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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA FERNANDA BASTOS BARBOSA DE HERÓI A TIRANO: AS INTERPRETAÇÕES DO PORFIRIATO ENTRE OS ANOS DE 1902 E 1920 Mariana- MG Fevereiro de 2014

DE HERÓI A TIRANO: AS INTERPRETAÇÕES DO …‡ÃO... · El verdadero Díaz y la Revolución ... el Partido Nacional Democrático, by Francisco Ignacio Madero ... creados durante

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

FERNANDA BASTOS BARBOSA

DE HERÓI A TIRANO: AS INTERPRETAÇÕES DO

PORFIRIATO ENTRE OS ANOS DE 1902 E 1920

Mariana- MG

Fevereiro de 2014

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FERNANDA BASTOS BARBOSA

DE HERÓI A TIRANO: AS INTERPRETAÇÕES DO

PORFIRIATO ENTRE OS ANOS DE 1902 E 1920

Mariana- MG

Fevereiro de 2014

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto, como requisito total para obtenção do título de mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Estevam de

Oliveira Fernandes

3

4

5

Agradecimentos

Inicialmente, gostaria de agradecer aos meus pais, Ilze e Marcos, por todo o

apoio, presença, amor e carinho que me proporcionaram durante os anos de graduação e

mestrado em História. São pessoas que sempre me sustentaram, tornando-se meus

alicerces e fazendo com que eu seguisse em frente, forte. À tia Inilce, que torceu pelo

meu sucesso e à Natália, que sempre esteve ao meu lado com suas palavras de incentivo

e amor.

Agradeço ao meu orientador e amigo, professor Dr. Luiz Estevam de Oliveira

Fernandes, que a cada reunião fazia com eu ficasse mais encantada com o objeto da

pesquisa. Sempre ético, cuidadoso e atencioso, principalmente em nossos momentos de

crise existencial e acadêmica, tornou-se um modelo de profissional a ser seguido.

Agradeço também aos membros do GEHA – Grupo de Estudo de História das Américas

– que, por vários anos, proporcionaram-me importantes discussões sobre o tema.

Também não poderia deixar de mencionar, em especial, a Marcelle Braga, irmã que eu

ganhei em Mariana e que me ajudou nos momentos mais difíceis.

Agradeço imensamente ao professor Mateus Fávaro Reis e ao professor José

Alves de Freitas Neto pela leitura crítica desta dissertação. Tenho certeza que esse

trabalho receberá contribuições que farão com que eu me torne cada vez mais madura

nas pesquisas. Também não poderia deixar de mencionar o professor Marcelo Santos de

Abreu pelos comentários aos capítulos, e a Carolina Vieira pela atenciosa revisão deste

texto.

Deixo também meus sinceros agradecimentos à UFOP e ao Colegiado do

Programa de Pós-Graduação em História por todo apoio durante o período do mestrado.

Agradeço aos professores do PPGHIS, que fizeram com eu tivesse uma excelente

formação na área, e ao REUNI, pela bolsa de fomento para minha pesquisa. Sou muito

grata a todos que contribuíram para a finalização desta dissertação.

6

Sumário

Resumo........................................................................................................ 9

Abstract....................................................................................................................... 10

Introdução.................................................................................................................. 11

Apresentação do tema de pesquisa da dissertação...........................................................11

As fontes......................................................................................................................... 14

Principais perspectivas teórico-metodológicas............................................................... 16

CAPÍTULO 1- O conflituoso passado mexicano e a legitimação do

Porfiriato: a literatura testemunhal dos oitocentos..................................... 21

Da independência à República Restaurada: as guerras civis que assolaram o México...24

Os conflitos externos: as intervenções estrangeiras no México..................................... 25

A relação México-Estados Unidos.................................................................................27

O Segundo Império Mexicano e o respaldo francês....................................................... 29

Bernardo Reyes e a construção do herói: Porfirio Díaz como o ―hacedor‖ de uma época

.........................................................................................................................................31

Justo Sierra e a legitimação do Porfiriato....................................................................... 40

Díaz entre ―pacificador‖ e ―ditador‖: La sucesión presidencial en 1910, de Francisco I.

Madero …………………………………………………………………………………49

CAPÍTULO 2- Viva la Revolución [?]: as interpretações sobre o Porfiriato

na primeira fase do movimento revolucionário de 1910................................. 59

Barbarous Mexico: o governo de Díaz e a paz alterada................................................. 61

Turner e a crítica ao governo norte-americano............................................................... 74

Luis Lara Pardo e a tirania do governo........................................................................... 76

Francisco Bulnes: um porfirista frente à Revolução...................................................... 92

CONCLUSÃO: um panorama acerca do Porfiriato e suas interpretações .......................................................................................................................................105

7

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS……………………………...……… 121

8

Nos grandes momentos todos são heróis; tem-se sempre

a ideia, embora vaga, de que se está representando e que

o papel se deverá desempenhar com perfeição; de outro

modo não aplaude o público. Depois, as epopeias duram

pouco; todas as forças se podem concentrar, faz-se um

apela supremo à suprema energia; em seguida, permite-

se o descanso, a mediocridade que apazigua e repousa;

nada mais vulgar do que um herói fora do seu teatro.

Agostinho da Silva

9

Resumo

Porfirio Díaz tornou-se presidente constitucional do México em 1877. Manteve-se

no governo, por meio de reeleições, até o ano de 1911, época em que renunciou devido à

eclosão da Revolução Mexicana (1910). O período correspondente aos seus anos de

governo é conhecido como Porfiriato. Sobre esta conjuntura existe uma ampla produção

histórica, desde o período contemporâneo à presidência de Díaz até o hodierno. O objetivo

da dissertação foi, a partir de uma literatura específica referente ao assunto e da utilização

de fontes primárias, pesquisar os modelos interpretativos sobre o governo de Don Porfirio

construídos entre os anos de 1902 e 1920, ou seja, entre a última década em que ele

permaneceu no cargo de presidente até o final da primeira fase revolucionária. As fontes

utilizadas para atingir tal objetivo foram seis obras impressas de indivíduos que escreveram

sobre o presidente e seus anos de governo: El General Porfirio Díaz, de Bernardo Reyes

(1902); México: su evolución social, compilada por Justo Sierra Méndez entre 1900 e

1902; La sucesión presidencial en 1910: el Partido Nacional Democrático, de Francisco

Ignácio Madero (1908); Barbarous Mexico, de John Kenneth Turner (1910); De Porfirio

Díaz à Francisco Madero: la sucesión dictatorial, escrita por Luis Lara Pardo em 1912 e

El verdadero Díaz y la Revolución (1920), de Francisco Bulnes. Nestes trabalhos

percebemos e procuramos explicar as transformações de um discurso, ou seja, como as

avaliações sobre o porfirismo modificaram-se desde a última década do século XIX até

1920. De grande pai da nação, como o interpretou a geração oitocentista de polígrafos, ele

passou a ser representado (principalmente durante a Revolução) como um ditador tirânico,

que concentrou em suas mãos uma grande parcela de poderes políticos e suprimiu a

dinâmica partidária existente no cenário público do país.

Palavras-chave: México; Porfiriato; Modelos avaliativos; século XIX; Revolução

Mexicana.

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Abstract

Porfirio Díaz became constitutional president of Mexico in 1877. Remained in

government, through reelections, until 1911, at which time he resigned due to the

outbreak of the Mexican Revolution (1910). The corresponding to their years of

government period is known as the Porfiriato. About this conjuncture there is ample

historical production from the contemporary period the presidency Diaz to the meeting

today. The aim of this work was, from a specific literature on the subject and use of

primary sources, research the interpretive models over the government of Don Porfirio

built between the years 1902 and 1920; ie from the last decade that he remained as

president until the end of the first revolutionary phase. The sources used to achieve this

goal were six printed works of individuals who wrote about the president and his years

of government: El General Porfirio Díaz, by Bernardo Reyes (1902), Mexico: su social

evolución, compiled by Justo Sierra Méndez between 1900 and 1902; La sucesión

presidencial en 1910: el Partido Nacional Democrático, by Francisco Ignacio Madero

(1908); Barbarous Mexico by John Kenneth Turner (1910); De Porfirio Díaz à

Francisco Madero: la sucesión dictatorial, written by Luis Lara Pardo in 1912 and El

verdadero Díaz y la Revolución (1920 ), by Francisco Bulnes. In these works we see

and try to explain the transformations of a discourse, ie, as the reviews of the porfirismo

were modified since the last decade of the nineteenth century until 1920. Great father of

the nation, as the nineteenth century interpreted the generation of polygraphs, he was

represented (especially during the Revolution) as a tyrannical dictator who concentrated

in their hands a great deal of political powers and deleted the existing party dynamics in

the scenario public of the country.

Key words: Mexico; Porfiriato; evaluative models; nineteenth century; the Mexican

Revolution.

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INTRODUÇÃO

Apresentação do tema de pesquisa da dissertação

José de la Cruz Porfirio Díaz Mory nasceu em Oaxaca no ano de 1830. Aos treze

anos ingressou no Seminário Conciliador de Santa Cruz, mas se recusou a ordenar-se

padre e abandonou o local no ano de 1850, uma vez que foi cursar Direito no Instituto

de Artes e Ciências de seu estado natal. Neste período, entrou em contato com Benito

Juárez, seu professor de Direito Civil, optando pelas ideias liberais em voga no país.

Ainda jovem, Díaz combateu o governo do presidente conservador Antonio Lopez de

Sant‘Anna (Revolução de Ayutla, 1855), construindo, assim, o início de uma carreira

militar. Participou de importantes batalhas mexicanas, como a de Puebla, em 1862, e a

Guerra da Reforma, em 1867 – esta contra o imperador austríaco Maximiliano de

Habsburgo.

Em 1867, retirou-se do Exército nacional e foi trabalhar em um sítio próximo à

cidade de Oaxaca, mas a partir de dezembro do mesmo ano passou a figurar como

adversário de Juárez ao cargo de presidente da República1. Neste ano, Juárez ganhou as

eleições e governou o México até 1871, reelegendo-se. No segundo pleito, Díaz mais

uma vez saiu candidato, e novamente perdeu para Juárez. A partir deste momento, o

general passou a criticar a perpetuação do zapoteca no poder, crítica que posteriormente

recebeu de Francisco Ignácio Madero, devido aos seus vários anos no governo.

Assim sendo, Don Porfirio novamente concorreu à presidência. Nesta época, ao

ver a pretensão de Sebastián Lerdo de Tejada em se reeleger para a primeira

magistratura do país2, sublevou-se contra o governo na chamada ―Revolução de

Tuxtepec‖. Vitorioso contra as forças lerdistas na batalha em Tecoac, estado de Puebla,

1 A historiografia sobre o Porfiriato diverge a respeito do rompimento entre Juárez e Díaz. Alguns

historiadores afirmam que o primeiro, após a República Restaurada, não atendeu às demandas dos

militares que lutaram nas grandes batalhas do país, fazendo com que Díaz decidisse se alijar do governo.

Outros afirmam que a ambição do general, desde o retorno dos liberais ao poder, era tornar-se presidente

da República. Sobre o assunto, cf. COSÍO Villegas, Daniel. et al. Historia general de México. Cidade do

México: El Colégio de México, 2000, capítulo ―El liberalismo triunfante‖; KRAUZE, Enrique. Díaz:

Místico de la autoridad. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica S. A., 1987, capítulo ―Juárez y

Díaz‖. 2 Uma vez que Benito Juárez havia falecido em 1872 e Lerdo de Tejada, então presidente da Suprema

Corte de Justiça, assumira a presidência.

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em fevereiro de 1877 Díaz assumiu provisoriamente a presidência da República e, em

cinco de maio do mesmo ano, tornou-se presidente constitucional. Seu respaldo advinha

dos setores militares do país. Ademais, Díaz havia conquistado grande popularidade

devido às batalhas que participou, principalmente a de Puebla3.

Foram trinta e um anos quase ininterruptos de governança. Em 1880, após o

término de seu mandato, o General Manuel González assumiu a primeira magistratura,

mas, em 1884, Díaz foi novamente eleito e, por meio de reeleições, administrou o país

até o ano de 1911, renunciando ao cargo e se exilando na França devido à eclosão da

Revolução Mexicana. O período correspondente aos seus anos de governo é conhecido

como Porfiriato.

Segundo o historiador Paul Garner, poucos governantes latino-americanos foram

tão mitificados como o presidente Díaz. Um estudo geral acerca de suas interpretações,

desde a própria produção oitocentista até as gerações profissionais atuantes, mostra-nos

como existem matizes e matrizes avaliativas sobre o Porfiriato, embora poucos estudos

que aprofundem tal tema4. Como explicou o historiador britânico, ―todos los mitos,

creados durante y después de la vida de Don Porfirio, tuvieron un origen y un claro fin

político, pero cada uno se fortaleció con base en una corriente historiográfica poderosa

(…).‖ (GARNER, 2003, s/p.).

A dissertação, portanto, é o resultado final de uma pesquisa que buscou mapear

os modelos interpretativos sobre o regime presidencial de Porfirio Díaz desde o ano de

1902 até 1920, uma vez que, como afirmou Garner, ―los ejemplos más virulentos del

‗antiporfirismo‘ en México se encuentran en los años 1920.‖ (2003, p. 18). A escolha

dos livros analisados justifica-se pela contribuição que deram para a criação de matrizes

avaliativas sobre o período entre 1876 e 1911, bem como por serem trabalhos que são

recorrentemente citados no âmbito historiográfico contemporâneo.

O objetivo foi compreender as transformações de um discurso, ou seja, como as

interpretações sobre o Porfiriato modificaram-se desde o final de seu governo até a

primeira fase do processo revolucionário (explicaremos no capítulo um o que estamos

chamando por primeira fase da Revolução Mexicana, a partir, principalmente, das

reflexões de Daniel Cosío Villegas). Sendo assim, buscamos compreender e explicar

3 A Batalha de Puebla foi uma vitória considerada tão importante para os mexicanos que o 5 de Maio é

feriado nacional no país, segundo o calendário pátrio. 4 Consideramos ―Matrizes avaliativas‖ as interpretações que foram se formando sobre o governo de Díaz

ao longo dos anos e gerações de escritores. Nos oitocentos percebemos uma forte matriz que, como

veremos, legitimava o governo porfirista, tecendo um discurso laudatório. Após a Revolução Mexicana,

houve a eclosão de uma segunda matriz, que passou a criticar o governo do general.

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como uma ―lenda negra‖ sobre o porfirismo foi construída durante o levantamento de

1910 e como Díaz passou a ser interpretado como um ―ditador tirânico‖.

O escopo do primeiro capítulo foi compreender as interpretações do governo

durante a própria presidência de Don Porfirio. Como veremos, na análise de três fontes

impressas (das quais falaremos abaixo), Díaz foi representado como um grande estadista

que conseguiu pacificar o México frente a um passado caótico pós-independência,

cindido por intervenções estrangeiras e guerras civis. Tais conflitos por que passara o

país serão explicados detidamente também no capítulo um. Já no capítulo dois,

buscamos explicar como, após a Revolução Mexicana, o general passou a ser

interpretado como um ditador que oprimiu a população e suprimiu a atuação política

dos cidadãos no cenário político. A finalidade foi justamente discutir acerca destas

mudanças de avaliação e argumentos.

Embora haja uma bibliografia considerável acerca do Porfiriato, os estudos sobre

o tema são escassos em nosso país5. Este trabalho buscou inovar no recorte do objeto de

pesquisa, pois há uma contribuição ao mapeamento das matrizes avaliativas sobre o

governo do general. Como afirmaram Aurora Gómez Galvarriato e Mauricio Tenorio

Trillo: ―Irónicamente, hoy la historiografía del Porfiriato parece un árbol cuya rama

principal (historia económica) es más gruesa y frondosa que lo magro del tronco de la

historiografía general y lo prejuicioso de la conciencia histórica que todavía reina en la

concepción del periodo.‖ (GÓMEZ GALVARRIATO; TENORIO TRILLO, 2006, pp.

16-17).

Além disto, ainda são necessárias teses na comunidade acadêmica, brasileiras e

internacionais, de trabalhos que pensem a ―historiografia geral‖ sobre o Porfiriato e a

influência dos trabalhos do início do século XX na historiografia recente6. Para tanto, é

necessário, inicialmente, entender como a historiografia revolucionária sobre o

Porfiriato foi construída e quais argumentos foram utilizados para deslegitimar o

governo de Don Porfirio. Os autores que pensavam e escreviam acerca do Porfiriato

estavam em diálogo, por exemplo, com as obras de Francisco Madero e John Kenneth

Turner, autores da geração anterior à Revolução e que, mesmo durante o governo do

5 Mesmo havendo uma grande produção histórica sobre o Porfiriato ela ainda é menor que a de outros

períodos históricos mexicanos como, por exemplo, a Conquista espanhola e a Revolução Mexicana

(TENORIO TRILLO; GOMEZ GALVARRIATO, 2006). 6 Sobre os temas a respeito do Porfiriato que constituem um campo fértil de pesquisa, uma vez que

existem poucos trabalhos sobre o assunto, ver: GÓMEZ GALVARRIATO, Aurora; TENORIO Trillo,

Mauricio. El Porfiriato: herramientas para la historia. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica,

2006.

14

general, já criticavam abertamente seu governo, qualificando-o como ―ditadura‖ ou

―despotismo tirânico‖.

Compreender como uma historiografia ―antiporfirista‖ foi construída (objetivo

do capítulo dois), refutando os argumentos que legitimavam o governo ainda no século

XIX (discutidos no capítulo um), é importante para entendermos as mudanças ocorridas

desde a produção histórica coetânea ao governo do general até 1920, uma vez que o

presidente passou a ser intitulado de ditador e/ou tirano, indivíduo que oprimiu o povo

mexicano. Os polígrafos, ao legitimarem o movimento revolucionário, deslegitimavam

o governo do general. ―El Porfiriato, empero, posee aún un estigma menos observable

políticamente: ha permanecido largo tiempo fuera de los tópicos interesantes.‖

(GÓMEZ GALVARRIATO; TENORIO TRILLO, 2006, p. 14).

As fontes

Como dito acima, no primeiro capítulo analisaremos livros de três autores que se

destacaram por abordar o Porfiriato ainda durante seu governo, explicitando a

estabilidade, pacificação e ordem que Díaz gerou ao país. A primeira delas, México: su

evolución social, consiste em um estudo sobre a população mexicana ao longo de sua

história. Foi organizado entre os anos de 1900 e 1902 por um polígrafo mexicano

chamado Justo Sierra, que contribuiu com dois ensaios na obra: ―Historia Política‖ e

―La era actual‖. Nesta dissertação analisaremos este segundo ensaio, que buscou

compreender justamente o governo de Don Porfirio. O autor escreveu sobre o México

durante o Porfiriato legitimando o governo do presidente, mas não deixando de fazer,

em termos velados, uma crítica à perpetuação do primeiro magistrado no poder.

Em seguida, discutiremos o livro El General Porfirio Díaz, escrito em 1902 por

Bernardo Reyes. Considerado pela historiografia contemporânea como um importante

general porfirista [Falcón (ed. 1989); Guerra (ed. 1991); Benavides (ed. 1998); etc.], foi

durante muitos anos governador de Nueva León e chefe da zona militar do noroeste

mexicano, bem como ministro de Guerra do presidente por dois anos. Seu livro é

constituído de duas partes em que o autor escreveu tanto sobre os feitos militares de

Díaz, quanto sobre seus anos como presidente constitucional. Portanto, obra que é uma

15

biografia laudatória sobre Don Porfirio, gênero que possuiu campo fértil no século XIX.

(MALATIAN, 2008, p. 18).

Por conseguinte, La sucesión presidencial en 1910: el Partido Nacional

Democrático foi escrito por Francisco Ignácio Madero em 1908 e publicado em 1909. O

livro consistiu em um texto político, contendo um programa de oposição ao governo,

que se valeu de episódios históricos como forma de justificar a necessidade de

mudanças no presente. O que percebemos foi uma transformação interpretativa sobre o

Porfiriato, uma vez que o autor criticou a permanência de Díaz no poder, qualificando-o

de ditador. Contudo, foco a ser explorado no capítulo, Madero não deixou de discutir a

situação de paz que pairava sobre o México durante o porfirismo, situação importante

para a população. Para o coahuilense, Porfirio Díaz havia pacificado o país.

Já no capítulo dois, analisaremos primeiramente o livro Barbarous Mexico

(1911), do periodista norte-americano John Kenneth Turner. Esta obra, como a de

Madero, demonstra uma mudança acerca das interpretações sobre o Porfiriato, refutando

os argumentos desenvolvidos nos oitocentos. De construtor de uma nação moderna,

como veremos representado em Reyes e Sierra, Díaz passou a ser a principal base de um

sistema de escravidão existente no país, além de sua imagem estar atrelada a um poder

ditatorial e autocrático. O livro, como explicaremos, teceu uma crítica aberta ao

presidente mexicano e a todos que elogiavam e legitimavam seu governo.

De Porfirio Díaz à Francisco Madero: la sucesión dictatorial de 1911, escrita

em 1911 e publicada em 1912 por Luis Lara Pardo é, segundo Garner, um dos

―ejemplos más virulentos del antiporfirismo en México‖ (GARNER, 2003, p. 18),

constituindo-se em um clássico desta literatura crítica ao governo. Seu livro também fez

uma censura aberta ao Porfiriato, contribuindo para a consolidação de uma

historiografia ―antiporfirista‖ durante as primeiras décadas do século XX. É interessante

perceber que, logo no início de sua obra, o escritor se colocou como o primeiro autor a

criticar Don Porfirio e seu governo, época que, para ele, Francisco Madero ainda tecia

elogios ao presidente.

Por fim, para fechar nossas hipóteses de pesquisa e o objetivo proposto na

dissertação, analisaremos a obra El verdadero Díaz y la Revolución de Francisco Bulnes

(1920). Don Francisco foi membro da elite porfirista, participando do grupo Científico.

Mesmo durante a administração de Don Porfirio o autor não deixou de criticar o

presidente, embora corroborasse com as reeleições do general. Em seu referido livro, o

engenheiro defendeu que o governo de Díaz foi ditatorial, mas é importante perceber

16

que Bulnes não acreditava na existência de um governo democrático no México, como

defendia Madero e Turner, por exemplo; além de crer (Bulnes) que os mexicanos

também não eram democráticos, assunto que será discutido. O que o autor argumentou

foi que o presidente foi um ―mal ditador‖, degenerando-se em tirano ao longo dos anos

no poder. Deste modo, a partir da análise das obras procuraremos demonstrar, como

dito acima, a mudança de discurso sobre a imagem de Porfirio Díaz, bem como de seu

governo. O escopo não é fazer um exame exaustivo das fontes estudadas, mas suscitar

elementos que nos ajudem a iluminar o problema da dissertação.7 Como veremos, a

formação de uma ―historiografia do autoritarismo porfiriano‖ não apenas influenciou as

primeiras gerações profissionais de historiadores, mas contribuiu para que o próprio

corpo do presidente Díaz não fosse liberado, até os dias de hoje, para ser enterrado em

solo mexicano. O cadáver do ex-presidente encontra-se em um cemitério francês. ―A

pesar dos esfuerzos de la familia, los restos de Don Porfirio siguen enterrados en París,

en el cementerio de Montparnasse. Esto simboliza, sobre todo, que el estado

posrevolucionario no ha aceptado el legado del régimen de Díaz.‖ (KRAUZE apud

GARNER, 2003, p. 25).

Principais perspectivas teórico-metodológicas

Primeiramente, é significativo deixar claro, por trabalharmos com as

interpretações sobre o Porfiriato a partir da leitura e estudo das fontes primárias, que

nosso objetivo não foi procurar uma verdade pura, essencial, sobre Porfirio Díaz e seu

governo, mas compreender como o presidente foi interpretado durante seu período

governamental e a Revolução Mexicana. O escopo não foi fazer uma dissertação

apontando correções sobre Don Porfirio, como se existisse metafisicamente um

personagem verdadeiro, cuja imagem foi distorcida ao longo dos períodos. Sobre esta

7 É importante destacar que, como veremos ao longo dos capítulos, achamos apropriado utilizarmos o

termo ―polígrafo‖ para qualificar os escritores analisados. Indivíduos múltiplos, os autores não possuíam

obras específicas de história ou ciência política, versando sobre vários assuntos e matérias. Reyes

escreveu sobre estratégias militares e o Exército nacional; Sierra produziu vários artigos para periódicos

mexicanos, além de ter se tornado editor em alguns deles. Madero provinha de uma importante família de

Coahuila e participava da política local. Turner, como Don Justo, também foi periodista e editor nos

Estados Unidos, escrevendo sobre vários temas. Bulnes foi professor de engenharia na Escola

Preparatória. Já Lara Pardo tinha livros sobre saúde social no México. Deste modo, optamos em fazer um

recorte e estudar as obras que tangeram a esfera política, principalmente no que se referiu ao Porfiriato;

mas é significativo sublinhar que eles também foram ensaístas, políticos, editores, professores, médicos,

etc.

17

questão fazemos uma crítica direta ao trabalho do historiador Paul Garner que, em seu

livro supracitado, analisou algumas passagens das obras dos escritores como momentos

de distorção da imagem do general, como se existisse uma imagem verdadeira do

presidente que foi sendo perdida e alterada durante as décadas. Sobre a obra de Turner,

por exemplo, ele afirmou:

El retrato de Turner compendiaba al antiporfirismo: acusaba a Díaz de

conspiración y traición, de inhumanidad, de brutalidad y duplicidad.

De acuerdo con Turner, Díaz era el ―asesino de su pueblo... y un

cobarde ruin y vil... El presidente de México es cruel y vengativo y su

país ha sufrido amargamente.‖ Era una imagen muy distorsionada y

Turner estaba preparado para usar anécdotas sin fundamento,

incluso irrisorias, para lograr un efecto sensacionalista. De hecho, las

distorsiones de Turner eran poco más que una caricatura. Como

evidencia de su inclinación a la crueldad, Turner citaba lo que él

aseguraba era un ―incidente‖ de la infancia de Díaz: ―Cuando su

hermano Félix lo molestaba por alguna trivialidad, Porfirio le ponía

pólvora en el nariz y le prendía fuego‖. (GARNER, 2003, pp. 17-18-

Grifo nosso).

O intuito, portanto, não foi a busca pela verdade sobre Porfirio Díaz ou, como

criticaria Michel Foucault (1996), nossa ―vontade de verdade‖, mas compreender as

transformações de um discurso, como as avaliações sobre o período porfirista

transformaram-se ao longo dos anos, entre o período final de seu governo e a primeira

década do movimento revolucionário. Quando se fala em ―distorção‖ de algum evento

histórico, como o fez Garner, há uma ideia de que, em contrapartida, existe uma

essência verdadeira, genuína, que foi ―mascarada‖ ao longo das épocas. É neste ponto

que está nossa crítica ao historiador britânico.

Por conseguinte, não podemos deixar de mencionar sobre o conceito de geração

utilizado em nosso trabalho, uma vez que, como veremos a partir do primeiro capítulo,

ele é uma chave de análise importante na dissertação. Como explicou Jean-François

Sirinelli, ao utilizarmos este conceito, muitas vezes temos o receio de cairmos em uma

generalidade acerca do que estamos estudando, já que podemos incorrer no

engessamento de toda uma pluralidade de pensamentos sintetizada ou unificada em uma

noção de ―geração de escritores‖. Entretanto, como afirmou, o uso deste conceito é

importante em nossas reflexões, pois ajuda a compreender discursos e ideias de uma

determinada época, principalmente a partir da experiência comum em acontecimentos

político-sociais. Deste modo, o conceito se torna um importante instrumento de análise

para o historiador.

18

Como questionou Sirinelli: o que faz surgir uma geração? Seria apenas a idade

próxima entre os indivíduos, fato puramente biológico? Uma geração surge, explicou,

―quando um estrato demográfico adquire uma existência autônoma e uma identidade

determinadas por um acontecimento inaugurador.‖ (SIRINELLI, 2010, p.133- Grifo

nosso). Sendo assim, para se entender a ideia de geração, não podemos apenas levar em

consideração o aspecto biológico dos indivíduos, ou seja, o fato de terem idades

aproximadas, nascendo em uma mesma época. Um evento inaugurador possibilita a

emergência de uma geração que compartilha ideias próximas, adquirindo uma

―existência autônoma‖, como afirmado. A faixa etária não é primordial ou único aspecto

que possibilita essa existência.

Como veremos, as gerações não necessariamente precisam se suceder, no

sentido de uma suplantar a anterior, pois, em determinada conjuntura, diante de vários

eventos, sempre podem coexistir várias unidades geracionais que se comunicam acerca

de determinados assuntos, sendo produzidos, assim, mais de um discurso ou

interpretações sobre eles. (SIRINELLI, 2010, p. 134). Como reiterou Alda da Motta,

não se pode contemplar uma geração de forma destacada, desconexa de qualquer

relação política com outros grupos, ―como uma espécie de unidade desconectada de

outras gerações e de seu tempo histórico.‖ (2010, p. 175).

Contudo, como explicou Karl Mannheim (1964) sobre o assunto, uma geração

não existe apenas devido ao fato dos indivíduos terem presenciado um dado ―evento

inaugurador‖ – para utilizar a expressão de Sirinelli –, mas é necessário, para que haja

essa identificação e autonomia demográfica, terem eles participado de alguma prática

coletiva, ou seja, terem compartilhado do acontecimento e, acima de tudo, refletido

acerca dele. Para Motta,

Mas o que estabelece uma relação entre aqueles que partilham de uma

mesma unidade geracional não são os conteúdos em si, mas as

tendências formadoras de um coletivo surgidas a partir da apropriação

desses conteúdos. Nesse sentido, o conceito de gerações rompe com a

idéia de unidades geracionais concretas e coesas e nos instiga a centrar

nossas análises nas intenções primárias documentadas nos conteúdos,

ações e expressões de determinados grupos, ao invés de buscarmos

caracterizar suas especificidades enquanto grupo (MOTTA, 2010, p.

177).

Além disto, não podemos deixar de mencionar que a ideia de geração também é

um instrumento de análise do próprio historiador e uma reconstrução que pode iluminar

seu problema de pesquisa. Estas discussões e reflexões são importantes uma vez que,

19

como veremos, ao utilizarmos a ideia de ―geração porfirista‖ nos oitocentos e ―geração

antiporfirista‖ após a Revolução Mexicana, não afirmamos que os polígrafos analisados

construíram suas interpretações por terem apenas uma faixa etária semelhante. Como

veremos no capítulo um, os indivíduos que legitimaram o Porfiriato, afirmando que ele

trouxe paz, estabilidade, progresso e modernização ao país, teciam seus argumentos não

apenas por estarem sob este regime presidencial e, ―logicamente‖, construírem um

discurso laudatório a seu respeito. O que analisamos foi a vivência e reflexão desses

escritores acerca das guerras civis e intervenções estrangeiras que assolaram o país até

1876, uma vez que todos participaram e refletiram sobre os conflitos intestinos. Este

passado mexicano ganhou destaque nos documentos pesquisados e, diante de um

período caótico e anárquico, como qualificavam, havia a esperança de que Díaz

mudasse os rumos do México.

Ademais, não podemos deixar de mencionar a ideia de experiência também

instrumentalizada na pesquisa. Para tanto, usamos as reflexões de Jacques Revel (2009)

e Reinhart Koselleck (2006). Como este explicou, ―todas as histórias foram construídas

pelas experiências vividas e pelas expectativas das pessoas que atua[ra]m ou que

sofre[ra]m (2006, p. 306). Além disso, ―a experiência é o passado atual, aquele no qual

acontecimentos foram incorporados e podem ser lembrados. Na experiência se fundem

tanto a elaboração racional quanto as formas inconscientes de comportamento que não

estão mais, ou que não precisam mais estar presentes no conhecimento‖ (2006, p.309).

Como percebemos a partir da explicação acima, a noção de experiência foi

importante na pesquisa, pois o passado vivido e refletido ainda ganhava destaque para

determinado setor social no presente, para uma elite política porfirista. O acúmulo de

acontecimentos do passado ganhou uma relevância para se entender ou interpretar

determinados acontecimentos contemporâneos. “O que distingue a experiência é o

haver elaborado acontecimentos passados, é o poder torná-los presentes, o estar

saturada de realidade, o incluir em seu próprio comportamento as possibilidades

realizadas ou falhas.” (2006, p. 312- Grifo nosso).

Deste modo, como veremos, a experiência dos conflitos intestinos entre liberais

e conservadores no país e as intervenções da França e Estados Unidos fizeram com que

estes acontecimentos ganhassem destaque nas reflexões e obras de escritores

oitocentistas. Sob este passado caótico, a nação necessitava de um grande homem que

conduzisse o país gerando paz e progresso. A concentração de poderes nas mãos do

governante era legítima, pois era necessária em um momento de temor frente ao vizinho

20

do norte, principalmente no que tangia ao medo de perda da soberania nacional. O que

perceberemos – e procuramos explicar – é que após a Revolução Mexicana emergiu

uma nova geração de escritores que censurava o governo de Díaz, qualificando-o como

ditador, tirano, opressor, etc. Sendo assim, os conceitos de ―geração‖ e ―experiência‖

são chaves para embasar nossas explicações. Esta geração que chamamos de

―antiporfirista‖ não suplantou a anterior, mas dialogou profundamente com ela,

refutando seus argumentos.

Para Jacques Revel, a noção de experiência está ligada à uma noção contextual,

o que ele chamou por ―contextos da experiência‖ (2009, p. 73). Como explicou, ―quero

dizer que, porque um indivíduo ou um grupo de indivíduos faz o que faz, é necessário

reconstruir o contexto da experiência. Aliás, prefiro dizer, é preciso reconstruir os

contextos da experiência, porque creio que vivemos todos em vários mundos ao mesmo

tempo e que, portanto, não há contexto unificado, porém contextos que podem ser

parcialmente interferentes, parcialmente contraditórios.‖ (2009, p. 73- Grifo nosso).

Deste modo, para Revel não há um contexto unificado, mas contextos

multidimensionais, e eles são importantes na análise das experiências dos polígrafos.

Deixando explícitas algumas de nossas perspectivas teórico-metodológicas,

informamos que a dissertação está estruturada em dois grandes capítulos: um analisando

os livros dos três escritores mexicanos, Bernardo Reyes, Justo Sierra e Francisco

Madero; e o outro, os escritores que escreveram ainda no calor da eclosão do

levantamento revolucionário até 1920, John Turner, Luis Lara Pardo e Francisco

Bulnes. A opção por esta estrutura do trabalho, seis autores agrupados três a três em

dois capítulos, foi importante para estabelecermos eixos centrais entre as interpretações

sobre o governo do presidente construídas ainda durante o governo porfirista e após a

Revolução. Assim, acreditamos que ficaram mais perceptíveis ao leitor as diferenças,

semelhanças, diálogos, contradições e refutações entre as avaliações ao longo do tempo.

Em todo o trabalho buscamos expor os argumentos e reflexões dos autores,

bem como relacioná-los entre si na conclusão da dissertação. Nesta, retomamos os eixos

centrais dos capítulos no intuito de entender como esses livros se aproximaram ou se

afastaram em propostas, buscando refletir como tais obras contribuíram para a formação

de matrizes e matizes interpretativas sobre o Porfiriato. Diante de discursos tão díspares

ou tão próximos, existiam projetos políticos a serem legitimados, um ideal de governo a

ser seguido, bem como uma experiência vivida.

21

22

CAPÍTULO 1- O conflituoso passado mexicano e a legitimação do

Porfiriato: a literatura testemunhal dos oitocentos

La importancia de la larga permanencia de

Díaz en el poder solo puede entenderse en el

contexto de la temprana experiencia que

México tenía como un estado independiente.

En los 55 años que van de la consumación de

la independencia en 1821 a la primera vez

que Porfirio Díaz asumió la presidencia en

1876, la historia política de México había

sido turbulenta. No sería una exageración

decir que la nueva república sufrió una crisis

casi permanente durante la mayor parte de

ese período.

Paul Garner

O objetivo deste capítulo é discutir a interpretação do Porfiriato, bem como do

próprio presidente Porfirio Díaz, na obra de três importantes indivíduos que viveram e

escreveram durante seu regime governamental. O primeiro deles, Bernardo Reyes

Ogazón (1850-1913) nasceu em Guadalajara e iniciou sua carreira militar ainda jovem,

lutando sempre a favor do grupo liberal. Participou como soldado da guerra contra a

intervenção francesa no México (1864-1867), contestando o governo do imperador

Maximiliano de Habsburgo. Durante a presidência de Porfirio Díaz, assumiu o cargo de

governador do estado de Nueva León e, em 1900, foi nomeado ministro de Guerra. Para

esta qualificação, verificaremos em seu livro El General Porfirio Díaz, escrito em 1902,

como o governo de Díaz foi interpretado como um período de estabilidade necessário ao

crescimento do país.

Depois, passaremos à produção de Justo Sierra Méndez (1848-1912). Literato e

político, foi Ministro da Suprema Corte mexicana e, posteriormente, ocupou o cargo de

ministro de Instrução Pública e Belas Artes de Díaz. Científico8, acreditava que a

educação era sinônimo de fortificar o país. Publicou México: su evolución social (1900-

8 Os ―Científicos‖, como assim ficaram conhecidos, foram intelectuais da época de Porfirio Díaz que,

além de fazerem parte de seu governo, ocuparam importantes cargos como o Ministério de Hacienda,

Fomento e Relações Exteriores. Alguns de ―Los Científicos‖ foram José Yves Limantour, Justo Sierra

Méndez e Francisco Bulnes. Tais intelectuais foram amplamente influenciados pelo positivismo de

Augusto Comte.

23

1902), obra em três volumes, fartamente ilustrada, ―que era un catálogo del progresismo

porfiriano, fenómeno que abarcaba de la modernización del transporte a la reforma

educativa, sanitária, policial y carcelaria‖ (LOMNITZ, 2008, p. 450)9. Segundo Luiz

Estevam de Oliveira Fernandes, ―a obra dirigida por Sierra já era expressão do

positivismo comtiano, claramente definido‖. (FERNANDES, 2012, p. 41).

O terceiro escritor tornou-se adversário político de Díaz. Francisco Ignácio

Madero (1873-1913) vinha de uma família de fazendeiros importantes de Coahuila e, a

partir de 1908, passou a fomentar críticas ao governo. Lançou uma campanha

antireeleicionista para o pleito de 1910 e foi preso. Fugiu para tornar-se um dos líderes

da Revolução Mexicana, sendo nomeado primeiro presidente após a renúncia de Díaz,

em 1911. Seu principal trabalho foi La sucesión presidencial en 1910: el partido

nacional democrático, escrito em 1908 e publicado em 1909.

Embora durante o referido período histórico tenham existido vários outros

trabalhos que versaram sobre o governo de Díaz, a escolha das obras analisadas neste

capítulo justifica-se pela contribuição que deram para mudanças de matizes e matrizes

avaliativas sobre o Porfiriato. ―Ainda que não sejam trabalhos de História propriamente,

mas um misto de História contemporânea e de análise da situação política da época‖, ou

seja, testemunhos daquela conjuntura, são estudos recorrentemente citados no âmbito

historiográfico profissional. (BARBOSA; FERNANDES, 2011, pp. 92-93). Livros que

se tornaram canônicos, formaram opinião e instituíram uma memória sobre o

presidente.

O objetivo não é reduzir os trabalhos dos autores pensando-os como um

resultado de aspectos biográficos particulares (conquanto alguns pontos sejam

importantes e serão mencionados ao longo do capítulo). A intenção é explicitar de que

modo, a partir da memória e experiência de um passado caótico mexicano pós-

independência, marcado por guerras civis e intervenções estrangeiras, criou-se uma

imagem de Porfirio Díaz como o regenerador da nação mexicana, construtor de um país

moderno, que conseguiu estabelecer a paz interna durante sua ocupação da primeira

magistratura.

9É importante elucidar que entre 1900 e 1902 foi publicada no México uma obra organizada por Justo

Sierra intitulada México: su evolución social. Ele próprio possuiu, como explicado na Introdução, dois

capítulos no livro, denominados ―Historia política‖ e ―La era actual‖ que, posteriormente, foram

reeditados em 1940 sob o nome de Evolución política del pueblo mexicano, juntamente com o ensaio

México social y político. Neste trabalho utilizaremos a reedição da década de quarenta do século XX.

24

Em nenhum momento pretendemos dizer que os três autores mencionados

acima possuíram obras semelhantes. O livro de Reyes, como veremos, pode ser

considerado de grande apologia ao governo porfirista; já os de Sierra e, principalmente,

o de Madero são trabalhos que também possuem uma proposta de crítica ao regime

presidencial, devido à perpetuação de Don Porfirio no poder (mesmo que por meio de

reeleições) e a supressão dos partidos políticos no México.

Contudo, o objetivo que norteará este capítulo é, justamente, ressaltar que essa

geração que viveu durante o Porfiriato ainda possuía a memória de um passado

turbulento recente, marcado em Reyes e Sierra pela direta experiência dos conflitos

civis. Mesmo com a mudança de matriz avaliativa ocorrida com a obra de Madero,

como veremos, na qual ele passou a criticar a presidência mexicana (e isto será

discutido), o autor ainda considerava Díaz um indivíduo que proporcionou estabilidade

ao país, e isso poderia redimi-lo frente à História. Neste sentido, percebemos uma

alusão à ideia de que a História é o tribunal do mundo.

Veremos, a partir do livro do coahuilense, uma mudança de interpretação

acerca do Porfiriato, demonstrando uma forte crítica, embora muitas vezes velada, à

permanência de Díaz na presidência da República. Entretanto, mesmo tendo passado a

censurar veementemente o governo e apontá-lo como uma ditadura, vendo a figura de

Porfirio Díaz como um indivíduo ambicioso e não tanto patriótico, como qualificava

Bernardo Reyes, ainda percebemos que o caótico passado mexicano é mencionado e a

estabilidade interna que Díaz conquistou é reconhecida na obra. A crítica feita por

Madero, e posteriormente pela geração revolucionária da primeira e segunda década do

século XX – tema do segundo capítulo desta dissertação –, foi justamente a não

transição deste momento estável, pacífico, para o de um país mais livre, com dinâmicos

partidos políticos atuantes no cenário público.

Sendo assim, a crença na paz durante o Porfiriato, para quem estuda a

construção historiográfica sobre o governo de Don Porfirio, é fundamental para a leitura

das obras analisadas. Como sintetizou o historiador francês François-Xavier Guerra,

premissa da qual Mauricio Tenorio Trillo e Aurora Gómez Galvarriato (2006) também

compartilharam,

El porfiriato, antes de ser para los historiadores un período de

crecimiento económico y de cambios sociales fue primero que nada,

para aquellos que lo vivieron, la paz recobrada. La ―perspectiva

histórica‖ tan necesaria, falsea a veces la realidad; para nosotros y

para los actores de la Revolución, la paz porfirista es a menudo un

25

dato de base que sirve para explicar otros fenómenos de los que,

efectivamente, fue el origen. Pero, ¿quién podría decir lo que la paz

representó verdaderamente para los habitantes del México de fines del

siglo XIX? ¿Y por qué y cómo se alcanzó esta paz? Para los

mexicanos de la época, la paz fue el término de un período de

disturbios en la historia del país, mientras que para nosotros no es

frecuentemente, más que una premisa. (GUERRA, 1991, p. 212).

Buscaremos nas próximas páginas não apenas discutir autor por autor e

explicitar como cada um construiu sua argumentação para escrever sobre o Porfiriato,

mas entender que esta literatura que se consolidou durante o governo de Díaz e, que de

certa forma legitimou o governo, está marcada por esta ideia de México turbulento pós-

1810.

O capítulo será organizado em seis tópicos: uma introdução, uma breve

explanação sobre os principais acontecimentos até 1876 (para situar o leitor), três

estudos distintos – cada um abordando de forma mais detida um autor –, e uma

conclusão das análises feitas. Cabe ressaltar que o objetivo não é resumir obra por obra,

mas sim discutir, a partir de alguns pontos importantes e comuns entre as obras, como

cada escritor representou o governo e em que pontos eles diferem e em quais se

aproximam.

1. Da independência à República Restaurada: as guerras civis que

assolaram o México

Em 27 de setembro de 1821, o México tornou-se, oficialmente, um país

independente. Com a desintegração do Vice-reino da Nova Espanha, depois de onze

anos de conflito, a antiga colônia castelhana foi organizada, após uma regência

provisória, sob a forma de um Império, centrada na figura de Agustín Itúrbide. A

monarquia constitucional de Agustín I, como ficou conhecido, durou poucos meses e

em 17 de março de 1823, diante de várias sublevações no país e propostas de projetos

republicanos, o monarca abdicou da coroa e foi exilar-se na Europa (VILLORO,

2000)10

.

10

Um exemplo das várias sublevações que ocorreram no país foi o de 01 de janeiro de 1823, em que o

brigadeiro Antonio Lopez de Sant‘Anna propôs um projeto republicano ao México. Cf. COSÍO Villegas,

Daniel. et al. Historia general de México, capítulo ―El liberalismo militante‖.

26

Diante desta conjuntura, o jovem país passou a ser governado por um

triunvirato11

. Em 1824, a primeira República Federalista teve como presidente

Guadalupe Victoria, simpatizante do setor liberal. Por muitos anos, contudo, os

principais cargos da política mexicana foram disputados por dois grandes setores: o

liberal, mencionado acima, e o conservador.

À época, uma das grandes querelas da elite política foi: que Estado-nação

construir? Como tipos ideais, os conservadores, principalmente membros do Exército e

Igreja – além de muitos proprietários rurais –, defendiam um retorno da ordem

espanhola no México e a religião católica12

. Os liberais, ao contrário, ―creían en la

existencia de un indomable antagonismo entre los antecedentes históricos de México y

su engrandecimiento futuro y en la necesidad de conducir a la patria por las vías del

todo nuevas de las libertades de trabajo, comercio, educación y letras (…).‖

(GONZÁLEZ, 1994, p. 110). É importante matizar que esta ―pureza ideológica não era

sempre observada, tendo os ideais moderados um maior número de seguidores‖.

(FERNANDES; BARBOSA, 2011, p. 91).13

Embora os moderados fossem em maior

número no país, analisar a dicotomia – liberais versus conservadores – existente na

literatura política da época é importante para, posteriormente, explicar a legitimação do

Porfiriato durante seu período governamental.

Entre 1824 e 1856, quarenta e um presidentes ocuparam a presidência do

México. Ademais, entre 1829 e 1830 foi formado um triunvirato composto por Pedro

Vélez, Lucas Alamán e Luis de Quintanar. Apenas a partir de 1854 os conservadores

perderam, por alguns anos, a hegemonia da governança do país, devido à Revolução de

Ayutla contra o então ditador Antonio Lopez de Sant‘Anna14

. Com a renúncia e exílio

deste, a nação passou a ser conduzida por um presidente interino, adepto do setor

liberal: Martín Carrera. Este renunciou um mês depois e passou o cargo à Rómulo Díaz

11

Foram nomeados para o Supremo Poder Executivo Nicolás Bravo, Guadalupe Victoria e Pedro

Celestino Negrete. Os suplentes destes eram: Mariano Michelena, Miguel Domínguez e, futuramente,

Vicente Guerrero. 12

É importante destacar que não era homogêneo o desejo de retorno da Coroa espanhola ao país. Esta

ideia era defendida, principalmente, pela ala radical dos conservadores. 13

É importante salientar que o setor conservador e o liberal no México são entendidos neste texto como

tipos ideais. Não havia uma pureza de ideias no interior de cada um, sendo os indivíduos moderados em

maior número no país. Para um aprofundamento sobre este assunto ver: FERNANDES, L. E. O. Patria

Mestiza: A invenção do passado nacional mexicano (séculos XVIII e XIX). 1. ed. Jundiaí: Editorial Paco,

2012. V.1. 320p. 14

Antonio López de Sant‘Anna foi presidente do país em onze mandatos. É conhecido na historiografia

mexicana por participar tanto de facções liberais, quanto conservadoras.

27

de la Vega, que, permanecendo como presidente interino por apenas três semanas, foi

substituído por Juan Álvarez – um dos principais participantes da referida revolução15

.

Em meados de 1857, Ignácio Comonfort foi eleito presidente do país e, no

mesmo ano, expediu a Constituição liberal mexicana. Os conflitos entre os dois setores

rivais ficaram ainda mais candentes, desembocando na chamada ―Guerra da Reforma‖.

Mas Don Ignácio não seguiu a Carta Magna, aceitando o desconhecimento da mesma

por parte dos conservadores na proclamação do ―Plano de Tacubaya‖, e, mudando de

lado, tornou-se adepto deste setor.

Sendo assim, o ministro da Suprema Corte de Justiça, Benito Juárez, assumiu a

primeira magistratura no lugar de Comonfort. A conjuntura era de quase

ingovernabilidade. O país estava cindido por guerras civis e a atmosfera era de

insegurança. Como escreveu Lilia Díaz, ―a exaltação em que vivia a sociedade fazia

temer a cada instante acontecimentos mais graves.‖ (L. DÍAZ, 2000, p. 597). Comonfort

abdicara da presidência acreditando ser impossível governar com a constituição.

Segundo González, ―a partir de enero de 1858 los partidos liberal y conservador se

traban en una guerra que habría de durar, en su primera fase, tres años.‖ (1994, p. 114).

Com tantos problemas internos, em 19 de janeiro de 1858 Juárez organizou e

estabeleceu seu governo em Guanajuato, estado central do país16

. Três dias depois, Félix

Zuloaga era designado na própria capital, por respaldo conservador, também presidente

do México. O país estava dividido, os estados de Jalisco, Guanajuato, Querétaro,

Michoacán, Nuevo León, Coahuila, Tamaulipas, Colima e Veracruz ficaram ao lado do

governo liberal, centrado na figura de Juárez. Já a capital, Puebla, San Luis Potosí,

Chihuahua, Durango, Tabasco, Tlaxcala, Chiapas, Sonora, Sinaloa, Oaxaca e Yucatán

defendiam os conservadores com o Plano de Tacubaya. Segundo L. Díaz, a guerra

afligia todo o território nacional. (L. DÍAZ, 2000, p. 601).

15

Como explicou González, ―el nuevo presidente [Álvarez] se propuso emprender con prudencia las

reformas reclamadas por la opinión liberal, pero no hubo día de su gobierno sin revueltas de signo

conservador, motivadas por la ‗ley Juárez‘, quien restringía fueros eclesiásticos, la ‗ley Lerdo‘, que

desamortizaba los bienes inmuebles en poder de corporaciones civiles y eclesiásticas, y la ‗ley Iglesias‘,

que prohibía a la Iglesia el control de los cementerios y el cobro de derechos parroquiales a los pobres.

Entretanto se había expedido la convocatoria para el Congreso Constituyente, y hechas las elecciones, la

asamblea constitutiva había empezado a trabajar en 1856.‖ (GONZÁLEZ, 1994, p. 113). 16

A primeira fase da Guerra dos Três Anos é marcada por vitórias militares do grupo conservador.

Juárez, diante dos acontecimentos políticos, foi obrigado a transferir seu governo de Guanajuato à

Guadalajara, sudoeste do México (localizada no estado de Jalisco). Posteriormente migrou para a cidade

de Veracruz, no estado homônimo que fica ao oriente do México, onde conseguiu reestabelecer seu

governo liberal, (GONZÁLEZ, 1994).

28

Outrossim, já no primeiro governo de Juárez, entre meados de 1859 e finais de

1860, foram promulgadas cinco leis – ―Leis da Reforma‖ – que separavam

definitivamente Igreja e Estado; tais leis fizeram com que a primeira perdesse muita

força no México ao proporem: 1) a nacionalização dos bens eclesiásticos; 2) o

fechamento dos conventos existentes no país; 3) o estabelecimento do matrimônio e

registros civis; 4) a secularização dos cemitérios e 5) a supressão de determinadas festas

religiosas. Tais leis obtiveram tanta repercussão que várias charges foram publicadas em

jornais da época mostrando a figura do presidente com a referida legislação em mãos.

Como sintetizou Lucas Furtado Albuquerque, ―(...) a Igreja foi submetida a ações

radicais, principalmente, com a lei de 1859, lei essa que tornava os bens eclesiásticos

propriedade nacional e suprimia as ordens religiosas.‖ (2006, p. 05).

2. Os conflitos externos: as intervenções estrangeiras no México

“(...) en sus tres primeras décadas de vida la nación tuvo

que hacer frente a las amenazas externas: en 1829, el

intento de reconquista; en 1836, la guerra de

independencia de Texas que por contar con apoyo

norteamericano se convirtió en internacional; en 1836,

la guerra con Francia, y la invasión norteamericana de

1846-1848. Con la excepción de la primera, en la que

salió bien librada, las otras fueron un desastre.”

Josefina Zoraida Vásquez

2.1. A relação México-Estados Unidos

Após a independência, o México chegou a ser o país mais extenso da América

hispânica. Amplo, mas sem grande organicidade entre as províncias, ainda no governo

de Augustín I, o Texas foi concedido a Moses Austin, banqueiro norte-americano, para

ser colonizado. Trezentas famílias da antiga Luisiana espanhola migraram para a

localidade e, segundo Luis González, ―el número de colonos creció rápidamente; llegó a

ser en doce años muy superior al de los mexicanos residentes en Texas. La mayoría de

29

los colonos provenía de Estados Unidos (...) y aspiraba a vivir libre de los impuestos y

la vigilancia de México.‖ (1994, p. 103).

Com a abdicação de Itúrbide e a proclamação da República, o Texas não sofreu

grande impacto, mas, em 1824, resultante da anexação à Coahuila pela Constituição de

Cádiz, a província começou a perder a autonomia política que até então havia

adquirido17

.

Por conseguinte, além da referida anexação – Texas-Coahuila, como ficou

conhecida –, a maioria dos colonos texanos procedia da região sul dos Estados Unidos

que, antes da Guerra de Secessão, era escravista18

. Em 16 de setembro de 1829, sendo

Vicente Guerrero o presidente do México, foi abolida a escravidão em toda a República

mexicana; tal medida causou grande mal-estar para os colonos da província, advindos

das regiões escravocratas do vizinho do norte.

Também, outro fator que corroborou para a insatisfação dos moradores do

Texas, além das medidas mencionadas acima, foi a lei expedida em 1830 por Anastasio

Bustamante, presidente do país neste ano. A nova lei federal de colonização enrijeceu a

política sobre colônias, outorgando que elas seriam controladas pelo Estado

(anteriormente, muitos empresários tinham autonomia na região, principalmente os

provenientes dos EUA). Além disto, também foram implantadas aduanas e fortes de

segurança, medidas que resultaram na eclosão de um conflito local contra as medidas

federais. Em 1833 o Texas conseguiu firmar um acordo de separação de Coahuila e, em

1836, após a derrota das tropas de Antonio Lopez de Sant‘Anna, a província tornou-se

independente do México, sendo, em 1845, incorporada ao território dos Estados Unidos

da América.

Com a anexação do Texas pelos norte-americanos, os mexicanos esperavam

que a extensão territorial de seu país chegasse até as margens do rio Bravo e não até as

margens do rio Nueces, limite inicialmente reconhecido. Os problemas de fronteira

fizeram com que um novo conflito fosse gerado. Os norte-americanos invadiram o país,

medida que durou até 1848, ano em que se firmou o ―Tratado de Guadalupe‖. Com o

resultado do Tratado, a nação mexicana perdeu, além do Texas, também as regiões do

17

Para um aprofundamento sobre a historiografia da colonização e independência do Texas cf.

VÁZQUEZ. Los primeros tropiezos. COSÍO Villegas, Daniel. et al. Historia general de México. Cidade

do México: El Colégio de México, 2000. 18

Guerra civil norte-americana que durou entre 1861 e 1865.

30

Nuevo México e a Nueva California. Segundo González, com a perda de mais de

cinquenta por cento do território:

La gente lúcida del país cayó en agudo pesimismo. Se llegó a pensar

que la nación vencida estaba en sus últimos momentos por incapaz de

gobernarse a sí misma y de defenderse de los ataques exteriores.

Lucas Alamán llegó al extremo de gritar: ‗perdidos somos sin remedio

si la Europa no viene pronto en nuestro auxilio‘. En treinta años de

vida independiente, México no había tenido paz, ni desarrollo

económico, ni concordia social, ni estabilidad política.‖

(GONZÁLEZ, 1994, p. 104- Grifo nosso).

Deste modo, como percebemos, as conjunturas explicitadas até o momento

causaram grande receio de perda da soberania nacional. Nas palavras de González, os

indivíduos caíram em um sentimento pessimista e temeroso, os conflitos internos e

externos ganhavam espaço nas obras de intelectuais, causando grande preocupação.

Após trinta anos de independência, o México ainda sofria com os eventos turbulentos

que abalavam sua vida política, social e econômica. Os tempos futuros não seriam

diferentes, como veremos, pois, entre 1863 e 1867, desenvolvia-se uma outra forma de

governo: começava o Segundo Império Mexicano.

2.2. O Segundo Império Mexicano e o respaldo francês

Além dos conflitos com os Estados Unidos, é importante destacar as tensões do

México com a França, que respaldou a vinda de um indivíduo europeu para governar o

país. Como explicado anteriormente, com a perda de poder, o setor conservador, no ano

de 1864, respaldou o ―Segundo Império‖ mexicano, do imperador europeu Fernando

Maximiliano de Habsburgo. O governo foi apoiado pelo Exército francês, centrado na

figura de Napoleão III. Com a invasão francesa no país e o estabelecimento da

monarquia, novamente o governo de Benito Juárez, então presidente, precisou se

estabelecer fora da capital. O presidente migrou para Paso del Norte e, mais uma vez, o

México teve dois governantes paralelos em atividade. Como reiterou Natália Priego,

In the same period the task of trying to construct a national identity

was further complicated by the persistent fear of attempted re-

conquest by Spain, and repeated interference in the country‘s

international affairs by France and Britain, which would culminate in

a large-scale invasion in 1861-1862 (initially supported by Spain and

Britain) which turned into an alliance with conservative groups in

1863 to re-establish monarchy in the person of an imported European

prince, Maximilian von Hapsburg. (PRIEGO, 2008, p. 474).

31

Esta forma de governo (monárquica) durou até 1867, ano em que as tropas

liberais conseguiram derrotar o arquiduque escolhido para governar e instaurar

novamente, e em definitivo, a república liberal – evento conhecido como ―República

Restaurada‖. Maximiliano foi julgado segundo a lei de atentado contra a independência

nacional e, em 15 de junho de 1867, foi sentenciado à pena de morte. Um mês depois

Juárez retornou à capital, respaldado pelos liberais e guiado pelas tropas militares do

general Porfirio Díaz: o triunfo da república se consumara (L. DÍAZ, 2000, p. 631).

Segundo Daniel Cosío Villegas,

La victoria política y militar del grupo liberal sobre el conservador

significaba el término de agrias disputas que con bastante frecuencia

se llevaron al campo de batalla. Parecía, pues, que, por primera vez en

su ya larga y agitada historia, México estaba libre de acechanzas

exteriores e interiores, y que, por lo tanto, iba a gozar de la paz y

tranquilidad necesarias para dedicar todo su esfuerzo y su tiempo a

salir de la pobreza, reanimando su economía con la explotación de sus

abundantes riquezas naturales. (COSÍO VILLEGAS, 1994, pp. 121-

122).

―Por conta de tantos conflitos internos e intervenções estrangeiras, um dos

grandes projetos liberais, quando de seu triunfo na condução do país em 1867, era o de

‗pacificar o México‘.‖ (BARBOSA, FERNANDES, 2011, p. 91). Diante do quadro

turbulento construído acima, a nação necessitava de estabilidade. Em 55 anos de

independência, como vimos, o país experimentou politicamente a forma imperial,

republicana, ditatorial e triunviral, passando pela presidência vários governantes

(FERNANDES; BARBOSA, 2011). Retornando à epígrafe, ―o México sofreu uma crise

quase permanente durante a maior parte deste período‖ (GARNER, 2003, p. 10). Como

resumiu este historiador,

Los inicios de la historia nacional de México estuvieron marcados por

brotes de proclama y reforma constitucional, pronunciamientos

militares y golpes de estado, faccionalismo y guerra civil, y

acentuados por guerras contra la invasión extranjera (de Estados

Unidos en 1847-1848 y de Francia entre 1862 y 1867). La estabilidad

política, medida por el cambio frecuente de gobierno y de ocupantes

de la silla presidencial, fue la pérdida más obvia por este grado de

turbulencia. Por ello, el contraste que representó la casi continua

ocupación de Porfirio Díaz de la presidencia durante los 31 años

posteriores a 1876 es considerable. (GARNER, 2003, p. 10- Grifo

nosso).

Para os autores que analisaremos abaixo, não havia no país estabilidade política

e autoridade governamental. O país necessitava de um presidente forte, um pater

32

patriae, que o fizesse progredir e prosperar: como veremos nas fontes estudadas, a

nação desejava paz. Em 1876 um general chamado Porfirio Díaz assumiu a presidência.

Este governou o México até o ano de 1911 com um curto interregno entre 1880 e 1884,

em que Manuel González esteve à frente do executivo. ―Naquelas décadas, esse

momento de estabilidade política que os anos do Porfiriato pareciam significar, não

passou despercebido.‖ (FERNANDES; BARBOSA, 2011, p. 91).

Diante deste panorama geral esboçado acima, o objetivo do capítulo será

explicar como três indivíduos da elite mexicana, que viveram e escreveram sobre o

Porfiriato ainda durante seu governo, legitimaram seu regime presidencial. Seria

impossível detalhar e não haveria sentido em narrar toda a história política mexicana

desde sua independência à presidência de Porfirio Díaz. Optamos por mencionar,

portanto, os acontecimentos que foram recorrentemente mobilizados pelos autores aqui

analisados. No livro destes polígrafos, percebemos que passar por esta experiência

histórica de conjuntura conflituosa corroborou para enxergar no governo de Don

Porfirio a autoridade que necessitava o país para mudar e não perder sua soberania.

Sobre eles, falaremos abaixo.

3. Bernardo Reyes e a construção do herói: Porfirio Díaz como o

“hacedor” de uma época

O livro El general Porfirio Díaz de Bernardo Reyes teve como escopo construir

uma síntese da vida de Díaz, objetivando apresentar sua biografia pública – tanto como

general, quanto primeiro magistrado do país – à posteridade. O escritor visava

consolidar uma memória do presidente mexicano. Ao analisar a obra, percebemos que

Reyes construiu a interpretação do presidente como um herói que, após lutar em várias

guerras civis e intervenções estrangeiras, buscou, com seu patriotismo, regenerar um

país imerso em caos e anarquia.

Don Bernardo, como Díaz, foi um general mexicano que começou sua carreira

militar aos quatorze anos de idade, alistando-se contra a Intervenção francesa nos

grupos de guerrilhas de seu estado natal, Jalisco (SOTO, 1979, p. 01.). Além disto,

também participou contra os levantes indígenas de Lozada, conhecidos como ―batalha

de Mojonera‖, ocorrida em 1873. Segundo a historiografia sobre o Porfiriato, Reyes

ficou conhecido como um dos pilares do presidente (SOTO, 1979; GUERRA, 1991).

33

Durante o governo de Don Porfirio, o general atuou por muitos anos como

governador do estado de Nueva León, além de ter sido encarregado da zona militar da

região noroeste do país. Em 1896 foi nomeado pelo presidente à função de secretário de

Guerra, mas renunciou. Assumiu novamente o referido Ministério em 1900,

permanecendo no cargo até 1902, época em que terminou o livro.

Ao atentarmo-nos para os aspectos formais da obra de Reyes, vemos que ela é

constituída por duas assimétricas partes. A primeira e maior delas narrou factualmente,

ano a ano, os feitos militares de Porfirio Díaz nas batalhas sofridas pelo país,

demonstrando, assim, a importância que aquele passado turbulento tinha para sua

geração. Don Porfirio participara da maioria dos conflitos entre liberais e

conservadores, da mesma forma como Reyes. Este não deixou de descrevê-las e mostrar

como o país estava imerso em problemas políticos. Já na segunda parte do livro, o autor

descreveu, por períodos de mandatos presidenciais, os feitos de Díaz como governante

(após 1876).

Ao mencionar o ano de 1821, o tapatío focalizou a heterogeneidade nacional

pós-independência. Explicou que não havia um elemento dominador que desse unidade

ao país, e sim o conflito entre diversas facções que, como o mesmo escreveu,

―ocasionaron una anarquía tan desoladora, que llegó a hacer perder alguna vez hasta la

esperanza de la salvación nacional.‖ (REYES, 1960 [1902], p. 09)19

.

Para Reyes, logo após a efetivação da independência, dois grandes partidos

possuíam proeminência: o ―republicano‖, possuindo ideias e propostas liberais; e o

―partido monarquista‖, defendendo os serviços espanhóis e propondo ideias

conservadoras, ancorado, principalmente, pelos militares e clérigos. Segundo suas

palavras, com o ―Plano de Iguala‖, Itúrbide tornou-se imperador, mas em pouco tempo

esta forma de governo foi desconhecida e ―comienza luego la separación de los bandos,

llamados conservador el que tenía tendencias a la monarquía, y liberal el que anhelaba

por la república.‖ (REYES, 1960 [1902], p. 10). Citamos,

19

No século XIX mexicano vários setores da população possuíam ideias divergentes de nação. Segundo

Enrique Florescano, o discurso de ―unidade nacional‖ que foi construído alijou uma multiplicidade de

memórias históricas dos discursos oficiais. Como explicou, ―El Estado-nación, en lugar de aceptar la

diversidad de la sociedad real, tiende a uniformarla mediante una legislación general, una administración

central y un poder único. La primera exigencia del Estado-nación es entonces desaparecer la sociedad

heterogénea y destruir los ‗cuerpos‘, ‗culturas diferenciadas‘, ‗etnias‘ y ‗nacionalidades.‘‖

(FLORESCANO, 2001, p. 561). Para um aprofundamento sobre o tema ver: FLORESCANO, Enrique.

Memoria Mexicana. México: Taurus, 2001, capítulo IX. ―La construcción de la nación y el conflicto de

identidades‖.

34

Se suceden luchas entre ambos, en muchas de las cuales quedaban

mezclados, que no unidos, vencedores y vencidos, debido a

combinaciones efectuadas por el acaso de las revueltas. Surgían otras

nuevas, en que solo se trataba de asaltar el poder por una u otra

personalidad, que halagaba á sus parciales según su interés ó sentir

político, y así se llegó a la más horrorosa anarquía. En medio de ella,

presidiendo al país el general Antonio López de Santa Anna, hombre

que había afectado pertenecer una vez a un bando y mañana á otro,

según sus conveniencias del momento, pero con tendencias

manifiestas al monárquico, en donde sus vanidades eran mejor

satisfechas, en el año de 1846, después de una guerra tristemente

sostenida por ese general, que le valió hondas humillaciones, se

efectúa la separación de Texas de nuestro territorio, para quedar

anexada aquella gran porción de México á la República de los Estados

Unidos del Norte. (REYES, 1960 [1902], p. 10).

Novamente, para Reyes, o conflito entre estes dois grandes setores (liberal e

conservador) causava uma situação de ―horrorosa anarquia‖ ao país, em que muitos

governantes e personagens políticos apenas tinham como objetivo defender seus

interesses: ―y en cada partido, sin ideales bien definidos, sin jefes que pudieran

imponerse sobre las muchedumbres, bullían las pasiones exacerbadas por multiplicados

bajos intereses.‖ (REYES, 1960 [1902], p. 10).

Além deste quadro interno, havia os conflitos com outros países. A perda do

Texas pelo então presidente Antonio López de Sant‘Anna não deixou de ser

mencionada. Falar sobre as guerras civis e intervenções estrangeiras para esta geração

que vivenciou tais conjunturas era importante e necessário. O tema tinha destaque nas

obras: qual seria o futuro do México? Segundo o autor, eram conjunturas que levaram o

país à anarquia e perda de mais da metade do território mexicano. O desejo era por

mudança, a nação necessitava se reerguer e se transformar, para não perder a soberania.

O México precisava de um grande homem, um herói. Ainda sobre os eventos políticos,

afirmou o escritor,

Tras la derrota, se firmó en la villa de Guadalupe el tratado de paz, en

Febrero de 1848, que nos hizo perder en favor del vencedor, además

de Texas, desde antes unido á la República del Norte, parte del

territorio tamaulipeco, Nuevo México y la alta California. Más tarde el

funesto Santa Anna vendía a nuestros vecinos La Mesilla, para que

redondearan sus posesiones.

No bien los invasores desocupaban nuestras plazas, cuando la guerra

civil, encendida en ambiciones personales, volvía entre llamas y

truenos a lanzar su alarido de destrucción. (REYES, 1960 [1902], p.

11- Grifo nosso).

35

O que podemos perceber, portanto, é que os conflitos internos e as intervenções

estrangeiras ganharam dimensão para a geração que vivenciou parte dos conflitos20

. Ao

escrever sobre o Porfiriato e diante deste passado, o México necessitava ―consolidar o

princípio de autoridade‖. Segundo o tapatío, a paz era base para a construção de uma

nação moderna, a ser erguida por Porfirio Díaz.

Como mencionado no parágrafo inicial deste tópico, o livro constituiu-se numa

biografia, gênero que possuía campo fértil no século XIX. (MALATIAN, 2008, p. 18).

Como afirmou Mary Del Priore, era a época ―da história dos grandes homens, motores

de decisões (...).‖ Ademais, nos oitocentos, ―a biografia assimilou-se à exaltação das

glórias nacionais, no cenário de uma história que embelezava o acontecimento, o fato.

Foi a época de ouro de historiadores renomados como Taine, Fustel de Coulanges e

Michelet, autor de excepcionais retratos de Danton e Napoleão.‖ (DEL PRIORI, 2009,

pp. 9 e 8).

O livro retratou a vida do general e presidente de uma forma linear, construída

em uma sucessão cronológica de acontecimentos e formando um trajeto coerente sobre

sua história. Como explicou Pierre Bourdieu, esta forma de escrita nos dá a impressão

de como se a vida se constituísse em um todo, provida de sentido, embora seja uma

concepção artificial, uma ilusão retórica. (BOURDIEU in AMADO; FERREIRA, 2006,

p. 184).21

No capítulo inicial do livro, o autor remeteu-se ao nascimento de Don Porfirio.

Ao mencionar este momento, Reyes relacionou a vida do futuro presidente a um dos

momentos históricos mexicanos mais importantes para a história nacional: a própria

independência do país. Na biografia, havia um significado e direção dos acontecimentos

(BOURDIEU, 2006). Escreveu o tapatío,

20

É importante destacar que os conflitos perdidos por Díaz e seu exército foram transformados por Reyes

em vitórias morais. Um exemplo específico foi o ocorrido em Mitla, em que disse o autor descrevendo a

perda da batalha pelas tropas do coronel: ―Aquel grupo de veteranos del 2º Batallón de Oaxaca, resto

glorioso, reliquia que había quedado de las compañías que, bravas en todas partes, habían sido el núcleo,

el nervio de acción de duras campañas y desiguales combates; aquel grupo, rodeando a su campeón

[Porfirio Díaz] que los había siempre llevado á la victoria, lo acompañó integérrimo, sublime á la hora de

la derrota, y se retiró organizado, dejando ver que los héroes también en la desgracia se muestran

admirables. ¡Ah, sí!, ¡más, muy más grandes que á la hora de los triunfos!‖ E na página seguinte

concluiu: ―La victoria no es una obligación, pero sí lo es el seguir sin desmayar nuestras banderas después

de que ella nos ha herido, como las siguió sin tregua el coronel Díaz, mostrándose cada día más esforzado

aún, como si se hubiera mejor templado con la caldeante llama del infortunio.‖ (REYES, 1960, pp. 58 e

59). 21

Como explicou Bourdieu, ―produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como

o relato coerente de uma sequência de acontecimentos com significado e direção, talvez seja conformar-se

com uma ilusão retórica, uma representação comum da existência que toda uma tradição literária não

deixa de reforçar.‖ (BOURDIEU in AMADO; FERREIRA, 2006, p. 185).

36

Viene el general Díaz á la vida en el año de 1830; nace en Oaxaca el

15 de Septiembre de ese año, día que es aniversario de aquel en que

Hidalgo profiriera, con fulminante inspirado acento, en 1810, en el

pueblo de Dolores, el sublime grito de Independencia, que

repercutiendo atronador por valles y montañas, hasta los más

apartados confines del virreinato del México, levantó en armas á un

pueblo siervo, que tras de once años de lucha heroica, rompió las

cadenas que lo ataran por trescientos años á la metrópoli española,

para así formar una nación independiente y soberana.

¡Coincidencias inexplicables, pero que por su enlace magnífico hablan

de algo inescrutable y grande! Aparece el predestinado para defender

y transformar brillantemente á México, en ese aniversario glorioso del

grito heroico por su independencia. (REYES, 1960 [1902], p. 09-

Grifo no original).

Notamos no trecho acima que Don Bernardo ligou de uma forma linear a história

de vida de Díaz à própria história mexicana. Em 15 de setembro de 1810, o padre

Miguel Hidalgo y Costilla, conhecido no país como o pai da pátria, iniciou, segundo o

calendário nacional, o processo independentista do México, após ter, no povoado de

Dolores, proferido seu famoso grito: “Viva la Virgen de Guadalupe! ¡Abajo el mal

Gobierno! ¡Viva Fernando VII!”22

. Este evento histórico ficou conhecido como um

momento de sublevação de criollos e população local contra as autoridades do Vice-

reino da Nova Espanha. Com um tom encomiástico, o historiador Luis Villoro escreveu:

―a la voz del cura ilustrada, estalla súbitamente la cólera contenida de los oprimidos. La

primera gran revolución popular de la América hispana se ha iniciado.‖ (VILLORO,

2000, p. 504).

Ainda analisando o trecho supracitado, percebemos que Reyes utilizou os

conceitos ―coincidências inexplicáveis‖ e ―predestinado‖ para referir-se ao nascimento

do futuro presidente. Ao final do parágrafo, vemos que o autor optou pelo caráter

predestinado do nascimento de Díaz. Ou seja, o herói que, por antecipação, destinado a

grandes feitos, viria não apenas ―defender‖, mas ―transformar‖, modificar com

magnificência aquele México marcado por instabilidade e desordem, que o tapatío

mencionava em páginas anteriores (BARBOSA; FERNANDES, 2011).

Da ascensão de Díaz à presidência do país, ao voltar os olhos para trás, Reyes

enxergava um caótico passado nacional. De 1810 a 1876 o México estava mergulhado

em anarquia, devido, como mencionamos, aos conflitos internos e intervenções

estrangeiras. Assumir a primeira magistratura naquele contexto não era, para o autor,

22

Cabe mencionar que existem várias versões sobre o ―Grito de Dolores‖. Como o foco não é o seu

estudo e cotejo, optamos pela variante de maior circulação. Sobre o tema cf. VILLORO, Luis. ―La

revolución de independencia‖. In: COSÍO, Daniel Villegas et al. Historia general de México. Cidade do

México: El Colégio de México, 2000.

37

tarefa fácil. Qualquer estadista, mesmo que egrégio, ou algum afortunado vencedor,

sentir-se-ia desalentado, uma vez que reerguer a nação imporia ―tarefas titânicas‖,

gigantescas. Mas tal situação não desanimava Díaz, quem com o gênio do adivinho, a

predestinação do nascimento e o heroísmo das grandes lutas que sofrera o país,

enxergou com ―intuição profética‖, ou seja, podendo predizer fatos do futuro, um porvir

feliz:

El compromiso era solemne é imponía tareas titánicas, ante cuya

perspectiva se hubiera sentido anonadado cualquier estadista ilustre,

cualquier afortunado vencedor, pero no quien con el genio del vidente,

con la energía del gladiador, desarrollada en grandes luchas; con la fe

del triunfador, con la iniciativa del gobernador providente, y con el

amor á la patria del que hiciérase glorioso combatiendo á muerte por

ella, había medido de antemano, con olímpica serenidad y con

intuición profética, lo formidable de la empresa á que se arrojara, y

entrevisto con los ojos de la mente la realización feliz de sus proyectos

colosales…

Al solitario de Oaxaca en 1870, á fuerza de encender su pensamiento

en los grandes ideales patrióticos, habíase mostrado la visión de la

República feliz. Y el vidente se sintió impulsado, volando á realizar

los propios destinos, en busca de aquella anhelada prosperidad para

México. (REYES, 1960 [1902], p. 267).

A biografia de Reyes assemelhava-se ao gênero épico, apresentando os eventos

heroicos de Díaz. A construção da imagem do presidente e general equiparou-se ao

herói moderno, consagrado como matriz de pensamento a partir do livro de Thomas

Carlyle23

. Como explicou Débora Andrade, o historiador escocês compartilhava de

uma tradição oitocentista que se preocupava com as ações dos grandes homens no

processo histórico. ―As comunidades históricas recorrentemente apropriaram-se do

passado e das narrativas ancestrais na tentativa de legitimar ou compreender ações

presentes.‖ (ANDRADE, 2009, p. 229).

No início do livro Tratado de los héroes (ed. 1946), o escritor deixou claro seu

objetivo:

(...) a mi entender, la Historia Universal, la Historia de lo que los

hombres han realizado en este mundo es, en lo esencial, la Historia de

los Grandes Hombres que han actuado en él. Estos Grandes son los

23

Referimo-nos à obra On heroes, heroe-worship, and the heroic in history, publicado pela primeira vez

em 1841, ganhando uma edição em espanhol no ano de 1893.Foi historiador e ensaísta durante o reinado

de Vitória, no Reino Unido. O escritor foi influenciado pela filosofia alemã, possuindo fundamentação no

chamado ―Historicismo‖. Suas obras foram amplamente lidas entre os séculos XIX e início do XX. Como

explicou Andrade, ―no historicismo, a vida das nações seria criada e transformada pela ação dos homens,

assim como o sentido do mundo histórico seria gerado por ela. (RUEDIGER, 1991).‖ (2009, p. 246).

Sobre esta filosofía, também ver: RUEDIGER, Francisco. Paradigma do Estudo da História. Porto

Alegre: IEL, 1991; MATA, Sérgio. ―Elogio do Historicismo‖. In: VARELLA, F.; MOLLO, H.; MATA,

Sérgio da; ARAUJO, Valdei L. de. (Org.) A dinâmica do historicismo: revisitando a historiografia

moderna. Belo Horizonte: Argumentum, 2008.

38

conductores de hombres; los modeladores, los ejemplares y, en lato

sentido, los creadores de todo cuanto el común de las gentes se han

propuesto hacer o lograr; todo lo que vemos persistir de lo realizado

en el mundo, es propiamente el resultado material exterior, la

realización práctica y corpórea de los Pensamientos que residieron en

los grandes Hombres enviados al mundo: el alma de toda la historia

del mundo, podemos decirlo con toda razón, ha sido la historia de

estos hombres. (CARLYLE, 1946, p. 33).

Neste sentido, para Carlyle, a história universal foi definida como a biografia

dos grandes homens, estes detentores da característica de conseguirem modificar a

sociedade em que estavam inseridos – tanto no aspecto material, como moral e

espiritual. Esses importantes cidadãos enviados ao mundo tinham a tarefa de conduzir

os outros indivíduos, servindo sempre como modelo e exemplo a ser seguido e

admirado. O escritor menciona seis tipos de heróis, cada um aparecendo em uma

determinada época. O primeiro constituía-se como o Herói-Divindade e sua figura

maior foi representada por Odin, considerado deus nórdico da sabedoria, guerra e morte.

O segundo era o Herói Profeta, representado na figura de Maomé. Também destacava-

se o Herói-Poeta e Sacerdote, centrados na figura de Shakespeare e Martinho Lutero.

Por fim, Carlyle menciona o Herói-Literato, cujo exemplo foi Rousseau e o Rei,

representado nas figuras de Napoleão Bonaparte e Oliver Cromwell. O herói-rei foi

considerado pelo escritor como um dos tipos mais modernos e que agregava

características das classes anteriores de heróis. Por conseguinte, uma de suas qualidades

era guiar a nação a um momento de ordem, estabilidade, em oposição à desordem.

Como afirmou, ―a pesar de todo, el héroe surge, y se afirma realmente de tal modo que

todos confían en él.‖ (CARLYLE, 1946, p. 252).

Sendo assim, podemos inferir que a construção da imagem de Díaz reuniu

todas as qualidades dos tipos heroicos de Carlyle em Reyes: Don Porfirio era o homem

predestinado a transformar o México e guiá-lo à uma atmosfera de ordem e estabilidade.

Com ―intuição profética, como dito acima, ele guiaria a nação a um futuro feliz,

diferente do passado em que vivera o país. Seu caráter continha elementos de bravura e,

por patriotismo, sacrificava-se nas batalhas e ―tarefas titânicas‖. Utilizando as palavras

do historiador escocês, Díaz era o ―Homem Capaz‖ que sintetizava toda uma época.

Ao assumir a presidência, o que precisava Díaz fazer? Segundo Reyes,

―despertar el amor al trabajo é imponer el respecto á la ley, en un pueblo que había

nacido y vivido en el llameo de nuestras guerras extranjeras ó intestinas. (REYES, 1960

[1902], p. 269). Para o tapatío, o que movia Díaz a governar o México era seu

39

patriotismo, ou seja, seu desejo de conduzir para (e pela) a nação. Se o passado

mexicano era caótico, o presente era caracterizado por uma atmosfera de paz, progresso

material e ordem. Reyes acreditava em um bom futuro mexicano. O autor via na figura

do presidente o indivíduo que iria trazer prosperidade ao país.

Diante das reflexões acima, percebemos que a imagem de Díaz era importante

no que Reyes conceituou ―evolução salvadora‖ do México e sua população (1960

[1902], p. 273). Enquanto a presidência de Benito Juárez foi marcada por governos

paralelos, tendo sempre que migrar da Cidade do México a outros estados – como

explicado acima –, o Porfiriato distinguia-se pela ordem: o México evoluía com seu

governo. Como dizia o tapatío, o grito da locomotora, símbolo do progresso material

porfirista, era mensageiro de dias melhores.

Sobre o período governamental de Díaz, Reyes destacou o amor do presidente

pelo México, a transformação do país em uma nação moderna que, sob esse governo,

passou a vivenciar uma situação de paz, ordem e progresso material. Reproduzindo

trechos dos documentos oficiais, Don Bernardo destacou os grandes feitos materiais do

país, a construção das estradas de ferro, dos telégrafos, a construção de hospícios,

bancos, escolas, do Desagüe del Valle, que na época era símbolo de salubridade pública,

entre outros24

. Além disto, ―mientras el mundo aumentaba sus exportaciones, como sus

importaciones, a un ritmo anual del 3.6%, México lo hacía al 6.1% y 4.7%

respectivamente.‖ (KRAUZE, 1987, p. 108). O tapatío também dava ênfase na

organização da ―Hacienda‖ pública, ou seja, ao equilíbrio econômico dos egressos e

ingressos do país. Tal equilíbrio foi conseguido pelo presidente entre os anos de 1895-

1896 e Reyes descreveu da seguinte forma o episódio:

La obra estaba hecha, la nación regenerada; el México moderno

saludó gozoso á los pueblos cultos al entrar de lleno en la nueva era de

su historia, que señala la época de la gestión administrativa de que nos

hemos ocupado en los tres últimos capítulos de esta biografía;

biografía que ha necesitado extensas páginas, ya que se ha tratado

escribir la vida de un héroe y de un estadista que con sus proezas en la

guerra y en la paz ha fatigado los ecos de la Fama. (REYES, 1960

[1902], p. 313- Grifo nosso).

24

―Los tiempos en que para tener noticia de alguna parte del país se demandaba el transcurso de medio

mes, y de uno ó dos meses más para que alguna fuerza puesta en campaña llegara á ella, eran propicios,

naturalmente, á las revueltas; pero el telégrafo y el ferrocarril las hicieron difíciles y contribuyeron á

consolidar la paz y tranquilidad públicas, que atrajeron el capital extranjero para que viniera á derramarse

en nuestro territorio, erigiendo fábricas y talleres é innúmeras industrias.‖ (REYES, 1960 [1902], p. 298)

40

Percebe-se que Reyes utilizou a noção de ―nação regenerada‖, ou seja, Don

Porfirio conseguiu, durante sua presidência, gerar novamente a nação mexicana;

reconstruiu um país estável, pacífico e moderno. Reiteramos: enquanto percebemos em

seus escritos que a primeira metade do século XIX, pós-independência, foi representada

como conflituosa, em que o governo de Benito Juárez, antes da República Restaurada,

por exemplo, foi itinerante, tendo que se instalar em vários estados devido às disputas

entre o grupo liberal e o setor conservador do país; a partir de 1876, já percebemos uma

estrutura organizada de governo, base para o desenvolvimento nacional nas obras do

autor. Ademais, a referência à fama do presidente não nos parece fortuita; novamente,

há uma indicação ao modelo épico da escrita biográfica nesses contextos nacionais,

caracterizada por um discurso laudatório e encomiástico. Quando o general escreveu a

respeito da reeleição de Don Porfirio em 1884, ficou clara a justificativa de que aquela

era uma vontade popular; em nenhum momento do livro, o autor qualificou o presidente

de ambicioso ou egoísta, conforme veremos, por exemplo, na obra de Francisco Madero

– e escritores analisados no capítulo dois. Para o autor, Díaz foi chamado pelo voto

público25

para retornar à primeira magistratura do país, posteriormente ao mandato de

González26

. As várias reeleições do presidente também se justificaram por uma vontade

popular, em nenhum momento o autor classificou o governo porfirista como ditatorial

ou despótico. A nação confiava no presidente e legitimava seus atos. Escreveu,

La Carta fundamental, que había sido reformada en el sentido de que

no fuese aceptada la reelección del Presidente de la República, sufrió

nuevas reformas, desde Octubre de 1887, contrariando aquel

principio; y en 1888 el General Díaz fue agraciado por el voto público

25

Neste ponto achamos importante destacar que mesmo Bernardo Reyes não sendo um crítico do governo

porfirista, existiu no México um movimento popular conhecido como ―Reyismo‖. Reyes possuía grande

popularidade no país e quando da notícia, em abril de 1909, de que eram candidatos para as eleições de

1910 Porfirio Díaz e Ramón Corral, muitos indivíduos passaram a almejar Reyes para o cargo, pedindo

que Don Porfirio reconsiderasse sua escolha. Segundo Artemio Benavides Hinojosa (1998), entre maio e

junho do mesmo ano vários clubes foram organizados tanto na capital, quanto nos estados, com a

proposta de que Reyes fosse o vice-presidente. Contudo, diante desta situação o próprio Reyes não tomou

nenhuma atitude, negando-se a encabeçar o movimento e partindo para Paris (a pedido do presidente) em

novembro de 1909. Como escreveu Benavides, ―frente a la elección presidencial de 1910, son los reyistas

los más importantes protagonistas, no el general Reyes que ‗no hizo entonces –ni nunca – acto público de

candidatura. Todo el episodio reyista permanece caracterizado por esta ambigüedad permanente: la de un

movimiento extremadamente popular, en que el candidato jamás quiso ponerse a la cabeza de sus tropas‘‖

(BENAVIDES 1998, p. 292). 26

―Cuando tanto anhelo habíase manifestado por la prosecución del General Díaz en el poder, desde que

se efectuara anteriormente el cambio de personal en el supremo gobierno, en 1880, era de esperarse que

en la renovación de 1884 fuese llamado por el voto público, nuevamente, á la Presidencia de la República

aquel ilustre gobernante.

Cierto malestar, que fue rápidamente tomando creces, hubo de experimentarse en la nación en los últimos

tiempos del período del General González; pero la esperanza en el general Díaz tuvo en suspenso los

ánimos, y su vuelta á la primera magistratura de la nación era esperada con ansiedades que parecían

desbordarse.‖ (REYES, 1960 [1902], p. 282).

41

para seguir al frente de los destinos de la nación, sucediendo lo mismo

en cada uno de los períodos subsecuentes.

La opinión se pronunció resueltamente por la reelección, cuando

estuvo al frente del Gobierno el hombre que llegó á ser un símbolo de

prosperidad nacional. (REYES, 1960 [1902], p. 286).

Portanto, inferimos que Porfirio Díaz, na obra de Reyes, foi representado como

um herói, o indivíduo que conseguiu pacificar o México ou, como dito acima, tornar a

gerar um país que por tempos foi ameaçado de perder sua independência e soberania.

Em várias passagens do livro percebemos como Don Bernardo expôs a noção de que

houve uma ―segunda independência‖ mexicana sob o Porfiriato. Esse posicionamento

pode ser visto no trecho abaixo,

México en paz, ofreció tales seguridades al hombre y á sus intereses

que ello le dio fama, y llego á todas partes del globo la noticia de las

garantías que en el país se disfrutaban.

Se extendió la buena nueva, y el país aquel, de abolengo anárquico, se

presentó de forma tal ante la consideración de los otros pueblos, que

sabían de improviso el estado de su florescencia, que se reputó su

progreso maravilloso; y todas las miradas buscaron al promotor de sus

adelantos, al autor de la transformación nacional, y vieron al héroe de

una leyenda que sobre el removido, sangriento campos de luchas,

venía regando bienes, y hacía surgir del antiguo al brillante México

moderno. (REYES, 1960, [1902], p. 299).

―Para o tapatío, no cenário internacional das nações civilizadas, o México podia,

ao livrar-se de seu ―avoengo passado anárquico‘, desfrutar de um merecido lugar. Era

local de leis e instituições sólidas. Esta situação se devia ao herói Díaz e o povo anuava

com isso.‖ Desta forma, ―não só a população mexicana aplaudia a pacificação do

passado e projetava um ‗brilhante México moderno‘, como também todos os povos do

mundo já tinham ciência disso.‖ (FERNANDES; BARBOSA, 2011, p. 97). Diante dos

sangrentos campos de batalha entre liberais e conservadores, Don Porfirio emergia

regando bens e fazendo florescer naquele solo, em que tantos indivíduos morreram, um

novo país. Diante de tanto sacrifício e bravura, apenas este grande homem poderia ter

empreendido todas as ações modificadoras à sua pátria.

4. Justo Sierra e a legitimação do Porfiriato

Justo Sierra, como dito acima, foi membro da chamada elite científica

porfirista. Participou ativamente da União Liberal Nacional, grupo criado no ano de

42

1892 que, mesmo apoiando e propagandeando as reeleições do presidente, não deixou

de criticar algumas posturas adotadas por ele. Como escreveu Luis González, ―fue un

grupo [os Científicos] que más de una vez censuró con mucha mano izquierda la obra

de Porfirio Díaz desde una plataforma política dada a conocer desde 1892 en famosa

convención.‖ (2000, p. 674). Para Garner,

El vehículo de desafío al poder ejecutivo, desde el interior del círculo

de asesores más allegados, fue la Unión Liberal Nacional, formada en

1892, que surgió del Consejo central porfirista que se formó el mismo

año para promover la tercera reelección de Díaz. Como lo explica

Charles Hale, no había contradicción en el apoyo a la tercera

reelección de Díaz y, al mismo tiempo, la propuesta de que la

reelección debía ser la excepción, pero no la regla. Como lo afirmó

Justo Sierra, abogado, periodista, primer secretario de Instrucción

pública después de 1905 y uno de los intelectuales más destacados de

la época, en el manifiesto de la Unión Liberal: ―Si la paz efectiva se

ha conquistado por medio de la vigorización de la autoridad, la paz

definitiva se conquistará por medio de su asimilación con la

libertad.‖27

(GARNER, 2003, p. 206).

Embora Sierra tenha criticado algumas posturas da presidência de Don Porfirio

e principalmente, em seus últimos mandatos, a falta de partidos políticos no México,

procuraremos compreender como no ensaio ―La era actual‖, encontrado no livro

México: su evolución social, o autor legitimou, em um primeiro momento, a

concentração de poder nas mãos do presidente – embora acreditasse ser tal medida

perigosa para o desenvolvimento de um governo democrático e um futuro abalizado na

liberdade [como percebemos na passagem supracitada]28

. Don Justo não deixou de

criticar a falta de liberdade política que existiu no México porfirista, mas, em certa

medida, justificou a necessidade de uma maior concentração de poder nas mãos de

Díaz. Para o intelectual, tal medida era necessária para acabar com os conflitos no país.

27

Este trecho do manifesto de Justo Sierra foi retirado por Paul Garner da obra de Charles Hale: The

transformation of Liberalism in Late Nineteenth-Century Mexico, autor de uma trilogia muito conhecida

sobre o liberalismo mexicano: Mexican Liberalism in the Age of Mora1821-1853 (1968), The

transformation of Liberalism in Late Nineteenth-Century Mexico (1989) e Emilio Rabasa and the

Survival of Porfirian Liberalism (2008). Diferentemente do que Jesús Reyes Heroles afirmou anos antes

em El Liberalismo Mexicano (1957-1961), Hale acreditava que o liberalismo e o positivismo não eram

totalmente opostos, sendo as ideias do segundo adotadas pelo primeiro durante a segunda metade do

século XIX. Criticando a proposta de Reyes Heroles, para quem o Porfiriato seria a negação do

liberalismo, Hale defendeu que, a partir de 1867 até 1878, o liberalismo no México se estabeleceu

principalmente como ―mito político unificador‖ (1991, p. 15), sendo posteriormente agregadas ideias

positivistas a ele. 28

Segundo Javier Garciadiego: ―en general, la relación de los intelectuales mexicanos de fines del siglo

XIX y principios del siglo XX con Porfirio Díaz no fue áspera. Articulado de una u otra manera bajo la

égida de Justo Sierra, secretario de Instrucción Pública, los intelectuales se beneficiaron del crecimiento

del aparato educativo, del desarrollo del periodismo moderno y de la estabilidad de un gobierno con

creciente solicitud de profesionales, imprescindibles a la modernización de la economía nacional.

(GARCIADIEGO, 2008, p. 31)

43

Segundo Valdir dos Santos Junior, ―em suas obras historiográficas, esse autor afirmava

a necessidade de ‗paz social‘ após anos de guerra civil. Nesses textos, o presidente

Porfírio Diaz era representado como a personificação desse ideal.‖ (2012, p. 05).

Como vimos na obra de Bernardo Reyes, Justo Sierra também mencionou as

tensões entre conservadores e liberais que assolaram o país. Descreveu a situação

política mexicana até o momento da República Restaurada:

La obra gubernamental era, empero, irrealizable sin finanzas, y la

creación de ellas parecía más irrealizable aún, por la dificultad

tremenda de la reorganización del país y nuestra falta absoluta de

crédito en el exterior, producida no sólo por la inmensa desconfianza y

el invencible recelo con que se venía nuestra tentativa de fundar un

verdadero gobierno, indiscutido en sus principios, consentido en sus

medios y nacionalmente aceptado en sus fines (cosa que, puede

decirse, era insólita en nuestra historia), sino por la entera y legítima

actitud que habíamos tomado frente a nuestros acreedores extranjeros,

considerando unos créditos como nulos de origen y otros sujetos a

revisión y a pactos nuevos. La considerable merma de la riqueza

pública, consecuencia de once o doce años de guerra no interrumpida;

la imposibilidad de definir sin estadística, ni incipiente siquiera, el

asiento del impuesto; la seguridad de encontrar obstáculos en

dondequiera que se intentara reintegrar a la Federación en el

aprovechamiento de sus recursos legales, retenidos por las

administraciones locales, que necesitaban vivir y que, en realidad,

administraban la bancarrota y capitulaban con la anarquía, autorizaban

todos los pronósticos pesimistas y mostraban el punto negro que

pronto se convertiría en el final desastre de nuestra nacionalidad:

nuestro pueblo que, como decía por entonces un preclaro poeta

mexicano, ―mandar no sabe, obedecer no quiere‖, iba fatalmente a la

impotencia y a la absorción norteamericana. (SIERRA, 1940, p. 267).

Analisando a citação acima, percebemos que Sierra afirmava estar o país com

problemas financeiros. Diante da conjuntura política e econômica por que passava o

México, qualquer obra do governo parecia irrealizável. As dívidas acumuladas no

exterior eram grandes e o país mostrava-se desorganizado. Para o escritor, a riqueza

pública estava desgastada, resultado ―de onze anos de guerra não interrompida.‖.

Ademais, em um país de tão grande extensão territorial, faltava organicidade entre os

estados e a federação: muitos caudilhos locais possuíam forte força política.

Deste modo, até o momento da República Restaurada, o México viveu em uma

atmosfera de finanças em bancarrota e anarquia; situação vislumbrada devido a tantas

guerras civis. Ao olhar para o futuro, havia pessimismo diante dos problemas internos.

Por conseguinte, os escritores demonstravam grande medo de perda da soberania

nacional. Sierra qualificava aquele momento histórico como ―anormal‖.

44

O autor descrevia o México pós-guerras civis da seguinte forma: ―el país estaba

desquiciado; la guerra civil había, entre grandes charcos de sangre, amontonado

escombros y miserias por todas partes; todo había venido por tierra (...).‖ (SIERRA,

1940, p. 280). O conflito entre liberais e conservadores deixara o México sob

―escombros‖. A miséria pairava sobre a população. ―Tudo veio por terra‖. As guerras

intestinas abalaram tanto o país que geraram transtornos (―desquicios‖) a ele: as

circunstâncias atrapalhavam a rotina do país. O passado mexicano, para Sierra, era

compreendido como o lugar dos conflitos permanentes e da paz acidental, eventual

(UZUM, 2010, p. 88). Tais características, para o escritor, precisavam ser modificadas.

Em seu ensaio Don Justo preocupava-se com a conjuntura política mexicana.

Como vimos, ele ―não acreditava que o quadro do passado, antes de Díaz, era apenas

caótico, como defendia Reyes, mas que havia destruído o México fisicamente. O texto

de Sierra reduz o país pré-Diaz a escombros e miséria, a um local onde nada mais

parava de pé.‖ Ou seja, ―como em um romance, o prólogo prenunciava o que estava por

vir: a reconstrução ocorrida durante o Porfiriato.‖ (FERNANDES; BARBOSA, 2011,

pp. 98-99). O escritor analisou a história contemporânea sobre seu país com atenção.

Objetivando ser imparcial e valendo-se da crítica documental, legitimava o Porfiriato

através da comparação com o passado turbulento do país. Além disto, na opinião do

próprio autor, sua condição de observador-participante, ou seja, sua experiência por

estar vivenciando aquela época, autorizava-o e legitimava-o a dizer sobre o período

porfirista.

No prelúdio feito ao seu livro, Abelardo Villegas escreveu que, em 1878, o

advogado, juntamente com alguns conhecidos, organizou o periódico intitulado La

Libertad, que propunha justamente o fim das disputas entre os setores conservador e

liberal do país. Segundo o historiador, ―el periódico mismo eleva[va] el epíteto de

‗diario liberal conservador‘ y enfoca[va] la cuestión nacional con las armas del

positivismo comtiano y del organicismo spenceriano (…).‖ (VILLEGAS, 1985, p.

XIV). Como reiterou Santos Junior, ―em suas obras, Justo Sierra formulou uma

justificação histórica para o regime de Porfírio Diaz alicerçada em duas ideias centrais:

a ordem política e a mestiçagem. A primeira delas, em especial, obteve forte destaque

nas páginas de La Libertad.‖ (2012, p. 03).

Além do cenário interno descrito por Sierra, devido às disputas abaixo do Rio

Grande, a imagem que se formava do México no exterior, principalmente na vizinha do

45

norte, também era preocupante29

. Se a situação interna do país era de anormalidade,

escombros e transtornos, nas Relações Exteriores havia o medo de perda da soberania

nacional. O receio advinha da possibilidade de acusações como falta de governabilidade

e incapacidade administrativa interna. Escreveu o autor,

Estaba probado; México era un país ingobernable, los Estados Unidos

debían poner coto a tanto desmán, ya que Europa era impotente para

renovar la tentativa. Los sociologistas nos tomaban como ejemplo de

la incapacidad orgánica de los grupos nacionales que se habían

formado en América con los despojos del dominio colonial de España,

y el ministro de los Estados Unidos asumía una actitud de tutor altivo

y descontento ante el Ejecutivo revolucionario.‖ (SIERRA, 1940, p.

281).

Referindo-se a esta situação conturbada, Sierra escreveu que a vontade do povo

mexicano era a de que existisse paz no país: ―pocas veces se habrá visto en la historia de

un pueblo una aspiración más premiosa, más unánime, más resuelta.‖ (SIERRA, 1940,

p. 281). Tendo em vista tal aspecto, comparando com a obra de Reyes, Sierra também

tangeu a mesma questão da necessidade de pacificar o México – embora em seu

trabalho já encontremos certas críticas direcionadas ao governo, mesmo que veladas. Ao

falar sobre o regime presidencial de Porfirio Díaz, o autor escreveu que o presidente

estabeleceu seu poder sobre este desejo popular, unânime, de paz interna.

A população almejava tranquilidade. Como explicitou acima, o México estava

sob destroços. O desejo de pacificação ―escapava das fendas daquele enorme

amontoado de ruínas legais, políticas e sociais‖ (SIERRA, 1940, p. 282). Tal vontade

era comum entre os cidadãos mexicanos. A nação não mais aguentava viver imersa em

conflitos internos. Para Don Justo,

Se o México estava reduzido a escombros, desolado, a vontade da

nação por paz era diametralmente oposta. Sólida, firme, mas

representada por um buraco profundo que deveria ser preenchido pela

paz. Logo, a ―árvore da paz definitiva‖ tinha, por conseguinte, raízes

igualmente profundas, capazes de ocupar esse enorme espaço de

expectativa e ansiedade pela própria pacificação. Para que ela se

enraizasse, mesmo os pecados de origem que a geraram, como o

―sangue derramado dos irmãos‖, haveriam de ser perdoados. Com

Díaz, o México chegara a uma encruzilhada: pacificação completa ou

caos absoluto. (FERNANDES; BARBOSA, 2011, p. 100).

Para que Díaz conseguisse gerar estabilidade ao país, o literato explicou que o

presidente fundou sua autoridade na fé e no temor dos mexicanos para com ele, ou seja,

segundo as ideias de Don Porfirio, era necessário que, ao mesmo tempo em que a

29

Percebemos em Sierra, como em Reyes e no próprio Madero, a preocupação de perda de soberania do

México frente aos Estados Unidos.

46

população do país tivesse fé em sua figura e em seu governo, não poderia deixar de

temê-lo (necessidade de um pulso firme, imprescindível em alguns momentos)30

. É

importante ressaltar que Sierra deixou clara a diferença entre temor e terror, sendo este

―instrumento de despotismo puro.‖ (SIERRA, 1940, pp. 282-283). Já em seu ensaio

México social y político, datado de 1889, percebemos uma defesa da necessidade de um

poder executivo forte no país, que não caísse em tirania, mas que conseguisse suprimir a

anarquia.31

(UZUM, 2013).

Como percebemos em seu ensaio [―La era actual‖], ―o temor era algo que

deveria ser perene como sentimento, mas não deveria ser exercido como poder o tempo

todo. Em momentos de tribulação, o presidente deveria ser implacável, até mesmo

impiedoso.‖ Contudo, ―passado o perigo, a normalidade deveria se instalar. O temor de

um novo momento no qual o rigor governamental tivesse que ser acionado encarregar-

se-ia de manter a paz.‖ (FERNANDES; BARBOSA, 2011, p. 100).

Deste modo, podemos inferir que Don Justo utilizava-se da velha máxima

maquiavélica32

, já que acreditava que Díaz necessitava fundamentar sua autoridade na

fé e no temor da população para com ele. Assim, Don Porfirio não deveria utilizar este

poder recorrentemente, sem fundamentação. Mas, em alguns momentos, ele era

importante para Díaz ter legitimidade e ação para modificar a conjuntura mexicana,

mantendo a paz.

Ao falar sobre a volta de Díaz ao poder em 1884, Sierra também expôs, como

Reyes, a noção de que o ex-presidente voltou a ocupar a primeira magistratura devido à

vontade nacional, já que havia um medo no país de que este passasse novamente por

conflitos civis. A justificativa de a população ter outra vez o escolhido, segundo Sierra,

foi a expectativa de que Don Porfirio restabelecesse a ordem e procurasse nivelar as

finanças do país, ações que não foram efetivadas durante o governo anterior, do general

Manuel González33

. Como escreveu,

30

―La fe y el temor, dos sentimientos que, por ser profundamente humanos, han sido el fundamento de

todas las religiones tenían que ser los resortes de la política nueva. Sin desperdiciar un día ni descuidar

una oportunidad, hacia allá ha marchado durante veinticinco años el presidente Díaz; ha fundado la

religión política de la paz.‖ (SIERRA, 1940, p. 282). 31

Sobre o conceito de tirania, falaremos mais detidamente no capítulo dois desta dissertação. 32

Maquiavel explicou no capítulo XVII de O Príncipe que era desejável ao governante ser amado e

temido, pois os homens não ofendem um indivíduo que se faz receado, conseguindo ele, assim, conduzir

o país com sucesso. Para Maquiavel, ser temido pelo governante não era sinônimo de odiá-lo, uma vez

que o príncipe não podia proceder contra o povo sem uma justificação ou causa importante, mas sim

quando necessário (MAQUIAVEL, 1513). 33

Escreveu Sierra: ―El deseo verdadero del país, el rumor que escapaba de todas las hendiduras de aquel

enorme hacinamiento de ruinas legales, políticas, sociales, el anhelo infinito del pueblo mexicano que se

47

Algo así como una colérica unanimidad había vuelto al antiguo

caudillo de la revolución al poder; los acontecimientos de la capital

parecían indicio cierto del estado precario de la paz y de la facilidad

con que podría caerse en las viejas rodadas de la guerra civil; la

anarquía administrativa y la penuria financiera daban a la situación

visos de semejanza con la del período final de la legalidad de 76, y a

todos parecía que se habían perdido ocho años y que habría que

recomenzarlo todo; la opinión imponía el poder al presidente Díaz

como quien exige el cumplimiento de un deber, como una

responsabilidad que se hacía efectiva. (SIERRA, 1940, p. 287).

Para que Díaz conseguisse efetivar as tarefas que o país necessitava, era

imprescindível que ele concentrasse a maior soma de poderes em suas mãos. O autor

destacou quatro autoridades que eram necessárias ao presidente: a autoridade legal, ou

seja, o respaldo constitucional que ele possuía, uma vez que tinha sido eleito primeiro

magistrado mexicano; autoridade política, que para Sierra seria o poder de dirigir as

câmaras responsáveis pelas leis do país, bem como o governo dos estados mexicanos;

autoridade social, que o constituiria ―en supremo juez de paz de la sociedad mexicana

con el asentimiento general, ese que no se ordena, sino que sólo puede fluir de la fe de

todos en a rectitud arbitral del ciudadano a quien se confía la faculdad de dirimir los

conflictos‖ (SIERRA, 1940, p. 288). A quarta autoridade seria a moral, que consistia em

um modus vivendi de uma pessoa que se manifesta, externaliza-se, por um lugar, que no

caso de Don Porfirio, seria o México.

Deste modo, para Sierra, com toda essa autoridade em suas mãos o presidente

conseguiu estabelecer a paz no país:

(...) y era está, no huelga decirlo aquí, la última de las tres grandes

desamortizaciones de nuestra historia: la de la Independencia, que dio

vida a nuestra personalidad nacional; la de la Reforma, que dio vida a

nuestra personalidad social, y a la de la Paz que dio vida a nuestra

evolución total. Para realizar la última, que dio todo su valor a las

anteriores, hubimos de necesitar, lo repetiremos siempre, como todos

los pueblos en las horas de las crisis supremas, como los pueblos de

Cromwell y Napoleón, es cierto, pero también como los pueblos de

Washington y Lincoln y de Bismarck, de Cavour y de Juárez, un

hombre, una conciencia, una voluntad que unificase las fuerzas

morales y las trasmutase en impulso normal; este hombre fue el

presidente Díaz. (SIERRA, 1940, p. 289).

manifestaba por todos los órganos de expresión pública y privada de un extremo a otro de la República, a

pesar de su autoridad constitucional. Nadie quería la continuación de la guerra, con excepción de los que

sólo podían vivir del desorden, de los incalificables en cualquier situación normal. Todo se sacrificaba a

la paz; la Constitución, las ambiciones políticas, todo, la paz sobre todo. Pocas veces se habrá visto en la

historia de uno pueblo una aspiración más premiosa, más unánime, más resuelta. ―(SIERRA, 1940, p.

282). A população almejava paz. Como descreveu acima, o México estava sob escombros, das ―fendas

daquele enorme amontoado de ruínas legais, políticas e sociais‖, o desejo unânime era de pacificação do

país. A nação não mais aguentava viver imersa em conflitos internos. Pela paz se fazia e sacrificava tudo.

48

Como percebemos na citação acima, ―grandes homens guiam os seus países em

momentos de crise, fazendo surgir do caos uma regeneração capaz de dar sentido à

História, na medida em que a fazem avançar para um estágio mais evoluído que o

anterior.‖ Por conseguinte, ―no caso mexicano, a terceira etapa histórica, a Paz, teria

validado os degraus anteriores na escada da formação da Nação. Díaz coroava um longo

processo. Mais que coroar, dava sentido a eles.‖ (FERNANDES; BARBOSA, 2011, p.

102). Como um herói moderno, Don Porfirio ―deu vida à evolução total‖ do povo. Foi o

grande homem, ou seja, o Homem-Capaz, para lembrarmos o conceito de Carlyle, que

modificou o país.

Sendo assim, o governo de Don Porfirio foi legitimado pela população

mexicana. Nas passagens acima, vemos que Sierra valeu-se da metáfora de um

organismo vivo para representar a história da pátria. O nascimento do México aconteceu

com sua independência da Espanha, após trezentos anos sob o jugo de sua Coroa; a

personalidade social foi adquirida durante a Reforma liberal, mas, todas estas etapas

tiveram efetividade com a pacificação realizada por Díaz. O presidente personificara

aquele momento histórico. No ensaio de Sierra, as medidas de Díaz eram necessárias

para a evolução histórica da nação.

Contudo, é imprescindível destacar que percebemos, por parte do autor, um

receio de que estes poderes delegados ao presidente prejudicassem a efetivação de um

governo democrático no futuro. Ele também atentava-se a isto. Quais seriam as

consequências desta atitude para o México? Entretanto, como veremos ao final do

trecho abaixo, Sierra não procura responder a indagação, mencionando apenas que a

população não estivesse equivocada com o ato. Como na época dos dictadores

clássicos, o país estava traspassado por uma atmosfera de crise que, neste sentido,

carecia de um indivíduo que concentrasse poderes em suas mãos para conseguir

contornar a situação. Don Porfirio não podia alterar leis, modificar o legislativo, mas

necessitava de competências que o ajudassem a reorganizar o México. Seu mandato não

durava apenas seis meses, como o de um dictador da Roma Antiga, mas aquela situação

governativa deveria ser passageira, pois o fim último da evolução no país deveria ser a

liberdade e a existência de uma dinâmica partidária, em moldes democráticos34

.

Citamos,

Y esa nación que en masa aclama al hombre, ha compuesto el poder

de este hombre con una serie de delegaciones, de abdicaciones si se

34

Falaremos mais detidamente sobre o conceito de ditadura nas próximas páginas.

49

quiere, extralegales, pues pertenecen al orden social, sin que él lo

solicitase, pero sin que equivocase esta formidable responsabilidad ni

un momento; y ¿eso es peligroso? Terriblemente peligroso para lo

porvenir, porque imprime hábitos contrarios al gobierno de sí mismos,

sin los cuales puede haber grandes hombres, pero no grandes pueblos.

Pero México tiene confianza en ese porvenir, como en su estrella el

presidente; y cree que, realizada sin temor posible de que se altere y

desvanezca la condición suprema de la paz, todo vendrá luego, vendrá

á su hora ¡Que no se equivoque!... (SIERRA, 1940, p. 289- Grifo

nosso).

Deste modo, a conclusão a que chega Sierra, após toda a explicitação do atual

governo, é que o regime de Díaz não podia ser considerado, devido a suas várias

reeleições, uma forma de despotismo clássico, ou seja, ilegítimo, duradouro e sem

respaldo popular. Deveria sim ser visto como uma ―ditadura social‖ ou um ―cesarismo

espontâneo‖, já que seu governo era respaldado pelos cidadãos do país e coerente com a

constituição35

. Segundo Sierra, ―para justificar la omnímoda autoridad del jefe actual de

la República, habrá que aplicarle, como metro, la diferencia entre lo que se ha exigido

de ella y lo que se ha obtenido.‖ (1940, p. 290). O México estava demudado.

Diante da análise feita por Don Justo, para este, durante o governo de Díaz, não

houve uma evolução política, já que foram suprimidos os partidos políticos e a dinâmica

dos mesmos no cenário público do país. Concomitante, o que o autor argumentou foi

que o México, em vista do período anárquico anterior, passou por grandes

transformações, tanto econômicas como sociais, e isso deveria ser levado em

consideração. Ou seja, para Sierra a nação estava em paz e havia um quadro de

evolução social (o que Bernardo Reyes descreveu como ―povo regenerado‖, 1960

[1902], p. 341). Explicou o advogado,

Pero si comparamos la situación de México precisamente en el

instante en que se abrió el paréntesis de su evolución política y el

momento actual, habrá que convenir, y en estos nos anticipamos con

firme seguridad al fallo de nuestros pósteros, en que la transformación

ha sido sorprendente. Sólo para los que hemos sido testigos del

cambio, tiene todo su valor: las páginas del gran libro que hoy

cerramos lo demuestran copiosamente: era un ensueño, –al que los

más optimistas asignaban un siglo para pasar a la realidad–, una paz

de diez a veinte años; la nuestra lleva largo un cuarto de siglo; era un

ensueño cubrir al país con un sistema ferroviario que uniera los

puertos y el centro con el interior y lo ligara con el mundo, que

sirviera de surco infinito de fierro en donde arrojado como semiente el

35

Como argumentou o autor, ―es un gobierno personal que amplia, defiende y robustece al gobierno

legal; no se trata de un poder que se ve alto por la creciente depresión del país, como parecen afirmar los

fantaseadores de sociología hispanoamericana, sino de un poder que se ha elevado, no sólo en el orden

material, sino en el moral, porque ese fenómeno es hijo de la voluntad nacional de salir definitivamente

de la anarquía.‖ (1940, p. 289).

50

capital extraño, produjese mieses opimas de riqueza propia; era un

ensueño la aparición de una industria nacional en condiciones de

crecimiento rápido, y todo se ha realizado, y todo se mueve, y todo

está en marcha y México: Su Evolución Social se ha escrito para

demostrar así, y queda demostrado.(SIERRA, 1940, p. 290- Grifo no

original).

O historiador Guy Rozat Dupeyron (2001) também concluiu que, para Sierra, o

México havia se tornado pacífico durante o Porfiriato, situação que nenhum governo

anterior conseguira; e isto fazia com que houvesse um quadro de evolução social. Para

Don Justo, apenas quem havia vivenciado os momentos de conflito interno e

testemunhara toda aquela transformação entendia o avanço e progresso que

experimentava o país. As atitudes e autoridade de Díaz eram legítimas, bastava agora o

México dar o passo à etapa da liberdade. Como percebemos, não havia um conotação

negativa na concentração de poderes nas mãos do presidente, já que tal medida era

necessária. O receio era de que aquela forma de governo se transformasse em um

despotismo clássico, ou seja, a permanência ilegítima de um governante no poder. Ou

mesmo a degeneração da governança em tirania (forma irracional e cruel de

administração). Ao vislumbrar a condição da nação e o passado do país, o advogado

surpreendia-se com as mudanças. O México estava completando sua evolução total.

5. Díaz entre “pacificador” e “ditador”: La sucesión presidencial en

1910, de Francisco I. Madero

Como apresentado na introdução, o último autor a ser analisado neste capítulo,

Francisco Ignácio Madero, foi um indivíduo proveniente de uma importante família do

estado de Coahuila, que por muito tempo participou do governo local. Sua principal

obra, La sucesión presidencial en 1910: el Partido Nacional Democrático, escrita em

1908 e publicada em 1909, é considerada pela historiografia mexicana como um

trabalho de crítica ao governo porfirista, contribuindo para a criação de uma matriz

avaliativa sobre este período histórico, uma vez que se referiu ao governo de Don

Porfirio como uma ditadura. Segundo Cláudia Wassermann, o livro ganhou grande

repercussão no cenário político. A primeira edição se esgotou rapidamente, possuindo

uma tiragem de três mil exemplares (WASSERMANN, 2007, p. 09). Acontecimento

que tornou o jovem escritor conhecido nacional e internacionalmente (CÓRDOVA,

1973). No livro do coahuilense, Díaz passou a ser um indivíduo ambicioso, que tomava

suas atitudes devido ao seu grande objetivo de alcançar a presidência, e não mais aquele

patriota que se movia em prol nação, como representou Reyes e Sierra.

51

Ao iniciar o livro, ainda nas páginas em que explicou o porquê de tê-lo escrito,

Madero discorreu sobre a existência de duas naturezas de ditaduras. A primeira foi

definida como ―franca e audaz‖ (2010 [1908], p. 16), cuja característica é interromper o

funcionamento democrático de uma população, desencadeando, posteriormente, uma

forte reação popular que a derrubaria do poder para restabelecer a liberdade no país. A

segunda, que é a que se passava no México, era a seguinte,

(...) cuando la dictadura se establece en el fondo y no en la forma,

cuando hipócritamente aparenta respectar todas las leyes y apoyar

todos sus actos en la Constitución, entonces va minando en su base la

causa de la libertad, los espíritus se vén [sic] oprimidos suavemente

por una mano que los acaricia, por una mano siempre pródiga en

bienes materiales, y con facilidad se doblegan y ese ejemplo, dado por

las clases directoras, cunde rápidamente, al grado de que pronto llega

á considerarse el servilismo, como una de las formas de la cortesía,

como el único medio de satisfacer todas las ambiciones……..las

ambiciones que quedan cuando se ha matado en los ciudadanos la

noble ambición de trabajar por el progreso y el engrandecimiento de

su patria, y solo se les ha dejado y se les ha fomentado la de

enriquecerse, la de disfrutar de todos los placeres materiales.

(MADERO, 2010 [1908], pp. 16-17- Grifo nosso).

Madero, segundo o trecho acima, criticou em seu livro uma retórica de

acatamento aos aspectos constitucionais, desenvolvida pelo governo. Para ele, a

Constituição apenas se estabelecia na forma, ou seja, na parte das aparências, camada

mais superior aos olhos. No fundo, de fato, o México passava por um momento de

ditadura que ia cada vez mais minando a liberdade da população, sem que esta se desse

conta, já que estava satisfeita com os progressos conquistados pelo país. A nação cada

vez mais se alijava das questões políticas e adormecia frente às conquistas materiais.

Como explicou:

La nación adormecida con el ruido de los silbatos del vapor, fuerza

propulsora de la industria; deslumbrada con las múltiples y admirables

aplicaciones de la electricidad; ocupada por completo en su desarrollo

económico, fiada en la palabra de su Caudillo, no volvió á ocuparse de

la cosa pública.

Las débiles voces de la prensa independiente no lograban hacerse oír

en medio de aquel ruido atronador. Todos pensaron en enriquecerse;

poquísimos se preocupaban de sus derechos políticos.

El General Díaz, en quien tanto confiaba la Nación, aprovechó esa

confianza para afianzarse en el poder, pues las riquezas que

desparramaba á manos llenas aumentaban los intereses creados á su

sombra. La indefinida reelección de los gobernadores hacía que su

administración echara hondas raíces, y todas esas raíces iban a

alimentar y a sostener el poder absoluto del General Díaz.

(MADERO, 2010 [1908], p. 144).

52

O objetivo do livro, portanto, era discutir esta situação pela qual passava o

México, e fazer com que os próprios cidadãos acordassem para essa realidade e, juntos,

tentassem modificar o futuro do país36

. Maravilhado com os avanços, o povo

despreocupou-se da coisa pública, ―perdendo as responsabilidades para com a pátria‖,

afirmava (2010 [1908], p. 17). A legitimidade construída por Madero em seu trabalho

adveio tanto da utilização de fontes oficiais, como do que dizia o povo mexicano, já

que: ―en estos casos [quando faltasse dados oficiais para comprovar algo] tendré que

atenerme á lo que dice la voz pública y en vez de hacer afirmaciones rotundas, sentaré

los hechos como muy probables.‖ (MADERO, 2010 [1908], p. 27).

Antes de escrever propriamente sobre o governo presidencial porfirista, ao

analisar ainda a ―Revolução de La Noria‖ e a de ―Tuxtepec‖, episódios já comentados

anteriormente, Madero entendeu estes acontecimentos como o resultado da ambição

pessoal do general – bem como dos militares que o apoiavam. Explicou o coahuilense

que, mesmo havendo um acordo (convênio de Capilla), após a vitória das forças

porfiristas em Tecoac, Díaz tornou-se presidente, desrespeitando a concordata37

. Desta

forma, ―había dejado de subsistir el Gobierno Constitucional que existía desde el año de

1857 y se había establecido en su lugar, una dictadura militar, un gobierno de hecho, á

la cabeza del cual se encontraba el General Porfirio Díaz.‖ (2010 [1908], pp. 109-110).

Don Porfirio se instalava no poder, iniciava-se uma forma de governo que manteve por

trinta e dois anos um mesmo indivíduo na primeira magistratura. Caso não houvesse

mudanças, a pátria estaria em perigo e as consequências seriam funestas ao México.

Citamos,

En su proclama de la Noria decía [Porfirio Díaz] que no tenía ninguna

ambición para ocupar puestos públicos y después de Tecoac ocupa la

Presidencia á pesar de los convenios de la Capilla.

Esto nos demuestra que no eran sinceros sus ofrecimientos de la Noria

y lo que quería era el apoyo de la Nación para llegar á la Presidencia.

Si proclamaba en sus planos revolucionarios el principio de no-

reelección, era porque comprendía que la Nación juzgaba como él,

que era peligrosa para los principios democráticos la reelección

indefinida de los gobernantes, y que proclamando este principio, lo

ayudaría en su lucha contra el gobierno, y eso era lo que él buscaba

por lo pronto, pues una vez en la silla presidencial, él sabría bien

36

É importante explicar que, ao final do governo de Díaz, os escritores começaram a discutir o fator

biográfico, que era a idade do presidente – tendo 78 anos em 1908. Como veremos, Francisco Madero

tinha o receio de que Ramón Corral, candidato a assumir a vice-presidência da República em 1910,

ascendesse à primeira magistratura caso Díaz morresse e, assim, perdurasse o princípio de poder absoluto

no México. O temor do coahuilense era justamente a continuação dessa situação no país por parte do

sucessor de Don Porfirio. 37

Para Madero, neste acordo o presidente da Suprema Corte mexicana, José María Iglesias, assumiria o

governo até que fossem marcadas as eleições.

53

conservarla, aun contra la voluntad nacional. (MADERO, 2010

[1908], pp. 117-118).

Uma das passagens mais importantes do livro foi a afirmação de Madero sobre

o objetivo fixo de Porfirio Díaz em assumir a presidência da República e,

posteriormente, permanecer na primeira magistratura do país. Como lemos no trecho

supracitado, as ações do general não eram sinceras e sua vontade era amparar-se na

nação, conquistando apoio para chegar à presidência. Tal elemento torna-se uma chave

de leitura significativa na análise da obra, uma vez que o coahuilense foi argumentando,

ao longo de seu trabalho, que os feitos de Don Porfirio se justificaram por essa ―ideia

fixa‖ do presidente em manter-se no poder38

.

Desta forma, fazendo um contraponto com as obras de Reyes e Sierra, Madero

interpretava os progressos materiais conquistados no México e o momento de paz que

desfrutava o país como resultados dessa vontade de Díaz em continuar na presidência da

República. As melhoras conquistadas pelo ex-general não eram movidas pelo seu

patriotismo e vontade de ver um México moderno, mas tudo, segundo o escritor, girava

em torno de sua ambição39

. Sobre os progressos materiais escreveu o autor,

Todo es muy cierto, nuestro progreso económico, industrial,

mercantil, agrícola y minero, es innegable.

Ya lo hemos dicho, el General Díaz hará al país todo el bien que le sea

posible, siempre que sea compatible con su reelección indefinida.

Pues bien, si es cierto que en el orden de libertades, todas eran un

estorbo para lograr su fin, por cuyo motivo ha logrado acabar con

ellas, no pasa el mismo con las cuestiones económicas, pues entre más

desarrollada esté la riqueza pública y mientras mayores sean los

intereses creados á su sombra, será mayor la estabilidad de su

gobierno.

Para llevar á cima esta obra, los dos factores más importantes han

sido: la paz y a oleada de progreso material que ha traído al mundo el

vapor con sus múltiples aplicaciones á la transportación y á la

industria. (MADERO, 2010 [1908], p. 221).

Para Francisco Madero, portanto, devido ao fato de o presidente ter passado

tantos anos ocupando a primeira magistratura mexicana, Díaz tornou-se a encarnação do

poder absoluto, suprimindo os partidos políticos e a dinâmica governamental fomentada

38

Segundo Madero: ―(...) resuelta que la Idea fija del Gral. Díaz, era, mientras no tenía el poder,

conquistarlo á toda costa y una vez en su posesión, no desprenderse de él por ningún motivo.

Para la realización de esta idea, no vacilará en promover sangrientas revoluciones; en perdonar á sus

enemigos desde que capitulen; en perseguir á sus amigos cuando constituyan un estorbo para sus fines; en

engañar á la Nación y aun a los amigos que lo ayudaron en sus levantamientos.‖ (MADERO, 2010

[1908], p. 119). 39

Além disto, para Francisco Madero os muitos progressos econômicos conquistados no México não

foram nem tanto ganhos próprios do presidente, mas sim um fenômeno conjuntural que estava ocorrendo

no mundo inteiro, resultado do desenvolvimento das ciências.

54

pelos mesmos. Além disto, explicou o coahuilense que a base em que se sustentava Don

Porfirio não advinha dos cidadãos mexicanos, mas sim das armas. Enquanto Reyes

conectou em sua obra a trajetória de vida do presidente à trajetória de vida do México,

ligando-a ao episódio conhecido como ―Grito de Dolores‖, exclamado pelo padre

Hidalgo; Madero remeteu-se ao segundo herói da independência, o padre José María

Morelos, mas desta vez para deslegitimar o governo de Díaz ao dizer que este não

laborava para o povo e nem emanava deste40

. Como escreveu Madero,

Pues bien, el poder absoluto del General Díaz, ha creado en México

una situación muy distinta á la soñada por Morelos.

El Jefe de la Nación en vez de ser siervo y de acatar los decretos del

pueblo, se ha declarado superior a él y ha desconocido su soberanía,

así es que el gobierno que tenemos actualmente, ni está nombrado por

el pueblo, ni sostenido por él. Su fuerza dinama de las bayonetas que

después de Tecoac lo llevaron al Palacio Nacional, y que aún lo

sostienen allí. (MADERO, 2010 [1908], p. 232).

Como falado no início do tópico e demonstrado até o momento, a obra de

Madero contribui para a criação de uma matriz interpretativa sobre o Porfiriato, que se

consolidou a partir da eclosão da Revolução Mexicana (principalmente, segundo Paul

Garner [2003], na década de 1920). A referida obra foi amplamente lida e retomada. Os

intelectuais e polígrafos, ao legitimarem o projeto revolucionário, deslegitimaram o

governo de Don Porfirio. Um exemplo disto é o livro de Luis Lara Pardo, analisado no

capítulo dois. Em 1912, ainda sob a efervescência do levantamento, escreveu De

Porfirio Díaz à Francisco Madero: la sucesión dictatorial de 1911, qualificando o

presidente de cruel, egoísta, indivíduo que muito fez para prostituir o povo mexicano.

Contudo, o final do livro de Madero pode abrir margem para a discussão que

foi proposta no início do capítulo, ou seja, a partir da interpretação e experiência de um

passado mexicano pós-independência turbulento, caótico, marcado por guerras

intestinas e intervenções estrangeiras, pensar como foi interpretado o Porfiriato por estes

escritores mexicanos. Madero, em determinado momento de seu livro, admitiu que, feita

a análise do governo por um ponto de vista racional, portanto sendo necessário tecer

críticas ao regime porfirista de poder despótico, utilizaria em um segundo momento

40

O padre José María Morelos é considerado o segundo herói da independência, lutando por ela entre

1811 e 1815. O próprio Madero escreveu no livro o que padre havia falado ao remeter-se ao Congresso de

Chilpancingo: ―Soy el sirvo de la Nación porque esta asume la más grande, legítima é inviolable de las

soberanías, quiero que tengan un gobierno dimanado del pueblo y sostenido por el pueblo.‖ (MORELOS

apud MADERO, 2010 [1908], p. 231).

55

também o critério sentimental. Percebemos que, de vilão, Díaz poderia ser redimido e se

tornar um dos maiores indivíduos lembrados pela humanidade41

.

O que escreveu o coahuilense sobre a paz conquistada no México,

La obra del General Díaz ha consistido en borrar los odios profundos

que antes dividían á los mexicanos y en asegurar la paz por más de 30

años, aunque todavía mecánica al principio, ha llegado á echar

profundas raíces en el suelo nacional, al grado de que su florecimiento

en nuestro país parece asegurado.

El General Díaz, con su mano de hierro ha acabado con nuestro

espíritu turbulento é inquieto y ahora que tenemos la calma necesaria

y comprendemos cuan deseable es el reino de la ley, ahora si estamos

aptos para concurrir pacíficamente á las urnas electorales para

depositar nuestro voto. (MADERO, 2010 [1908], pp. 287-288).

O que queremos demonstrar a partir da citação acima é que o coahuilense

qualificou o governo de Porfirio Díaz de ditadura, exercendo o presidente um poder

despótico no país. Contudo, é importante ressaltar que Francisco Madero não perdeu de

vista, no juízo final que fez do governo em seu livro, a estabilidade que o mesmo

conquistou, e o estado de paz que pairava sobre o México42

. O que criticou o

coahuilense foi a transformação deste estado de paz em outro que não contemplava mais

práticas governativas apoiadas na vontade da população.

Não podemos deixar de analisar que o autor acrescentou um elemento

significativo para nossa reflexão: o povo mexicano43

. Como explicou acima, o espírito

41

Explicou Madero ao dizer sobre sua mudança de análise no final do livro: “Quizá le haya extrañado el

juicio que al principiar este capítulo emitimos sobre el general Díaz [sobre ter o presidente conquistado

um ambiente de paz no país], encontrándolo poco de acuerdo con algunos de nuestros juicios anteriores.

La explicación es sencilla:

Ahora lo consideramos desde otro punto de vista: Ya no es la razón inflexible la que guía nuestro

criterio, sino el sentimiento que ve más hondo y más claro. Nosotros creemos que toda acción humana es

determinada por factores muy diversos y muy complejos.”(MADERO, 2010 [1908], p. 290- Grifo nosso). 42

Como escreveu o historiador Paul Garner, mesmo não apoiando politicamente o presidente, Madero

não deixou de tecer elogios ao governo do mesmo: ―Las alabanzas a Díaz por parte de sus

contemporáneos no llegaron exclusivamente de los que lo apoyaban políticamente. Quizás la más

improbable de las alabanzas a Díaz sea la de Francisco Madero, el hacendado de Coahuila que inició la

revolución que sacaría al viejo presidente del poder en 1910 y quien se convertiría en el primer

mandatario del México revolucionario después del exilio del dictador en 1911.‖ (GARNER, 2003, p. 22). 43

Ao analisar o conceito de povo na França e Espanha do século XIX, Juan Francisco Fuentes (2004)

explicou que, a partir das revoluções liberais, principalmente pós-revolução francesa (1789), o povo

ganhou protagonismo, tornando-se elemento importante do discurso político da época. Como afirmou, ele

tornara-se fonte de legitimidade das revoluções. Assim sendo, esta discussão também pode iluminar nosso

problema, pois, como vimos em Madero, e mostraremos nas obras de escritores analisados no capítulo

dois, o povo ganhou dimensão importante nos livros, adquirindo um status de agente político. Entretanto,

ao mesmo tempo que ele obteve esta condição, via-se a necessidade de o guiar, conduzir. Como dissertou

Eugenia Roldán Vera, nos primeiros anos após a independência do México, passou-se a evocar mais, na

literatura patriótica, a noção de povo; a partir de 1850 existiu uma tentativa de harmonizar as várias

concepções que o conceito possuía: ficava cada vez mais claro o discurso que afirmava residir no povo a

soberania nacional. Concomitante a estas transformações, a imprensa do país desenvolvia uma política de

retirar da população, por meio de uma ação pedagógica, o espírito turbulento e desobediente, fazendo-o

56

do povo, anterior ao mandato de Díaz, era turbulento, avesso à ordem e às leis regentes

no país; os conflitos foram constantes. A emergência de Don Porfirio à presidência da

República, devido aos seus feitos militares, foi importante para transformar a nação,

mostrando que o ―governo da lei‖ era algo essencial. Díaz conseguira esta mudança,

trouxe paz ao México. Seu problema foi não ter dado um passo a mais nos degraus da

História, ou seja, instaurar uma democracia amparada na liberdade. Sua ambição o

manteve na governança a ponto de atrofiar a atuação política dos cidadãos na esfera

pública. Escreveu:

Toda nuestra historia tiene cierto sello de grandeza que impresiona, y

ese sello no deja de tenerlo ni aun la misma Dictadura del General

Díaz, pues después de todo nuestro actual Presidente ha podido llevar

á cabo una obra colosal, y se ha rodeado de tal prestigio en el

extranjero y aun en el país, que se ha formado un pedestal altísimo, en

la cima del cual ostenta su bronceada figura, siempre serena, siempre

tranquila y con la mirada fija en los grandes destinos de la Patria.

El General Díaz no ha sido un déspota vulgar, y la historia nos habla

de muy pocos hombres que hayan usado del poder con tanta

moderación. (MADERO, 2010 [1908], p. 287).

Desta forma, a crítica de Madero foi direcionada à falta de liberdade política

que passou a existir no México porfirista. Para solucionar esta situação a proposta foi,

portanto, a criação de um partido político – Partido Nacional Democrático44

– que

pudesse concorrer nas eleições de 1910 e fomentar um ambiente de disputa com os

governantes nomeados pelo presidente, voltando o país a ter uma dinâmica governativa

respaldada pela vontade popular. A crítica, como veremos abaixo, foi, nas palavras de

Madero, ter o México passado de uma situação caótica, cindido por guerras civis, a uma

de servidão: o pêndulo da história novamente caía para um outro extremo. Citamos:

A consecuencia de nuestra larga era de guerras intestinas, en la cual

no se conocía más derecho que el del más fuerte, al fin tuvimos que

caer bajo el dominio del más poderoso y afortunado de los militares de

aquella época, que estableciendo una dictadura bajo las formas

republicanas, ha logrado extirpar de nuestro suelo el germen de las

revoluciones, pues al militarismo lo ha desprestigiado con 30 años de

paz y al pueblo le ha hecho crearse intereses materiales de tal cuantía,

que constituyen un factor importantísimo para alejarlo de las

revueltas.

El pueblo mexicano que antes era sumamente turbulento, es ahora el

más pacífico de todos los pueblos de la tierra, y no solamente respeta

respeitar os governos e as leis (VERA, 2007, 286-287). Sobre o assunto, falaremos mais detidamente no

próximo capítulo. 44

Cujos princípios eram o de não reeleição e liberdade de sufrágio.

57

con gusto la ley, sino que hasta respeta servilmente el principio de

autoridad.

Por otra parte, ningún gobierno había llegado á tener la gran

estabilidad y duración que ha tenido el actual.

De esto ha resultado, que de un extremo hemos caído en otro extremo.

Sí antes éramos turbulentos, ahora somos serviles.

Si antes éramos tan exigentes cuando se trataba de hacer respetar

nuestros derechos y siempre teníamos la carabina en la mano como el

supremo argumento, ahora obedecemos sin discutir las órdenes más

arbitrarias del más ínfimo representante de la autoridad. (MADERO,

2010 [1908], pp. 337-338).

No juízo final que Madero fez em La sucesión presidencial en 1910, Don

Porfirio poderia ser redimido pela História caso se colocasse abaixo da Constituição. O

país já estava estável, pacífico, bastava agora passar para a etapa da liberdade, como

também criticou Sierra de forma velada em seu livro. Era necessário o funcionamento,

no fundo, das leis, e o respeito à Carta Magna. O temor do coahuilense era que o

sucessor do presidente, que para Madero poderia ser Ramón Corral ou o general

Bernardo Reyes, fizesse perdurar o sistema de poder despótico no país. Os trechos

abaixo, que encerram nossa proposta de análise sobre o livro, foram escritos pelo autor

como sendo o que a população mexicana queria falar para Don Porfirio, ou seja, o país

estava pacífico, bastava agora estar livre da situação de servidão frente ao governo,

<<Hasta ahora con el pretexto de dar estabilidad al gobierno, de

transformar el espíritu turbulento de los mexicanos, de sofocar las

ambiciones malsanas, te has puesto arriba de la ley y arriba de tus más

solemnes compromisos sosteniéndote en el poder que has usado

discrecionalmente,

<<Pues bien, tu obra está terminada: has logrado dar a tu Gobierno

una estabilidad hasta peligrosa por su duración; de turbulento ha

trasformado el espíritu de tus conciudadanos en servil; has terminado

con todas sus ambiciones no solamente malsanas, sino también con las

de más buena ley.

<<¿Cuál es el objeto que persigues ahora con empeñarte en seguir con

este régimen de Gobierno?

(…)

<<Mientras que si por la estéril vanidad de demostrar que tienes más

poder que el pueblo, te empeñas en prolongar esta era de despotismo y

si en vez de declararte el representante de mis más caros intereses te

obstinas en defender los del círculo que le rodea, entonces habrás

comprometido el éxito de tu obra, pues las aspiraciones nacionales,

encontrando obstruidos los canales por donde deben encauzarse, se

desbordarán y arrastrarán cuanto encuentren, y hasta tú mismo

tiembla, pues te declararé mal hijo, y tu nombre será inscripto en la

historia como el de un ambicioso y afortunado militar que con

inmensos elementos á su disposición, sólo supo ser un tirano vulgar

que nunca cumplió sus promesas más solemnes, que con su desprecio

á la ley le hijo perder todo su prestigio; que con su ambición personal

58

llevo á sus conciudadanos á la servidumbre y la República á la

decadencia.>>(MADERO, 2010 [1908], pp. 345-346).

Assim sendo, percebemos em Madero uma alusão à ideia hegeliana de História

universal como tribunal do mundo, pela qual, frente à História, Díaz poderia ser

redimido se respeitasse a Constituição45

. A duração do governo já causava preocupação

e o sistema de governo poderia pender a uma tirania vulgar46

. Deste modo, se não

houvesse mudanças, a memória a ser lembrada do presidente, seria a de um indivíduo

ambicioso, que perdera seu prestígio e guiara a República ao abismo e decadência.

Como percebemos, Don Francisco mesclou duas concepções de história. Uma

projetiva, como mencionado acima, alertando o presidente e o povo das futuras

consequências da duração do Porfiriato para o país, e a história exemplar. Para embasar

suas afirmações, Madero procurava os exemplos no passado. Fazia menção, por

exemplo, a Augusto que, suprimindo as liberdades dos cidadãos em Roma, levou aquele

grandioso império à decadência. Como alertou:

Hay que desengañarse, vamos por una pendiente fatal, y nosotros no

podremos sufrir tantos años de decadencia como resistió Roma,

porque aquella gran República tenía una vitalidad asombrosa, y había

conquistado á todo el mundo, así es que no existía ninguna Nación

que pudiera atacarla; mientras que nosotros, somos un pueblo débil,

que tenemos por vecino á un pueblo poderoso que bien puede desear

ensanchar sus fronteras, invocando algún pretexto como lo sería el de

regenerar á nuestro país. En este caso, nuestra resistencia sería muy

débil y la pérdida de nuestra independencia segura (MADERO, 2010

[1908], p. 277).

Desta forma, a criação de partidos políticos era necessária ao país. A população

precisava acordar daquela atmosfera que a cristalizou e a fez adormecer. Diferentemente

de Roma, o México, sob o Porfiriato, iria se esfacelar mais rápido, e o temor da perda de

soberania voltava à cena. O presidente estava longe de assemelhar-se ao dictador

romano que, em um estado de necessidade, emergia para gerar ordem e, em seis meses,

45

Conhecemos a ideia de História como tribunal do mundo principalmente pela sua difusão a partir das

obras de Georg W. F. Hegel em Linhas fundamentais da filosofia do Direito. Não podemos reduzir e

simplificar a discussão afirmando, por exemplo, que Hegel escreveu sobre determinado assunto e Reyes

empregou suas reflexões. Nem que este utilizou um autor especifico para refletir sobre seus

posicionamentos políticos. As apropriações precisam sempre ser matizadas. Achamos importante

mencionar a ideia de História como tribunal do mundo a partir, principalmente, das explicações de Hegel,

mas sendo necessário ressaltar que este foi leitor de muitos outros autores como, por exemplo, gregos e

romanos, possuindo influência destes pensadores. Não temos o intuito de afirmar que a ideia se originou

com o filósofo alemão, bem como que os mexicanos aqui analisados utilizavam, de forma simplista, estas

ideias e conceitos. Achamos importante fazer esta ressalva nesta parte da dissertação. 46

O conceito de tirania será discutido detalhadamente no segundo capítulo, por ter se tornado recorrente

nos autores analisados. Madero não chega a considerar Díaz um tirano, embora tivesse receio que isto

acontecesse.

59

deixava o poder. O despotismo de Don Porfirio, sua permanência duradoura na primeira

magistratura, dava indícios preocupantes de se transformar em uma tirania. Sendo

assim, o livro do coahuilense consistiu em um texto político que continha um programa

de oposição ao governo, valendo-se de episódios históricos como forma de justificar a

necessidade de mudanças no presente. Os exemplos advinham da Grécia e Roma

Antiga. Continuar com um sistema ditatorial no México, sob o porfirismo, faria com

que o país acabasse em decadência, como aconteceu com Roma frente à Augusto, por

exemplo. Madero valia-se de Tácito e outros escritores para embasar seus argumentos e

criticar o Porfiriato. Entretanto, como discutimos e ressaltamos, os conceitos de

pacificação, ordem e estabilidade, não deixaram de ganhar dimensão na obra, mesmo

Madero construindo uma crítica explícita e aberta à Díaz. O passado caótico ainda

marcava a escrita destes polígrafos.

60

CAPÍTULO 2- Viva la Revolución [?]: as interpretações sobre o

Porfiriato na primeira fase do movimento revolucionário de 1910

Estudando os modelos avaliativos sobre o regime governamental de Porfirio

Díaz, o capítulo dois centrar-se-á na construção interpretativa do Porfiriato durante o

processo revolucionário mexicano, principalmente em sua primeira fase. Inicialmente, é

importante salientar que não pretendemos afirmar ser a Revolução Mexicana um

processo histórico homogêneo e unitário, nem que os revolucionários possuíam um

mesmo e único objetivo.

Para tanto, baseamo-nos, parcialmente, na tipologia desenvolvida pelo

historiador Daniel Cosío Villegas, que intitulou de ―fase destrutora‖ os anos de 1910 a

1920, cujo principal objetivo era dissolver os pilares do Porfiriato, entendido na época

como Antigo Regime; instaurando assim uma nova sociedade, implantada pela

Revolução. (COSÍO VILLEGAS, 2000 [1970]).47

Tendo em vista tais aspectos, propomos pensar, portanto, a interpretação do

governo de Díaz, bem como a construção da própria imagem do presidente na obra de

três polígrafos que escreveram a partir da década de 1910 até 1920. Época em que o

discurso histórico era o da busca pelo ―verdadeiro México‖, o ―México profundo‖,

Porfirio Díaz emergiu como um presidente afrancesado, que privilegiou certos setores

nacionais, dando as costas ao povo mexicano, e mascarando a real condição da

população mexicana com o objetivo de mostrar um México moderno e civilizado. De

47

Utilizamos nesta dissertação a tipologia desenvolvida por Cosío Villegas sobre as fases do movimento

revolucionário mexicano. Entretanto, não podemos deixar de mencionar que a mesma, como um tipo

ideal, possui elementos que podem ser problematizados. Parece-nos que é uma periodização que faz crer

que a revolução foi melhorando o país ao longo dos anos, gerando ordem e progresso ao México.

Contudo, devemos destacar, por exemplo, que entre 1926 e 1929 uma rebelião, conhecida como Cristera,

assolou a nação durante o governo do presidente Plutarco Elias Calles. Por conseguinte, em 1968 houve o

Massacre de Tlatelolco e, em 1994, ocorreu em Chiapas um levante neozapatista. Não desenvolveremos

aqui tais conjunturas, uma vez que não é o objetivo da pesquisa; mas não podemos afirmar, portanto, que

a revolução foi um movimento que culminou na estabilização do país, pois as conturbações políticas,

econômicas e sociais continuaram a ocorrer. Entretanto, é significativo destacar que as explicações de

Cosío Villegas sobre o período entre 1910 e 1920 possuem elementos que iluminam questões de nossa

pesquisa. Como afirmou, vários intelectuais, polígrafos, indivíduos do estado, etc., estavam preocupados

em construir novas bases para o país, afastando-se e deslegitimando-se, assim, o Porfiriato.

Além disto, destacamos dois livros que abordam as várias interpretações sobre o processo revolucionário

mexicano. São eles: BARTRA, Armando; CÓRDOVA, Arnaldo; GILLY Adolfo et al. Interpretaciones

de la Revolución Mexicana. Cidade do México: editorial Nueva Imagen, 1980. Nesta obra, cujo prefacio

foi produzido por Héctor Aguilar Camín, estão compiladas cinco diferentes visões sobre o levantamento

mexicano, cada uma fundamentada em uma perspectiva teórica diferente. O outro livro é BARRÓN, Luis.

Historias de la Revolución Mexicana. Cidade do México: FCE, CIDE, 2004. Este recente trabalho, que

tem o prefácio escrito por Friedrich Katz, discute a historiografia que se constituiu sobre a Revolução

desde sua própria eclosão, em 1910, até os dias atuais.

61

modernizador do país, como foi interpretado nas obras de Bernardo Reyes (1902), Justo

Sierra (1900-1902) e outros escritores não discutidos nesta dissertação48

, Don Porfirio

passou a ser considerado um presidente arcaizante, que cada vez mais concentrou

poderes em suas mãos e marginalizou grande parte do setor populacional. Como

afirmou Paul Garner, ―los ejemplos más virulentos del ―antiporfirismo‖ en México se

encuentran en los años 1920.‖ (GARNER, 2003, p. 18). Segundo Arnaldo Córdova,

Los grupos que tomaron el poder durante la Revolución de 1910 a

1917 sostuvieron, naturalmente, y aún siguen sosteniendo que el

período nacido con la Revolución constituye una edad histórica en sí

misma, que ha transformado, cumplidamente, las aspiraciones que el

pueblo mexicano manifestó, primero, con la Guerra de Independencia,

después, con la Reforma, y por último, con la propia Revolución;

mientras que el porfirismo es juzgado no solo como una verdadera

―Edad Media‖ que niega nuestra historia, sino como la más grande

traición a su sentido y a su significado, a sus héroes y a sus

tradiciones, principalmente a aquellos que hicieron posible la gesta

liberal de mediados del siglo XIX. (CÓRDOVA, 1973, p. 15).

Deste modo, a partir da análise de dois polígrafos mexicanos e um periodista

norte-americano, a proposta é explicar acerca da criação de um novo discurso sobre o

Porfiriato, durante o processo revolucionário no país49

. Os escritores estudados serão,

portanto, John Kenneth Turner, periodista estadunidense que, em 1911, publicou em seu

48

Ver: REYES, Bernardo. El General Porfirio Díaz. Cidade do México: Editora Nacional, ed. 1960;

SIERRA, Justo.México: su evolución social. Cidade do México: La Casa de España en México, ed. 1940;

TWEEDIE, Alec. Mexico as I saw it. Michigan: Michigan University Library, ed. 2011. Ethel Brilliana

Alec-Tweedie foi uma viajante inglesa que em 1900 e, posteriormente, em 1904, visitou o México e

chegou a conhecer o presidente Díaz. Em 1901, escreveu México as I saw it e, em 1911, época do

movimento revolucionário, a viajante acrescentou um apêndice abordando a situação por que passava o

país. Ao falar da ascensão de Díaz como governante, em 1877, ela o interpretava como a figura do grande

herói que liderava a nação. Ao descrever seu governo, a viajante argumentou que, diante de um México

desorganizado, Porfirio Díaz precisava administrar com ―mãos de ferro‖ para gerar estabilidade a um país

devastado. Como percebemos também em outros autores que escreviam à época, a rigidez de um governo

era necessária para erguer um país dos escombros de uma guerra civil (para lembrar os dizeres de Justo

Sierra). Para Tweedie, o general combateu os bandidos, gerou estabilidade e paz ao México, além de

torná-lo moderno: ―thus he started a new rule and a new life for old Mexico, the birth – so to speak – of

Modern Mexico, of which he may well be proud‖ (2011 [1911], p. 134). Como a própria autora

argumentou, sob o governo do general o México se viu nascer moderno. A anarquia fazia parte do

passado. O futuro do México deveria ser glorioso devido à estabilidade e paz conquistadas pelo

presidente. Deste modo, em 1911, diante desse novo quadro interno (eclosão da Revolução Mexicana), a

viajante revisitou seu livro escrevendo Díaz, the maker of modern Mexico. Afirmava que era necessário,

frente a tantas críticas ao governo, que algum historiador e governante fizesse justiça, em estudo, ao

governo daquele que, para ela, continuou sendo o maior homem do século XIX. Sendo assim, como

percebemos, houve na época uma grande circularidade de informações no exterior sobre o que acontecia

no México e muitos escritores também produziam textos acerca do porfirismo. Sobre o assunto ver:

YEAGER, Gene. ―Porfirian Commercial Propaganda: Mexico in the World Industrial Expositions‖.

In: The Americas, vol. 34, N. 2, out. 1977, pp. 230-243. 49

É importante acrescentar neste capítulo a análise dos argumentos de John Kenneth Turner na obra

Barbarous Mexico (1911), uma vez que o periodista é considerado pela literatura revolucionária como um

dos marcos do antiporfirismo. Seu livro foi amplamente lido e o autor manteve contato com Francisco

Madero durante a eclosão da Revolução. Sobre o assunto, falaremos mais abaixo.

62

país um livro intitulado Barbarous Mexico. Luis Lara Pardo, autor de Porfirio Díaz à

Francisco Madero: la sucesión dictatorial de 1911, livro escrito em 1911 e publicado

em 1912 e El verdadero Díaz y la Revolución, obra lançada em 1920 por Francisco

Bulnes.

A escolha dos três escritores mencionados acima também se justifica pela

recorrência da menção de seus livros em trabalhos historiográficos atuais, além de

serem obras que tiveram grande circulação e repercussão nos países em que foram

escritos. O objetivo dos autores foi mostrar o que estava ocorrendo no México e o

porquê da eclosão de um movimento tão amplo, que foi a Revolução. Como

perceberemos ao final do texto, diante da eclosão do movimento de 1910, os escritores

passaram a disputar uma memória a ser deixada sobre o governo de Díaz: teria ele sido

um vilão ou herói do México?

Barbarous Mexico: o governo de Díaz e a paz alterada

É importante recapitular que, até a discussão deste momento do trabalho, os

autores que se detiveram em escrever sobre o Porfiriato referiram-se a uma comparação

entre a situação do México pós-1810 até 1876 e o país de Porfirio Díaz para legitimar a

presidência deste. O livro pensado neste tópico, de John Kenneth Turner, oferece-nos

uma proposta interpretativa diferente dos autores explicitados, contribuindo para a

criação de uma nova abordagem sobre o assunto que, posteriormente, será retomada por

outros escritores. Como argumentaram Aurora Gómez Galvarriato e Mauricio Tenorio

Trillo (2006), o livro do periodista norte-americano é considerado um dos marcos da

bibliografia ortodoxa conhecida como ―antiporfirista‖. Tal matriz avaliativa ganhou

ênfase principalmente durante o período da Revolução Mexicana, embora já possuísse

contornos durante a própria presidência de Don Porfirio50

.

Segundo Rosalía Velázquez Estrada (2000) e Antonio Campos Arias (2011),

Turner possuía uma tendência de esquerda, participando do Partido Socialista de seu

50

Como vimos no capítulo um, os próprios escritores que legitimavam o Porfiriato, como foi o caso de

Justo Sierra, faziam uma crítica sutil ao governo, principalmente em relação à falta de partidos políticos

no país. Deste modo, não podemos homogeneizar o argumento de que, durante o governo de Díaz, os

escritores apenas elogiavam o presidente, construindo um discurso laudatório.

63

país51

. O jornalista mantinha contato com um grupo de amigos, também socialistas e a

favor do magonismo52

. Eram eles: P. D. Noel, indivíduo que cedeu sua casa para as

reuniões a favor da libertação dos irmãos Flores Magón, presos nos EUA; John Murray,

proveniente de uma rica família norte-americana, que passou a lutar pela ―causa social‖;

Job Harriman, indivíduo vinculado ao Socialist Party, sendo, posteriormente (1910),

candidato à vice-presidência dos EUA pelo Social Democratic Party. E, por fim,

Elizabeth Trowbridge e Hattie Gutiérrez, esposa de Lázaro Gutiérrez de Lara53

.

Harriman e Trowbridge participavam da ―Liga Defensora de los Revolucionários

Mexicanos‖, criada por Eugene Debs, importante líder socialista da esquerda norte-

americana a favor dos críticos do governo de Díaz que foram perseguidos no vizinho do

norte e um dos fundadores do IWW54

. Era neste ambiente efervescente que Turner se

encontrava e produzia seus trabalhos (VELÁZQUEZ ESTRADA, 2000). Como

mencionou esta historiadora,

El ambiente que los socialistas vivían en ese momento era de

entusiasmo y hasta podríamos decir que festivo ya que en sus

míties (sic) no faltaban las flores, la música y los coros de los

militantes, eran sus mejores años, vencían obstáculos en su

campaña para politizar la sociedad norteamericana hacia un

cambio que beneficiara las mayorías, tenían influencia política,

periódicos bien organizados y con grandes tirajes, mantuvieron

buenas relaciones con las organizaciones sindicales sobre todo

con la IWW, y su lucha a favor de la libertad de expresión fue

una consigna cotidiana. (VELÁZQUEZ ESTRADA, 2000, p.

80).

Turner fez várias viagens ao México, tanto durante a administração porfirista,

quanto na época dos governos revolucionários, e escreveu sobre ambos os períodos

seguindo o estilo da crônica periodista55

. Além disto, suas obras se encaixavam em uma

51

Sobre as orientações políticas de Turner e sua filiação na esquerda norte-americana ver: VELÁZQUEZ

ESTRADA, Rosalía. John Kenneth Turner autor de México bárbaro. In: Fuentes Humanísticas, México,

v. 10, n. 20, 2000, pp. 77-99. 52

Magonismo ficou conhecido como um grupo, de tendência anarquista, encabeçado por Ricardo e

Enrique Flores Magón, de crítica ao Porfiriato. Os irmão Magón por muito tempo direcionaram suas

críticas desde os Estados Unidos, onde ficaram presos. 53

Jornalista mexicano que residiu nos Estados Unidos e manteve contato com Turner. Também direcionou

fortes críticas ao porfirismo e foi citado em Barbarous Mexico como o indivíduo que ajudou o escritor a

ingressar no país e denunciar aquela realidade. 54

IWW é a sigla do Industrial Workers of the World, sindicato internacional com origem nos Estados

Unidos que teve seu auge em 1905. Possuía tendência sindical. 55

Segundo Campos Arias, a crônica periodista consiste em um estilo de escrita que mistura a notícia de

um determinado acontecimento com uma apreciação pessoal do jornalista, enriquecendo assim o evento

abordado. Ao mesmo tempo que a crônica informa, ela também narra algo, tendo que ter o escritor um

64

literatura de testemunho (até mesmo por causa de seu estilo jornalístico). O valor

testemunhal dos seus escritos formava uma opinião no leitor, produzindo um efeito de

crença naquela situação descrita56

. Era um ―muckraker‖, periodista cujo objetivo era

denunciar políticos e empresários corruptos, além da tentativa de mobilizar a sociedade

civil frente aos problemas que estavam acontecendo em seu e em outros países

(VELÁZQUEZ ESTRADA, 2000, p. 79).

A primeira viagem do jornalista foi financiada pela própria Trowbridge, quem

também custeou, meses antes, uma viagem de Murray ao México. Muitas de suas

produções foram publicadas no The American Magazine, periódico de cunho

investigativo, Pacific Monthly e Appeal to Reason, principal órgão difusor do Partido

Socialista57

. Ademais, entrou em contato direto com Ricardo Flores Magón, Antonio

Villarreal, Librado Rivera e Manuel Sarabia, líderes do PLM, quando os entrevistou em

1908 para o jornal Record.

É importante mencionar a tese de David Brading (1980) acerca do que

intitulou ―tradição populista‖ de escritores norte-americanos. Para o historiador, Turner

pode ser inserido na vertente crítica que se atentou para a exploração dos mexicanos nas

grandes fazendas do país, ou seja, como as massas trabalhadoras do campo estavam

submetidas a uma situação de escravidão. Nesta mesma linha de tradição, que deu

importância à questão agrária, estava John Reed, jornalista norte-americano de

tendência esquerda que, em 1914, escreveu Insurgent México, livro que explicava o

movimento revolucionário do país vizinho. Ademais, o grande nome desta tradição,

segundo o historiador, foi Frank Tannembaum, autor que muito se valeu das obras de

Luis Wistano Orozco (Legislación y jurisprudencia sobre terrenos baldíos, 1895)

acerca do monopólio das grandes fazendas e da relação entre proprietários e peões, bem

como da obra de Andrés Molina Enríquez (Los grandes problemas nacionales, 1909),

quem se atentou para a questão agrária e latifundiária de seu país. Tannembaum

preocupou-se com a questão agrária e viu, na figura de Emiliano Zapata, um ícone

revolucionário. Segundo Brading, este autor foi importante na criação da ideia de uma

conhecimento profundo sobre o tema. Esse estilo jornalístico tem o objetivo de formar uma opinião em

seus leitores. (CAMPOS ARIAS, 2011, pp. 36-37). 56

Embora François Hartog atente-se em sua obra ―O Espelho de Heródoto: ensaio sobre a interpretação

do outro‖ sobre a obra de Heródoto, no século V a.C., refletindo, principalmente, sobre o mundo grego,

suas considerações teóricas sobre o valor testemunhal são importantes para nós. Sobre isto ver:

HARTOG, François. O espelho de Heródoto: ensaio sobre a interpretação do outro. Belo Horizonte: Ed.

UFMG, 1999. Sobre o assunto falaremos mais abaixo. 57

O Appeal to Reason foi um importante periódico de tendência socialista. Nele, publicavam importantes

escritores da esquerda norte-americana, como o próprio Debs, mencionado acima.

65

revolução popular de massa anônima, ou seja, que não possuía uma liderança

intelectual. Como escreveu: ―La Revolución Mexicana fue anónima. Esencialmente fue

obra de la gente común. Ningún partido organizado presidió su nacimiento. No hubo

grandes intelectuales que redactaran su programa, que formularan su doctrina, que

trazaran sus objetivos. (TANNEMBAUM apud BRADING, 1995, p. 23- trecho retirado

de Peace by Revolution). Por conseguinte, para Luis Barrón (ed. 2004), Turner está

inserido em um grupo de escritores que entendia a revolução a partir de uma

interpretação monolítica e unitária.

Não podemos deixar de destacar que, em 1911, Barbarous Mexico foi publicado

na forma de livro em Chicago e Londres, possuindo uma versão em espanhol apenas no

ano de 1955. A partir desta data, a obra foi resgatada, tornando-se um clássico da

historiografia revolucionária. (CAMPOS ARIAS, 2011, pp. 8-10). Na década de 1960,

tornou-se leitura obrigatória nos cursos de História do México. (VELÁZQUEZ

ESTRADA, 2000, p. 78). Entretanto, o livro já fazia sucesso no próprio Estados Unidos,

vendendo um milhão de exemplares e sendo, segundo Lomnitz (2009, s/p.), comparado

com o sucesso de vendas de Uncle Tom‟s Cabin, da escritora estadunidense Harriet

Beecher Stowe58

.

Turner iniciou o livro de 1911 explicando qual era seu objetivo. O autor deixou

claro que, abaixo do Rio Grande, eclodiu um movimento contra o presidente da

República e seu receio era que o governo estadunidense pudesse intervir na situação,

corroborando com o Porfiriato e agindo contra tal movimento. O público-alvo de seu

trabalho, portanto, era a sociedade civil norte-americana que, informada sobre as ―reais‖

condições por que passava o México, deveria pressionar o governo estadunidense para

que uma medida a favor de Díaz não fosse adotada.

O escopo do livro foi mostrar qual era o ―verdadeiro‖ México existente durante

os anos de 1876 a 1911. Para Gómez Galvarriato e Tenorio Trillo, Luis Wistano

Orozco, Andrés Molina Enríquez e John Turner ―marcan y deciden el inicio y futuro de

la historiografía del autoritarismo porfiriano (…).‖ (2006, p. 49). Tais autores foram

retomados e discutidos por escritores de gerações revolucionárias posteriores. O

governo das leis sob o Porfiriato era, para Turner, uma mentira, falsidade, além da

58

Não possuímos o artigo, mas Eugenia Meyer desenvolveu o assunto em seu trabalho. Ver: MEYER,

Eugenia. John Kenneth Turner, periodista de México. Cidade do México: Era, 2005.

66

Constituição liberal, promulgada em 1857, não ser cumprida pelo presidente. Como

indagou logo no início da obra:

What is Mexico?

Americans commonly characterize Mexico as "Our Sister Republic."

Most of us picture her vaguely as a republic in reality much like our

own, inhabited by people a little different in temperament, a little

poorer and a little less advanced, but still enjoying the protection of

republican laws—a free people in the sense that we are free.

Others of us, who have seen the country through a car window, or

speculated a little in Mexican mines or Mexican plantations, paint that

country beyond the Rio Grande as a benevolent paternalism in which

a great and good man orders all things well for his foolish but adoring

people.

I found Mexico to be neither of these things. The real Mexico I found

to be a country with a written constitution and written laws in general

almost as fair and democratic as our own, but with neither constitution

nor laws in operation. Mexico is a country without political freedom,

without freedom of speech, without a free press, without a free ballot,

without a jury system, without political parties, without any of our

cherished guarantees of life, liberty and the pursuit of happiness.

(TURNER, 1911, p. 09).

Como percebemos a partir do exemplo desta citação, em todo o livro Turner

tensionou a noção de um ―México real‖ e um ―México aparente‖, este sendo o que Díaz

e seu ―sistema‖, ou seja, seus partidários, desejavam mostrar ao mundo. Para o escritor,

qual era o verdadeiro país sob o governo do general? Segundo o periodista, uma

administração que possuía uma retórica legalista, que seguia uma constituição liberal,

mas, que de fato, não se cumpria. Aos viajantes que passeavam nos pomposos trens

construídos durante o governo de Don Porfirio e voltavam aos Estados Unidos

encantados com o que apreciaram, acreditando existir naquele país um bom governante,

um pater patriae, que queria proteger e cuidar de sua nação, colocando-se à frente dela

para abrigá-la em qualquer momento, Turner defendia que o que existia no país era

uma alta supressão de direitos individuais do povo mexicano, a falta de partidos

políticos atuantes no cenário público, alto controle da imprensa e, o que foi um dos

argumentos principais da obra: de que no México existia escravidão. Como afirmou

Campos Arias,

Esta obra [Barbarous Mexico] contribuyó globalmente en la

construcción posterior que esa visión monolítica hizo de la revolución,

particularmente en lo relativo a la leyenda negra del sistema porfirista,

frente al cual se habría levantado esa poderosa, épica y unitaria fuerza

revolucionaria. Por ello, su obra ha sido utilizada por interpretaciones

que han querido privilegiar en la lectura de la revolución la idea de

una profunda transformación, de cambios significativos más que de

67

continuidades, respecto de la etapa previa y por quienes se han

vinculado, desde perspectivas diversas, tanto a la conmemoración del

proceso revolucionario, como a exaltar su significación para la historia

de México. (CAMPOS ARIAS, 2011, p. 22),

Até o capítulo cinco do livro, Turner argumentou que, durante o Porfiriato,

existiu escravidão no México59

. O enfoque do autor, ao falar dos estados que possuíam

alta porcentagem de escravos no país, foi Yucatán e o Valle Nacional60

. Ele defendia

com autoridade tal afirmação justamente por ter viajado ao país e, lá, visto e ouvido

acerca deste modo de trabalho. Ou seja, o ver e ouvir algo produzem em Turner, como

em qualquer relato de viagem, um ―efeito de crença.‖ (Hartog, 1999, p. 274).

Entendidos como marcas de enunciação, embora não sejam as únicas do texto de

Turner, o ―ver‖, ―ouvir‖, ―dizer sobre o que eu vi e ouvi‖ e ―escrever‖ sobre isto,

produzem um impacto no destinatário da obra, fazendo-o crer no que se conta.

(HARTOG, 1999, p. 297). Para o periodista, ―every essential fact which I put down here

in regard to the slavery of Mexico I saw with my own eyes or heard with my own ears,

and heard usually from those individuals who would be most likely to minimize their

cruelties - the slave-drivers themselves‖ (TURNER, 1911, p. 12)61

.

É importante salientar que, além de Turner ter testemunhado acerca da

escravidão mexicana, os seis primeiros capítulos, nos quais ele discorreu sobre como

funcionava este sistema e como era a situação dos peões das cidades, são todos

compostos por diálogos. Isto gerou cada vez mais um efeito de verdade e crença sobre o

que o autor quis defender – outra forma de marca de enunciação. Os demais capítulos

não tiveram a mesma estrutura e as fontes utilizadas pelo periodista foram justamente as

notícias de jornais tanto do México, quanto do próprio Estados Unidos. O interessante é

59

Em 1909 Turner publicou uma série de artigos no periódico norte-americano The American Magazine,

cujo assunto seria a existência de escravidão em alguns países do México porfirista. Em 1911 ele uniu

estes artigos que se tornaram os cinco primeiros capítulos de seu livro, publicado em abril deste mesmo

ano, sob o título de Barbarous Mexico. Segundo Campos Arias, a referida revista começou suas

publicações no ano de 1906, com o objetivo de ―desenvolver um periodismo de investigação.‖ (CAMPOS

ARIAS, 2011, p. 35). Ademais, já em 1909, possuía uma tiragem de 300 mil exemplares mensais, ou seja,

havendo um grande público leitor. 60

Escravidão para Turner seria a propriedade que um indivíduo teria sobre outro, sendo até possível ele

ser transferido a terceiros. Além disto, acrescentou, ―Slavery is the ownership of the body of a man, an

ownership so absolute that the body can be transferred to another, an ownership that gives to the owner a

right to take the products of that body, to starve it, to chastise it at will, to kill it with impunity. Such is

slavery in the extreme sense. Such is slavery as I found it in Yucatan.‖ (TURNER, 1910, p. 16). 61

Novamente reiteramos: não podemos deixar de destacar que o livro de François Hartog se refere aos

trabalhos de Heródoto e, não sobre o século XIX. Entretanto, algumas discussões feitas no livro nos

ajudam a pensar a obra de Turner, principalmente quando este funda sua autoridade em um ―eu vi‖ como

funcionava o sistema de escravidão no México de Porfirio Díaz. As discussões colocadas por Hartog nos

ajudaram a refletir sobre muitos aspectos da construção narrativa da obra do periodista norte-americano,

mas é importante, como foi explicado, destacar que não é um livro que analise propriamente o oitocentos.

68

que a todo momento ele foi pedindo para que as pessoas, ao lerem sua obra, refletissem,

imaginassem o que era descrito, e tomassem uma atitude perante a situação por que

passava o país. Acreditamos ser também devido a estes fatores de disposição e

argumentação textual que Barbarous Mexico possuiu, à época, grande repercussão nos

Estados Unidos.

A interpretação que Turner foi construindo do México porfirista é estabelecida

em comparação com os Estados Unidos. Na passagem a seguir vemos como a situação

destes ―escravos‖ anacrônicos mexicanos é comparada com os trabalhadores norte-

americanos, tanto coetâneos à época do livro, 1910, quanto com os ―escravos‖ que

existiam na parte sul do vizinho do norte, antes da Guerra Civil norte-americana (1861-

1865). Citamos,

The Yucatan slave gets no hour for lunch, as does the American ranch

hand. He goes to the field in the morning twilight, eating his lump of

sour dough on the way. He picks up his machete and attacks the first

thorny leaf as soon as it is light enough to see the thorns

and he never lays down that machete until the twilight of the evening.

(…)

Over and over again I have compared in my mind the condition of the

slaves of Yucatan with what I have read of the slaves of our southern

states before the Civil War. And always the result has been in favor of

the black man. Our slaves of the South were almost always well fed,

as a rule they were not overworked, on many plantations they were

rarely beaten, it was usual to give them a little spending money now

and then and to allow them to leave the plantation at least once a

week. (TURNER, 1911, p. 35).

A obra de Turner, portanto, fez analogias e paralelos entre o México e os

Estados Unidos. A comparação entre os dois países tornava-se um elemento heurístico

para se entender a situação mexicana, além de tornar os fatos inteligíveis aos próprios

norte-americanos. Além disto, a obra do periodista não possuía o objetivo de ter um

rigor acadêmico. Por conseguinte, o contraste entre EUA versus México e a

simplificação do governo porfirista possuíam o intuito de comover o público leitor

(CAMPOS ARIAS, 2011).

É importante destacar, questão que será desenvolvida mais abaixo, que Turner

não se referiu, ao escrever sobre o Porfiriato, aos conflitos civis por que atravessou o

país até 1876 (explicados no capítulo um). Tal assunto, que foi abordado pelos outros

autores até aqui estudados, não possui relevância na obra do periodista. Turner pensou o

Porfiriato a partir do próprio governo do presidente, sem comparações com outros

períodos mexicanos; e a base para finalizar suas conclusões foram justamente essas

69

analogias com o vizinho do norte, mencionadas acima. Para o periodista, frente a um

país federalista, com uma constituição de fato vigente, liberdade individual, etc.

(características políticas dos Estados Unidos), o México emergia como a antítese destes

elementos.

O foco do tópico não é analisar a construção da interpretação dos mexicanos que

trabalhavam nas grandes fazendas do país. O importante é destacar que, para o autor, o

governo do México tinha participação no trato de escravos, sendo o culpado da situação

em que eram submetidos os trabalhadores. Uma questão social sobressaía-se na obra:

não havia um desenvolvimento do povo no México porfirista. Até mesmo uma situação

escravista ocorria no país, sob os olhos do próprio governante. Como escreveu, esta

instituição ―bárbara‖ que era a escravidão, algo que na Constituição era ilegal, existia no

México e era sustentada pelo Porfiriato. Segundo o periodista, ―I trust that my

exposition of the previous chapters has been lucid enough to leave no question as to the

complete partnership of the government in the slavery.‖ (1911, p. 109- Grifo nosso).

Como explicou Campos Arias,

En profundo contraste, Turner encuentra en México aún la presencia

de la barbarie, representada para él tanto por el sistema político

autoritario de Díaz, como por el sistema de explotación del trabajo

esclavo en las haciendas, que fueron la base de la crítica de su

Barbarous Mexico. En el primero, el sistema político, están por

completo ausentes la democracia y el conjunto de libertades

correspondientes a un sistema moderno y avanzado. En el relativo al

segundo, el sistema de explotación del trabajo, el avance de la

industrialización es muy incipiente, no se ha podido desarrollar a

plenitud, y se mantiene una forma de producción que en realidad

corresponde a una época anterior, la de un pasado que al periodista le

sorprende que aún subsista al otro lado de la frontera sur de los

Estados Unidos. Ese México bárbaro es el que hay que desaparecer

para volver posible una transformación que ponga a este país en una

ruta de evolución más acorde con los tiempos que corren en el mundo

más desarrollado, tanto en Europa como en Estados Unidos.

(CAMPOS ARIAS, 2011, p. 91- Grifo no original).

Após explicar a situação interna mexicana, percebemos que Turner não

acreditava ser o México um país nos moldes democráticos, moderno e civilizado, havia

resquícios de passado (como desenvolveremos abaixo). Para o autor, a culpa dessa

situação era do presidente Díaz e seus partidários governamentais. Sob tal governo, o

país via a prostração da população. Nas palavras do autor, nem em tempos da conquista

70

espanhola os peões e os escravos eram ―destruídos‖ e ―reduzidos a pedaços‖ como

durante o Porfiriato62

.

Como leremos na citação abaixo, a analogia histórica feita pelo norte-

americano para construir essa imagem de um presidente forte e central, mas nada

bondoso – como ocorria erroneamente no imaginário dos estrangeiros que visitavam o

México –, que possuía todo o poder em suas mãos – embora Turner acreditasse que ele

necessitava dos indivíduos que o cercavam para ter força no poder –, foi com Luis XIV:

a imagem do poder absoluto. Citamos,

It was at this juncture [o da consolidação do setor liberal en época da

República Restaurada] that General Porfirio Diaz, without any valid

excuse and apparently for no other reason than personal ambition,

stirred up a series of revolutions which finally ended in his capture of

the governmental powers of the land. While professing to respect the

progressive institutions which Juarez and Lerdo had established before

him, he built up a system all his own, a system in which he personally

was the central and all-controlling figure, in which his individual

caprice was the constitution and the law, in which all circumstances

and all men, big and little, were bent or broken at his will. Like Louis

XIV, The State - Porfirio Diaz was The State! (TURNER, 1911, p.

121).

Tendo em vista tais aspectos, para Turner, em 1876 emergiu um governo

pautado pela ambição pessoal de um indivíduo que, segundo o escritor, tornou-se a

corporificação do México, concentrando todos os poderes governamentais em suas

mãos. Enquanto Benito Juárez e Sebastián Lerdo de Tejada foram vistos como

governantes que respeitaram, de fato, a Constituição liberal de 1857, o governo de Díaz

foi visto como uma dissimulação, sendo apenas democrático e liberal retoricamente, e

não cumprindo, de fato, tais preceitos políticos. Como veremos no próximo tópico, Luis

Lara Pardo também mobilizou argumentos semelhantes em seu livro.

Deste modo, Turner, para interpretar o Porfiriato, valia-se de analogias

históricas. O autor se amparava em experiências e tornava vivos elementos e

conjunturas que o ajudavam a explicar aquela situação mexicana. A remissão era à

época da colonização espanhola que, durante trezentos anos, assolara o vice-reinado da

Nova Espanha, constituindo-se em um governo opressor. Além disto, o México era

administrado por um ditador que, como Luis XIV, concentrou todos os poderes em suas

62

Citamos: ―I do not wish to be unfair to General Diaz in the least degree. The Spanish Dons made slaves

and peons of the Mexican people. Yet never did they grind the people as they are ground today. In

Spanish times the peon at least had his own little patch of ground, his own humble shelter; today he has

nothing.‖ (TURNER, 1910, p. 120).

71

mãos, tornando-se a personificação do país, o Estado. Para completar sua interpretação,

a população era sintetizada na figura do escravo, uma condição de vida anacrônica nos

oitocentos. Como afirmou, vinculando todos estes elementos, as circunstâncias

beiravam o insuportável. A nação não mais aguentava esta atmosfera. O passado vinha à

tona, estava vivo na forma de resquícios, e preocupava o futuro do país. Onde o México

chegaria?

Uma das chaves mais importantes do livro, para sustentarmos nosso argumento,

foi quando Turner defendeu que havia, anteriormente ao governo de Díaz, paz no

México. Segundo o autor, não foi o presidente quem a consolidou – como afirmavam

vários escritores –, mas sim a desestabilizou, fazendo-a alterar durante seus mandatos.

Escreveu: ―the apparent quiescence of Mexico is entirely forced by means of club,

pistol and knife.‖ (TURNER, 1911, p. 162- Grifo nosso). Em comparação com os

polígrafos analisados, o periodista explicou que durante o governo de Benito Juárez, a

partir de 1867, este já promovera no país, em sua relação com o mundo, um ambiente

pacífico.

Such was Mexico forty years ago [republicano e constitucional]. Forty

years ago Mexico was at peace with the world. She had just

overthrown, after a heroic war, the foreign prince, Maximilian, who

had been seated as emperor by the armies of Napoleon Third of

France. Her president, Benito Juarez, is today recognized in Mexico

and out of Mexico as one of the most able as well as unselfish patriots

of Mexican history. Never since Cortez fired his ships there on the

gulf coast had Mexico enjoyed such prospects of political freedom,

industrial prosperity and general advancement.

But in spite of these facts and the additional fact that he was deeply

indebted to Juarez, all his military promotions having been received at

the hands of the latter. General Porfirio Diaz stirred up a series of

rebellions for the purpose of securing for himself the supreme power

of the land. Diaz not only led one armed rebellion against a peaceable,

constitutional and popularly approved government, but he led three of

them. For nine years he plotted as a common rebel. The support that

he received came chiefly from bandits, criminals and professional

soldiers who were disgruntled at the anti-militarist policy which

Juarez had inaugurated and which, if he could have carried it out a

little farther, would have been effective in preventing military

revolutions in the future - and from the Catholic church. (TURNER,

1911, p. 123).

As guerras civis, tanto anteriores ao governo do zapoteca, quanto a partir da

República Restaurada, não foram mencionadas no livro. O passado exposto pelo

periodista referiu-se à época da intervenção francesa em solo mexicano, o ―Segundo

Império‖, derrotado por Don Benito em 1867. O problema esboçado pelos mexicanos,

72

de um passado pós-independente caótico, cindido por guerras intestinas, em que o povo

possuía um espírito turbulento, não ganharam dimensão em seu livro.

Além disto, a população não desejava Díaz na presidência da República. Para

Turner, o general ascendeu à magistratura do país por meio da revolução que iniciara

contra Lerdo e, apoiado em armas, não no povo, tornou-se presidente. Assim,

permanecera no cargo contra a vontade da nação. E, completou: ―since no man can rule

an unwilling people without taking away the liberties of that people, it can be very

easily understood what sort of regime General Diaz found it necessary to establish in

order to make his power secure.‖ (TURNER, 1911, p. 124).

O conceito de ―povo‖ é importante no livro do periodista, como será para os

polígrafos analisados abaixo: Lara Pardo e Francisco Bulnes. Ao estudarmos sua obra, e

outros escritos do autor (como o fez Campos Arias em sua tese de doutorado),

percebemos que o conceito significou a vontade geral da população, que possuía a

legitimidade para se expressar ou decidir sobre as questões de seu país. Ademais, essa

ideia tinha uma conotação liberal, remetendo-se a uma noção incluinte, ou seja,

significando o conjunto das aspirações de uma coletividade (CAMPOS ARIAS, 2011,

p. 161).

Para Turner, portanto, quem sofreu as consequências de uma ambição pessoal

por poder foi o ―povo mexicano‖, sujeito à condição de escravidão. O autor escreveu

que não havia liberdades políticas no México, não existiam partidos atuantes no cenário

público e parte da população estava escravizada por grandes fazendeiros. A situação dos

peões das cidades e localidades rurais assemelhava-se ―the serfdom of Europe in the

Middle Ages.‖ (TURNER, 1911, p. 110). Ou seja, os eventos passados, mobilizados na

obra, mostravam um México retrógrado, atrasado e feudal. Politicamente, o país vivia

sob uma ditadura opressora. Não havia progresso e modernidade. Somado a estes

aspectos, o governo possuía o interesse de enriquecer as classes privilegiadas. Sob o

porfirismo, os mexicanos haviam perdido seu valor moral. Escreveu o periodista,

In other words, General Diaz, with a skill that none can deny, annexed

to himself all the elements of power in the country except the nation at

large. On the one hand, he had a military dictatorship. On the other, he

had a financial camarilla. Himself was the center of the arch and he

was compelled to pay the price. The price was the nation at large. He

created a machine and oiled the machine with the flesh and blood of a

people. He rewarded all except the people; the people were the

sacrifice. Inevitable as the blackness of night, in contrast to the sun-

glory of the dictator, came the degradation of the people—the slavery,

the peonage and every misery that walks with poverty, the abolition of

democracy and the personal security that breeds providence, self-

73

respect and worthy ambition; in a word, general demoralization,

depravity. (TURNER, 1911, pp. 124-125).

Sendo assim, para Turner, o México de Porfirio Díaz não era moderno e, não

foi o presidente o indivíduo que estabeleceu a paz no país, mas sim a abalou,

estremeceu. Existia um governo ditatorial, alimentado pelo sangue do povo –oprimido e

escravizado. As consequências eram funestas: a inexistência de uma democracia e a

desmoralização de um país. Temia-se pelo o que poderia acontecer no futuro. No livro,

o periodista criticou quem afirmava ser o presidente o pacificador do México, que sob

seu governo não existiam ―levantamentos revoltosos‖. É importante explicar que,

embora muitos escritores mexicanos se preocupassem em descrever o país pré-Díaz

como caótico, marcado por guerras civis e intervenções estrangeiras, Turner afirmava

que foi Don Porfirio quem desestabilizou a paz, desde a época em que começou a entrar

em conflito com o governo juarista. Era um ―sacrilégio‖ afirmar que Díaz foi o

promotor da paz no país. Citamos,

''Diaz, the peace-maker, the greatest peace-maker alive, greater than

Roosevelt!" chanted an American politician in a banquet at the

Mexican capital recently. And the chant was only an echo of louder

voices. I remember seeing, not long ago, a news item stating that the

American Peace Society had made Porfirio Diaz an honorary vice-

president, in consideration of his having brought peace to Mexico. The

theory seems to be that since the history of Mexico before Diaz was

full of wars and violent changes in the government and the history of

Mexico under Diaz has been without violent upheavals of far-reaching

effect, Diaz must necessarily be a humane, Christ-like creature who

shrinks at the mention of bloodshed and whose example of loving

kindness is so compelling that none of his subjects have the heart to

do anything but emulate him. (TURNER, 1911, p. 304).

Retomando a citação, Turner criticou, como explicado em parágrafo anterior,

quem afirmava ser o presidente o ―grande pacificador‖, o homem que gerou a harmonia,

tranquilidade e equilíbrio que o México sempre necessitou para sair da atmosfera

anárquica de tempos anteriores. Novamente o escritor se valia de paralelos históricos.

Para ele, os argumentos e discursos laudatórios possuíam tantos ecos e força, que o

presidente assemelhava-se quase a Cristo, ou seja, um indivíduo sempre justo, com um

caráter de prontidão, compaixão e zelo para com seus concidadãos, um Deus encarnado.

Ademais, era visto (erroneamente) como um presidente bondoso e, acima de tudo, que

possuía a sinceridade e o caráter humanitário. Por detrás destes discursos impensados

(ou muitas vezes mal informados), Turner enxergava um país marcado pela prostração

social e ambição política do primeiro magistrado.

74

No último capítulo do livro, intitulado ―The mexican people‖, o periodista

encerrou seus argumentos explicando sobre a situação da população mexicana sob o

governo de Díaz. Diante da concepção de progresso das civilizações, afirmava que o

México estava ―muito atrás dos Estados Unidos‖, mas era necessário entender esta

situação devido aos fatos históricos por que passou o país63

. Ao pensar a respeito do

povo, Turner não acreditava em uma inferioridade etnológica dos mexicanos, ou seja,

seu caráter não era inferior ao de outros povos. Se diante do progresso norte-americano

o território abaixo do Rio Grande era atrasado, quase feudal, tal situação era agravada

por três motivos:

Assuredly Mexico is behind us in the march of progress, behind us in

the conquests of democracy. But, in considering her, be just and

consider what the luck of history gave us in comparison to what it

gave the Mexican. We were lucky enough not to have the rule of

Spain imposed upon us for 300 years. We were lucky enough to

escape the clutch of the Catholic church at our throats in our infancy.

Finally, we were lucky enough not to be caught in our weakness at the

end of a foreign war, caught by one of our own generals, who, in the

guise of president of our republic, quietly and cunningly, with the

cunning of a genius and the remorselessness of an assassin, built up a

repressive machine such as no modern nation has ever been called

upon to break. We were lucky enough to escape the reign of Porfirio

Diaz. (TURNER, 1911, p. 338).

Como vimos no trecho acima, os motivos do atraso mexicano possuíam uma

base histórica (e não etnológica, como mencionado acima): trezentos anos de

colonização espanhola somados à atuação da Igreja Católica corroboraram para

atrapalhar a marcha de progresso do país. Sendo assim, a História explicava e dava

sentido aos acontecimentos do presente. Ademais, Turner indicava o grande agravante

da situação: o Porfiriato. Possuindo uma roupagem de governo republicano, este, na

verdade, era uma ―máquina repressiva‖ comandada pela ―falta de escrúpulos de um

assassino‖. Máquina esta, como escreveu o autor, lubrificada com o sangue e carne do

povo. O argumento de que o povo mexicano não era apto para a democracia não era

legítimo para o escritor, pois os cidadãos possuíam a necessidade, e eram capazes, de

aprender com a experiência. Era necessário implantar o sistema democrático no país,

para que assim, a coletividade aprendesse a viver sob esta forma governamental.

63

É relevante mencionar que a ideia de ―civilização‖ e ―progresso das civilizações‖ tornaram-se conceito e

expressão, respectivamente, de ordem no século XIX (den Boer, 2007, p. 105). O termo era objeto de

avaliação, mensuração, entre os intelectuais, existindo diferentes graus entre as nações do mundo. Sobre a

história do conceito ver: DEN BOER, PIM. Civilização: comparando conceitos e identidades. In: FERES

JUNIOR, João; JASMIN, Marcelo. ―História dos Conceitos: diálogos transatlânticos.‖ Rio de Janeiro: Ed.

PUC-Rio/Ed. Loyola: IUPERJ, 2007.

75

Deste modo, o periodista defendia uma república democrática, na qual o povo

tivesse liberdade política – valores norte-americanos que Turner possuía e defendia em

seu horizonte64

. Ao se deparar com a eclosão da Revolução Mexicana, Turner entendia

o movimento como uma união das massas para derrubar o governo ditatorial. A

coletividade deveria ser o agente de mudança no país. Para ele, o levantamento era

necessário e legítimo; o evento acabaria com o Antigo Regime e, assim, instauraria uma

nova sociedade, baseada na liberdade política e democracia. (CAMPOS ARIAS, 2011).

Ao se deslegitimar o Porfiriato, legitimava-se a revolução. Esta era vista como a solução

imediata para mudar as bases do país em um futuro próximo: ―under the present

barbarous government there is no hope for reform in Mexico except through armed

revolution. Armed revolution on the part of the decent and most progressive element is

strong probability of the early future.‖ (TURNER, 1911, p. 340).

Turner e a crítica ao governo norte-americano

Como mencionado, o livro de Turner não dialogou diretamente com os

mexicanos e a situação do país. O objetivo foi informar a população civil norte-

americana da opressão por que passava a nação abaixo do Rio Grande. Além disto, o

periodista queria deixar clara a participação do governo estadunidense nesta situação,

uma vez que, para ele, os EUA corroboravam com o Porfiriato e contra o movimento

armado de 1910. Ao mesmo tempo em que o livro fez uma crítica ao governo mexicano,

não podemos deixar de abordar a censura feita por Turner ao seu próprio país de

origem, criticando sua postura intervencionista. Citamos,

Again I come back to the question: What is the source of that

"influence upon journalism?" Why do citizens of the United States,

who profess a reverence for the principles for which their forefathers

of ‘76 fought, who claim to revere Abraham Lincoln most of all for

64

Como sabemos, a ideia de democracia possuiu variações ao longo dos anos e países. Contudo, não

podemos deixar de mencionar uma discussão específica sobre a Democracia nos EUA que estava

ocorrendo à época. A partir de 1890 começou a se desenvolver uma forte industrialização, crescimento

econômico acelerado e marcante divisão de classes nos EUA, que se tornava cada vez mais profunda: as

diferenças entre as classes média e baixa ganhavam força (WIEBE, ed. 1996). A prosperidade financeira

dos grandes empresários não foi dividida com os trabalhadores, e as divisões ideológicas (brancos x

negros; nativos x imigrantes; homens x mulheres) eram candentes, desencadeando movimentos sociais no

país (FERNANDES; MORAIS, 2010). Entre 1900 e 1920, período conhecido por ―era Progressista norte-

americana‖, várias críticas foram direcionadas às desigualdades e pobrezas advindas do crescimento

econômico, principalmente aos empresários e capitalistas monopolistas. O setor socialista defendia a

democracia social (PURDY, 2010). Foi em meio a esta efervescência política, marcada pela defesa de

liberdade e exercício dos direitos dos cidadãos, que Turner refletia sobre a questão mexicana, propondo o

desenvolvimento democrático naquele país.

76

his Emancipation Proclamation, who shudder at the labor-baiting of

the Congo, at the horrors of Russia's Siberia, at the political system of

Czar Nicholas, apologize for and defend a more cruel slavery, a worse

political oppression, a more complete and terrible despotism - in

Mexico? (TURNER, 1911, p. 248).

A partir da citação, percebemos que Turner fez alusão ao presidente que

governou os Estados Unidos à época da Guerra Civil e ficou conhecido como o ―Grande

Emancipador‖, Abraham Lincoln. Além da referência ao presidente da época da Guerra

Civil e da libertação dos escravos, o periodista também mencionou: o problema dos

braceiros do Congo, região que, no século XIX, ficou sob domínio do rei Leopoldo II,

da Bélgica; a colonização russa na Sibéria que, nos oitocentos, tornou-se um lugar de

deportação de exilados políticos; e mencionou também, o governo do imperador russo

Nicolau II. Estes exemplos demonstravam a crítica feita pelo escritor às formas de

imperialismo e modelos governamentais que não prezavam pela liberdade de sua

população.

A crítica, portanto, que Turner fazia aos Estados Unidos, era justamente à

atitude do governo, dos periodistas que elogiavam o Porfiriato e dos grandes

fazendeiros que possuíam negócios abaixo do Rio Grande, de aceitarem a situação por

que passava o México. O objetivo do escritor era fazer com que a população civil

estadunidense percebesse este apoio e também criticasse, impedisse, que o governo

americano interviesse contra a Revolução Mexicana. Como explicou Campos Arias, as

ideias de Turner perpassavam um progressismo radical, uma oposição de esquerda e

uma crítica anti-imperialista e intervencionista de um país sobre outro (CAMPOS

ARIAS, 2011, p. 12). ―Também podemos lembrar o caso paradigmático de 1898, em

que muitos intelectuais norte-americanos e latino-americanos se posicionaram frente ao

acontecimento em Cuba.‖ (BARBOSA; VASCONCELOS, 2012, s/p).

A justificativa que o autor apresentou, por parte de fazendeiros e editores de

periódicos que faziam apologias ao governo porfirista, era o interesse financeiro que

estes possuíam no país. Existiam negócios comerciais por parte dos Estados Unidos,

bem como o desejo de obter concessões de terras e privilégios em território mexicano.

Sobre este ponto podemos refletir acerca de uma questão: até onde, na obra de

Turner, o governo de Díaz foi visto como uma administração forte e autônoma? Devido

ao fato de os Estados Unidos possuírem interesses no México e acharem importante a

permanência de Díaz na presidência, em algumas partes o autor chegou a escrever que

77

Don Porfirio resistia no poder devido ao respaldo norte-americano. Segundo a citação

abaixo,

[Os norte-americanos] desiring to perpetuate Mexican slavery and

considering General Diaz a necessary fator in that perpetuation, they

have given him their undivided support. By their control of the press

they have glorified his name, when otherwise his name should be by

right a stench in the nostrils of the world. But they have gone much

farther than this. By their control of the political machinery of their

government, the United States government, they have held him in his

place when otherwise he would have fallen. Most effectively has the

police power of this country been used to destroy a movement of

Mexicans for the abolition of Mexican slavery and to keep the chief

slave-driver of Barbarous Mexico, Porfirio Diaz, upon his throne.

Still another step can we go in these generalizations. By making itself

an indispensable factor in his continuation in the governmental power,

through its business partnership, its press conspiracy and its police and

military alliance, the United States has virtually reduced Diaz to a

political dependency, and by so doing has virtually. (TURNER, 1911,

p. 254- Grifos no original)

A partir desta passagem, podemos inferir que os Estados Unidos respaldavam,

para Turner, o governo de Díaz, uma vez que possuíam interesses comerciais no país.

Para o escritor, o governo norte-americano ―mantinha Díaz no poder quando este já

deveria ter caído‖ (devido ao movimento revolucionário). O ponto nevrálgico foi a

afirmação do periodista de que ―os Estados Unidos teriam convertido virtualmente a

Díaz em um vassalo político, e em consequência, transformado o México em uma

colônia escrava.‖ Até que ponto, portanto, o presidente mexicano possuía tanta força ou,

teria ele se transformado em um vassalo nas mãos do governo norte-americano? Embora

não tenhamos buscado desenvolver este problema, deixando para uma pesquisa futura, é

interessante pensar a posição do governo de Díaz frente aos Estados Unidos. Da mesma

forma que o livro se constituiu como uma crítica aberta ao porfirismo, também teceu

censuras ao governo norte-americano. O apelo de Turner à sociedade americana era o de

não deixar que o governo contribuísse com o Porfiriato em abafar o movimento

revolucionário de 1910.

Luis Lara Pardo e a tirania do governo

De Porfirio Díaz à Francisco Madero: la sucesión dictatorial de 1911, escrita

em 1911 por Luis Lara Pardo e publicada em 1912 foi, segundo Paul Garner, um dos

―ejemplos más virulentos del antiporfirismo en México‖ (GARNER, 2003, p. 18),

78

constituindo-se em um clássico desta literatura e contribuindo para sua consolidação. A

própria ―Comisión Nacional para las celebraciones del 175 aniversario de la

Independencia Nacional y 75 aniversario de la Revolución Mexicana‖65

considerou, em

1985, o livro supracitado como uma obra fundamental para o estudo do movimento

revolucionário66

.

Para Gómez Galvarriato e Tenorio Trillo, a obra foi escrita ainda sob as

metrallas calientes da Revolução que eclodiu no país em 1910. Este evento era, para

Lara Pardo, o início de um movimento que fazia cair os pilares do que ele qualificara de

Antigo Regime (1912, p. 02). Ao analisarmos o conceito utilizado pelo escritor, não

podemos deixar de comentar a analogia com revolucionários franceses de finais do

século XVIII, que denominaram o período anterior à Revolução neste país com o

mesmo epíteto. O levantamento, para Lara Pardo, era percebido como a consequência

da concentração cada vez maior de poderes nas mãos do presidente.

Percebemos, neste ponto, uma primeira semelhança com a obra de John Turner,

periodista que utilizou o mesmo qualificativo para se referir ao Porfiriato. A Revolução,

para ambos, foi vista como um movimento de mudança, devido à falta de liberdade

política e a concentração de poderes nas mãos do presidente. Era necessário que se

desenvolvesse a democracia no México. Podemos encontrar esta matriz de pensamento

nas obras de Alexis de Tocqueville. Embora os referidos autores não o tenham citado,

podemos inferir que refletiam acerca da Revolução Mexicana a partir de uma

apropriação do tropo tocquevilleano. No ano de 1856 escreveu O Antigo Regime e a

Revolução (L'Ancien Régime et la Révolution), cujo objetivo era encontrar as causas da

Revolução Francesa. Para ele, as origens do levantamento estavam no interior do que

ele chamou de Antigo Regime, uma vez que a monarquia cada vez mais suprimia as

liberdades políticas da população, além de desprivilegiar as camadas mais pobres.

Tocqueville, ao pensar a conjuntura francesa, via rupturas, mas também

permanências entre os períodos pré e pós-revolucionário, principalmente no que se

referiu à centralização administrativa do Estado. Contudo, o movimento, para ele,

trouxe elementos novos à sociedade. Embora este escritor tenha interpretado a

revolução como um movimento anárquico em seu país, Turner e Lara Pardo não

entendiam o levante mexicano como uma etapa caótica, mas sim como algo que iria

trazer as modificações necessárias. Se Díaz não saía do poder, era necessário que a

65

Comissão do Instituto Nacional de Estudos Históricos da Revolução Mexicana. 66

Ver: http://www.bicentenario.gob.mx/bdb/bdbpdf/dePorfirioDiazAFranciscoMadero/prologo.pdf

79

população se mobilizasse e o tirasse da presidência. Deste modo, os conceitos utilizados

por Tocqueville foram instrumentalizados (e apropriados) pelos escritores analisados.

Frente à eclosão do levantamento, e para legitimá-lo como um movimento de mudança

(e progresso), era necessário mostrar as rupturas de um período ao outro. Explicitar que

o ―Antigo regime‖ ficara no passado tinha relevância.

O escritor nasceu na Cidade do México, capital do país, no ano de 1873,

falecendo em 1959. Formou-se médico, mas dedicou sua carreira ao periodismo, sendo

colaborador em importantes jornais como, por exemplo, El imparcial e El mundo

ilustrado. Fora do México, morou na França, onde foi correspondente do Excelsior e,

em Nova Iorque, chefe de redação do La Prensa (COMISIÓN, 1985)67

. Em 1887

começou a escrever no Diário del Hogar, cujo diretor era Filomeno Mata, grande crítico

de Díaz e seu governo. Ademais, segundo uma revista eletrônica mexicana, Lara Pardo

tornou-se chefe de redação do El Imparcial e, em 1909, fundou Actualidades, periódico

antiporfirista e defensor da democracia no México (CAMBIO DIGITAL, 2012). Seu

livro supracitado foi publicado pela Polyglot Publishing & Commercial Co., editora

norte-americana, uma vez que o autor estava exilado no país por problemas políticos

com o governo de Díaz, principalmente por suas críticas no Actualidades68

.

67

Não podemos deixar de nos atentarmos ao fato de que muitos escritores mexicanos direcionaram suas

críticas ao Porfiriato a partir dos Estados Unidos. Havia um grande intercâmbio entre eles e alguns setores

norte-americanos, como o socialista. Muitos indivíduos partiram em exílio voluntário para o vizinho do

norte. A vertente crítica, e posteriormente revolucionária, do magonismo, por exemplo, tinha muita força

entre os americanos. Como os mencionados no tópico acima, muitos indivíduos corroboravam com a

causa mexicana, mantendo contato com as lideranças do Partido Liberal Mexicano (como foi o caso de

Turner). Ademais, o periódico socialista Appeal to Reason foi um importante veículo de difusão das

ideias e lutas mexicanas, principalmente magonistas. Como explicou Velázquez Estrada (2000), a partir

de 1903 muitos oposicionistas começaram a chegar nos EUA, com o intuito de criticar o Porfiriato; a

maioria se concentrava em cidades sulistas e do Oeste, como Saint Louis (Missouri), Laredo e San

Antonio (ambas no Texas). Madero mantinha contato com Jesús Flores Magón e Camilo Arriaga,

afastando-se do radicalismo de Enrique Flores Magón. Por conseguinte, Lara Pardo também enxergava

nos EUA uma possibilidade de crítica aberta ao governo de Díaz. Como vimos, levar em consideração

este intercâmbio de ideias é importante. Vários intelectuais e polígrafos faziam da fronteira entre os

países algo fluido e encontravam na nação acima do Rio Grande um espaço mais aberto de crítica ao

governo. Para um aprofundamento ver: RAAT, W. Los revoltosos. Rebeldes mexicanos en los Estados

Unidos 1903-1923. Cidade do México: FCE, 1988. 68

Embora Lara Pardo seja considerado um importante escritor da literatura revolucionária, ainda são

poucas as informações e trabalhos acadêmicos sobre ele e sua produção. Não conseguimos obter a

informação do porquê de seu exílio nos Estados Unidos, mas apenas a menção do fato em seu próprio

livro e em uma nota sobre ele feita pelo periódico online Cambio Digital. Ademais, durante a pesquisa,

não encontramos notícias sobre a editora que publicou a obra, qual perfil de publicação ela possuía, entre

outros aspectos.

80

Sua obra fez uma crítica aberta ao Porfiriato, contribuindo assim para a

consolidação de uma historiografia ―antiporfirista‖69

. É importante perceber que, logo

no início de seu livro, o escritor se colocou como o primeiro autor a criticar Don

Porfirio e seu governo, época que, para ele, Francisco Madero ainda elogiava o

presidente. Citamos:

Mi independencia me trajo al destierro. Mío es el honor de haber sido

el primero en atacar por su base el régimen de Porfirio Díaz,

rechazándolo en principio públicamente en la ciudad de México,

cuando el gran dictador en la plenitud de su poder imponía el pánico;

cuando los revolucionarios de ahora eran porfiristas, y cuando D.

Francisco Madero cantaba himnos á la grandeza del caudillo. (LARA

PARDO, 1912, p. 03- Grifo nosso).

Nesta passagem do texto vemos que Lara Pardo deslegitimou a crítica do

coahuilense, já que este, ao final de seu livro La sucesión presidencial en 1910: el

Partido Nacional Democrático, afirmou que Don Porfirio havia proporcionado

estabilidade, paz e progresso ao México (sobre isto, dissertamos no capítulo um deste

trabalho). Deste modo, o médico se colocou como o primeiro a fazer uma crítica severa

e aberta ao Porfiriato, censura que, como afirmou, ―atacou desde sua base o regime‖.

Sentia-se honrado, ou seja, sua conduta pessoal, baseada na moral, coragem e

honestidade, fá-lo-ia ser o primeiro a construir uma tradição de crítica ao porfirismo70

.

Como percebemos, no cume de seu poder, Díaz, referido no trecho como ditador,

impunha o pânico ao país: a situação vivenciada por seus concidadãos era de desespero,

pavor. A nação não mais aguentava aquela conjuntura.

O objetivo do capítulo um – Cómo llegó al poder Porfirio Díaz – foi mostrar a

transformação das ações de Don Porfirio desde chefe liberal e republicano a caudilho

revolucionário e, posteriormente, de presidente constitucional a ditador vitalício. Para o

escritor, Díaz, no ano de 1876, era o que ele chamou de ―militar de prestígio mediano‖,

já que os indivíduos que o defendiam como o melhor general que o país tivera

extrapolavam nas afirmações.

O futuro presidente, na literatura oitocentista (escritores que viveram durante o

Porfiriato e escreveram sobre ele), era, para Lara Pardo, ―ungido como um semideus‖

69

Cabe reiterar neste capítulo que a categoria ―antiporfirismo‖ é retomada no texto a partir das

explicações de Paul Garner em seu livro Porfirio Díaz, del héroe al dictador: uma biografia

política(2003). 70

A definição de honra no trecho acima é entendida como uma virtude, e não procedência, nascimento.

Sobre o assunto e distinção entre as duas significações ver: BRAVO OLMEDO, Valentina. La re-

significación del honor durante la primera mitad del siglo XIX en Latinoamérica. Cuadernos de Historia

Cultural, Crítica y Reflexión, vol. 2, Viña del Mar, 2012, pp.7-11

81

(1912, p. 07). Como a analogia com Cristo, que Turner criticou, o médico censurava as

representações do presidente como um grande homem ou um deus encarnado. Neste

sentido, percebemos que o presidente, pelos escritores que o elogiavam, era consagrado

com o qualificativo de herói, um mortal divinizado. O que o autor criticava era que

outros indivíduos também tinham o direito de glória, desconstruindo, assim, a imagem

de grande e inatingível homem da figura do presidente71

. O herói desenhado por

Bernardo Reyes, como vimos no capítulo um, agora recebia novos contornos: passava a

ser um indivíduo normal, que possuía, ademais, a ambição de permanecer no poder.

Escreveu Lara Pardo,

Desde 1893, en que las finanzas mexicanas arrojaron el primer

sobrante; desde que se vió á la República Mexicana pasar por varias

crisis políticas y económicas, como las de 1884 y 1892, sin grandes

convulsiones y sin que se resolviera el conflicto en el campo de

batalla; desde que las estadísticas fiscales empezaron á pregonar que

teníamos comercio exterior, producción agrícola y minera; que los

mexicanos podíamos trabajar y vivir en paz (cosas que los virreyes

españoles tenían bien sabidas); el general Díaz se proclamó el gran

hacedor de México, y gastó muchos millones de pesos en que los

portavoces de la opinión pública gritaron a los cuatros vientos del

globo el nuevo evangelio: Díaz, como Jehová, hizo á México de la

nada.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 20).

Percebemos, portanto, a crítica feita aos argumentos que defendiam Díaz como o

grande, e quase único, construtor do país. Para Lara Pardo, tanto o próprio Don Porfirio,

quanto os ―porta-vozes da opinião pública‖, como os intitulou, pagos pelo presidente

para mostrá-lo e representá-lo como um grande governante, construíram tal imagem. A

crítica do médico era sobre o discurso que afirmava ser Díaz o indivíduo que ergueu o

país ―do nada‖. Os porfiristas, para o escritor, viam o presidente como um Jeová, ou

seja, como um deus que construiu o mundo em sete dias, Porfirio Díaz conseguira

reconstruir uma nação72

. De forma irônica, o engenheiro criticava estas afirmações:

71

―Más de todas maneras, los pregoneros de la gloria porfiriana, tuvieron ocasión de ensordecer con sus

clarinadas; los heraldos de la grandeza gubernamental dejaron oír por todas partes sus fanfarrias, y el país

entero, atónito, subyugado por lo que no había visto jamás, creyó que, efectivamente, el general Díaz era

el hacedor de todos esos bienes, que, como el caudillo hebreo, había guiado al pueblo á través del

desierto, haciendo brotar el agua de las rocas, y lo había llevado á la tierra de promisión, en donde por

obra de milagro el maná divino caía del cielo en lluvia perenne.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 65). 72

Em algumas versões da Bíblia Sagrada o nome de Deus era mencionado como Jeová. Ademais,

percebemos que esta crítica se assemelhou e muito à de Turner, embora Lara Pardo não tenha citado a

obra do periodista. Como podemos inferir, a crítica ao governo de Díaz deslegitimava sua figura de herói

e deus encarnado. O presidente dissimulava, ocultava suas ambições e era um indivíduo comum e

imperfeito. Para os autores, seu caráter humanitário, bondoso e patriota fora construído por escritores que

arquitetaram um discurso laudatório acerca do porfirismo. Sendo assim, percebemos que uma nova matriz

avaliativa começava a se formar e ganhar força.

82

México libre no realizó el más leve progreso sino cuando él general

Díaz le enseñó á vivir en paz. Todo lo demás, todo el período de

nuestra historia que se extendía desde el amanecer del 16 de

Septiembre hasta el día de Tecoac era negro, lúgubre, era una

fermentación como la de los pantanos, una descomposición social que

infestaba con su hálito á todo el continente. (LARA PARDO, 1912,

pp. 21-22).

Deste modo, como vemos no trecho supracitado, Lara Pardo deslegitimou os

argumentos de que desde a independência o país viveu imerso em uma atmosfera onde

não existia paz e progresso, e que esta conjuntura apenas se transformou sob o

Porfiriato. Como afirmou, estes argumentos não passavam de um suporte, sustentáculo,

ao governo. Defendia: ―(…) esa noción, que tanto cuadraba con la estabilidad del

sistema porfirista, es una de tantas imposturas que sirvieron de sostén al solio del

tirano.‖ (LARA PARDO, 1912, pp. 21-22). A tirania possuía um elemento de

crueldade, opressão, em que o presidente governava com um poder ilimitado, abusando

do mesmo para com a população. Citamos:

Si benevolencia y generosidad habían sido los rasgos aparentes del

gobierno de Díaz antes de llegar él á la cumbre de la autocracia, una

vez en ella no se guardó ni siquiera de cubrir las apariencias. Bajo los

oropeles de la abundancia y prosperidad comenzaron a aparecer la

crueldad, la intransigencia, la ambición sin límites y el egoísmo del

césar. Entonces pudo verse que las verdaderas características de su

régimen eran dos: exterminio y prostitución. El exterminio dejó de

cubrirse con el ropaje hipócrita del bien público. Ya no se exterminaba

sólo en nombre de la paz, los intereses nacionales y el bien social: ya

los lugartenientes enarbolaban á cara descubierta, en sus expediciones

asoladoras, el estandarte del porfirismo. (LARA PARDO, 1912, p.

100- Grifo nosso).

Após a leitura de toda a obra, por ser uma literatura político-testemunhal sobre a

conjuntura mexicana do início do século XX, Lara Pardo não mencionou autores

específicos que indicassem a ideia de tirania de que se valeu. O conceito, como

percebemos, ganhou uma dimensão importante para qualificar o Porfiriato. Deste modo,

uma das hipóteses refletidas na dissertação foi pensar a querela entre autores ―antigos‖ e

―modernos‖ sobre o referido conceito; para isso, iremos discorrer sobre o clássico

quadro taciteano a respeito do termo (MOMIGLIANO, 2004). Em As Raízes Clássicas

da Historiografia Moderna, Arnaldo Momigliano atentou-se em discutir as leituras da

obra de Tácito desde a antiguidade até o século XIX, mostrando como uma tradição

sobre suas ideias formou-se ao longo dos períodos – principalmente sobre a qualidade

do tirano.

83

Tácito refletiu em algumas de suas obras sobre o governo imperial e a tirania.

Discutiu sobre o assunto em seus Anais e Histórias. No primeiro, focalizou-se nos

governos de Tibério e Nero, imperadores romanos posteriores a Augusto. Já nas

Historiae, escritas por volta dos anos 100 a 110 d. C., atentou-se desde a queda de Nero

à morte de Domiciano. Em seus escritos, o autor analisou as características indesejáveis

do tirano, bem como as consequências acarretadas por uma destruição de liberdade por

parte do governante (MOMIGLIANO, 2004, p. 166). Analisando a figura do tirano por

um viés psicológico, ele se constituía como um governante ganancioso e sua

administração era acompanhada pela desmoralização.

Como sabemos, as leituras e usos das obras de Tácito possuíram oscilações

durante os períodos analisados por Momigliano, bem como cada país possuiu

especificidades em suas interpretações. Entretanto, segundo o referido autor, ―Tácito

transmitiu a antiga experiência de tirania a leitores modernos.‖ (2004, p. 182). Ou seja,

o tirano ainda adquiria o status de corrupto, hipócrita e cruel (2004, 167). Não queremos

afirmar que Lara Pardo foi leitor direto da obra taciteana, e que utilizou toda uma

linguagem desenvolvida pelo historiador romano. Também não asseguramos que Tácito

tenha sido o principal escritor a se atentar sobre a tirania. Contudo, pensando a questão

da tradição construída ao longo dos anos, o arquétipo de tirano antigo, especificamente

o desenvolvido por Tácito, pode iluminar nosso problema. Como percebemos no trecho

supracitado do médico, o governo de Díaz foi permeado por crueldade, ambição e

egoísmo. Além disto, uma de suas marcas foi o extermínio da população. Díaz

dissimulava, para o autor sua administração foi marcada pelas aparências, vestidas com

uma roupagem hipócrita de bem comum e discurso de pacificação. Sendo assim, as

consequências daquele governo eram preocupantes. Se por um lado Tácito não defendia

uma revolução como mudança, veremos mais abaixo que o escritor mexicano apenas

veria uma transformação no México sob o levantamento da nação. Apenas a Revolução

seria capaz de mudar as bases políticas e sociais de seu país.

Embora o médico tenha criticado a postura de Madero, percebemos que sua obra

se aproximou muito, em alguns temas, da do coahuilense. Para o primeiro, o presidente

também era um ditador que revestia seu governo com uma forma republicana. Segundo

o escritor, Don Porfirio apenas dissimulava, tendo como objetivo a perpetuação no

poder, e esta, sua ambição máxima. Não havia, para Lara Pardo, atitudes patrióticas em

Díaz. Cada vez mais o presidente foi concentrando poderes em suas mãos, ao ponto de

aquela situação ficar insuportável para o povo mexicano. Para ele, a nação não mais

84

conseguia tolerar: ―(...) la situación del país se hacía cada vez más angustiosa. Ya se

perdía la esperanza de que el general Díaz dejara el poder jamás, y todo el mundo se

preguntaba hasta cuándo se prolongaría un estado de cosas que tocaba los límites de lo

insoportable.‖ (1912, p. 125).

Para mostrar o dissímulo e ocultamento dos planos reais de Don Porfirio, Lara

Pardo utilizou a metáfora de uma esfinge que, petrificada, sem expressão e enigmática,

escondia todos seus planos ambiciosos: ―(…) su política de extermínio, de degradación

y prostitución se limitó a ir absorbiendo poder, y todas las modificaciones importantes

que hizo a la constitución fueron eminentemente liberticidas y tendieron á incapacitar

más y más al país para gobernarse por sí mismo.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 96). Como

a esfinge que o escritor mencionava, Don Porfirio aparentava governar de forma legal,

seguindo a constituição, mas, no fundo, ou seja, na situação menos exposta ao olhar dos

cidadãos, apenas tomava suas atitudes para cada vez mais alimentar sua ambição e se

fixar no poder73

.

Se para autores contemporâneos a Díaz, como foi o caso de Bernardo Reyes,

Justo Sierra e até mesmo o de Francisco Madero, o presidente havia pacificado o país,

edificado um novo México, estável e de progresso material, no livro de Lara Pardo Díaz

se transformou no mais abominável tirânico (o presidente não era visto apenas como um

ditador, como afirmavam Madero e Turner, mas como um tirânico, ou seja, um valor

cruel era agregado ao seu governo). Lara Pardo leu as obras de Sierra e Madero; sobre

o primeiro, ainda que o considerasse como um importante indivíduo que defendeu o

ensino laico em todo o país, criticou-o por ser um suporte do governo porfirista, o que o

fez ―arrojar su talento y su valer moral á los pies del dictador.‖, tornando-se um

73

―Más todavía al finalizar su tercer período presidencial, Díaz obraba con aparente moderación y

benignidad, exageradas por una pose de magnanimidad. Mientras ordenaba al general Reyes el exterminio

de todos los elementos perturbadores en la frontera; mientras se deshacía de sus enemigos por

procedimientos muy semejantes á los de los señores feudales, mientras enviaba tropas á las comarcas

inquietas con órdenes de no traer prisioneros, daba muestras de sensibilidad extraordinaria llorando en

público cada vez que hablaba al pueblo, y hasta llegó a suspender la aplicación de la pena de muerte por

delitos del orden común. Es que todavía entonces no se sentía absolutamente seguro en la dictadura;

todavía pensaba que es más fácil engañar al pueblo que vencerlo, y que una crisis cualquiera podría en

poco tiempo poner en peligro su gobierno. Y por eso, aun habiendo absorbido los poderes federales y de

los estados, y centralizado el gobierno en su persona, conservaba todas las apariencias de legalidad, fingía

acatar la constitución y gobernar con ella, y su gobierno podría pasar ante el observador poco atento é

ignorante de la trama en que se había bordado todo aquello, como un verdadero gobierno republicano.‖

(LARA PARDO, 1912, pp. 52-53).

85

cúmplice do poder despótico, principalmente ao legitimar o governo em seus ensaios

(LARA PARDO, 1912, p. 74).74

Para o médico, as guerras civis que cindiram o México não deixaram o país

imerso em uma anarquia, como afirmavam alguns polígrafos da geração anterior.

Segundo a citação abaixo, Lara Pardo explicou os principais conflitos internos por que

passara o país: o início do processo independentista, com o Grito de Dolores, o Primeiro

Império Mexicano, a Revolução de Ayultla e a Guerra da Reforma, como movimentos

de uma coletividade contra os privilégios de uma determinada classe. ―Ha sido una

lucha [referente às guerras civis], que no termina todavía, de la gran masa social

amenazada de exterminio, contra los privilegios de casta y de clase; lucha estimulada y

fomentada por el caudillaje.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 23).

El padre Hidalgo lanzando el grito: ''A coger gachupines"; Iturbide

poniendo á la cabeza de su plan de Iguala el principio de igualdad de

derechos, civiles y políticos entre europeos y americanos; la caída de

Iturbide derrumbando una nobleza exótica; la revolución de Ayutla

contra la putrefacta burocracia santanista; la guerra de Reforma que

acabó finalmente con los fueros militares y clericales; no han marcado

otra cosa que las diversas etapas del continuo batallar contra

privilegios que tuvieron su raíz en el sistema colonial español (en el

organismo social español, más bien) y que han opuesto eterno valladar

á la consolidación de los intereses mexicanos. La revolución de 1910

ha sido también contra los privilegios de una oligarquía tiránica,

rapaz, que pesaba sobre la industria, sobre la agricultura y el

comercio, hasta el punto casi de ahogarlos. Y como esos privilegios

eran seculares y habían sido incontestados, y como las clases

privilegiadas eran muy poderosa y las oprimidas muy pobres é

ignorantes, la lucha tuvo que ser prolongada, reñida, indecisa durante

largas épocas, salpicada de episodios salvajes, iluminada de

heroísmos, arrasadora á veces hasta no dejar piedra sobre piedra,

interrumpida por treguas cuando el pueblo agotado, sangrado,

desfallecido, buscaba reparo de sus fuerzas, ó cuando las clases

desposeídas de alguna de sus ventajas importantes, se veían

impotentes para reconquistarlas. (LARA PARDO, 1912, pp. 23-24).

Retomando o trecho supracitado, para Lara Pardo, estes conflitos internos que

atravessaram o país foram guerras contra os privilégios de casta, que tiveram origem

desde a conquista espanhola e a implementação de seu sistema colonial. Durante a

independência, as sublevações eram em oposição às vantagens dos espanhóis de

nascimento – conhecidos como guachupines–; durante o rápido período monárquico, o

74

Citamos: ―Hubo liberales distinguidos que no negaron al general Díaz el poder que ansiaba, hasta le

ayudaron á obtenerlo y se convirtieron en cómplices de muchos de sus más censurables actos de

despotismo: pero no permitieron que la educación popular cayera en manos de la iglesia, ni que la

enseñanza oficial dejara de ser rigurosamente laica.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 74).

86

esforço de Agustín Iturbide era contra os privilégios dos europeus frente aos

americanos. Posteriormente, a saída do poder do primeiro imperador deu lugar à atuação

de uma elite liberal. Já a Guerra da Reforma, era interpretada como a ação do setor

liberal em contraposição aos privilégios eclesiásticos. Até mesmo a própria Revolução

de 1910 foi explicada como um conflito do povo em combate aos privilégios de uma

―oligarquia tirânica‖.

Sendo assim, para o autor, o discurso de que Díaz havia pacificado o país frente

a um passado caótico, era um mito, entendido na obra como uma verdade construída

sem fundamento. Tais conjunturas eram percebidas contra os privilégios que um setor

possuía sobre o outro e eram um desenvolvimento natural e necessário do país, já que

traziam melhoras e aprimoramentos ao mesmo. A raiz de tudo isto era histórica,

encontrada no período colonial e, por possuir uma cicatriz muito profunda, um tronco

muito grosso, seria necessário que a população se sublevasse por vários anos; mesmo

que tais insubordinações fossem traspassadas por interregnos.

Contudo, destacamos que o escritor entendia o governo de Benito Juárez, contra

o qual Díaz se sublevou juntamente com outros militares, como uma administração que

já havia gerado a estabilidade política e social que a nação precisava. Para Lara Pardo,

Don Porfirio não possuía legitimidade em roubar o poder. O país, sob o benitismo, já

vivia em uma atmosfera sem levantamentos nacionais e os transtornos futuros não

teriam grande relevância no México, alterando seu vigor:

Cuando el general Díaz llegó al poder, México existía ya como nación

libre y constituida. En once años de lucha había conquistado su

soberanía. Libre ya, rechazó victoriosamente un intento de

reconquista. Había sufrido tres guerras extranjeras, en los intervalos

de las cuales luchó y padeció mucho para llegar a constituirse. En

1872 cuando Juárez, reelecto por última vez, logró derrotar á los

rebeldes de la Noria, pudo considerarse consolidada la república y

asegurada la estabilidad social. Los trastornos que vinieron después

serían breves y no afectarían la vitalidad del país, que había

sobrevivido á más de medio siglo de anarquía. (LARA PARDO, 1912,

p. 22- Grifo no original).

Se, como discutimos no capítulo anterior, para Justo Sierra houve uma evolução

social e um progresso material no México sob o governo de Díaz, para Lara Pardo a

base do governo do presidente era justamente o extermínio e a prostituição da

população, ou seja, a perda de seu valor moral. Não havia uma evolução social no país,

muito menos política. Para fundamentar suas afirmações, o autor utilizou um trecho de

diálogo entre Don Porfírio e um indivíduo chamado Dr. Felipe Gutiérrez. O conteúdo da

87

conversa, reproduzida no livro a partir do que Gutiérrez contara ao médico, disse

respeito à ordem que o presidente deu ao primeiro para fuzilar os indígenas que fossem

contra a vacinação de febre amarela75

. Esta forma de escrita, em diálogo, causava um

grande impacto no leitor. Deste modo, gerava-se um efeito de verdade e crença que

fazia com que o argumento de que o Porfiriato era permeado pelo terror para com a

população fosse consistente.76

O progresso material de que tanto se falava no período era um fenômeno da

época, e não uma conquista do presidente, dizia Lara Pardo. Se havia uma onda de

desenvolvimento no México, este fenômeno não foi específico do país, uma vez que

também ocorria em outras nações. Além disto, o nivelamento dos pressupostos

econômicos ocorrido entre os anos de 1895-1896 era mérito do ministro de Fazenda,

Jose Yves Limantour77

, e não de Don Porfírio – diferentemente do que defendia Reyes

em sua obra de 190278

.

75

Embora Lara Pardo seja um escritor pouco estudado, a maioria dos trabalhos sobre ele centram-se sobre

sua atuação como médico e higienista. Suas pesquisas, na época, referiam-se aos acompanhamentos dos

índices de mortalidade materno-infantil no país, sobre a prostituição da mulher e sobre as campanhas

contra a febre amarela, desenvolvidas entre 1903 e 1911 pelo governo. A higiene urbana era entendida

como higiene social e o assunto era amplamente discutido. Sobre os temas mencionados ver: AGOSTINI,

Claudia. ―Las mensajeras de la salud. Enfermeras visitadoras en la ciudad de México durante la década de

los 1920. Estudios de Historia Moderna y Contemporánea de México, México, no 33, jan.-jun. 2007, 32

p.; NÚÑEZ, Fernanda La prostitución y su represión en la ciudad de México (siglo XIX), prácticas y

representaciones. México: Gedisa, 2002, 219p.; AGOSTONI, Claudia, Curar, sanar y educar:

Enfermedad y sociedad en México, siglos xix y xx. México: Universidad Nacional Autónoma de México,

Instituto de Investigaciones Históricas/Benemérita universidad autónoma de puebla, 2008. Essa

dissertação procura entender a crítica feita por Lara Pardo ao Porfiriato. A dimensão política de seus

escritos é o foco de nossa pesquisa. 76

Citamos parte do diálogo, possuindo na obra um valor testemunhal dos acontecimentos: ―-Lleva V.-le

dijo el general Díaz-plenos poderes: si los índios resisten, fusíselos; lê aseguro que nadie lê exigirá

responsabilidad por ello, por supuesto siempre que me avise personalmente cada vez que recurra á esa

medida.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 102). 77

José Yves Limantour também foi considerado da elite científica do Porfiriato e, em 1893, assumiu o

cargo de secretário de Fazenda e Crédito Público, permanecendo até a renúncia do presidente Díaz, em

1911. 78

Argumentava, por exemplo, Bernardo Reyes sobre o progresso econômico do país. Para ele, as

conquistas mexicanas eram resultado das atitudes de Díaz. Sob os pés do lendário presidente,

predestinado a retirar a nação da anarquia e fazer prosperar a República, a paz foi recobrada e o progresso

econômico floresceu, gerando trabalho aos cidadãos, expansão da indústria, agricultura, exportação de

produtos, entre outros fatores: ―El presupuesto de 1876 fue de poco más de diez y nueve millones, y el de

1896 había ascendido á más del doble. El capital habíase formado y el crédito fue hecho; y para responder

á los compromisos nacionales, el trabajo en todas su manifestaciones se levantaba potente en la

República, y enviaba sus productos al cambio en alas del vapor, multiplicaba el comercio, y hacía renacer

todas las industrias, y robustecía la agricultura, y ampliaba la minería, encendía el espíritu de las artes y

reanimaba las ciencias. Sí, el trabajo, el redentor de todas las servidumbres humanas, á la sombra de la

paz conquistada, transformaba a la nación al soplo de su aliento vivificante y aparecía la prosperidad en

aquella República cuya anarquía había caído, revolcándose en la impotencia, á los pies del legendario

Porfirio Díaz; en la República, cuyos apartados pueblos se pusieron en contacto por medio de las vías

ferroviarias, que al mandato del gobernante se extendieron en el territorio mexicano; cuyas relaciones

interiores se vigorizaron con el fácil y con el provechoso comercio de productos y de ideas; cuya

88

Por conseguinte, no âmbito político, Díaz poderia ter dado liberdade municipal

aos nacionais, mas preferiu concentrar todos os poderes em suas mãos. Novamente o

escritor mencionava o juarismo: se a ambição do general não fosse tão grande, o

equilíbrio dos pressupostos poderia ter sido realizado no próprio governo de Don

Benito, caso houvesse tempo para implementar a ação niveladora. Como percebemos,

Turner e Lara Pardo, ao se posicionarem acerca do Porfiriato, comparavam-no com um

passado recente mexicano: a República Restaurada. Conhecido como o Benemérito do

México, e até das Américas, o ex-presidente era confrontado com as atitudes de Díaz,

deslegitimando a ação de Don Porfirio e regalando à Juárez o epíteto de restaurador de

um país nos moldes republicanos: ―Si á Juárez lo hubiesen dejado el clericalismo

traidor, primero, y el militarismo ambicioso después, gobernar en paz durante cuatro

lustros ¿quién podrá negar que aquel hombre probo, rodeado de hombres probos

eminentes; aquel sagaz político y patriota sincero, no hubiese llegado al mismo punto

veinte años antes? (LARA PARDO, 1912, pp. 58-59- Grifo nosso).

Se na geração anterior percebemos que Díaz foi representado como um grande

promotor de progresso no país, para Lara Pardo o governo do presidente remetia o

México ao atraso. Havia um retrocesso do país a uma conjuntura quase Vice-reinal. Don

Porfírio atendia os interesses estrangeiros; para benefício exterior, os mexicanos eram

submetidos à ―escravização ou extermínio‖ (1912, p. 82), como também afirmou

Turner. Se o que definia um bom governo para o escritor era o melhoramento da

―situação individual, política e social dos nacionais‖ (1912, p. 82), por oposição, o

Porfiriato era visto como uma má administração: ―sólo los gobiernos coloniales de la

peor especie tienen por único fin la explotación ilimitada, imprudente, precipitada y

desordenada de los recursos propios, en beneficio de los extranjeros, y la esclavización

o el exterminio de los nacionales.‖ (1912, p. 82).

Em 1900, ao finalizar o século XIX, Lara Pardo afirmava que o poder de Díaz já

não tinha limites. A crença pregada no país era a de que o pulso forte do presidente foi

necessário para guiar o México a um futuro brilhante, diferentemente do passado

anárquico sob o qual vivia a população. Fazia-se crer que os desejos da nação estavam

resumidos, sintetizados, na ideia de não perturbar a paz conquistada durante o Porfiriato

e que, portanto, as atitudes de Díaz eram legítimas. Com estes argumentos, o tirano,

como qualificou o escritor, sustentava-se na primeira magistratura. Como escreveu,

prosperidad, en fin, se inició sonriente en nuestro cielo al abrirse al hombre todas las fuentes del trabajo y

al abrirse á todos los extraños las barreras nacionales.‖ (REYES, 1960, pp. 312-313).

89

(…) su poder [de Díaz] ya no tenía límites. Todos los anhelos de la

nación parecían condensarse en uno: el de no turbar la paz que tan

fructífera había sido y que –tanto se nos había inculcado esa creencia

– era el cimiento indispensable sobre el cual se levantaría en un

porvenir no lejano una república grande, respetable, dichosa. No

había más que una aspiración: dejar que la mano firme del general

Díaz nos llevara hacia el futuro, que veíamos iluminado por un divino

resplandor auroral. (LARA PARDO, 1912, p. 78- Grifo nosso).

Lara Pardo compartilhava a ideia de que para um governo se sustentar, os

interesses do governante deveriam estar de acordo com os desejos e vontades da nação

(1912, p. 79), o que, para ele, não ocorria no México. ―Si al llegar á ese período, el

general Díaz hubiese querido efectivamente ser el hacedor de un México respetable y

próspero; si hubiese tenido la sabiduría para lograrlo o al menos el patriotismo para

intentarlo, se contaría hoy, sin duda alguna, como el más grande, justo y prudente de los

gobernantes de la América latina.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 79).

Como pudemos perceber, o médico teceu uma forte crítica ao governo de Díaz,

visto por ele como uma tirania. Segundo Momigliano, ―um dos aspectos da tirania era

impor uma escolha difícil entre a adulação e o protesto vazio (...).‖ (MOMIGLIANO,

2004, p. 168). Ou seja, a adulação, o discurso laudatório, era uma característica comum,

sentida por Lara Pardo naqueles escritores que defendiam o Porfiriato e viam em sua

figura o governante que edificou um novo México, imerso em caos até 1876. Tais

argumentos, como comentou, apenas serviam como sustentação à permanência de Díaz

no poder. Ao deslegitimar o Porfiriato o escritor também legitimava a Revolução, como

fez Turner. Aos olhos de ambos, o levantamento viria instaurar uma nova sociedade,

pautada nos moldes democráticos e na liberdade política, acabando com o ―Antigo

regime‖ ditatorial que assolara o país por trinta e dois anos.

É importante destacar que, embora compartilhassem muitas ideias, Lara Pardo

foi um grande crítico de Madero, como explicitamos no início do tópico. Para o

primeiro, Don Francisco também ambicionava a presidência ou a vice-presidência da

República. Suas atitudes não eram justificadas por patriotismo, mas por vontades

pessoais. Com o coahuilense no poder, o México permaneceria na mesma situação

político-social. Uma vez na primeira magistratura, seu governo seria uma continuidade

da postura política de Díaz: ―Es evidente que Madero, al organizar ese partido [Partido

Nacional Democrático], tenía la intención única de utilizarlo como medio para llegar á

la presidencia –o cuando menos á la vicepresidencia. Es claro que toda esa agitación

90

política no tenía por objeto luchar contra una autocracia, sino derribar al autócrata.‖

(LARA PARDO, 1912, pp. 142-143).79

Ao final do livro, o autor fez um apelo à população mexicana para que abrisse

os olhos e mudasse seu destino. Ao resumir o que foi o Porfiriato, dizia: ―(…) su

gobierno fue el virreinato pacífico por el exterminio y la opresión: pomposo y

deslumbrante, provechoso para los extranjeros, pero que dejó hondas llagas en la patria,

las cuales no puedan curar las generaciones futuras.‖ (LARA PARDO, 1912, pp. 96-

97). Sendo assim, o governo fez tão mal ao país e sua população que nem mesmo as

atitudes das gerações futuras poderiam curar as feridas ocasionadas. Como Turner, Lara

Pardo enxergava a revolução como algo necessário para se produzir uma mudança

efetiva no âmbito político, econômico e social. Escreveu:

La nación mexicana tiene en estos momentos [1911] en sus propias

manos su destino, y es indispensable que todas las voces sinceras se

oigan, antes que las tremendas pasiones de partido cierren los ojos á

toda luz, los oídos a todo clamor, y México ruede cierta y

irremisiblemente al abismo.

Si la revolución de 1910 ha de ser eficaz en algo, debe producir

irremisiblemente un gobierno mejor que el autocrático del general

Díaz. (LARA PARDO, 1912, p. 273).

Deste modo, o médico alertava seus concidadãos de que o destino do país estava

em suas mãos. As vozes sinceras, ou seja, a parte da coletividade que não possuía

interesse em conseguir benefícios com o levantamento, mas lutava e defendia um

melhoramento nacional, precisavam ser ouvidas. Se não houvesse uma mudança, o

México estaria fadado a cair em um abismo, sem possibilidade de reparo. Como

percebemos, a transformação apenas poderia emanar do povo. A explicação de Paolo

Colliva no Dicionário de Política de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco

Pasquino, ajuda-nos a compreender a importância que a coletividade adquiriu nas obras

até o momento analisadas. Como afirmou,

79

Segundo Luis Barrón, à época da Revolução, e principalmente após o assassinato de Madero,

começaram a aparecer no país muitos livros apologéticos sobre este. Ao mesmo tempo em que existia

uma literatura que passou a legitimar o processo revolucionário e deslegitimar o maderismo (como vimos

com Lara Pardo); outras vertentes teciam um discurso laudatório sobre o jovem coahuilense, intitulando-o

de ―Caudilho da Democracia‖. Alguns exemplos de escritores são: Rafael Martínez e Carlos Samper

(Páginas de verdad y de justicia. Madero, el sembrador de ideales. Alborada democrática. La decena roja.

Epílogo de una infamia. Ante la historia-1913); Manuel Márquez Sterling (Los últimos días del presidente

Madero- 1917) e Stanley Ross (Francisco I. Madero. Apostle of Mexican Democracy). (BARRÓN, 2004,

pp. 33-34). Como percebemos, paralelamente a escritores que criticavam o jovem presidente

revolucionário, interpretando-o como um ambicioso (como também veremos nos escritos de Francisco

Bulnes), existia uma literatura que elogiava seus feitos, qualificando-o de ―Caudilho da Democracia‖.

Deste modo, uma tradição que o legitimava também foi sendo gestada neste período.

91

Foi só com a redescoberta romântica do Povo, já em coincidência com

uma visão política nacional, que identificava o Estado com a nação e,

portanto, dava novo e maior valor a tudo que compunha a realidade

nacional, que ele começou outra vez a ser sentido como possível

sujeito de vida política. Mas a sua revelação havia de estar depois

concretamente ligada aos grandes processos de transformação

econômico-social iniciados com a era industrial no século XIX e com

a consequente formação de grandes partidos políticos populares.

(COLLIVA in BOBBIO; MATTEUCCI; PSQUINO, 2010, 987).

Unido, o povo ganhou uma dimensão importante na obra de Lara Pardo – e

Turner –, pois constituiu-se em sinônimo de câmbios, ―sujeito da vida política‖. Estava

nas mãos da população retirar a pátria da prostração que a assolou por muitos anos.

Compreendido dentro de uma visão considerada teleológica, uma vez que passou a

pensar ―os problemas‖ e ―as mazelas sociais‖ do Porfiriato como causas da Revolução,

o governo não mais era analisado no interior de uma tradição liberal que começou com

Juárez e Lerdo de Tejada, como avaliou a geração anterior, mas como o motivo do

levantamento popular de 1910. Um movimento que, para os escritores, iria transformar

o México de uma vez por todas, instaurando novas bases.

Contudo, o status do povo na obra precisa ser analisado e discutido. Para Lara

Pardo, a população mexicana não tinha educação cívica, uma vez que não praticava seus

direitos políticos. Diante da falta de liberdade política no México, o povo não conseguia

vislumbrar as consequências daquele sistema ditatorial no futuro. Como afirmou, a

prosperidade e o progresso, desenvolvidos por Díaz, dominaram o povo e este,

deslumbrado, ficou apático, indiferente aos problemas do país – o que Madero

qualificou de ―povo adormecido‖. Citamos:

Nada hay más propicio para dominar a los pueblos que la prosperidad.

La vieja regla castellana ―pan y toros‖ ha de realizarse siempre donde

quiera que haya un pueblo habitualmente pobre y oprimido. Por eso

todas las grandes tiranías marcan su paso en la historia con un reguero

de esplendores: los templos faraónicos, los palacios de Babilonia, las

grandezas de los césares; las magnificencias del papado en la Edad

Media, el brillo de la corte de Trianón. El pueblo que ha sido siempre

pobre y oprimido cambia con mucho gusto su libertad por un pedazo

de pan que calme su hambre, por un puñado de cobre que alivie su

miseria, porque en los pueblos que han sido esclavizados, como en las

especies animales domésticas, se atrofia el instinto que a los animales

aptos para la vida libre, hace preferir la libertad á todos los otros

bienes. (LARA PARDO, 1912, p.65).

O que percebemos, segundo a citação acima, é que, para o médico, o progresso

no país não era resultado do patriotismo do presidente, mas sim de sua ambição por

permanecer no poder, característica da tirania. Suas ações eram destinadas à

92

coletividade, para que esta trocasse sua liberdade pelos bens conquistados no país. A

História servia como exemplo: Lara Pardo citava as grandes construções feitas pelos

Faraós no Egito antigo, os luxuosos palácios da Babilônia, localizada na região

mesopotâmica, as riquezas dos imperadores, do Papado, e a corte francesa à época de

Luis XV que, no século XVIII, construiu o suntuoso Petit Trianón, localizado no parque

do Palácio de Versalhes. As conjunturas mencionadas foram marcadas pela tirania dos

governantes e pela pobreza e opressão da população que, encantada com todo o

esplendor, trocava sua liberdade por um ―pedaço de pão‖ e entretenimento, tamanha sua

miséria80

. São considerados ―lugares de memória‖ – para lembrar a expressão de Pierre

Nora (1984) – do despotismo e marcam, desde o romantismo, a imagem de um poder

central, que estigmatizava as classes desprivilegiadas. Para o escritor, se a população

não tomasse uma atitude, diante de tantos acontecimentos históricos semelhantes, a

opressão continuaria, gerando efeitos desastrosos ao México.

Embora, como vimos, o povo tenha ganhado um status de dinamismo na obra,

de sujeito da ação política, ele ainda era considerado como ignorante e apático e,

portanto, necessitava de grandes homens, que o guiasse ao caminho que levaria o

México a uma mudança81

. Se, para Lara Pardo, o início da Revolução não possuía

coesão, era necessário que um chamado fosse feito e que a multidão, conduzida,

transformasse as bases nacionais pelas vias de uma levantamento popular82

. Como

afirmou:

No será un caudillo quien nos salve. No necesitamos caudillos. Lo que

necesitamos urgentemente, es un puñado de hombres verdaderamente

honrados, verdaderamente patriotas que marquen a las multitudes el

camino; que refrenen el radicalismo destructor y ayuden á la

“conservación” de un gobierno y sostengan su legalidad (he dicho la

conservación, no el apoyo incondicional, servil, criminal que autoriza

todas las violaciones á la ley, el saqueo de los fondos públicos y el

exterminio de los ciudadanos) (…). (LARA PARDO, 1912, p. 283).

Deste modo, como lemos no trecho supracitado, o livro foi um chamado ao povo

que, guiado por ―homens verdadeiros honrados‖, patriotas, salvasse seu país. A tirania

80

A expressão ―pan y toros‖ é uma versão espanhola do ―pão e circo‖ romano. Foi formulada pelo liberal

Arroyal Lion no século XVIII como crítica ao governo. 81

―Más que la apatía y la ignorancia, la tiranía privó a los mexicanos de la posesión y explotación de las

riquezas propias.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 88). 82

―Las fuerzas revolucionarias carecían de cohesión; estaban muy lejos de formar núcleos disciplinados;

no había en lo absoluto organización militar. Por revolucionado que estuviese el país, por más que el

descontento fuese general y que la vida de muchos pueblos se hubiera hecho intolerable, la nación no

siguió á Madero en el primer período de la revolución. La mayoría de los mismos que acompañaron á

Madero en su propaganda antireeeleccionista (sic) se abstuvieron de ir con él a la revolución, que

consideraban preñada de riesgos gravísimos para la patria.‖ (LARA PARDO, 1912, p. 201).

93

porfirista deveria ser derrubada, antes que prejudicasse completamente a nação. Como

um chamado, o livro dialogava com o povo que, unido, deveria mudar os rumos do

México. A nação precisava ser salva.

Francisco Bulnes: um porfirista frente à Revolução

Francisco Bulnes (1847-1924) formou-se em engenharia. Além de exercer sua

formação, foi autor de artigos em vários periódicos do país, bem como importante

político do Porfiriato (RODRÍGUES KURI, 1990; RUIZ RAM, 2013).83

Em 1920

escreveu um dos seus mais importantes e polêmicos livros, intitulado El verdadero Díaz

y la Revolución. Para tecermos a análise desta obra, é importante considerar a trajetória

política do autor ainda antes do movimento revolucionário, uma vez que Bulnes, como

mencionado acima, participou do governo de Díaz sendo deputado e senador, além de

membro do grupo denominado Científicos. Segundo Victório Muñoz Rosales (2009),

mesmo permanecendo trinta anos no governo porfirista, Bulnes não ocupou cargos

importantes nas Secretarias de Estado, como aconteceu, por exemplo, com Justo Sierra

e Bernardo Reyes84

.

El verdadero Díaz y la Revolución foi escrito durante a administração de

Venustiano Carranza, época em que o autor estava em exílio voluntário por problemas

políticos com o governo revolucionário. Primeiramente o escritor morou em Nova

Orleans, Estados Unidos, e, em seguida, La Habana, capital de Cuba. Bulnes retornou

ao México em 1921, após a morte do presidente85

. (JIMÉNEZ MARCE, 2003, p. 34)

Segundo Jiménez Marce, seus livros tangeram as interfaces da história e da

política (2003, p. 07). O escritor ficou conhecido por ser um polemista de sua época, ou

seja, ―Bulnes pone en movimiento las creencias consagradas en los catecismos

históricos de la patria.‖ (JIMÉNEZ MARCE, 2003, p. 09). Sua proposta, enquanto

83

Algumas de suas principais obras foram: El porvenir de las naciones latinoamericanas ante las

recientes conquistas de Europa y Norteamérica. Estructura y evolución de un continente. México, de

1899; El verdadero Juárez y la verdad sobre la intervención y el imperio, escrita em 1904; La Nación y el

Ejército en las guerras extranjeras: as grandes mentiras de nuestra historia, também do ano de 1904 e

Los problemas de México, de 1926. 84

Bulnes participou da Câmara dos Deputados por trinta anos, sendo eleito quinze vezes ao posto. Neste

tempo, representou os estados da Cidade do México, Morelos e Baja California. (JIMÉNEZ MARCE,

2003, p. 32). 85

O escritor partiu para o exílio voluntário porque, em 1915, escreveu uma nota periodista criticando

Carranza. (JIMÉNEZ MARCE, 2003).

94

estudioso, foi criticar as visões naturalizadas da história e política de seu país, adotando

uma visão não maniqueísta do passado e seus eventos.86

No ano de 1904, Bulnes escreveu, como mencionado em nota de rodapé, El

verdadero Juárez y la verdad sobre la intervención y el imperio, desconstruindo a

figura heroica e mitológica do benemérito mexicano. O livro recebeu várias críticas e

muitos autores escreveram em resposta às afirmações do engenheiro. Segundo Miranda

Pacheco, a crítica de Bulnes à Juárez provocou tensão no interior do próprio governo

porfirista, pois Díaz legitimava seu governo a partir de dois pilares históricos: a tradição

liberal juarista e sua Reforma, datada de 1859 (mencionamos o acontecimento no

capítulo um desta dissertação). Como sintetizou Guillermo Zermeño,

De hecho, la operación histórica bulnesiana se realiza en espacios

múltiplos que oscilan entre la política y el periodismo, entre la

asamblea legislativa y el tribunal jurídico, entre la confrontación

documental y las artes de la persuasión que durante ese período, al

parecer, están fuertemente atravesadas por el arte de la oratoria cívica

desarrollada frente a la tribuna. La participación de Bulnes es

suficientemente relevante como para atraer la mirada de otros

interlocutores afines o rivales políticamente. La particularidad de estas

polémicas es que se elige a la historia como tribunal para dirimir las

diferencias políticas. Lo relevante, sin embargo, es observar cómo, a

propósito de la política, la historia científica se va abriendo paso

durante ese período. (ZERMEÑO apud JIMÉNEZ MARCE, 2003, p.

10).

Don Francisco, embora não tenha sido um crítico tão radical do Porfiriato como,

por exemplo, Luis Lara Pardo, não foi um ―incondicional‖ de seu governo, ou seja, um

absoluto porfirista que não teceu críticas ao presidente (RODRÍGUEZ KURI, 1990).87

Em seu livro supracitado, o engenheiro defendeu que o governo de Díaz foi ditatorial,

mas é importante perceber que Bulnes não acreditava na existência de um governo

democrático no México, além de não aceitar a ideia de que os próprios mexicanos

fossem democráticos.

Para o autor, ao analisar as formas de governo no mundo, nunca existiu em

algum país uma verdadeira democracia, plena, governada para o povo e pelo povo

(diferentemente do que pregou Lincoln em seu discurso de Gettysburg – embora o

86

Para Sergio Miranda Pacheco (2001), a vertente dominante no México durante o Porfiriato foi a

empirista, ao invés de uma vertente mais interpretativa do positivismo. Para ele, Bulnes interpretou o

passado com uma concepção mais crítica, recebendo várias desaprovações de outros escritores. Segundo

Jiménez Marce, o escritor foi criticado – embora ele não diga exatamente por quais autores ou grupos –

por produzir discursos apaixonados. (2003, p.13). 87

Contudo, embora tenha feito várias ponderações críticas ao Porfiriato, é considerado pela historiografia

profissional como um importante elemento da cultura política daquele governo.

95

escritor não o mencione). Segundo Bulnes, a finalidade dos governos sempre foi

privilegiar a classe governante em detrimento da governada, constituindo um quadro de

soberania dos mais aptos (BULNES, 1920). Esta forma de governo manifestou-se de

várias formas: teocracias, cesarismos, aristocracias e o que ele intitulou de ―falsas

democracias‖. Ou seja, governos que se denominavam democratas, mas que, no fundo,

apenas vestiam seu sistema político com essa falsa roupagem. Deste modo, acusar Don

Porfirio por não ter sido um democrata, não era válido para ao autor. A principal tese de

Bulnes não foi defender que Díaz havia sido um ditador, o que, para ele, não tinha um

status negativo; mas sim um ―mal ditador‖. Foi sobre este caráter malévolo do governo

que o escritor dissertou em seu livro. Como escreveu,

La imbecilidad se muestra en creer posible que la forma de gobierno

de un país, dependa de la voluntad de un hombre. La forma de

gobierno depende exclusiva y indeclinablemente de la forma del

pueblo. Largo tiempo lleva la sabiduría de las naciones de haber

anunciado la gran verdad de aspecto eterno: ―Los pueblos tienen los

gobiernos que merecen (…). Deturpar y condenar al general Díaz por

no haber ejecutado lo imposible: ser presidente demócrata en país de

esclavos, sobrepasa o lo permitido en estupidez (…). Las verdaderas

democracias nunca han existido.‖ (BULNES, 1920, pp. 23-24).

Como vemos, Bulnes citou Joseph de Maistre (Os povos têm os governo que

merecem) para fundamentar sua afirmação sobre o caso mexicano. Filósofo do século

XVIII, Maistre defendeu, após a Revolução Francesa, um pensamento reacionário.

Diante do levantamento no país, o escritor entendia que as monarquias católicas

poderiam evitar a desordem causada pelo movimento de 1879. Sendo assim, defendeu

uma ideia de ordem, que influenciou amplamente, por exemplo, Auguste Comte.

Segundo António Chaves, ―o que de facto o autor [Maistre] pretend[ia] impor e[ra] a

ideia segundo a qual a liberdade não existe enquanto valor absoluto, pois cada povo tem

características específicas determinando que esteja mais bem ou menos bem preparado

para a democracia.‖ (CHAVES, 2010, s/p). Don Francisco não defendeu o sistema

monárquico, mas valeu-se de algumas ideias do francês e achava uma estupidez,

imbecilidade, afirmar que a forma do governo mexicano dependeu apenas das vontades

de Porfirio Díaz. Se o México não vivenciava um sistema democrático, este fato era

causado pela configuração de seu povo. Sobre isto discorreremos mais abaixo.

Ao analisar a situação do México antes do governo do presidente, Bulnes não

acreditava que existissem partidos políticos no país, mas sim ―facções‖. Explicava: ―(...)

96

caracteriza a las facciones todo lo rastrero, todo lo perverso, todo lo asqueroso, puesto

que tienen por genio tutelar la trinidad, de la envidia, la codicia y la mentira.‖

(BULNES, 1920, p. 17). Para ele, o México, até 1876, significava a ―fome‖ (―hambre‖)

de uns grupos por poder e riqueza; gerando o que Bulnes qualificou de ―anarquia‖ –

como também qualificaram Reyes, Sierra e Madero. Segundo Jiménez Marce (2010), o

autor descreveu o século XIX como desordenado, desmembrado (sem organicidade) e

miserável, situação que acabou quando um homem forte ascendeu ao poder: Porfirio

Díaz. Diante dessa atmosfera caótica, o país necessitava de um ditador que conseguisse

causar ordem e disciplina ao país. Tal sistema (ditatorial), para ele, não possuía um

aspecto negativo, sendo necessário ao México naquele momento88

.

Para Jiménez Marce:

Bulnes señalaba que la situación anárquica por la que México había

pasado durante una buena parte del siglo, se debía a la falta de

organismos sólidos que rigieran al país. Por ello es que era necesario

establecer una dictadura que permitiera mantener estable a la nación,

mientras se creaban los medios necesarios para fortalecer las

instituciones políticas. (JIMÉNEZ MARCE, 2003, p. 36).

Ainda segundo o mesmo autor, Bulnes entendia o ciclo político dos países

latino-americanos da seguinte forma:1º) Período anárquico: época em que a expressão

política era de ordem militar e religiosa, 2º) Período ditatorial: caracterizado por uma

política personalista, centrada na figura de um homem forte que, no caso mexicano, era

Porfirio Díaz e 3º) Período democrático: caracterizado por um ordenamento

econômico89

. Como defendia Bulnes, no México não existiam condições para o

desenvolvimento do terceiro estágio político. A primeira etapa foi marcada desde as

guerras pela independência do México até 1884, época em que se iniciava a segunda

fase do governo de Don Porfirio, perdurando até 1911. Para o engenheiro, como lemos

acima, a ditadura era importante para permitir a ―manutenção estável da nação,

enquanto se criavam os meios necessários para se fortalecer as instituições políticas.‖

88

Quais eram, para Bulnes, os atributos de um bom ditador?: ―dar paz solida al país, capaz de gobernar la

conciencias gravemente estropeadas por la anarquía, dar seguridad a todo el pueblo contra las empresas

de los malhechores, del orden común; hacer justicia de Califa; dotar a la nación de una buena

administración pública; procurar un progreso económico que determine gran bienestar material en la

sociedad, particularmente en las clases populares. (BULNES, 19120, p. 26). Deste modo, o problema de

Bulnes foi não ter tomado tais atitudes, constituindo-se em um mal ditador e se transformando em um

tirânico. 89

É importante nos posicionarmos acerca do trabalho de Jiménez Marce. Após a leitura do livro de

Bulnes, não concordamos que o Científico defenda a etapa democrática unicamente como um período de

ordenamento econômico. Este aspecto pode estar inserido na tipologia desenvolvida pelo engenheiro, mas

um país nos moldes democráticos abarca, para ele, aspectos mais amplos (e principalmente políticos)

como veremos abaixo.

97

Sendo assim, o Porfiriato era legítimo, porém, deveria ser um sistema político

passageiro. O grande problema foi o sistema ter degenerado e se tornado uma tirania,

como explicaremos mais abaixo.

O que Bulnes via no México, e na maioria dos países latino-americanos, era

justamente um ciclo: governos que passavam de uma ditadura a facções e, de facções a

uma nova ditadura, ou seja, a emergência de um governo centralizado e forte que

suprimisse as épocas desordenadas. Para o escritor, as críticas dos acusadores do

porfirismo não possuíam fundamento. O que criticavam em Díaz não eram argumentos

suficientes: ter ele sido um ditador que não seguiu a legislação do país, não respeitou o

sufrágio universal e a Carta Magna; burlou as eleições; suprimiu o poder local em

detrimento do poder central, entre outros aspectos. Sendo assim, segundo Bulnes, a

crítica centrava-se no que Díaz nunca poderia ter sido: um presidente constitucional de

uma República Mexicana.

Abandonando a teoria sobre o que deveria ser o governo (tipo ideal), as

repúblicas reais, ―de carne e osso‖, eram, para ele, um equilíbrio entre ―amos‖, ou seja,

entre os poderosos de uma determinada classe governante – o escritor criticava os

abstracionismos teóricos. Desta forma, o México nunca possuíra um governo

democrático, uma vez que o povo mexicano também não era democrático.90

O conceito

de Democracia para o engenheiro era entendido como a ação da população na esfera

pública, na tomada de decisões de um país, e não a ação primeira de um caudilho sobre

todos os assuntos. Como afirmava, uma nação que precisava do consentimento

presidencial para praticar sua soberania, não era democrática. O que percebemos é que,

para o polígrafo, a forma de governo emanava do povo, e não do presidente91

.

É importante salientar que há um dado histórico na análise do engenheiro. Para

ele, como vimos, uma nação que obedecia a vontade primeira de um governante, não

90

Desde a proclamação da independência no país, o México experimentou governos que tinham como

origem a força. Mesmo Ignácio Comonfort, criador da Constituição de 1857, e Francisco Madero,

importante revolucionário do levantamento de 1910, seguiram esta prática. Segundo Bulnes, foram

revoluções, a de Ayultla para o primeiro e a Mexicana para o segundo, que os colocaram como candidatos

à nação. 91

Durante o século XX, como percebemos, a ―Democracia‖ (com suas várias nuances) tornou-se uma

forma de governo importante, ganhando destaque e valor nos livros aqui analisados. Nas três obras

discutidas desejava-se seu desenvolvimento no país, tido como um modelo de governança. Por

conseguinte, propunha-se uma maior participação dos cidadãos nas questões políticas e a coletividade, o

―povo‖ (mesmo que guiado), ganharia destaque. Como apontamos no capítulo um, no século XIX a

―República‖ tinha um status significativo; conceitos como soberania, centralismo estatal, liberalismo,

entre outros, eram focos de discussão. No século XX, outros valores ganharam maior dimensão. A

democracia associava-se à participação política, desenvolvimento de partidos na esfera pública, sufrágio

universal entre outros elementos.

98

era democrática. Contudo, explicou que o motivo que fez os mexicanos tornarem-se

obedientes foi justamente terem passado pela experiência de trezentos anos de

colonização. A conquista espanhola em solo mexicano fez com que a ―alma‖ do povo,

para usar a expressão do autor, permanecesse, ao longo do tempo, em ―profundo

servilismo‖ (1920, p. 57).

Como podemos analisar e apreender, os três autores trabalhados neste capítulo

buscavam em uma conjuntura histórica – a conquista espanhola e seu sistema colonial –

a razão para determinado acontecimento no presente. Turner interpretava o atraso

mexicano como consequência dos trezentos anos de colonização que sofrera o país. Para

Lara Pardo, as guerras contra os privilégios de castas possuíam a mesma origem e, por

terem deixado uma cicatriz profunda no México, acabaram perdurando até 1911. Bulnes

enxergava o servilismo de seus concidadãos, a causa por não serem considerados

democráticos, como uma característica de sua identidade. A condição de submissão

havia impregnado na alma mexicana, ou seja, na esfera mais profunda dos indivíduos; e

isto não corroborava para a implementação de um sistema democrático no país92

.

Retornando à lógica de pensamento utilizada por Bulnes, o único governo que o povo

merecia até aquele momento, que possuía organicidade e fluidez, era o ditatorial93

.

Quando participou do governo de Porfirio Díaz, Bulnes apoiou algumas

reeleições do presidente. A partir da análise de um discurso que proferiu em 1903, na

Segunda Convenção da União Liberal, cujo objetivo era justamente sustentar um de

seus pleitos, o engenheiro, embora legitimando o Porfiriato, deixou clara ―la

contradicción interna del régimen.‖ (KRAUZE, 1987, p. 93). O discurso, além de

atentar para a preocupação de uma permanência de Díaz no poder, e as consequências

que isto poderia gerar, também defendeu uma posição civilista, já que, para Rodríguez

Kuri (1990), havia grande temor por parte de Bulnes e dos Científicos de que Bernardo

92

Como afirmou, a população apenas perceberia esta condição em que vivia quando se tornasse mais

civilizada. Civilização e verdade andavam juntas para Bulnes, ambas ideias expressadas em suas obras.

Por este motivo seus livros possuíam o objetivo de busca pela verdade de determinado acontecimento.

Ademais, para Bulnes, procurar a verdade também era um símbolo dos países civilizados. A concepção

bulnesiana de verdade se inseria no âmbito do relativismo; não sendo, portanto, uma verdade absoluta,

mas que poderia mudar durante as épocas (MARCE, 2003, pp. 63 e 72). 93

Sobre esta parte, não podemos deixar de mencionar o livro Salvar la nación: intelectuales, cultura y

política en los años veinte, de Patricia Funes. Ao analisar escritores no século XX, a historiadora afirmou

que, no começo desta época, intelectuais e polígrafos possuíam como escopo de análise em seus países –

a autora analisou o caso latino-americano – o povo, as características da alma nacional, etc. A questão

social ganhou uma dimensão importante nas obras e, segundo ela, havia uma preocupação sociológica

que buscava entender as patologias da sociedade (FUNES, 2006, pp. 73-75). Como podemos inferir, os

autores aqui analisados, principalmente Bulnes, preocupavam-se em buscar as origens dos problemas

mexicanos e viam, na colonização espanhola, a causa de muitas mazelas contidas no povo.

99

Reyes sucedesse o general na presidência. Como sabemos, o tapatío possuía certa

popularidade no país, enquanto o grupo encabeçado por Limantour era desprovido de

forte base social (BENAVIDES, 1998)94

. Segue abaixo o trecho do discurso de Bulnes

do ano de 1903,

El progreso, él crédito y la paz dependen de Porfirio Díaz.

Porfirio Díaz es mortal.

El progreso, el crédito y la paz morirán con él.

Para Kuri, este discurso que Bulnes proferiu na Câmara dos Deputados já

possuía uma defesa da institucionalização e formação de partidos políticos no país,

antes de sua crítica de 1920. O documento justificava a reeleição de Porfirio Díaz, mas

não deixava de tecer críticas ao governo. Como afirmou o historiador, Don Francisco

―planteó nítidamente la encrucijada a la que estaba llegando el país.‖ (RODRÍGUEZ

KURI, 1990, s/p).

O que o Díaz deveria proporcionar ao futuro do México? Para o engenheiro, "La

nación quiere partidos políticos; quiere instituciones; quiere leyes efectivas; quiere

lucha de ideas, de intereses y de pasiones." (Discurso de Bulnes à Câmara dos

Deputados em 1903 in Rodríguez Kuri, 1990, s/p). Como afirmava, o personalismo

político havia se tornado um problema no México, não havia organizações e dinamismo

partidário. Nesse sentido, como afirmou no silogismo acima, o sucessor de Don Porfirio

deveria ser a lei, o presidente necessitava agir para o desenvolvimento dos organismos

políticos; o que seria importante para o futuro do México. Criticava em seu livro,

El país era suyo, como una cosa, y las cosas no hablan, ni proponen, ni

manifiestan deseos, ni sienten, ni perturban con impertinencias la

augusta serenidad de sus dueños. Los nombramientos debían caer

sobre quien menos se esperaba, de este modo, el ―Supremo‖ hacía

sentir que su poder no emanaba de la nación, sino de sí mismo y que

más bien la nación era la que había emanado y debía seguir

94

Sobre estas questões da possível sucessão de Díaz ao cargo da presidência, em que os candidatos

cotados eram Bernardo Reyes e José Yves Limantour ver: BULNES, Francisco. El Verdadero Díaz y la

Revolución. México: Editorial Hispano-Mexicana, 1920; BENAVIDES Hinojosa, Artemio. El General

Bernardo Reyes: vida de un liberal porfirista. Monterrey: Ediciones Castillo, 1998; KRAUZE, Enrique.

Porfirio Díaz: Místico de la Autoridad. Cidade do México: FCE, 1987 e RODRÍGUEZ KURI, Ariel.

Francisco Bulnes, Porfirio Díaz y la Revolución Maderista. Estudios de Historia Moderna y

Contemporánea de México, UNAM, v. 13, 1990, pp. 187-202. IN:

http://www.iih.unam.mx/moderna/ehmc/ehmc13/172.html. Acessado em: 19 d fev. de 2010. Horário:

22h32min.

100

emanando, en su desarrollo, del capricho del amo de un universo no

irrevocable, porque estas siempre ponen límites a la omnipotencia.

(BULNES, 1920, p. 194).

Portanto, o problema do governo de Díaz não foi seu caráter ditatorial, como

anteriormente explicado. O que causou a queda de seu regime foi a dificuldade do

governo em promover novas lideranças, uma vez que a maioria dos políticos possuíam

idade avançada (o que muitos historiadores chamam de conflito de gerações). A

ditadura havia se degenerado. Don Porfirio acreditava que o México era seu, nomeava

os indivíduos para os cargos políticos e mantinha uma gerontocracia que não

comportava novos políticos atuando na esfera pública. Ademais, para benefício próprio,

um dos objetivos do presidente era fomentar a divisão de homens poderosos, como fez

com Limantour e Reyes.95

Com referida atitude, o ―Supremo‖, como intitulava Bulnes,

nunca possuiria um rival que o tirasse da primeira magistratura:

Los datos anteriores [dados da idade dos políticos e administradores

do governo de Díaz], prueban que el programa político del general

Díaz, practicado desde 1893, no era el de un gobierno progresista, sino

el de un gobierno siniestra y tontamente conservador, porque no se

había propuesto contener las ambiciones individuales, dentro de los

límites que las hacen extremadamente saludables y necesarias para la

conservación de la vida social, sino que había resuelto matarlas

enteramente, con la cual hacía política de ataúd para su país.

Las consecuencias de esta falta de renovación, fueron los enormes

desaciertos que derrocaron a la Dictadura, precipitando en irreparable

ruina a la nación. (BULNES, 1920, p. 358).

O que fez com que Díaz fosse considerado um mal ditador? Para o escritor, Don

Porfirio também não fez com que a nação progredisse em sua vida material, como

especificado no trecho supracitado. Como pensava, o progresso de um povo deveria

medir-se pela situação das classes populares. No México porfirista, ―(...) al llegar la

dictadura a su apogeo, la mayoría del pueblo mexicano se aproximaba al nadir

sepulcral, por la miseria más que nunca cruel y desvergonzada.‖ (1920, p. 218). O povo

era marginalizado e muitas pessoas viviam distantes da modernização e progressos

materiais. Deste modo, além da crítica aos aspectos políticos do Porfiriato, explicada

acima, Bulnes também discutiu acerca da situação social do povo mexicano.

Para Don Francisco, o México era um país de famintos (―hambrentos”), de

miseráveis. Valendo-se das ideias de Alexandre von Humboldt, naturalista alemão que

viajou por vários países, este fator era um obstáculo ao desenvolvimento do progresso

95

No livro, Bulnes criticou a perpetuação de Díaz no poder, dizendo que o presidente cultuava a ―ninfa

Reelección Perpetua.‖ (BULNES, 1920, p. 193).

101

da população. Díaz e Limantour, seu ministro de Fazenda, deveriam ter se atentado a

este problema social. A fome no país, explicava, era causada por fatores geográficos: a

inconstância das chuvas e o esgotamento das terras, uma vez que o cultivo extensivo do

maíz (milho) era grande no México. ―De tanta omnipotencia, jamás salió una ley en

favor de los desamparados; se concebía el progreso, pero sin los miserables, y para ellos

en treinta años, no hubo ni un aumento de salario, ni un aumento de piedad.‖ (BULNES,

1920, p. 365).

Ao falar sobre a obra econômica do porfirismo, afirmou que Don Porfirio não

possuía projeto inicial. Para o escritor, foi a deusa Fortuna, ou seja, o acaso, a junção de

ocorrências que não dependiam de suas ações, que o presenteou com um

desenvolvimento financeiro, principalmente com a ajuda de investimentos estrangeiros.

As estradas de ferro, símbolo do progresso porfiriano, não foram uma arquitetura do

presidente, e sim o resultado de apoio norte-americano. ―La minería mexicana, durante

la época del señor Limantour como secretario de Hacienda, se desarrolló asombrosa y

inesperadamente, por descubrimientos científicos extranjeros, que indicaron al capital

extranjero la oportunidad de operar en México.‖ (BULNES, 1920, p. 226).

Após a análise do livro, mapeamos que o escritor também foi leitor de Nicolau

Maquiavel, como percebemos no parágrafo acima. Além de afirmar ter a ―deusa

Fortuna‖ contribuído para o desenvolvimento econômico do porfirismo, retirando das

mãos do presidente o sucesso de determinados setores do país (mineiro, ferroviário,

entre outros), Bulnes também se referia à Díaz, em algumas passagens, como

―Príncipe‖, que, na obra do florentino, era o governante do principado: o governo de

uma só pessoa96

. Além disto, o engenheiro não deixou de afirmar que o despotismo

porfirista se degenerou em uma tirania, em que, para ele, era uma forma de governo

irracional e perigosa para o país97

. Este fora o grande problema do Porfiriato, que o fez

derrocar por si próprio.

Na última parte do livro, Bulnes analisou a eclosão do movimento

revolucionário. Criticou a afirmação de alguns escritores que entendiam a Revolução

como a agitação que derrubou o governo porfirista. Para ele, o governo ditatorial de

96

Como sabemos, Maquiavel defendia duas espécies de governo: as monarquias e as repúblicas: ver:

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1996; ___________Discursos

sobre a primeira década de Tito Lívio. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007. 97

Na obra de Maquiavel, as formas de governo, ―monarquia‖, ―aristocracia‖ e ―democracia‖, possuíam

derivações que se constituíam em maus governos. Que eram as espécies degeneradas: a ―tirania‖, a

―oligarquia‖ e a ―demagogia‖, respectivamente. Esta tipologia foi partilhada por Aristóteles e Políbio, e

utilizada pelo florentino, embora com algumas ressalvas. Sobre o assunto ver: MAQUIAVEL, Nicolau. O

Príncipe. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1996,

102

Díaz já não existia de forma orgânica no país há muitos anos. Deste modo, caso o

Porfiriato ainda fosse um sistema político com fluidez interna, não seria derrubado por

um levantamento revoltoso. Díaz e seu governo caíram por si só. Como explicou

Jimenez Marce, toda nação, segundo Bulnes, deveria passar pelos três estágios

políticos: a anarquia, a ditadura e a democracia (e foi neste momento que Díaz havia

falhado). Sua ambição de perpetuar-se na presidência acabou fazendo com que ele

perdesse legitimidade. Como ironizou, depois de ter sido considerado o ―Héroe del

Crédito‖ e ―Héroe de la Paz‖, o presidente pretendeu ser o ―Héroe del Continuismo‖ e

foi justamente tal atitude que o fez perder o vigor político. (BULNES, 1921, p. 336).

Para o escritor, o problema de Díaz foi ter se tornado um tirano, como

mencionado no início do tópico. A tiranía não podia ser, para ele, um governo orgánico

em nenhum país, pois ―en el despotismo, la voluntad racional del déspota es ley de la

nación; en la tiranía, la voluntad irracional del tirano es ley de la nación.‖ (BULNES,

1920, p. 352). Como afirmou Jiménez Marce (2010), a tirania para Bulnes significava

opressão do povo mexicano para um governante se manter no poder. Diferentemente de

um governo legal, que baseava sua autoridade na confiança que a população depositava

nos mesmos, a fim de que buscassem sua felicidade e progresso.

Não havia renovação política no país. Como a metáfora de um corpo, renovação

é vida e, se não há renovação, o organismo pode adquirir enfermidades que tendem a se

tornarem mortais. ―El estado, es un organismo vivo que debe obedecer a la ley de

renovación. En los países libres, el pueblo renueva por medio del sufragio popular todo

el servicio político, y el administrativo es lentamente renovado, conforme a leys sabias

dictadas por experiencia popular.‖ (BULNES, 1920, p. 356).

Utilizando o símbolo de um cadáver, o Porfiriato foi envelhecendo e se tornando

senil, como o próprio presidente ao longo dos anos. De ditador, déspota – conceitos

utilizados como sinônimos e sem conotação negativa – Díaz tornou-se um tirano. A

permanência no poder fez do governo um organismo velho, doente, que após a

Conferência Creelman, morreu98

.

Creelman foi o entrevistador do presidente quando este, em 1908, concedeu a

famosa entrevista para a Parson‟s Magazine, dizendo que não iria se candidatar para as

próximas eleições no país e que apoiaria a organização de partidos políticos na esfera

pública. Entretanto, no ano de 1909 o presidente novamente saíra candidato ao mandato,

98

―En el camino que estaba pisando Díaz, había pruebas de locura rematadas de omnipotencia.‖ [14

Proyecto del general Reyes, c. 9, e. 17, f. 16.].

103

ganhando as eleições. A Conferência foi vista por Bulnes como uma estupidez. Após a

afirmação de que não iria mais se candidatar, o presidente permitiu que vários grupos

abrissem campanha contra a ordem social estabelecida, fazendo o possível ―por sacudir,

despertar, exaltar, enloquecer a la clase popular.‖ (BULNES, 1920, p. 426)99

. Tal

medida de Don Porfirio fez com que o México caísse em uma agitação do povo, em um

caos social, voltando à época de anarquia. Ironizava:

El Cesar experimentaba deliciosos espasmos de ambición, al ver cómo

por su repentino libertinajismo político incendiário, todo,

absolutamente todo lo básico de la sociedad, acumulado por

constructoras épocas, era atacado, remolido, escupido, fecalizado;

menos él, menos su séptima relección, menos su aurora boreal y

austral que lo circundaba como el hombre que había hecho una

nación, y que iba a tener el inefable placer de desmoronarla.‖

(BULNES, 1920, p. 426).

99

Como em Lara Pardo, também percebemos em Bulnes que o povo, visto como uma massa na

Revolução, foi influenciado por determinados grupos ou intelectuais demagogos. O objetivo do capítulo

dois não foi conceder uma discussão sobre o status do povo em cada obra. No entanto, percebemos que

este conceito foi importante aos polígrafos do século XIX e que a ideia de massa, multidão, a ser guiada e

educada por grupos ou intelectuais, possuía indícios também em outros países, tornando-se um fenômeno

da época. Ao analisar o caso do Uruguai em 1900, principalmente a partir da obra Ariel, de José Rodó,

Antonio Mitre afirmou que, ao analisar o grande movimento migratório para a região (ocorrido entre

1860-1900), Rodó se aproximou de uma vertente aristocrática que refletia sobre a ampla participação do

povo no governo e suas consequências. A referida vertente, na Europa, possuía nomes como Ernest

Renan, Soren Kierkegaard, Friedrich Nietzsche, Gustave Le Bon e Ortega y Gasset. Havia, segundo o

cientista político, o receio de uma ―barbarização‖ da sociedade por uma massa anômica e insistia-se na

necessidade do povo ser educado. Rodó tinha o receio do desenvolvimento de uma tirania das multidões,

mesmo defendendo o sistema democrático. A solução que achava para a conjuntura era o

desenvolvimento de uma ―aristocracia consentida‖. Citamos trecho do livro: ―Não há, pois, dúvida de

que o que deveria interessar aos povos latino-americanos, preocupados com a preservação de sua

soberania, é, precisamente, a expansão e fortalecimento do sistema democrático, evitando, isso sim, os

‗excessos‘ que poderiam advir do rápido crescimento das massas urbanas e da frágil constituição das

elites locais.‖ (MITRE, 2003, p. 114).

Também podemos citar o caso argentino de meados do XIX. Esteban Echeverria e sua

preocupação com a criação da nação argentina. O autor defendeu uma independência com tendências

democráticas, contudo, não nutriu grandes simpatias, como afirmou Ricupero, pelos setores populares. As

massas eram vistas como insensatas. Deveriam ser educadas por grupos esclarecidos. Como escreveu

Bernardo Ricupero ao analisar as obras do escritor, como El Matadero e Dogma socialista: ―um dos

principais erros dos unitarios teria sido precisamente o de estabelecer o sufrágio universal. Até porque ‗as

massas só possuem instintos; são mais sensíveis que racionais; querem o bem, mas não sabem onde se

encontra; desejam ser livres, mas não conhecem o caminho da liberdade‖‘ [trecho retirado de Dogma

socialista y otras páginas políticas]. Incapaz de identificar seus verdadeiros interesses, a multidão seria

facilmente ganha pela demagogia de inescrupulosos caudilhos. Ou, mais precisamente, os semibárbaros

setores populares teriam se convertido na principal base social do rosismo. (RICUPERO, 2007, p 226).

Echeverria também possuía influencias europeias, principalmente de franceses como Victor Hugo,

Felicité Lamenaais, François Guizot, Adolphe Thiers e de italianos como Jean-Lois Lerminier, Pierre

Leroux e Saint-Beuve, conhecidos como carbonários. Para uma análise da obra El Matadero de E.

Echeverría ver: FREITAS NETO, José Alves de. ―A formação da nação e o vazio na narrativa argentina:

ficção e civilização no século XIX‖. In: Esboços, v. 15, n. 20, 2008, pp. 189-204.

Sobre o assunto ver: MITRE, Antonio. O dilema do centauro: ensaios de teoria da história e pensamento

latino-americano. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003 e RICUPERO, Bernardo. As nações do romantismo

argentino. In: MÄDER, Maria Elisa; PAMPLONA, Marco A.. ―Revoluções de independências e

nacionalismos nas Américas: região do Prata e do Chile‖. Vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

104

Segundo Jiménez Marce (2003), Bulnes refutou os argumentos de uma narrativa

oficial que colocava o governante como um herói que fazia grandes coisas ao país,

sendo o impulsionador de grandes ações que forjavam toda uma nação. Aspectos desta

narrativa vemos nas obras de Reyes, Sierra, entre outros polígrafos que não

mencionamos nesta dissertação. Além da desconstrução do herói, como também o fez

Lara Pardo, o livro de Bulnes foi permeado por ironias que, segundo Hayden White, é

uma forma de escrita que atinge justamente esse discurso de construção e culto ao herói.

Díaz, para Bulnes, deveria ser visto como um homem normal e não como um

demiurgo100

. Citamos:

Ahora bien, es importante señalar que el texto de Bulnes se caracteriza

por su tono irónico. Cuando se aplica el escepticismo propio de la

ironía a la historia, se tiende a destruir los elementos heroicos

presentes en el discurso histórico. Para White, la utilización de a

ironía representó el ocaso de la época de los héroes y de la capacidad

de los hombres para creer en el heroísmo. La ironía, entendida como

antiheroísmo, se constituyó en la antítesis del romanticismo, que

mostraba, en todo su esplendor, el heroísmo de la historia y de los

héroes. En el contexto bulnesiano, la ironía se convierte en el arma

que permite destruir los principios falsos en los que se asentaba la

creación de los héroes. (JIMÉNEZ MARCE, 2003, pp. 103-104).

Ao deslegitimar o Porfiriato e afirmar que Díaz transformou-se em um tirano, o

escritor não legitimou o processo revolucionário, visto por ele como uma volta a um

período anárquico mexicano101

. Como mencionamos no início do tópico, durante o

governo de Carranza, Bulnes optou pelo exílio voluntário em outros países. O México

voltara ao retrocesso: para o autor, ―era evidente que las acciones de los revolucionarios

habían provocado la anarquía y destrucción del sistema que había creado el porfiriato, lo

que llevaría al país de nueva cuenta al retroceso del que ló había sacado él régimen del

general Díaz.‖ (JIMÉNEZ MARCE, 2003, p.33). Bulnes, segundo Fernando Curriel,

percebia a Revolução como um declínio no processo civilizatório do México, o país

100

Segundo a filosofia de Platão, o demiurgo era uma divindade que criava, dava forma ao mundo

material. Ver: PLATÃO. ―Timeu‖. In: Timeu, Crítias. Belém: Universidade Federal do Pará, 1986. 101

Não podemos deixar de mencionar que Bulnes também foi grande leitor das obras do francês Hippolyte

Taine (1828-1893). Considerado um historiador conservador e adepto do positivismo, estudou o

desenvolvimento das sociedades a partir de três critérios: o meio, a raça e o momento histórico. Defendia

em seus livros que o povo necessitava de uma educação política para que, assim, não caísse em

argumentos de demagogos – premissa da qual Bulnes era adepto. Este afirmou que faltava consciência

política e histórica aos mexicanos. A educação era importante para a população para que, assim, esta não

fosse influenciada pelo chancletismo intelectual, uma literatura intelectual pobre, realizada a partir de

interesses individuais. Ademais, Taine foi um dos estudiosos que interpretou a Revolução Francesa

lembrando seus momentos de terror, e não dos heroísmos de seus personagens. Don Francisco entendia o

movimento mexicano como selecionista, um levantamento que também matava inocentes (1920, pp. 03-

04). Se a tirania porfirista era vista como uma infecção que deveria ser abatida, a revolução não era o

melhor meio de mudança para o país.

105

voltava aos tempos anteriores, época em que imperava a desordem causada pelas

facções. (CURRIEL apud JIMÉNEZ MARCE, 2003, p. 46). Don Francisco não era

simpatizante das ideias de Madero e da Revolução.

Até os dias de hoje a historiografia sobre o Porfiriato – e também sobre o

movimento revolucionário – divide-se a respeito de uma avaliação das obras do

engenheiro. Entendido como um ―neoporfirista‖102

, como afirmou Garner (ed. 2003);

um crítico do governo, como defenderam Tenorio Trillo e Gómez Galvarriato (2006), o

escritor cinde opiniões e ganha qualidades como: ―Bulnes, el venenoso‖; ―El intelectual

inconforme‖, entre outras denominações. Não buscamos aqui enquadrar o engenheiro

em alguma categoria, uma vez que percebemos ser sua obra complexa e cheia de

nuances. O importante foi mostrar como o autor desenvolveu seus argumentos sobre o

Porfiriato e como construiu algumas críticas referentes ao período, principalmente

denunciando a emergência de uma tirania no país. Contudo, não podemos afirmar que

Bulnes entendia o despotismo, a ditadura porfirista, como um sistema ruim, já que ele

era importante à época para o México.

O autor, ao final de sua vida, não deixou de ser um conservador, criticando o

levantamento de 1910. Suas obras censuravam os governos revolucionários e sua

experiência nas guerras civis por que passou o México até 1876, a percepção da

dificuldade em se estabelecer uma nação soberana, forte e livre nos oitocentos (EMMA

RUIZ, 2013). Era importante para Bulnes entender a conjuntura da primeira década do

século XX como uma volta ao caos, quando da renúncia de Díaz e a pulverização do

movimento. Como afirmou Emma Ruiz Ham: ―las opiniones que tuvo hacia el

movimiento armado que encabezó Francisco I. Madero fueron de rechazo. Cuando éste

le pidió su opinión sobre la política del momento, no ofreció respuesta.‖ (RUIZ HAM,

2013, s/p). Portanto, como dito no início do tópico, para entender o livro do engenheiro

proposto nesta dissertação, é importante pensá-lo como político do Porfiriato, bem

como um indivíduo que participou das conjunturas do México no século XIX.

102

Categoria que marca o resgate do Porfiriato não tanto com a demonização que o período ganhou após a

revolução, mas com uma nova avaliação do governo. Garner, em sua obra mencionada, incluiu a obra de

Bulnes como uma das primeiras que fez uma análise equilibrada do governo. Não concordamos muito

com os argumentos do historiador, uma vez que o autor tratou rapidamente sobre o científico em seu

livro, não discutindo suas hipóteses, as formas de governo e os autores em que se pautou para desenvolver

sua análise sobre o Porfiriato.

106

CONCLUSÃO

Um panorama acerca do Porfiriato e suas interpretações

Como explicado na Introdução, o objetivo da dissertação foi, a partir da análise

de livros de polígrafos que escreveram sobre o Porfiriato durante o regime presidencial

de Porfirio Díaz e a Revolução Mexicana, estudar as mudanças de matrizes

interpretativas entre finais do século XIX (1900) até a primeira fase do levantamento de

1910 (1920). Trabalhar com estes câmbios de avaliação e discurso é importante para os

estudos sobre o tema, uma vez que as pesquisas são escassas no ambiente acadêmico.

Em linhas gerais, procuramos, no primeiro capítulo, mapear a criação de alguns

matizes interpretativos sobre o porfirismo durante seu próprio período governamental

até o início da Revolução Mexicana (1900-1910). Concluímos que tais aspectos de

escrita e avaliação sobre o Porfiriato estavam marcados pela memória e experiência de

uma geração que possuía a imagem de um México caótico pós-independência (1821).

Tal instabilidade por que passou o país durante anos teve como causa várias

intervenções estrangeiras, como a dos Estados Unidos, em 1848, que resultou na perda

de mais da metade do território nacional, e a francesa, que instaurou o ―Segundo

Império‖ mexicano (anos de 1864 a 1867). Ademais, como vimos, desde 1821

emergiram dois grandes setores no país, o liberal e o conservador que, como tipos

ideais, eram opostos e possuíam ideias de construção nacional antagônicas. Enquanto

este propunha a centralização e a construção de uma nação mexicana católica, os

liberais defendiam o federalismo, a existência de um Estado laico e pautado na

igualdade dos cidadãos perante a lei.

Tais perspectivas encontramos em trabalhos de vários escritores mexicanos,

como foi o caso de Bernardo Reyes (1902), Justo Sierra (1900-1902) e até mesmo o de

Francisco Madero (1908), analisados detidamente em cada tópico do capítulo um.

Embora possuíssem ideias e argumentos divergentes sobre o governo, um ponto de

aproximação que percebemos central em suas obras foi a afirmação de que Porfirio Díaz

estabeleceu a paz no país. Além disto, havia um grande temor dos mexicanos,

explicitado em seus escritos, de que, frente à potência vizinha do norte e sob tais

situações internas conturbadas, achando-se o México em uma conjuntura de quase

107

ingovernabilidade devido a todas as agitações, os norte-americanos acabassem

ultrapassando a fronteira do Rio Grande e destituindo a soberania nacional.

Deste modo, ao se construir uma interpretação do Porfiriato, estes escritores

estavam pautados em uma experiência de passado anárquico pós-1810 e possuíam a

expectativa de que o presidente seria o edificador de um país moderno e pacífico,

trazendo paz e progresso aos seus concidadãos. Como afirmou Paul Garner,

La primera administración de Díaz parecía estar destinada a compartir la

experiencia, incluso el destino, de todos los gobiernos previos del siglo XIX,

afectada por la persistencia de los conflictos internos y por las hostilidades

internacionales que habían sido características de la mayor parte de la historia

del México independiente. Para 1876, después de casi una década de gobierno

liberal durante la república restaurada desde 1867, el país carecía aún de las

necesidades básicas para lograr la estabilidad política (…).‖ (GARNER, 2003,

p. 75).

Bernardo Reyes escreveu uma obra considerada por historiadores atuais como

―porfirista‖. O autor não qualificou o governo mexicano de ditatorial; além de exaltar os

feitos do presidente e enxergá-lo como um herói (assunto discorrido no capítulo). Para

ele, Díaz tornou a gerar um país que, por muitos anos, estava ameaçado de perder sua

soberania nacional. Considerava a administração de Díaz como a conjuntura que trouxe

uma nova independência ao país. Don Porfirio, para o tapatío, reconstruiu o México, e,

no palco da História, sua figura estava destinada a ser lembrada como um grande

homem. Um dos objetivos de seu livro foi consolidar uma memória heroica do

presidente a ser deixada para as gerações futuras.

A obra de Justo Sierra, embora o autor acreditasse ser perigosa a perpetuação

de Porfirio Díaz no poder, principalmente pelo receio de perda de liberdade em um

momento futuro do país, considerou o governo como um ―cesarismo espontâneo‖ ou

―ditadura social‖. Sendo assim, a autoridade do presidente estava respaldada pelo povo

e não pela sua vontade única, sua ambição. Deste modo, nossa proposta foi

compreender e explicar que o autor não entendia a concentração de poderes nas mãos do

general como uma atitude ruim, uma vez que a nação precisava de um homem firme,

um pater patriae, que suprimisse as conturbações nacionais e colocasse o país nos

trilhos do progresso.

Como vimos em sua obra, o próprio conceito de ditadura como uma forma

pejorativa de governo precisou ser discutida e problematizada, pois não encontramos, na

instrumentalização do conceito, a conotação negativa que ele usualmente contém. Como

um dictador romano, em tempos de conflitos era necessário a emergência de um grande

108

homem com pulsos firmes. Esta situação não duraria apenas seis meses, como em

Roma, mas também não poderia ser uma condição perpétua no país. De qualquer modo,

no presente, o desequilíbrio entre o Executivo, Legislativo e Judiciário, concentrando

poderes no primeiro, era legítimo. Dos escombros das guerras civis entre conservadores

e liberais, Sierra via emergir uma nação que caminhava rumo à modernização. O

México estava salvo, o povo passava por uma evolução social. O país estava pacífico e

esta condição fincara raízes em solo pátrio, dando vivacidade a todos os momentos

históricos nacionais.

Já para Don Francisco Madero, não foi o povo (como foi para Sierra e Reyes)

que respaldou o governo, mas sim as armas que sustentavam o porfirismo; além da

―ideia fixa‖ – para utilizar as palavras do autor – do presidente em continuar sempre

ocupando a primeira magistratura. Como explicado, o coahuilense dirigiu uma crítica

aberta ao Porfiriato, intitulando-o de ditadura (com uma conotação negativa,

diferentemente de Sierra) e contribuindo para a criação de um novo discurso sobre o

governo. Contudo, o aspecto que acreditamos poder aproximar tais escritores foi

justamente o fato da experiência e memória de um passado mexicano marcado por

guerras civis e instabilidade política.

O próprio Madero, que fomentou uma crítica profunda ao governo, não deixou

de tocar neste assunto ao final de seu livro. Embora atualmente ele seja considerado o

―caudilho da Revolução‖, percebemos que, em sua obra, o coahuilense foi contra a

eclosão de um movimento revolucionário – optando pela criação de um partido

democrático. A grande preocupação do autor era: a emergência de um movimento deste

tipo (revolucionário) faria com que o México novamente caísse em uma atmosfera de

guerras civis, que tanto assolou a nação em épocas passadas. Para o escritor, o país

estava em paz, necessitava apenas estar sob o governo da lei. Se o primeiro magistrado

mudasse sua postura política seria reconhecido como o maior governante de todos os

tempos. Escreveu:

Si por el contrario, á la muerte del General Díaz la Nación no tolera

más á su sucesor y por cualquier motivo que sea se levanta en armas

contra él, volveremos á la era de revueltas intestinas con su

inseparable cortejo de vicisitudes, y con la amenaza constante de la

intervención extranjera, que aunque nos encontraría más fuertes,

porque el hecho de que la Nación hubiera reaccionado demostraría

que aunque mal empleadas, tenía aún grandes energías, no por eso

dejaría de ser un gran peligro, por lo menos, para la integridad de

nuestro territorio. (MADERO, 2010 [1908], pp. 277-278- Grifo

nosso).

109

As críticas que começaram a surgir sobre o Porfiriato na primeira década do

século XX foram justamente sobre a permanência de Díaz no poder, à falta de liberdade

política e de partidos existentes no país; mas nenhum dos autores estudados acima

conseguiu deixar de se referir à estabilidade que o presidente proporcionou ao México,

ao ambiente pacífico que se experimentava em solo nacional. Estes elementos devem

ser levados em consideração para quem estuda o Porfiriato. Como afirmaram Aurora

Gómez Galvarriato e Mauricio Tenorio Trillo:

En efecto, la paz es el centro de la política y sociedad del Porfiriato y,

curiosamente, no ha merecido más comentario que la burla. Es decir,

los historiadores no hemos creído en la paz porfiriana, aunque, por lo

que se lee en documentos y panfletos, la clase política porfiriana y la

gente común, dependiendo del lugar donde se encontrara, creían en

ella. Varios movimientos locales apelaban al presidente, al de la paz,

en nombre de, o chantajeando a, la paz. Pero la paz no ha sido bien

vista historiográficamente, por fingida, por ser un logro menor, una

cosa solo real en el México urbano y en la seguridad de caminos,

―caminos de hierro‖ y carreteras. (TENORIO TRILLO; GÓMEZ

GALVARRIATO, 2006, p. 47).

Para os historiadores acima mencionados, atentarmo-nos para esses discursos

sobre a paz porfirista é importante. A historiografia atual, ainda muito marcada por uma

postura de análise pejorativa sobre o governo de Díaz devido à Revolução Mexicana,

utiliza o termo pax, para ―darle un dejo de ironía romana, de paz impuesta (...).‖ (2006,

p. 19). Deste modo, o capítulo procurou mapear os argumentos que foram utilizados

para legitimar o Porfiriato. Como percebemos no trecho supracitado, estudar o discurso

sobre a pacificação do México é relevante, uma vez que a classe política a almejava e,

acima de tudo, acreditava em sua existência. A análise destes elementos é significativo

em nossas reflexões como historiador.

Afirmar que o Porfiriato possuiu legitimidade apenas porque os escritores

viviam sob o governo de Díaz e, desta forma, não podiam o criticar, carece de uma

sofisticação analítica. O objetivo foi justamente demonstrar como o próprio passado do

país ganhou relevância para os polígrafos oitocentistas discutidos, e pautou uma escrita

e interpretação sobre o porfirismo. Como vimos no capítulo dois, os principais

argumentos instrumentalizados por estes escritores foram refutados pela geração

seguinte e a avaliação antiporfirista e pró-revolucionária ganhou força durante o século

XX, tornando-se quase uma premissa, ou seja, algo indiscutível. Deste modo, voltar aos

oitocentos e reconstruir as interpretações sobre o governo é importante para os estudos

desse período histórico. Como sintetizou Garner,

110

El porfirismo pone de relieve, sobre todo, la longevidad del régimen,

particularmente en contraste con sus predecesores en el México del

siglo XIX, y su éxito al lograr una estabilidad y una paz políticas por

un periodo de casi 35 años. El Porfirismo también enfatiza las

cualidades personales que justifican que Díaz haya monopolizado el

oficio de gobernar durante más de 30 años: inter alia, su patriotismo,

su heroísmo, su dedicación, su sacrificio personal, su tenacidad y su

valentía. (GARNER, 2003, p. 14).

Já no capítulo dois, o objetivo foi, a partir da análise de livros de indivíduos

que escreveram sobre o Porfiriato durante a Revolução Mexicana, estudar as mudanças

de matriz avaliativa que ocorreram entre 1910 e 1920. Buscando colocar em diálogo as

obras analisadas, percebemos que John Kenneth Turner (1910), Luis Lara Pardo (1912)

e Francisco Bulnes (1920) teceram críticas profundas ao porfirismo, contribuindo para a

construção de uma lenda negra sobre o governo, que possuiu ecos durante grande parte

do século XX. A emergência de qualificativos como ―ditadura‖, ―tirania‖, argumentos

como ―concentração de poderes‖, ―degeneração do sistema político e social‖, entre

outros, ganharam uma dimensão importante nas obras, diferentemente, por exemplo, da

geração anterior – que mobilizava conceitos como os de ―pacificação‖, ―estabilidade‖,

―progresso‖ e ―modernidade‖. Para Garner,

Una de las principales consecuencias de la revolución mexicana fue la

destrucción del culto del porfirismo y su sustitución por un

antiporfirismo igualmente poderoso. Sin embargo, el antiporfirismo

no fue un producto exclusivo de la revolución [podemos pensar a obra

de Madero, de 1908 e Andrés Molina Enríquez, de 1909], aunque se

expresó con mayor fuerza después de 1911, en lo que devendría la

interpretación estándar, ortodoxa y pro revolucionaria. Según el

antiporfirismo, él régimen de Díaz era el ejemplo máximo de la

tiranía, la dictadura y la opresión, el mismo don Porfirio era

condenado por su corrupción, su autoritarismo y su traición a los

intereses de la nación. (GARNER, 2003, p. 15).

O livro de Turner teceu uma crítica aberta ao presidente mexicano a partir dos

Estados Unidos. O Porfiriato, para ele, foi pilar da escravidão no país. Díaz era um

indivíduo ambicioso que queria permanecer na primeira magistratura da República (o

que, de certa forma, também afirmou Francisco Madero). O presidente concentrava

tantos poderes em suas mãos que ele próprio havia se tornado a personificação do

México, a corporificação da ditadura. Assim, o povo sofria sob seu governo e seu

sangue se tornava a engrenagem da máquina porfirista. Para o periodista, o país era

atrasado, assemelhando-se à Idade das Trevas europeia; ao longo do livro, muitas

passagens fizeram analogias às instituições da Idade Média, produzindo uma ideia de

que o México não era moderno sob o governo de Díaz, muito menos pacífico. Os

111

Yaquis de Sonora, indígenas da região, eram enviados a Yucatán sob condições

escravocratas e, para ele, o governo de Díaz corroborava com esta situação.

O objetivo de Luis Lara Pardo, explicado logo no início de seu livro, foi pensar a

causa que levou à eclosão da Revolução Mexicana, bem como à renúncia do presidente

em 1911. O autor, em tempos porfiristas, foi um desterrado por problemas políticos com

Díaz e, também em solo norte-americano, decidiu refletir acerca da situação por que

passava seu país. O médico defendia o argumento de que o levantamento de 1910

marcou o fim do Antigo Regime, utilizando como matriz de pensamento os

acontecimentos que levaram à Revolução Francesa. Como afirmou:

Sólo nosotros, los que hemos, vivido la existencia de ese pueblo

admirable, que conocemos sus sufrimientos, sus vicios y sus virtudes;

sus debilidades y su fortaleza; su portentosa resistencia al dolor, su fe

sencilla y ardiente; sólo nosotros podemos explicarnos el preceso (sic)

lento que condujo á Porfirio Díaz desde el gobierno constitucional

hasta la más abominable tiranía, y por qué este pueblo ha realizado un

movimiento revolucionario que no tiene paralelo en la historia latino

americana, si no es en la caída del chileno Balmaceda. (LARA

PARDO, 1912, pp. 04-05).

Sendo assim, Lara Pardo foi demonstrando ao longo da obra como Díaz era um

presidente tirânico, opressor da nação mexicana e que forjou uma democracia que, ―na

verdade‖, apenas funcionava como artifícios retóricos para mantê-lo no poder. No

capítulo intitulado ―El mito del Caos‖, o autor foi a todo o tempo refutando a ideia de

que Díaz era o construtor de uma nação moderna, o regenerador do país, argumentos

mobilizados por muitos autores que escreveram nos oitocentos.

Já Francisco Bulnes participou do governo de Don Porfirio sendo deputado e

senador, além de membro da chamada elite científica. O engenheiro criticou tanto a

carreira militar de Díaz, quanto seus conhecimentos em ciência política. Sobre isto,

disse que Díaz achava ser possível a existência de um único partido independente no

México, sendo que, para Bulnes, tal situação se configurava em uma autocracia. E

complementou: ―el general Díaz, era un político que antes de degenerar, había

entendido la política de los dictadores guiado por el instinto de su ambición, pero

respecto a la política de otras formas de gobierno [como a democrática], si abría a la

boca era para lanzar un desatino‖ (BULNES, 1921, p. 383).

Como tentamos mostrar, existiram nuances entre os autores pesquisados,

principalmente analisando os pressupostos políticos de cada um. Turner e Lara Pardo

enxergavam a ditadura como um sistema ruim, imposto à população por meio da

112

ambição do presidente que, amparado em armas e dispositivos repressivos, mantinha-se

na primeira magistratura contra a vontade nacional. Premissa da qual Bulnes

discordava. Para este, o país necessitava desta forma de governo, além de ser, no país, a

única configuração com organicidade no presente. Para o engenheiro, foi a degeneração

do despotismo em tirania o grande pecado do general. Este se tornou um mal ditador e

sua administração se transformou em um governo irracional, senil (como o próprio Díaz

tornara-se ao final de sua vida). O governo degenerava-se ao mesmo tempo que Don

Porfirio envelhecia.

Ademais, outro ponto de divergência entre os autores foi acerca da Revolução

Mexicana. Para Bulnes ela não possuía legitimidade, sendo interpretada como um novo

período caótico da história mexicana. Se nos oitocentos a nação passou por grandes

problemas internos e intervenções estrangeiras, em 1910 o país retrocedera a um

ambiente de agitações, em que muitas pessoas foram mortas devido ao processo

revolucionário. Isto explica o ponto de interrogação no título do último capítulo da

dissertação, pois o engenheiro não defendia e legitimava a eclosão do movimento. Deste

modo, não podemos homogeneizar o argumento de que todos os escritores pós-

Revolução foram a favor do levantamento; as afirmações sempre precisam ser

matizadas. Entender as posturas políticas de Bulnes implicam pensar o autor como

participante da elite porfirista, bem como dos conflitos intestinos de seu país. Como

afirmou Emma Ruiz Ham,

Tras haber vivido su infancia en un país cuya reciente independencia

política costó difíciles enseñanzas en el intento por construir una

nación libre y soberana, siendo testigo de diversos sucesos

decimonónicos, tales como la Intervención francesa, el

establecimiento del Segundo Imperio, la restauración de la República,

entre otros, y, finalmente, después de criticar, participar y ver

derrumbado el régimen porfirista, encontró [Bulnes] su muerte el 22

de septiembre de 1924, también en la Ciudad de México. (RUIZ

HAM, 2013, s/p).

O que percebemos, a partir da citação acima, é que a experiência e testemunho

dos problemas mexicanos interferiram na interpretação de Bulnes no que se referiu à

interpretação do presente político sob o qual vivia. Como mencionado, Don Francisco

participou e criticou o Porfiriato, mas, após a eclosão da Revolução, não interpretou tal

conjuntura como um movimento legítimo, uma vez que a comparava aos problemas

políticos anteriores, agitações que vivera desde sua infância, como afirmou a autora.

Segundo Rogelio Jiménez Marce (2003), durante um período curto de tempo Don

113

Francisco foi diretor do periódico La Libertad, que, como vimos, criticava fortemente

os conflitos civis que existiam no país. Justo Sierra, como mencionado no capítulo um,

também foi um importante membro deste jornal.

O que pretendemos mostrar, portanto, é que a experiência foi um elemento

significativo na interpretação político-contemporânea destes polígrafos. Como refletiu

Marce, a memória histórica destes indivíduos ganhava uma dimensão privilegiada no

momento de se discutir e refletir acerca das questões do presente (JIMENEZ MARCE,

2003, p. 206). Díaz, para Bulnes, pecara, mas não por ter sido um ditador, medida

necessária ao México, mas por ter se tornado um tirano. ―Las opiniones que tuvo hacia

el movimiento armado que encabezó Francisco I. Madero fueron de rechazo. Cuando

éste le pidió su opinión sobre la política del momento, no ofreció respuesta.‖. Ademais,

―para el tiempo en el que Venustiano Carranza se hizo cargo de la administración del

país, Bulnes decidió partir de México, ante las sospechas de ser perseguido por el

gobierno del coahuilense [já que direcionava muitas críticas a ele]. (RUIZ HAM, 2013,

s/p).

Entretanto, os dois primeiros polígrafos discutidos no último capítulo– Turner

e Lara Pardo – enxergavam na Revolução, e apenas nela, a possibilidade de mudança

radical e de construção de um novo México, de uma nova sociedade (pautada na

democracia e liberdade). O povo, guiado por indivíduos esclarecidos, deveria instaurar

as novas bases do país. É interessante perceber que, aos autores que no calor da

Revolução ainda tentavam defender o governo do general, afirmavam que os críticos

não tinham legitimidade em censurar o Porfiriato, pois teciam suas críticas sob o

empenho do presidente, por anos, em conseguir estabelecer a paz no país – como

percebemos, os mesmos conceitos e argumentos eram sempre mobilizados:

―pacificação‖, ―caos‖, ―anarquia‖, ―estabilidade‖, ―modernização‖, entre outros.

James Creelman, por exemplo, afirmava em 1911 que muitos indivíduos

reprimiam Díaz estando eles já sob um ambiente nacional pacífico, estável e próspero.

Antes de criticar, dizia o periodista, era necessário comparar a situação mexicana

anterior e posterior ao regime de Don Porfirio, para, assim, perceber todas as melhorias

que este grande herói conseguira trazer ao México. Como afirmou, os críticos pró-

revolucionários não haviam passado por todos os problemas mexicanos, não sendo

testemunhas dos eventos históricos. Eles haviam nascido em uma geração que desfrutou

de grande tranquilidade nacional e, deste modo, não podiam criar uma censura legítima

114

a respeito. Aos autores, principalmente a Turner, com quem dialogou diretamente,

Creelman escrevia:

The immensity of this feat can hardly be understood in these days of

Mexican orderliness and progress. For many years the robbers had

been so bold that they seized villages and forced loans from them,

sometimes burning the public buildings and occasionally carrying of

the officials and holding them for ransom. (CREELMAN, 2011

[1911], p. 369).103

Sendo assim, gerações de escritores construíam suas interpretações sobre o

Porfiriato e a Revolução. Como escreveram Gómez Galvarriato e Tenorio Trillo, ―la

más de las veces el apego involuntario a la historiografía de la Revolución ha producido

o que John Womack (1971) denominó precursorismo: todo en el Porfiriato era visto o

ignorado en tanto antecedente a la Revolución.‖ (2006, p.13). Após a eclosão do

movimento, segundo Javier Garciadiego, os intelectuais da época porfirista foram

substituídos por novas gerações que buscavam construir uma nação que se alijasse do

período anterior: os ―Ateneus‖ (1909), a ―Geração de 1925‖, os ―Contemporáneos‖

(década de 1930), são alguns exemplos. ―El número de nuevos intelectuales que

surgieron con la Revolución fue enorme, prácticamente cada facción contaba con su

pequeño grupo de intelectuales, y cada cabecilla contaba con su intelectual de

cabecera.‖ (2010, p. 33).

Ao ser legitimado o processo revolucionário, e com a preocupação de se

construir um Estado com novas bases, Turner e Lara Pardo deslegitimavam o Porfiriato.

Mas, como vimos no capítulo um, tais mudanças começaram ainda durante o próprio

governo de Díaz (Sierra, em certa medida, fazia uma crítica velada ao presidente, com o

103

Em 1911, Creelman publicou um livro intitulado Díaz: master of Mexico. A obra dialogou

explicitamente com a de Turner, resultando em uma disputa política acirrada. O primeiro periodista

adotou uma postura de defesa e legitimação do governo de Porfirio Díaz. Ao referir-se ao escritor de

Barbarous Mexico como um sensacionalista que inventou fatos acerca do país e do governo

(principalmente no que tangeu ao argumento de Turner sobre existir escravidão no México), Creelman

defendeu o Porfiriato. Também argumentando sobre a existência de um passado caótico pós-

independência no México, uma vez que este passou por várias intervenções estrangeiras e guerras

internas, o porfirismo foi visto como um momento de pacificação do país, bem como de prosperidade e

progresso. Para ele, sob o governo de Díaz, ―a nacionalidade mexicana emergiu das cinzas do passado‖

(CREELMAN, 1911). Sobre as divergências entre Turner e Creelman ver: LOMNITZ, Claudio.

―Cronótopos de uma nação distópica: o nascimento da dependência no México porfiriano tardio‖.

In: MANA, vol. 15, n.1, 2009, pp. 91-125; BARBOSA, Fernanda Bastos; Vasconcelos, E. H. B. de.

Porfirio Díaz Under the Foreign Eye: The Representation of the President and his Government Years by

American and British Writers (1901-1911). Delaware Review of Latin American Studies, v. 13, p. 01-32,

2012.

115

receio de tanta concentrações de poderes em suas mãos). A partir de 1911 disputava-se

uma memória a ser deixada do grande general: havia sido ele herói ou vilão?

O que percebemos, portanto, é que, a partir da Revolução Mexicana, um novo

modelo e interpretação sobre a conjuntura analisada se consolidou, embora esta

afirmação precise sempre ser matizada104

. As gerações posteriores, principalmente

acadêmicas, foram amplamente marcadas por estes argumentos desenvolvidos e

explicitados no início do século XX. Como afirmamos na introdução, esta formação de

uma historiografia do autoritarismo porfiriano influenciou, como veremos abaixo,

gerações profissionais de historiadores, como também contribuiu para que o corpo de

Díaz ainda esteja enterrado em solo francês, não sendo liberado para o enterro no

México.

Deste modo, em 1911 as avaliações sobre o Porfiriato ganharam novos

contornos, passando a censurar veementemente o governo do general e se constituindo

como uma nova matriz avaliativa. De grande pai da nação ele passou a ser interpretado

como um ditador tirânico que concentrou em suas mãos uma grande parcela de poderes

políticos e suprimiu a dinâmica partidária existente no cenário público do país.

Podemos mencionar nesta parte, a título de exemplificação, as representações

nacionais a partir do muralismo pós-revolucionário. Para Camilo de Mello

Vasconcellos, que estudou a arte mural exposta no Museu Nacional de História do

México (MNHM) entre os anos de 1940 e 1982, a disposição de apresentação da

história nacional mexicana mostrava, em suas salas de exibição, como o Porfiriato era

interpretado como sendo a causa da Revolução Mexicana e o período que esta destruíra

para assentar uma nova sociedade. Além disto, como vimos na literatura de testemunho

(exemplos de Turner e Lara Pardo), o governo de Díaz foi interpretado no museu como

um período feudal da história pátria. Como afirmou o historiador, ―para tirar o país

daquele sistema ‗feudal‘, fenômeno na verdade de atraso, era necessário, portanto, uma

revolução que alterasse por completo toda aquela estrutura injusta imposta aos

camponeses mexicanos.‖ (VASCONCELLOS, 2007, p. 169)105

.

O que percebemos, portanto, é que a imagem do Porfiriato como um governo

ilegítimo dentro da história mexicana ganhou força, tanto na literatura político-

testemunhal, como analisamos na dissertação, como nos murais pós-revolucionários,

104

Trabalhar com categorias – ―porfirista‖, ―antiporfirista‖, etc. – é saber que elas sempre podem ser

desconstruídas e problematizadas. 105

Esta concepção foi apresentada na obra O Feudalismo Porfirista de Juan O‘Gorman, de 1973.

(VASCONELLOS, 2007, p. 165).

116

espalhados pela cidade do México e expostos no MNHM. A memória que se perpetrava

era de um governo ditatorial, afrancesado, que privilegiava determinados setores

nacionais, em detrimento das classes populares. O Porfiriato passou a ser visto através

de uma forma teleológica: o governo de Díaz foi a causa da Revolução, cujo objetivo

era acabar com este governo opressor. Ademais, ele não era mais analisado dentro de

uma tradição liberal iniciada com Benito Juárez e Sebastián Lerdo de Tejada.

A(s) geração(ões) de historiadores da década de 1950/1960, sendo José Valadés

e Daniel Cosío Villegas dois dos mais proeminentes escritores, cujos principais

trabalhos foram El porfirismo: história de un régimen (1941-1948) e História Moderna

do México (1955-1972), respectivamente, ainda admitiam, segundo Garner, um enfoque

historiográfico antiporfirista pós-revolucionário. A tese sustentada pelos autores era a de

que a Revolução Mexicana foi consequência da concentração cada vez maior de poderes

nas mãos de Don Porfirio. Para Garciadiego, analisando a intelectualidade mexicana em

tempos revolucionários, o próprio Villegas deve ser entendido como participante da

―Geração de 1915‖, ano considerado o mais violento da Revolução. Os escritores desta

época estavam preocupados com a ―reconstrucción del país, para lo cual diseñaran

aventuradas políticas y crearon novedosas instituciones.‖ (2010, p. 33).

Além de criticar os aspectos políticos do governo, Cosío Villegas106

dissertou

sobre a existência de desigualdades sociais no país, sendo mais acentuada no México

que em outras sociedades da época. Ademais, censurou o conflito geracional nos cargos

políticos e a dificuldade de novos indivíduos se inserirem no cenário público mexicano

(crítica também feita por Francisco Bulnes [1920], Octavio Paz [1950], GUERRA [ed.

1991], etc.). Para Garner, ―desde el punto de vista de Cosío Villegas, la época de Díaz

debería verse, de manera fundamental, como una aberración dentro de la lenta

evolución de México hacia la libertad política durante el siglo XIX.‖ (2003, p. 19- Grifo

nosso).

Entretanto, embora o referido historiador criticasse tais aspectos do governo de

Díaz, não deixou de admitir que houvesse, à época, uma melhoria no setor econômico.

106

O historiador Daniel Cosío Villegas (1898-1976) foi um dos maiores especialistas do período

porfirista. Possuiu uma vasta produção acerca do assunto que influenciou outros historiadores, como

Enrique Krauze. Seus principais trabalhos foram: Porfirio Diaz en la revuelta de La Noria (1954), em que

analisou a sublevação do general Díaz contra a reeleição de Benito Juárez à presidência da República em

1871; La Constitución de 1857 y sus críticos (1957), em que escreveu sobre os críticos da constituição

liberal promulgada em 1857, Justo Sierra e Emilio Rabasa; El porfiriato. Vida política exterior

(constituído por dois tomos, um de 1960 e o outro de 1963); El porfiriato. La vida política interior

(constituído também por dois tomos, um de 1970 e o outro de 1973), em que nestas obras Cosío Villegas

escreveu sobre a situação política interna e externa do governo de Don Porfirio.

117

O México progredia, foram construídas estradas de ferro, redes telegráficas, bancos,

portos, etc. A economia mexicana se desenvolveu, cobrindo grande parte do território

nacional. Afirmou Don Daniel,

Paralelamente [aos problemas políticos], las comunicaciones postal,

telegráfica y aun telefónica se ampliaron hasta cubrir muy buena parte

del territorio nacional. Se hicieron obras portuarias considerables en

Veracruz, Tampico y Salina Cruz. Avanzado el Porfiriato, se creó una

serie de bancos que hizo posible un ensanchamiento de la agricultura,

la minería, el comercio y la industria. En suma, el país en su conjunto

mejoró su economía en un grado y una extensión nunca antes visto.

(COSÍO VILLEGAS, 2000, p. 131- Grifo nosso).

Em termos gerais, o historiador Enrique Florescano107

, como Villegas, também

criticou a concentração de poderes nas mãos do presidente. No capítulo de seu livro

Memoria Mexicana (2001), intitulado ―La construcción de la nación y el conflicto de

identidades‖, o historiador dissertou sobre a redução dos poderes estatais e municipais

frente ao governo central, além do desequilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo

e Judiciário. Afirmou Florescano:

La ambición de poder de Porfirio Díaz transformó el sueño

republicano en una dictadura. En unos cuantos años, las libertades y

derechos constitucionales, el equilibrio entre los tres poderes y la

autonomía de los gobiernos estatales y municipales fueron avasalladas

por él poder sin límites del presidente. Es verdad que los conflictos

entre los intereses regionales y los asentados en la capital del país

comenzaron desde el nacimiento de la república federal, pero se

acentuaron durante el gobierno de Porfirio Díaz. (FLORESCANO,

2001, p. 566-Grifo nosso).

É interessante perceber nestes autores (tanto em Cosío Villegas quanto em

Florescano, não afirmando serem os únicos e nem com o propósito de reduzir suas

obras) certo equilíbrio historiográfico acerca do Porfiriato. Ao mesmo tempo em que

eles consideravam o governo de Díaz uma ―ditadura‖ que cada vez mais concentrou

poderes nas mãos do presidente e que, de certa forma, suprimiu poderes locais em

detrimento da centralização política, ambos admitiram que houve a consolidação de um

107

O historiador mexicano Enrique Florescano (1937- ), embora possua trabalhos sobre vários períodos

da história do México, tem importante produção sobre o período de governo de Porfirio Díaz como, por

exemplo, Imágenes de la patria a través de los siglos (2005) e Memoria mexicana, ensayos sobre la

reconstrucción del pasado (2000). Neste trabalho o autor discute, nos capítulos finais, a relação

centralização de poder versus poderes locais na segunda metade do século XIX. É importante ressaltar

que Florescano participou, juntamente com Daniel Cosío Villegas, do projeto Historia General de México

(1976), embora o primeiro tenha dissertado sobre as reformas bourbonicas e não o período aqui estudado.

Deste modo, pensar interpretações sobre o porfirismo a partir da noção de geração foi significante na

pesquisa. Como percebemos, os historiadores se comunicavam e formavam projetos juntos, tecendo

avaliações semelhantes sobre determinado período histórico. Não queremos afirmar que suas obras são

iguais, mas é importante perceber a circularidade de ideias que havia entre eles.

118

Estado mexicano forte e um desenvolvimento econômico amparado em um progresso

material (discurso construído desde a geração porfirista). Florescano afirmou em seu

livro, por exemplo, que Don Porfirio ―fue el constructor del primer Estado fuerte y

moderno del siglo XIX. Su habilidad política generó un largo periodo de paz y produjo

crecimiento económico y riqueza.‖ (2001, p. 570). Ou seja, novamente os mesmos

conceitos aparecem como chave de interpretação do Porfiriato. Desta forma,

percebemos que tradições interpretativas foram sendo construídas ao longo das épocas e

gerações de escritores.

Os trabalhos históricos destas primeiras gerações profissionais, principalmente

até a década de 70 e 80 do século XX, ficaram marcados pela querela, explicitada

acima, entre um governo tanto ―modernizador‖, quanto ―arcaizante‖. ―Hubo rastros de

esta ortodoxia [revolucionária antiporfirista] que predominaron incluso en el análisis

más eruditos y profundos que aparecieron en México después de 1940 (…).‖

(GARNER, 2003, p. 18):

Lo que dejaron escrito Ricardo García Granados, José C. Valadés o don

Daniel y su equipo fue, primero, una valiosa colección de datos y

cronología; segundo, una suerte de “acto contrición” casi personal, siempre

comenzado con la premisa de la maldad o incorrección del Porfiriato y

terminado con un insospechado respeto y indecisión ante la nota moral del

régimen. Por ello, aún hoy, todo lo nuevo que se escribe difícilmente podría

caracterizarse como revisionismo [pois tange esta mesma dualidade entre

modernizador e arcaizante]. Todo es, por más post esto y post lo otro que se

presente, una simple aclaración, un apunte o una acotación a esos datos y a

esta indecisión moral de los viejos maestros: en total un conjunto de trabajos

que no le quitan al periodo en cuestión su sitio todavía marginal en el total

de la historiografía mexicana.

Si la ambigüedad política y moral frente al Porfiriato ha permanecido es

porque no es fácil aceptar las dolorosas lecciones de la historia. (GÓMEZ

GALVARRIATO; TENORIO TRILLO, 2006, pp.16-17- Grifo nosso).

O que acreditamos, portanto, é que as interpretações sobre o Porfiriato em

tempos revolucionários ainda possuem força na historiografia atual. Segundo Garner, a

partir da década de 1990 as interpretações sobre o governo de Díaz passaram por novas

modificações. Com o desencantamento do paraíso revolucionário que mostraria o

verdadeiro México mascarado pelos anos de porfirismo, além da permanência por

setenta e um anos do PRI no governo, os historiadores começaram a reavaliar o período

119

entre 1876 e 1911e repensar tal herança pós-revolucionária acerca do referido período

histórico108

.

Em 1929 foi criado no México o PNR, Partido Nacional Revolucionário que,

em 1946, modificou seu nome para PRI, Partido Revolucionário Institucional. Este

partido permaneceu no poder até 2000, ano que Vicente Fox Quesada, candidato à

presidência do México pelo PAN, Partido da Ação Nacional, ganhou as eleições.

Foram mais de setenta anos de poder hegemônico e grande parte da intelectualidade

mexicana passou a criticar o governo priista e sua permanência na governança do país.

Polígrafos como Octavio Paz (1950/1968), Enrique Krauze (1987), e até mesmo Gómez

Galvarriato e Tenorio Trillo (2006), entre vários outros, criticaram o domínio do partido

na política mexicana.

Krauze, considerado um dos maiores especialistas sobre o Porfiriato e, por

muitos anos, aluno de Cosío Villegas, criticou em seus trabalhos interpretações

historiográficas que propunham uma total ruptura entre porfirismo e o levantamento de

1910, bem como uma mudança da estrutura do país após a Revolução. Seu revisionismo

contra esta historiografia pejorativa é influenciada por questões políticas do México,

principalmente por ser um profundo crítico do PRI. Segundo Garner,

[Krauze] ha sido un miembro influyente del grupo asociado con la

revista Vuelta (que incluía, antes de su muerte en 1998, al premio

Nobel Octavio Paz) que se oponía a la continua dominación del

Partido revolucionario institucional (PRI) en la política

contemporánea. Krauze observa paralelos significativos entre la era de

Díaz y el dominio absoluto del PRI en la política mexicana. Para

Krauze, la continuidad entre el porfirismo y el priismo se encuentra en

que ambos mantenían una forma perniciosa de autoritarismo liberal.

Sostiene que desde la revolución, México ha experimentado sólo una

transición superficial de una dictadura personal a una dictadura de

partido (…). (GARNER, 2003, p. 26- Grifo no original).

108

O próprio Camilo de Mello Vasconcellos explicou que, em 2003, por exemplo, o Museu de História

Nacional sofreu alterações, principalmente após a perda de hegemonia do PRI no poder, e a vitória do

PAN. Como afirmou o historiador ao visitar as novas exposições, a sala que era conhecida como a

Ditadura Porfirista, anterior à Revolução e causa desta, transformou-se em Sala Hacia la Modernidad

(1867-1910). Tais medidas corroboram com nosso argumento de que, frente ao desencanto com o PRI e

sua permanência por 71 anos no poder, constituindo-se em uma ditadura de partido, como muitos

intelectuais afirmaram, novas avaliações foram feitas sobre o Porfiriato, voltando os olhos com mais

cuidado para este período histórico. Como escreveu Vasconcellos: ―Comparando a antiga concepção

museológica referente a esse período específico da História Mexicana, assiste-se à transmutação do antigo

ditador em um grande modernizador, com imagens de época que buscam testemunhar esta nova visão.

Esta operação é um grande exemplo da construção de uma memória calcada no presente e para atender

aos reclamos do momento político que o México vem atravessando.‖ (VASCONCELLOS, 2007, p. 194).

Entretanto, acreditamos que uma interpretação pejorativa sobre o governo de Don Porfirio ainda possui

força no cenário histórico atual.

120

Deste modo, o que percebemos é que, ao afirmar não ter havido uma drástica

ruptura entre o governo de Díaz e a Revolução Mexicana, Krauze não deixou de tecer

críticas ao governo porfirista. A proposta do historiador foi mostrar que, permanecendo

setenta e um anos no poder, mesmo que por meio de reeleições (totalmente discutíveis,

como foi o caso da disputa eleitoral entre Salinas de Gortari e Cuauhtémoc Cárdenas,

em 06 de julho de 1988109

), o governo priista também agiu de forma autoritária,

concentrando poderes em suas mãos e diminuindo a dinâmica partidária no país; ou

seja, o México vivenciou primeiramente uma ditadura pessoal e, posteriormente, de

partido. A nova proposta tinha como principal tese a permanência, e não completa

ruptura, de muitos aspectos do Porfiriato durante a Revolução Mexicana. Reflexão da

qual Tenorio Trillo e Gómez Gavarriato compartilharam. Como afirmaram,

Las columnas que sostenían la leyenda negra del Porfiriato (...) han

ido cayendo poco a poco. No porque el Porfiriato fuera en verdad el

paraíso perdido, sino porque él régimen posrevolucionario

gradualmente se alejó del edén prometido. (GÓMEZ

GALVARRIATO; TENORIO TRILLO, 2006, p. 14).

Concomitante a isto, não percebíamos trabalhos que aprofundassem as

interpretações do Porfiriato em tempos revolucionários, como elas começaram a ser

construídas, em quais escritores os autores se embasaram (como, por exemplo, em

Madero), quais as analogias feitas com Díaz para exemplificar sua presidência, com

quem esta geração de escritores dialogou, quais argumentos foram refutados e/ou

construídos, entre outros aspectos. O objetivo foi mostrar como esta geração refutou o

discurso e argumentos da geração de escritores contemporânea ao governo porfirista

(principalmente a respeito do conceito de ―pacificação‖).

Para Gómez Galvarriato e Tenorio Trillo (2006), como para o próprio Garner,

embora exista uma ampla produção historiográfica acerca do referido período histórico,

poucos trabalhos pensam como elas foram produzidas. Os dois primeiros historiadores,

escrevendo sobre a situação historiográfica atual, explicaram que existem dois grandes

consensos sobre o porfirismo: ao mesmo tempo em que ele é representado como uma

época que gerou progressos materiais ao México, modernizou o país e promoveu uma

estabilidade interna, é visto como uma ditadura que, além de suprimir os direitos dos

cidadãos, não cumprindo com as propostas da Constituição liberal de 1857, nomeava os

109

Durante as eleições presidenciais de julho de 1988, houve uma falha no sistema informativo de

contagem de votos no país. Após a volta do sistema, Cuauhtémoc Cárdenas, candidato do Partido da

Revolução Democrática (PRD), havia perdido a disputa para Salinas de Gortari, concorrente do PRI.

121

aspirantes aos cargos do poder Legislativo, além dos magistrados (como vimos em

alguns trechos das obras de Cosío Villegas e Florescano)110

.

Deste modo, como tentamos demonstrar nesta última parte da dissertação,

conhecer as matrizes avaliativas sobre o Porfiriato é importante para compreendermos

elementos interpretativos em obras de escritores atuais. O que percebemos muitas vezes

é uma ausência de reflexão de historiadores acerca dessas construções, de como houve

mudanças sobre a imagem do presidente e seu governo ao longo dos períodos. O

objetivo foi mapear a historiografia que se consolidou a partir dos oitocentos e como a

mudança para uma interpretação ―antiporfirista‖ no século XX, principalmente após a

eclosão do processo revolucionário, ainda admite traços na produção histórica

contemporânea, mesmo que tenha ocorrido mudanças a partir da década de 1990. Como

vimos, de herói que conduzia a nação ao caminho do progresso, Díaz passou a ser visto

como um tirano, que acossou a população mexicana, principalmente os mais pobres.

Atualmente, como afirmaram Gómez Galvarriato e Tenorio Trillo, duas grandes

visões sobre o porfirismo permanecem consolidadas: Don Porfirio é visto tanto como

um modernizador, que elevou as cifras econômicas do México, quanto um ditador

arcaizante, que acumulou poderes durante trinta e um anos de mandato. Como

buscamos discutir, desconstruir esses consensos é significativo e importante para os

estudos sobre o Porfiriato. Não existiram ao longo dos anos distorções a respeito de uma

imagem genuína do presidente que se perdeu com o passar do tempo (como deixamos

claro no início deste trabalho). Entretanto, voltar aos períodos estabelecidos e pesquisar

a construção interpretativa sobre o porfirismo nos mostra como existiram e existem

várias possibilidades de interpretações, cada uma pautada em projetos e conjunturas

políticas diferentes. Desconstruir visões formadas, premissas consolidadas foi o foco da

pesquisa.

110

En esencia, había, y hay, un cierto consenso en que el Porfiriato fue una dictadura más o menos

opresiva, aunque en el carácter represivo del régimen hay un enigma aún por resolver si vemos el

Porfiriato en el contexto de las dictaduras del siglo XX en el mundo y en México.

Hay también un consenso en la idea de que el régimen porfiriano significó progreso económico, creación

de instituciones, desde fábricas y patentes hasta leyes fiscales y bancos; que tanto, cómo y para quién, es

aún incierto, no obstante la nueva historia económica del Porfiriato. (GÓMEZ GALVARRIATO;

TENORIO TRILLO, 2006, p. 18)

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