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8/13/2019 Entrevista: Prof. Dr. Leila Leite Hernandez Entrevista: Prof. Dr. Leila Leite Hernandez
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TemporalidadesRevista Discente do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFMG
Vol. 4, n. 2, Ago/Dez 2012. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades Pgina | 10
Entrevistadoras:
Deborah Gomes
Fabiana Lo
Taciana Garrido
Entrevista:
Prof. Dr. Leila Leite Hernandez
Entrevista:
Prof. Dr. Leila Leite Hernandez
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Entrevista: Prof. Dr. Leila Leite Hernandez
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Temporalidades: Sua tese de doutorado Os Filhos da Terra do Sol: formao do Estado-Nao
em Cabo Verde foi realizada entre as dcadas de 1980 e 1990, num momento em que os estudos
em Histria da frica eram ainda iniciais no Brasil. Quais as dificuldades enfrentadas naquele
momento para os historiadores que se aventuravam em um campo ainda nascente?
Professora Leila Hernandez: A tese de doutorado foi realizada de 1988 a 1993, perodo no qual os
temas sobre a frica e os africanos no Brasil se faziam no mbito dos Estudos Africanos. Eram
pouqussimas as pesquisas de historiadores sobre a frica e os africanos, suas estruturas sociais e polticas,
as dinmicas dos movimentos sociais e suas heterogeneidades culturais. Em nosso pas, at cerca de 30
anos, o lado africano do Atlntico fazia parte de pesquisas voltadas para conhecer questes relativas ao
trfico e escravido no mbito da Histria do Brasil.
Assim como outros pesquisadores de frica, tive diversas dificuldades, a maior delas, minha
ignorncia sobre o continente. A aproximao com o continente ocorreu quando estive no Senegal e em
Cabo Verde, em 1982. As caractersticas histricas de Cabo Verde me intrigaram, mas s se tornaram
desafios cerca de quatro anos depois, em 1986, quando fui convidada pelo Secretrio de Estado e da
Funo Pblica de Cabo Verde, Dr. Renato Cardoso, para ser consultora do Projeto de Reforma do
Estado e da Funo Pblica.
Procurei entender o que estava em jogo, entretanto esbarrei na grande falta de conhecimento, o
que me levou a procurar livros sobre frica. No foi fcil identificar em quais bibliotecas poderia obter
obras sobre o continente e quais os arquivos a serem pesquisados aqui no Brasil. Em So Paulo, encontreilivros e documentos no Centro de Estudos Africanos na FFLCH/USP, na Biblioteca Municipal Mrio de
Andrade, na Associao Cultural Agostinho Neto, e nos acervos da Fundao Carlos Chagas e da
Fundao Getlio Vargas. No Rio de Janeiro: o Centro de Estudos Afro-Asiticos, a Fundao Getlio
Vargas e o Centro de Estudos do Real Gabinete de Leitura.
O convite para integrar a equipe tcnica do referido projeto impunha um estudo sobre Cabo
Verde, o que, partida, me colocou frente difcil deciso de mudar o tema de pesquisa do meu
doutorado, em fase de escritura dos captulos da tese. Em 1988 encarei o desafio com o apoio decisivo do
Prof. Dr. Octavio Ianni, que se disps a orientar a pesquisa. As leituras causaram um profundo impacto
ao apresentar um retrato da sociedade cabo-verdiana formada sob as violncias fsica e simblica que
permeavam assimetrias e desigualdades econmicas, sociais e culturais.
Alm do interesse crescente, as leituras me prepararam para uma experincia nica, em 1989.
nica pela natureza do trabalho proposto, alm de tornar possvel a pesquisa em dois arquivos em Cabo
Verde para a investigao do doutoramento. Quanto ao trabalho, era para integrar a comisso
organizadora, acompanhar a fase preparatria e redigir, com a equipe encarregada, o Relatrio Final para o
Encontro Ministerial dos Cinco Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa que, centralmente,
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sistematizaria os debates sobre a viragem para uma economia de mercado e para um Estado de
transio para a democracia em moldes liberais.
Esta tarefa implicava em levar em conta as especificidades histricas dos processos de
construo dos modelos de desenvolvimento de Estados alinhavados aos diferentes matizes poltico-
ideolgicos, compreendendo a social democracia com partido nico caso de Cabo Verde - e os
marxismos-leninismos prprios de Angola, Guin-Bissau, Moambique e So Tom e Prncipe.
Esta viagem a Cabo Verde, em 1989, possibilitou a pesquisa de documentos no pequeno acervo
do Centro de Formao em Administrao (CENFA) e a reproduo de outros na Agncia Geral do
Ultramar, datados de 1960, alguns publicados em uma ou outra obra desde 1985. Possibilitou tambm que
eu adquirisse alguns livros fundamentais para o doutorado e ainda participasse de um seminrio no
Instituto Superior de Economia da Universidade Tcnica de Lisboa sobre O Estado ps -colonial em
frica, coordenado por Franz-Wilhelm Heimer, professor de Estudos Africanos, do Instituto Superior
da Cincia e do Trabalho (ISCTE) e um dos fundadores do Centro de Estudos Africanos, em1981.
Voltei a Cabo Verde no incio de 1991 e no ano seguinte pelo Projeto Regional de Formao
em Administrao Pblica dos PALOP, conhecido como Formao de Formadores, o que exigiu
estudos sobre cada um dos Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa, ampliando o conhecimento
sobre o Estado-Nao em Cabo Verde.
Por consenso dos africanos, fui escolhida para coordenar a rea de Estado, Administrao
Pblica e Sociedade e, desta forma,fui a responsvel pela escolha dos temas, pela seleo e organizao
dos textos, pelas aulas em So Paulo, alm de supervisionar a prtica pedaggica dos africanos em Cabo
Verde e na Guin Bissau.
Esta longa digresso reconstitui algumas dificuldades da minha trajetria, que acredito no terem
sido muito diferentes das enfrentadas por outros pesquisadores de temas sobre frica e africanos.
Temporalidades: A senhora foi uma das pioneiras que ocuparam uma cadeira de Histria da
frica numa universidade brasileira. Qual a retrospectiva historiogrfica das ltimas duas
dcadas neste campo e quais os desafiosque ainda perduram, tanto para a pesquisa quanto para
implantao da disciplina na universidade?
Professora Leila Hernandez: Por uma srie de processos em curso na sociedade brasileira, em particular
o crescimento dos movimentos negros, ao qual se somou um nmero crescente de pesquisas iniciadas nos
anos 1930, mas que ganharam corpo e cada vez maior reconhecimento de sua importncia desde a dcada
de 1980, o problema dos negros passou a sugerir novos desafios em uma sociedade como a brasileira, que
encobria desigualdades e preconceitos sob o manto da democracia racial.
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Nos ltimos trinta anos, com a ampliao e o aprofundamento das pesquisas de fontes
documentais, foram sensveis as mudanas na historiografia brasileira sobre as duas margens do Atlntico,
enriquecidas por novas abordagens, novos temas e objetos com vrios recortes das dimenses econmicas
e socioculturais prprias do carter plural da sociabilidade do escravismo no Brasil e suas implicaes.
H um nmero crescente de importantes estudos que passaram a realar a importncia de uma
histria do mundo atlntico para os quais foram primordiais as reflexes de pesquisadores brasileiros e os
dilogos que estabeleceram com pesquisadores estrangeiros, como Mary Karasch, Phillip Curtin, Herbert
Klein, Joseph Miller, Paul Lovejoy, Claude Meillassoux, Patrick Manning e Catherine Coquery-Vidrovitch,
os quais apresentaram registros do comrcio negreiro e do fluxo demogrfico, apresentando estimativas
dos africanos entrados em nosso pas at a extino do trfico.
Cabe observar que a reviso e a ampliao de enfoques com um amplo escopo de temas e
periodicidade definida, formulao de problemas e fontes congruentes abriram novas possibilidades
interpretativas, o que se reflete na produo dos pesquisadores que contribuem para consolidar a
complexa temtica da singularidade da frica e dos africanos. Integra este grande conjunto estudos que
tratam das trocas comerciais (sobretudo as que envolveram o trfico Atlntico), da circulao de ideias,
dos modos de vida e das criaes identitrias enlaadas s manifestaes culturais e s resistncias. Cito os
trabalhos de Manolo Florentino, Joo Jos Reis, Luiz Felipe de Alencastro, entre outros, que registram a
presena da frica no Brasil e do Brasil na frica. A estes autores somaram-se outros como Robert
Slenes, Peter Fry e o pouco citado, mas no menos importante, Jacques dAdesky. Suas obras
contriburam para que se constitusse uma slida linha de pesquisa demogrfica, econmica e cultural (no
sentido amplo do termo), articulando dados quantitativos com anlises qualitativas que deram nfase
histria de uma frica que vria.
Merece registro a rea que estabelece uma articulao entre Antropologia e Histria, marcando a
importncia da interdisciplinaridade. Trata da vinda e do retorno de africanos, das sequncias e rupturas
em cada lado do Atlntico, sendo a obra de Pierre Verger fundamental para vrios pesquisadores com
diferentes abordagens. O autor de "Fluxo e Refluxo: a Dispora africana"voltou-se para o tema da
singularidade histrica da frica e dos africanos, suas diferentes dinmicas e temporalidades e os seusritmos prprios, tratando das condies de vida dos escravos, da legislao, das revoltas e rebelies na
Bahia (com destaque para a de 1835), das formas de emancipao e do retorno frica. Em especial,
analisou as relaes dos africanos com o sagrado nos dois lados do Atlntico tocando, ainda que de forma
transversa, no permanente debate sobre a cultura brasileira e a identidade nacional.
Na mesma trilha, destacam-se as pesquisas de Manuela Carneiro da Cunha e de Milton Guran.
A proposta de ambos compreender as particularidades do processo histrico que condicionaram a
Dispora e a volta de ex-escravos frica. Para Carneiro da Cunha, a interconexo dos processos e das
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relaes estabelecidas nas duas costas do Atlntico configurou na sua feliz expresso, uma dispora
mercadora.
J Guran, mais diretamente tributrio da obra de Verger, elegeu a fotografia como principal
fonte documental e fez uma anlise antropolgica centrada na construo social das identidades dos
aguds, os brasileiros do Benin, salientando o substrato negro que est impresso em diversas formas
culturais de uma cultura nova. Os trs pesquisadores contriburam com obras clssicas para as reas de
Estudos Africanos, Histria da Dispora e Histria da frica, ainda sem fronteiras definidas e com
estatutos tericos vagos.
Mais um registro, este da obra de Alberto da Costa e Silva, que se fez historiador da frica.
Com erudio, considera os deslocamentos, os confrontos e o conjunto de aspectos prprios das culturas
materiais e imateriais de uma frica plural e em constante movimento, por um conjunto de razes
internas prpria frica, incluindo os contatos e intercmbios culturais feitos com europeus e orientais,
entre outros, chineses, indianos, rabes e libaneses.
No conjunto, com diferentes registros, todos os pesquisadores lembrados venceram as
emboscadas prprias de dicotomias como: frica tradicional, profunda, verdadeira e frica moderna,
contaminada pelos europeus promotores de rupturas num continente de permanente estabilidade (quase
imobilidade) de seus povos. E tambm o que tentei fazer, sobretudo, em Os filhos da terra do soleA
frica na sala de aula. Tenho procurado alcanar esses objetivos desde o primeiro curso de Histria da
frica que ofereci na PUC/SP, em 1997- dividindo as aulas com os professores Fernando Novaes, LuizFelipe Alencastro, Milton Santos, Jos Maria Nunes e Kabengele Munanga - passando pela atividade como
docente e pesquisadora concursada no Departamento de Histria da Universidade de So Paulo desde o
primeiro semestre de 1998 at os dias de hoje.
Mas os desafios ainda so muitos e de vrias ordens, o mais difcil, promover uma ruptura com
o paradigma ocidental presente no conhecimento e no imaginrio sobre a frica, os africanos e seus
descendentes espalhados pelo mundo, passa pela academia brasileira, ainda predominantemente
eurocntrica. J caminhamos bastante, mas h muito por fazer... Continuamos a ter o compromisso de
qualificar nossos alunos que sero formadores de profissionais dos ensinos fundamental e mdio, o que
tambm passa pela produo de material didtico para ser utilizado em sala de aula. Continuamos a ter
compromisso com os alunos da graduao e da ps-graduao na preparao de nossas aulas e no difcil
papel de orientadores de Iniciao Cientfica, Mestrado, Doutorado e Ps-Doutorado. Precisamos
pesquisar mais, estudar mais e difundir nossos conhecimentos.
Temporalidades: A senhora tem recebido vrios convites para participar de entrevistas que
versam sobre as mais diversas temticas do atual cenrio poltico da frica, desde questes
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raciais na frica do Sul, passando pelo plebiscito no Sudo questo eleitoral no Qunia. Qual o
papel poltico para o historiador da frica Contempornea?
Professora Leila Hernandez: Considero a divulgao do conhecimento para fora dos muros da
academia um compromisso poltico, comeando por salientar a no razoabilidade de tratar diferenas
como desigualdades e por destacar as vrias ordens de preconceito e discriminao. papel do historiador
de frica contempornea revelar o reducionismo com que a imprensa escrita, televisiva ou eletrnica trata
difceis questes africanas como prprias ou decorrentes de intolerncias tribais ou de incapacidades,
perpetuando a ideia de incompetncia e primitivismo dos africanos, assim considerados segundo modelos
e valores ocidentais.
Temporalidades: A terceira edio de seu livroA frica na sala de aula: visita histriacontempornea indcio do interesse e, ao mesmo tempo, da dificuldade enfrentada por
professores do ensino Fundamental e Mdio para atender a uma demanda poltica e social no
Brasil, a do ensino de uma histria longamente esquecida. Como a senhora se posiciona frente
lei n 10.639/2003 e como vislumbra as possibilidades de um ensino desvinculado do
eurocentrismo?
Professora Leila Hernandez: Em primeiro lugar lembro que o livrocomo consta em sua introduo-
resultou das minhas aulas de Histria da frica para os alunos de graduao em Histria do
Departamento de Histria da Universidade de So Paulo. Neste sentido, A frica na sala de aula: visita
histria contempornea, em princpio, um livro para ser usado no terceiro grau. A lei n. 10.639/2003
colocou os professores do ensino Fundamental e Mdio frente escassez de material e os professores
passaram a usar, em especial, os seis primeiros captulos do livro.
Acho que o livro foi e ainda uma boa contribuio para iniciar os estudos em Histria da
frica. Mas formar uma historiografia brasileira sobre a frica ainda um grande projeto. Precisa ser
construdo de forma sistemtica e com muita determinao. Temos criticado o pensamento eurocntrico,
porm, volta e meia camos em suas armadilhas...
Temporalidades: De que maneira a senhora avalia o dilogo e as contribuies dos estudos da
dispora para os estudos de Histria da frica?
Professora Leila Hernandez:Ao articular empiria e anlises tericas, as pesquisas que tratam dos polos
de difuso demogrfica e cultural reveladores da presena da frica no Brasil e do Brasil na frica
contribuem para os estudos da dispora e de Histria da frica.
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H uma geografia histrica ligando as duas margens do Atlntico como partes do cenrio de
uma cultura nova, fortemente marcada por um substrato negro, tornando evidente a importncia do
entendimento do trfico, da escravido e dos seus desdobramentos. Esse mesmo ponto de partida desafia
a identificar os costumes, smbolos, ritos e prticas religiosas prprios da cultura, das sociabilidades e dosmovimentos de rebeldia dos escravos que caracterizavam o cotidiano dos africanos em sociedades
assemelhadas, nas duas margens do Atlntico.
Temporalidades: No Brasil, de modo geral, a historiografia tem buscado compreender a histria
do Brasil a partir das relaes com a frica. Seria possvel escrever a histria da frica sem ter
que passar por esse prisma?
Professora Leila Hernandez: Sim, possvel compreender a Histria da frica sem ter de passar pelaHistria do Brasil, o que tenho feito em todas as minhas escrituras. Comecei meus estudos de Histria da
frica a partir de questes prprias dos pases africanos discutidas em colquios, reunies e em sala de
aula com africanos e continuo a trabalhar apaixonadamente com temas de Histria da frica
contempornea. A Histria da frica no apndice da Histria Universal, nem da Histria das Amricas,
nem da Histria dos imprios europeus, nem da Histria do Brasil. Pode haver complementaridade, como
na articulao entre sincronia e diacronia, estrutura e conjuntura, alinhavando hierarquias sociais e cdigos
culturais, mas a Histria da frica no tem de passar necessariamente por nenhuma delas.
Temporalidades: O dilogo entre estudiosos africanos e estrangeiros tem sido bastante profcuo
nos ltimos anos. Como a senhora percebe o resultado desta mudana na historiografia
produzida, sobretudono Brasil?
Professora Leila Hernandez: Os encontros com pesquisadores nacionais e internacionais (africanos,
europeus e americanos) contriburam para o surgimento de novas abordagens, novos problemas relativos
ao recorte do objeto e um maior cuidado na congruncia entre as questes formuladas, a empiria e as
balizas cronolgicas. Cito: Paulo Farias, do Centro de Estudos sobre a frica da Universidade deBirmingham (Inglaterra); Tereza Cruz e Silva, da Universidade Eduardo Mondlane (Moambique);
Boubacar Barry, da Universidade Cheik Anta Diop (Senegal); Gerhard Seibert e Carlos Almeida, do
Instituto Superior de Cincias do Trabalho (Portugal); Cludia Castelo, do Instituto de Investigao
Tropical (Portugal); o guineense Carlos Lopes, e os caboverdianos Manuel Brito Semedo e Iolanda vora.
Cito ainda o filsofo italiano Mauro Maldonato (Itlia), o historiador francs Ren Pelissier. A principal
contribuio dos encontros para os pesquisadores nacionais, assim como para os de outros pases, deriva
da troca de ideias sobre temas, questes e abordagens, somando esforos, por exemplo, para se repensar
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os esquemas binrios essencialistas e incorporar os vrios significados de noes e conceitos, identificando
especificidades de histrias em movimento.
Temporalidades: No atual momento poltico, as antigas reivindicaes dos direitos e valorizao
das culturas afro-brasileiras ganham fora e espao dentro e fora daAcademia. Como a senhora
avalia a importncia e a relevncia da histria da frica nesse contexto?
Professora Leila Hernandez:A Histria da frica remete ao continente e as suas gentes antes do sculo
XV, aos intercmbios entre a frica ao norte e a frica ao sul do Saara e os da costa do ndico. Uma
frica plural, com vrias comunidades nacionais organizadas de forma mais ou menos estratificada e
estrutura de poder horizontalizada ou mais verticalizada. Um continente definido por heterogeneidades de
diversas ordens e com uma pluralidade de agentes construindo histrias particulares, marcadas porprocessos histricos, dinmicas sociais e culturas em movimento nas palavras de Mia Couto registradas
no Prefcio do meu livroA frica na sala de aula: visita histria contempornea.
Por sua vez, o sistema capitalista colonial dos trinta ltimos anos do sculo XIX reatualizou o
imaginrio europeu sobre a frica e os africanos, fortalecendo e exportando esteretipos de primitivismo
e inferioridade frente a um ocidente civilizado, desenvolvido e superior. Conhecer essa conscincia
planetria que se tornou ainda mais efetiva articulada aos interesses econmicos e polticos dos imprios
europeus possibilita compreender a natureza da situao colonial e o sentido da colonizao em frica.
Em poucas palavras, o conhecimento destes e de outros temas tratados de diversas formas nos
espaos da Academia e fora dela permite o reconhecimento dos africanos como agentes de sua Histria.
Permite ainda identificar a origem dos preconceitos e da discriminao na modernidade subsumidos na
ideiahoje contestada- de que uns so mais iguais do que outros.
Temporalidades: A senhora acredita que a consolidao que se deu dos mtodos e pressupostos
tericos da Histria Cultural nas ltimas dcadas teve um papel importante no revigoramento
dos estudos histricos das culturas africanas? Como?
Professora Leila Hernandez: Para o entendimento de diferenas e de entrelaamentos culturais foram
imprescindveis as leituras de autores da historiografia marxista inglesa, entre os quais Hobsbawm,
Thompson e Terence Ranger. Eles oferecem a chave para entender a pluralidade das resistncias frente
violncia e explorao nos mundos do trabalho em sociedades sob a dominao colonial. Neste registro,
h duas referncias bibliogrficas que continuam fundamentais:A inveno dastradiese o artigo de Ranger
Movimentos de resistncia em frica, publicado no volume VII da Histria Geral da frica.
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Entrevista: Prof. Dr. Leila Leite Hernandez
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Dito de forma mais concreta: busquei na obra desses autores o ancoradouro terico para a
pesquisa que fiz sobre Cabo Verde o que me permitiu, por exemplo, compreender como foram
apropriados alguns smbolos e valores prprios do catolicismo, em duas manifestaes culturais
caractersticas da ilha de Santiago, o batucoe a tabanca, em torno dos quais se mobilizaram os rendeiros emeeiros da Ribeira do Engenho, em 1823, de Achada Falco, em 1841, e a de Ribeiro Manoel, em 1910.
Temporalidades: Qual o livro que a senhora gostaria de ter escrito e por qu?
Professora Leila Hernandez: A resposta tem a dimenso de um sonho. E rene duas grandes obras.
Cito Sociologia da frica Negra, cuja leitura incontestavelmente fundamental. Um clssico sobre frica, em
que Georges Balandier concebe o conceito de situao colonial, rompendo com a Antropologia colonial,
filha do imperialismo.
A segunda referncia uma obra de oito volumes que rene pesquisadores de diversos temas
sobre a frica, a Histria Geral da frica.Esta obra coletiva marcou o incio de um pensamento plural,
comprometido em reafricanizar as mentes e descolonizar o pensamento, identificando preconceitos,
lacunas do conhecimento, sobretudo as relativas a no historicidade da frica, alm de questionar
binarismos essencialistas.
So milhares de pginas, mas sonhos so sonhos...