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Dinâmicas do Património Artístico esteEstácio da Veiga e o Museu Archeologico do Algarve - Ana Margarida Filipe 168 Museu Diocesano de Santarém: Circulação, dinâ-mica e diálogo

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DINÂMICAS DO PATRIMÓNIO ARTÍSTICO

CIRCULAÇÃO, TRANSFORMAÇÕES E DIÁLOGOS

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DINÂMICAS DO PATRIMÓNIO ARTÍSTICO

CIRCULAÇÃO, TRANSFORMAÇÕES E DIÁLOGOS

CLARA MOURA SOARES | VERA MARIZ (EDS.)

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TÍTULO

Dinâmicas do Património Artístico. Circulação,

Transformações e Diálogos

COORDENAÇÃO CIENTÍFICA

Clara Moura Soares

Vera Mariz

PAGINAÇÃO

Carolina Grilo

ISBN

978-989-20-8793-1

DATA DE EDIÇÃO

outubro de 2018

EDIÇÃO

ARTIS – Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Alameda da Universidade

1600-214 Lisboa

Telf. 217 920 000 Ext.: 11400

E-mail: [email protected]

No presente volume foi da livre escolha dos autores a utilização ou não do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.

Organização Apoio Patrocínios

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Índice

Editorial - Clara Moura Soares; Vera Mariz 8

Los tratados de Poleró y Macedo, y la transforma-ción de la profesión en conservación-restauración en España y Portugal - Ana Calvo 10

A viagem múltipla. A circulação da obra e da sua representação no contexto das encomendas artísti-cas do Portugal joanino: da concepção à recepção - Teresa Leonor M. Vale 17

Murillo en el tiempo. Algunas copias decimonóni-cas y su distribución en Lebrija (Sevilla) - María del Castillo García Romero 25

A circulação internacional de bens museológicos no Portugal democrático (1974-2017) - Elsa Garrett Pinho 33

competência autorizativa do Iphan para exportação temporária de bens protegidos - Virgynia Corradi Lopes da Silva; Adriana Sanajotti Nakamuta 42

- Tiago Rodrigues 47

A dispersão das obras dos Segundos Pintores de Câmara e Corte de Lisboa - Mónica Marília Fernandes Parreira Gonçalves 54

--Artes em Portugal enquanto dinamizadoras do mercado de arte primário - Vera Mariz 61

A “migração” dos painéis azulejares presentes no refeitório das monjas no Mosteiro de Odivelas - Anabela Querido Cardeira Arranja 71

Ecce Homo a caminho da exposição “Call for Justice”, na Bélgica: narrativas e processo de circulação - Inês Costa; Virgínia Gomes; Paula Menino Homem 76

Numa Terra de Mármores: A Renovação Oito-centista da Capela do Paço Ducal de Vila Viçosa - Mariana Penedo dos Santos 83

Ventura Terra e o elogio (possível) dos mármores de Estremoz na obra de reconstrução e monumen-talização do Palácio das Cortes (1896-1903) - Rute Massano Rodrigues; Clara Moura Soares 90

São Luiz do Paraitinga após a enchente de 2010 - Rogério Pereira de Campos; Géssica Trevizan Pera 100

Apear, restaurar e applicar de novo… Novas arquiteturas para velhos interiores de espaços religiosos de Lisboa. - Hélia Silva; Rita Mégre; Tiago Borges Lourenço 108

A Colecção Pádua Ramos: entre a cama e a vitrina - Rita Maia Gomes 116

-ção de um património artístico esquecido - Leonor da Costa Pereira Loureiro; Frederico Henriques; Ana M. D. S. Bailão 124

Apropriação e reformulação do catálogo como meio expositivo alternativo nas décadas de 1960 e 1970 - Pedro Miguel Mariano Gonçalves. 130

O coelho na porcelana chinesa e na faiança por-tuguesa: Influências culturais e artísticas no século XVII - Mo Guo 138

«Un extravío de la piedad»: consequências e lei-turas da prática de vestir a Virgem em Portugal e Espanha - Diana Rafaela Pereira 145

A visão artística de Rafael Bordalo Pinheiro e sua influência no gosto português através da

s - Rita Nobre Peralta; Alice Nogueira Alves 152

ORDO CHRISTI – Património Artístico da Ordem de Cristo entre o Zêzere e o Tejo (séc. XV e XVI) - Ricardo J. Nunes da Silva; Joana Balsa de Pinho; Fernando Grilo 160

Estácio da Veiga e o Museu Archeologico do Algarve - Ana Margarida Filipe 168

Museu Diocesano de Santarém: Circulação, dinâ-mica e diálogo do património cultural da Diocese - Eva Raquel Neves 176

Apontamentos sobre o Museu Nacional de Belas Artes: Tradição versus Modernidade nos discursos de 1961-1964. - Gabrielle Nascimento Batista 183

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O Frontão da Porta Especiosa. O método geomé-trico como auxiliar de reconstituição aplicado a obras escultóricas do Renascimento - Francisco Henriques 190

Reproduzir para ensinar. Uma abordagem introdu-tória à coleção de galvanoplastias do Museu Nacio-nal de Arte Antiga - André das Neves Afonso 197

Três Prémios Pictóricos instituídos pela Academia de Belas-Artes entre 1884 e 1930 - Liliana Cardeira; Ana Bailão; António Candeias; Fernando A. B. Pereira 207

O Convento de São Francisco da Cidade de Lisboa - Alice Nogueira Alves; Luísa

Arruda; Diana Fragoso 215

Hanna Levy e o estudo do patrimônio artístico no Brasil - Adriana Sanajotti Nakamuta 224

Arquitetura e Medicina Tropical: o polo da Jun-queira – ecos de um património artístico inte-grado - Ana Mehnert Pascoal; Maria João Neto; Clara Moura Soares 233

O Palácio Itamaraty como clivagem da síntese das artes - Leandro Leão 242

Novos Usos para Lugares de Memória: História e Património Artístico da Quinta Alegre entre os séculos XVIII a XXI - Maria Alexandra Trindade Gago da Câmara; Teresa Campos Coelho 251

Novos Usos para Lugares de Memória: reencon-trar o tempo na Quinta Alegre - Sofia Aleixo; Victor Mestre 259

O Nobil Uomo António Jacinto Xavier Cabral, negociante de quadros antigos em Roma - Michela Degortes 268

Pompeia na bagagem de um ministro português em Nápoles - Ricardo Estevam Pereira 278

A musealização da pintura Lamentação sobre

Cristo deposto da Cruz - Virgínia Glória Nascimento; Fernando António Baptista Pereira; António Can-deias; Alice Nogueira Alves 288

Um caso de “circulação” e “transformação” de património integrado: o túmulo do rei D. Dinis - Giulia Rossi Vairo 295

(Re)Interpretar o visível - Ana Bidarra; Pedro Antunes 304

Bárbara de Niterói, Rio de Janeiro - Luana Lara Safar Redini; Adriana Sanajotti Nakamuta 310

processo de renovação da galeria de retratos dos Vice-Reis e Governadores do Estado da Índia por Manuel Gomes da Costa (1893-94) - Ana Teresa Teves Reis; António Candeias; Fernando António Baptista Pereira 316

construídas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, no Brasil (1937-2017) - Eliza Piccoli Ortiz; Adriana Sanajotti Nakamuta 324

espólios de artistas contemporâneos em Portugal - Madalena Nobre Pena 331

- - Mário

Dourado dos Santos 338

A replicação legal e ilegal de obras de arte. Concei- -

Diana de Almeida Ramos 345

A reconstituição dos guadamecis da Charola de Tomar – primeiros trabalhos - Franklin Pereira 352

O livro Le Sacre de Louis XV, roy de France et de

Navarre dans l’eglise de Reims; le dimanche XXV

Octobre MDCCXXII – Da biblioteca de Marie Caroline de Bourbon, Duquesa de Berry, para uma biblioteca privada portuguesa - Ana Arez; José António Silva 356

Tecnologias digitais na preservação do patrimônio cultural integrado: um estudo de caso da restauração dos painéis de azulejos da Igreja do Santíssimo Sacra-mento da rua do Passo. - James Barbosa Souza 364

A galeria Borba-Redondo: notas de investigação

- Miguel Figueira de Faria; Aline Gallasch-Hall de Beuvink; Raquel Medina Cabeças 371

Caravaggio e Caravagescos em Portugal: coleccio-nismo artístico e património em movimento - Vitor Serrão 388

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a caminho da exposição “Call for Justice”, na Bélgica: narrativas e processo de circulação

INÊS COSTA

Licenciada, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, Portugal, [email protected]

VIRGÍNIA GOMES

Mestre/Conservadora, Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra, Portugal, [email protected]

PAULA MENINO HOMEM

Doutora/Professora, Faculdade de Letras da Universidade do Porto/ Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”, Porto, Portugal, [email protected]

RESUMO:

a transformações materiais e simbólicas, sendo por isso necessário compreender o seu historial para a sua valorização e salvaguarda. Estas transformações poderão afetar a sua leitura e interpretação, conduzindo a diferentes narrativas. Neste contexto são apresentados, de forma sumária, o historial singular, as narrativas e o processo de circulação de uma obra de arte, utilizando como caso de estudo um dos painéis do Tríptico da Paixão de Cristo, de Quentin Metsys (1466-1529), o Ecce Homo, obra de

o acervo do Museu Nacional de Machado de Castro, em Coimbra.

PALAVRAS-CHAVE:

Museu Nacional de Machado de Castro; Exposição “Call for Justice”; Quentin Metsys; Tríptico da Paixão de Cristo Ecce Homo; Narrativas e circulação.

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INTRODUÇÃO

A circulação de bens culturais móveis é um procedimento comum e fundamental no quotidiano de qualquer instituição museo-lógica. Poderá ser realizada internamente ou no âmbito de exposições temporárias para outras instituições nacionais ou internacio-nais, para o seu estudo, divulgação e valora-ção, sendo necessário assumir uma atitude de precaução durante o processo. São variados os aspetos a ter em conta, sendo prioritário o conhecimento do objeto relativamente às suas caraterísticas materiais e tecnológicas, estado de conservação, mas também ao seu percurso,

O Tríptico da Paixão de Cristo, de Quen---

plo destas preocupações, tendo em perspetiva a sua circulação eminente para uma grande

Bélgica –, na qual as memórias europeias do século XVI serão revisitadas por meio da arte conterrânea e coeva, nomeadamente através das narrativas judaico-cristãs, com o painel do Ecce Homo

-

julho), este conjunto pictórico evidencia com-plexo historial, desde a sua origem em Antuér-pia até ao presente, tendo passado por altera-ções estruturais e descontextualização histórica

O TRÍPTICO DA PAIXÃO DE CRISTO

Breve historial

-tin Metsys, mestre da escola de Antuérpia, e foi feito por encomenda do rei D. Manuel I para ser oferecido à abadessa e monjas do Mos-teiro de Santa Clara, em Coimbra. Segundo um alvará do Arquivo Nacional da Torre do Tombo1, terá sido Silvestre Nunes, feitor da coroa portuguesa na Flandres, a realizar a enco-menda ao artista e a entregar a mesma no seu destino, através de Álvaro Gil, representante da

abadessa, que terá recebido o tríptico a 10 de setembro de 1517.

Fig. 1 – Painéis do Tríptico da Paixão de Cristo, 1514-1517, Quentin Metsys

-valho; Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra.

A – Frente. Fragmento do painel cen--

B – Versos: Texto de ex-voto, Arcanjo Gabriel, Virgem da Anunciação.

-

DGPC).

A partir de Macedo2, sabe-se que quando a obra chegou a Portugal foi colocada na parede nascente do Mosteiro de Santa Clara, sobre o altar da sala do capítulo. Em 1677, com a mudança das clarissas para o novo Mosteiro

A

B

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de Santa Clara, todo o mobiliário religioso do velho cenóbio foi transferido também. O tríp-tico terá sido desmembrado. Os dois painéis laterais, o Ecce Homo/Virgem da Anunciação e Flagelação/Arcanjo Gabriel, foram colocados no coro-alto do novo mosteiro3. Não é conhe-cido o destino do painel central, que represen-taria a cena do Calvário, e do qual atualmente apenas resta o busto da Virgem Dolorosa. Nos

cortado e transformado num ex-voto, observá-

graças à Virgem por ter livrado da morte a prio-resa Maria4.

Terá sido após a transferência para Santa--Clara-a-Nova que os dois painéis laterais do tríptico terão sido também amputados, pro-vavelmente para melhor se adequarem a novo espaço, ou para salvaguardar o que sobrevi-vera a séculos de inundações provocadas pelas cheias do Mondego. Na camada pictórica existe uma interrupção dos elementos arqui-

observar vestígios da pintura de um arco ogi-val, que é mais prolongado no painel da Vir-gem da Anunciação do que no do Arcanjo Gabriel. Este apresenta ainda um pedestal que quase não existe no da Virgem da Anunciação, pelo que, segundo Mercês Taquenho5, terão sido cortados em zonas diferentes e as medidas depois aproximadas.

Após a extinção das ordens religiosas, em 1834, e da morte da última clarissa, em 1896, o mobiliário religioso do Mosteiro de Santa Clara foi incorporado no Tesouro da Sé que, por sua vez e em 1911, após a morte do bispo D. Manuel de Bastos Pina, foi transferido por António Augusto Gonçalves para o, na altura, recém-fundado Museu Machado de Castro. Os dois painéis estariam em exposição desde a abertura do museu ao público, a 11 de outu-bro de 1913, embora à época fossem atribuí-dos a Gerard David, como consta no primeiro roteiro do museu6.

Entre 1916 e 1917, os dois painéis laterais

de Pintura Antiga, do Museu de Arte Antiga, em Lisboa, para serem submetidos a interven-ção de limpeza e restauro, por Luciano Freire7, o que terá revelado a camada cromática origi-

nal, por via da remoção de repintes. Tais evi-dências permitiram a José de Figueiredo8 uma revisão da sua autoria, atribuindo-a ao pintor

9.

Fig. 2 – Proposta de reconstituição suge-rida por Virgínia Gomes e desenhada por João Pocinho.

Em 1931, José Figueiredo apresenta a teo-ria de que o fragmento oval, denominado de Virgem Dolorosa, poderia fazer parte do pai-nel central do tríptico, uma vez que a repre-

Virgem executadas por Metsys, e a temática se enquadrava no motivo do resto do tríptico

Desde os anos 60 do século XX, os vários ele-mentos do tríptico têm feito parte da exposição permanente do MNMC. Devido à sua relevân-cia no panorama da pintura primitiva europeia e para melhor conservação do remanescente, rara-mente são cedidos para exposições.

do painel central e pela existência de grisalhas no verso dos painéis laterais, ou volantes. Até aos anos 90 do século XX estas pinturas eram expostas lado a lado nas paredes, por vezes com possibilidade de se visualizarem as grisalhas, rodando os volantes num eixo, sendo a oval do fragmento do painel central apresentada sepa-radamente.

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A perda de materiais e a descontextualiza-ção devida à deslocalização do seu espaço de

vez que, sendo um tríptico, os painéis late-rais funcionariam como portas que se fecham sobre o painel central para formar uma nar-rativa, neste caso a da Anunciação, momento do anúncio do Arcanjo São Gabriel a Maria de Nazaré de que Ela é a escolhida entre as mulheres para Mãe do Filho de Deus. Estando a Anunciação dividida pelos dois painéis late-rais, perante a falta do painel central para que fechem sobre ele, assumiu-se o compromisso de alterar a ordem dos volantes, para que se exiba a cena da Anunciação.

Desde a reabertura do MNMC, em dezem-bro de 2012, o conjunto integra a exposição permanente, na galeria da Arte do Norte da Europa. Optou-se por um método expositivo que permitisse ao visitante apreciá-lo na sua totalidade. Assim, os três elementos do con-junto estão inseridos em estruturas metálicas, ao centro da sala, permitindo a circulação dos visitantes e a visualização de ambos os lados do fragmento do painel central e dos volan-tes, sem necessidade de os mover, oferecendo, assim e em simultâneo, maiores garantias de

Fig. 3 – Painéis do Tríptico da Paixão de Cristo, 1514-1517, Quentin Metsys

-valho; Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra

O PAINEL DO

A temática do Ecce Homo é comum na arte ocidental, nomeadamente na pintura dos sécu-los XVI e XVII, descrita pelos quatro evange-

23:1-25) e João, no Novo Testamento 9. Representa o momento em que

Cristo é apresentado por Pilatos10 a uma mul--

No painel volante direito do Tríptico da Paixão de Cristo, Pilatos e Cristo ocupam a metade superior da composição, à direita. Jesus, com as mãos atadas por uma corda que lhe dá a volta ao pescoço e lhe cai sobre as cos-tas, veste um perisonium branco e um manto azul-escuro sobre os ombros. Na cabeça, ostenta a coroa de espinhos, numa humilhação clara por se designar Rei. Ao Seu lado, o gover-nador Pôncio Pilatos apresenta-O à multidão, o público, enquanto O segura pela capa. Veste um manto de pelo de arminho, símbolo de rea-leza, ornamentado com rica corrente de ouro e enverga na cabeça um chapéu alto, debruado a pele. Dois soldados romanos ostentam o

Na metade inferior da composição acumu-la-se a multidão dos judeus que, enfurecidos,

-mentos subjacentes são revelados pelas poses e

-

uma vez que as faces estão deformadas, com expressões de raiva e desprezo exacerbadas, lembrando os grotescos de Leonardo e a conce-

destas personagens e a dimensão da obra dão ao observador a sensação de que ele próprio faz parte da cena e está a vivenciar os aconte-cimentos. No verso, em grisalha, está repre-sentada a Virgem da Anunciação. Maria foi representada de pé, em posição frontal, com as mãos unidas à altura do peito. Os cabelos são longos e ondulados, distribuídos em madei-xas que caem sobre o manto que lhe cobre os ombros. Enverga uma túnica comprida sim-

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ples, com um decote triangular. A sua expres-são é serena, percebendo-se pelo desenho da

direita, encontra-se um atril onde está pousado o Livro.

Circulação para a Exposição ‘Call for Justice’, na Bélgica

Hof van Busleyden, em Mechelen, na Bélgica, decorreu entre 23 de março e 24 de junho de

-gos dos meados do século XV aos meados do século XVII, evidenciando como estes repre-sentavam a ideia da lei e justiça nas suas pin-turas, e contextualizando-as com o panorama cultural, judicial e histórico de onde são origi-nárias11.

Enquadrando-se nos objetivos da exposi-ção, o painel do Ecce Homo foi cedido para nela participar, uma vez que a temática da apresen-tação de Cristo por Pôncio Pilatos é conside-rada por muitos como uma das maiores injus-tiças da História12. No arte do século XVI, a

-sentava todos aqueles que eram condenados e tratados injustamente, enquanto os judeus e soldados romanos, simbolizavam aqueles que cometiam estas iniquidades, ou nada faziam para as impedir. Para atribuir um maior sig-

Quentin Metsys, pintou Pôncio Pilatos, gover-nador da província romana da Judeia, com um manto de pelo de arminho sobre os ombros, traje utilizado por reis na Idade Média. Tam-bém é possível apreender esta opção de con-temporaneidade do pintor pela inclusão da torre do campanário da Catedral de Antuérpia

A participação do painel na exposição foi considerada bastante relevante para o seu estudo e divulgação, até porque regressaria ao seu país de origem, num contexto dife-rente daquele em que normalmente está inse-rido. Não obstante e devido à sua importância no panorama da cultura nacional, para a sua cedência foram consideradas contrapartidas e assumidos procedimentos para acautelar a sua integridade e proteção.

A contrapartida consubstanciou-se na produção de uma apresentação, em suporte digital, com a reconstituição hipotética do conjunto, para exibição na sala da exposi-ção permanente do MNMC onde o tríptico

de comunicação relativa ao tríptico e interação com o visitante.

Os procedimentos de preparação da obra

as normas de conservação e segurança adequa-

Dec. 19/2006, de 18 de julho)13 e a uma pin-tura do século XVI, a óleo sobre madeira14.

Foi realizada uma avaliação do seu estado de conservação, documentada através de regis-

-

condition report). Em síntese, foi possível dete--

craquelé), bem como muitas lacunas na camada cromática, concretamente na grisa-lha. No entanto, a grande maioria encontra-se consolidada, aderida ao suporte e coberta pela camada de verniz. Este, por sua vez, evidencia áreas pontuais com sinais de escurecimento e de blanchingo painel se encontrava estabilizado e em con-dições de conservação que permitiriam a sua cedência e circulação.

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Fig. 4 – Avaliação do estado de conser-vação.

A – Frente. Ecce Homo

B – Verso. Virgem da Anunciação

-

DGPC). Mapeamento de Inês Costa.

Outro requisito necessário para a sua

como BIN, foi a sua cobertura por uma apólice de seguro, para garantir a sua proteção relativa-mente a todos os riscos, durante a sua perma-nência na instituição de acolhimento e trans-porte, ida e regresso.

Para efeitos de transporte, o sistema de acondicionamento do painel acautelou ris-cos de dano por forças físicas e por condições ambientais, considerando qualidade do ar e estabilidade termohigrométrica. Assim, foi produzida uma caixa de madeira, devidamente reforçada, isolada e sinalizada, forrada no seu interior com espuma quimicamente inerte de polietileno. Nela, foi cuidadosamente inserido e travado o painel, por sua vez envolvido com

acid free), seguidas de outras em plástico de tipo bolha. O acondicionamento foi da responsabilidade da empresa transportadora, contando com o auxílio da equipa da área da conservação do MNMC e sob a supervisão da conservadora responsável pela coleção de pintura.

Não se tratando de viagem intercontinen-tal, foi realizada por terra, num transporte cli-matizado e com suspensão adequada. No per-

curso foram efetuadas paragens de segurança, em armazéns de transportadoras dos diferen-tes países percorridos, com inspeção diária das condições ambientais dentro do veículo e veri-

courier, a conservadora da coleção de pintura do MNMC. Foram ainda previstos os tem-pos de quarentena da obra dentro da caixa de acondicionamento antes da saída do MNMC, em Coimbra, e à chegada ao Museu Hof van Busleyden, em Mechelen, uma vez que, apesar do transporte ser climatizado, foi um percurso extenso de quase 2400 quilómetros, dividi-dos ao longo de quatro dias. Tanto à transpor-tadora como ao Museu Hof van Busleyden,

-dições a que o painel tem estado sujeito, de modo a impedir variações nos mesmos e pre-servando a integridade física e química da obra, durante o seu tempo fora do museu. Os

Hof van Busleyden, uma vez que este garantia um limite máximo de 50 lux.

-mente realizada por técnicos da equipa, inte-grando um conservador/restaurador creden-ciado, na presença do courier. A ação repetiu-se à saída do Museu, terminada a exposição, e à

circulação. Não se registaram quaisquer alte-

medidas adotadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A opção de ceder uma obra de arte deve ter subjacente a preocupação pela sua segurança e preservação. Não obstante, tais princípios devem ser ponderados em equilíbrio com o de proporcionar a sua fruição, em contexto ade-quado, ao maior número possível de visitantes.

-tar o processo de circulação do Ecce Homo, gerindo os riscos a ele associados. O público

-ção e o incremento do seu estudo.

A B

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1

Alvará para se dar à Abadessa de Santa Clara De Coimbra um Retábulo, para se colocar na Casa Do

22, n.º 82)

2 MACEDO, Francisco Pato de. Santa Clara-a-Velha

de Coimbra: Singular Mosteiro Mendicante

doutoramento em História de Arte). Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Coimbra. pp. 835-836. 2006.

3 Arquivo Museu Nacional Machado de Castro

Coimbra, 2013.

4 A.M.N.M.C. Ficha de Inventário P-37, Coimbra, 2013.

5 TAQUENHO, Maria das Mercês de Carvalho Daun e Lorena -

bulos de Metsys, Morrison e Ancede; Estudo Técnico

e Material.

Arte). Instituto de Investigação e Formação Avançada

6 Museu Machado

Castro – Notas, Coimbra, 1916.

7 A.N.T.T. Correspondência com António Augusto

Antiga, António José de Figueiredo, Documenta-ção Colecionada, Conservadores de Museu, Luciano Freire, Correspondência, Correspondência com António Augusto Gonçalves; PT/MNAA/AJF/Cx10/P13).

8 FIGUEIREDO, José de. Metsys e Portugal. In LOO, Hulin. Mélanges. Bruxelles et Paris, Librairie Natio-nale d’Art et d’Histoire1, 1931, pp. 161-18

9 Novo Testamento. Livraria Apostolado da Imprensa e Secretariado Nacional do Apostolado da Oração, Braga, 1956.

10 FIGUEIREDO, José de. Op cit..

11 Call for Justice: Art and

Law in the Low Countries (1450-1650). Hannibal Publishing, 2018, pp. 140-143.

12 – Ibidem.

13 Decreto n.º 19/2006 in Diário da República n.º 137/2006, Série I de 2006-07-18

14 Coleção Temas da

Museologia: Plano de Conservação Preventiva – Bases

Orientadoras, Normas e Procedimentos. Instituto dos Museus e Conservação, Lisboa, 2007.

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