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FÁBIO ROQUE ARAÚJO DIREITO PENAL didático 2020 PARTE ESPECIAL

FÁBIO ROQUE ARAÚJO€¦ · por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. § 7º A pena do feminicídio é aumentada

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FÁBIO ROQUE ARAÚJO

DIREITO

PENALdidático

2020

PARTE ESPECIAL

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IDOS CRIMES CONTRA A VID A

O direito à vida está previsto no art. 5º, caput, d a Constituição Federal de 1988. Trata--se de direit o fundamental, de extrema relevância, sobretudo porque a titularidade dos demais direitos pressupõe o direito à vida. Nada obstante, nem mesmo este direit o está revestido por um caráter absoluto.

Com efeito, há determinadas situações em no sso ordenamento jurídico nas quais a vida pode ser retirada de forma lícita. Basta recordarmos as situações nas quais temos um homi-cídio (fato típico) praticad o em legítima defesa (art. 25, CP) ou qualquer outra excludente de ilicitude. Demais disso, a prórpia Constituição relativiza o direito à vida, quando permite a pena de morte, em caso de guerra declarada (art. 5º, XLVII, a). há ainda, outros casos pre-vistos na parte especial do Código Penal, como os casos de aborto permitido (art. 128, CP).

No Código Penal, os crimes contra a vida são:a) Homicídio (art. 121, CP);

b) Induzimento, instigação e auxílio ao suicídio (art. 122, CP);

c) Infanticídio (art. 123, CP);

d) Aborto (art. 124 a art. 128, CP).

Vale recordar que os crimes dolosos contra a vida são processados e julgados perante o Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, CF). Tendo em vista que o homicídio (art. 121, CP) é o único crime contra a vida que possui modalidade culposa, podemos asseverar que o homicídio culposo é o único dos crimes contra a vida que não irá a Júri.

1.  HOMICÍDIO

Homicídio simplesArt. 121. Matar alguém:

Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

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Homicídio qualificado§ 2° Se o homicídio é cometido:I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;II – por motivo fútil;III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

Feminicídio VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: Pena – reclusão, de doze a trinta anos.§ 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Homicídio culposo§ 3º Se o homicídio é culposo: Pena – detenção, de um a três anos.

Aumento de pena§ 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. § 5º – Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. § 6º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. § 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

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1.1. Topografi a do art. 121

1.2. Considerações iniciais

O art. 121 nos apresenta o primeiro tipo penal do nosso Código. Seguindo a linha traçada pela larga maioria das legislações no mundo, o Código Penal brasileiro inaugura a sua parte especial com o crime de homicídio.

Etimologicamente, a expressão “homicídio” remonta às expressões latinas “hominis”(homem) e “excidium” (exterminar, destruir). Logo, o homicídio retrata a destruição de um ser humano por outro. Durante muito tempo, as legislações conviveram com modali-dades específicas de homicídios, em relação aos quais haveria um tratamento diferenciado. Podemos citar como exemplo o parricídio (matar o pai), matricídio (matar a mãe), fra-tricídio (matar o irmão), regicídio (matar o monarca) etc. atualmente, a única categoria de homicídio mais específica que existe entre nós é o infanticídio, que estudaremos ao abordar o art. 123, CP.

1.3. Modalidades de homicídio

O crime de homicídio possui modalidade dolosa e culposa. É importante recordar que o nosso Código Penal, em seu art. 18, aderiu ao critério

da excepcionalidade do crime culposo, de modo que só existe a modalidade culposa quando a lei assim dispuser expressamente. No caso do crime de homicídio, a modalidade culposa está prevista no art. 121, §1º, CP, além de possui previsão também na legislação extravagante, haja vista o disposto no Código de Trânsito Brasileiro. A propósito, vale registrar que o crime de homicídio é o único entre os crimes contra a vida que admite a modalidade culposa.

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Em sua modalidade dolosa, o crime de homicídio possui as seguintes modalidades: simples, privilegiado e qualificado.

Podemos visualizar as modalidades do crime de homicídio da seguinte forma:

O crime de homicídio simples está previsto no art. 121, caput do Código Penal. trata-se da modalidade mais básica do crime e, também, da redação mais sintética entre todos os tipos penais, sendo a conduta constituída apenas das expressões: “matar alguém”. Para esta modalidade de crime, o legislador previu a pena de reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

À luz de um caso concreto, chegaremos à conclusão de que o crime de homicídio será enquadrado em sua modalidade simples quando estiverem ausentes as hipóteses que caracterizam o homicídio privilegiado ou o qualificado. Por outras palavras, chegamos à ideia de homicídio simples por exclusão.

As hipóteses de homicídio privilegiado encontram-se presentes no art. 121, §1º do Código Penal. Em verdade, a expressão “privilegiado” não é correta, sob o ponto de vista da melhor técnica penal e apuro terminológico. Com efeito, para que se tratasse de uma modalidade privilegiada do crime, seria necessário que as penas mínima e/ou máxima previstas em abstrato para o tipo penal básico (homicídio simples) fossem diminuídas na própria lei (no caso, no art. 121, §1º, CP).

Contudo, não é isto que acontece. O art. 121, §1º, CP apenas nos traz uma causa especial de diminuição de pena, que deve ser levada em consideração pelo julgador na terceira fase da dosimetria. No art. 121, §1º., CP temos, portanto, um homicídio com causa de diminuição de pena, e não um homicídio privilegiado. Todavia, não podemos deixar de perceber que é larga a aceitação da expressão “homicídio privilegiado” em nossa doutrina e jurisprudência, razão pela qual continuaremos a nos valer do vocábulo, a despeito das importantes ressalvas que acabamos de fazer.

Por outro lado, as hipóteses de homicídio qualificado encontram-se dispostas no art. 121, § 2º do Código Penal. São sete os incisos que contemplas as qualificadoras do crime de homicídio. Para estas condutas, a pena passa a ser de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Tendo em vista que as penas mínima e máxima são exasperadas no próprio texto legal, concluímos, facilmente, que, realmente, trata-se de modalidade qualificada do crime, e não mera causa de aumento de pena.

Trataremos de forma pormenorizada das modalidades de homicídio privilegiado e de homicídio qualificado em tópicos próprios.

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1.4.  Tipicidade objetiva

A conduta consiste em “matar” (exterminar a vida humana extrauterina). Esta conduta recai sobre “alguém” (qualquer pessoa humana).

1.5.  Sujeitos

O sujeito ativo do crime de homicídio pode ser qualquer pessoa. Trata-se, portanto, de crime comum, pois não há a exigência de qualquer qualidade especial do agente.

No que diz respeito ao sujeito passivo, também poderá ser qualquer pessoa, isto é, qualquer ser humano. Não se exige, então, qualquer condição especial também do sujeito passivo do crime. Tendo em vista que não há necessidade de capacidade de sobrevivência para que se possa falar em homicídio, bastando haver vida, podem figurar como sujeitos passivos do crime pessoas desenganadas pela medicina, como doentes em estágio terminal ou bebês com anencefalia.

A depender da situação, a condição especial da vítima poderá fazer incidir alguma qualificadora ao crime. É o que ocorre no feminicídio e no homicídio funcional, previstos nos incisos VI e VII do art. 121, §2º, respectivamente. Trataremos de tais hipóteses ao abordarmos as modalidades qualificadas do crime.

1.6.  Objetos

O objeto jurídico é a vida humana extrauterina, que começa a partir do início do parto. Antes disto, falaríamos em vida humana intrauterina, que é objeto jurídico dos crimes de aborto, em suas inúmeras modalidades.

O início do parto normal ocorre com a dilatação do colo do útero ou rompimento da bolsa que contém o líquido amniótico. Por outro lado, o início do parto cesário, o início se dará com as incisões dos instrumentos cirúrgicos nas camadas abdominais. Tendo havido o início do parto, já poderemos falar em vida humana extrauterina1, independentemente de haver a capacidade de sobrevivência do bebê.

Objeto material é a própria pessoa contra a qual recai a conduta do agente.

1.7.  Elemento subjetivo

Elemento subjetivo é o dolo (direto ou eventual), compreendido como a vontade consciente de matar alguém (animus necandi ou animus occidendi), isto é, exige-se do agente o consciente desejo de querer ceifar, acabar, dar fim à vida de outro ser humano e que ele conduza suas ações de forma a atingir o resultado pretendido.

1. Emsentidodiverso,diferenciandooiníciodopartoeavidahumanaextrauterina,GRECO,Rogério.Curso de Direito Penal: parte especial. 15.ed.Niterói:Impetus,2018,p.15.Contudo,oautorconclui,nasendadadoutrinamajoritária,quepodehaverhomicídioapartirdequandoseiniciaoparto,malgradonãoconsiderejáhavervidahumanaextrauterinaemtalmomento.

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Não se exige dolo específico, isto é, uma especial finalidade no agir, para caracterizar o crime de homicídio. Esta especial motivação na conduta até pode fazer incidir alguma quali-ficadora, mas não é imprescindível para a consumação do crime em sua modalidade simples.

Por expressa disposição do art. 121, 3º, o crime de homicídio também admite a mo-dalidade culposa. Trata-se, já o dissemos, da única modalidade de crime contra a vida que possui previsão para a conduta perpetrada a título de culpa.

1.8.  Consumação e tentativa

Consuma-se o crime quando o agente efetivamente atinge o resultado esperado, ou seja, a morte da pessoa. Em nosso ordenamento jurídico, a cessação da vida humana ocorre com a chamada “morte encefálica”, prevista no art. 3º da Lei n. 9.434/97.

Não podemos deixar de recordar que nosso Código Penal adotou, em relação ao tempo do crime, a teoria da atividade (art. 4º, CP), de modo que deve ser levado em consideração o momento da ação ou omissão criminosa, independentemente do efetivo momento do resultado.

Deste modo, quando o agente deflagra disparos na vítima, ainda que ela somente venha a óbito dias ou meses depois, já poderemos falar em homicídio. Se imaginarmos uma situação na qual o agente fosse menor por ocasião dos disparos, já tendo atingido a maioridade quando do óbito da vítima, deveria ele ser tratado como inimputável, incidindo na hipótese o regramento do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Por outro lado, devemos recordar que esta regra do art. 4º, CP não se aplicaria para a contagem do prazo prescricional, porquanto o art. 111, CP adota a teoria do resultado, deter-minando o início da fluência deste prazo a partir do dia em que o crime se consumou (inciso I) ou, em se tratando de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa (inciso II).

A tentativa é admitida quando a conduta é dolosa, pois estamos diante de crime plu-rissubsistente, isto é, compatível com o fracionamento do iter criminis. Na hipótese de nos encontrarmos diante de crime culposo, não haverá que se falar em tentativa, haja vista a incompatibilidade deste instituto com a culpa. A exceção fica por conta da possibilidade de tentativa em caso de crime praticado mediante culpa imprópria (por extensão ou por equiparação), que é decorrente de erro.

1.9.  Ação Penal

A ação penal é de iniciativa pública incondicionada.

1.10.  Homicídio privilegiado

Conforme já mencionamos, o chamado “homicídio privilegiado” nada mais é do que uma causa de diminuição de pena que deve incidir no crime de homicídio, nas hipóteses especificadas no 1º do art. 121, CP. Essa diminuição da pena irá variar de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), e, como toda minorante, deverá incidir na terceira fase da dosimetria da pena.

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Em que pese o art. 121, §1º, CP expressamente mencionar que “o juiz pode reduzir a pena”, trata-se de verdadeira obrigação, na medida em que constitui direito subjetivo do condenado. Melhor teria andado o legislador se mencionasse que o juiz deve diminuir a pena. Este, aliás, o entendimento pacífico entre nossos doutrinadores, além de não en-contrar resistência em nossa jurisprudência.

Não se pode imaginar, com isto, que a adoção de tal entendimento conduziria à diminuição ou supressão da liberdade do julgador na condução do processo criminal e na valoração do feito. Ora, o julgador preserva sua margem de discricionariedade para valorar as circunstâncias do caso concreto e concluir se está presente ou não qualquer das situações que ensejariam a diminuição da pena. O que não se admite é que o julgador reconheça a presença de qualquer de tais hipóteses e, mesmo assim, recuse ao condenado o benefício da diminuição.

Importa destacar que a causa de diminuição de pena do art. 121, §1º, CP possuem caráter subjetivo, e não constituem elementar do crime de homicídio. Por esta razão, não se comunicam aos coautores e partícipes. Deste modo, se tivermos dois agentes praticando o crime, mas apenas um deles agiu impelido por motivo de relevante valor moral, apenas ele fará jus à minorante.

Tendo em vista o caráter de menor censurabilidade que ostenta, o homicídio privi-legiado não é considerado crime hediondo.

Consoante o §1º, do art. 121, CP, haverá a causa de diminuição de pena (homicídio privilegiado) se o agente comete o crime: a) impelido por motivo de relevante valor social ou moral; b) sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. Passemos à análise de cada uma das hipóteses.

1.10.1.  Motivo de relevante valor social ou moral

O relevante valor social é aquele que diz respeito à coletividade, não se adstringindo aos interesses do homicida. Na dicção da doutrina clássica, haveria um homicídio praticado em razão de relevante valor social na conduta do homem que mata o traidor da pátria, em defesa dos interesses da nação. Ou, ainda, o sujeito que mata um político corrupto, com a pretensão de preservar os mesmos interesses.

Já o motivo de relevante valor moral corresponderia aos interesses individuais do homicida. O exemplo mais emblemático trazido pela doutrina é o caso do homem que mata o estuprador da sua filha.

Outra possível situação de homicídio privilegiado por motivo de relevante valor moral é o caso da eutanásia. Neste sentido, podemos imaginar o caso da mãe que, não supor-tando o tenebroso sofrimento de seu filho  – doente em estado terminal, com patologia incurável  – atende ao seu pleito de desligar os aparelhos que o mantêm vivo. Trata-se, sem dúvida alguma, de um homicídio praticado por força do sentimento de piedade, que constitui um valor moral.

Seja no caso do motivo de valor moral, seja no motivo de valor social, o agente atua de forma menos ignóbil do que nos demais tipos de homicídio. Pelo menos assim

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entendeu o legislador, ao contemplar a causa de diminuição de pena para estes crimes. Não se está, naturalmente, com isto, pretendendo que estas condutas sejam destituídas de reprovabilidade. Não. Se assim fosse, não haveria culpabilidade e, portanto, os agentes não poderiam ser punidos.

Ao revés, há punição prevista expressamente na legislação em vigor. O que ocorre, porém, é que estas condutas são consideradas de menor reprovabilidade, o que justifica a incidência da causa de diminuição de pena.

1.10.2.  Sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima

Inicialmente, cumpre não confundir a situação do agente que está sob o domínio de violenta emoção com a daquele que está, apenas, sob a influência da emoção. A distin-ção possui significativa importância prática, na medida em que, a influência da emoção constitui uma circunstância atenuante, prevista no art. 65, III, c, CP, ao passo que, no caso do homicídio, estar sob o domínio da violenta emoção pode configurar a causa de diminuição de pena do art. 121, §1º, CP.

Estar sob o domínio da emoção significa dizer que o agente se encontra completamente “fora de si”, isto é, perdeu o controle, momentaneamente, sobre a sua conduta. Não se deve cogitar que isto implica qualquer modalidade de inimputabilidade, porquanto ausente a doença mental, exigida pelo art. 26, CP.

Não existe uma definição precisa para identificar o lapso temporal abrangido pela expressão “logo em seguida”. A rigor, a expressão significa uma relação de proximidade entre a provocação da vítima e a reação homicida do agente. Trata-se de uma situação de imediatidade, razão pela qual não se admite como privilegiado um crime de homicídio praticado horas ou dias após a provocação2.

Importa destacar, por fim, que o dispositivo legal em comento exige a injusta pro-vocação, e não a agressão (exigida para a caracterização da legítima defesa, prevista no art. 25, CP). Desta forma, poderíamos imaginar um homicídio privilegiado na situação em que o agente mata a vítima que lhe ofendera verbalmente. Também podem ser con-sideradas provocações as “brincadeiras de mau gosto”, os chistes, as piadas ofensivas e as perturbações de outras naturezas.

De toda sorte, é possível perceber que o legislador pátrio considerou as situações de homicídio “privilegiado” como hipóteses de diminuta censurabilidade, quando compara-das às demais hipóteses de homicídio. Por esta razão, a Lei n. 8.072/90 não contemplou o homicídio privilegiado no rol dos crimes hediondos.

1.11.  Homicídio qualificado

As qualificadoras do crime de homicídio estão previstas no §2º do art. 121. Nestes casos, as penas previstas irão variar de 12 (doze) a 30 (trinta). Conforme podemos inferir,

2. JESUS,DamásioE.Direito Penal: parte especial. Vol. II. 31.ed.SãoPaulo:Saraiva,2011,p.96.

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trata-se, realmente, de situações que podem ser consideradas como “qualificadoras”, e não meras causas de aumento de pena, porquanto as penas (mínima e máxima) previstas em abstrato são exasperadas, quando comparadas ao tipo penal básico (homicídio simples).

As circunstâncias que qualificam o crime de homicídio podem ser dividias em quatro grupos. Deste modo, teremos qualificadoras que dizem respeito aos:

a) Motivos: relaciona-se com as razões que impelem o homicida à prática da conduta. É o que ocorre, por exemplo, nas qualificadoras dos incisos I (motivo torpe), II (motivo fútil), VI (feminicídio) e VII (homicídio funcional);

b) Meios: diz respeito aos instrumentos empregados na prática do crime de homicídio, e está presente no inciso III (emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel de que possa resultar perigo comum);

c) Modos (forma): corresponde à forma como o crime é praticado. É a qualificadora do inciso IV (quando o homicídio é cometido à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido).

d) Fins (conexão com outros crimes): refere-se à finalidade pretendida com o homicí-dio. Diz respeito à qualificadora do inciso V (quando o homicídio é cometido para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime).

Passemos à analise de cada uma das qualificadoras.

1.11.1.  Paga, promessa de recompensa ou outro motivo torpe (inciso I)

Na primeira hipótese de qualificadora prevista no art. 121, §2º, o legislador trouxe o homicídio praticado mediante “paga, promessa de recompensa ou outro motivo torpe”.

Aqui, percebemos que o legislador lançou mão do recurso da interpretação analógica. Isto significa dizer que o legislador, por meio do dispositivo de lei em apreço enuncia disposições casuísticas (“paga ou promessa de recompensa”), seguidas de uma formula-ção genérica (“ou outro motivo torpe”). Por outras palavras, o legislador deixa claro que “paga ou promessa de recompensa” constituem modalidade de “motivo torpe”, mas outras formas de praticar o crime impelido por tal motivo também deve ser consideradas para a incidência da qualificadora.

Passemos à análise dessas hipóteses descritas no inciso I:

a) Paga ou promessa de recompensaO crime com esta qualificadora é chamado de “homicídio mercenário”.Tanto a “paga” quanto a “promessa de recompensa” pressupõem a obtenção de al-

guma vantagem, seja ela de caráter patrimonial ou de outra natureza. A distinção reside no momento em que se concretizam, pois na “paga” esta vantagem já foi auferida pela agente, ao passo que na “promessa de recompensa”, tal vantagem somente será obtida após a consumação do homicídio. Para que ocorra o homicídio qualificado, não importa se ocorrerá o efetivo adimplemento da promessa realizada, pois a qualificadora diz respeito aos motivos que conduziram o executor a agir.

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Na prática, nada impede que o crime ocorra e o mandante faça o pagamento de uma parte do valor acordado, deixando outra parte para o momento posterior à consumação. Em um caso como este, teríamos um crime praticado mediante “paga” e “promessa de recompensa” concomitantemente, o que, evidentemente, não faria qualquer diferença para a incidência da qualificadora.

A despeito de algumas divergências doutrinárias, estamos com a doutrina majoritária, no sentido de que a vantagem obtida ou prometida não é, necessariamente, patrimonial. Deste modo, haverá a qualificadora se a “paga” ou “promessa de recompensa” consistir em favor sexual, promessa de casamento, de emprego, título honorífico etc3.

Tema sempre polêmico e que devemos enfrentar diz respeito à incidência desta qua-lificadora para o mandante do crime. Que a qualificadora deve ser aplicada ao executor, não há qualquer dúvida, pois é ele quem pratica o crime mediante a “paga” ou “promessa de recompensa”. Mas, e o mandante? Também deve incidir a qualificadora para ele?

Acreditamos que não. Ora, a qualificadora em comento diz respeito aos “motivos determinantes” para a prática do crime. Conforme mencionamos, o próprio legislador, fazendo uso da interpretação analógica, enumera a “paga” e a “promessa de recompensa” como modalidades de “motivo torpe”. Pois bem. A “paga” e a “promessa de recompensa” apenas são motivos para o executor praticar o crime. Para o mandante, o pagamento ou recompensa constituem, tão-somente, meio para concretizá-lo. Podemos, ainda, acrescen-tar que o mandante poderá, inclusive, estar impelido por um motivo de relevante valor social ou moral.

No âmbito da nossa jurisprudência, também o Superior Tribunal de Justiça vem en-tendendo que “o reconhecimento da qualificadora da ‘paga ou promessa de recompensa’ (inciso I do § 2º do art. 121) em relação ao executor do crime de homicídio mercenário não qualifica automaticamente o delito em relação ao mandante, nada obstante este pos-sa incidir no referido dispositivo caso o motivo que o tenha levado a empreitar o óbito alheio seja torpe”4.

b) Outro motivo torpeConforme já procuramos elucidar, a “paga ou promessa de recompensa” é modalidade

de motivo torpe. Motivo torpe é o abjeto, repugnante, que produz asco, enfim, o motivo de maior reprovabilidade. São crimes perpetrados pela exasperação ostensiva dos instintos mais primitivos. Entram neste rol os emblemáticos casos em que filhos matam os pais para ficar com herança ou pessoas matam cônjuges para receber o prêmio do seguro de vida.

A questão ainda controversa reside na admissibilidade da incidência desta qualificadora em hipóteses como o homicídio praticado por ciúmes e por vingança. Acerca disto, o STJ já decidiu que “o ciúme, por si só, sem outras circunstâncias, não caracteriza o mo-tivo torpe”5. Na mesma linha, também já decidiu esse Tribunal Superior que Ademais,

3. Nosentidodeserpossívelincidiraqualificadoraquandoestivermosdiantedevantagemdequalquernatureza,JESUS,DamásioE.Direito Penal: parte especial. Vol. II. 31.ed.SãoPaulo:Saraiva,2011,p.98.

4. STJ,REsp1.209.852-PR, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 15/12/2015, DJe 2/2/2016.5. STJ,HC123.918/MG,rel.Min.FelixFischer.

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Cap. I • DOS CRIMES CONTRA A VIDA 81

conforme assentou o STF, a vingança, por si só, não consubstancia o  motivo torpe, que há de ser aferida à luz do contexto do fato6.

1.11.2.  Motivo fútil (inciso II)

Trata-se do motivo banal, irrelevante, desproporcional. Refere-se à pequeneza do motivo. É o caso do sujeito que mata a vítima porque, por exemplo, ela torcia por outro time de futebol, ou por uma dívida de valor irrisório.

Não se deve confundir o motivo fútil com o motivo injusto. Com efeito, todo crime é injusto, e isto, por óbvio, não seria suficiente para qualificá-lo. De igual sorte, não podemos confundir o motivo fútil com o motivo torpe, e sequer conciliá-los, pois o mesmo motivo não pode ser torpe (abjeto, repulsivo) e fútil (irrelevante, banal) ao mesmo tempo, embora qualquer das duas modalidades enseja a incidência de uma qualificadora para o homicídio.

Discute-se se haveria a qualificadora em tela em caso de homicídio praticado sem mo-tivo algum. Sobre o tema, a doutrina se manifesta de forma diversa. Há quem defenda que sim, pois seria um contrassenso que o legislador punisse com pena mais grave o agente que comete um homicídio por um motivo banal e não fizesse o mesmo com aquele agente que o fizesse sem motivo algum. Noutro passo, a doutrina majoritária defende que a ausência de motivos não qualifica o crime, tão somente por falta de previsão legal. Ademais, a intenção de comparar a ausência de motivos a motivo fútil seria analogia in malam partem.

De nossa parte, acreditamos que não existe crime sem motivo. Todo crime possui uma motivação. Em verdade, o chamado “crime sem motivo” corresponde a um crime em que a investigação na conseguiu lograr êxito em desvendar a motivação do criminoso, ou algum crime em que o motivo era tão banal (fútil) que sequer foi considerado.

No primeiro caso (não conseguiu descobrir o motivo do crime), a qualificadora não deverá incidir, pois o ônus de provar a existência da qualificadora é da acusação, e ante a ausência de prova, prepondera a técnica de julgamento do in dúbio pro reo. Na segunda hipótese (motivo tão banal que é considerado “crime sem motivo”), resta evidente que deverá incidir a qualificadora do motivo fútil.

Palmilhando a trilha da doutrina majoritária, entende o STJ que “motivo fútil não se confunde com ausência de motivos, de tal sorte que se o crime for praticado sem nenhuma razão, o agente somente poderá ser denunciado por homicídio simples”7.

Ainda na esteira de alguns entendimentos consagrados pela nossa jurisprudência, que não há motivo fútil quando, a partir de um fato sem importância, surge uma briga8. Neste caso, haveria uma futilidade mediata, e não imediata, o que afastaria a incidência da qualificadora. Contudo, a discussão anterior entre autor e vítima não afasta, por si só, a qualificadora, o que significa dizer que caberá ao julgador analisar o caso concreto9.

6. STJ,REsp785.122-SP,rel.Min.OgFernandes.7. STJ,HC152.548/MG,rel.Min.JorgeMussi.8. STJ,ArRgnoREsp1.113.364-PE,rel.Min.SebastiãoReisJr.,julgadoem06/08/2013.9. STJ,ArRgnoREsp1.113.364/PE,rel.Min.SebastiãoReisJr.,QuintaTurma,julgadoem06/08/2013.

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Também não há que se falar em motivo fútil na hipótese em que o homicídio é praticado durante um “racha”10.

Questão mais delicada diz respeito à possibilidade de se conciliar com o motivo fútil com o dolo eventual. Neste tema, não há consenso jurisprudencial, porquanto duas correntes de pensamento disputam a primazia. Para uma primeira corrente, é possível a incidência da qualificadora no dolo eventual, pois “o dolo do agente, direto ou indireto, não se confunde com o motivo que ensejou a conduta”11. Uma segunda corrente de pen-samento rechaça a possibilidade de se conciliar a qualificadora do motivo fútil com o dolo eventual, “tendo em vista a ausência de elemento volitivo”12.

1.11.3.  Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum

Mais uma vez, o legislador se vale da possibilidade de interpretação analógica, ao enunciar uma regra específica e concluir a expressão de forma genérica (“outro meio insidioso ou cruel de que podia resultar perigo comum”).

Meio insidioso é aquele ministrado pelo agente por meio de algum estratagema, de modo que a vítima não tome conhecimento. É o conhecido exemplo em que o agente sabota o veículo automotor que será conduzido pela vítima, retirando-lhe os freios.

Por sua vez, meio cruel é aquele que produz sofrimento excessivo, desproporcional. Podemos recordar o exemplo de alguém mata a vítima desferindo-lhe inúmeros golpes, lentamente. Evidentemente, somente estará presente a qualificadora se o meio cruel foi empregado para a prática do homicídio. por outras palavras, não há que se qualificar o crime quando o agente consuma o crime para, em seguida, agir contra o cadáver mutilando-o, por exemplo. Em casos como esse, a depender do dolo do agente, poderemos estar diante de algum outro crime como a “destruição, subtração ou ocultação de cadáver” (art. 211, CP) ou o “vilipêndio a cadáver” (art. 212, CP), mas não a qualificadora do homicídio.

Por fim, meio de que possa resultar perigo comum é aquele que pode afetar um número indeterminado de pessoas. É o caso em que o agente deflagra inúmeros disparos contra a vítima em via pública. Não há necessidade de que ocorrência de efetivo perigo para que incida a qualificadora. O próprio texto legislativo deixa isso evidenciado quando dispõe sobre meio “de que possa resultar” perigo comum. Basta, portanto, a aptidão para produção do perigo comum. Seguindo essa linha de raciocínio, alguns doutrinadores sustentam a tese de que, se ocorrer o efetivo perigo, o agente poderia ser responsabilizado pelo homicídio qualificado em concurso formal com algum crime de perigo comum (arts. 251 a 259, CP)13.

Conforme já asseveramos, na qualificadora em comento, o legislador utilizou-se da interpretação analógica, empregando fórmulas casuísticas seguida de uma fórmula genérica.

10. STJ,HC307.617/SP,rel.Min.NefiCordeiro,redatorp/acórdãoMin.SebastiãoReisJr.,QuintaTurma,julgadoem19/04/2016.

11. STJ,REsp912.904/SP,rel.Min.LauritaVaz,QuintaTurma,julgadoem06/03/2012.12. STJ,HC307.617/SP,rel.paraacórdãoMin.SebastiãoReisJr.,SextaTurma,julgadoem19/04/2016.13. Nestesentido,JESUS,DamásioE.Direito Penal: parte especial. Vol. II. 31.ed.SãoPaulo:Saraiva,2011,p.101.

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Com isto, fica fácil percebermos que “veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura” constituem modalidades de “meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum”. Pas-semos à análise de cada hipótese.

a) Veneno: é a substância química ou biológica, que dcteriora o organismo, condu-zindo a vítima à morte. O homicídio praticado mediante emprego de veneno é também conhecido como venicídio. Ainda sob o prisma etimológico, importa mencionar que o ato de envenenar alguém é chamado de veneficio.

O veneno pode ser encontrado em sua forma liquida, sólida ou gasosa. Algumas substâncias são consideradas veneno em seu sentido mais genérico porque conduzem qualquer indivíduo à morte. Outras, contudo, poderão ser consideradas veneno, para fins de incidência da qualificadora em apreço, a depender do caso concreto. Deste modo, haverá a qualificadora do venicídio quando o agente ministra uma dose excessiva de uma substância em relação a qual a vítima possui forte reação alérgica. Outro exemplo seria a injeção de considerável dose de glicose à vítima com acentuado grau de diabetes.

Nestes casos mencionados, o agente somente responderá pela qualificadora do ve-nicídio se tiver consciência dos efeitos deletérios e letais que referida substância produz naquela vítima. Ora, como sabemos, as qualificadoras do homicídio somente incidem na sua modalidade dolosa. Deste modo, para que haja a qualificadora, é necessário que o dolo também recaia sobre a sua existência. Se o dolo é constituído do binômio consciência (elemento intelectivo) e vontade (elemento volitivo), somente falaremos na qualificadora do venicídio se houver a consciência da situação de saúde da vítima (alergias à substância, diabetes etc) aliada à vontade de produzir a sua morte por meio do emprego da substância.

A qualificadora do emprego de veneno deve caracterizar meio insidioso ou cruel. Será meio insidioso quando o veneno é ministrado de forma sub-reptícia, sem o conhecimento da vitima. Lado outro, será considerado meio cruel quando ministrado mediante violência. De um modo geral, a demonstração da qualificadora dependerá de exame pericial, que aponte a presença da substância tóxica no corpo da vítima.

b) Fogo: a qualificadora estará presente quando o agente matar a vítima mediante o emprego do fogo. Por óbvio, não há que se falar em homicídio com tal qualificadora quando o agente mata a vítima de alguma outra forma e utiliza o fogo apenas para queimar o cadáver. Quando se emprega o fogo, estamos diante de modalidade de meio cruel. A depender da forma como praticado, também poderíamos mencionar tratar-se de caso de “meio de que possa resultar perigo comum”. Isto, evidentemente, dependerá da facilidade de o fogo alastrar-se.

c) Explosivo: conforme o Decreto n. 3.665/2000, em seu art. 3º., inciso LI, explosivo é um tipo de matéria que, quando iniciada, sofre decomposição muito rápida em pro-dutos mais estáveis, com grande liberação de calor e desenvolvimento súbito de pressão. Artefato incendiário, como o próprio nome está a indicar, é aquele idôneo à produção de incêndios, tais como, por exemplo, o chamado “coquetel Molotov”. Como regra, caracteriza uma espécie de “meio de que possa resultar perigo comum”. Seria a hipótese de o agente colocar uma bomba no carro da vítima, por exemplo.

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Pode acontecer de o homicídio mediante emprego de explosivos produzir destrui-ção em bens alheios. Neste caso, deveria também o homicida responder pelo crime de dano (art. 163, CP)? Não. O tipo penal do dano é categórico ao prever a sua modalidade qualificada quando praticado “com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave” (art. 163, para´grafo único, II, CP). Ora, no caso em comento, resta evidenciado que o homicídio é crime mais grave, que afastaria a caracte-rização do crime de dano qualificado.

Por outro lado, se, no lugar de o explosivo produzir dano em coisa, provocar alguma lesão em outra pessoa, estaremos diante do concurso formal de crimes (art. 70, CP).

d) Asfixia: corresponde à supressão da respiração. A asfixia pode ser mecânica ou tóxica. A asfixia mecânica pode ser enforcamento, estrangulamento, esganadura, sufocação,

soterramento, imprensamento ou afogamento. Já a asfixia tóxica pode ser por confinamento ou pelo uso de gás asfixiante, como o óxido de carbono14.

A asfixia pode caracterizar meio cruel (ex.: soterramento), insidioso (ex.: submissão da vítima à inalação de gás tóxico de difícil percepção ou imperceptível) ou de que possa resultar perigo comum (ex.: difusão do gás tóxico com ampla probabilidade de alcançar muitas pessoas), a depender do caso.

e) Tortura: No dia 10 de dezembro de 1984, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. O Congresso Nacional brasileiro aprovou a referida Convenção por meio do Decreto Legislativo n. 04, de 23 de maio de 1989, ela foi ratificada no dia 28 de setembro de 1989 e entrou em vigor no dia 28 de outubro de 1989. No dia 15 de fevereiro de 1991, finalmente, é aprovado o Decreto n. 40, dando efetividade à implementação da Convenção.

A Convenção define a tortura no seu art. 1º, nos seguintes termos: “Para fins da pre-sente Convenção, o termo ‘tortura’ designa qualquer acto pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos

14. Aotratardasmodalidadesdeasfixia,descreveMagalhãesNoronhaqueelapodesertóxicaemecânica.Eprossegue:“Estaofereceasmodalidadesdoenforcamento (constriçãodopescoçoporumlaçoacionadopelopesodavítima);estrangulamento (constriçãodopescoçoporumlaçoacionadopelaforçamusculardavítimaoudeterceiro);esganadura (constriçãodaparteanteriordopescoçopelamão);sufocação (impedimentorespiratóriodiretoouindireto,oprimeirocomoclusãodosorifíciosrespiratórioscomousodecertosobjetos,v.g.umtravesseiro,oucomoclusãodasviasrespiratórias,pelapenetraçãodesubstânciaexternas,alimentos,líquidos,ousubstânciasendógenas,comoosangue,pus,etc.);soterramento(asfixiarealizadapelaperma-nênciadoindivíduoemummeiosólidoousemi-sólido,demodoqueassubstânciasaícontidaspenetramnaárvorerespiratória,impedindoapenetraçãodoar);afogamento (ocorrequandoavítima,estandototalouparcialmentenummeiolíquido,estepenetraemsuasviasrespiratórias)”.NORONHA,E.Magalhães.Direito penal:introduçãoepartegeral. 4.ed.SãoPaulo:Saraiva,1967.v.I,p.299.

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c) De forma livre (a Lei não estabelece exigência para a forma de execução);

d) Simples (tutela apenas um bem jurídico);

e) Comissivo (em regra) ou omissivo (quando ocorre omissão imprópria);

f) Unissubjetivo (pode haver ou não concurso de pessoas);

g) Instantâneo de efeitos permanentes (consuma-se de imediato, mas os efeitos se protraem no tempo);

h) Plurissubsistentes (a conduta pode ser fracionada, e por isso admite a tentativa);

i) De dano (a consumação enseja violação ao bem jurídico, e não mera exposição a perigo);

j) Não transeunte (o crime deixa vestígios);

k) Doloso (em regra) ou culposo.

1.21. Quadro sinóti co

HOMICÍDIO

Topografi a do Art. 121

Caput:homicídiodolososimples§1:homicídiodolosoprivilegiado§2º:homicídiodolosoqualificado§3º:homicídioculposo§4º:majorantesdepena§5º:perdãojudicial(exclusivodohomicídioculposo)§6º:majorantedogrupodeextermíniooumilíciaarmada§7º:majoranteparaofeminicídio

1

Considerações Iniciais Ohomicídioretrataadestruiçãodeumserhumanoporoutro. 2

Modalidades de Homicídio 3

Tipicidade Objeti va Acondutaconsisteem“matar”(exterminaravidahumanaextraute-rina).Estacondutarecaisobre“alguém”(qualquerpessoahumana). 4

Sujeitos Os sujeitos ati vo e passivo do crime de homicídio podem serqualquerpessoa, istoé,qualquerserhumano. 5

ObjetosO objeto jurídico é a vida humana extrauterina, que começa apartirdoiníciodoparto.Jáoobjeto materialéaprópriapessoacontraaqualrecaiacondutadoagente.

6

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Elemento Subjetivo

Elemento subjetivoéodolo (diretooueventual), compreendidocomoavontadeconscientedemataralguém(animus necandiouanimus occidendi).Porexpressadisposiçãodoart.121,3º,ocrimedehomicídiotambémadmiteamodalidadeculposa.

7

Consumação e Tentativa

Consuma-seocrimequandooagenteefetivamenteatingeoresultadoesperado,ouseja,amortedapessoa.Atentativaéadmitidaquandoacondutaédolosa,poisestamosdiantedecrimeplurissubsistente,istoé,compatívelcomofracionamentodoitercriminis.Nahipótesedenosencontrarmosdiantedecrimeculposo,nãohaveráquesefalaremtentativa,hajavistaaincompatibilidadedesteinstitutocomaculpa.Aexceçãoficaporcontadapossibilidadedetentativaemcasodecrimepraticadomedianteculpa imprópria (porextensãoouporequiparação),queédecorrentedeerro.

8

Ação Penal Aaçãopenalédeiniciativapúblicaincondicionada. 9

Homicídio Privilegiado

É uma causa de diminui-ção de pena que irá variar de 1/6 a 1/3, que deve in-cidir no crime de homicídio se o agente comete o crime:

Impelido por motivo de re-levante valor social ou moral

O relevante valor social éaquele que diz respeito àcoletividade.Jáomotivoderelevante valor moral cor-responderia aos interessesindividuaisdohomicida.

10.1

Sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provo-cação da vítima

Estarsobodomíniodaemo-çãosignificadizerqueoagen-teseencontracompletamen-te“foradesi”,istoé,perdeuocontrole,momentaneamentesobresuaconduta.

10.2

Homicídio Qualificado

As qualificadoras do crime de homicídio estão previstas no § 2ºdo art. 121. Nestes casos, as penas previstas irão variar de 12(doze)a30(trinta)anos.Destemodo,teremosqualificadorasquedizemrespeitoaos:a) Motivos:relaciona-secomasrazõesqueimpelemohomicida

àpráticadaconduta;b) Meios: diz respeito aos instrumentos empregados na prática

docrimedehomicídio;c) Modos:correspondeàformacomoocrimeépraticado;d) Fins:refere-seàfinalidadepretendidacomohomicídio.São elas: 1) Paga, promessa de recompensa ou outro motivo torpe (Inciso I): Pagaepromessaderecompensa pressupõemaobtençãodealgumavantagem,sejaeladecaráterpatrimonialoudeoutranatureza.Outromotivotorpe:éoabjeto, repugnante,queproduzasco,enfim,omotivodemaiorreprovabilidade.Sãocrimes perpetrados pela exasperação ostensiva dos instintosmaisprimitivos;2) Motivo fútil (inciso II):refere-seàpequenezadomotivo;3) Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou

outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum: Meioinsidiosoéaqueleministradopeloagentepormeiodealgumestratagema,demodoqueavítimanãotomeconhe-cimento;Meiocrueléaquelequeproduzsofrimentoexcessivo,

11

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Cap. I • DOS CRIMES CONTRA A VIDA 109

Homicídio Qualificado

desproporcional;Meio de que possa resultar perigo comum éaquelequepodeafetarumnúmeroindeterminadodepessoas;

4) À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido (inciso IV): trata-sedaqualificadoraemvirtudedofatorsurpresa;

5) Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime (inciso V): Na conexão teleológica,oagentepraticaacondutaparaasseguraraexecuçãodeoutrocrime.Aconexãoconsequencialexistequandooagentepraticaohomicídioparaasseguraraocultação,impunidadeouvantagemdeoutrocrime;

6) Contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: feminicídio (inciso VI):Paraqueocorraestaqualificadora,éim-prescindívelqueohomicídioocorra,porrazõesdesexofeminino.Entretanto,nãobastaquesetenhaporvítimaumamulherparaque sepossa falar em feminicídio,umavezqueoaoart. 121doCódigoPenalo§2º-A,estabelecequeconsidera-sequehárazõesdecondiçãodesexofemininoquandoocrimeenvolve:a) Violência doméstica e familiar: âmbito da unidade

doméstica;âmbitodafamília;relaçãoíntimadeafeto;b) Menosprezo ou discriminação à condição de mulher:

trata-sedacaracterizaçãodocrimedefeminicídioanteumacentuadograudemisoginia,queconduzoindivíduoaceifaravidadavítima;

6.1. Causa de aumento de pena no feminicídio:Apenadofeminicídiodeveseraumentadadeumterçoatéametadese o crime for praticado: durante a gestaçãoounos 3(três)mesesposterioresaoparto(incisoI);Contrapessoamenorde14(catorze)anos,maiorde60(sessenta)anos,comdeficiênciaouportadoradedoençasdegenerativasqueacarretemcondiçãolimitanteoudevulnerabilidadefísicaoumental(incisoII);Napresençafísicaouvirtualdedescendenteoudeascendentedavítima(incisoIII);EmdescumprimentodasmedidasprotetivasdeurgênciaprevistasnosincisosI,IIeIIIdocaputdoart.22daLein.11.340/2006;

7) Contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: homicídio funcional (inciso VII): imprescindívelqueocrimetenhavinculaçãocomafunçãopúblicaexercida.

11

Homicídio Qualifi-cado-Privilegiado

Épossívelvislumbrarsituaçãoemqueocrimedehomicídiosejaqualificado,mas,aomesmotempo,incidaacausadediminuiçãode pena (homicídio privilegiado). Isto será possível quando aqualificadora forobjetiva, istoé,nãodisser respeitoaosmotivosoufinalidadesdohomicídio.Ohomicídioqualificado-privilegiadonãoécrimehediondo.

12

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Pluralidade de Qualificadoras

Nocasoconcreto,podeacontecerdeestarpresentemaisdeumaqualificadora.Nãosequalificaocrimemaisdeumavez,enãosepode levar em consideraçãomais de uma qualificadora na dosi-metriadapena.Então,qualseráasolução jurídicaparaumcasocomoeste.Hátrêscorrentesdepensamentoarespeitodotema:Primeira corrente: uma das circunstâncias será valorada comoqualificadora e a(s) outra(s) como circunstância agravante, seestiver prevista como tal (artigos 61 e 62, CP). Se não houverprevisãocomocircunstânciaagravante,deveráservaloradacomocircunstânciajudicial(art.59,CP)desfavorávelaoréu.Estaéateoriaamplamenteacolhidanadoutrinaenajurisprudência;Segunda corrente:asdemaisqualificadorasdevemserconsideradascomocircunstânciajudicial, independentementedehaverounãoprevisãocomocircunstânciaagravante;Terceira corrente:asdemaisqualificadorasdeveriamserdespreza-das,nãopodendoservaloradasnegativamenteaqualquertítulo.

13

Homicídio Qua-lificado e Crime Hediondo

ConformeaLeideCrimesHediondos(Lein.8.072/90),ocrimedehomicídioseráhediondoquandofor:a) Praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda

que cometido por um só agente; b) Qualificado.

14

Incomunicabilidade das Qualificadoras

Asqualificadorassãomerascircunstâncias,enãoelementares.Ouseja,sãodadosacessórios,satelitários,quenãosãoimprescindíveisàcaracterizaçãodocrime.Porestarazão,nãosecomunicarão.

15

Causas de aumen-to de pena no homicídio doloso

-Apenaéaumentadade1/3 (umterço) seocrimeépraticadocontrapessoamenorde(quatorze)oumaiorde60(sessenta)anos(art.121,§4º,CP);-Apenaéaumentadade1/3(umterço)atéametadeseocrimeforpraticadopormilíciaprivada,sobopretextodeprestaçãodeserviçodesegurança,ouporgrupodeextermínio(art.121,§6º,CP).

16

Homicídio Culposo

Considerações Iniciais: Culpa é a inobservância de um deverobjetivodecuidado.Assim,condutaculposaconstituiumcompor-tamentodescuidado.Estainobservânciadeumdeverdecuidadopoderá se dar por meio de imprudência (modalidade ativa deculpa), negligência (modalidade passiva de culpa) ou imperícia(inobservânciadodeverobjetivodecuidadonoexercíciodearte,ofícioouprofissão).

17.1

Modalidades de homicídio culposo: Código Penal e Código deTrânsitoBrasileiro:Emsetratandodehomicídioculposonadireçãode veículo automotor, deve ser aplicado o CTB. Para as demaishipótesesdehomicídioculposo,aplica-seoCódigoPenal.

17.2

Causas de aumento de pena no homicídio culposo (art. 121, §4º, CP): Conforme o art. 121, §3º, CP, no homicídio culposo,a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta:a) Inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício: Primeira corrente: a despeito das semelhanças, não podemosconfundirestacausadeaumentodepenacoma imperícia,umadasmodalidadesdecondutaculposa;

17.3

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Cap. I • DOS CRIMES CONTRA A VIDA 111

Homicídio Culposo

Segunda corrente:acausadeaumentodepenarelaciona-secoma imperícia, pois somente ao agir de forma imperita o agenteincidiránamajorante. Esta segunda teoriaparece-nosamais ra-zoávelpois imperíciaé, justamente,a inobservânciadedeverdecuidado relacionado à prática de arte, ofício ou profissão;b) Se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima:Acausadeaumento de pena ocorre quando o agente pratica uma condutaculposa e, posteriormente, deixa de prestar socorro à vítima;c) Se o agente não procura diminuir as consequências do seu ato; d) Se o agente foge para evitar a prisão em flagrante.

17.3

Perdão judicial: dispõeoart.121,3º,CPque:“nahipótesedehomicídioculposo,ojuizpoderádeixardeaplicarapena,seasconsequênciasda infração atingiremo próprio agente de forma tão grave que asançãopenalsetornedesnecessária”.Ouseja,trata-sedesituaçãoemqueocorreocrime,masnãohaverácomoaplicar-seapena.

17.4

Outras Questões

Homicídio na Lei de Segurança Nacional

A Lei n. 7.170/83 (Lei deSegurançaNacional),emseuart. 29, pune com pena dereclusãode15(quinze)a30(trinta)anosacondutacon-sistenteemmatarqualquerdas seguintes autoridadespúblicas: Presidente da Re-pública, do Senado Federal,daCâmaradosDeputadosoudoSupremoTribunalFederal.

17.5

Homicídio no caso de irmãos xifópagos

Em um caso como este, oirmão assassino não pode-ria ser obrigado a cumprireventualpenaquelhefosseimposta,porquantoacarreta-riao cumprimentodepenadoirmãoinocente,oquenãoseconcebe.

17.6

Crime não transeunte

Ohomicídioéumcrimequedeixavestígiosmateriais(cha-mado doutrinariamente decrimenãotranseunte),sendoindispensávelarealizaçãodoexame de corpo de delito(examecadavérico).Todavia, pode acontecersituação em que se tornaimpossível realizar o examedecorpodedelito,sendoépossível provar o homicídioporoutrosmeios,comoprovatestemunhal, por exemplo(art.167,CPP).

17.7

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Outras Questões

Homicídio e execução

Crime “de forma livre”, ouseja,nãoháuma formaes-tabelecida pela lei para aconsumaçãodocrime.Ade-mais,emrelaçãoaosmeiosde execução para o crimede homicídio, eles podemser: a) diretos; b) indiretos;c)materiais;d)morais.

17.8

Homicídio, eutanásia e insti-tutos correlatos (distanásia, ortotanásia e mistanásia)

Eutanásiadizrespeitoàante-cipaçãodamortedealguémqueseencontraemsituaçãode sofrimento físico atroz(modalidade de homicídioprivilegiado). Se, por outrolado,estivermosnosreferin-do à eutanásia passiva, emqueoagenteauxiliaavítimaasuicidar-se,estaremosdian-tedo crimedoart. 122,CP(induzimento, instigação ouauxílioaosuicídio).

17.9

Homicídio e competência para julgamento

CompeteaoTribunaldoJúriprocessare julgaroscrimesdolosos contra a vida. Poroutro lado, se estivermosdiante de hipótese em quehaja um homicídio culposo,a competência será do juizsingular. Também serão decompetênciadoTribunaldoJúri os crimes conexos aocrimedolosocontraavida.

17.10

Homicídio e crime continuado

Oart.71,parágrafoúnicodoCódigoPenaladmitefalarmosemcontinuidadedelitivanoscrimescontraavidae tam-bémemoutroscrimesdolo-sos com violência ou graveameaçaàpessoa.

17.11

Transmissão dolosa de HIV

TantooSTF,quantooSTJtêmreconhecidoquenãohaverácrime doloso contra a vidaneste caso de transmissãodolosadoHIV.

17.12

PenasApena para o crime, em suamodalidade simples é de reclusãode seis a vinte anos.Namodalidadequalificada, a pena será dedozeatrintaanos.

18

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Cap. I • DOS CRIMES CONTRA A VIDA 113

Classificação

Ocrimedehomicídiopodeserclassificadocomo:a) Comum (podeserpraticadoporqualquerpessoa);b) Material (a consumação exige a produção de um resultado

naturalístico);c) De forma livre(aLeinãoestabeleceexigênciaparaaformade

execução);d) Simples (tutelaapenasumbemjurídico);e) Comissivo (em regra) ou omissivo (quando ocorre omissão

imprópria);f) Unissubjetivo (podehaverounãoconcursodepessoas);g) Instantâneo de efeitos permanentes(consuma-sedeimediato,

masosefeitosseprotraemnotempo);h) Plurissubsistentes (a conduta pode ser fracionada, e por isso

admiteatentativa);i) De dano(aconsumaçãoensejaviolaçãoaobemjurídico,enão

meraexposiçãoaperigo);j) Não transeunte(ocrimedeixavestígios);k) Doloso(emregra)ouculposo.

19

1.22.  Súmulas aplicáveis

1.22.1.  STJ

600. Para a configuração da violência doméstica e familiar prevista no art. 5º da Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha) não se exige a coabitação entre autor e vítima.

18. A sentença concessiva do perdão judicial e da extinção da punibilidade, não subsis-tindo qualquer efeito condenatório.

1.22.2.  STF

603. A competência para o processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do tribunal do júri.

1.23.  Informativos recentes

• HOMICÍDIO QUALIFICADO. QUALIFICADORAS COM NATUREZAS DIVERSAS. SUBJETIVA E OBJETIVA. POSSIBILIDADE. MOTIVO TORPE E FEMINICÍDIO. BIS IN IDEM. AUSÊNCIA.

Não caracteriza bis in idem o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de feminicídio no crime de homicídio praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar. Observe-se, inicialmente, que, conforme determina o art. 121, § 2º-A, I, do CP, a qualificadora do feminicídio deve ser reconhecida nos casos em que o delito é cometido em face de mulher em violência doméstica e familiar. Assim, “considerando as circunstâncias subjetivas e objetivas, temos a possibilidade de coexistência entre as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio. Isso por-que a natureza do motivo torpe é subjetiva, porquanto de caráter pessoal, enquanto

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o feminicídio possui natureza objetiva, pois incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, assim o animus do agente não é objeto de análise”. Precedente citado do: HC 433.898-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, por unanimidade, julgado em 24/04/2018, DJe 11/05/2018 (Info 625).

• HOMICÍDIO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. DOLO EVENTUAL. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS EXCEDENTES AO TIPO. DESCLASSIFICAÇÃO. HOMICÍDIO CULPOSO.

A embriaguez do agente condutor do automóvel, por si só, não pode servir de premissa bastante para a afirmação do dolo eventual em acidente de trânsito com resultado morte. De início, pontua-se que considerar que a embriaguez ao volante, de per si, já configuraria a existência de dolo eventual equivale admitir que todo e qualquer indivíduo que venha a conduzir veículo automotor em via pública com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool responderá por homicídio doloso, ao causar, por violação a regra de trânsito, a morte de alguém. Não se descura que a embriaguez ao volante é circunstância negativa que deve contribuir para a análise do elemento anímico que move o agente. Todavia, não é a melhor solução estabelecer-se, como premissa aplicável a qualquer caso relativo a delito viário, no qual o condutor esteja sob efeito de bebida alcóolica, que a presença do dolo eventual é o elemento subjetivo ínsito ao comportamento, a ponto de determinar que o agente seja subme-tido a Júri Popular mesmo que não se indiquem quaisquer outras circunstâncias que confiram lastro à ilação de que o acusado anuiu ao resultado lesivo. O estabelecimento de modelos extraídos da praxis que se mostrem rígidos e impliquem maior certeza da adequação típica por simples subsunção, a despeito da facilidade que ocasionam no exame dos casos cotidianos, podem suscitar desapego do magistrado aos fatos sobre os quais recairá a imputação delituosa, afastando, nessa medida, a incidência do impositivo direito penal do fato. Diferente seria a conclusão se, por exemplo, estivesse o condutor do automóvel dirigindo em velocidade muito acima do permitido, ou fazendo, propo-pitalmente, zigue-zague na pista, ou fazendo sucessivas ultrapassagens perigosas, ou desrespeitando semáforos com sinal vermelho, postando seu veículo em rota de colisão com os demais apenas para assustá-los, ou passando por outros automóveis “tirando fino” e freando logo em seguida etc. Enfim, situações que permitissem ao menos suscitar a possível presença de um estado anímico compatível com o de quem anui com o resultado morte. Assim, não se afigura razoável atribuir a mesma reprovação a quem ingere uma dose de bebida alcoólica e em seguida dirige em veículo automotor, comparativamente àquele que, após embriagar-se completamente, conduz automóvel na via. Precedente citado do: REsp 1.689.173-SC, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, por maioria, julgado em 21/11/2017, DJe 26/03/2018 (Info 623).

• HOMICÍDIO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO APÓS SUPOSTA INGESTÃO DE BEBI-DA ALCOÓLICA.DOLO EVENTUAL VERSUS CULPA CONSCIENTE. AFERIÇÃO. JUIZ TOGADO. PRONÚNCIA. FILTRO PROCESSUAL.

Na primeira fase do Tribunal do Júri, ao juiz togado cabe apreciar a existência de dolo eventual ou culpa consciente do condutor do veículo que, após a ingestão de

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bebida alcoólica, ocasiona acidente de trânsito com resultado morte. Observe-se, inicialmente a indagação a respeito da presença do dolo eventual: se o conceito jurídico-penal acerca do que é dolo eventual já produz enormes dificuldades ao julgador togado, que emite juízos técnicos, apoiados em séculos de estudos das ciências penais, o que se pode esperar de um julgamento realizado por pessoas que não possuem esse saber e que julgam a partir de suas íntimas convicções, sem explicitação dos fundamentos e razões que definem seus julgamentos? O legislador criou um procedimento bifásico para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, em que a primeira fase se encerra com uma avaliação técnica, empreendida por um juiz togado, o qual se socorre da dogmática penal e da prova dos autos, e mediante devida fundamentação, portanto, não se pode desprezar esse “filtro de proteção para o acusado” e submetê-lo ao julgamento popular sem que se façam presentes as condições necessárias e suficientes para tanto. Note-se que a primeira etapa do procedimento bifásico do Tribunal do Júri tem o objetivo principal de avaliar a suficiência ou não de razões (justa causa) para levar o acusado ao seu juízo natural. O juízo da acusação (iudicium accusationis) funciona como um filtro pelo qual somente passam as acusações fundadas, viáveis, plausíveis e idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (iudicium causae). Deste modo, não é consentâneo, aos objetivos a que representa na dinâmica do procedimento bifásico do Tribunal do Júri, a decisão de pronúncia relegar a juízes leigos, com a cômoda invocação da questionável regra do in dubio pro societate, a tarefa de decidir sobre a ocorrência de um estado anímico cuja verificação demanda complexo e técnico exame de conceitos jurídico-penais. Precedente citado do: REsp 1.689.173-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, por maioria, julgado em 21/11/2017, DJe 26/03/2018 (Info 623).

• PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO NA DIREÇÃO DE VEÍCU-LO AUTOMOTOR, SOB INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL. DESCLASSIFICAÇÃO. NULI-DADE DA PRONÚNCIA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER.

Homicídio na direção de veículo automotor e competência do tribunal do júri. A Primeira Turma, por maioria, denegou a ordem de “habeas corpus” em que se plei-teava a reforma da decisão que reconheceu a ocorrência de dolo eventual em relação a homicídio cometido por motorista embriagado na direção de veículo automotor, firmada a competência do tribunal do júri. O impetrante apontava equívoco no enquadramento legal realizado na origem. Pleiteava a desclassificação da conduta para o crime previsto no art. 302(1) do Código de Trânsito Brasileiro. O Colegiado considerou legítima a tipificação da conduta como crime doloso, de competência do tribunal do júri, ante o reconhecimento da evolução jurisprudencial na análise do que vem a ser dolo eventual e culpa consciente. No caso, verifica-se a existência de dolo eventual no ato de dirigir veículo automotor sob a influência de álcool, além de fazê-lo na contramão. Esse é, portanto, um caso específico que evidencia a dife-rença entre a culpa consciente e o dolo eventual. O condutor assumiu o risco ou, no mínimo, não se preocupou com o risco de, eventualmente, causar lesões ou mesmo a morte de outrem. Vencidos, em parte, os ministros Marco Aurélio (relator) e Luiz Fux, que deferiram a ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para a prevista no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro, ante a aplicação dos princípios

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da especialidade e da legalidade. (1) Código de Trânsito Brasileiro: “Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.” Precedente citado do: HC 124687/MS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em 29.5.2018. (HC-124687) (Info 904).

1.24.  Questões de Concursos Públicos

01. (CESPE/ TJ-PR/ Juiz Substituto – 2019) A respeito de crimes contra a pessoa, é correto afirmar que

(A) responderá pela prática de crime contra a vida o agente que anuncia produtos ou métodos abortivos.

(B) responderá por homicídio qualificado o agente que matar para assegurar a execu-ção, ocultação, impunidade ou vantagem de uma contravenção penal.

(C) o crime de homicídio admite interpretação analógica no que diz respeito à qualificadora que indica meios e modos de execução desse crime.

(D) o agente que matar sua empregadora por ter sido dispensado sem justa causa responderá por feminicídio, haja vista a vítima ser mulher.

02. (IBADE/ PC – AC/ Delegado de Polícia Ci-vil – 2017) Horácio, traficante de drogas, é integrante de uma facção criminosa instalada em certa comunidade carente. Lucinda, ao seu turno, mora em comunidade dominada porfacção criminosa rival. Devido ao preço do aluguel, Lucinda se muda para a mesma comu-nidade de Horácio, que, ao descobrir a origem de Lucinda, decide matá-la. Assim, usando uma arma de fogo adquirida exclusivamente para aquela finalidade, Horácio vai à casa de Lucinda e derruba a porta. Após percorrer alguns cômodos, Horácio descobre o quarto de seu alvo, encontrando Lucinda sentada em uma cadeira de rodas. Só então descobre que a mulher é tetraplégica. Não obstante, Horácio coloca em prática sua intenção criminosa e mata a vítima com um tiro na testa. Considerando apenas as informações contidas no enunciado, pode-se dizer que Horácio praticou crime de:

(A) feminicídio majorado(B) homicídio qualificado pelos motivos deter-

minantes e pelo modo de execução.(C) homicídio qualificado pelos motivos

determinantes.

(D) homicídio qualificado pelo modo de execução.

(E) Feminicídio.

03. (FAPEMS / PC – MS/ Delegado de Polícia) Segundo Busato (2014), “o homicídio é uma violação do bem jurídico vida como tal consi-derado a partir do nascimento”. E para Hungria (1959), esse crime constitui “a mais chocante violação do senso moral médio da humanidade civilizada”. (BUSATO. Paulo César. Direito Penal: parte especial, l.ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 19. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 25). O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 121, apresenta três modalidades de tipos penais de ação ho-micida, em que os elementos que o compõem podem ou não aparecer conjugados. Acerca das modalidades do crime de homicídio, variantes e caracterização, assinale a alternativa correta.

(A) É caracterizada como homicídio a morte de feto atingido por disparo de arma de fogo, quando ainda no ventre da mãe.

(B) O infanticídio é modalidade do homicídio qualificado pelo resultado, quando a mãe mata o próprio filho logo após o parto, sob a influência do estado puerperal, cuja pena é agravada.

(C) O latrocínio, por se tratar de espécie com-plexa de homicídio qualificado previsto no artigo 121 do Código Penal, não é julgado pelo Tribunal do Júri por envolver questões patrimoniais.

(D) A eutanásia, ou o homicídio piedoso, é reconhecida como conduta praticada por relevante valor moral, caracterizadora do homicídio privilegiado.

(E) O homicídio pode ser considerado qualifi-cado /privilegiado quando praticado por re-levante valor moral motivado por vingança.

04. (FUNDEP/ DPE-MG/ Defensor Público – 2019) Sobre os crimes dolosos contra a vida, analise as afirmativas a seguir.

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