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CERS | REVISTA CIENTÍFICA DISRUPTIVA | VOLUME III | NÚMERO 1 | JAN-JUN / 2021 ENSINO JURÍDICO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: LEVANDO A SÉRIO A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NOS CURSOS DE DIREITO Rodrigo Mioto dos Santos 1 Luiz Magno Pinto Bastos Júnior 2 Alexandre Morais da Rosa 3 RESUMO: Partindo do pressuposto de que os cursos de graduação em Direito precisam atender a um pressuposto ético fundamental 1 possui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (2004) e é Mestre em Filosofia e Teoria do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2006). Atualmente é professor do curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), Campus Kobrasol São José. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Filosofia e Teoria do Direito, Teoria e Direito Constitucional, Processo e Direito Penal bem como Direitos Humanos, atuando principalmente como os seguintes temas: argumentação jurídica, garantias processuais penais constitucionais, teoria do delito, Direito Internacional dos Direitos Humanos e Educação em Direitos Humanos. É, ainda, professor nos cursos de pós-graduação lato sensu da Escola do Ministério Público de Santa Catarina e em Direito Constitucional, Gestão Escolar e Psicopedagogia da Universidade do Vale do Itajaí. Coordena, ademais, o Observatório do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e o Projeto de Extensão Universitária Educação em Direitos Humanos. https://orcid.org/0000-0002-7918-2796 2 Pós-Doutor pelo Centro de Direitos Humanos e Pluralismo Jurídico da Universidade McGill (Montreal, Canadá). Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), nas disciplinas de Direito Constitucional, Direito Eleitoral e Direitos Humanos no curso de Graduação em Direito. É advogado militante nas áreas de direito eleitoral e direito administrativo (Sócio do Escritório Menezes Niebhur Advogados Associados). Vice-Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SC. É membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP) e Academia Catarinense de Direito Eleitoral (ACADE). Coordenador do Observatório do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (UNIVALI). Editor-chefe da Revista Resenha Eleitoral (TRE/SC). https://orcid.org/0000-0001-6054-960X 3 Doutor em Direito (UFPR), com estágio de pós-doutoramento em Direito (Faculdade de Direito de Coimbra e UNISINOS). Mestre em Direito (UFSC). Professor Associado de Processo Penal da UFSC. Professor do Programa de Graduação, Mestrado e Doutorado da UNIVALI. Juiz de Direito do TJSC. Membro Honorário da Associação Ibero Americana de Direito e Inteligência Artificial/AID-IA. Pesquisa Novas Tecnologias, Big Data, Jurimetria, Decisão, Automação e Inteligência Artificial aplicadas ao Direito Judiciário, com perspectiva transdisciplinar. Coordena o Grupo de Pesquisa SpinLawLab (CNPq UNIVALI). https://orcid.org/0000-0002-3468-3335 RECEBIDO EM: 11/05/21 ACEITO EM: 23/06/21 VOLUME III | NÚMERO 1 | JAN-JUN / 2021

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ENSINO JURÍDICO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: LEVANDO A SÉRIO A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NOS

CURSOS DE DIREITO

Rodrigo Mioto dos Santos1 Luiz Magno Pinto Bastos Júnior2

Alexandre Morais da Rosa3

RESUMO: Partindo do pressuposto de que os cursos de graduação em Direito precisam atender a um pressuposto ético fundamental

1 possui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (2004) e é Mestre em Filosofia e Teoria do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2006). Atualmente é professor do curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), Campus Kobrasol São José. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Filosofia e Teoria do Direito, Teoria e Direito Constitucional, Processo e Direito Penal bem como Direitos Humanos, atuando principalmente como os seguintes temas: argumentação jurídica, garantias processuais penais constitucionais, teoria do delito, Direito Internacional dos Direitos Humanos e Educação em Direitos Humanos. É, ainda, professor nos cursos de pós-graduação lato sensu da Escola do Ministério Público de Santa Catarina e em Direito Constitucional, Gestão Escolar e Psicopedagogia da Universidade do Vale do Itajaí. Coordena, ademais, o Observatório do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e o Projeto de Extensão Universitária Educação em Direitos Humanos. https://orcid.org/0000-0002-7918-2796 2 Pós-Doutor pelo Centro de Direitos Humanos e Pluralismo Jurídico da Universidade McGill (Montreal, Canadá). Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), nas disciplinas de Direito Constitucional, Direito Eleitoral e Direitos Humanos no curso de Graduação em Direito. É advogado militante nas áreas de direito eleitoral e direito administrativo (Sócio do Escritório Menezes Niebhur Advogados Associados). Vice-Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SC. É membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP) e Academia Catarinense de Direito Eleitoral (ACADE). Coordenador do Observatório do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (UNIVALI). Editor-chefe da Revista Resenha Eleitoral (TRE/SC). https://orcid.org/0000-0001-6054-960X 3 Doutor em Direito (UFPR), com estágio de pós-doutoramento em Direito (Faculdade de Direito de Coimbra e UNISINOS). Mestre em Direito (UFSC). Professor Associado de Processo Penal da UFSC. Professor do Programa de Graduação, Mestrado e Doutorado da UNIVALI. Juiz de Direito do TJSC. Membro Honorário da Associação Ibero Americana de Direito e Inteligência Artificial/AID-IA. Pesquisa Novas Tecnologias, Big Data, Jurimetria, Decisão, Automação e Inteligência Artificial aplicadas ao Direito Judiciário, com perspectiva transdisciplinar. Coordena o Grupo de Pesquisa SpinLawLab (CNPq UNIVALI). https://orcid.org/0000-0002-3468-3335

RECEBIDO EM: 11/05/21 ACEITO EM: 23/06/21

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ENSINO JURÍDICO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: LEVANDO A SÉRIO A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NOS CURSOS DE DIREITO

de preparar o aluno para o que ele irá, no futuro, realmente enfrentar, o artigo principia com um resgate histórico da crise do ensino do Direito e de sua permanência na contemporaneidade, seja do ponto de vista dos conteúdos ensinados, seja do ponto de vista das metodologias preponderantemente utilizadas. O argumento central do artigo é que sendo o Direito, em sua essência, uma tentativa de regular boa parte desse mundo da vida hoje fortemente dominado pela inteligência artificial, ao mesmo tempo que ele próprio, no seu modus operandi, é por ela atingido, não podem os cursos de Direito furtarem-se à incumbência de fornecer formação acadêmica que prepare para o que hoje se tem e para o que brevemente se terá. Nesse sentido, adotando uma lógica de construção dedutiva, após discorrer sobre a constante e recorrente crise do ensino jurídico, e de estabelecer a inteligência artificial como um dado do presente e do futuro, este artigo apresenta algumas propostas, sejam no plano conteudístico, sejam no plano metodológico, para uma tão urgente quanto necessária reforma do modo como o Direito é compreendido e, por consequência, ensinado nos cursos jurídicos do País. PALABRAS CLAVES: ensino jurídico; inteligência artificial; transformação digital; reforma curricular e metodológica; diretrizes curriculares.

LEGAL EDUCATION AND ARTIFICIAL INTELLIGENCE: TAKING DIGITAL TRANSFORMATION SERIOUSLY IN LAW COURSES

ABSTRACT: Assuming that undergraduate courses in Law need to meet a fundamental ethical assumption of preparing students for what they will actually face in the future, the article begins with a historical review of the crisis in the teaching of Law and its permanence nowadays, either from the point of view of the contents taught, or from the point of view of the predominantly used methodologies. The main argument of the article is that since the Law, in its essence, is an attempt to regulate a large part of this world of life today strongly dominated by artificial intelligence, at the same time that it, in its modus operandi, is affected by it, not Law courses can avoid the task of academic training that prepares itself for what is now available and what will soon be available. In this sense, adopting a logic of deductive construction, after discussing the constant and recurrent crisis of legal education, and establishing an artificial intelligence as a data of the present and the future, this article presents some proposals, whether in the content or in the methodological plan, for one as urgent as the necessary reform of the way the Law is understood and, consequently, taught in the country's legal courses.

KEYWORDS: legal education; artificial intelligence; digital transformation; curriculum and methodological reform; curricular guidelines.

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ENSINO JURÍDICO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: LEVANDO A SÉRIO A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NOS CURSOS DE DIREITO

EDUCACIÓN JURÍDICA E INTELIGENCIA ARTIFICIAL: TOMAR EN SERIO LA TRANSFORMACIÓN DIGITAL

EN LOS CURSOS DE DERECHO

RESUMEN: Asumiendo que los cursos de licenciatura en Derecho deben cumplir con un supuesto ético fundamental de preparar a los estudiantes para lo que realmente enfrentarán en el futuro, el artículo comienza con una revisión histórica de la crisis en la enseñanza del Derecho y su permanencia en la contemporaneidad, ya sea desde el punto de vista desde el punto de vista de los contenidos impartidos, o desde el punto de vista de las metodologías predominantemente utilizadas. El argumento principal del artículo es que dado que el Derecho, en su esencia, es un intento de regular gran parte de este mundo de la vida hoy fuertemente dominado por la inteligencia artificial, al mismo tiempo que, en su modus operandi, se ve afectado con ella, los cursos de derecho no pueden evitar la tarea de brindar una formación académica que prepare para lo que ahora está disponible y lo que pronto estará disponible. En este sentido, adoptando una lógica de construcción deductiva, luego de discutir la crisis constante y recurrente de la educación jurídica, y establecer la inteligencia artificial como dato del presente y del futuro, este artículo presenta algunas propuestas, ya sea en el contenido o en la metodología, para una urgente y necesaria reforma de la forma en que se entiende el Derecho y, en consecuencia, se enseña en los cursos jurídicos del país.

PALABRAS CLAVE: educación jurídica; inteligencia artificial; transformación digital; reforma curricular y metodológica; lineamientos curriculares.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 A SEMPRE PRESENTE CRISE DO ENSINO JURÍDICO; 3 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DIREITO: O ATUAL (E SEMPRE) DEFASADO ESTADO DA ARTE; 4 DIRETRIZES NACIONAIS DO DIREITO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: POSSÍVEIS DIÁLOGOS; 5 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E ENSINO DO DIREITO: DO “O QUÊ” SE ENSINA AO “COMO” SE ENSINA; 5.1 A revolução tecnológica entre o hoje e o amanhã do Sapiens e o dever ético das graduações; 5.2 Os conteúdos jurídicos na Era da Inteligência Artificial; 5.3 As metodologias ativas como trunfos na Era da Inteligência Artificial; 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO

Algoritmos, vieses, heurística, big data e inteligência artificial, de um lado; exercício sobre contagem de prazo processual, memorização de artigos de leis pouco aplicados e peças processuais feitas com base em modelos já históricos, de outro. Enquanto no mundo da vida, a era da inteligência artificial já chegou, os cursos de Direito pelo Brasil em alguma medida encontram-se na metade do século XX, se é que em algum momento histórico foi realmente importante dedicar parte da aula para ensinar alguém a contar prazo.

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ENSINO JURÍDICO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: LEVANDO A SÉRIO A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NOS CURSOS DE DIREITO

A crise do ensino jurídico parece ter sempre existido. Como adiante será visto, escritos sobre tal crise são persistentes e recorrentes. E nesse sentido, o passado se faz presente, insistindo em fazer do ensino do Direito um campo muito fértil para a crítica. E é aqui, no presente, e logo ali, no futuro, que este artigo se detém. É evidente que a história não se fragmenta em blocos que são descartados à medida que o tempo avança, razão pela qual o “Direito de hoje” não supera e ignora o “Direito de ontem”, muito pelo contrário, pois dele segue bebendo e com ele ainda guarda importantes e originárias conexões; daí ser tão significativa a alegoria de Ronald Dworkin de que o direito é um “romance em cadeia”. Mas o fato é que sendo por excelência uma esfera de regulação da vida, o Direito, assim como o ensino dele, precisam acompanhá-la. E esse, veremos, não é o quadro atual. E isso, como já exposto, não é novidade.

O ensino sempre deve(ria) prestar contas à realidade. Isso não significa, por óbvio, que apenas se deva trabalhar a vida como ela é, mas que o que acontece no mundo da vida precisa fazer com que o ensino faça sentido. Isso para todos os âmbitos do ensino e, inclusive e talvez especialmente para o superior, que tem como um de seus principais objetivos a preparação do discente ao mundo do trabalho, pois daquele que deixa a universidade, não apenas se espera uma especialidade em determinado ramo do saber, mas especial e significativamente uma capacidade de criticamente pensar esse saber e a realidade sobre a qual ele atua(rá).

Ocorre que a crise permanente do ensino do Direito é porque ele costuma estar sempre atrasado, como os zagueiros que enfrentavam Diego Armando Maradona, para aqui usar uma metáfora futebolística que homenageia um ícone do esporte na América Latina. E o início do século XXI é prova isso. O ensino ministrado nas Instituições de Ensino Superior, o Exame de Ordem, os concursos públicos e boa parte da publicação bibliográfica do mainstream ainda estão, por vezes com roupagens diversas, na época de Caio, Tício e Mévio. Uma reflexão sempre importante a se fazer é o quanto alguém que estudou Direito há 25, 50, 100, 200 ou 500 anos talvez não se sentiria totalmente deslocado em uma sala de aula de Direito do século XXI em terra brasilis (se desprezássemos alguns poucos recursos tecnológicos que são utilizados para reproduzirem o modelo professoral de antes).

Este artigo situa-se nesse fértil campo de análise da (persistente) crise do ensino do Direito, mas com uma hipótese um tanto quanto nova: de que tal crise nunca foi tão profunda. Isso porque, principiando por um rápido resgate histórico da crise, defendemos que ela, sim, continua firme entre nós, mas hoje – e especialmente amanhã – com o acréscimo de uma dose generosa de disrupção: alguns gigabytes e potentes algoritmos dotados de IA (inteligência artificial) têm colonizado o mundo da vida de uma maneira surpreendente, e por consequência, o mundo do Direito (ainda que o próprio Direito, disso muitas vezes nem se dê conta). Em suma: o final do século XX e o início do XXI têm assistido a um avanço exponencial da inteligência artificial e sua correlata “colonização do mundo da vida”, o que faz desses tempos atuais de transformação digital o momento ideal – diríamos, mesmo, o momento fatal – para um giro paradigmático em matéria de ensino jurídico.

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ENSINO JURÍDICO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: LEVANDO A SÉRIO A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NOS CURSOS DE DIREITO

Limitando o fenômeno ao caso brasileiro, pode-se dizer que desde o advento da internet (que por aqui se “populariza” entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000), o avanço da tecnologia e da inteligência artificial tem transcorrido em uma velocidade absolutamente incompatível com o gingado jurídico. Faz pouco mais de duas décadas que surgiram os primeiros provedores de e-mail, a internet com conexão discada, os armazenamentos de arquivos em disquetes com capacidade de 1.44 megabytes (mal cabia uma única música em mp3) e os poderosos computadores de 100 MHZ, que em matéria da Folha de São Paulo de 19 de fevereiro de 1997 são definidos como os “topo de linha” de meados de 1996 (100 MHz, 1997). Nessa época, máquinas de escrever ainda eram bastante presentes no Judiciário. Hoje, na era do processo eletrônico, há quem esteja ensinando robôs a julgarem (BOEING; MORAIS DA ROSA, 2020), e em que pese toda a discussão sobre as possibilidades reais e normativas de tal julgamento por inteligência artificial4, essa discussão tem avançado rapidamente em nichos específicos ao passo que se encontra absolutamente alheia dos debates travados nas salas de aula, em sentido metafórico, dos cursos de Direito.

O objetivo, pois, deste artigo, após uma rápida apresentação desta crise do ensino do Direito e da carga de disrupção provocada pela revolução tecnológica, é discutir, a título de proposta inicial de debate, quais caminhos podem seguir o ensino do Direito. Afinal de contas, o diploma entregue ao egresso, após o percurso da graduação, não pode mais se constituir em um documento que somente ateste que o mesmo obteve o grau de Bacharel em Direito. A questão que se apresenta às instituições (e ao ensino do Direito) é muito mais profunda: como a forma de reproduzir o ensino do direito foi capaz de possibilitar ao seu egresso meios para lidar com o presente-futuro.

Esses caminhos, em verdade, longe de se mostrarem como hipóteses normativas de como o ensino do Direito deve ser, têm por objetivo refletir sobre como minimamente adequar-se à disrupção pela qual o próprio Direito tem passado. São, em suma, algumas hipóteses de trabalho para que aqueles que “ensinam” o Direito com responsabilidade possam sobre sua práxis refletir, inclusive quanto à impossibilidade epistemológica de “ensinar” a alguém o Direito que é um porvir.

Como as práticas pedagógicas voltadas ao ensino do Direito serão amanhã, ainda não sabemos (não podemos saber). Trata-se, pois, de debate em aberto. O que este pequeno ensaio gostaria de deixar claro, por entender ponto pacífico – ao menos discursivamente –, é que o ensino de Direito não pode ser nem uma cópia do passado, tampouco uma repetição dos erros do presente. A Era da Inteligência Artificial revolucionará todos os âmbitos da vida, inclusive o Direito. Ou as instituições de ensino se adequam ou deixarão (ainda mais) de fazer sentido.

4 A discussão mais completa sobre a (im)possibilidade normativa de um juiz-robô em língua portuguesa é feita por GRECO, Luís. Poder de julgar sem responsabilidade: a impossibilidade jurídica do juiz-robô. São Paulo, SP: Marcial Pons, 2020.

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2 A SEMPRE PRESENTE CRISE DO ENSINO JURÍDICO

Em 1987, José Eduardo Faria publicava uma obra que se tornaria um clássico na reflexão sobre o ensino do Direito no Brasil: A Reforma do Ensino Jurídico (FARIA, 1987a). Nela o autor – professor titular de Sociologia Jurídica da USP – fazia a crítica do modelo de ensino vigente naquele efervescente período pré-1988.5 O trabalho condensava resultados de pesquisas iniciadas em 1980, e fora apresentado de forma resumida em artigo publicado em 19866 (FARIA, 1986), ocasião em que o autor já chamava a atenção para o fato de que a realidade exigia do estudante de Direito “um saber crescentemente multidisciplinar e anti-formalista” (FARIA, 1986, p. 47). Naquela ocasião, escreveu José Eduardo Faria:

Não se deve mais manter o ensino jurídico preso e confinado aos limites estreitos e formalistas de uma estrutura curricular excessivamente dogmática, na qual a autoridade do professor representa a autoridade da lei e o tom da aula magistral permite ao aluno moldar-se ou adaptar-se acriticamente à linguagem da autoridade. Não se trata, é óbvio, de desprezar o conhecimento jurídico especializado. Trata-se, isto sim, de conciliá-lo com um saber genético sobre a produção, a função e as condições de aplicação do direito positivo. (FARIA, 1986, p. 48).

O que mais espanta é que hoje, em 2021, essa citação postada em uma rede social seria seguida de curtidas, comentários de apoio e compartilhamentos, como se de um diagnóstico atual se tratasse. E estamos, na verdade, falando de um período de quase 40 anos. Todo o texto apresentado por José Eduardo Faria, e que faz o diagnóstico no contexto de um dos cursos mais tradicionais do Brasil (o da Universidade de São Paulo), é repleto de críticas à “concepção da cultura jurídica como um simples repertório fixo e imóvel de dogmas”, à transmissão de “informação de caráter meramente instrumental”, ao “senso comum teórico dos juristas de ofício” (Warat), à “ilusão de um ensino neutro”, ao risco de oferecimento aos estudantes somente de “informações a respeito de institutos jurídicos vinculados a situações e contextos desaparecidos ou em fase de desaparecimento”, etc., etc., etc. (FARIA, 1986, p. 48-55).

Essa crise que José Eduardo Faria apontava, em uma escola de Direito como a da USP, nos anos 1980, não só permanece atual como hoje é ainda mais agravada. Praticamente todas as críticas que se dirigiam ao ensino jurídico naquela época hoje persistem: (1) grades curriculares burocráticas excessivamente voltadas para o ensino (sem grandes pitadas de criticidade) da letra da lei (não por acaso ser o vademecum o “livro sagrado” de parte expressiva dos estudantes); (2) disciplinas propedêuticas de formação básica indispensáveis para uma real compreensão do fenômeno jurídico cumprindo funções meramente protocolares na grade – ramos do saber como antropologia, psicologia, economia, história do direito, ciência política, filosofia e

5 A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) reflete sobre o tema desde muito antes. É significativo da persistente crise do ensino jurídico um texto de Cesarino Júnior, de 1954, intitulado “O Ensino do Direito” e que versa, justamente, sobre a tão debatida crise do modelo. Cf. CESARINO JÚNIOR, 1954. 6 O artigo em questão, como explica o próprio autor, é a “Versão condensada do relatório sobre a reforma do curso jurídico apresentado à Comissão de Ensino da FD-USP em março de 1986”.

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sociologia por vezes amargam 30h de carga horária, por vezes amargam o status de optativas, por vezes amargam o destino da disciplina EaD ou, ainda, por vezes amargam um “destino combo”, que combina duas ou mais das citadas amarguras; (3) grades estritamente fechadas sem grandes espaços para que estudantes construam seu currículo de forma mais customizada e condizente com seus anseios formativos; (4) ausência de pesquisa e extensão formadoras do tripé universitário ao lado do ensino; (5) professoras e professores sem a devida formação pedagógica, muitas vezes profissionais liberais ou funcionários públicos que entendem a docência como o lugar de “se passar o que se sabe”; (6) prática jurídica quase estritamente ligada a ações individuais da área cível, as quais, em que pese a importância social para quem pelo escritório modelo é atendido, têm pouco impacto na formação do estudante; (7) professoras e professores com remuneração restrita à hora-aula em sala de aula, o que inviabiliza qualquer avanço real e efetivo em termos de metodologias ativas como sala de aula invertida e aprendizagem baseada em projetos; (8) ausência de estudo aprofundado e crítico das disciplinas jurídicas de formação (como teoria do direito e direito constitucional), que abandonaram autores clássicos e densos em detrimento de slides, aulas no YouTube e, quando muito, livros com propostas esquematizadas ou afins; (9) processos avaliativos quase que exclusivamente restritos a provas de múltipla escolha com questões praticamente alheias a qualquer criticidade e geralmente copiadas de sites que oferecem questões de concursos públicos, e, por fim, (10) um número expressivo de alunas e alunos com importantes déficits formativos de base e com o único interesse de, com o diploma, obter aprovação em concurso público, independentemente de uma formação que permita um exercício republicano daquela função que o cargo exigirá.

Esse quadro, que já seria preocupante há 40 anos, torna-se ainda mais problemático à medida em que os cursos de Direito lideram as matrículas do ensino superior no Brasil7 e que, por exemplo, o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil – um exame de suficiência que em uma prova exige 50% de acertos e na outra 60% – somente aprova na primeira tentativa 40% dos participantes (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2020a).8

E não bastasse a crise antes relatada e os preocupantes números sobre a qualidade do ensino oferecido, a grande pergunta educacional do início do século XXI, seja em qual área for, é sobre o que exatamente deve ser ensinado na perspectiva de uma formação que faça algum sentido para o século que se inicia. Por isso, no contexto específico do Direito, é bastante pertinente a provocação de Celso Campilongo e José Eduardo Faria, para os quais:

A reforma do ensino jurídico deve responder a este desafio: colocar a educação jurídica em condições de oferecer aos estudantes os instrumentos que lhes permitam entender a realidade da perspectiva especificamente jurídica, mas sem perder 7 Segundo o Censo da Educação Superior de 2017, os cursos de Direito detinham 10,6% das 8,3 milhões de matrículas do ensino superior brasileiro (879.800). 8 Dados números completos sobre o ensino do Direito e o Exame de Ordem no Brasil podem ser obtidos no documento Exame de Ordem em Números (Volume 4, 2020), de autoria da OAB e da FGV e que pode ser acessado aqui: https://www.conjur.com.br/dl/exame-ordem-numeros1.pdf

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ENSINO JURÍDICO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: LEVANDO A SÉRIO A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NOS CURSOS DE DIREITO

a dimensão do diálogo com os demais saberes. Do contrário, o profissional do Direito perderá relevância. (CAMPILONGO; FARIA, 2014)

Bem, se essa afirmação está correta, o cenário que será exposto no item a seguir exigirá “alguma” reflexão por parte de quem pensa o ensino do Direito no Brasil, pois ninguém quer que o profissional do Direito perca relevância.

3 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DIREITO: O ATUAL (E SEMPRE) DEFASADO ESTADO DA ARTE

Por inteligência artificial, neste artigo, entende-se – na perspectiva de um autor que a aborda no contexto do direito – “[...] a possibilidade de que as máquinas, em alguma medida, ‘pensem’, ou melhor, imitem o pensamento humano a partir do apreender e utilizar as generalizações que nós pessoas utilizamos para tomar nossas decisões habituais9” (NIEVA-FENOLL, 2018, p. 20). Como acontece com vários outros conceitos, o de Jordi Nieva-Fenoll centra-se na figura do agente inteligente não-humano, ou no “robô” (não necessariamente com a aparência de Robocop) que possa substituir – muitas vezes com maior eficiência e precisão – o trabalho humano. O tema conta hoje com uma vasta e cada vez mais pujante bibliografia, desde obras mais técnicas (RUSSEL; PETER, 2004), a obras mais filosóficas (COPELAND, 1996), por assim dizer.

Os usos da IA no mundo da vida são cada vez mais presentes e impressionantes: 1) os carros autônomos seguem com rápido desenvolvimento e hoje já desenvolvem boas tarefas sem a necessidade de controle humano, sendo que os primeiros caminhões praticamente independentes – de nível 4 numa escala máxima de 5 – já estão entre nós (RAMOS, 2020); 2) o robô Watson, da IBM, já auxilia médicos seus trabalhos, pois é capaz de ler artigos científicos, vasculhar e interpretar gigantescas bases de dados e propor diagnósticos; 3) AlphaGo, inteligência artificial desenvolvida pela Google para jogar o milenar go, derrotou Ke Jie, o até então imbatível campeão mundial; 4) todos os meses, os 115 milhões de usuários do Waze no mundo percorrem em média 28 bilhões de quilômetros e reportam mais de 60 milhões de acidentes; 5) em parceria com a startup Synthesia, a tradicional e conceituada Reuters criou um apresentador de TV virtual para um programa esportivo, com capacidade até mesmo para elaborar as próprias notícias; 6) a farmacêutica japonesa Sumitomo Dainippon Pharma e a startup britânica Exscientia se uniram e, graças à IA, desenvolveram um medicamento para TOC (transtorno obsessivo compulsivo) em 12 meses, contra os quatro anos e meio que, em média, se utiliza com os métodos convencionais.

Esses são apenas alguns, e mais compreensíveis e “midiáticos”, exemplos do uso atual da IA. E para quem acha que se possa estar exagerando nas potencialidades da IA no médio e no longo prazo, caberia, por exemplo, mencionar recente pesquisa em que um robô obteve 90% de êxito no diagnóstico de câncer de pulmão, ao que alguém

9 Tradução livre de: “[...] la posibilidad de que las máquinas, en alguna medida, «piensen», o más bien imiten el pensamiento humano a base de aprender y utilizar las generalizaciones que las personas usamos para tomar nuestras decisiones habituales.”

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ENSINO JURÍDICO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: LEVANDO A SÉRIO A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NOS CURSOS DE DIREITO

poderia objetar que ainda há 10% de erro. Tudo bem, esses 10% precisam de correção, mas pelo menos o caminho de aperfeiçoamento do robô é percentualmente menor do que o dos humanos, pois na mesma pesquisa o índice de êxito de médicos especializados no diagnóstico foi de bem inferiores 50% (HARARI, 2016, p. 319).

Ou seja, se a IA é capaz de inventar medicamentos, aprender um jogo milenar mais difícil do que o xadrez e vencer com autoridade o campeão mundial, fazer diagnóstico médico, conduzir veículos automotores e etc., imagine o que não é (presente) ou será (futuro) capaz de fazer em campos menos complexos?

Não é objeto de discussão deste ensaio se a IA far-se-á ou não presente no âmbito do Direito, pois esse é um debate superado10. Tampouco se debaterá um outro ponto, em disputa e de extrema relevância, sobre os impactos da IA no mercado de trabalho11. O foco aqui é um inventário. O estado – momentâneo e precário – da arte.

Inicialmente, para que se tenha uma ideia do fenômeno local, recente pesquisa da FGV, divulgada em dezembro de 2020, aponta que existem hoje, dentro do universo dos Tribunais Superiores (STF, STJ e TST), dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho e dos Tribunais de Justiça, 29 projetos de Inteligência Artificial em desenvolvimento, 7 experiências piloto e 27 projetos em produção. O documento mostra um aumento expressivo dessas experiências entre o ano de 2018 (quando eram quase inexistentes), o ano de 2019 (quando surgem iniciativas que não chegam a uma dezena) e o ano de 2020, quando se atingem os números acima expostos. O crescimento é exponencial, e nada indica – pelo contrário – que possa ser freado (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2020b, p. 66).

Ainda segundo a pesquisa:

De forma geral, os projetos de IA nos tribunais comportaram as seguintes funcionalidades: verificação das hipóteses de improcedência liminar do pedido nos moldes enumerados nos incisos do artigo 332 do Código de Processo Civil;

10 Um exemplo ilustra a afirmação: “Carlos Fernando Siqueira Castro, CEO do Siqueira Castro Advogados, escritório presente em 18 Estados e com 500 mil processos no país, diz que o número de advogados da banca hoje é menor do que há dez anos. No entanto, o volume de processos é o dobro. Isso se deve, segundo ele, aos investimentos em tecnologia. O Siqueira Castro possui 50 funcionários na área de tecnologia da informação, dos quais cinco se dedicam à produção de novos programas. A banca conta com 200 robôs que controlam atividades específicas. “Fazemos muito mais hoje com menos pessoas, afirma o advogado. ‘É um caminho sem volta, uma nova fronteira que busca a eficiência pela automação.’” (BAETA, 2019a) 11 Parte importante da literatura que versa sobre IA e Direito é, por um lado, competente em fazer o inventário do estado da arte sobre sua aplicação no mundo jurídico; mas, por outro, assustadoramente omissa em problematizar – ainda que en passant – os impactos que o avanço da IA causará no mercado de trabalho. O lugar-comum sobre as maravilhas do surgimento de novas funções e profissões, muito presente no discurso daqueles que exploram o potencial econômico da IA, nunca é acompanhado do debate acerca do número desses postos. Que os carros autônomos, por exemplo, exigirão novos conhecimentos e profissionais destinados a com eles lidarem, é um consenso; mas ninguém problematiza que cada profissional desse “substituirá” milhares de motoristas. Um estudo da consultoria McKinsey, divulgado em 2017, projetava que até 800 (oitocentos) milhões de empregos podem ser substituídos por robôs até o não muito distante ano de 2030. Para uma honesta análise de alguns poucos otimistas prognóstico, conferir em “Homo Deus” e “21 lições para o século 21” ambos de Harari (2016; 2018, respectivamente).

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sugestão de minuta; agrupamento por similaridade; realização do juízo de admissibilidade dos recursos; classificação dos processos por assunto; tratamento de demandas de massa; penhora on-line; extração de dados de acórdãos; reconhecimento facial; chatbot; cálculo de probabilidade de reversão de decisões; classificação de petições; indicação de prescrição; padronização de documentos; transcrição de audiências; distribuição automatizada; e classificação de sentenças. (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2020, p. 69)

Em termos regulatórios, cabe mencionar que, em 21 de agosto de 2020, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução nº 332 que “Dispõe sobre a ética, a transparência e a governança na produção e no uso de Inteligência Artificial no Poder Judiciário e dá outras providências” (BRASIL, 2020). O documento, além de trazer alguns conceitos, centra sua preocupação nos aspectos de segurança, ética e respeitos aos direitos fundamentais no plano da utilização da Inteligência Artificial pelo Poder Judiciário. Mas para os fins deste artigo, talvez o ponto de maior destaque do documento seja a forma como considera o uso da IA pelo Poder Judiciário um dado da realidade, não algo que possa vir a ser, mas algo que se fazendo presente dia após dia, precisa de algumas balizas que a Resolução pretende estabelecer.

Já em nível um pouco mais “global”, em sua obra “Justiça Digital”, Isabela Ferrari (2020, p. 26-27) aponta significativos espaços de avanço da IA no mundo do Direito, a começar pelos mecanismos online de resolução de controvérsias, os Online Dispute Resolution System (ODR), como o desenvolvido pela gigante do comércio eletrônico eBay, que conecta compradores e vendedores e que, em várias etapas, vai da tentativa de evitação do conflito, passando por mediação até chegar à arbitragem, terceira e última etapa e única com intervenção humana. O ODR da eBay enfrenta mais de 60 milhões de disputas por ano e possui uma taxa de satisfação superior a 90%. E boa parte desse sucesso é “mérito” da IA.

Mas os ODR não se limitam a ambientes privados (comerciais), havendo um importante movimento de utilização dessa Inteligência por Estados-nação, no que se convencionou chamar de Cortes Online, ambientes virtuais com mediação de IA, geralmente obrigatórios (não há a opção por não os usar), e que têm reduzido tanto o prazo dos processos, quanto aumentado a qualidade da prestação jurisdicional. Segundo Isabela Ferrari, há exemplos exitosos na Inglaterra, no Canadá (com o Civil Resolution Tribunal), em estados dos Estados Unidos, em Cingapura, no Japão, na Dinamarca, na Austrália (onde 70% das Cortes estão em ambiente virtual) e na China (onde expressivos 75% das Cortes estão “nas nuvens”). (FERRARI, 2020, p. 47-65)

Giovani Ravagnani, ao fazer uma análise sobre “Legal analytics”12, em textos publicados na obra antes citada, destaca, ainda, como exemplos do “novo Direito”: (a) a utilização da tecnologia (IA em especial) para prevenir e evitar conflitos propriamente judiciais; (b) a questão da IA na prevenção de risco, basicamente demonstrando como “robôs” conseguem fazer um importante trabalho de dar, ao advogado, diversas variáveis sobre as possibilidades de êxito em determinado processo; e (c) por fim, a utilização do 12 Por “Legal Analytics” entende-se o conjunto de soluções tecnológicas que permite a operacionalização do Direito a partir de dados.

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conceito de volumetria, no essencial, a utilização de soluções inteligentes para ações de massa (FERRARI, 2020, p. 131-162).

O impacto da IA no Direito, no entanto, não se limita à sua própria utilização como instrumento que tem permitido uma ressignificação da forma como o Direito se “operacionaliza”, da forma como ele “acontece”.13 A inteligência artificial também traz para o próprio Direito, em diversos aspectos do âmbito regulatório, questões fundamentais: como proceder à regulação da tecnologia? quais os impactos da IA no âmbito da privacidade? quais os impactos da IA no plano do direito penal e do respectivo processo?14

Em suma, não somente se espera que a IA ressignifique a forma como o Direito se operacionaliza (processos totalmente digitais fortemente influenciados pela IA e com um mínimo ou nada de relação interpessoal), mas que se torne ela própria, sob o prisma das funções regulatórias do Direito, um objeto privilegiado de análise.

O objetivo aqui foi demonstrar, dentro dos limites deste texto, o “estado da arte” da IA no âmbito do Direito.15 Como dito no início deste item, não se discute aqui se ela avançará ou não fortemente também no âmbito do direito. Esse avanço é inevitável e já tem provocado um impacto preocupante no mercado de trabalho (o Brasil tem 1,16 milhão de inscritos na OAB, um advogado para cada 174 habitantes contra 1 para 246 nos EUA ou 1 para 354 no Reino Unido, por exemplo) (BAETA, 2019a; BAETA 2019b), e com os alunos de Direito liderando o ranking de matrículas na educação superior16, ou se inicia uma reflexão (apoiada rapidamente por ações concretas) de atribuição de sentido ao ensino jurídico no contexto ora exposto, ou tudo indica que a formação desses mais de 1 milhão de alunos hoje matriculados em cursos de Direito neste País terá sérias dificuldades de corresponder a uma qualificada e bem-remunerada inserção no mercado de trabalho.

4 DIRETRIZES NACIONAIS DO DIREITO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: POSSÍVEIS DIÁLOGOS

Desde 2018, o ensino do Direito no Brasil tem novas Diretrizes educacionais. A Resolução n° 5 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito (BRASIL,

13 Para uma leitura ainda mais abrangente do cenário da IA no sistema de justiça vide PICCOLI, Ademir Milton. Judiciário Exponencial: sete premissas para acelerar a inovação e o processo de transformação do ecossistema da justiça. São Paulo: Vidaria Livros, 2018. 14 Em matéria penal, uma discussão que já conta com bom desenvolvimento é a referente à responsabilidade em caso de acidentes com veículos autônomos, um exemplo muito bom aliás, de como a falta de regulação pode, mesmo, impedir a chegada da tecnologia ao destinatário final. Sobre o tema: ESTELLITA; Heloísa; LEITE, Alaor. Veículos autônomos e direito penal. São Paulo: Marcial Pons, 2019. 15 Para uma análise mais detida e pormenorizada sobre os impactos da inteligência artificial no mundo do Direito conferir: MORAIS DA ROSA, Alexandre. A questão digital: o impacto da inteligência artificial no Direito. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, v. 6, n. 02, e259, jul./dez. 2019. Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/259. Acesso em: 10 abril 2021. doi: https://doi.org/10.29293/rdfg.v6i02.259 16 Segundo o Censo da Educação Superior de 2017, de responsabilidade do INEP, o número de matrículas em cursos de direito no Brasil era 1.154.751.

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2018). Trata-se de normativa à qual todo e qualquer curso de Direito do país deve obediência, não só formal – como se faz sem grandes preocupações –, mas também material – em campo já um pouco mais pantanoso.

A carga horária referencial dos cursos de graduação em direito é de 3.700h, sendo que aproximadamente 3.000h são de disciplinas obrigatórias e eletivas e/ou optativas cursadas em 10 semestres letivos de aproximadamente 300h cada. É dentro desse espaço de tempo que a formação jurídica inicial deve acontecer.

E se trata de tarefa bastante árdua, não apenas pelo quadro fático anteriormente exposto (ao qual poderíamos acrescentar a complexidade social, econômica, política e cultural de um país como o Brasil), mas sobretudo pelo perfil do egresso altamente exigente que as diretrizes pedem. Com efeito, segundo o art. 3° do documento:

O curso de graduação em Direito deverá assegurar, no perfil do graduando, sólida formação geral, humanística, capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, capacidade de argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, além do domínio das formas consensuais de composição de conflitos, aliado a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem, autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício do Direito, à prestação da justiça e ao desenvolvimento da cidadania. (BRASIL, 2018).

As Diretrizes fixam três grandes eixos formativos (Formação geral, Formação técnico-jurídica e Formação prático-profissional), e ainda que nada impeça que temas transversais permeiem todos os eixos, o fato é que há uma fortíssima cultura de disciplinarização dos saberes. É por isso que ao mencionar as áreas de Teoria do Direito, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional, Direito Processual, Direito Previdenciário e Formas Consensuais de Solução de Conflitos no eixo de formação técnico-jurídica, as Diretrizes provocam (ainda que a intenção pudesse ser outra) a construção de “grades curriculares” que têm, nos nomes das disciplinas, exatamente os conteúdos recém-expostos.

Os cursos, no geral, “jogam com o regulamento debaixo do braço”. Se escolhermos uma grade curricular qualquer, que seja conservadora na “dogmatização”, ela terá, pelo menos, as cadeiras de Teoria do Direito, Direito Constitucional I e II, Direito Administrativo I e II, Direito Tributário I e II, Direito Penal I, II e III, Direito Civil I, II, III, IV e V, Direito Empresarial I e II, Direito do Trabalho I e II, Direito Processual Civil I, II e III, Direito Processual Penal I e II, Direito Processual do Trabalho, Direito Internacional, Direito Previdenciário e Formas Consensuais de Solução de Conflitos. Se pensarmos em disciplinas de 60h, já temos aqui 1.620h, ou mais de 50% da carga horária de disciplinas teóricas do curso. A previsão dos clássicos ramos do direito sem maiores detalhamentos, leva a grades que são praticamente padronizadas.

Em um contexto global em que a qualidade do ensino do direito é colocada em xeque (na medida em que a aprovação média no Exame de Ordem – que é uma prova

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de suficiência – fica na casa de 40%17), as Diretrizes são altamente exigentes no que se refere às habilidades e competências que se esperam do egresso dos cursos. O art. 4° do documento elenca nada menos que 14 (catorze) “competências cognitivas, instrumentais e interpessoais” que os cursos devem oferecer a seus estudantes, dentre as quais ao que nos interessa aqui destacamos quatro:

VIII - atuar em diferentes instâncias extrajudiciais, administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e procedimentos;

XI - compreender o impacto das novas tecnologias na área jurídica;

XII - possuir o domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito;

XIII - desenvolver a capacidade de trabalhar em grupos formados por profissionais do Direito ou de caráter interdisciplinar. (BRASIL, 2018)

Mais recentemente, a Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação publicou a Resolução n°. 2, de 19 de abril de 2021, que, por um lado, incluiu dois novos conteúdos obrigatórios (o Direito Digital e o Direito Financeiro), e que, por outro, estabeleceu que a perspectiva da formação prático-profissional deve abranger “[...] estudos referentes ao letramento digital, práticas remotas mediadas por tecnologias de informação e comunicação.” (BRASIL, 2021)

Ainda que se possa considerar uma alteração louvável e que vem em momento oportuno, cabe destacar que não se trata de mudança decorrente de mais aprofundados debates sobre o tema, como se percebe da análise do Parecer CNE/CES n° 757/2020 (BRASIL, 2020), que se limita a mencionar que a inclusão do Direito Financeiro partiu de solicitação do Ministério da Justiça e que, no que se refere ao Direito e ao letramento digital, sequer os justifica, havendo sobre tal alteração somente o seguinte:

Nessa ocasião, igualmente, ampliamos o escopo das proposições no artigo 5° da referida DCN, no sentido de fortalecer os esforços referentes ao letramento digital e às práticas de comunicação e informação, que expressam as tecnologias educacionais e que devem permear a formação, inclusive presencial, no sentido de adotar as competências vinculadas a essas mediações, especialmente em práticas e interações remotas relacionadas ao aprendizado. (BRASIL, 2020)

Ou seja, o que poderia ser o indício de uma guinada das Diretrizes rumo ao séc. XXI não passa de um ajuste pontual que, não bastasse a ausência de justificativa pelo Parecer, ainda pegou carona em uma outra mudança circunstancial que atendeu a pedido do Ministério da Justiça.

Como em termos de regulação educacional, geralmente grandes alterações levam tempo expressivo para refletir no cotidiano escolar, há bons motivos para crer que uma alteração pontual e quase despretensiosa tenha ainda mais 17 Dados números completos sobre o ensino do Direito e o Exame de Ordem no Brasil podem ser obtidos no documento Exame de Ordem em Números (Volume 4, 2020), de autoria da OAB e da FGV e que pode ser acessado aqui: https://www.conjur.com.br/dl/exame-ordem-numeros1.pdf

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dificuldades para gerar impactos. Não seria de espantar que a inclusão de uma unidade de aprendizagem com o nome “Direito Financeiro” dentro da disciplina de “Direito Tributário” e um ou dois acessos ao PJe18 no curso da prática jurídica servissem ao preenchimento das inovações que as Diretrizes recentemente sofreram.

No entanto, em que pese a pouca expressividade do “movimento” que levou à recente alteração nas Diretrizes, o fato é que as competências do art. 4° das Diretrizes acima elencadas, bem como as menções ao Direito Digital e ao Direito Cibernético (que as Diretrizes não diferenciam) e a exigência de letramento digital, formam um conjunto que, se não exige, pelo menos permite algumas correções que são tão necessárias quanto urgentes no plano do ensino jurídico.

Desse modo, se o diagnóstico apresentado no item anterior está minimamente correto, e se de fato letramento digital, Direito Digital, Direito Cibernético e as quatro competências acima destacadas devem ser ofertadas ao estudante ao longo do curso de graduação em Direito, os cursos de Direito precisam – para dizer o mínimo – de algumas reformulações. Algumas sugestões nesse sentido serão esboçadas no item a seguir.

5 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E ENSINO DO DIREITO: DO “O QUÊ” SE ENSINA AO “COMO” SE ENSINA

Iniciemos esta última seção com uma precisa síntese do Professor José Garcez Ghirardi que fornece um valiosíssimo quadro metodológico dentro do qual os currículos dos cursos de Direito deve(ria)m fazer as suas escolhas:

Uma das principais funções dos cursos jurídicos é a de formar a representação que os alunos farão do direito e do lugar que ele ocupa na vida social e política do país. A seleção de temas que o espaço universitário opera (o que ensinar?), a ordem de apresentação que propõe (quando ensinar?), a relevância relativa que estabelece entre áreas (quanto e com que profundidade ensinar diferentes temas?) e a forma de aferir a efetividade da formação (como avaliar?) articulam-se para formar um quadro que evidencia a noção de direito que se abraça em cada instituição. Essa noção fundamental, inscrita na estrutura profunda dos cursos e determinando cada aspecto de sua lógica de desenvolvimento, será decisiva para estabelecer a matriz a partir da qual os estudantes pensarão o direito e articularão sua prática profissional. (GHIRARDI, 2010, p. 3)

“Uma das principais funções dos cursos jurídicos é a de formar a representação que os alunos farão do direito e do lugar que ele ocupa na vida social e política do país”, diz o Professor Ghirardi (2010, p. 3). Na mesma linha, o perfil do graduando – exposto no item anterior – exigido pelo art. 3° das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito. E na linha das referências que abriram

18 O PJe é o sistema de tramitação de processos judiciais capitaneado pelo Conselho Nacional de Justiça (http://www.pje.jus.br/navegador/) que está presente em todos os Estados da Federação. Outros sistemas, porém, ainda que presentes em menos Estados, também são utilizados, como por exemplo, o Projudi, e-Proc, e-SAJ, Apolo, Creta e E-Jur.

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este artigo e que desde os anos 1980 exigiam um ensino social e realisticamente com sentido, o quadro exposto no segundo item deste artigo exige uma radical reformulação da forma como os cursos de Direito do País se organizam.

Uma rápida capacidade evolutiva não é propriamente o forte dos currículos dos cursos de direito no Brasil. Um exemplo talvez ilustre esse quadro. No site da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Maranhão é possível acessar a matriz curricular aprovada em 1970 (UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO, 1970). Tratava-se de matriz com 3135h mínimas e 8 períodos para vencê-la. Se somarmos a carga horária das disciplinas de Introdução ao Estudo do Direito, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Penal, Direito do Trabalho, Direito Comercial, Direito Processual Civil, Penal e do Trabalho, Direito Financeiro, Direito Internacional e Direito Previdenciário, chegamos a 1860h, ou aproximadamente 60% da carga horária total do curso. Outros 10% (315h) eram de prática. Já a atual matriz, de 2015 (UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO, 2015), tem 4320h a serem vencidas em 10 períodos, sendo que as disciplinas de Introdução e Teoria do Direito, Direito Civil, Direito Penal, Direito do Trabalho, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Financeiro, Direito Empresarial, Direito Internacional, Direito Previdenciário e de Direito Processual Civil, Penal e do Trabalho somam 2340h, ou 54% do total da grade. A prática totaliza 360h, ou pouco mais de 8%.

Obviamente é possível dizer que os conteúdos programáticos mudaram, assim como também podem ter mudado as metodologias e tratamentos transversais nessas disciplinas. Mas é sintomático que se siga pautando os cursos de Direito pela dogmática dos ramos mais clássicos do Direito, que talvez hoje não tenham a importância de outrora. O modelo parece esgotado. E as novas Diretrizes antes expostas associadas ao quadro da revolução tecnológica também delimitado, exigem alguma reformulação.

Diante de todo o exposto, entendemos que o ensino jurídico precisa avançar três passos: (1) o passo da compreensão da revolução tecnológica, (2) o passo da compreensão do Direito no contexto dessa revolução e (3) o passo da revolução na forma de ensinar (e de aprender). E isso porque, voltando à análise crítica de José Eduardo Faria, o diagnóstico de outrora, em boa medida, ainda permanece e precisa ser enfrentado:

Em vez de apresentar institutos jurídicos como formas de soluções de conflitos com raízes no processo das relações sociais, valoriza-se quase exclusivamente uma abordagem sistemática e lógico-dedutiva, privilegiando-se o princípio da autoridade – isto é, a opinião dos “preclaros mestres” –, dos “insignes doutores”, dos “notáveis educadores”, dos “doutos colegas”, todos muitas vezes citados aos borbotões e usados como pretexto para demonstração de uma erudição sem peso teórico, recheando manuais e livros – isto quando não servindo para engrossar teses acadêmicas de professores pouco criativos e sem inspiração, abrindo caminho para que o “pedantismo da ligeireza” sirva de critério para o prevalecimento, no âmbito do corpo docente, de um tipo modal de mestre acrítico, burocrático e subserviente aos clichês e estereótipos predominantes entre os juristas de ofício. (FARIA, 1986, p. 53)

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E no contexto do avanço tecnológico no mundo jurídico anteriormente exposto, há talvez uma ainda mais problemática substituição da autoridade da opinião dos “preclaros mestres” pela força mais ou menos vinculante da opinião da “uníssona jurisprudência” e dos “eminentes julgadores” e dos “egrégios tribunais”. Desse modo, à medida que a autoridade jurisprudencial se agiganta como nunca antes, paralelamente ao momento em que ocorre um expressivo aumento de uma IA que cada vez mais aprende com tal jurisprudência, aumenta-se o risco de um engessamento do direito que se mostra ainda mais impeditivo de uma concepção de “institutos jurídicos como formas de soluções de conflitos com raízes no processo das relações sociais” (FARIA, 1986, p. 53), especificamente em uma sociedade complexa, diversa e plural como a brasileira.

Problematizemos, pois, os passos, os caminhos, os algoritmos que os currículos dos cursos de Direito precisam seguir para que o ensino significativo não seja apenas um discurso retórico.

5.1 A revolução tecnológica entre o hoje e o amanhã do Sapiens e o dever ético das graduações

A obra Sapiens: uma breve história da humanidade, de Yuval Noah Harari (2020), não se tornou um best-seller por acaso. Uma narrativa envolvente e um estilo literário que destoa da cartilha cientificista da escrita tendem a potencializar o sucesso de uma obra. Mas tais méritos não bastam. Ainda que a forma seja bastante envolvente, o que define o sucesso da obra é o seu conteúdo, seja a rápida e competente evolução histórica que Harari desenvolve, passando pelas denominadas revoluções cognitiva, agrícola e científica, que historicamente são hoje fáceis de se vislumbrar, afinal é sempre mais fácil ler o “presente” quando ele já é “passado”, seja pelo prognóstico, tão aberto quanto instigante, que a obra provoca. Passando o Sapiens da revolução científica para a revolução tecnológica, o que virá pela frente? Ou até o mesmo: o que já estamos vivenciando?

Harari apresenta possíveis respostas a tais questionamentos fundamentais em suas duas mais recentes obras, ‘Homo Deus’ e ‘21 Lições para o século XXI’. E ainda que alguns possam pensar que o Século XXI só termina em 2100, é importante destacar que já estamos em 2021. Vinte e um por cento do caminho já fora percorrido. O quadro atual, para elencar aqui alguns pontos sensíveis, aponta para (a) a ciência de dados a cada dia com um maior volume de dados a trabalhar (o Big Data), (b) a dimensão econômica dos dados e do desacoplamento entre os seus titulares e aqueles que os detêm e os manipulam; (c) a neurociência, que na atual configuração de análise do cérebro humano tem pouco mais de 50 anos, já descobriu mais sobre a engenharia dos neurônios do que toda a anterior história da humanidade, (d) a biotecnologia avança muito rapidamente ao mesmo tempo que levanta grandes discussões éticas, (e) a inteligência artificial, em particular, e a automação, em geral, passam a dominar, dia após dia, mais e mais tarefas até então privativas dos humanos, e, por fim, (f) especialmente o último ponto levantado pressiona fortemente não só os empregos da indústria, mas também e inovadoramente os do setor de serviços, levando ao risco do surgimento de uma classe que alguns inclusive já denominaram: os inúteis.

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Um mundo que a cada dia produz e analisa mais dados, entende o funcionamento do cérebro humano, avança em biotecnologia e se automatiza e gera desemprego. Eis o mundo de hoje, que é bastante distinto do de ontem. Mas há quem ainda preveja mais, como Harari. Segundo o autor de ‘Homo Deus’, o liberalismo pode sofrer um duro golpe no século que se desenvolve19, e isso em razão de três fatores:

1. Os humanos perderão sua utilidade econômica e militar e, em decorrência, o sistema econômico e político deixará de lhes atribuir muito valor.

2. O sistema ainda dará valor aos humanos coletivamente, mas não a indivíduos únicos.

3. O sistema ainda dará valor a alguns indivíduos únicos, mas estes constituirão uma nova elite de super-humanos avançados e não a massa da população. (HARARI, 2016, p. 309)

Se esse é minimante o quadro e se tais questionamentos são minimamente importantes, aquele que se forma em Direito, e que, portanto o mundo da vida pretende regular, deve esse mundo da vida minimamente conhecer. Não se trata, ainda, de atualizar o Direito para sintonizá-lo com esse quadro. Trata-se apenas e tão-somente de incluir tais análises no eixo de formação geral, que segundo as próprias Diretrizes dos Cursos de Direito, busca “[...] oferecer ao graduando os elementos fundamentais do Direito, em diálogo com as demais expressões do conhecimento filosófico e humanístico, das ciências sociais e das novas tecnologias da informação.” (BRASIL, 2018).

Transcende os objetivos deste escrito desenvolver as inúmeras facetas em que essas mudanças do presente e do futuro aqui expostas deveriam acarretar de alterações naquilo que se ensina nos cursos de Direito. Mas, a título de exemplo, caberia levantar: (a) a necessidade de se conhecer minimamente o modus operandi (para usar uma expressão cara ao Direito) da IA20, (b) a compreensão da rápida alteração (potencializada pela pandemia do novo coronavírus) pela qual passa o mundo do trabalho, (c) a problematização das implicações das descobertas da neurociência em matéria de responsabilidade pessoal; (d) o que é Big Data, como esses dados são tratados e quais as implicações para a autonomia e a privacidade das pessoas; e (e) a dimensão econômica dos dados e do desacoplamento entre os seus titulares e aqueles que os detêm e os manipulam.

E essas e outras alterações não dependeriam de novas Diretrizes, nova matriz ou novo currículo. Disciplinas como História do Direito, Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Filosofia, Economia, Introdução ao Estudo do Direito e

19 O fenômeno da globalização, no plano político e econômico, e da transnacionalidade, no plano jurídico, já vinham abalando os alicerces do clássico estado constitucional soberano desde a parte final do século passado como se depreende da minuciosa análise de Bastos Junior (2014; 2019). Ocorre que a revolução tecnológica ora em curso não apenas subtrair poder decisório do Estado-nação em um nível local, mas também o retira quando da consideração dos Estados no plano internacional, à medida que radicaliza o poder político e econômico de empresas e outros agentes não-estatais. 20 Nesse contexto, disciplinas minimamente introdutórias da área de tecnologia precisam ser oferecidas, ainda que inicialmente na forma de optativas ou eletivas, pois mesmo que não se espere que todos os bacharéis sejam engenheiros-jurídicos, é minimamente preciso saber como os robôs funcionam.

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outras poderiam facilmente contemplar essas novas lentes pelas quais o mundo precisa ser lido. Basta que quem tem responsabilidade sobre a gestão de tais cursos, conheça o presente e o futuro do mundo em que vivemos.

5.2 Os conteúdos jurídicos na Era da Inteligência Artificial

No item anterior tratamos de alguns conhecimentos prévios, anteriores, mesmo, “ao ingresso no mundo jurídico”, de temas que são como condição de possibilidade para a compreensão do Direito no Séc. XXI. Ocorre que o giro paradigmático pelo qual estamos passando exige mais, muito mais.

As Diretrizes Curriculares, ao versarem sobre o eixo da “formação técnico-jurídica”, afirmam que ele abrange a dogmática de ramos essenciais do Direito, que precisam, no entanto, ser “[...] estudados sistematicamente e contextualizados segundo a sua evolução e aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais” (BRASIL, 2018). Ou seja, mais uma vez, agora ao tratar da formação técnico-jurídica, as Diretrizes clamam por um ensino significativo que entenda o passado, sim, mas que sobretudo compreenda o presente e consiga prospectar o futuro.

Tem se mostrado recorrente hoje o argumento segundo o qual, pela primeira vez na história da humanidade, ninguém tem exata clareza sobre o que deve ser ensinado nas instituições educacionais, ao mesmo tempo que se torna quase consensual a ideia segundo a qual o menos importante do processo é informar, justamente em vista do excesso de e facílimo acesso à informação que a contemporaneidade conhece. Daí a tese segundo a qual “[...] as pessoas precisam de capacidade para extrair um sentido da informação, para perceber a diferença entre o que é importante e o que não é, e acima de tudo combinar os muitos fragmentos de informação num amplo quadro do mundo.” (HARARI, 2018, p. 321-322)

Se a Era da IA chegou (está chegando) também ao mundo do Direito, faz-se necessário que os cursos de graduação da área dominem, e com isso discutam e apresentem aos alunos, o “estado da arte” dessa revolução, como anteriormente se defendeu. Pois ainda que esta afirmação não possa aqui ser referendada por uma pesquisa, os quase 200 mil bacharéis/ano que o Brasil entregará ao mercado de trabalho nos próximos tempos estão, salvo raras exceções confirmatórias da regra, alheios a tudo isso, convictos de que a habilidade de bem construir um Recurso Especial ou um Recurso Extraordinário é a chave do sucesso, ainda que desconheçam por completo que a admissibilidade desses recursos hoje está nas mãos da IA, para fornecer um exemplo trivial, mas emblemático.

Compreendido o “estado da arte” – que como defendido precisa ser incluído nas disciplinas que são a porta de entrada dos cursos, ou mesmo talvez precise ser incluído, de modo geral, nas primeiras fases de toda e qualquer graduação, pois praticamente ninguém está ou ficará imune a essa revolução –, compete aos cursos de

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graduação em Direito efetuar as reformulações de grade e de conteúdos programáticos que comecem a atribuir ao Direito um novo sentido que se conecte ao momento atual.

Nesses termos, tanto o eixo de formação técnico-jurídica, como igualmente o eixo de “formação prático-profissional”, precisam abarcar conteúdos que especificamente conectem o Direito à Era da IA, o que não necessariamente exige a criação de disciplinas como “Direito Digital” ou “Direito Cibernético” – ainda que disciplinas assim possam aumentar o foco e a especificação do debate –, sendo suficiente que os conteúdos programáticos das disciplinas sejam ressignificados à luz da IA. Ou seja, do mesmo modo que a Educação das Relações Étnico-Raciais, a Educação em Direitos Humanos e a Educação de Gênero, por exemplo, não exigem propriamente disciplinas com tais nomenclaturas, também o “Direito Digital” não o exige, seja do ponto de vista normativo (Diretrizes), seja do ponto de vista pedagógico. E isso ocorre porque mesmo antes de existir um “Direito Digital”, como ramo autônomo, é o próprio Direito que é atravessado pelo meio digital. Por exemplo, ainda que as disciplinas de processo o ignorem, o digital hoje domina o processo.

No entanto, desde a reforma de abril de 2021, as Diretrizes passaram a exigir o letramento digital, sendo que o podemos conceituar, com Maria Teresa Freitas (2010, p. 339-340):

[...] como o conjunto de competências necessárias para que um indivíduo entenda e use a informação de maneira crítica e estratégica, em formatos múltiplos, vinda de variadas fontes e apresentada por meio do computador-internet, sendo capaz de atingir seus objetivos, muitas vezes compartilhados social e culturalmente.

Nesse sentido, considerando-se que hoje é, por um lado, praticamente impossível operar o Direito sem um computador e, por outro, praticamente possível operá-lo integralmente apenas pelo computador, o letramento digital se faz imprescindível.

Em apertada síntese, o foco deve ser a revisão dos conteúdos programáticos em conexão com a Era da IA. Responsabilidade civil e penal de “robôs” ou de quem os opera ou programa, meios de prova digitais, processos totalmente digitais, a dinâmica de funcionamento de robôs que fazem a admissibilidade de recursos, as implicações da IA no mundo do trabalho e no Direito do Trabalho, moedas digitais, privacidade, contratos, transações econômicas e comerciais digitais, cortes digitais e etc. Um curso de Direito somente situa-se, de fato, no século XXI, à medida que o eixo de formação teórica está conectado materialmente ao presente.

Por fim, ainda que não haja uma relação exatamente direta entre o tema e os objetivos deste artigo, cabe resgatar o “passado” para defender a indispensabilidade de uma base teórica pautada nos clássicos com vistas a uma adequada compreensão do presente e do futuro, pois como nos recorda Ronald Dworkin:

Raciocinar em termos jurídicos significa aplicar a problemas jurídicos específicos [...] uma ampla rede de princípios de natureza jurídica ou de moralidade política. Na prática, é impossível refletir sobre a resposta correta a

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questões de direito a menos que se tenha refletido profundamente (ou se esteja disposto a fazê-lo) sobre um vasto e abrangente sistema teórico de princípios complexos acerca do significado da liberdade de expressão em uma democracia, ou da melhor compreensão do direito à liberdade de consciência e à tomada de decisões éticas pessoais. (DWORKIN, 2010, p. 72-73)

Tudo leva a crer que a Inteligência Artificial se apoderará de muitas funções também no mundo do Direito. De formulação de petições simples, ao domínio rigoroso do controle dos atos processuais até mesmo à admissibilidade de recursos e à verificação de respeito a precedentes por parte de decisões judiciais, os avanços tecnológicos apontam para um domínio cada vez mais significativo por parte da IA daquelas funções jurídicas que possuem maior padronização e, portanto, potencial para a repetição.

Por outro lado, por enquanto, a IA “não pensa”21, razão pela qual não consegue “ler” o Direito sob uma perspectiva mais aberta e principiológica, e é aqui onde o Sapiens – por ora – está à frente. Não bastasse a própria primazia dos juristas de carne e osso para com questões mais complexas lidar, há ainda um ponto central: as mais delicadas questões éticas e jurídicas que a IA suscitará nos próximos anos, perpassarão de forma significativa os direitos humanos e fundamentais.

Em suma, sendo o nicho da base principiológica do Direito uma das áreas mais imunes aos impactos diretos da IA, afigura-se estratégico que os cursos de Direito a ela dediquem especial relevância.

5.3 As metodologias ativas como trunfos na Era da Inteligência Artificial

Por fim, situado o estudante no “estado da arte” da revolução tecnológica e adequada a grade e os conteúdos ao presente-futuro, cabe – no terceiro passo – ressignificar a forma como se “ensina o Direito”.

E nesse ponto, um aspecto que tem sido apontado por vários analistas do tema é o referente ao solipsismo do trabalho docente. Mesmo em instituições públicas ou em privadas com ensino de maior qualidade, a tônica do modus operandi docente tem se caracterizado por um trabalho individual, isolado e, portanto, absurdamente fragmentado. Se determinado curso possui as disciplinas A, B e C referentes a determinado ramo do Direito, não será raro (porque é regra) que os três professores das disciplinas mal se conheçam e que, desenvolvam seus planos de ensino, o planejamento e execução dessas disciplinas, à revelia do trabalho dos outros dois colegas. Esse quadro é a pá de cal sobre uma matriz altamente fragmentada e desconexa22.

21 Nessa seara, vale a observação de Boeing e Morais da Rosa (2020, p. 79), para os quais “[...] deve-se fazer a ressalva de que tais tecnologias ainda estão aquém do nível de compreensão humano da linguagem. Captar o contexto textual das palavras não necessariamente significa compreender a linguagem como uma forma de vida, tampouco ser capaz de ‘jogar seus jogos’”. 22 O problema da cruzada solitária docente é um dos pontos mais destacados quando do Workshop sobre ensino do Direito no Brasil realizado pela e na Fundação Getúlio Vargas. Cf. GHIRARDI, José Garcez (coord.); DIAS DE LIMA, Ieda; SICA, Ligia Paula P. Pinto; RAMOS, Luciana Oliveira. Metodologia de

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Com isso, a formação continuada docente que avance na perspectiva de dar ao corpo docente os instrumentais que permitam a inserção qualitativa de metodologias ativas é fundamental, visto que tão ou mais importante do que os conteúdos ministrados é a forma como são ministrados, não porque exatamente a forma A ou B tenha maior capacidade de levar ao aprendizado do conteúdo, mas porque a própria forma de ensinar quando bem assimilada, é ela mesma um aprendizado dos mais valiosos.

O papel do docente no processo formativo jamais pode ser subestimado, pois são elas e eles que dão o tom do processo de ensino-aprendizagem. E é evidente que uma reformulação significativa nos currículos dos cursos de Direito deve acarretar mudanças expressivas no processo de formação continuada docente, fundamentalmente no que se refere às metodologias.

Existe hoje um quase consenso sobre a necessidade de um investimento pedagógico nas chamadas metodologias ativas, sendo emblemático que a área da Saúde, pioneira na educação superior brasileira nesse tema e onde se situam alguns dos mais concorridos cursos de nível superior, produza expressivamente sobre tal necessidade23. Ocorre que tal mudança não é possível sem o investimento na formação continuada docente, bem como se não se pautar em uma mínima reformulação do comportamento discente (LACERDA; SANTOS, 2018).

Nesse sentido, por um lado, faz-se necessário que as Instituições de Ensino Superior invistam em formação continuada docente de caráter preponderantemente disruptivo, vale dizer, que ressignifiquem o ato de ensinar para muito além de uma transmissão privilegiada e estanque de conteúdos; por outro, as IES precisam contribuir para a criação de uma cultura discente que assuma boa parte da responsabilidade por sua própria formação, afinal de contas o êxito da utilização de metodologias ativas liga-se fortemente a uma concepção de estudante que entenda o desafio.

Na literatura especializada, duas metodologias têm recebido destaque24, a aprendizagem baseada em problema e a aprendizagem baseada em projeto, que ainda que possuam vários pontos de conexão e similitudes, são metodologias distintas:

Os dois métodos se diferenciam quanto à possibilidade de origem dos questionamentos, sua abordagem (na relação teoria e prática) e sua escolha, na duração, na sistematização das fases, na proposta e na finalidade. Ambos estão ligados ao mundo do trabalho, à educação contextualizada e significativa, requerendo de estudantes e professores uma abordagem que possibilite a

ensino jurídico no Brasil: estado da arte e perspectiva. Exposições, debates e relatos do Workshop Nacional de Metodologia de Ensino. Cadernos DIREITO GV. São Paulo: DIREITO GV, v. 6, n. 5, set. 2009. 23 A prevalência das metodologias ativas nos cursos de graduação da área da Saúde pode ser constata em: MITRE; et al, 2008, SOBRAL; CAMPOS, 2012 e COLARES; OLIVEIRA, 2019. 24 Várias outras metodologias também têm sido utilizadas, sendo que a “primazia” aqui defendida da aprendizagem baseada em problemas e em projetos se deve, basicamente, pela preponderância história no rompimento com metodologias tradicionais e pela consequente maior produção bibliográfica sobre os métodos. Para uma mais completa visão das novas metodologias cf. HORN; STAKER, 2015 e BACICH; MORAN, 2018.

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interdisciplinaridade e a criatividade com práticas centradas no estudante. (ANTUNES el. al., 2019, p. 118)

Ocorre que a aprendizagem baseada em problemas e em projetos, ainda que não sejam novidades em outras áreas, como já apontado, e ainda que sejam metodologias altamente condizentes com a “natureza” do Direito (ou haveria assim tanta diferença entre Direito e Medicina no que se refere à logica de prever e solucionar problemas?), talvez signifiquem uma dose perigosa de disrupção quando comparadas à centenária aula expositivo-dialogada, que tem pouco de diálogo e muito de exposição. Para quem se acostumou, seja na educação básica, seja na superior, com aquela aula em que basta que alunas e alunos se sentem de forma enfileirada e disciplinada para ouvir os “preclaros mestres”, uma aula em que um tutor “apenas” apresente um problema e auxilie no caminho por opções de soluções, pode ser um choque bastante significativo.25

Em um contexto em que a IA caminha soberana em direção a atividades e funções que há não muito tempo eram exclusivas do Sapiens (imaginemos – caso consigamos – os processos físicos durante anos e anos foram os únicos existentes, com suas juntadas, carimbos e tramitações literalmente manuais) as habilidades e competências exigidas de quem deixa um curso superior serão cada vez mais relacionadas a uma capacidade de pensar complexa e interdisciplinariamente. Nesse sentido, um recurso como a aprendizagem baseada em projetos, definida como a “utilização de projetos autênticos e realistas, baseados em uma questão, tarefa ou problema altamente motivador e envolvente, para ensinar conteúdos acadêmicos [...] no contexto do trabalho cooperativo para a resolução de problemas” (BENDER, 2014, p. 15) parece fazer muito mais sentido pedagógico do que uma aula expositiva, ainda que dessa, em parte, ainda se siga valendo. O raciocínio é simples: à medida que as máquinas avançam, devem igualmente avançar um ensino que forneça a quem aprende ferramentas que não apenas permitam entender as máquinas, mas especialmente agir onde elas não agem.

Nesse contexto em que autonomia formativa é expressão de ordem, uma outra metodologia ativa, igualmente impactante, plenamente conciliável com as demais em uma cesta de possibilidades metodológicas, mas mais fácil de implementar em um processo de transição (tendo em vista que a forma parece mais próxima daquilo com o que nos acostumamos) é a sala de aula invertida.

A sala de aula invertida, que ganhou notoriedade e sistematicidade com os trabalhos de dois professores de química estadunidenses (Jonathan Bergmann e Aaron Sams) por volta de 2007, consiste em um modelo que altera radicalmente os papéis de professores e alunos. O ensino não invertido, por assim dizer, conforma-se perfeitamente com um docente que se limita a ministrar aulas expositivas e elaborar e

25 Esse tensionamento entre passado e futuro no plano das metodologias, atinge não apenas os alunos, que por questões culturais nem sempre assimilam bem a proposta, mas também os docentes, seja porque as propostas os retiram de uma zona de conforto onde há muito se encontram, seja porque as condições de trabalho para as metodologias ativas também exigem uma pequena revolução. O tema do tempo do trabalho docente na perspectiva das metodologias ativas, cabe ressaltar, ainda carece de maior de debate.

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aplicar avaliações (não raro somente com questões de múltipla escolha) e com um aluno que, absolutamente passivo, assiste às aulas (não raro somente de corpo presente) e o mais próximo da prova possível “estuda” o conteúdo com o único fim de memorizar o essencial e obter uma nota minimamente razoável. Já a sala de aula invertida, em linhas gerais, torna o professor um tutor do processo de aprendizagem dos alunos, levantando as principais questões e indicando os textos fundamentais para o aprendizado (BERGMANN; SAMS, 2019). No essencial, o aluno tem alguma carga de estudo antes da aula, ficando o momento específico da aula reservado a atividades práticas, discussões ou outras dinâmicas de caráter construtivo e participativo. Trata-se, pois, de um privilegiado instrumento de transição entre a clássica concepção de sala de aula e metodologias ainda mais inovadoras, o que em absoluto descaracteriza a sala de aula invertida como dotada de méritos e autonomia próprios.

Por derradeiro, não bastassem os argumentos pedagógicos acima expostos, cabe frisar que as Diretrizes Curriculares para os cursos de Direito estabelecem que o que o Projeto Pedagógico do Curso terá, dentre seus elementos estruturais, “modos de integração entre teoria e prática, especificando as metodologias ativas utilizadas” (art. 2°, §1, VI) (BRASIL, 2018). Ou seja, há, ainda, um argumento normativo para essa necessária transformação.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em entrevista ao Programa da TV Cultura Roda Viva, o professor de história da universidade hebraica de Jerusalém, Yuval Noah Harari, ao ser questionado sobre a responsabilidade das empresas sobre as tecnologias por elas desenvolvidas e manuseadas, diz que não é responsabilidade dessas empresas fazer a regulamentação dessas tecnologias, mas do sistema político, democrático e para tanto legitimado. Mas Harari diz que essa não é a principal questão: “O problema, aqui, é que muita gente, inclusive muitos políticos, não entende as novas tecnologias o suficiente, não entende o seu potencial para o futuro, e eu gostaria de enfatizar que nós ainda não vimos nada.” (FUNDAÇÃO PADRE ANCHIETA, 2020). E sentencia: “Todos os escândalos recentes, como o da Cambridge Analytica nos EUA, todos esses escândalos são só a pontinha do iceberg.” (FUNDAÇÃO PADRE ANCHIETA, 2020).

Se Yuval Noah Harari entende alguma coisa sobre a passagem do Homo Sapiens para o Homo Deus, como suas obras fazem parecer, é preciso reconhecer que o ensino – em geral – e o ensino do Direito, em específico, precisam de uma urgente reformulação.

Guardados os devidos ajustes históricos, seja na educação em geral, seja especificamente na educação jurídica, não há muita diferença entre uma sala de aula de meio século atrás e uma de hoje. E esse é um grave problema em um mundo que se ressignifica com uma velocidade e uma intensidade inéditas.

Como visto, a crise do ensino jurídico é de uma inacreditável recorrência, se arrastando, pelo que este estudo pode mapear, por pelo menos sessenta ou setenta anos. “Crise” aqui, sempre significou, na essência, descompasso com a realidade, mas mais

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com a realidade sócio-político-econômica brasileira, do que propriamente como uma realidade global. A Era da Inteligência Artificial e a rápida e intensa transformação digital que se está a operar levam a crise a patamares inéditos. Não por acaso disrupção é uma palavra tão em voga, e séries televisas como Black Mirror seduzem e assustam. Nesse contexto, ou as escolas, em geral, e as escolas jurídicas no que aqui interessa, compreendem o processo e se readéquam, ou correm o sério risco de ingressarem no catálogo daquelas e daqueles que não compreenderam aquela que pode ser a maior crise paradigmática da história da humanidade.

À escola, em sentido lato, são permitidas várias ações com vistas ao atingimento de seu fim formativo. Mas à escola não é dado mentir. Não apenas porque “mentir é errado”, mas porque a mentira é o oposto da verdade, da razão, da compreensão da realidade que é aquilo que deve mover o processo formativo de qualquer estudante que seja. Por isso, diante da crise persistente e da transformação digital que avança rápida e intensamente, é preciso não apenas uma nova forma de ensinar, mas sobretudo novos conteúdos a serem ensinados, pois é óbvio que não queremos correr o risco que o Professor José Eduardo Faria temia em 1986 para os egressos do cursos de Direito: “a amargura de descobrir o descompasso entre a (in)formação profissional recebida e o universo de conflitos reais”, sem “preparação teórica e prática suficientes para reordenar os seus conceitos e se ajustarem a uma realidade nova e responsável por inúmeras transformações nas funções do direito” (FARIA, 1986, p. 55). Evitar essa “amargura” deve ser um compromisso ético e educacional dos cursos de Direito, especialmente no século que (ainda) se inicia, mas que não tardará em ressignificar boa parte do mundo que conhecemos até hoje.

REFERÊNCIAS

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GHIRARDI, José Garcez (coord.). Avaliação e métodos de ensino em direito. Cadernos DIREITO GV. São Paulo: DIREITO GV, v. 7, n. 5, set. 2010

GHIRARDI, José Garcez (coord.). Metodologia de ensino jurídico no Brasil: estado da arte e perspectiva. Exposições, debates e relatos do Workshop Nacional de Metodologia de Ensino. Cadernos DIREITO GV. São Paulo: DIREITO GV, v. 6, n. 5, set. 2009.

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HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. Tradução de Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. Tradução de Janaína Marcoantonio. 51. ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2020.

HORN, Michael B.; STAKER, Heather. Blended: usando a inovação disruptiva para aprimorar a educação. Tradução de Maria Cristina Gularte Monteiro. Revisão técnica de Adolfo Tanzi Neto e Lilian Bacich. Porto Alegre: Penso, 2015.

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CERS | REVISTA CIENTÍFICA DISRUPTIVA | VOLUME III | NÚMERO 1 | JAN-JUN / 2021

ENSINO JURÍDICO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: LEVANDO A SÉRIO A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NOS CURSOS DE DIREITO

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