferentes

fases do português: nomeadamente, do PB, do PE e do PC (lembre-se que

tanto o PB quanto o PE têm suas origens no português clássico e que a

xii

norma padrão do português ensinada no Brasil é largamente baseada no

PE).

1

Primeira parte: estudo teórico

1. A colocação pronominal no português

1.1. Introdução

As línguas românicas possuem um sistema complexo de clíticos

pronominais. Trata-se de pronomes fracos que podem exercer a função de

argumento interno do verbo (mais frequentemente de objeto) e que

dependem sintática e fonologicamente de alguma palavra adjacente – o

“hospedeiro”. Do ponto de vista da sintaxe, esse hospedeiro é o verbo.

Portanto, quando falamos de colocação pronominal, referimo-nos à posição

do clítico em relação ao verbo. Na maioria das línguas românicas, o

pronome clítico tem que estar contíguo ao verbo1 (Spencer e Luís 2012: 27-

28), mas a sua colocação exata pode variar. Quando o pronome é anteposto

ao verbo, dizemos que está proclítico, e quando o pronome é posposto ao

verbo, dizemos que está enclítico. Também é possível (embora aconteça

com menos frequência) que o pronome se coloque no meio da forma verbal

(daí o nome “mesoclítico”) (Miller e Monachesi 2010: 53, Spencer e Luís

2012).

A preferência pela posição pré- ou pós-verbal, por sua vez, é

determinada por regras específicas à língua em causa. Em francês,

espanhol, catalão e italiano é categórica a próclise a verbos finitos (1). Além

disso, todas essas línguas pospõem o pronome clítico a imperativos

positivos (2), e o espanhol, o catalão e o italiano também têm ênclise a

1 No PE ainda é possível intercalar o operador de negação não entre o pronome clítico e o verbo nas orações subordinadas. Esse fenômeno se chama interpolação e abrangia mais contextos em fases mais antigas do português. Das outras línguas românicas, só o espanhol antigo também permitia que o pronome clítico não se encontrasse imediatamente adjacente ao verbo.

2

infinitivos e gerúndios (3). Isso significa que a colocação do pronome

depende exclusivamente das características morfossintáticas do verbo

hospedeiro nessas línguas.

(1) Próclise com verbos finitos no italiano e no francês (Miller e Monachesi

2010: 58)2

a. Martina lo legge. (it.)

b. Martine le lit. (fr.)

(2) Ênclise com imperativos positivos (Miller e Monachesi 2010: 62-63)

a. Lis-le! (fr.)

b. ¡Léelo! (esp.)

c. Llegeix-lo! (cat.)

d. Leggilo! (it.)

(3) Ênclise a infinitivos e gerúndios no espanhol, no catalão e no italiano e

próclise a infinitivos e gerúndios no francês (Miller e Monachesi 2010: 60-

61)

a. Martina quiere leerlo. /Habiéndolo leído, fue fácil decidir. (esp.)

b. Martina vol llegir-lo. / Havent-lo llegit, va ser fàcil decidir. (cat.)

c. Martina vuole leggerlo. / Avendolo letto, fu facile decidere. (it.)

d. Martine veut le lire. /En le lisant, il fut facile de décider. (fr.)

O caso do português é interessante porque a colocação pronominal

no PE e no PB obedece a princípios contrários. No PE, o contexto sintático é

mais determinante no posicionamento do clítico do que a forma verbal. Já

o PB se comporta mais como as outras línguas românicas porque favorece

o uso da próclise independentemente do contexto sintático, mas também se

distingue delas porque não restringe a colocação pré-verbal aos verbos

finitos simples. Em suma, o português representa, simultaneamente,

ruptura e continuidade no seio da própria família linguística.

2 Algo interessante sobre o comportamento dos pronomes clíticos nas línguas românicas é que, apesar de assumirem a função de objeto do verbo, eles não ocupam a posição argumental normal do complemento verbal nessas línguas. Um SN completo ou um pronome tônico servindo de objeto vai geralmente aparecer depois do verbo: Martina legge il libro. (it.), Martine lit le livre. (fr.) (Miller e Monachesi 2010: 58). Os pronomes clíticos das línguas românicas não obedecem às mesmas regras gramaticais que as palavras independentes e por isso são chamados de clíticos especiais (Spencer e Luís 2012: 27-28).

3

Nas seções seguintes, vou pormenorizar o padrão de colocação

pronominal no PE e no PB, respectivamente.

1.2. O português europeu

No PE, o pronome pode posicionar-se antes ou depois do verbo

finito simples. Tudo depende do tipo de oração e da presença de algum

fator condicionante antes do verbo – em outras palavras, do contexto

sintático.

A ênclise é o padrão de colocação no PE. Entretanto, a presença de

certos elementos na periferia esquerda do verbo (complementadores,

operadores de negação predicativa, quantificadores e certos advérbios)

pode desencadear a próclise (Pagotto 1993: 186, Miller e Monachesi 2010:

59).

(4) Ênclise no PE (Miller e Monachesi 2010: 59)

a. A Marina lê-o. /*A Marina o lê.

b. A Marina lê-o raramente. /*A Marina o lê raramente.

(5) Próclise no PE (Miller e Monachesi 2010: 59)

a. A Marina não o lê. /*A Marina não lê-o.

b. A Marina raramente o lê. /*A Marina raramente lê-o.

O mesmo princípio se aplica às formas não-finitas (Miller e

Monachesi 2010: 61). O gerúndio simples, usado sem preposição, tem

ênclise nas orações principais onde não há nenhum fator condicionante de

próclise e próclise nas orações subordinadas e na presença de certos

elementos atrativos de próclise na periferia esquerda do verbo. O pronome

também é anteposto ao gerúndio introduzido por preposição. Por outro

lado, o infinitivo simples (introduzido ou não por preposição) aceita ênclise

até mesmo em contextos de próclise. Vale lembrar que, no português, o

pronome clítico não pode se juntar ao particípio simples.

4

Nas locuções verbais de particípio ou de gerúndio, o pronome se

coloca antes ou depois do verbo auxiliar de acordo com as mesmas regras

que regem a colocação dos verbos finitos simples. Nas locuções verbais de

infinitivo, o pronome se posiciona depois do verbo auxiliar ou depois do

infinitivo nos contextos neutros. Nos contextos de próclise, coloca-se o

pronome antes do verbo auxiliar ou depois do infinitivo. De qualquer

maneira, o pronome nunca se coloca antes do verbo principal numa locução

verbal (seja ela de particípio, de gerúndio ou de infinitivo).

O PE autoriza, portanto, a subida do clítico (ou clitic climbing) nas

locuções verbais, em que o pronome (que é objeto semântico do verbo

principal em forma não-finita) se junta ao verbo auxiliar (Miller e

Monachesi 2010: 66) (em outros termos, o pronome sobe para o verbo

regente).

Duas construções autorizam a subida do clítico: a reestruturação e

a união de orações (ou “estrutura de encaixamento”). A construção de

reestruturação consiste em um ou mais verbos (semi-)auxiliares em forma

finita e de um verbo lexical em forma não-finita. A construção de união de

orações é composta por um verbo causativo ou perceptivo e por um verbo

no infinitivo não-flexionado. Na construção de reestruturação, o que

acontece é que o pronome clítico objeto semântico do verbo lexical pode se

juntar ao verbo auxiliar. Já na construção de união de orações, o clítico

referente ao sujeito da estrutura de subordinação infinitiva instanciada pelo

verbo causativo ou perceptivo tem que estar ligado a esse verbo causativo

ou perceptivo.

Por fim, a morfologia do verbo também pode desempenhar um

papel (bem que menos importante) na colocação pronominal, pelo que as

formas do futuro do presente e do pretérito no PE pedem mesóclise quando

não há fatores atratores de próclise ((6)b) e próclise nos contextos onde a

anteposição do pronome é de praxe com outros tempos verbais ((6)c). Em

5

outras palavras, existe uma distribuição complementar entre ênclise e

mesóclise: ambas ocorrem nos mesmos contextos sintáticos, mas é o tempo

verbal que determina o padrão de colocação (Gerlach 2002: 17).

(6) Ênclise/mesóclise vs próclise no PE (Gerlach 2002: 18)

a. Ela tem uma casa linda e ontem mostrou-no-la.

b. Ela tem uma casa muito linda. Mostrar-no-la-á?

c. Não no-lo mostrará.

1.3. O português brasileiro

Do outro lado do Atlântico, os brasileiros preferem o uso pré-verbal

independentemente do contexto sintático (Lucchesi e Lobo 2005: 308). Deste

modo, o PB tem próclise aos verbos finitos e não-finitos simples nos

contextos onde o pronome é anteposto no PE, mas também nas orações em

que não há nenhum fator atrativo de próclise (Pagotto 1993: 186).

Outra característica marcante da colocação pronominal no PB é o

uso da próclise com verbo em posição inicial absoluta (o único contexto de

ênclise obrigatória em toda a história do português, segundo Martins (1994:

50))3:

(7) Colocação do pronome com verbo em posição inicial absoluta no PB

a. Me chocou tremendamente. (Galves 1997: 17)

b. Me empreste o seu livro. (Lucchesi e Lobo 2005: 308)

No PB, a ênclise é residual: não aparece na fala de crianças não-

escolarizadas e é fruto da aprendizagem da norma padrão nas salas de aula.

3 A regra que determina que a frase não pode começar com um pronome átono é conhecida pelos linguistas como lei Tobler-Mussafia. Essa restrição se aplicava também aos romances antigos, mas hoje em dia só se mantém, de certa forma, no PE (Roberts 1993: 418-419). O francês teria sido a primeira das línguas românicas a abandonar a lei Tobler-Mussafia (TM), por volta do ano 1300. As outras também teriam perdido a restrição entre os séculos XV e XVI. E mais uma vez o português se destaca: ele passa a autorizar clíticos em posição inicial de oração a partir do século XVII (Wanner 1991, citado por Fischer 2002: 27). Ainda assim, só no PB.

6

Seu uso na fala culta brasileira está restrito principalmente à língua escrita

e/ou a contextos muito formais (Pagotto 1993: 186).

A colocação pós-verbal do clítico, não tendo sido de todo banida do PB contemporâneo [...], tem o seu uso definido sobretudo por fatores de natureza extralinguística, estando associada, por exemplo, a falantes com um nível mais elevado de escolaridade ou de faixa etária mais elevado, e também aos registros mais formais de comunicação (Lucchesi e Lobo 2005: 309).

Pode se dizer o mesmo da aquisição do clítico acusativo da 3ª

pessoa (o/a) (Nunes 1993: 207, Pagotto 1993: 187). Esse pronome é

geralmente substituído no PB nomeadamente pelo pronome tônico

correspondente ou por um objeto nulo (Ø) (Roberts 1993: 418, Galves 1997:

12-13):

(8) Estratégias do clítico acusativo de 3ª pessoa no PB (Galves 1997: 13)

a. Se tiver muita pressa, eu largo ele num lugar proibido mesmo.

b. O fundo da piscinai deu defeito e tiveram que esvaziar Øi.

O PB também inova nas locuções verbais. Em particular, é comum

que o clítico seja anteposto ao verbo não-finito (colocação impossível no PE)

((9)a), até na presença de fatores atratores de próclise ((9)b) (que provocam

a próclise ao verbo finito no PE). Essa tendência se confirma pelo fato de

que é possível intercalar outros constituintes entre a forma finita e a forma

não-finita ((9)c).

(9) Colocação do pronome nas locuções verbais no PB (Galves 1997: 18)

a. Está se_referindo ao padrão de vida.

b. Essas indústrias novas que estão se_implantando. (PB) / Essas

indústrias novas que se estão a implantar. (PE)

c. Não posso no momento lhe_dar uma resposta.

Além disso, o PB restringiu quase que completamente a subida dos

clíticos (Cyrino 1993: 170), inclusive nas locuções verbais de gerúndio ou de

particípio, onde a subida é obrigatória no PE.

7

(10) Restrição da subida do clítico no PB (exemplos adaptados de Lucchesi e

Lobo (2005: 309))

a. Eu estava lhe_contando a história (PB) / Eu estava-lhe a contar a

história ou Eu estava a contar-lhe a história (PE)

b. Os políticos haviam se_corrompido (PB) / Os políticos haviam-se

corrompido (PE)

c. Vamos nos_encontrar amanhã à tarde (PB) / Vamo-nos encontrar

amanhã à tarde ou Vamos encontrar-nos amanhã à tarde (PE)

Por último, o PB também diverge do PE no que diz respeito à

distribuição dos pronomes clíticos. Desta maneira, quando usado, o clítico

acusativo da 3ª pessoa obedece a outras regras de colocação (Nunes 1993:

207, Galves 1997: 13): não aparece em posição inicial de frase, está

geralmente enclítico ao infinitivo e sobe para o verbo finito nas locuções

verbais de gerúndio ou de particípio (Nunes 1993: 219, Galves 1997: 19).

(11) Distribuição dos pronomes no PB

a. Me chame amanhã. / Te chamo amanhã. / Lhe chamo amanhã. /

*O chamo amanhã. (Nunes 1993: 208)

b. Queria te_ver / Queria vê-lo (Galves 1997: 19)

c. Não o estava vendo / *Não estava o vendo (Galves 1997: 19)

Enfim, o PB tem próclise categórica aos verbos simples (finitos e

não-finitos) e à forma verbal não-finita nas locuções verbais, exceto quando

se trata do clítico acusativo de 3ª pessoa, que obedece a regras de colocação

próprias. A ênclise não faz parte do vernáculo brasileiro mas está presente

(a níveis variáveis) na língua culta, e seu uso está ligado a fatores estilísticos

em vez de sintáticos, ao contrário do que acontece no PE. Isso ajuda a

explicar alguns dos casos de hipercorreção no PB em que se emprega a

ênclise em contextos em que até o PE e a gramática normativa pedem

próclise.

1.4. Panorama histórico

8

No capítulo anterior, pudemos perceber que a colocação dos clíticos

obedece a regras distintas e bem definidas no PE e no PB contemporâneos.

No PE, o pronome pode ser colocado antes ou depois do verbo finito

simples de acordo com o contexto sintático e, na ausência de elementos

causadores de próclise, a ênclise é o padrão de colocação preferido. No PB,

a anteposição do clítico ao verbo finito simples é categórica, e nas demais

línguas românicas, a próclise também é o padrão preferido com verbos

finitos. Em suma, o padrão de colocação neutro no PE é a ênclise e no PB e

nas demais línguas românicas (ainda que por razões diferentes) é a próclise.

Historicamente, os romances antigos também colocavam o clítico

antes ou depois do verbo finito simples conforme o contexto sintático. De

acordo com os dados coletados por Ramsden (1963: 55-111), a posposição

do pronome era predominante quando o verbo estava em posição inicial ou

depois de conjunção coordenativa. Por outro lado, o pronome era

geralmente anteposto na presença de alguns elementos na periferia

esquerda do verbo, a saber: um pronome relativo ou uma conjunção de

subordinação, uma palavra interrogativa ou exclamativa, um advérbio de

negação, alguns advérbios (além dos relativos, interrogativos e negativos),

uma locução adverbial ou um sintagma preposicional ou ainda o sujeito do

verbo. Ainda segundo Ramsden, quando o verbo era precedido de oração

subordinada (desenvolvidas ou reduzidas), podia haver próclise ou ênclise.

Se nos referirmos à descrição do PE que foi dada na seção 1.2,

notamos que o PE parece ser em grande parte o prolongamento lógico da

colocação pronominal do século XIII. Daria para pensar que pouca coisa

mudou no curso da história da língua portuguesa (no que diz respeito à

sintaxe dos clíticos, em todo caso). No entanto, olhando para o passado, é

fácil perceber que as coisas nem sempre foram tão fixas.

Ao longo da história do português, e tal como ocorre nos dias de

hoje (com notável exceção do PB), houve contextos sintáticos de ênclise ou

9

de próclise obrigatória ou majoritária. Esses contextos permaneceram

relativamente estáveis em todas as fases da língua: a ênclise sempre foi

obrigatória em posição inicial (conforme a restrição Tobler-Mussafia) e a

próclise sempre foi majoritária nas orações subordinadas e nas orações

principais cujo verbo era precedido por elementos tais como operadores de

negação, quantificadores, certos advérbios e constituintes focalizados (a que

me referirei doravante como fatores de próclise).

Portanto, é nas orações principais sem fatores de próclise (ou

melhor, nos contextos “neutros”) que as maiores mudanças nos padrões

empíricos de colocação podem ser observadas.

De acordo com os dados de Ana Maria Martins (1994), o português

do século XIII preferia principalmente a ênclise nos contextos neutros.

Seguiu-se um período de maior oscilação entre a ênclise e a próclise, em que

a frequência da próclise foi aumentando progressivamente durante o século

XIV até se tornar majoritária no século XV e praticamente categórica no

século XVI (que é quando o Brasil é descoberto). AM Martins situa a

mudança gramatical que fez com que a ênclise voltasse a ser majoritária nos

contextos neutros no século XVII. Já outros estudiosos, como Charlotte

Galves (Galves, Britto et al. 2005), apontam o século XVIII como o ponto de

viragem a partir do qual o uso da próclise foi diminuindo em favor da

ênclise até esta se tornar obrigatória no PE.

Portanto, a gramática enclítica do PE remonta a um desdobramento

recente na história da língua, bem posterior, em todo caso, à implantação

do português no Brasil. Tanto o PE quanto o PB têm suas origens no

português do século XVI (ainda que os portugueses continuassem a emigrar

para o Brasil durante os séculos seguintes). Em outras palavras, a “próclise

brasileira” teria suas origens na língua do século XVI.

Todavia, da mesma maneira que o PE não é uma mera extensão do

português do século XIII, o PB também inovou em relação à língua do

10

século XVI. Em nenhum outro período da língua, por exemplo, pode-se

colocar o pronome em posição inicial absoluta. Do mesmo modo, a

anteposição do pronome à forma não-finita numa locução verbal também é

uma inovação do PB.

2. A norma culta vs o a norma vernácula

Tal como vimos na seção 1.3, a colocação dos clíticos no PB (tanto

no vernáculo quanto no registro culto oral) é relativamente simples no que

a próclise é praticamente categórica em todos os contextos sintáticos.

As coisas se complicam quando se adentra o domínio da língua

culta escrita e literária. Por razões ligadas ao desenvolvimento demográfico,

cultural e socioeconômico do Brasil desde a época colonial, a norma padrão

em vigor no Brasil se baseia largamente no PE, e há muitas diferenças entre

o vernáculo e o ideal gramatical no qual se baseia o uso culto, que já varia

conforme o indivíduo. A colocação pronominal é uma das mais óbvias e,

sem dúvida, a que mais causou polêmica.

Com o advento da Independência em 1822 e a introdução do

movimento romântico (ufanista e utopista) no Brasil em 1836, o espírito da

época começa a mudar. Antes do romantismo, “[algo] que então aflora na

literatura é inconsciente. Temia-se a pecha de colonial, a implacável férula

dos gramáticos de além-mar [...]” (Silva Neto 1986: 89). Paul Teyssier (1980:

114) diz de José de Alencar (1829-1877) (um dos maiores românticos

brasileiros) que

[...] [sans] jamais prétendre écrire en une langue différente du portugais européen, [il] revendique le droit à une certaine originalité. Ce qu’il refuse, c’est le purisme tatillon ; ce qu’il recherche, c’est une expression originale, authentique et vivante.

Alencar e outros de seus contemporâneos (como Joaquim Manuel

de Macedo e Bernardo Guimarães) foram duramente criticados pelos

11

puristas da língua (portugueses e brasileiros) e “apodados de autores

incorretos, que escreviam mal” (Silva Neto 1986: 212, grifo do autor). Várias

vezes Alencar teve que se defender das acusações de insubordinação

gramatical feitas pelos seus detratores, que condenavam, entre outros, o uso

de neologismos e a anteposição do pronome átono (como é chamado pela

gramática tradicional) quando a norma padrão exigia que ele fosse

posposto. Mas aí é que está: Alencar cuidava em justificar esses “desvios”

com base na língua clássica, como se o fato de serem largamente atestados

no vernáculo não fosse suficiente. Nas palavras de Gladstone Chaves de

Melo,

É importante notar que o grande romântico teve o cuidado de se defender das acusações com o uso clássico e não com o uso popular brasileiro, o que não deixa de ser estranho num campeão da língua brasileira. (Melo, 1971: 28)

Acaba que Alencar (como a maioria dos seus contemporâneos) era

conservador (Teyssier 1980: 114). Mais particularmente no que diz respeito

à colocação pronominal, isso também se revela ser verdade. Ane Schei, em

um trabalho de 2002 em que analisa seis obras brasileiras de escritores

consagrados (inclusive Alencar) publicadas entre 1844 e 18994, observa que

[...] apesar de a colocação pronominal na língua literária brasileira do século XIX já apresentar alguns traços típicos do PB do final do século XX, as diferenças são grandes, e o PB oitocentista se assemelha mais ao PE da mesma época do que ao PB de hoje. (Schei 2002: 83)

O novo modelo enclítico português (como vimos, surgido

provavelmente no século XVIII) se torna padrão, chega ao Brasil junto com

a família real em 1808 e passa a ser veiculado pelo ensino (assumido pelo

Estado depois da Independência) através dos compêndios gramaticais

4 A Moreninha (1844), de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882); Lucíola (1862), de José de Alencar (1829-1877); O Garimpeiro (1872), de Bernardo Guimarães (1825-1884); Memórias de um sargento de milícias (1854), de Manuel Antônio de Almeida (1831-1861); Dom Casmurro (1899) de Machado de Assis (1839-1908) e Inocência (1872), do visconde de Taunay (1843-1899).

12

destinados às escolas que foram surgindo e que num primeiro tempo

seguiam rigorosamente as diretrizes portuguesas (Elia 2003: 144).

Curiosamente, é nesse mesmo período que o vernáculo brasileiro se

consolida na direção oposta (Pagotto e Duarte 2005: 80): isto é, vai

assentando a sua gramática proclítica. Portanto, os locutores cultos estavam

submetidos à pressão simultânea e contraditória do vernáculo e da norma

padrão e só depois da revolução modernista de 1922 (um século depois da

independência política) é que se pôde escrever em “estilo brasileiro”.

Surgida na esteira das vanguardas europeias do início do século

XX, a primeira fase do movimento (iconoclasta e ultranacionalista) desejava

romper com a concepção formalista da arte tradicional e ao mesmo tempo

revolucionar o uso da língua portuguesa na literatura, tornando-a, por fim,

brasileira. Ainda assim, não é possível falar de uma língua literária

brasileira unificada porque a norma padrão continua a influenciar os

escritores em diferentes níveis. De acordo com Paul Teyssier (1980: 166),

[...] si tous les écrivains brésiliens se considèrent désormais libérés de la norme grammaticale traditionnelle, le niveau qu’ils atteignent dans cette libération est très variable. C’est affaire de tempérament individuel, d’option esthétique ou d’origine provinciale. De plus ce sont des artistes, qui font subir à la langue une élaboration littéraire. (o grifo é nosso)

Foi o que Schei pôde constatar na sua tese de doutorado sobre a

colocação pronominal na língua literária brasileira contemporânea,

defendida em 2000. A sueca reuniu um corpus de seis romances de

escritores brasileiros e portugueses e notou que, de fato, não existe um só

modelo de colocação no PB literário do século XX (ao contrário do que

acontece no PE literário), ainda que se possa observar “alguns fenômenos

que deviam ser considerados característicos do PB mas que não são

mencionados nas gramáticas”, embora estas afirmem “que o que descrevem

13

é justamente a língua escrita culta, sobretudo a literária” (Schei 2000: 205 e

209).

Os estudos que se esforçam para descrever a língua culta e literária

brasileira são necessários porque é preciso constituir uma nova base sólida

para o ensino da gramática normativa nas escolas. Mattos e Silva explica

que o ensino gramatical no Brasil “convive [...] com a irrealidade da

idealização gramatical tradicional” (2004: 25) que, segundo ela, “não teve

vez de se implantar efetiva e generalizadamente no Brasil, restringindo-se

apenas a uma minoria economicamente privilegiada e a alguns quantos,

seres excepcionais, que rompem as limitações impostas pelo

desenvolvimento socioeconômico e cultural perverso do Brasil, desde suas

origens coloniais” (2004: 41) (o grifo é nosso).

Trata-se de entender como a norma e o vernáculo interagem na

língua escrita culta e literária e descobrir quais contextos são mais

vulneráveis ou, ao contrário, mais resistentes à influência da norma padrão.

Resumindo, descrever a(s) língua(s) culta(s) e literária(s)

brasileira(s) não é tarefa fácil. Tudo depende do perfil do locutor que, além

do mais, dispõe de relativa liberdade desde que a revolução modernista

abriu caminho para que se pudesse escrever em “estilo brasileiro”.

Entretanto, partindo do pressuposto defendido por Ane Schei de que é

possível discernir ali algumas tendências recorrentes, queremos dar a nossa

contribuição.

Para tal, reunimos um corpus de contos regionalistas pré-

modernistas (que buscam descrever fielmente a essência do povo brasileiro,

sem os artifícios e o sentimentalismo do regionalismo romântico, e nisso

prefiguram o modernismo), que à primeira vista, encarnam perfeitamente

a dicotomia tão brasileira entre o erudito e o popular, o padrão e o

vernáculo, porque, a níveis variáveis segundo o autor, a língua da narrativa

contrasta bastante com a língua do diálogo.

14

Segunda parte: estudo empírico

1. Introdução

O objetivo desta tese é contribuir para a descrição da sintaxe

pronominal na língua literária brasileira. Escolhemos estudar um corpus de

contos regionalistas escritos no fim do século XIX e que podem ser

qualificados de “pré-modernistas”5.

Já vimos que o século XIX é um período interessante por diversas

razões. Em primeiro lugar, é durante o século XIX que o novo modelo

europeu de colocação pronominal se torna padrão e chega às classes

instruídas do Brasil, onde entra em conflito com o vernáculo, que evolui no

sentido contrário. Em segundo lugar, o século XIX é uma época de

mudanças muito importantes no Brasil. Uma delas é a Independência em

1822, que abre caminho para a introdução do Romantismo no país. Esse

movimento “buscava na alma do povo as bases da cultura nacional” (Elia

2003: 137) e por isso visava construir uma literatura que representasse e

valorizasse os modelos brasileiros, por oposição aos modelos clássicos. Foi

daí que surgiu o regionalismo: retrato saudosista e idealizado do povo

brasileiro sob os românticos, essa corrente adota no final do século XIX e no

começo do século XX um enfoque objetivo, crítico, e procura retratar de

maneira fiel a linguagem e os costumes do tipo descrito, prefigurando, de

alguma maneira, o modernismo.

Contudo, nós sabemos que todo esse patriotismo não penetra

verdadeiramente na língua literária até a chegada do movimento

5 A designação “pré-modernista” corresponde a uma exigência antes temática do que necessariamente temporal. Escritores contemporâneos podiam, ou não, prefigurar o modernismo (que pretendia revalorizar o legado nacional e revolucionar o uso da língua na literatura) em suas obras. (Bosi 1966: 11).

15

modernista de 1922, antiacademista e ultranacionalista, e que desejava,

entre outros, revolucionar o uso da língua na literatura, empregando o

vernáculo em vez do padrão lusitanizante.

Portanto, não surpreende que, à primeira vista, pareça haver uma

diferença considerável entre a língua da narrativa e a língua do diálogo nos

contos regionalistas pré-modernistas. Por isso, pensamos que essa corrente

encarnasse perfeitamente a dicotomia erudito/popular, padrão/vernáculo,

que ainda caracteriza (mesmo que a níveis diferentes) a língua culta e

literária brasileira.

Outros estudos já mostraram que não existe um só modelo de

colocação pronominal na língua literária brasileira. Todavia, é possível

discernir tendências recorrentes nos dados empíricos recolhidos, e é o que

esperamos fazer aqui.

Para efeitos de comparação, também cito os achados dos estudos

sobre a sintaxe pronominal da língua literária do século XIX de Schei e de

Marco Antônio Martins, publicados em 2002 e em 2009 respectivamente. O

corpus de Schei era constituído de romances de autores consagrados e

sabidamente conservadores, o de MA Martins, todavia, é composto de

peças de teatro escritas, teoricamente, em vista de serem representadas. MA

Martins supõe então que a fala das personagens nesses textos “mais se

aproxime da língua que caracteriza o que seria o vernáculo do autor” (2009:

108). Como já sugerimos, nosso corpus comporta sobretudo exemplos de

fala monitorada (na narrativa) mas também de fala não-monitorada (no

diálogo), portanto se situaria entre o de Schei e o de MA Martins.

16

2. Metodologia

2.1. O corpus

Extraímos 1.426 frases de três coletâneas de contos regionalistas,

transcritas no software de base de dados Microsoft Access:

Contos amazônicos (1893/2012), de Inglês de Sousa (1853–1918)

Pelo Sertão: Historias e Paizagens (1898), de Affonso Arinos (1868–1916)

Os caboclos (1920/2014), de Valdomiro Silveira (1873–1941)

Cada oração contendo pelo menos um pronome clítico se viu

atribuir um registro individualizado no programa. Em seguida,

procedemos à análise dos dados coletados em função de diferentes critérios

(detalhados nos subcapítulos a seguir):

Os autores

A modalidade discursiva (narrativa/diálogo)

O tipo de oração (principal/subordinada)

A forma verbal (finita/não finita simples ou em locução verbal)

O tempo verbal (futuro do presente ou do pretérito/não futuro)

O tipo de pronome clítico (me/te/o/se/lhe/nos/vos/os/lhes)

A posição do verbo na oração (V1, XV, XXV ou XXXV)

A natureza do constituinte pré-verbal (se houver)

A colocação pronominal

Por último, gostaríamos de chamar a atenção do leitor para dois

fatos: primeiro, que os contos de Os caboclos que fazem parte do corpus

foram escritos entre 1897 e 1906 (apesar de compilados em 1920). Segundo,

que usamos as primeiras edições de Pelo Sertão e de Os caboclos e que

conservamos a sua grafia original.

17

2.2. Critérios de análise

Dado que o PB tem próclise categórica independentemente do

contexto sintático (a saber, o tipo de oração ou o tipo de constituinte pré-

verbal) ou das características morfossintáticas do verbo (finitude, modo e

tempo verbais), os critérios linguísticos que empregamos na nossa análise

provêm em grande parte das restrições do PE para a colocação pronominal.

2.2.1. Os autores

Inglês de Sousa, Afonso Arinos e Valdomiro Silveira tiveram mais

ou menos o mesmo percurso de vida. Nasceram no interior mas pertenciam

a uma camada social elevada e educada, o que fez com que pudessem

prosseguir os estudos na cidade grande. Todos tinham curso superior e

Inglês de Sousa e Afonso Arinos chegaram a integrar a recém-fundada

Academia Brasileira de Letras. Contudo, vale lembrar que Sousa é

originário do Pará, Arinos de Minas Gerais e Silveira do estado de São

Paulo. Isso é interessante porque há razões para acreditar que o PB culto,

“aparentemente homogêneo” (Mattos e Silva 2004: 33), não é tão uniforme

assim. Ainda segundo Rosa Mattos e Silva (2004: 33),

[a] heterogeneidade [do português brasileiro culto] vem sendo mostrada nos estudos comparados das falas dos informantes das cinco cidades onde se aplicou o Projeto NURC6 (Callou, 1992).

2.2.2. Modalidade discursiva

Mas passou de vagar a mão pelas barbas do queixo: pegou no chapéu de couro e na munheca de cutia, fez uma leve mesura, e poz o pé fora da casa: — Home, isto é negocio das mulher, não é p’r’os home’ brigar! (Silveira, p. 11)

6 O projeto NURC (Norma Linguística Urbana Culta) foi criado em 1969 e seu objetivo era descrever a língua usada por falantes cultos (isto é, de nível superior completo) de cinco metrópoles brasileiras (Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre).

18

Também classificamos cada ocorrência de acordo com a

modalidade discursiva, de maneira binária, entre narrativa e diálogo. A

narrativa aqui é toda parte do discurso contada pelo narrador, que pode

participar da história ou não. Nossa definição do diálogo é mais abrangente:

abarca toda fala ou pensamento das personagens e não só a conversação

entre duas pessoas. Geralmente, a narrativa apresenta fragmentos de fala

monitorada (porque é a língua do autor) e o diálogo trechos de fala não

monitorada (porque é aí que se transcreve o dialeto popular ou que se

procura reproduzir a linguagem oral). No prefácio a Os caboclos, Agenor

Silveira (1880-1953), poeta, jornalista e irmão de Valdomiro Silveira,

escreve:

A linguagem em que “Os Caboclos” são escriptos não contém nenhum aggravo ao idioma de Camões, de Bernardes e Vieira, que Valdomiro sempre cultivou com carinho inegualavel; entretanto, nos diálogos, a sua prosa resente-se de um forte pico dialectal, – o que não pode ser por menos, attendendo-se ao escrupulo do escritor em reproduzir o mais fielmente possivel os vicios e modismos que affectaram a lingua-mãe numa zona cuja extensão abrangerá passante de 200.000 kilometros quadrados (metade de S. Paulo, sul de Minas, trechos do Paraná e parte do Rio de Janeiro).

Ao longo desta tese, todos os exemplos ilustrativos estão marcados

com a etiqueta “(narr.)” ou “(diál.)”.

2.2.3. Tipo de oração

Vimos no capítulo 1.4 que a próclise sempre foi majoritária nas

orações subordinadas e que é nas orações principais que ocorreram as

maiores mudanças nos padrões de colocação dos pronomes clíticos durante

a história do português.

19

2.2.3.1. Oração principal

Classifiquei sob a categoria “oração principal” todas as orações não-

dependentes que encontrei no corpus. Fazem parte deste grupo as orações

principais declarativas (afirmativas (12) ou negativas (13)), mas também

interrogativas (totais (14) ou parciais (15))7 e exclamativas (16),

desiderativas (17) e imperativas (18)8 simples (ou “primeiras

coordenadas”), justapostas (ou “segundas coordenadas assindéticas”) ou

coordenadas (ou “segundas coordenadas sindéticas”):

Frases simples (ou “primeira coordenada”):

(12) Ergueu-se a mãe preta. (Sousa, p. 49) (narr.)

(13) —Que prosa á toa, já se viu? Pois eu tambem tenho tido tantos amor’, e não

me esqueço de nem um! Não me esqueço nem me alembro [sic]: isso é que

ê [sic] vantaja [sic]! (Silveira, p. 32) (diál.)

(14) Quer vendê-la? (Sousa, p. 47) (diál.)

(15) Que se ha de fazer? (Arinos, p. 15) (diál.)

(16) E eu lhe quero tanto bem! (Silveira, p. 5) (diál.)

(17) Valha-nos Deus! (Arinos, p. 38) (diál.)

(18) Ora me deixe, branco. (Sousa, p. 37) (diál.)

Frases justapostas (ou “segunda coordenada assindética”):

(19) Encolheu depois os braços, dobrou-os a modo de asas de pássaro [...]

(Sousa, p. 59) (narr.)

(20) Abriam-se porticos giganteos nas fraldas das serranias, arcadas magestosas

se rasgavam, […] (Arinos, p. 86) (narr.)

7 Uma frase interrogativa total, a que se responde por “sim” ou “não”, não contém palavra interrogativa. 8 AM Martins (1994: 16; 85-87) demonstra que o modo imperativo não é um fator de ênclise no português, como acontece nas outras línguas românicas (p. ex., em espanhol: Me besas vs Bésame). Ela explica também que “[no] espaço românico, o imperativo só passa a ter influência na colocação dos clíticos do século XV em diante, com cronologia variável para cada uma das línguas românicas” (AM Martins 1994: 87). Ramsden (1963: 35) lembra, aliás, que o modo verbal não tinha qualquer influência na colocação pronominal das línguas românicas primitivas.

20

Frases coordenadas (ou “segunda coordenada sindética”)

(21) Foi ter com a filha e achou-a nas melhores disposições para o casamento.

(Sousa, p. 57) (narr.)

2.2.3.2. Oração subordinada

Reuni sob o rótulo “oração subordinada” todas as orações

dependentes desenvolvidas (isto é, contendo uma forma verbal finita)

simples (ou “primeiras coordenadas”) ou coordenadas (ou “segundas

coordenadas sindéticas”). Essas orações subordinadas podiam ser

introduzidas por uma conjunção de subordinação ou ainda por um

pronome relativo.

Simples (ou “primeiras coordenadas”):

(22) Hei de conhecer os meios de que se serve. (Sousa, p. 37) (diál.)

(23) —Restos de uma grandeza extincta! que triste fadario vos impelliu ao

casebre mesquinho de quem, por certo, vos não conhece a historia nem o

valor? (Arinos, p. 116) (diál.)

(24) […] carregando, depois, o corpo da desventurada para bem longe, onde um

desses precipicios, cavados pelas enxurradas, recebeu-o no fundo de sua

fauce. (Arinos, p. 77) (narr.)

(25) Os sapatos de couro de bezerro, que se tinham metido ao fundo de uma

caixa, reseccaram de mais, […] (Silveira, p. 59) (narr.)

(26) Parecia-lhe que se moviam os ossos humanos, amontoados a um canto, e

que das cuiambucas corria sangue vivo. (Sousa, p. 38) (narr.)

(27) E o atrevido moço preparava-se para entrar na palhoça, quando a velha,

erguendo-se de um jato, impediu-lhe a passagem. (Sousa, p. 37) (narr.)

Coordenadas (ou “segundas coordenadas sindéticas”):

(28) Um dia que matára a um de brinco, e sa Januaria lh'o censurava entristecida,

[…] (Silveira, p. 82) (narr.)

(29) Não me atente, cabocrinho barato, que eu garro uma vara de cabiúna e lhe

sacudo a poeria [sic] da cacunda! (Silveira, p. 42) (diál.)

21

(30) […] um ruido de reboco que cái das paredes altas e se esfarinha no chão.

(Arinos, p. 22) (narr.)

(31) Foi dar na sala de jantar, onde, pelo rasgão do telhado, pareciam descer

umas formas longas, esvoaçando, e uns vultos alvos, em que por vezes

pastavam chammas rapidas, dançavam-lhe deante dos olhos incendidos.

(Arinos, p. 28) (narr.)

Cabe lembrar aqui que o PC e o PE geralmente têm próclise nas

orações subordinadas. Entretanto, a gramática normativa permite a ênclise

nas orações dependentes se “há palavras intercaladas entre o elemento

subordinante e o verbo, e quando o subordinante é uma das conjunções

porque ou que causal, consecutiva ou integrante [...]” (Schei 2002: 66).

2.2.4. Forma verbal

No PE, o contexto sintático é mais determinante na colocação

pronominal do que as características morfossintáticas do verbo (ao

contrário do que acontece nas demais línguas românicas, que têm próclise

com formas verbais não-finitas independentemente do tipo de oração ou do

tipo de constituinte pré-verbal). No entanto, isso não quer dizer que o grau

de finitude da oração não deva ser levado em conta.

De fato, o PE coloca o pronome clítico antes (ou depois) da forma

finita simples nas orações principais conforme a presença (ou não) de

elementos proclisadores na periferia esquerda do verbo. O mesmo vale (por

alto) para as formas não-finitas simples: dessa maneira, o pronome é

colocado antes do gerúndio simples (não-preposicionado) com fatores

atrativos de próclise e depois do verbo quando não há elementos

proclisadores. Já a colocação com o infinitivo simples (introduzido ou não

por preposição) é mais flexível e também aceita a ênclise nos contextos de

próclise. Nas locuções verbais de gerúndio e de particípio, o pronome (que

é objeto semântico da forma não-finita) é colocado antes ou depois da forma

finita (ou seja, o clítico sobe do verbo mais baixo para o verbo mais alto)

22

também consoante o contexto sintático. Nas locuções verbais, o pronome é

colocado depois da forma finita ou depois do infinitivo nos contextos

“neutros” (em que não há fatores de próclise) e antes da forma finita ou

depois do infinitivo nos contextos de próclise. O pronome nunca é

anteposto à forma não-finita.

Por outro lado, o PB geralmente tem próclise com verbos finitos e

não-finitos simples. Nas locuções verbais, o PB reduziu quase que

completamente a subida do clítico, e o pronome é principalmente colocado

antes da forma não-finita (até quando se trata de um particípio, forma

verbal que nunca hospeda sozinha um pronome clítico no PE).

Por essa razão, também investiguei o impacto da forma verbal no

corpus. Criamos três categorias: forma verbal finita, não-finita simples e

não-finita em locução verbal.

Classifiquei como “formas finitas” os verbos conjugados (com

exceção do infinitivo flexionado) simples que serviam de hóspede para o

pronome clítico:

(32) Pedro ergueu-se surpreso e acanhado [...] (Sousa, p. 23) (narr.)

(33) Um longo soluço despedaçou-lhe a garganta num ai sentido e profundo

[...] (Arinos, p. 29) (narr.)

(34) —Arre! tio Ignacio! Vassuncê mandou que nós viesse ás dez horas, nós aqui

estemo’, e vassuncê nem se mexe! (Silveira, p. 47) (diál.)

As “formas não-finitas simples” são as formas nominais do verbo

no gerúndio e no infinitivo (lembre-se que o particípio simples nunca

hospeda o clítico). Não encontramos exemplos de gerúndio preposicionado

no corpus (também pudera: a construção é rara e arcaica). Há, todavia,

ocorrências de infinitivo simples introduzido ou não por preposição, pelo

que classificamos as formas não-finitas simples que transcrevemos em três

subcategorias: gerúndio (35), infinitivo (36) e preposição + infinitivo (37).

23

(35) Mas quando o sol, adiantando-se na carreira, […] (Sousa, p. 25) (narr.)

(36) O Chico Luis teve que afastar-se. (Silveira, p. 5) (narr.)

(37) […], sem magoal-o. (Arinos, p. 38) (narr.)

Nossa classificação das formas não-finitas em locução verbal é mais

complexa.

Em primeiro lugar, é necessário notar que diferenciamos os

conceitos de “locução verbal” e de “perífrase verbal”. Aqui, “perífrase

verbal” é um grupo verbal constituído de um verbo auxiliar (de tempo, de

aspecto, de modo ou de voz) e de um verbo principal ou lexical (que confere

a função temática ao grupo verbal):

(38) A sua licença estava a esgotar-se. (Sousa, p. 50) (narr.)

(39) […], tanto e de tal geito, que as camaradas chegavam a recommendar-lhe:

[…] (Silveira, p. 13) (narr.)

Para os fins da nossa análise, empregamos o termo “locução verbal”

de duas maneiras. A primeira, lato sensu, abarca todos os grupos de dois

verbos (inclusive as perífrases verbais). A segunda, stricto sensu, só leva em

consideração os grupos verbais compostos por:

uma forma finita e uma forma não-finita no particípio, no gerúndio e no

infinitivo (preposicionado ou não)

de mesmo sujeito

que hospedam um único pronome clítico (ou ainda dois pronomes

contraídos)

quer haja elementos intercalados entre V1 e V2 ou não

(40) Ninguém o podia dizer, […] (Sousa, p. 20) (narr.)

(41) Ia vingar-se. (Silveira, p. 20) (narr.)

(42) Ah! Vocês não me hão de levar assim-assim, não! (Arinos, p. 25) (diál.)

(43) Foi então que o Fernando não pôde mais conter-se: […] (Silveira, p. 9)

(narr.)

(44) […], a Maria Claudina começára, afinal, a vestir-se. (Silveira, p. 59) (narr.)

24

Portanto, não foram consideradas locuções verbais (em sentido

restrito) os grupos compostos por:

duas formas não-finitas

(45) Um tapuio dos lagos, tendo vindo à vila comprar mantimentos, vira-se

perseguido pelos guardas pelos guardas e fora comido por jacarés,

querendo salvar-se a nado. (Sousa, p. 23) (narr.)

e/ou verbos de sujeitos diferentes (inclusive em construções de

subordinação infinitiva com verbos perceptivos ou causativos)

(46) A indignação fez-me ultrapassar os limites da conveniência. (Sousa, p. 30)

(narr.)

(47) Subito, um ruido estranho fel-o estacar, […] (Arinos, p. 23) (narr.)

(48) […], uma ineffavel piedade de si mesmo quasi o fez soluçar […] (Silveira,

p. 80) (narr.)

(49) […], e Pedro, sentado à soleira da porta, preparava-se para caçar papagaios,

limpando uma bela espingarda de dois canos, quando viu adiantar-se para

o seu lado o capitão Fabrício, […] (Sousa, p. 23) (narr.)

(50) Mariquinha sentia a felicidade inundar-lhe a alma, […] (Sousa, p. 47)

(narr.)

(51) […] dormindo com o José num quarto pegado ao do Zeca Estevo,] donde,

noites inteiras, o ouvia roncar […] (Silveira, p. 82) (narr.)

e/ou verbos que hospedavam mais de um pronome clítico ou dois

pronomes não contraídos (principalmente nos grupos contendo um

verbo reflexivo)

(52) Quereis saber a história do donativo que fez o capitão Silvestre para a

guerra contra os senhores ingleses? Posso vos contá-la, […] (Sousa, p. 60)

(narr.)

(53) No dia seguinte, toda a vila de Faro dizia que o capitão adotara uma linda

criança, achada à beira do rio, e que se dispunha a criá-la, como própria,

junto com a sua legítima Aninha. (Sousa, p. 54-55) (narr.)

(54) Vi-o ainda ainda voltar-se com o rosto engelhado numa risada tristissima,

[…] (Arinos, p. 55) (narr.)

(55) E - não me envergonho de contal-o […] (Arinos, p. 122) (narr.)

25

(56) […]: e como visse que o Cabelludo não se apressava a recebel-o […]

(Silveira, p. 76) (narr.)

(57) Pegou numa toalha, deitou-o ao collo e poz-se a lavar-lhe a ferida. (Silveira,

p. 45) (narr.)

e/ou um pronome clítico que não era objeto semântico da forma não-

finita

(58) O Chico Pica-pau deixou-se cair pelo tronco, […] (Silveira, p. 26) (narr.)

Para além disso, todas as locuções verbais (em sentido amplo ou

restrito) foram classificadas em quatro subcategorias:

o V2 está no particípio

(59) […], por onde lhe tivesse vindo a doença triste que faz a mão ficar de vacca

[…] (Silveira, p. 77) (narr.)

(60) […]: tinha-o deixado no chão, […] (Arinos, p. 23) (narr.)

o V2 está no gerúndio

(61) Inté 'tou-me achando meia jarurú! (Silveira, p. 62) (diál.)

(62) Ia levando-as no bolso, […] (Silveira, p. 43) (narr.)

o V2 está no infinitivo

(63) […], quero-lhe dizer uma coisa. (Silveira, p. 83) (diál.)

o V2 está no infinitivo preposicionado

(64) As forças começavam a abandoná-lo, […] (Sousa, p. 40) (narr.)

2.2.5. Tempo verbal

Vimos que, no PE, existe uma distribuição complementar entre a

ênclise e a mesóclise: ambas ocorrem nos mesmos contextos sintáticos (isto

é, na ausência de algum fator de próclise) mas se recorre à mesóclise quando

26

o verbo está no futuro do presente ou no futuro do pretérito e à ênclise nos

outros tempos verbais. Note-se que a mesóclise é inexistente no PB.

Classifiquei todos os verbos conjugados incluídos no corpus em

duas categorias: tempo “futuro” (quando o verbo finito simples ou o V1

finito de uma locução verbal está no futuro do presente ou do pretérito) ou

“não-futuro”.

Tempo verbal “futuro”:

(65) Não vos descreverei o sítio do tenente Ribeiro, […] (Sousa, p. 33) (narr.)

(66) Ninguem vos arrancará dahi. (Arinos, p. 102) (narr.)

(67) […], sabe de certeza que qualquer golpe de açoitera ou uma varada leve a

deixará sem vida, […] (Silveira, p. 65) (narr.)

(68) Ter-se-ia atirado ao rio […]? (Sousa, p. 51) (narr.)

(69) Houve um forte e rapido rumor na estrada; si não fosse tão rapido e tão

forte, poder-se-iam ouvir os gemidos do Zeca Estevo [...] (Silveira, p. 79)

(narr.)

Tempo verbal “não-futuro”:

(70) Reconhecia-se uma mulata honesta, […] (Arinos, p. 76) (narr.)

(71) E foi lha tirando das mãos, […] (Sousa, p. 23) (narr.)

2.2.6. Tipo de pronome clítico

Já dissemos no início deste capítulo que a maioria dos critérios de

análise provinha das regras de colocação do PE porque o PB geralmente tem

próclise independentemente do contexto sintático (ao contrário do PE) ou

das características morfossintáticas do verbo (ao contrário das outras

línguas românicas). Entretanto, este critério em particular foi analisado

porque todos os clíticos não parecem ter a mesma distribuição no PB, ao

contrário do que acontece no PE (Galves 1997: 13).

De acordo com Nunes (1993: 207), os pronomes me/te/se/lhe/nos/vos

não se comportam da mesma maneira que o/a (o autor ainda lembra que o

27

clítico acusativo de terceira pessoa não faz parte do vernáculo brasileiro).

Além disso, o estudo de Schei sobre a língua literária brasileira do século

XX mostrou que o pronome me tinha tendência a aparecer proclítico (Schei

2000: 209).

Portanto, cada entrada do corpus foi etiquetada de acordo o tipo de

pronome clítico (cf. a tabela Tabela 1).

1ª psg 2ª psg 3ª psg 1ª ppl 2ª ppl 3ª ppl

Acusativo me

te

o/a9 nos

vos

os/as

Dativo lhe10 lhes

Reflexivo se se Tabela 1: Pronomes clíticos do português (Castro 2006: 195)

Por razões práticas, só analisamos as frases contendo um único

pronome clítico (72), ou então dois pronomes clíticos contraídos (exemplos

(73) e (74)). Excluímos da análise as frases contendo dois pronomes não

contraídos (exemplos (75) a (78)).

(72) Pois olhe: eu ia te curar pela certa. (Silveira, p. 57) (diál.)

(73) E foi lha tirando das mãos, […] (Sousa, p. 23) (narr.)

(74) Um dia que matára a um de brinco, e sa Januaria lh'o censurava

entristecida, […] (Silveira, p. 82) (narr.)

(75) Quereis saber a história do donativo que fez o capitão Silvestre para a

guerra contra os senhores ingleses? Posso vos contá-la, […] (Sousa, p. 60)

(narr.)

(76) Os olhos injetaram-se-lhe de sangue. (Sousa, p. 24) (narr.)

(77) Ahi, neste quadro grandioso, em que tudo era magestade e pujança na

natureza, deparou-se-nos caminheiro singular, […] (Arinos, p. 110) (narr.)

(78) A' Juruty, porêm, não se lhe dava daquelles medos. (Silveira, p. 13) (narr.)

9 Também estão incluídas as formas adaptadas lo(s)/la(s): “Debalde o dono do sítio tentou dissuadi-lo de tão louco projeto, […]” (Sousa, p. 35) (narr.). A forma no-lo é o resultado da neutralização da última consoante do pronome nos em [l], provocada pela combinação com o clítico acusativo de 3ª pessoa o (Gerlach 2002: 35). Seja dito de passagem, a contração de dois clíticos não faz parte do vernáculo brasileiro (Galves 1997: 13-14). 10 Note-se que o pronome lhe se refere frequentemente à segunda pessoa do discurso no PB (Galves 1997: 13), porque no Brasil se usa geralmente você (uma antiga forma de tratamento gramaticalizada, que se conjuga conforme o paradigma da 3ª pessoa) para se referir à segunda pessoa.

28

2.2.7. Contexto sintático

2.2.7.1. Posição do verbo

Já sabemos que, no PE, a ênclise é o padrão de colocação nas orações

principais e a próclise só ocorre na presença de um fator engatilhador na

periferia esquerda do oração. Por outro lado, o único contexto de ênclise

categórica em toda a história do português (com notável exceção do PB) é

quando o verbo está em posição inicial absoluta de oração.

Com este critério, procuramos analisar o impacto da posição inicial

do verbo para a colocação dos pronomes no nosso corpus. Para isso,

classificamos todas as orações finitas em duas categorias principais: V1

(para verbo em posição inicial de período ou de oração justaposta) ou

XV/XXV/XXXV... para todos os outros casos não V1.

Posição inicial de período

O período é um enunciado que encerra uma ou várias orações. A

oração é um sintagma composto pelo sujeito e pelo predicado (o grupo

verbal e seus modificadores). Para pertencer a esta categoria, o verbo tem

que estar no início da oração simples (ou “primeira coordenada”).

(79) — Ora, bom. Se apagou a luz. (Sousa, p. 49) (diál.)

(80) Perdoe-me a confiança. (Arinos, p. 119) (diál.)

(81) Levantou-se, foi até a porta do terreiro, voltou e sentou-se. (Silveira, p. 2)

(narr.)

Posição inicial de oração ou depois de pausa

Esta categoria reúne as entradas em que o verbo estava em início de

oração justaposta (ou de “segunda coordenada assindética”) a uma oração

principal (82) ou a uma oração subordinada desenvolvida (83) ou reduzida

(84). Também inclui os exemplos em que o verbo estava separado por uma

29

vírgula do constituinte antecedente (uma locução adverbial (85), um

adjetivo em aposição (86), um sintagma preposicional (87), etc.), marcando

uma pausa entoacional.

(82) Apontava a lua com o dedo, deixava-se ficar deitado quando passava um

enterro, não se benzia ouvindo o canto da mortalha, dormia sem camisa,

ria-se do trovão! (Sousa, p. 31) (narr.)

(83) Qando [sic] nós 'tiver suzinho, me abrace e abraço vancê: […] (Silveira, p.

32) (diál.)

(84) Passeando uma tarde na praia do Tapajós, abeirou-se de mim uma cabocla

velha […] (Sousa, p. 26) (narr.)

(85) (à boca pequena, se dizia ser sua filha natural) (Sousa, p. 41) (narr.)

(86) Meio temeroso, chegou a persignar-se: […] (Silveira, p. 54) (narr.)

(87) Na manhã do dia seguinte, entretinha-se o rapaz a fazer uma cerca de varas

no terreiro, […] (Sousa, p. 22) (narr.)

XV (um só constituinte na periferia esquerda da oração, imediatamente

contíguo ao verbo)

(88) Inácio dizia-se portador de notícias frescas. (Sousa, p. 22) (narr.)

(89) Semelhava de longe, na profusão do cascalho claro, onde se destacavam os

seixos escuros, […] (Arinos, p. 74) (narr.)

(90) Que prosa á toa, já se viu? (Silveira, p. 32) (diál.)

XXV

Entram nesta categoria os exemplos contendo dois constituintes

contíguos imediatamente à esquerda do verbo (exemplos (91) a (95)). Ela

também inclui os exemplos em que há um elemento intercalado entre

vírgulas entre o sujeito e o verbo (96), entre a conjunção coordenativa e o

verbo (97) e entre a conjunção de subordinação/pronome relativo e o verbo

(98).

(91) Debalde o dono do sítio tentou dissuadi-lo de tão louco projeto, […]

(Sousa, p. 35) (narr.)

(92) Ah! Vocês não me hão de levar assim-assim, não! (Arinos, p. 25) (diál.)

30

(93) Passou a moça o dia alegre e contente, mas à noite esperava-a uma

decepção horrível. (Sousa, p. 48) (narr.)

(94) Felizmente não estava a Lucinda, presa em Vila Bela por um defluxo

rebelde, que mais a afeava. (Sousa, p. 47) (narr.)

(95) Ora aconteceu, uma vez, que o Bellarmino a descobriu, […] (Silveira, p. 15)

(narr.)

(96) Antônio de Sousa, depois de ter passado toda a manhã muito agitado,

armou-se de um terçado americano […] (Sousa, p. 35) (narr.)

(97) Afagou a cabelleira basta do mulato e, fugindo ao abraço deste, disse-lhe,

[…] (Arinos, p. 72) (narr.)

(98) […] dormindo com o José num quarto pegado ao do Zeca Estevo,] donde,

noites inteiras, o ouvia roncar […] (Silveira, p. 82) (narr.)

XXXV e XXXXV

Similarmente ao que acontece em XXV, incluímos nesta categoria

as entradas contendo três (exemplos (99) e (100)) ou quatro constituintes

contíguos imediatamente à esquerda do verbo. Ela também engloba as

entradas em que há pelo menos um elemento intercalado entre vírgulas

entre o sujeito e o verbo (exemplos (102) e (103)), entre a conjunção

coordenativa e o verbo (exemplos (104) e (105)) e entre a conjunção de

subordinação/pronome relativo e o verbo (exemplos (106) e (107)).

(99) […], em que o pobre só se julgava a salvo do despotismo quando nas mãos

do senhor do engenho, […] (Sousa, p. 21) (narr.)

(100) Porque assim você me engana [...] (Arinos, p. 90) (diál.)

(101) Com effeito! que tambem o mundo não se fez num dia! (Silveira, p. 48)

(diál.)

(102) Anna, puxando-o pelos dedos e fixando nos delle seus grandes olhos

negros, queimados de zelos, perguntou-lhe se não era exacto ter elle dado

umas bichas de ouro á Candinha […] (Arinos, p. 72) (narr.)

(103) A xintan, mal amparada do sol por qualquer moitinha de carrapicho, na

braveza dos sahivás e das tigoéras velhas, toda se encoleriza e arrufa

quando […] (Silveira, p. 65) (narr.)

(104) Deixou errar o olhar sobre a toalha do rio, e um objeto estranho, afetando

a forma de uma canoa, chamou-lhe a atenção. (Sousa, p. 54) (narr.)

31

(105) […] e os cães de guarda, saindo-lhe ao encontro, não o conseguiram

arrancar à profunda meditação em que caíra. (Sousa, p. 36) (narr.)

(106) Não acreditava as murmurações que andavam quentes, desde certo tempo,

na freguezia: que o Zé Saúva, preso à Chiquinha por uma promessa antiga

de casamento, mal se lembrava do compromisso, […] (Silveira, p. 65)

(narr.)

(107) […] o do curandeiro, que, entretanto, mudo e sombrio, se agachára

encostado ao fogão, […] (Silveira, p. 78) (narr.)

Encontramos, aliás, alguns casos de interpolação (isto é, a

interposição de um elemento entre o pronome clítico e o verbo).

Transcrevemos abaixo todos os casos de interpolação detectados no corpus

(note-se que a interpolação sempre ocorre em oração subordinada e o

elemento interpolado é sempre não). Vale lembrar que a interpolação é

inexistente no PB.

(108) […], porque ninguém há em Óbidos que o não conheça, […] (Sousa, p. 33)

(narr.)

(109) As duas companheiras afetavam a maior intimidade e ternura recíproca,

mas o observador atento notaria que Aninha evitava a companhia da outra,

ao passo que esta a não deixava. (Sousa, p. 55) (narr.)

(110) Uma manhã, vinha eu da casa do juiz com as melhores esperanças de êxito,

pois se mostrava crente do direito que assistia meu cliente, e compadecido

da sorte da velha que lhe não deixava a soleira da porta onde dormia.

(Sousa, p. 27) (narr.)

(111) […], só porque o cabra passou por uma porteira e lh'a não conservou

aberta, […] (Silveira, p. 37) (narr.)

(112) […], para que sobrevive e porque a não poz em pedaços um braço robusto

[…]? (Arinos, p. 56) (narr.)

(113) […] extincta! que triste fadario vos impelliu ao casebre mesquinho de

quem, por certo, vos não conhece a historia nem o valor? (Arinos, p. 116)

(diál.)

2.2.7.2. Natureza do constituinte pré-verbal

Não é suficiente determinar se o verbo se encontra em posição

inicial ou não para compreender os padrões de colocação do português.

32

Também é necessário especificar a natureza dos constituintes precedendo o

verbo na oração, se houver.

Os contextos de ênclise obrigatória (verbo em posição inicial de

período) e de próclise obrigatória ou majoritária (presença de operadores

de negação, quantificadores, constituintes focalizados ou palavras

subordinantes à esquerda do verbo) variaram pouco do português antigo

até o PE, e é nas orações principais sem fatores engatilhadores de próclise

que se notam as maiores diferenças. Por exemplo, vários contextos

sintáticos vacilavam entre o uso da próclise e da ênclise no português

clássico11 e hoje têm ênclise obrigatória no PE (os contextos XV em que X é

um sujeito ou um sintagma preposicional, por exemplo). Isso é interessante

porque tanto o PE quanto o PB têm suas origens no PC. Portanto, é possível

que o PB escrito, mais conservador, tenha preservado certas características

do PC.

Nas seções a seguir, examinaremos detalhadamente os tipos de

elementos situados na periferia esquerda da oração encontrados no corpus.

2.2.7.2.1 SN sujeito

Nas orações XV em que X é um sintagma nominal sujeito o PC

podia oscilar entre a próclise a ênclise e o PE tem ênclise obrigatória (Galves,

Britto et al. 2005: 42). O PB, como já é de se esperar, tem próclise.

Schei (2000) e MA Martins (2009) vêm apontando a importância do

tipo de sujeito para a colocação pronominal na língua literária brasileira.

Por isso, especificamos se se tratava de um sujeito nominal ou pronominal

pessoal (incluindo a gente e você e suas variantes dialetais). Além disso,

também etiquetamos os sujeitos quantificados.

11 Gostaríamos de lembrar que sempre houve variação empírica nas orações principais sem fator de próclise, ainda que a certas épocas a ênclise ou a próclise tenham se tornado majoritárias.

33

(114) Quando a moça voltou-se para entrar em casa, o padrinho a observava: […]

(Sousa, p. 46) (narr.)

(115) Se você pega com essas bobagens, eu me vou embora, e já. (Arinos, p. 75)

(diál.)

(116) Os outros tropeiros foram se ajoelhando todos atraz do velho parceiro, […]

(Arinos, p. 43) (narr.)

Também estudamos o impacto da posição do SN sujeito na

colocação pronominal quando há algum outro elemento intercalado entre o

sujeito e o verbo:

(117) A moça, admirada, olhava-o meio de banda. (Silveira, p. 4) (narr.)

(118) […]; eu cá não vou me fiando muito na bocca do povo; […] (Arinos, p. 15)

(diál.)

2.2.7.2.2 Sintagma preposicional (PP)

Nas orações em que o elemento à esquerda do verbo é um sintagma

preposicional o PC podia oscilar entre a próclise a ênclise e o PE tem ênclise

obrigatória (Galves, Britto et al. 2005: 43). O PB tem próclise obrigatória.

(119) De toda parte se levantavam clamores contra o rico e perverso fazendeiro

[…] (Sousa, p. 21) (narr.)

(120) Com pouco lançou-o á aguada, […] (Silveira, p. 20) (narr.) (??)

(121) De cá se ouvia o resfolegar da mulada, […] (Arinos, p. 12) (narr.)

(122) […]; em todo o corpo estendido com o ventre na terra perpassava-lhe ainda

uma crispação de luta; […] (Arinos, p. 30) (narr.)

(123) Nisso surprehendeu-nos um magote de garotos […] (Arinos, p. 55) (narr.)

2.2.7.2.3 Conjunção coordenativa

Nas orações XV em que X é uma conjunção coordenativa o PC

podia oscilar entre a próclise a ênclise e o PE tem ênclise obrigatória (Galves,

Britto et al. 2005: 49). O PB tem próclise categórica.

2.2.7.2.4 Palavra subordinante

Sempre houve próclise nas orações subordinadas no português.

34

Reunimos nesta categoria as orações subordinadas completivas,

relativas, temporais,... introduzidas por uma conjunção de

subordinação/locução conjuntiva ou um pronome relativo.

Também estudamos o impacto da posição do elemento

subordinante na colocação pronominal quando há algum outro elemento

entre a conjunção e o verbo (com ou sem pausa entoacional, assinalada na

tipografia pela presença ou pela ausência de vírgulas).

2.2.7.2.5 Advérbio

Também incluímos na nossa análise o constituinte pré-verbal é um

advérbio:

(124) Só o guiava a luz intermitente dos relâmpagos. (Sousa, p. 39) (narr.)

2.2.7.2.6 Operadores de negação predicativa

O contexto XV em que X é um operador de negação predicativa (por

oposição a um operador de negação sentencial) sempre engatilhou a

próclise (AM Martins 1994: 16).

(125) Debalde o dono do sítio tentou dissuadi-lo de tão louco projeto, não o

conseguiu. (Sousa, p. 35) (narr.)

(126) […], não me afastei enquanto o vapor não levantou ferros […] (Sousa, p.

29) (narr.)

(127) Não me diga isso, nho Fernando! (Silveira, p. 10) (diál.)

Também incluímos nesta categoria a conjunção coordenativa

negada “nem”.

2.2.7.2.7 Quantificadores e sintagmas-Q

Entram nesta categoria as orações em que o constituinte

imediatamente à esquerda do verbo é um quantificador (ou uma expressão

nominal quantificada) ou um sintagma-Q:

35

(128) […], todos me largam ao Deus-dará, […] (Silveira, p. 83) (diál.)

(129) Muita gente me arrepara nesta minha fermosura; (Silveira, p. 101) (diál.)

(130) Que se ha de fazer? (Arinos, p. 15) (diál.)

2.2.7.2.8 Constituintes focalizados

As orações em que o elemento pré-verbal é um constituinte

focalizado sempre tiveram próclise no português.

(131) […], prompta se achava para a defesa. (Arinos, p. 81) (narr.)

(132) […], e duvidoso se fazia o caso do seu recrutamento, […] (Sousa, p. 29)

(narr.)

2.2.7.2.9 Constituintes topicalizados

Trata-se, neste caso, de um constituinte deslocado à esquerda do

verbo e retomado pelo clítico, sem pausa entoacional:

(133) A maior parte do dia passava-o a percorrer a praia, […] (Sousa, p. 30) (narr.)

(134) A primeira revelação desse sentimento teve-a Mariquinha no despeito intenso

causado […]

2.2.8. Colocação pronominal

2.2.8.1. Com formas verbais simples

2.2.8.1.1 Ênclise (V_cl)

(135) Arranjou-se o tajá… e foi uma vez a Joaninha Sapateira. (Sousa, p. 49) (diál.)

2.2.8.1.2 Próclise (cl_V)

(136) Eu bem que fazia os impossiveis p'ra lhe agradar, […] (Silveira, p. 55) (diál.)

2.2.8.1.3 Mesóclise

(137) Amal-o-ia? (Arinos, p. 92) (narr.)

36

2.2.8.2. Locução verbal

2.2.8.2.1 Próclise à forma finita (cl_V1 V2)

(138) Não se pode duvidar. (Sousa, p. 49) (diál.)

(139) Sem que nunca a tivessem visto verter uma lágrima, Aninha tinha um ar

tristonho [...]. (Sousa, p. 55) (narr.)

(140) Uma espécie de cansaço geral dos órgãos parecia que lhe ia tirando pouco

a pouco a energia da vida. (Sousa, p. 56) (narr.)

(141) —Olhe, seu Ribeirinho – disse-lhe o capitão –, é se ela muito bem quiser,

porque não a quero obrigar. (Sousa, p. 57) (diál.)

(142) (O fatalismo do amazonense o convencera) de que não se poderia arrancar

à irreparável desgraça (que o abatia). (Sousa, p. 26) (narr.)

(143) As canoas que os deviam conduzir para o paquete estavam prontas. (Sousa,

p. 28) (narr.)

(144) Já 'tá no outro mundo, agora me quiz apparecer no corpo daquella angola,

[…] (Silveira, p. 26) (diál.)

(145) Não me vá deixar a pé nesta campanha, viu? (Silveira, p. 54) (diál.)

(146) Ah! Vocês não me hão de levar assim-assim, não! (Arinos, p. 25) (diál.)

2.2.8.2.2 Ênclise à forma finita (V1_cl V2) ou Próclise à

forma não-finita (V1 cl_V2)

Nossa maior dificuldade foi distinguir a ênclise à forma finita da

próclise à forma não finita. Os casos inequívocos de próclise à V2 são aqueles

que contêm algum elemento intercalado entre V1 e cl_V2 (cf. (147) e (148))

ou algum fator desencadeador de próclise na periferia esquerda do verbo

(neste último caso, não se tem ênclise a V1 no português – Martins (2009:

129)). Classificamos os exemplos que não continham nenhum elemento

desambiguizador sob a rubrica única “V1clV2”12 (cf. exemplos (149) e (150)).

(147) Antônio, surpreendido pelo ataque, mal teve tempo de desviar o corpo, e

foi logo se encostar à parede, […] (Sousa, p. 38) (narr.)

12 Esses critérios não foram aplicados às locuções verbais de particípio porque, historicamente, o clítico nunca se junta ao particípio no português (mais uma vez, o PB é a notável exceção).

37

(148) Soltou umas duas baforadas e veio de novo se sentar ao pé da rede. (Sousa,

p. 49) (narr.)

(149) Os outros tropeiros foram se ajoelhando todos atraz do velho parceiro, […]

(Arinos, p. 43) (narr.)

(150) […], quero-lhe dizer uma coisa. (Silveira, p. 83) (diál.)

Além disso, pareceu-nos algumas vezes que as convenções

tipográficas alinham a colocação natural brasileira (isto é, a próclise à forma

não-finita) ao padrão mais próximo (a ênclise à forma finita) que, por sua

vez, é aceito pela gramática. Dessa maneira, a maioria dos casos aparentes

de ênclise à forma finita nas locuções verbais de gerúndio provêm da língua

popular reproduzida nos diálogos por Valdomiro Silveira, também em

contextos que deveriam ter engatilhado a próclise à forma finita (ver, mais

especificamente, os exemplos (151), (152) e (153) abaixo):

(151) Não sei o que é que 'tá-me faltando, mas porêm 'tá-me faltando argûa [sic]

coisa! (Silveira, p. 62) (diál.)

(152) […], que eu vou-me arrastando mais de vagarzinho, […] (Silveira, p. 63)

(diál.)

(153) Inté 'tou-me achando meia jarurú! (Silveira, p. 62) (diál.)

(154) Os outros dois inda 'tão na fror da edade, 'tão-se acocorando, […] (Silveira,

p. 88) (diál.)

(155) Pois antão inté você, meu filho, 'tá-me pondo de banda? (Silveira, p. 83)

(diál.)

(156) (§) E foram-se amontoando a um canto do rancho, […] (Arinos, p. 16) (narr.)

(157) No mais, o serviço ia-se fazendo […] (Arinos, p. 6) (narr.)

(158) […], depois de ter-se ocupado quase toda a manhã de Mariquinha, […]

(Sousa, p. 45) (narr.)

(159) Quando Lourenço chegara, havia-se acabado de servir café às pessoas

presentes. (Sousa, p. 50) (narr.)

(160) Não sei o que é que 'tá-me faltando, […] (Silveira, p. 62) (diál.)

2.2.8.2.3 Mesóclise à forma finita

(161) Ter-se-ia atirado ao rio […]? (Sousa, p. 51) (narr.)

(162) Si tivesse olhado, […], ter-se-iam os seus olhos encontrado com outros, […]

(Silveira, p. 69) (narr.)

38

2.2.8.2.4 Ênclise à forma não-finita (V1 V2_cl)

(163) Meio temeroso, chegou a persignar-se: […] (Silveira, p. 54) (narr.)

3. Resultados

3.1. Formas finitas

3.1.1. Não-futuro

Começamos com a análise dos verbos finitos simples, conjugados

num tempo que não o futuro do presente ou o futuro do pretérito (já vimos

que com esses tempos, no PE, a próclise alterna com a mesóclise, e não com

a ênclise). Os dados na Tabela 2 mostram que a ênclise e a próclise aparecem

com verbos finitos simples. A próclise é um pouco mais frequente do que a

ênclise em Sousa e em Silveira, e essa relação se inverte com Arinos mas, de

todas as maneiras, há um equilíbrio entre as duas.

Já podemos entender que a língua do corpus é diferente do PB

porque não tem próclise categórica, e diferente de outras línguas românicas

(como o espanhol, o francês ou o italiano) em que a colocação do pronome

depende exclusivamente das características morfossintáticas do verbo (cf.

1.1) porque a forma verbal sozinha não determina a posição do clítico.

Presumivelmente, é o contexto sintático que vai determinar a preferência

pela ênclise ou pela próclise, como acontece no PE.

Ênclise Próclise

Sousa 151/317 (48%) 166/317 (52%)

Silveira 156/328 (48%) 172/328 (52%)

Arinos 148/288 (51%) 140/288 (49%)

Total 455/933 (49%) 478/933 (51%) Tabela 2: Ênclise e próclise nas orações finitas por autor

(χ2 =; df =; p =)

39

De fato, é o que acontece: nas orações principais, a ênclise é

predominante (ocorre em 75% dos casos), enquanto a próclise é

praticamente categórica nas orações subordinadas (ocorre em 97% dos

casos):

Ênclise Próclise

Oração principal 443/590 (75%) 147/590 (25%)

Oração subordinada 12/343 (3%) 331/343 (97%)

Total 455/933 (49%) 478/933 (51%) Tabela 3: Ênclise e próclise nas orações finitas por tipo de oração

(χ2 =; df =; p =)

A oração subordinada sempre foi um contexto de próclise no

português. Já a colocação pronominal nas orações principais está sujeita a

outros fatores: a saber, a posição do verbo e a natureza do constituinte pré-

verbal (se houver).

3.1.1.1. Oração principal

No nosso corpus, a ênclise é majoritária nas orações principais:

ocorre em 443 dos 590 exemplos recolhidos. Já sabemos que o PE tem ênclise

obrigatória nas orações principais sem fator engatilhador de próclise. Em

fases anteriores da língua, esses mesmos contextos podiam oscilar entre a

ênclise e a próclise – exceto quando o verbo se encontrava em posição

inicial, único contexto de ênclise obrigatória em toda a história do

português (com notável exceção do PB, que autoriza a próclise nessa

posição).

Ênclise Próclise

Sousa 143/190 (75%) 47/190 (25%)

Silveira 155/209 (74%) 54/209 (26%)

Arinos 145/191 (76%) 46/191 (24%)

Total 443/590 (75%) 147/590 (25%) Tabela 4: Ênclise e próclise nas orações principais por autor

(χ2 =; df =; p =)

40

Nosso exame empírico revelou que a posição inicial do verbo é um

fator determinante para a escolha da ênclise também para os nossos autores.

Dessa maneira, os contextos V1 têm ênclise em 97% dos casos e próclise nos

3% restantes. Quando o verbo se encontra em qualquer outra posição na

oração, a relação entre a ênclise e a próclise se equilibra consideravelmente:

o pronome se coloca depois do verbo em 64% dos casos e antes dele nos

outros 36% (cf. o Gráfico 1).

Gráfico 1: Ênclise e próclise nas orações principais conforme a posição do verbo

Trata-se agora de verificar precisamente o impacto da natureza do

constituinte pré-verbal para a colocação dos pronomes. No corpus, 386

orações principais continham pelo menos um elemento na periferia

esquerda do verbo. Destas 394, o elemento precedendo o verbo não estava

em aposição em 333 ocorrências.

Ênclise Próclise

Conjunção coordenativa e elementos discursivos

54/57 (95%) 3/57 (5%)

Constituinte topicalizado 2/2 (100%) 0/2 (0%)

SN sujeito 133/169 (79%) 36/169 (21%)

Sintagma preposicional (PP) 7/13 (54%) 6/13 (46%)

Operador de negação predicativa 0/42 (0%) 42/42 (100%)

Advérbio 0/27 (0%) 27/27 (100%)

Quantificador ou sintagma-Q 1/19 (5%) 18/19 (95%)

197

246

7

140

0

50

100

150

200

250

300

V1 XV, XXV, XXXV…

ênclise V_cl

próclise cl_V

41

Constituinte focalizado 0/4 (0%) 4/4 (100%)

Total 197/333 (59%) 136/333 (41%) Tabela 5: Ênclise e próclise nas orações principais por tipo de constituinte pré-verbal

Logo de cara, nossos dados mostram que os tipos de constituintes

pré-verbais formam três grandes grupos: os que têm ênclise praticamente

categórica (verbo em posição inicial, verbo precedido por uma conjunção

coordenativa, um elemento discursivo ou um constituinte topicalizado), os

que têm próclise praticamente categórica (verbo precedido por um

operador de negação predicativa, um advérbio, um quantificador ou

sintagma-Q ou um constituinte focalizado) e os que oscilam entre a próclise

e a ênclise (verbo precedido por um SN sujeito ou por um sintagma

preposicional). Nas seções seguintes, vamos pormenorizar esses contextos.

3.1.1.1.1 Contextos de ênclise (quase) categórica

3.1.1.1.1.1 Verbo em posição inicial

A próclise com verbo em posição inicial é praticamente casual:

ocorre em apenas 7 (ou 3%) dos 204 casos de verbo em posição inicial que

encontramos no corpus (cf. Tabela 6). Também não notamos qualquer

diferença significativa entre os contextos em que o verbo se encontra no

início de um período (ou melhor, da “primeira coordenada”), no início de

uma oração justaposta a outra oração (principal ou subordinada) (ou

“segunda coordenada assindética”) ou quando o verbo está separado do

constituinte antecedente (uma locução adverbial, um sintagma

preposicional, etc.) por uma vírgula.

Ênclise Próclise

Sousa 42/45 (93%) 3/45 (7%)

Silveira 89/92 (93%) 3/92 (7%)

Arinos 66/67 (99%) 1/68 (1%)

Total 197/204 (97%) 7/204 (3%) Tabela 6: Ênclise e próclise com V1 por autor

Ênclise Próclise

42

V1 de período 86/88 (98%) 2/86 (2%)

V1 de oração ou depois de pausa 111/116 (96%) 5/116 (4%)

Total 197/204 (97%) 7/204 (3%) Tabela 7: Ênclise e próclise por tipo de V1

É no diálogo que encontramos as únicas ocorrências de próclise

com verbo em posição inicial de período, como mostram os exemplos (164)

e (165):

(164) Me dê já meio martello de pinga: […] (Silveira, p. 39) (diál.)

(165) Ora, bom. Se apagou a luz. Mas não faz mal, já está amanhecendo. (Sousa,

p. 49) (diál.)

Todas as outras ocorrências de próclise têm lugar com orações

justapostas a orações subordinadas (e, ainda assim, só no diálogo) (cf.

exemplos (166), (167) e (168)) e quando o verbo está separado do

constituinte anterior por uma vírgula (uma locução adverbial (169) ou um

PP (170))

(166) Qando [sic] nós 'tiver suzinho, me abrace e abraço vancê: […] (Silveira, p.

32) (diál.)

(167) [...] Si não [tivesse], lhe afianço que home' nem um não era capaz de berrar

mais grosso do que eu! (Silveira, p. 38) (diál.)

(168) Quando ia querendo pegar no sono, me vinha á mente alguma que pudesse

succeder a sô Manuel. (Arinos, p. 33) (diál.)

(169) (à boca pequena, se dizia ser sua filha natural) (Sousa, p. 41) (narr.)

(170) Numa palhoça miserável, na narrativa de pessoas dignas de toda a

consideração, se passavam as cenas estranhas que firmaram a reputação da

antiga caseira do vigário. (Sousa, p. 36) (narr.)

3.1.1.1.1.2 Verbo precedido por uma conjunção coordenativa ou

elemento discursivo

Quando o verbo é diretamente precedido por uma conjunção

coordenativa (ou por uma partícula expletiva), há ênclise em 54 (ou 95%)

dos 57 casos detectados no corpus (cf. a Tabela 8).

Ênclise Próclise

43

Sousa 19/20 (95%) 1/20 (5%)

Silveira 20/21 (95%) 1/21 (5%)

Arinos 15/16 (94%) 1/16 (6%)

Total 54/57 (95%) 3/57 (5%) Tabela 8: Ênclise e próclise com conjunção coordenativa ou elemento discursivo por autor

Na maioria das vezes, a conjunção em questão é “e”, única de que

dispomos de dados suficientes e que demonstra uma tendência quase que

categórica para a ênclise (cf. o Gráfico 2 abaixo).

Gráfico 2: Ênclise e próclise por tipo de conjunção coordenativa

Encontramos três casos de próclise com conjunção coordenativa:

um com a aditiva “e” (171), outro com a explicativa “pois” (172) e um último

com a adversativa “ora” (173).

(171) Um grande organismo tomba e se decompõe […] (Arinos, p. 54) (narr.)

(172) […], vinha eu da casa do juiz com as melhores esperanças de êxito, pois se

mostrava crente do direito que assistia ao meu cliente, […] (Sousa, p. 27)

(narr.)

(173) [...] (Vacê tambem não tem o mesmo pensar? § A aberta, que fez para o

Fernando, fechou-se logo: §) Ora me falaram, nho Fernando, […] (Silveira,

p. 10) (diál.)

As duas ocorrências com partículas expletivas (ou “elementos

discursivos”) tinham ênclise (cf. exemplos (174) e (175)):

46

4

0 1 11 0 1 1 00

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

e mas ora pois por isso

ênclise V_cl

próclise cl_V

44

(174) Ora deixe-se de tolices… (Sousa, p. 24) (diál.)

(175) Pois vá-se embora, coisa á tôa, corra a sorte rio abaixo! (Silveira, p. 20) (diál.)

Por via das dúvidas, também analisamos as orações coordenadas

XXV em que havia algum elemento intercalado entre vírgulas entre a

conjunção e o verbo (a que demos o nome deliberadamente vago de

“aposição”). Todos os seis casos encontrados também tiveram ênclise (cf.

exemplos (176) a (180)):

(176) Esgotados os meios brandos, Antônio de Sousa perdeu a cabeça, e,

exasperado pelo sorriso horrendo da velha, pegou-a por um braço e,

usando toda a força do seu corpo robusto, arrancou-a dali […] (Sousa, p.

37) (narr.)

(177) Lourenço, assim se chamava o rapaz, fora em pequeno estudar no

Maranhão, e, de lá voltando, empregara-se na alfândega do Pará. (Sousa,

p. 43) (narr.)

(178) O arrieiro voltou-se, depois de ter murmurado as palavras de esconjuro, e,

cerrando a porta de fóra, espencou-a com firmeza. (Arinos, p. 19) (narr.)

(179) A estrada corre á meia encosta e, de um lado e de outro, vê-se a natureza

convulsionada; […] (Arinos, p. 102) (narr.)

(180) Afagou a cabelleira basta do mulato e, fugindo ao abraço deste, disse-lhe,

[…] (Arinos, p. 72) (narr.)

3.1.1.1.1.3 Verbo precedido por um constituinte topicalizado

Os dois casos em que o elemento imediatamente à esquerda do

verbo era um constituinte topicalizado tinham ênclise. Mais

especificamente, o fenômeno atestado nos exemplos (181) e (182) é chamado

na literatura de “deslocação à esquerda clítica” porque o objeto direto

aparece em posição pré-verbal e é retomado por um clítico:

(181) A maior parte do dia passava-o a percorrer a praia, […] (Sousa, p. 30) (narr.)

(182) A primeira revelação desse sentimento teve-a Mariquinha no despeito

intenso causado […] (Sousa, p. 45)

45

3.1.1.1.2 Contextos de próclise (quase) categórica

3.1.1.1.2.1 Verbo precedido por um operador de negação

Nas orações em que o verbo é diretamente precedido por um

operador de negação predicativa não ou nem, a próclise é categórica em

todos os autores:

Ênclise Próclise

Sousa 0/14 14/14

Silveira 0/20 20/20

Arinos 0/8 8/8

Total 0/42 (0%) 42/42 (100%) Tabela 9: Ênclise e próclise com operador de negação predicativa (não e nem) por autor

Este contexto sintático sempre teve próclise categórica em toda a

história do português.

3.1.1.1.2.2 Verbo precedido por um advérbio

Todos os advérbios contíguos à esquerda do verbo tinham próclise

no corpus.

Ênclise Próclise

Sousa 0/11 11/11

Silveira 0/13 13/13

Arinos 0/3 3/3

Total 0/27 27/27 Tabela 10: Ênclise e próclise com advérbio por autor

Fazem parte desta amostra os advérbios de focalização (só, até,

também), de aspecto ou de modo (já, ainda, mal, bem, assim), de modalização

discursiva (talvez), de negação (nunca). ...

3.1.1.1.2.3 Verbo precedido por sintagma-Q ou por um

quantificador

Praticamente todos os nossos exemplos em que o constituinte pré-

verbal era um sintagma-Q ou um quantificador (ou uma expressão nominal

46

quantificada) tinham próclise. A única exceção à tendência é (197), em que

o quantificador “todas” tem uma leitura de grupo (não distribucional) que

autoriza a ênclise. Transcrevemos a seguir todos os casos com sintagma-Q

(em orações interrogativas (183)-(185), exclamativas (186) e optativas (187),

(188)) e com quantificadores (exemplos (189) a (197))

Ênclise Próclise

Sousa 1/6 (17%) 5/6 (83%)

Silveira 0/7 (0%) 7/7 (100%)

Arinos 0/6 (0%) 6/6 (100%)

Total 1/19 (5%) 18/19 (95%) Tabela 11: Ênclise e próclise com quantificador ou sintagma-Q por autor

(183) […] - quem o sabe? - […] (Arinos, p. 120) (narr.)

(184) […] extincta! que triste fadario vos impelliu ao casebre mesquinho de

quem, por certo, [vos não conhece a historia nem o valor?] (Arinos, p. 116)

(narr.)

(185) Que nos importa que seja deputado o cônego Siqueira ou o doutor Danim?

(Sousa, p. 42) (narr.)

(186) Em que miserando estado a encontrara! (Sousa, p. 26) (narr.)

(187) O Carmo que se queimasse! (Silveira, p. 67) (narr.)

(188) Que se queixassem os outros da avareza da estação. (Sousa, p. 18) (narr.)

(189) […], mas logo alguem lhes impoz silencio, […] (Arinos, p. 41) (narr.)

(190) […], ninguem lhe queria, a não ser a Sabiá: […] (Silveira, p. 66) (narr.)

(191) […], pois nada mais a prendia áquella terra. (Arinos, p. 78) (narr.)

(192) […], todos me largam ao Deus-dará, […] (Silveira, p. 83) (diál.)

(193) Ninguem vos arrancará dahi. (Arinos, p. 102) (narr.)

(194) A xintan, mal amparada do sol por qualquer moitinha de carrapicho, na

braveza dos sahivás e das tigoéras velhas, toda se encoleriza e arrufa

quando […] (Silveira, p. 65) (narr.)

(195) Ûa [sic] me engeita, não é? (Silveira, p. 66) (diál.)

(196) Toda ela se maltratava, […] (Sousa, p. 59) (narr.)

(197) Todos os pesares da moça desvaneceram-se de súbito, […] (Sousa, p. 48)

(narr.)

3.1.1.1.2.4 Verbo precedido por um constituinte focalizado

47

Encontramos quatro exemplos com constituinte focalizado no

corpus, e todos têm próclise (tendência que também se verifica nos dados

de MA Martins (2009: 151-152)):

(198) Se o delegado o não enviara por aquele vapor, fora certamente por não

haver ainda jurado bandeira, e duvidoso se fazia o caso do seu

recrutamento, em face dos fundamentos do habeas corpus requerido.

(Sousa, p. 29) (narr.)

(199) […]; mas, com o busto inclinado para deante e os dedos das mãos

recurvados como garras, prompta se achava para a defesa. (Arinos, p. 81)

(narr.)

(200) Entretanto, pouco lhe durou tão doce fé. (Silveira, p. 70) (narr.)

(201) Novo estampido se ouviu. (Arinos, p. 81) (narr.)

3.1.1.1.3 Contextos de variação próclise/ênclise

3.1.1.1.3.1 Verbo precedido por um SN sujeito

Hoje em dia, o PE tem ênclise obrigatória com um SN sujeito pré-

verbal (ainda que a próclise fosse predominante). No PC, contudo, esse era

um contexto de variação empírica.

Ênclise Próclise

Sousa 60/68 (88%) 8/68 (12%)

Silveira 32/40 (80%) 8/40 (20%)

Arinos 41/61 (67%) 20/61 (33%)

Total 133/169 (79%) 36/169 (21%) Tabela 12: Ênclise e próclise com SN sujeito por autor

Outros estudos mostraram que o tipo de sujeito (nominal ou

pronominal) influencia a colocação pronominal no PB literário do século

XIX. Na medida do possível (nossos dados são por vezes escassos), essa

tendência se confirma no corpus:

Ênclise Próclise

Sujeito nominal 125/153 (82%) 28/153 (18%)

Sujeito pronominal pessoal 8/16 (50%) 8/16 (50%)

Total 133/169 (79%) 36/169 (21%) Tabela 13: Ênclise e próclise por tipo de sujeito (nominal ou pronominal)

48

3.1.1.1.3.2 Verbo precedido por um sintagma preposicional

As orações com verbo precedido por um sintagma preposicional

(PP) podiam oscilar entre a próclise e a ênclise no PC (ainda que a próclise

fosse predominante). Hoje, no PE, esse é um contexto de ênclise obrigatória.

No nosso corpus, nós também constatamos que não há um só padrão de

colocação para esta categoria:

Ênclise Próclise

Sousa 1/4 (25%) 3/4 (75%)

Silveira 2/3 (67%) 1/3 (33%)

Arinos 4/6 (67%) 2/6 (33%)

Total 7/13 (54%) 6/13 (46%) Tabela 14: Ênclise e próclise com sintagma preposicional (PP) por autor

De fato, tanto a ênclise quanto a próclise aparecem nos dados

empíricos (cf. os exemplos (202)-(208) e (209)-(214), respectivamente).

Seguem abaixo todas as ocorrências de PP em posição pré-verbal

encontradas no corpus:

Casos de ênclise com PP pré-verbal:

(202) […]; em todo o corpo estendido com o ventre na terra perpassava-lhe ainda

uma crispação de luta; […] (Arinos, p. 30) (narr.)

(203) Com pouco lançou-o á aguada, […] (Silveira, p. 20) (narr.)

(204) Com poucos passos mais achou-se em uma rua, […] (Sousa, p. 53) (narr.)

(205) Das orelhas pendiam-lhe os brincos grandes, […] (Arinos, p. 67) (narr.)

(206) Nisso surprehendeu-nos um magote de garotos […] (Arinos, p. 55) (narr.)

(207) No rosto de Maria Claudina espalhou-se logo uma doce satisfacção: […]

(Silveira, p. 60) (narr.)

(208) Sua cabelleira preta e encrespada sustentava um leve chapéo de palha de

burity, e da ilharga esquerda pendia-lhe um grosso e pesado facão, […]

(Arinos, p. 69) (narr.)

Casos de próclise com PP pré-verbal:

(209) […], não por leviandade o menciono. (Sousa, p. 34) (narr.)

(210) As aningas da beirada deixam cair no lago as folhas de diversas cores, e em

alguns lugares o escondem completamente. (Sousa, p. 45) (narr.)

49

(211) De cá se ouvia o resfolegar da mulada, […] (Arinos, p. 12) (narr.)

(212) De cá se via a fila dos barrotes […] (Arinos, p. 39) (narr.)

(213) De toda parte se levantavam clamores contra o rico e perverso fazendeiro

[…] (Sousa, p. 21) (narr.)

(214) O Cabelludo, porêm, tirára com a mão esquerda o lampeão de azeite, de

um mancebo ao meio da casa, e com a direita lhe examinava suavemente

as faces, […] (Silveira, p. 77) (narr.)

Como se sabe, o PB tem próclise categórica independentemente do

contexto sintático. Portanto, é difícil dizer se a variação atestada no nosso

corpus é devida a uma influência “vestigial” do PC ou se já é uma

manifestação da gramática do PB.

3.1.1.2. Oração subordinada

A próclise sempre foi o padrão de colocação nas orações

subordinadas em todas as fases da língua. Portanto, não nos surpreende

que a ênclise só apareça em 12 (ou 3%) dos 343 exemplos recolhidos no

corpus. Todos os casos de ênclise que analisamos tinham um ou mais de

um elemento intercalado entre a palavra subordinante (uma conjunção

subordinativa ou um pronome relativo, conforme explicamos na seção

2.2.7.2.4) e o verbo, mas não é só isso: metade das orações subordinadas com

ênclise são introduzidas por uma conjunção temporal (enquanto ou quando).

Isso é interessante porque Schei (2000: 209), em seu trabalho sobre o PB

literário do século XX, também observou essa mesma tendência. Vale

lembrar que o PE permite que haja ênclise nas subordinadas em alguns

casos restritos: a saber, nas completivas com verbo no indicativo, nas

orações consecutivas e em algumas construções com clivagem (Martins

2013: 39).

Ênclise Próclise

Sousa 8/127 (6%) 119/127 (94%)

Silveira 1/119 (1%) 118/119 (99%)

Arinos 3/97 (3%) 94/97 (97%)

50

Total 12/343 (3%) 331/343 (97%) Tabela 15: Ênclise e próclise em oração subordinada por autor

(215) […], cujos carocinhos rubros avivam-lhes a cor dos lábios. (Sousa, p. 45)

(narr.)

(216) […], enquanto Mariquinha ralava-se de ciúmes e de raiva, […] (Sousa, p.

48) (narr.)

(217) […], Jerônimo Ferreira começou a notar que a sua filha adotiva ausentava-

se da casa frequentemente, […] (Sousa, p. 56) (narr.)

(218) […], p'ra ver como a missa vai-se embora, […] (Silveira, p. 62) (diál.)

(219) Quando a moça voltou-se para entrar em casa, […] (Sousa, p. 46) (narr.)

(220) Quando o pai chegava-se a ela e […] (Sousa, p. 56) (narr.)

(221) Seriam 10 horas da manhã quando a comitiva atravessou a linda campina

que se estende diante do cemitério, e internou-se nas matas que cercam a

pitoresca Vila Bela. (Sousa, p. 44) (narr.)

(222) Quando nas contradanças a moça embalava brandamente os quadris de

mulher feita e os seios túrgidos tremiam-lhe na valsa, um murmúrio

lisonjeiro enchia a casa […] (Sousa, p. 41) (narr.)

(223) Foi dar na sala de jantar, onde, pelo rasgão do telhado, pareciam descer

umas formas longas, esvoaçando, e uns vultos alvos, em que por vezes

pastavam chammas rapidas, dançavam-lhe deante dos olhos incendidos.

(Arinos, p. 28) (narr.)

(224) E o atrevido moço preparava-se para entrar na palhoça, quando a velha,

erguendo-se de um jato, impediu-lhe a passagem. (Sousa, p. 37) (narr.)

(225) […] carregando, depois, o corpo da desventurada para bem longe, onde um

desses precipicios, cavados pelas enxurradas, recebeu-o no fundo de sua

fauce. (Arinos, p. 77) (narr.)

(226) Foi dar na sala de jantar, onde uma mesa escura e de rodapés torneados,

cercada de bancos esculpidos, estendia-se, vasia [sic] e negra. (Arinos, p.

20) (narr.)

3.2. Formas não-finitas

Nossa análise das formas não-finitas é um tanto limitada: por

questões de espaço, decidimos nos concentrar no tipo de forma não-finita,

sem pormenorizar o contexto sintático em que ocorrem.

Começamos com as formas não-finitas simples. Pudemos observar

que o gerúndio simples tem ênclise na grande maioria dos casos (em 85 de

51

86 ocorrências), muito provavelmente porque quase sempre ocorre em

posição inicial (o único contexto constante de ênclise obrigatória em toda a

história do português). Também notamos que as taxas de próclise com o

infinitivo preposicionado são mais elevadas do que com o infinitivo não-

introduzido por preposição, e que o tipo de preposição influencia a

colocação do pronome: “a” sempre tem ênclise no corpus, enquanto “de” e

“para” oscilam entre a próclise e a ênclise.

Ênclise Próclise

Gerúndio 85/86 (99%) 1/86 (1%)

Infinitivo 16/20 (80%) 4/20 (20%)

Preposição + infinitivo 39/65 (60%) 26/65 (40%)

Total 140/171 (82%) 31/171 (18%) Tabela 16: Ênclise e próclise com formas não-finitas simples

Gráfico 3: Ênclise e próclise com PREP + infinitivo por tipo de preposição

No que diz respeito às formas não-finitas em locução verbal (no

sentido restrito que explicamos em 2.2.4)

A próclise à forma não-finita, típica do PB, não é, de longe, a

colocação mais frequente nas locuções verbais. Isso é particularmente

verdade nas locuções verbais de particípio: no PB, é o particípio que

hospeda o clítico. No nosso corpus, a subida do clítico para a forma finita

foi categórica.

12

1

8

12

5

1

0

2

11

9

2 2

0

2

4

6

8

10

12

14

a/ao até de para por sem

ênclise V_cl

próclise cl_V

52

Uma rápida olhada no Gráfico 4 abaixo mostra que a ênclise à forma

não-finita é a colocação preferida nas locuções verbais de infinitivo (58%

com o infinitivo não introduzido por preposição e 85% com infinitivo

preposicionado). Por outro lado, as construções V1 + INF também

favorecem a colocação cl_V1 V2, bem mais rara com V1/PREP + INF. Enfim,

a subida do clítico é categórica nas locuções verbais de particípio no corpus.

Gráfico 4: Ênclise e próclise com formas não-finitas em locução verbal

3.3. Modalidade discursiva e tipo de pronome

Talvez um dos aspectos mais interessantes do corpus é a dicotomia

narrativa/diálogo, norma(s) culta(s)/norma(s) vernácula(s) presente nos

livros, a níveis variáveis, conforme o autor.

Nossos dados mostram que, de fato, nas orações finitas, existe uma

diferença significativa entre o uso da próclise e da ênclise conforme a

modalidade discursiva. Assim, a ênclise ocorre em 21 (ou 19%) de 112

exemplos de diálogo; os 91 (ou 81%) restantes têm próclise. Na narrativa, a

relação entre as duas posições é mais equilibrada: 53% de ênclise para 47%

de próclise. A nosso ver, isso já indica que o diálogo se aproxima mais do

PB (que sempre tem próclise) e que a narrativa tenta seguir a norma padrão

(que oscila entre a próclise e a ênclise conforme o contexto sintático).

17 1916

40 1

40

14

50 01

40 23

40

0

33

0

10

20

30

40

50

V1 + GER V1 + INF V1 + PART V1/PREP + INF

cl_V1 V2

V1_cl V2

V1clV2 (ambíguo)

V1 cl_V2

V1 V2_cl

53

Gráfico 5: Ênclise e próclise nas orações finitas no diálogo e na narrativa

(χ2 = 45.902; df = 1; p = 0)

Se observarmos o detalhe da colocação pronominal em cada autor,

percebemos que embora a próclise seja sempre mais frequente no diálogo

do que a ênclise, essa diferença só é significativa nos textos de Valdomiro

Silveira (que é o que reproduz mais fielmente e mais frequentemente a

linguagem popular nos diálogos dentre os autores).

Ênclise Próclise

Narrativa

Sousa 144/300 (48%) 156/300 (52%)

Silveira 152/260 (58%) 108/260 (42%)

Arinos 138/261 (53%) 123/261 (47%)

Total 434/821 (53%) 387/821 (47%)

Diálogo

Sousa 7/17 (41%) 10/17 (59%)

Silveira 4/68 (6%) 64/68 (94%)

Arinos 10/27 (37%) 17/27 (63%)

Total 21/112 (19%) 91/112(81%)

Total geral 455/933 (49%) 478/933 (51%) Tabela 17: Ênclise e próclise na narrativa e no diálogo por autor

Resta justificar os casos de ênclise no diálogo. Comparando as taxas

de ênclise e de próclise no diálogo e na narrativa conforme o tipo de

pronome (cf. o Gráfico 6), percebemos que a distribuição do clítico (pelo

Diálogo Narrativa

ênclise V_cl 21 434

próclise cl_V 91 387

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

500

ênclise V_cl

próclise cl_V

54

menos a dos mais frequentes: me, o, lhe, se) é praticamente a mesma na

narrativa, mas que o pronome me tem forte tendência à próclise: contabiliza

92% de casos de anteposição e 8% de casos de posposição. Por outro lado, a

maioria dos casos de ênclise no diálogo ocorre com o pronome se,

geralmente em expressões fixas:

(227) Não entre, branco, vá-se embora. (Sousa, p. 37) (diál.)

(228) Vá-s'embora p'ra dentro, que o sol 'tà fervendo e perigoso! (Silveira, p. 35)

(diál.)

(229) […], p'ra ver como a missa vai-se embora, […] (Silveira, p. 62) (diál.)

Gráfico 6: Ênclise e próclise na narrativa e no diálogo por tipo de pronome clítico

Ainda sobre o tipo de pronome clítico: notamos no corpus a

presença (sem dúvida, restrita) de grupos clítico dativo + clítico acusativo

contraídos (ex.: lho) (todos em Silveira e na narrativa – cf. exemplos (230) a

(233)) e da sequência clítico impessoal + clítico dativo (se lhe, se nos..., que

contabilizam um pouco mais de 30 ocorrências no corpus, em todos os

autores). Vale lembrar que nenhuma dessas construções é atestada no PB

(Galves 1997: 13-14).

(230) […], só porque o cabra passou por uma porteira e lh'a não conservou

aberta, […] (Silveira, p. 37) (narr.)

88

21

66

192

85

13

82

249

14

54

614

2 5 013

0

50

100

150

200

250

300

lhe lhes me o os se

Narrativa - próclise cl_V

Narrativa - ênclise V_cl

Diálogo - próclise cl_V

Diálogo - ênclise V_cl

55

(231) Um dia que matára a um de brinco, e sa Januaria lh'o censurava

entristecida, […] (Silveira, p. 82) (narr.)

(232) […] (parecia-lh'o naquelle instante) […] (Silveira, p. 77) (narr.)

(233) A Anna Triste, ahi, tirou a mão da gaveta, com os dois gatilhos de uma

Laporte arreganhados, e apontou-lh'a á bocca do estomago: […] (Silveira,

p. 39) (narr.)

(234)

3.4. Formas do futuro

Quando o verbo está no futuro do presente ou do pretérito o PE tem

mesóclise (no lugar da ênclise) nas orações principais sem atratores de

próclise e próclise na presença de algum fator engatilhador. A mesóclise

desapareceu completamente do vernáculo brasileiro, mas é atestada

residualmente no nosso corpus. Nas orações finitas com o verbo hospedeiro

conjugado no futuro do presente ou do pretérito (sete no total), uma tem

mesóclise (235) e as outras seis têm próclise porque estão em oração

subordinada (236) ou porque o constituinte pré-verbal é um operador de

negação (237) ou um sintagma-Q (238):

(235) Amal-o-ia? (Arinos, p. 92) (narr.)

(236) ([…] lisonjeando-se de uma falsa ciência que nada explica) e a que, mais

acertadamente, se chamaria charlatanismo. (Sousa, p. 32) (narr.)

(237) Não vos descreverei o sítio do tenente Ribeiro, […] (Sousa, p. 33) (narr.)

(238) Que mais vos direi? (Sousa, p. 50) (narr.)

Nas locuções verbais em que o verbo finito está conjugado num

tempo futuro (seis ocorrências no total), também há mesóclise à forma finita

nos contextos padrão e próclise nos contextos com fator engatilhador,

exceto com o único exemplo de locução verbal do tipo V1/PREP +

infinitivo, que tem ênclise à forma não-finita:

(239) Se a fuga fosse possível, nenhum daqueles homens deixaria de facilitá-la.

(Sousa, p. 28) (narr.)

56

3.5. Conclusão

Hoje em dia, no PE, a colocação pronominal é regida por regras bem

definidas. Dito isso, as coisas nem sempre foram tão fixas. Em fases

anteriores do português, existiram contextos sintáticos de próclise ou de

ênclise obrigatória ou majoritária (que não variaram muito através dos

séculos), mas também outros contextos em que a preferência por uma ou

por outra posição podia oscilar. Assim, a posposição do pronome sempre

foi obrigatória quando o verbo hospedeiro se encontrava em posição inicial

absoluta. Antepunha-se o pronome nas orações com operadores de negação

predicativa, quantificadores, certos advérbios e palavras subordinantes na

periferia esquerda do verbo. Em todos os outros contextos sintáticos (a

saber, nas orações principais não-V1 sem fator engatilhador de próclise),

tanto a próclise como a ênclise são atestadas nos dados diacrônicos (ainda

que se tenha estendido o uso da próclise ou da ênclise a esses contextos em

certos períodos da língua).

Nosso próprio estudo empírico mostrou que a colocação

pronominal na língua literária brasileira do século XIX obedece a regras

similares às do PE, mas que ela também características próprias. Como o

PE, os nossos autores também pospõem o pronome nas orações V1 (salvo o

caso excepcional esporádico) e antepõem-no nos contextos de próclise, mas,

pelo contrário, oscila entre a próclise a ênclise quando o constituinte pré-

verbal é um SN sujeito ou um PP (contextos em que o PE tem ênclise

obrigatória). Esse comportamento pode ser um vestígio da gramática do PC

(de que se originam tanto o PE quanto o PB) que também podia oscilar entre

a próclise (a opção preferida nesses contextos) e a ênclise, ou já pode ser

uma manifestação da gramática proclítica do PB.

57

4. Considerações finais

A questão da colocação pronominal no PB é complexa por várias

razões. Por um lado, o PB difere com respeito ao PE. Nesta variante, a

ênclise é o padrão de colocação e a próclise está ligada à presença de algum

fator condicionante, enquanto o PB generalizou a próclise em todos os

contextos sintáticos. Por outro lado, pudemos notar que dentro do próprio

Brasil a norma vernácula e a norma culta escrita se comportam de maneira

diferente. A colocação pronominal no vernáculo é relativamente simples:

sempre há próclise. Já a língua culta escrita (e literária) está sujeita a mais

variação: a ênclise reaparece principalmente como fator estilístico porque

está associada ao padrão português prestigioso, mas seu uso também é

favorecido por fatores linguísticos (como o verbo hospedeiro em posição

inicial absoluta, por exemplo).

Com este trabalho, procuramos ajudar na descrição da língua

literária brasileira, mais especificamente da língua literária do século XIX,

com base num corpus de contos regionalistas pré-modernistas. A nosso ver,

a língua desses contos representa bem o cisma entre o padrão culto (na

narrativa) e o vernáculo (nos diálogos).

A análise do corpus mostrou que a próclise e a ênclise ocorrem em

proporções similares com verbos em forma finita. Já se descarta aí a

possibilidade de o PB se comportar como o francês ou o espanhol, que têm

próclise obrigatória a verbos finitos. A outra possibilidade é a colocação

depender do contexto sintático. E depende mesmo: nas orações principais,

a taxa de ênclise é de 75% e a taxa de próclise é de 25%. Nas orações

subordinadas, a tendência se inverte: 97% de próclise para 3% de ênclise.

A verificação detalhada das orações principais revelou que a

posição do verbo é um fator importante para a colocação do pronome no

corpus: em 204 orações V1 (isto é, com verbo em posição inicial de período

58

ou de segunda coordenada assindética), 197 (ou 97%) delas tinham ênclise

e só sete (3%) tinham ênclise. Destas sete, cinco estavam em início de

segunda coordenada assindética ou depois de pausa e duas em início de

período. Além disso, a próclise com verbo em início de período só foi

atestada nos diálogos. Em suma, a próclise com verbo em início de segunda

coordenada assindética é um pouco mais frequente do que em início de

período, mas não existe nenhuma diferença significativa para a colocação

do pronome nesses dois contextos.

Nas orações com um ou mais de um elemento na periferia esquerda

do verbo, há ênclise em 64% dos casos (251/394) e próclise em 36%

(143/394) dos casos. O tipo de constituinte imediatamente pré-verbal foi

determinante para a escolha da próclise ou da ênclise: nosso corpus tem

ênclise praticamente categórica com conjunção coordenativa, elementos

discursivos e constituintes topicalizados. Quando o constituinte à esquerda

do verbo é um SN sujeito, a ênclise ainda é majoritária mas há um pouco

mais de variação: 79% (133/169) de ênclise e 21% (36/169) de próclise. Os

dados escassos de que dispomos sobre as orações com sintagmas

preposicionais (PP) mostram que a próclise e a ênclise ocorrem

praticamente com a mesma frequência: 46% (6/13) e 54% (7/13),

respectivamente. Portanto, trata-se de um verdadeiro contexto de variação

no PB (no PE, esse é um contexto de ênclise obrigatória). Por fim, as nossas

amostras têm próclise categórica quando o elemento pré-verbal é um

operador de negação (não e nem), um constituinte focalizado, advérbios e

sintagmas-Q. Detectamos um só caso de ênclise com quantificadores.

Curiosamente, os pouquíssimos casos anômalos encontrados nas

orações subordinadas já manifestam uma característica do PB literário

contemporâneo: o uso da ênclise com conjunção temporal (quando, enquanto)

(Schei 2000: 209).

59

Nosso corpus tem ênclise praticamente categórica com o gerúndio

simples. A ênclise também é a colocação preferencial com o infinitivo

simples não-preposicionado. As orações com infinitivo preposicionado

oscilam entre a próclise e a ênclise, exceto quando o verbo é introduzido

pela preposição a, como também acontece no PE. Nas locuções verbais, os

casos inequívocos de próclise à forma finita e de adjunção ao verbo no

particípio (colocações típicas do PB) são muito raros. Pelo contrário,

atestamos vários casos de subida do clítico (configuração praticamente

extinta do PB), categórica nas locuções verbais de particípio, majoritária nas

locuções de gerúndio e recorrente nas locuções de infinitivo não-

preposicionado.

Nossa análise da modalidade discursiva mostrou que a próclise é

mais frequente no diálogo do que na narrativa. No diálogo, há próclise em

81% dos exemplos com formas finitas e ênclise nos 19% restantes

(principalmente em expressões fixas). Na narrativa, as taxas de próclise e

de ênclise são bem parecidas: 47% e 53% respectivamente. Portanto, pelo

menos no que diz respeito à colocação pronominal, a língua dos diálogos

reflete bem o padrão do PB. Ressaltamos, porém, que embora a próclise seja

sempre mais frequente do que a ênclise nos diálogos nos três autores, essa

diferença só é significativa com Valdomiro Silveira (que é o que mais

reproduz a fala dos personagens de maneira direta). Os casos de ênclise

encontrados nos diálogos quase sempre tinham o pronome se, muitas vezes

em expressões fixas (do tipo vá-se embora).

Também observamos que os pronomes clíticos têm uma

distribuição diferente no diálogo, enquanto que na narrativa o tipo de

pronome não favorece uma ou outra posição. Com as formas finitas, se tem

tendência para a ênclise e me para a próclise. Por último, vale notar a

ausência no diálogo dos grupos clítico dativo + clítico acusativo contraídos

60

(ex.: lho) e de sequências clítico impessoal + clítico dativo (se lhe, se nos...,

atestadas na narrativa dos três autores estudados no corpus).

Com as formas do futuro (com que se usa a mesóclise no lugar da

ênclise nos contextos padrão) (nos verbos finitos simples ou parte de uma

locução verbal), a próclise só ocorre na presença de algum fator

engatilhador – caso contrário, há mesóclise (colocação estranha aos

locutores do PB).

Em síntese, pode se dizer que a colocação dos pronomes na língua

do corpus (principalmente na narrativa) se parece bastante com o padrão

português: salvo algum caso esporádico, a ênclise é praticamente categórica

(a próclise em posição inicial é uma inovação do PB) e há próclise nos

contextos que também engatilham a colocação pré-verbal no PE. A posição

do clítico variou pouco nesses contextos durante toda a história no

português: é nas orações principais sem fator de próclise que ocorreram as

maiores mudanças para a sintaxe dos clíticos. Hoje em dia, essas orações

têm ênclise obrigatória no PE, mas em períodos passados da língua a

variação empírica entre a ênclise e a próclise ainda era possível (mesmo que

em determinados momentos uma ou outra colocação tenha se tornado

majoritária em todos os contextos sintáticos). Dessa maneira, o português

clássico (de que se originam o PE e o PB) oscilava entre a próclise e a ênclise

com PPs e SN sujeito pré-verbais (ainda que a próclise fosse mais frequente).

Nossa análise mostrou que também há variação nesses contextos no corpus,

só não sabemos se esse fato é devido a alguma influência vestigial do PC ou

se ocorre por influência da gramática proclítica do PB. Por fim, nas locuções

verbais, são poucos os exemplos de próclise à forma não-finita, e a maioria

são casos ambíguos, mas eles existem no corpus e também são uma

inovação do PB.

61

5. Bibliografia

5.1. Obras analisadas

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5.2. Obras consultadas

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