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DO SIGNIFICADO NA COMUNICAÇAO HUMANA JOSE ROBERTO WHITAKEI< PENTEADO "In principio erat Verbum. Et Verbum eret Deus. Et Deus eret Verbum." JOÃO, Evangelho, 1: 1 "Preu cantá "Ia sua casa, Meu patrão, me licença! Se a cantiüe não boa, Desculpe Vos,a Incelençe, Que.. às veiz, a coisa não sei Do jeito que a gente pensa." (De um anônimo cantador do Nordeste, anotada por LEONARDO MOTA) Há alguns meses reuniram-se homens de emprêsa de PO- deroso sindicato de classe. Problema em pauta: a questão do preço das mercadorias. Defendeu-se com ardor a ga- rantia de lucros justos para os empresários. Todos estive- ram de acôrdo, até o momento em que se pediu defini- ção precisa da expressão "lucros justos". Nos Estados Unidos da América do Norte campanhas pu- blicitárias intensas procuraram vender ao público a idéia da defesa da livre iniciativa - até o momento em que se levantaram dúvidas sôbrs a significação verdadeira dêsses têrmos. Nos cursos de Comunicação Humana da Escola Superior de Vendas surgiram, dentre centenas de outras, as seguin- tes definições de nacionalista: JOSÉ ROBERTO WHITAKER PENTEADO - Diretor da Consultores In- âustriei« Ltda. e do Instituto de PesqUiSl111 e Estudos Sociais (IpttS).

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DO SIGNIFICADONA COMUNICAÇAO HUMANA

JOSE ROBERTO WHITAKEI< PENTEADO

"In principio erat Verbum. Et Verbum eret Deus.Et Deus eret Verbum."JOÃO, Evangelho, 1: 1

"Preu cantá "Ia sua casa,Meu patrão, me dê licença!Se a cantiüe não fõ boa,Desculpe Vos,a Incelençe,Que.. às veiz, a coisa não seiDo jeito que a gente pensa."(De um anônimo cantador do Nordeste, anotadapor LEONARDO MOTA)

Há alguns meses reuniram-se homens de emprêsa de PO-deroso sindicato de classe. Problema em pauta: a questãodo preço das mercadorias. Defendeu-se com ardor a ga-rantia de lucros justos para os empresários. Todos estive-ram de acôrdo, até o momento em que se pediu defini-ção precisa da expressão "lucros justos".

Nos Estados Unidos da América do Norte campanhas pu-blicitárias intensas procuraram vender ao público a idéiada defesa da livre iniciativa - até o momento em quese levantaram dúvidas sôbrs a significação verdadeiradêsses têrmos.

Nos cursos de Comunicação Humana da Escola Superiorde Vendas surgiram, dentre centenas de outras, as seguin-tes definições de nacionalista:

JOSÉ ROBERTO WHITAKER PENTEADO - Diretor da Consultores In-âustriei« Ltda. e do Instituto de PesqUiSl111e Estudos Sociais (IpttS).

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1I~ DO SIGNIFICADO NA COMUNICAÇAO HUMANA R.A.E./17

• indivíduo dotado de sentimento nativista, defensor dosverdadeiros interêsses da nação;• aquêle que crê, segue e defende os princípios da suaterra;a aquêle que se sente temeroso de defender ostensiva-mente a ideologia comunista, ou os interêsses imperialis-tas dos norte-americanos no Brasil;• aquêle que somente aprova o que é genuinamente bra-sileiro, nada aceitando que venha de fora;• pessoa que defende idéias internas e não apóia qual-quer idéia procedente de outro país;• aquêle que defende o patrimônio da nação, não admi-tindo interferências estrangeiras;

• pessoa que combate os estrangeiros;• quem deseja que as riquezas do país sejam exclusi-vamente por êle aproveitadas e usufruídas;

• verdadeiro patriota;• indivíduo que supõe que a qualquer momento vamosser engolidos, seja pelo capitalismo explorador, seja pelomaterialismo ateu;• pessoa que, querendo fazer-se passar por patriota, pro-cura encobrir com a bandeira do país os atos que prati-ca com finalidades egoístas;• denominação de ideologia muito em voga ultimamen-te, que se carateriza por ser contrária ao regime capita-lista;• quem quer que se filie a movimento político que obje-tive suprimir a participação estrangeira em qualquer formade atividade econômica suscetível de produzir lucros;• aquêle que, na sua ordem de valôres, acentua o as-pecto nacional das coisas;• indivíduo que, visando ao bem comum e ao engran-decimento do país, utiliza todos os meios possíveis paraconcretização dêsse objetivo;• aquêle que prega a auto-suficiência da nação;

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• pessoa que defende a emancipação econômica do paísatravés da exploração intensiva de seus próprios recursos;

• indivíduo que experimenta um alto e sincero desejode lutar pelo desenvolvimento do seu país e de morrer pelasua soberania;

• ególatra inescrupulosamente atiçado pelo bolchevismointernacional.

A exegese dessas definições constitui precioso ensinamen-to sôbre a relatividade dos significados na comunicaçãohumana. Donde se diz que em tôdas as idades os homenstêm lutado e morrido por palavras cuja significação exatajamais foram capazes de compreender.

A COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO

Na clássica definição de STO. ANSELMO- "palavra éconhecimento com amor" - encontram-se as raízes dacomplexidade extrema do significado. As palavras nadasignificam por si mesmas; só têm significado quando umser pensante faz uso delas. O fenômeno muito mais amploda compreensão - objetivo supremo das sociedades hu-manas - liga-se indissoluvelmente ao significado, porquequando se descobre o que uma coisa significa compreende--se a coisa: "compreender é apreender o significado".

Admitindo, embora, que palavras iguais pudessem signifi-car coisas diferentes, e palavras diferentes pudessem, porsua vez, significar coisas iguais, TOMÁSDEAQUINOacre-ditava na existência de uma só palavra capaz de significarcom exatidão uma só coisa em particular: a palavra dossacramentos e dos ritos da Igreja. DESCARTES,que revo-lucionou os caminhos da ciência, mostrou-se bastante con-servador ao não aceitar a arbitrariedade na significaçãodas palavras por mêdo de que isso solapasse a indispen-sável confiança nos axiomas: "há grande equívoco quandose crê ser arbitrária a significação das palavras". Algo ar-bitrária seria "a união da idéia a determinado som, em

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lugar de a outro som qualquer" - o que, convenhamos,vem a dar na mesma.

Entre os primeiros a considerar subjetivo o significado,PASCALnegou pudessem as palavras servir à comunicaçãohumana porque "nem todos os homens têm uma idéiaidêntica da essência das coisas, o que quer dizer que nemtodos os homens dão às palavras a mesma significação".

LOCKErejeitou essa posição, voltando a TOMÁSDEAQUI-NO ao acreditar no sentido único de cada palavra. Suadefinição é clássica: palavra é a fixação de um conceito.

Curiosa essa convicção em espíritos de tal modo abertoscomo DESCARTESe LoCKE. Talvez temessem o retôrnoàs doutrinas de PLATÃO,que considerava as palavras "sonsarticulados na garganta" e a linguagem "o resultado dascombinações dinâmicas de certos sistemas nervosos",ambos recursos incapazes de reproduzir o pensamento purodas "idéias-formas", as quais - lamentava-se o fi't1sofo- não poderiam deixar de ser contaminadas pelos "odo-res do mundo". "Deus" é a palavra mais qualificada paraescapar a essa contaminação, comenta BRINTON,e, ape-sar disso, tôdas as grandes religiões monoteístas não seentenderam sôbre o seu significado.

WILLIAMJAMES incrimina a palavra como responsávelpela crescente impiedade humana, reduzindo a divindadea um aglomerado de atributos verbais, "confusa reuniãode adjetivos pedantes", o verbalismo substituindo o trans-cendental significado de Deus. Talvez por isso BACONsu-blinhasse o "caráter diabólico" da linguagem, acusando aspalavras de atirarem tudo à confusão e afundarem a hu-manidade em vãs, falazes e inumeráveis controvérsias.

Em nossos dias OGDENe RICHARDSconsideram a pala-vra um "atraso de vida". Não se conformam com os homensse terem despojado das caudas há milhões de anos, e aindase comunicarem através de um meio desenvolvido até oponto de satisfazer trogloditas. .. Lideram as correntesmodernas da Semântica, segundo as quais não existe a

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menor dúvida sôbre a inadequação da palavra falada ouescrita para a comunicação de idéias.

CHASE insurge-se contra .a "tirania das palavras" e chegaao extremo de recomendar que tôdas as vêzes em que nossintamos inclinados a usar expressões como "civilizaçãocristã" ou "modo democrático de viver" devamos substi-tuí -las, no texto ou na exposição verbal, por alguns sonsinarticulados como "bla-bla-bla" ou "mu-mu-mu" - e se-guir para frente.

A ORIGEM DAS PALAVRAS

WALT WHITMAN encantou-se com a espiritualidade daspalavras; imaginava vê-las chegar, como sombras, das pro-fundezas abissais dos séculos sem fim. .. As concepçõesda Lingüística moderna são bem menos românticas: a pa-lavra, nas suas origens, deve ter sido meio de exteriorizaremoções, passando pela incitação vocal pura, a fim dechegar, muito mais tarde, ao raciocínio.

A origem afetiva da linguagem é definida por autoridadescomo VOSSLER, o qual mostra, entretanto, a relatividadedos conceitos de "emocional" e "lógico". Nem tudo que élógico deixa necessàriamente de ser emocional, como nemtudo que é emocional deixa obrigatoriamente de ser ló-gico. Estados de ânimo não-emocionais absolutos não exis-tem, pois a ausência de vida emocional seria morte; devida intelectual, loucura.

SAPIR estabelece diferenciação profunda entre dois atoshumanos aparentemente iguais em potencial: iandar efalar. Pode-se dizer que o ser humano "está predestinadoa caminhar"; seu organismo está preparado para realizartôdas as descargas nervosas e adaptações musculares quedão origem ao ato de caminhar, considerado uma funçãobiológica inerente ao homem. A linguagem é diferente;embora em certo sentido seja claro que o homem estáequipado fisiolàgicamente para falar, só falará se nascere desenvolver-se em sociedade. Eliminada esta, haverá, diz

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SAPIR,tôdas as razões para crer que aprenderá a andarse conseguir sobreviver. Mas, "igualmente seguro é quejamais aprenderá a falar, isto é, a comunicar idéias, segun-do o sistema tradicional de uma sociedade determinada".

Casos famosos têm confirmado a tese do mestre inglês. O"Selvagem de Aveyron", que cresceu isolado até aos 12anos de idade, viveu até aos 40, mas não conseguiu maisdo que balbuciar alguns sons interpretados como palavras,interpretação essa parecida com a de HAYES,em 1950,das únicas duas "palavras" ditas por seu pequeno chim-panzé, depois de dois anos de exercícios beneditinos: papae cup.

A menina de Midnapore, da índia, criada pelos lôbos atéos 8 anos, demonstrou, ao ser encontrada e durante osprimeiros meses de reeducação, total ausência de lin-guagem.

O faraó SESÓSTRIS,há milênios, colocou para serem cria-das juntas, desde a mais tenra infância, uma criança egíp-cia e outra frígia, em local absolutamente deserto, servi-das por escravos surdos-mudos. Seu objetivo era saber qualdas duas línguas era a mais antiga, o Egípcio ou o Frígio...

Muitas vêzes, diante do mistério do significado, experi-mentamos essa puerilidade faraônica, esperando que doindivíduo, do meio, ou de fatôres puramente casuais surja,em nosso espírito, uma revelação.Para CHAUCHARDa palavra integra o homem na socie-dade. Esta a sua grande função, conquanto, como decor-rência de ser um fato social, não possa escapar às injun-ções do meio em que se desenvolve, tomando-se polissê-mica, ou seja, adquirindo naturalmente uma porção desentidos. Assim, detrás de cada palavra ocultam-se "no-ções difusas e opacas, em perpétuo movimento, difíceis deserem detidas".A palavra é, sem dúvida, uma coisa viva e sua cronologiapode ser comparada à existência humana: nasce, vive, de-senvolve-se, decai e pode morrer.

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Hoje em dia ninguém chamaria "aguçoso" um aluno aten-to, como não qualificaria de "acarvada" uma pessoa aflita.São arcaísmos, palavras em agonia, algumas mortas, em-bora capazes de ressuscitar. A palavra "achacar" é exemplocurioso. No século IV significava "fazer queixa peranteautoridade". Era respeitável e recebida em locais de pri-vilégio. Morreu e ressuscitou no século XX, mudando designificado: marginal, vive na bôca da ralé, e quer dizerchãmente "coagir alguém a emprestar dinheiro".

Entendem-se os homens através das palavras?

HOBBESafirmou, no seu tempo, a impossibilidade de de-finir o "infinito". O significado confuso de nossos dias nãose restringe apenas a palavras transcendentes. A definiçãoda palavra socialista feita por HITLER antecipa o mundo'terrível de ORWELL,onde "a yerdade é mentira, a justiçainjustiça, a liberdade escravidão": "Quem quer que estejapreparado para fazer da causa nacional a sua própria, emtal extensão que saiba não haver maior ideal que a pros-peridade de sua pátria; quem quer que haja compreendi-do nosso estupendo hino nacional, "Deutscblenâ überalies", para significar que nada neste vasto mundo ultra-passa a seus olhos a Alemanha, povo e terra - êsse homemé um socialista".BRÉAL queixa-se de que muitos objetos recebem nomesinadequados, seja por ignorância dos autores originais, sejapor haver sobrevindo alguma mudança que tenha pertur-bado a harmonia entre o símbolo e a coisa simbolizada.Apesar disso, as palavras continuam as mesmas, "como seestivessem impregnadas de inatacável retidão; ninguémpensa em revisá-las e são aceitas por um consentimentotácito, muitas vêzes inconsciente".Os povos primitivos identificavam as palavras com ascoisas que elas procuravam representar, e os estudos deFRAZERtêm demonstrado a universalidade dos tabus ver-bais. O mesmo terror do aborígene primitivo - de queos inimigos soubessem seu verdadeiro nome - encontra--se no pecado mortal do cristão que transgredir o man-

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damento "não usarás o seu santo nome em vão". Essa im-possibilidade irracional de abstrair da palavra a coisa querepresenta permanece até hoje, perturbando bastante todoo processo da comunicação humana. STUARTCHASEco-loca entre os principais obstáculos à compreensão entre oshomens a confusão entre a palavra e a coisa. Sua demons-tração clássica utiliza-se Ida palavra "desemprêgo", queocorreria:

• quando um homem perde o emprêgo e está empenha-do em arranjar outro;

• quando um homem perde o emprêgo, mas não procuraoutro: tem renda que lhe permite viver sem trabalhar;

• quando um homem precisa de emprêgo, mas é fisica-mente incapaz;

• quando um homem é dispensado por alguns meses, fazum acôrdo com a emprêsa para receber indenização par-dal e aguarda o momento de ser readmitido;

• quando um homem trabalha em jornada de meio ex-pediente e procura outro emprêgo para reforçar seu or-çamento doméstico.

Não é à toa - diz CHASE- que os economistas se di-gladiam cada vez que discutem o problema do desem-prêgo nos Estados Unidos.

SEMÂNTICA

A Semântica esforça-se por estudar sistemàticamente ossignificados. Atribui às palavras os mal-entendidos queatormentam os homens e em todos os séculos têm amea-çado a própria sobrevivência da humanidade. Para muitagente, só tem de nôvo o nome, tratando-se de velha co-gitação filosófica que vem da mais alta antiguidade. Suafinalidade é ajudar a precisar os significados, o que, muitasvêzes, resulta em vã tentativa de desvendar os mistériosda linguagem.

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Um dêsses mistérios é a possível ausência de correlaçãoentre o nível de civilização e a precisão do vocabulário.Uma tribo de índios da Califórnia, os "hupas", utiliza-sede linguagem consideràvelmente mais exata que o Inglêsdos civilizados. Sempre que um hupa faz uma declara-ção acrescenta-lhe um sufixo para indicar a fonte de auto-ridade. Há sufixos para o que se viu, para o que se ouviue para o que apenas se conjeturou - distinção precisaentre observação, informação e inferência.

A linguagem ideal seria aquela onde houvesse correspon-dência exata entre a palavra e a idéia. Se existisse essaexata correspondência entre símbolos físicos e conceitosmentais, os homens poderiam compreender-se uns aosoutros como se lessem as respectivas mentes. Essa comu-nicação imediata, porém, é considerada pelos teólogos atri-buto dos anjos ...

O ideal de uma linguagem universal mantém-se vivo atra-vés dos séculos e reflete a consciência da inadequaçãodêsse instrumento de comunicação humana. Todavia, émais fácil aprender uma língua viva do que uma línguaartificial - o que explica, de certa maneira, o fracasso doEsperanto e de tantas outras tentativas semelhantes. MÁ-RIO PEI assinala a criação de 500 línguas para uso uni-versal desde o século XVII. É possível que a maior difi-culdade na divulgação e aceitação dessas línguas artificiaisesteja no inaudito esfôrço que se exige do homem paraaprender a manejar um instrumento frio, sem ernotivida-de e sem vida interior.

LlNGUAGEM E SOCIEDADE

A linguagem é cada vez mais um fenômeno psicológico--social. Qualquer indivíduo nascido em determinado am-biente pensará em têrmos do meio social em que vive. Anatureza do pensamento é tão afetada pela linguagem do-minante na sociedade, que DUNLAP a definiu como "pen-samento cristalizado do povo"..

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CHASEregistra ser impossível estabelecer em algumas lín-guas qualquer diferença entre matar e assassinar; matarpor acidente e matar deliberadamente - homicídio cul-poso e homicídio doloso - são atos que só podem ser ex-pressos de uma forma. Existem no árabe 5.000 palavrasligadas, de alguma forma, à palavra camelo, e o mesmoacontece com a palavra neve entre os esquimós. O verboto get reflete, sem dúvida, o sentido prático dos norte--americanos, enquanto a adjetivação em massa é naturalà exuberância latina.

A linguagem surge e evolui na vida social. Daí suas nu-merosas formas e as diferenças semânticas qus correspon-dem a diferenças de mentalidade. O grau de variação nos2.796 idiomas falados no mundo vai desde as nuanças dia-letais até à diferenciação mais extrema. O govêrno chinês'empenha-se na substituição dos 44.000 ideogramas da lín-gua nacional, pelos carateres latinos, o que permitirá _espera-se - uma dinamização da mentalidade chinesa. Nomomento, em Chinês, a mesma palavra muda de signifi-cado segundo o tom com que é pronunciada. A palavrachiu, por exemplo, significa "porco" quando pronunciadaem tom normal; "cavalheiro" se dita em tonalidade des-cendente, e "bambu" se em escala ascendente.Em Português a simples mudança de ênfase nas palavrasde uma frase pode mudar sua significação, como se podeobservar pela leitura correta, em voz alta, destas seisfrases:

1. Você viu aquêle sujeito sair correndo?

2 . Você viu aquêle sujeito sair correndo?

3 . Você viu aquêle sujeito sair correndo?

4. Você viu aquêle sujeito sair correndo?

5. Você viu aquêle sujeito sair correndo?

6. Você viu aquêle sujeito sair correndo?

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ORATÓRIA

A importância do tom é reconhecida em diversas línguas,pela influência que exerce sôbre os significados. Muitosoradores reconhecem a superioridade da paixão sôbre alógica, e sabem de que maneira belas palavras vazias desentido podem sensibilizar auditórios.

A oratória asiática, nascida em Siracusa, diz pouca coisacom excesso de palavras; é, acima de tudo, enfática, pres-tando-se admiràvelmente à declamação e à maioria dosdiscursos políticos de campanhas eleitorais.

A maioria dos discursos de ROBESPIERRE que chegou aténós é, reconhecidamente, de enorme pobreza de conteú-do, da mesma forma que 'HITLER preocupava-se muitomais com a forma do que com o fundo dos inumeráveis-e, na maioria, tremendamente ilógicos - discursos quepronunciou.

Há tantas maneiras de dizer a mesma coisa, tantas tona-lidades possíveis e tantas formas de expressão fisionômicae mímica, que se torna indispensável considerar a sério oestilo de falar. Êsse estilo de falar contribui para a repu-tação individual e projeta a personalidade.

HENRI-RoBERT ensina que "pensamentos admiráveis ex-pressos por uma voz má causam pouco efeito. Ao con-trário, o auditório se deixará conquistar, se dissermos coisasmedíocres com voz timbrada, porque o ouvinte não per-cebe senão a música, e não retém nada das palavras".

o SIGNIFICADO EM NOSSOS DIAS

CUATRECASAS considera a palavra o instrumento mágicodo progresso social e da concórdia entre os homens: "es-clarece erros, ensina caminhos, ilumina o futuro com idéiasnovas e, desde que aparece na história do homem, come-ça a eclipsar-se o império da fôrça".É uma atitude idealística, bem distante das posições ico-noclastas que tantos filósofos e psicólogos adotaram no

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passado. Claro que, dentro do dualismo das idéias huma-nas, movimentando-se entre extremos, pode a palavra serconsiderada ora um mal, ora um bem. Expressões glorio-sas - como "Pátria", "Deus" e "Liberdade" - cobrem-sede opróbrio e tragédia, e a revolta de Madame ROLAND,naguilhotina, ainda está presente no coração dos homens.

A importância predominante do receptor na comunicaçãohumana levou GARDINERa pregar que o significado deuma palavra é aquêle que o receptor lhe atribui. Nessaposição extrema as palavras deixam de ter qualquer sen-tido sério e se precipitam em pleno niilismo verbal.

Êsse niilismo é vigorosamente combatido por BOGus-LAVSKI,o qual se insurge contra STUARTCHASEe as di-versas correntes céticas modernas quando afirmam nãoserem as palavras capazes de expressar o que pensam oshomens.

Essa idéia nada tem de nova. SCHOPENHAUERnão hesi-tou em escrever que os pensamentos morriam tão logo seencarnavam em palavras.

Tôda a controvérsia existente sôbre o significado na co-municação humana parece repousar no dualismo de con-cepções dificilmente conciliáveis: para uns é estático, en-quanto que para outros é dinâmico.

Negar à palavra um significado único, preciso, é destruira possibilidade não apenas da exposição dos axiomas, aque se referia DESCARTES,mas de tôda a estilística de LABRUyERE. Por outro lado, impossível não considerar ocaráter polissêmico das palavras, fruto de sua vivênciasocial, de sua dinâmica na afetividade individual de queestão impregnadas. A variedade de sentidos é tão carate-rística da palavra como a sua possibilidade de reproduzir--se em símbolos orais e escritos.

Estou inclinado a aceitar a tese da univocidade das pala-vras apenas nas suas origens. Efetivamente, tudo me levaa crer que, quando foi criada, "cada palavra possuía umaforma material de significado único".

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Essa univocidade primitiva parece explicar, em parte, aprecisão da língua dos "hupas", sugerindo que o desen-volvimento da civilização contribui para dar cada vezmaior ambigüidade à palavra. A civilização seria, assim,responsável pela precariedade da palavra como instrumen-to de comunicação entre os homens.

Essa conclusão tem suas raízes nas idéias de OGDENe RI-CHARDSsôbre a inadequação da linguagem ao homem dehoje; nossa linguagem é desatualizada e anacrônica, comose insistíssemos em andar de liteira nesta época de aviãoa jato.

O significado no mundo moderno tem sofrido o impactodo enorme potencial da comunicação em massa, potencialêsse que é mobilizado nas sociedades modernas por pes-soas ou sistemas nem sempre indicados para essa dificili-ma e delicada tarefa. A imprensa carateriza-se, em gran-de parte, pela superficialidade com que trata questõescomplexas por natureza. Não é raro que, ao lado da su-perficialidade, exista certo grau de irresponsabilidade, oque preocupa o pensamento liberal do mundo desde JEF-FERSON.OS regimes totalitários esmeram-se em viciar ainformação pública, deturpando-a, conforme acontece nospaíses europeus dominados pelos comunistas, cujo dogma-tismo repete, de certa forma, a mentalidade medieva1. Ospróprios estados liberais modernos, como os EUA, vêem-seimpelidos, por interêsses econômicos ou político-parti-dários, a viciar também, em certa extensão, o conteúdoda informação pública.

Êsses fatôres aliam-se à distinção que é necessário fazerentre, pelo menos, três significados que cada palavrapossui:

1.0) o significado básico;

2.0) o significado contextual; e

3.0) o significado expressivo-individual-social.

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Vejamos na prática essa acepção tridimensional do proble.ma. Pedro diz a Paulo:

- Seu filho é um bom aluno.

• O significado básico será o que resultar da expressão"bom aluno". Para que haja comunicação é necessário, emprimeiro lugar, que essas duas palavras tenham um só sig-nificado, tanto para Pedro quanto para Paulo. Se Paulonão entender o sentido das palavras "bom" e "aluno", senunca as tiver ouvido antes, a proposição não passará deuma frase ininteligível, como se alguém lhe dissesse:

- Seu filho é um artum voltol.

Sem saber o que quer dizer "artum" nem "voltol" não hápossibilidade de compreensão.

Se as palavras "bom aluno" têm a mesma possibilidade deidentificação para Pedro e para Paulo, alcançamos o pri-meiro significado.

• O significado contextual é bem mais complexo. Paraque as palavras "bom aluno" formem sentido são neces-sárias inúmeras e variadas condições. Basta, por exemplo,que o filho de Paulo não esteja estudando em lugar ne-nhum para que o significado inicial perca tôda a valida-de. Por aí se percebe que o valor contextual pesa muitomais decisivamente na compreensão do significado.

O contexto implica em diversos itens condicionadores quese subentendem na proposição ou que exigem esclareci-mento. Por exemplo:

1 . Que Paulo tenha um filho.

2. Que o filho de Paulo esteja estudando.

3. Que Paulo saiba que Pedro sabe ter êle (Paulo)um filho e que êsse filho esteja estudando.

4 . Que as relações humanas existentes entre Pedroe Paulo autorizem uma proposição dessa es-pécie.

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5 . Que na escola onde o filho de Paulo estuda exis-tam critérios de avaliação distintos para os mause bons alunos.

6. Que o conceito contextual das palavras "bomaluno" seja de certa forma semelhante para Pe·dro e para Paulo.

• O terceiro significado - que chamo "expressivo-indivi-dual-soeial" -.- vem impregnado de motivações interio-res. De alguma forma, estabelece um pequeno sistema deética: porque Pedro estará dizendo a Paulo que o seu filho(de Paulo) é um bom aluno? Subjetivamente, qual a in-tenção de Pedro ao dizer a Paulo tal coisa? Desejará elo-giar o filho de Paulo ou estará ironizando? Em que situa-ção Pedro fêz essa referência ao filho de Paulo? Na pre-sença do filho, para despertar-lhe brios, supondo-se queêle seja um aluno medíocre? Nesse caso, não poderia Pe-dro estar exagerando intencionalmente a aplicação do filhode Paulo?

Assim, o contexto pode ser considerado sob duas extensões:

a) a de o contexto anterior já ser de conhecimento detransmissor e receptor, o que torna possível a compreen-são da frase e a sua inteligibilidade, ou seja, a sua perti-nência, a sua lógica.

b) a de o contexto ser do tipo "circunstancial", onde aexpressão individual entra em relação com a situação emque ela se manifestou e completa o significado.

O significado é, pois, simples relação de nexo entre o some a coisa, entre a coisa e o som. Sua função é substan-eialmente identificadora. Não é o rótulo - que seria ape-nas a palavra, o nome -, é o que está escrito no rótulo.Quem escreve no rótulo? Evidentemente, só pode ser ohomem, donde sou levado a concluir que a palavra, criaçãodo homem, não pode deixar de ser arbitrária.

É problema filosófico antigo a relação do pensamento coma palavra. ARISTÓTELESatribuía a origem da linguagem

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à convenção: "os sons emitidos pela voz são os símbolosdos estados da alma". Entretanto, o filósofo considera idên-ticos em todos os homens êsses estados de alma, o quenão é verdade.

ALCEUAMOROSOLIMA parece colocar-se entre os aris-totélicos ao admitir uma expressão preverbal anterior àmanifestação da palavra. Para êle a palavra não é refle-xo, nem imitação. Aparentemente, é de fora que recebe-mos a palavra; o que se dá, porém, é uma simples exci-tação de virtuosidade preexistente. Depende do mundo in-terior. Mas, como essa virtuosidade só se põe em movi-mento por excitação do mundo exterior, o exercício dossentidos é necessário, não para produzir a palavra, maspara pôr em movimento o mecanismo interior da sua pro-dução. A criança não recebe as palavras de fora: recebede fora os estímulos para falar.Parece-me que essa explicação não responde porque de-terminado objeto provoca a expressão verbal "sapato" nabôca de um brasileirinho e "sboe" no aparelho fonador deum garôto inglês.

Que uma excitação exterior leve necessàriamente à mo-vimentação de um mecanismo interior é apenas uma pro-babilidade: "Não poderemos nunca descobrir mais do queum acontecimento seguindo-se a outro, sem compreendernenhuma fôrça, ou poder, através do qual a causa age, ounenhuma conexão entre ela e os seus supostos efeitos".Acredito com HUME, que as causas são ocultas, e que pelaprópria natureza do que se supõe sejam as causas e damaneira pela qual o conhecimento humano se faz, o ho-mem não pode mesmo saber como as causas produzemseus efeitos.

AS PALAVRAS NOVAS

A palavra é criação voluntária do homem. Embora a acei-tação dêsse princípio me coloque diante da necessidade deconceber um homem antes da palavra, o que me situa na

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senda complicada e tortuosa dos evolucionistas, os neolo-gismos repetem hoje os processos mentais da mais remo-ta antiguidade em que viviam os hipotéticos homens cria-dores de palavras.

Sendo a linguagem um organismo vivo e considerando-seque, a todo instante, estão nascendo e morrendo palavras,qualquer pessoa está em condições de criar palavras. Acriação de uma palavra é, pois, ato voluntário que possoexercer enquanto escrevo. Posso criar agora mesmo a pa-lavra "estentar". Procuro um significado e empresto-Ihe ode "ostentar alguma coisa de maneira a indicar a coisaque se ostenta". Estento o meu anel de formatura quandomovimento intencionalmente o dedo anular para chamar aatenção de outrem.

Se você gostou da palavra, pode utilizá-la: é sua. E, o maisimportante, nada obsta que você enriqueça o seu signifi-cado com outros sentidos.

Coloco-me, assim, com o meu neologismo na companhiailustre de CLÁUDIODE SOUZAcom seu "vesperal" e nade TAUNAYcom seu "necrotério". Se aí permanecerei de-pende do leitor e de pelo menos mais alguns milhares depessoas que passem a aceitar o nôvo verbo.

Conclui-se que:

• A criação de uma palavra é ato voluntário.

• A caraterização da palavra como tal dependerá depossuir um significado básico.

• A aceitação da palavra depende de fatôres alheios aocontrôle do seu criador; embora tenha podêres para in-ventar nova combinação de sons, esta só adquire fôro depalavra por fôrça da aceitação social. Eu crio os sons. Asociedade cria palavras.

• A aceitação social da palavra inventada poderá enri-quecê-la de novos sentidos, expandindo e complicando oseu significado.

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Como nasceu essa palavra? Tentando rememorar o pro-cesso de criação do neologismo, sei haver partido de umacombinação de sons arbitrária, para a qual, depois de anun-ciada, procurei um significado. Associei a palavra recém--criada estetiter à palavra antiga ostentar. Imediatamenteveio-me à lembrança um humorista de O Cruzeiro, oqual se divertia criando palavras com ilações cômicas. Apartícula "êste" lembrou-me o gesto de indicar. Por asso-ciação de idéias à evocação de "indicar", visualizei umdos meus dedos com o anel de formatura.

Não poderia, porém, tem partido de uma coisa, em lugarde uma simples combinação de sons?

Sem dúvida. Olho para o volume dos "Sermões", de VIEI-RA, diante do caderno em que escrevo. Poderia dar umnome diferente a êsse objeto que se chama livro. Por quese chama livro e não qualquer outra coisa? Nada impedeque eu o denomine de maneira diferente.

Ocorreu-me, porém, uma dúvida: será que as outras pes-soas aceitarão o nôvo nome criado por ·mim? Em caso ne-gativo, reconheço, não teria criado uma palavra. Não seriamais fácil procurar outro objeto? Quem sabe um objetodesconhecido, ainda sem nome? Onde, porém, encontrarum objeto sem nome nos limites restritos do escritório deminha casa?

Fixo-me no livro. Daqui para a frente denominá-lo-ei : ales-so. Telefonarei ao meu livreiro. . . Livreiro? Não. Telefo-narei ao meu aIesseiro, dando-lhe a novidade e pedindo-lhe continue avisando-me sôbre os alessos que sejam pu-blicados.

Acabo de criar outra palavra. Desta vez, parti da coisapara a palavra. Pergunto-me: onde fui buscar a relaçãoentre aquêle objeto de capa azul e dourada com a com-binação de sons alesso? O nome elesso surgiu-me na mentepor lembrança de um amigo que se achama Aléssio. Ha-veria alguma relação entre êsse meu amigo e o nôvo nomedo objeto à minha frente? Conscientemente, não encon-

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tro nenhuma. Alesso deve ter-me ocorrido espontâneamen-te, e a semelhança com o nome de meu amigo deve tersido percebida depois de criada a palavra.

Palavra?

Ainda não. Tenho à flor dos lábios a combinação de sons"alesso", que desejo transformar em palavra para signi-ficar um objeto diante dos olhos. Isso só acontecerá, seoutros também aceitarem êsse neologismo. Com a ajudade milhares de pessoas, meu "alesso" ganhará ou não forosde cidadania nesse extraordinário país das palavras.

Verifico, entretanto, a diferença entre estentar e alesso.

No primeiro caso criei uma combinação de sons para aqual, depois, procurei conscientemente um significado. Nosegundo parti de um objeto para uma combinação de sonsarbitrária.

Na criação de palavras novas parece indiferente partir dacombinação de sons para chegar à coisa, ou partir da coisapara chegar à combinação de sons. O significado surge nomomento em que na minha mente identifico o som coma coisa ou a coissa com o som. Quais, entretanto, as re-lações entre a palavra e o pensamento?

A Lógica oferece à nossa escolha, três teses:

1.a) A palavra e o pensamento se equivalem.

2.a) A palavra é a indumentária do pensamento e não énecessária para o ato de pensar.

3.a) Embora a palavra não seja o pensamento, é indis-pensável à sua comunicação.

Êsse último ponto de vista é esposado por DEWEY, paraquem sem palavras as coisas não passam de estímulos ce-gos, de coisas brutas. Já que as significações não são tan-gíveis em si mesmas, cumpre fixá-las prendendo-as a umaexistência física. Essas existências físicas, especialmente es-colhidas para fixar e transmitir os significados, são as pa-

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lavras, de cujas diversas vantagens para a comunicação hu-mana ressaltam as seguintes:

• O valor direto e sensível de sons leves ou de minús-culos carateres impressos é quase nulo; a atenção nãose desvia de sua função representativa.

• A produção das palavras está sob nosso contrôle di-reto; podemos criá-las ou utilizá-las sempre que neces-sário.• Os sinais lingüísticos arbitrários são cômodos e de fácilutilização, concisos, portáteis, leves.

A palavra, conclui DEWEY, pode ser considerada cêrca, ró-tulo e veículo:

• A palavra como cêrca - Ligar uma palavra a um sen-tido impõe-lhe limites, arranca-a do vazio, disciplina-a. Paraterem existência real as coisas têm de ser pronunciadas- "tiradas de dentro para fora" - pelos que pensaram._

• A palavra como rótulo - A significação fixada emuma palavra aí se conserva para usos futuros. Na ver-dade, o método de armazenagem não é totalmente assépti-co, e as palavras, em geral, corrompem o significado. Êste,entretanto, é o risco de todo o ser vivo, pelo simples fato'de estar vivo.

• A palavra como veículo - Fixada a significação emdeterminada palavra, é possível utilizá-la em qualquernôvo contexto; é possível a transferência do significado.Graças a isso, pode haver crescimento cumulativo da in-teligência. As palavras são, pois, o grande serviço de trans-porte, os veículos que carreiam as significações das expe-riências humanas.

o SIGNIFICADO E O HOMEM NA EMPRÊSA

o administrador moderno cansou-se de fugir ao problemada comunicação humana e resolveu enfrentá-lo. Para isso-procura falar claro, de maneira a ser bem compreendidopelos seus homens, em todos os escalões. Ao mesmo tempo,

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através das relações públicas, faz o que lhe é possível parafalar claro também perante os diferentes públicos que, noseu campo de atividade, constituam o substrato da opi-nião pública.

Tudo isso é reconhecidamente difícil, e não lhe resta al-ternativa senão entregar-se a rigoroso aprendizado, desdeque sinta o problema em tôda a sua extensão e gravidade.

Dentre os diversos autores que têm cogitado dessas ques-tões, STUARTCHASEindica seis problemas do significadona comunicação humana, que se aplicam aos homens deemprêsas:

• Confusão entre palavras e coisas.

Emprêgo descuidado de palavras abstratas.

Confusão entre fatos e opiniões.

Julgamento em "prêto-e-branco".

Falsa identidade baseada em palavras.

Obscurantismo.

•••••

. .1 . Confusão entre palavras e coisas - Sua explicaçãomais simples está na evidência de que a palavra cachor-ro não morde. É preciso não esquecer que atrás de umapalavra nem sempre está uma coisa. Logo, nem sempre o"bom patrão" para Pedro é o "bom patrão" para Paulo,como nem sempre um "bom empregado" significa a mesmacoisa para o empregado e para o patrão.

2 . Emprêgo descuidado de palavras abstratas - lV1ai~do que aquelas que procuram dar nomes às coisas, as pa-lavras abstratas nascem impregnadas de afetividade ~ asua significação é puramente individual. É preciso muitocuidado cada vez que se discute com palavras abstra-tas, a começar do próprio conceito de emprêsa. O concei-to de emprêsa é abstrato. O que conta são as pessoas quêtrabalham na emprêsa, através das quais a emprêsatem

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existência real. Leva êsse fato em consideração o diretorque se refere à emprêsa para justifícar seus atos?

3. Confusão entre fatos e opiniões - Fatos são aconte-cimentos, enquanto que opiniões são conjeturas. A per-gunta "que é um liberal?" determinado agricultor de Wis-consin respondeu: "Não sei ... , mas, de que essa gente nãovale nada não tenho a menor dúvida!"

Sem conhecimento dos fatos, as opiniões possuem valorrelativo e a maior parte dos desentendimentos nas em-prêsas surge de os chefes procurarem atribuir às suas opi-niões a fôrça de fatos. .. para uso dos subordinados.

'4 . Julgamentos em "préto-e-brenco" - Embora muitassituações possam ser consideradas sob o aspecto estrito dodualismo, não se pode dividir a humanidade com a segu-rança daquele político que exclamava: "Para mim só exis-tem duas classes de pessoas: as que estão comigo e asque estão contra mim!".

A linguagem é, em grande parte, responsável por essas po-laridades, desde que é notória a falta de palavras inter-mediárias entre dois extremos. Como preencher, sob êssecritério, uma ficha de avaliação de empregado?

5 . Falsa identidade baseada em palavras -.- "O artifí-cio - escreve CHASE- é encontrar apenas uma carate-ristica, compartilhada pela vítima e um inimigo comum,para saltar logo à conclusão de que são idênticas tôdas asdemais caraterísticas. Com êsse liame pode-se provar aculpa ou a inocência de qualquer pessoa, pelo menos parafazer cabeçalhos nos jornais". Quantas pessoas estarão sen-do qualificadas nas emprêsas mediante êsse vicioso pro-cesso?

6 . Obscurantismo - Alguns psicólogos acreditam natendência humana de tornar complicadas as coisas simples.A. P. HERBERT, membro do Parlamento da Inglaterra,exasperado com a linguagem dos burocratas do Govêrno,

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assim traduziu a frase imortal de NELSON "A Inglaterraespera que cada um cumpra com o seu dever": "A Mãe--Pátria aguarda que o pessoal envolvido nas circunstânciasda presente conjuntura se mostre à altura das questões emjôgo, exercendo apropriadamente as funções outorgadas aseus respectivos grupos operacionais". Você tem lido cau-telosamente a correspondência de sua emprêsa e já expe-rimentou gravar algumas ordens dos seus supervisores aosoperários?

HANEY dá grande realce ao fato de que a significação daspalavras está muito prêsaao que denomina "afetores", ouseja, à disposição momentânea do espírito de quem a em-prega. Uma palavra, portanto, em determinado momen-to, reflete hábitos, preconceitos, experiências, estados fi-siológicos e emocionais, gostos, idiossincrasias, educação ehereditariedade; além dos conhecimentos individuais delinguagem, os quais vão desde o mero tamanho e varieda-de do vocabulário até os meandros da Sintaxe e da Esta-tística; quem sabe não convenha uma reavaliação dos va-lôres humanos na sua emprêsa, levando-se em conta a in-fluência dêsses afetores nas avaliações anteriores?

DEWEY lembra existirem limites para a possibilidade denovas combinações de palavras fornecerem novas idéias:"criptocomunista" está no caso de tais impossibilidades;sendo, entretanto, palavra bastante divulgada. Um cripto-comunista seria um comunista oculto, ou seja, que não serevela comunista. Ora, desde que a pessoa não se revelacomunista, como denominá-la "criptocomunista" quandonada se sabe dos sentimentos que esconde no íntimo? Poroutro lado, se a pessoa denominada criptocomunista reve-lar tendências comunistas, deixará de ser "cripto" para serapenas comunista. Êsse processo de combinações de pa-lavras é perigoso, porque oferece a facilidade indiscrimi-nada de rotular criaturas humanas.

Há palavras que aceitamos no uso corrente sem cuidar deseu significado. Proletário é uma delas. A falácia da lutade classes, aceita por milhões de indivíduos em todo o

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mundo, deriva de palavras que parecem ter sido criadascom o objetivo de semear confusão. A quem se referiaLENINE quando pregava a união dos "proletários" de todoo mundo? A quem se dirigia VARGAS quando iniciava seusdiscursos aos "trabalhadores do Brasil"? Quais são as"classes conservadoras"? Não serão por acaso, as que vêmrealizando uma revolução econômica e social, através desuas iniciativas e realizações? Até no futebol, inofensivosob o aspecto social, já não se acostumaram os comenta-ristas a classificar os campeões do mundo entre os cavalosde raça, com a palavra planteI?

Palavras como "urgente", "importante", "pessoal", "confi-dencial" e "reservado" desgastam-se ràpidamente nas em-prêsas e vão sendo esvaziadas das idéias que antes conti·nham. Já que todos os assuntos são urgentes e importan-tes, nenhum assunto é urgente nem importante.

Pressionado pela demagogia política, envolvido pelas fer-mentações sociais, desamparado pela ausência de ideolo-gias liberais, o administrador de emprêsas defronta-se commais uma esfinge no seu laborioso caminho para Tebas: osignificado na comunicação humana. E é possível que,exasperado, prefira ser precipitado ao abismo a decifraro enigma.

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