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bbc.com
Eleições com fake news?: Umasemana dentro de 272 grupospolíticos no WhatsApp mostra umBrasil dividido e movido a notíciasfalsas
Juliana Gragnani Da BBC News Brasil em Londres
27-37 minutos
Image caption Reportagem passou uma semana
acompanhando 272 grupos políticos públicos no WhatsApp
e elencou desinformação encontrada na rede | Ilustração
Brum
Acompanhar dezenas de grupos políticos no WhatsApp é
uma experiência um tanto surreal. Links, vídeos, imagens e
áudios são compartilhados caoticamente por diversas
pessoas ao mesmo tempo, quase impossibilitando a leitura
de quem recebe na outra ponta.
Com ajuda de um sistema desenvolvido por pesquisadores
brasileiros, passei sete dias acompanhando 272 grupos no
aplicativo.
Meu objetivo era entender a lógica de distribuição do
conteúdo político que chega a milhões de pessoas
diariamente pelo WhatsApp, principalmente no período
eleitoral.
Em uma semana, vi:
Muita desinformação, como imagens no contexto errado,
áudios com teorias conspiratórias, fotos manipuladas,
pesquisas falsas
Ataques à imprensa tradicional, como capas falsas de
revistas e falsa "checagem" de notícias que, de fato, eram
verdadeiras
Imagens que fomentam o ódio a LGBTs e ao feminismo
Uma "guerra cultural" organizada, com ataques
sistematizados a artistas em redes sociais
Áudios e vídeos de gente comum ou de gente que se
passa por gente comum, mas com identidade
desconhecida, dando motivos para votar em um candidato
Mas qual é o peso dessa desinformação circulando no
WhatsApp durante as eleições?
A rede é a mais difundida entre eleitores brasileiros,
utilizada por 66% deles, ou 97 milhões de pessoas,
segundo a pesquisa Datafolha divulgada nesta semana.
Chega a ser maior do que o Facebook, usado por 58% dos
brasileiros que votam.
Segundo o próprio WhatsApp, 120 milhões de brasileiros
usam o aplicativo. E muitos, principalmente das classes C,
D e E, aderem a planos de celular com pacote restrito de
dados, mas com WhatsApp gratuito graças a um acordo
com as operadoras. Isso significa que acabam tendo
acesso à internet somente por meio do aplicativo, ou seja,
sem possibilidade de clicar em links ou verificar na rede a
origem da informação.
Ao menos no Brasil, o WhatsApp deixou de ser apenas um
aplicativo de mensagens instantâneas. É uma rede social
também, com grupos públicos, desordenados e
extremamente dinâmicos de até 256 integrantes nos quais
se entra por meio de links divulgados em sites ou em redes
sociais. Pessoas do Brasil inteiro que não se conhecem
conversam pelos grupos. É bem diferente, portanto, dos
grupos privados de famílias, amigos, colegas.
Por isso, reitero: acompanhar dezenas de grupos no
WhatsApp é uma experiência surreal.
Ao ligar o celular pela manhã, às 10h, contabilizo 13.698
novas mensagens. Eu havia desligado o celular na noite
anterior. Em 12 horas, mais de treze mil mensagens foram
enviadas em 28 grupos públicos.
Direito de imagem Reuters
Image caption Segundo Datafolha, eleitores de Bolsonaro
usam mais redes sociais (81%), que eleitores de Haddad
(59%)
O grupo que bate o recorde é o "Debate Político": 1.793
mensagens enviadas durante a noite e madrugada. O
grupo tem 166 participantes com DDDs que vão do 11 ao
99. Tem gente de São Paulo, Minas, Rio, Paraná, Espírito
Santo, Rio Grande do Sul, Brasília, Bahia, Pará, Maranhão,
Alagoas, Ceará e Pernambuco. Tem até alguns usuários
nos Estados Unidos.
Mas a dinâmica do grupo é o oposto do que seu nome
propagandeia ("de debate só tem o título!", me disse um
dos integrantes do grupo, o estudante potiguar Renan
Bezerra dos Santos, 17). Não há debate, senão usuários
bombardeando o grupo com um sem número de textos,
links, imagens e vídeos, sem descanso, sem troca de
ideias.
Ao menos é um grupo democrático, apesar de focado nos
dois extremos da disputa: apoiadores de Bolsonaro
publicam conteúdo a seu favor ao mesmo tempo em que
recebem material pró-Lula e Haddad.
Para facilitar meu experimento, utilizo o "Monitor de
WhatsApp", um sistema criado pelo professor Fabrício
Benevenuto, do departamento de Ciência da Computação
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e
mantido por ele e seus alunos.
O sistema acompanha 272 grupos públicos de WhatsApp
por meio de celulares destacados só para isso e mostra as
imagens, links, vídeos e textos compartilhados nos grupos.
O pesquisador decidiu compartilhar o sistema com a
imprensa, que passou a ter um canal para monitorar o que
até então era um desconhecido universo de desinformação
na rede. Não há coleta de dados pessoais dos
participantes.
Alguns dos grupos monitorados: "Jair Bolsonaro 2018",
"Lula Presidente", "O Brasil com Ciro". Tem até um "Cabo
Daciolo Presidente". A maioria dos grupos reúne
apoiadores de um só lado, formando uma rede de bolha
que pouco se comunica no nível dos grupos, mas que
permeia diferente setores conforme o conteúdo se espalha
pelos milhões de grupos conhecidos e parentes.
Há mais grupos sobre Bolsonaro (são 33) do que o
restante. Isso gera, no pesquisador, uma preocupação com
o desequilíbrio do estudo. No entanto, pode indicar que, de
fato, haja mais grupos políticos sobre o candidato no
WhatsApp. É impossível saber ao certo, já que o aplicativo
não divulga o total de grupos existentes.
Dados do Datafolha, no entanto, jogam luz sobre essa
dúvida: respondendo à pesquisa nesta semana, eleitores
de Bolsonaro foram os que mais declararam usar alguma
rede social – 81% -, ante 59% dos eleitores de Haddad.
Também foram os que mais disseram ler notícias sobre
política no WhatsApp. São 57% dos eleitores de Bolsonaro,
enquanto só 38% dos eleitores de Haddad disseram se
informar no aplicativo sobre política.
Direito de imagem Getty Images
Image caption Pesquisador brasileiro criou sistema que
acompanha grupos públicos do WhatsApp no Brasil
Por isso, o resultado do meu experimento mostra mais
notícias falsas publicadas por um polo, o do lado de
Bolsonaro. Mas sabemos que há notícias falsas produzidas
pela esquerda que circularam também, como as de quando
Bolsonaro foi esfaqueado.
Na ocasião, há um mês, foram difundidas em grupos, por
exemplo, áudios e imagens dizendo que o ataque tinha
sido armado – porque não havia sangue, porque os
médicos que lhe atenderam estavam sem luvas ou ainda
porque o presidenciável havia sido registrado sorrindo e
entrando de pé no hospital, muito embora essa última cena
tivesse acontecido no mesmo dia, mas antes do ataque.
Como bem sabemos, Bolsonaro foi vítima, sim, de um
esfaqueamento.
Para chegar aos grupos que monitora, Benevenuto
automatizou uma busca por links de grupos de WhatsApp
com palavras-chave ligadas a política. Ou seja, a entrada
em grupos políticos é tão imparcial e abrangente quanto
possível.
Minha jornada de sete dias começou na
segunda-feira, dia 24 de setembro
Link falso para o Datafolha
O link mais divulgado do dia, compartilhado 45 vezes em
29 grupos, é de uma suposta pesquisa do Datafolha: "Sua
opinião é muito importante para nós! Participe da pesquisa
e confira os resultados das eleições hoje".
Image caption Na segunda-feira, link mais compartilhado
nos grupos monitorados era pesquisa falsa do Datafolha;
site depois saiu do ar
Essa, para mim, como jornalista, é fácil. Imagino que seja
um link falso porque sei que não há pesquisas do Datafolha
conduzidas online. Uma simples busca confirma minha
hipótese: digito "Datafolha WhatsApp" no buscador e o
primeiro resultado é uma reportagem informando que os
links do Datafolha compartilhados em grupos são falsos.
O link original com a notícia falsa já está fora do ar – e é
impossível, portanto, averiguar a quem pertencia e com
que objetivo foi criado.
Imagens contra direitos LGBT e de mulheres
Também vejo que usuários compartilharam em grandes
quantidades imagens contra direitos LGBT e de mulheres.
No sistema, temos: fotos de Haddad com drag queens (9
grupos), a foto de um casal de homens e um deles beijando
um menino, insinuando que se trata de pedofilia (7 grupos
– e a foto, na realidade, é de um casal gay americano com
seu filho), uma imagem de um protesto feminista criticando
a nudez das mulheres (6 grupos) e a foto de dois homens
dando um beijo – sendo que um está vestido como Jesus
(5 grupos).
Uma montagem muito compartilhada mostra o rosto de
Lula e, ao lado, o número 17 – que é de Bolsonaro, não do
PT, de número 13.
Image caption Fotos com montagens circulam nos grupos;
uma delas é de Lula com o número errado, de Bolsonaro,
para votar na urna
Terça-feira, 25 de setembro
'Linchamento virtual'
No manhã seguinte, o conteúdo mais compartilhado do dia
é um link, enviado por 62 pessoas em 46 grupos. É o vídeo
da cantora Daniela Mercury convocando "mulheres contra
Bolsonaro". O vídeo, enquanto escrevo isso, tem 3,2
milhões de visualizações, 24 mil curtidas e 1,2 milhões de
descurtidas.
A mensagem mais compartilhada do dia explica a
quantidade enorme de descurtidas, uma "campanha de
deslike" organizada: "Rumo aos 2 milhões!" "Vamos dar
dislike nos vídeos dos artistas rounet's EleNão. Clica no
link, vai aparecer o vídeo e você clica na mãozinha �� A
diferença do �� para o �� é gigantesca".
Image caption Apoiadores de Bolsonaro organizaram
tabela com descurtidas em vídeos de artistas do
movimento #EleNão
Nos próximos dias, a campanha continuará, pedindo
inscrição no canal do PSL, partido de Bolsonaro – "nesse
momento perdemos para o PT em número de inscritos".
Pede também para que usuários descurtam vídeos de
comerciais de empresas estrelados por artistas como
Anitta, para fazê-los "perderem patrocínio".
Uma tabela sistematizada circulará para contabilizar o
número de curtidas e descurtidas de cada artista. "Vamos
fazer ela perder o patrocinio, só assim esses artistas
sentirão de verdade qual nossa força!"
Quarta-feira, 26 de setembro
Ataque à imprensa
Ataques a veículos de imprensa são frequentes. Vão desde
de mensagens que tentam alavancar conteúdo falso com
frases como: "Isso a imprensa não dá", "Isso a mídia
esconde" até a grotesca falsificação de notícias.
No terceiro dia, acompanhando os grupos, vejo que três
capas de revistas tradicionais no Brasil - Veja, Época e
Exame - são, juntas, compartilhadas em 17 grupos. As
"reportagens de capa" das três mostram o mexicano
Gerardo de Icaza, diretor do Departamento para a
Cooperação e Observação Eleitoral da OEA, assumindo
"fraude nas urnas a favor do PT".
Image caption Mais montagens: na quarta, 26, o boato
mais difundido é contra a imprensa, com capas falsas de
revistas brasileiras
Os criadores de notícias falsas se apropriam de formatos
de notícias reais para dar respaldo à mentira e confundir
quem confia nos meios tradicionais. Sendo jornalista,
consigo identificar isso rapidamente. Esta é outra notícia
falsa facilmente desbancada em uma rápida pesquisa. Não
é capa de nenhuma das três revistas.
Neste dia, há outro ataque à imprensa: seis outros grupos
receberam uma mensagem de uma pessoa que dizia
trabalhar na editora Globo, dizendo que a cúpula da
empresa havia se reunido para orientar atrizes para se
posicionar publicamente contra Bolsonaro nas redes. "A
Globo teve um contrato bilionário com o PT e há décadas
financia a campanha do Lula", diz o texto. A mensagem
tem os típicos sinais de alerta de conteúdo enganoso:
alega algo bombástico sem citar fonte.
Quinta-feira, 27 de setembro
Futurologia enganosa
Decido dar esse nome para outro tipo de mensagem falsa
que tenho observado circular nos grupos. Mensagens e
áudios alertam para o que "vai acontecer nos próximos
dias", principalmente na imprensa. Em um exercício de
futurologia enganosa, os criadores de notícias falsas
parecem criar algumas delas preventivamente.
Esse tipo de notícia falsa também confere à mensagem um
ar premonitório de quem "está por dentro", embora as
"previsões" sejam de coisas que qualquer um conseguiria
prever. Outras, por outro lado, são claramente uma
invenção de coisas que nunca vão acontecer – mas a
mensagem é transmitida e, mesmo que não aconteçam, o
estrago pode já ter sido feito.
Image caption Circulam também mensagens com
'desinformação preventiva', ou seja notícias falsas sobre
coisas que ainda nem aconteceram
Alguns exemplos:
A mensagem da pessoa que trabalharia na editora Globo
diz: "Ainda vão vir muitos outros atores, apresentadores e
ex-BBBs, mas será aos poucos, 2 ou 3 por dia, para não
ficar muito 'na cara'."
Um texto extremamente difundido sobre uma entrevista
supostamente autorizada pela Justiça com Adélio Bispo, o
homem que esfaqueou Bolsonaro, diz que, nos próximos
dias, ele falaria que o atentado foi uma armação. Dizia
também que "essas declarações mentirosas vão ao ar 2
dias antes da eleição" e "a mídia comunista vai bombardear
o 'mito' na TV". O texto pede para o usuário compartilhá-lo
ao máximo para "salvar o Brasil". O apelo para máximo
compartilhamento para "salvar o país" é uma técnica usada
com frequência. A mensagem circulou em ao menos 45
grupos na segunda-feira, em forma de texto e imagem, e
na quinta, ainda tinha fôlego.
Sexta-feira, 28 de setembro
Bolsonaro 'nazista'
A notícia de que o general da reserva Hamilton Mourão,
candidato a vice-presidente de Bolsonaro, havia criticado o
13º salário, fora divulgada no dia anterior. Era provável,
então, que o assunto fosse tema do conteúdo espalhado
pela oposição.
Em poucos grupos, começam a circular imagens sobre o
assunto, sempre associando Bolsonaro ao nazismo.
Exemplo: uma charge em que Mourão diz "vamos acabar
com o 13º salário do trabalhador!" e um Bolsonaro – com
bigode de Hitler – responde "Isto era segredo! Você não
consegue ficar calado?"
Em outro grupo, uma imagem diz "Proposta de 'Bozonazi'
de acabar com 13º e adicional de férias é para depois de
eleito. Era sigilo de campanha. Mourão só antecipou". Uma
terceira: "O governo militar do Bozo nem começou e já
temos um desaparecido. Paulo Guedes...", em referência
ao economista que participa da campanha do PSL.
Ou seja, parte das mensagens mistura piada,
descontextualização com conteúdo difamatório como a
ligação de Bolsonaro a Hitler. No caso do 13º, Bolsonaro
havia desautorizado seu vice dizendo que se tratava de um
artigo protegido por uma cláusula pétrea da Constituição e
que, portanto, não poderia ser revogado. Alguns
especialistas dizem que a cláusula pétrea que protege "os
direitos e garantias individuais" impediria uma emenda que
derrubasse o 13º.
Image caption Padrão de áudios que circulam no
WhatsApp: conversa entre 'amigos' que parece ter sido
vazada fala bem de candidato | Ilustração Brum
Sábado, 29 de setembro
Áudios de 'gente como a gente'
No penúltimo dia acompanhando os grupos, fica clara a
técnica do áudio "intimista", ou seja, de alguém "gente
como a gente" que demonstra simpatia por um candidato -
algo que ouvi durante a semana inteira.
Observei alguns padrões que só ficaram claros quando
observei as mensagens em conjunto:
Os narradores são, em sua maioria, homens
Homens que contam histórias banais da vida real – alguma
situação que teria acontecido com eles e que envolve
algum candidato
Usam maneiras muito informais de endereçar o ouvinte,
como se o conhecesse, como se aquela mensagem
inicialmente tivesse como destinatário um amigo e "caiu na
rede"
E que vivem situações impossíveis ou quase impossíveis
de serem checadas
Minha hipótese é que esse tipo de áudio provoca
familiaridade, proximidade e simpatia – até para mim,
enquanto analiso esse conteúdo e escuto as gravações.
Image caption Áudios que circularam ao longo da semana
no WhatsApp tinham padrões como voz masculina e
intimidade com interlocutor
Dos áudios que mais circularam ao longo da semana,
temos:
O taxista carioca – que não sabemos se é taxista ou não –
trabalhando durante as manifestações (no protesto contra
Bolsonaro, havia "cheirão de maconha" e "geral bebendo";
já no favorável ao candidato só "o povo de bem mesmo,
quem não gosta de sacanagem"). "Eu vi isso, não foi
ninguém que me contou, não, eu tô aqui na pista
trabalhando", diz. Seu áudio começa com ele dizendo:
"C..., Valverde, hoje eu tô trabalhando só nas
manifestações."
O motoqueiro mineiro – que também não sabemos se é de
fato um motoqueiro ou não – que conta ter entrado numa
loja da Boticário em Lagoa Santa (MG) e assustado a
atendente porque estava de capacete. "Mas quando ela viu
que eu estava com a camisa do Bolsonaro, ela já
tranquilizou na mesma hora. 'Bandido não anda com
camisa do Bolsonaro, não.'" "Olha pra você ver, cara, que
interessante, a imagem que o cara que já passou pela
sociedade (...) Olha o diferencial, véi. Que coisa boa." Esse
começa o áudio dizendo: "Fala, Zé Teo, beleza? Aqui, olha
que interessante, cara". (Detalhe: liguei para a loja da
Boticário em Lagoa Santa. Já ciente do áudio, uma
funcionária da loja disse que a situação narrada nunca
aconteceu.)
O turista carioca em Cuba – a essa altura não preciso dizer
que não sabemos se é um turista carioca em Cuba ou não
– que diz que tudo o que conversou "lá com o povo é
exatamente o que estamos vivendo agora no país", em um
tom alarmista. O tal turista começa a contar sua história
assim: "Porra, Jorge, fui lá naquela merda para ver como é
esse esquema aí de abrirem para o turismo".
O turista carioca no Chile – "Ô, Léo", começa o áudio, "Fui
pro Chile esquiar e encontrei com três americanas com
mais de 60 anos". O narrador diz que as mulheres falam
que o presidente americano Donald Trump "é um babaca,
parece uma criança", mas que é "bom governante" e quem
não gosta dele são "quem fuma maconha, os artistas, os
que moram com os pais". O narrador diz, então, que a
mesma coisa vale para o Bolsonaro. "Eu odeio o Bolsonaro
e vou votar nele!", diz, com humor. A primeira vez que eu
ouvi o áudio, por meio do sistema, foi na segunda-feira,
compartilhado em 20 grupos. O áudio teve fôlego de quase
uma semana.
É impossível verificar a origem de um áudio no WhatsApp.
Image caption No fim de semana, houve uma guerra de
versões sobre as manifestações a favor e contra Bolsonaro
Domingo, 30 de setembro
Guerra de versões das manifestações
O fim de semana foi marcado por uma disputa de versões
sobre as manifestações contra o Bolsonaro, no sábado, e a
seu favor, no domingo, circulando no Facebook e Twitter.
Era de se esperar que as narrativas fossem parar no
WhatsApp.
Um vídeo compartilhado por 22 usuários em 19 grupos
mostra a avenida Paulista, em São Paulo, coberta de
manifestantes usando verde e amarelo. A mensagem que
acompanha o vídeo diz: "A Globo admitiu ao vivo que
manifestação pró Bolsonaro é a maior da história". No
vídeo, a jornalista da GloboNews afirma que a Polícia
Militar "acabou de atualizar que o número de manifestantes
na Paulista chegou a um milhão", enquanto as imagens
eram mostradas.
Até parecia crível. Mas uma busca rápida pelas palavras-
chave seria suficiente para desmonta a versão. "Protesto 1
milhão Globonews", digito no Google. Era um vídeo de
março de 2015 e o protesto era contra Dilma Rousseff.
Em um dos grupos de que faço parte, um usuário
compartilha a capa do jornal O Globo, cuja foto principal
era do protesto contra Bolsonaro na Cinelândia. A
mensagem que acompanha: "Foto do Globo de hoje
mostrando a Cinelândia cheia... ao fundo o prédio que
desabou a (sic) seis anos atrás, intacto! kkkkkk Ainda bem
que eles são burros". Um segundo usuário envia vários
emojis batendo palma. Não há uma reação dos outros
integrantes do grupo, não há conversa. Mais gente cola
outros links por cima. Não dá para saber o quanto ela foi
lida ou absorvida ou repassada pelas outras pessoas.
A foto publicada na capa do jornal O Globo era verdadeira.
Image caption A capa do jornal O Globo é verdadeira; falsa
é a versão de que a foto do jornal estava incorreta - quem
circulou o lugar onde deveria haver um prédio estava
incorreto em sua versão
"Foi num afã que enviei", justificou depois em conversa
comigo o técnico de informática paulistano Cleber Machado
Leão, de 41 anos, o usuário que mandou a notícia no
grupo. "Eu recebi a notícia, que me ganhou e me
convenceu porque, de fato, era o que parecia que estava
acontecendo, eu achava que estavam tentando inflar o
protesto, então resolvi correr esse risco."
Questionado sobre por que não corrigiu o erro ao descobrir
que havia compartilhado uma informação falsa, ele disse:
"Perdi a referência de qual era o grupo em que eu tinha
enviado". Leão, eleitor de Bolsonaro, participa de "uns 40
grupos" para "sentir o termômetro político" da população.
"Não dá para se informar muito nos grupos porque tem
muita notícia falsa e tem muito ruído", afirma. "Mas, nos
grupos, eu consigo ver mil pessoas falando e, por isso,
acabo conhecendo mais opiniões que eu não conheceria
durante o dia, quando eu não consigo ver tanta gente."
Quase todas informações falsas que eu encontrei durante
os sete dias já haviam sido checadas pela imprensa
brasileira. Bastava procurar por palavras-chaves no
buscador.
Para o professor Fabrício Benevenuto, os grupos públicos
podem ser "uma porta de entrada para a desinformação
dentro do WhatsApp".
Por meio do projeto em que os monitora, diz, abre uma
"pequena fresta" para ver o que está acontecendo nesse
ecossistema. Com pessoas bem engajadas dentro dos
grupos públicos e com a facilidade de repassar
mensagens, a hipótese é que elas repassem as
informações dos grupos públicos para os privados. "E aí
em diante vai espalhando dentro de toda a rede do
WhatsApp", diz o pesquisador.
Direito de imagem Reuters
Image caption Para especialista, pessoas tendem a confiar
mais em informação de WhatsApp repassada em grupos
privados porque vem de pessoas confiáveis
Nos grupos privados, acrescenta, a informação é
repassada por alguém que é amigo, vizinho, parente. "Você
confia na pessoa que te passou aquilo e passa a acreditar
naquela informação, e não na que foi transmitida pela
grande mídia", afirma Benevenuto, que defende uma ação
do WhatsApp que crie soluções tecnológicas impedindo a
disseminação de informações falsa no aplicativo.
Seu sistema está sendo usado por jornalistas do
Comprova, projeto de verificação de notícias com 24
veículos de comunicação brasileiros liderado pela Abraji e
pelo laboratório de pesquisa First Draft News, ligado à
Harvard.
Na avaliação de Yasodora Córdova, pesquisadora da
Digital Kennedy School e do First Draft News, de Harvard,
que trabalha com o Comprova no Brasil, a desinformação
que circula no WhatsApp, de forma geral, é a mesma que
circula em outras redes sociais. O problema não é a rede,
diz ela, é o que foi "varrido para debaixo do tapete" na
sociedade brasileira que, segundo ela, está na Idade da
Pedra em termos de debate público.
E o que o país precisa para combater desinformação?
Educação, fontes de informação confiáveis e locais,
concessões de meios de comunicação menos enviesadas.
"O WhatsApp só adicionou escala para esses problemas."
Questionado, o WhatsApp afirmou, via assessoria de
imprensa, que esses grupos públicos "compõem uma
porcentagem muito pequena de utilização do WhatsApp" e
que 90% das mensagens enviadas são entre duas
pessoas. "A maioria dos grupos tem dez ou menos
pessoas."
Direito de imagem Getty Images
Image caption A cena de um linchamento em Tripura, na
Índia, por causa de um boato espalhado pelo WhatsApp; no
país, aplicativo limitou para 5 pessoas o máximo de
encaminhamentos que um usuário pode fazer
Também afirmou que a empresa está trabalhando com
entidades de checagem de fatos no Brasil, como o
Comprova. Além disso, o aplicativo criou um marcador que
mostra que a mensagem recebida foi encaminhada por
outra pessoa e não escrita originalmente por ela e fez "uma
campanha de educação em larga escala no Brasil e em
outros países sobre desinformação".
Segundo a empresa, ela também começou a testar um
limite de encaminhamento de mensagens no WhatsApp –
na Índia, depois que notícias falsas compartilhadas no
aplicativo levaram ao linchamento de inocentes, foi imposto
um limite de encaminhamento para 5 pessoas por usuário.
No Brasil e no mundo, o limite é de 20 pessoas.
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