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FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO FACULDADE DE DIREITO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU - MESTRADO RODRIGO CHAMORRO DA SILVA ACORDO DE LENIÊNCIA E COMPLIANCE: PERSPECTIVAS NO ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO EMPRESARIAL PORTO ALEGRE 2018

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FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU - MESTRADO

RODRIGO CHAMORRO DA SILVA

ACORDO DE LENIÊNCIA E COMPLIANCE: PERSPECTIVAS NO

ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO EMPRESARIAL

PORTO ALEGRE

2018

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RODRIGO CHAMORRO DA SILVA

ACORDO DE LENIÊNCIA E COMPLIANCE: PERSPECTIVAS NO

ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO EMPRESARIAL

Dissertação apresentada como requisito final

para obtenção do título de mestre em direito do

Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu –

Mestrado – Área Tutelas à Efetivação de

Direitos Indisponíveis – Linha de Pesquisa:

Tutelas à Efetivação de Direitos Públicos

Incondicionados.

Orientador: José Tadeu Neves Xavier

PORTO ALEGRE

2018

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – (CIP)

Bibliotecário Responsável: Julio Ridieri Costa – CRB-10/2063

S586a Silva, Rodrigo Chamorro da

Acordo de leniência e compliance : perspectivas no

enfrentamento da corrupção empresarial / Rodrigo Chamorro da

Silva. -- Porto Alegre, 2018.

223 f. : il. ; 29 cm.

Dissertação (Mestrado - Área Tutelas à Efetivação de Direitos

Indisponíveis) – Fundação Escola Superior do Ministério Público,

Porto Alegre, RS, 2018.

Orientador: Prof. Dr. José Tadeu Neves Xavier.

1. Direito Empresarial 2. Direito Penal Econômico 3. Lei

Anticorrupção 4. Acordo de Leniência 5. Compliance I. Título.

CDU: 347.7

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RODRIGO CHAMORRO DA SILVA

ACORDO DE LENIÊNCIA E COMPLIANCE: PERSPECTIVAS NO

ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO EMPRESARIAL

DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM DIREITO PÚBLICO

Aprovada em 19 de abril de 2018.

Julgamento: 10,00 (dez).

COMISSÃO JULGADORA

__________________________________________

Prof. Dr. José Tadeu Neves Xavier – FMP

Presidente e Orientador

__________________________________________

Prof. Dr. André Machado Maya – FMP

2º Examinador

__________________________________________

Prof.ª Dr.ª Raquel F. Lopes Sparemberger – FMP

3ª Examinadora

__________________________________________

Prof. Dr. Nereu Giacomolli – PUCRS

4º Examinador

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Ao meu pai, Sérgio, por ter cultivado a semente do conhecimento em minha vida.

À minha mãe, Carmen, o mais belo exemplo de amor e esmero que eu poderia ter.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos aqueles que de contribuiram para a realização deste trabalho, em

especial:

Ao meu orientador, o estimado Professor José Tadeu Naves Xavier, o qual desde o

início revelou interesse pelo tema eleito, bem como pela incitante orientação e acolhimento na

FMP. A ele devo minha especial predileção pelo tema do Direito Empresarial, em face de

suas saudosas aulas ministradas na pós-graduação do Instituto de Desenvolvimento Cultural

(IDC).

À Professora Raquel F. Lopes Saparemberger, pela calorosa acolhida no início do

curso de mestrado, sempre disposta a apascentar os ânimos de alunos como eu, “verdes” na

seara das pesquisas científicas e do “background” da academia. Além disso, a prestimosa e

conselheira Professora sempre se mostrou disponível a realizar revisões nos aspectos

metodológicos de artigos por mim apresentados em vários encontros científicos, todos de

imensurável valia.

Agradeço, também, ao Professor André Machado Maya que, por meio da excelência

de sua cátedra, inspirou-me em inúmeros pontos desenvolvidos no segundo capítulo do

trabalho, ao longo das aulas ministradas em sua disciplina “Direito Fundamental à Segurança

e o Direito de Liberdade”. Além disso, propiciou-me a honra de participar na elaboração de

artigo científico com a sua coautoria, além de me convidar a integrar, na condição de

expositor, relevante seminário jurídico externo sobre o tema em Canela/RS, atividades que em

muito enriqueceram as minhas pesquisas.

Ainda, ao Professor Anízio Pires Gavião Filho, o qual, no curso de sua disciplina

“Colisão de Direitos Fundamentais e Argumentação Jurídica”, propiciou inolvidáveis lições

propedêuticas sobre o tema. Indo além, promoveu edificantes debates por meio de seminários

hábeis em despertar o interesse pela pesquisa em mestrandos que a recém iniciavam a

caminhada rumo à titulação.

Por fim, ao Ministério Público do Rio Grande do Sul, minha instituição, por ter dado

todo o apoio necessário a que minhas pesquisas fossem conduzidas com o resultado almejado.

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O comércio é natural e, portanto, vergonhoso. O menos vil de

todos os comerciantes é o que diz: “Sejamos virtuosos, já que assim

ganharemos mais dinheiro que os tolos desonestos”. Para o

comerciante até a honestidade é especulação financeira.

(BAUDELAIRE, 1867)

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RESUMO

A presente dissertação, vinculada à linha de pesquisa “Tutelas à Efetivação de Direitos

Públicos Incondicionados”, trata dos instrumentos acordo de leniência e compliance no

contexto de enfrentamento da corrupção empresarial, mediante uma abordagem histórico-

legal, dogmática e crítica. A pesquisa busca responder o seguinte problema: o acordo de

leniência e o compliance constituem instrumentos idôneos no enfrentamento da corrupção

empresarial? A hipótese de solução é a de que estes instrumentos, acaso atendidos

determinados critérios, são hábeis a minorar os efeitos negativos decorrentes das relações

empresariais corruptas. Para demonstrá-la, estruturar-se-á o trabalho em três capítulos. No

primeiro, apreciar-se-á o princípio da função social da empresa; apresentar-se-ão as razões

pelas quais se defende o perfil institucional ou corporativo da empresa e, ao final, apontar-se-

ão os centrais preceitos da governança corporativa. No segundo capítulo, cuidar-se-á do tema

do compliance anticorrupção no contexto da teoria da sociedade de risco, realizando-se,

também, uma análise dos elementos centrais para a adoção de um programa de compliance

idôneo. A parte final da pesquisa tratará do acordo de leniência anticorrupção, examinando

seus antecedentes legais nos Estados Unidos da América e no Brasil (acordo de leniência

concorrencial e colaboração premiada). Em sequência, será estudado o acordo de leniência da

Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013), em tópico que será dividido em duas partes: por

primeiro, a análise de sua conceituação, natureza jurídica e finalidade e, por segundo, o seu

regime e estrutura legais. Ainda, será investigada a incidência da teoria dos jogos no processo

de colaboração, bem como as eventuais implicações éticas que a decisão pela delação

eventualmente desencadeia. Por fim, será feita uma análise crítica do regime legal do acordo

de leniência anticorrupção e enfocada a relação etiológica que o referido instituto possui com

o compliance. Para tanto, a metodologia utilizada é a dialética e, a técnica de pesquisa, a

bibliográfica.

Palavras-chave: Direito Empresarial. Direito Penal Econômico. Lei Anticorrupção. Acordo

de Leniência. Compliance.

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ABSTRACT

The present thesis, linked to the research line "Guardianship to effectiveness Public

Unconditional Rights research line", deals with the leniency program and compliance

instruments in the context of dealing with corporate corruption, through a historical-legal,

dogmatic and critical approach. The research seeks to answer the following problem: is the

leniency program and compliance an appropriate instruments in dealing with corporate

corruption? The solution is that these instruments, if they obey certain criteria, are able to

mitigate the negative effects of corrupt business relations. To demonstrate this, the work will

be structured in three chapters. In the first one, the principle of the social function of the

company will be appreciated; the reasons for the corporate profile of the company will be

presented, and, at the end, the central principles of corporate governance will be pointed out.

In the second chapter, the issue of anti-corruption compliance will be addressed within the

context of risk society theory and an analysis of the core elements for adopting a suitable

compliance program will be carried out. The final part of the research will address the anti-

corruption leniency program, examining its legal precedents in the United States of America

and Brazil (antitrust leniency program and non-prosecution agreement). In the sequence, the

leniency program of the Anticorruption Law (Law nº. 12.846/2013) will be studied, in a topic

that will be divided into two parts: firstly, the analysis of its conceptualization, legal nature

and purpose and, secondly, its legal regime and structure. In addition, the incidence of game

theory in the process of collaboration will be examined, as well as the possible ethical

implications that the decision of treason may trigger. Finally, a critical analysis of the legal

regime of the anticorruption leniency program will be carried out, focusing on the aetiological

relationship that the institute has with compliance. Therefore, the methodology used is the

dialectic and, the research technique, the bibliographical one.

Keywords: Business Law. Economic Criminal Law. Anti-Corruption Law. Leniency

Program. Compliance.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Índice de Sustentabilidade Empresarial................................................................. 56

Figura 2- Índice de Governança Corporativa.......................................................................... 57

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

§ – Parágrafo

ACPERA – Antitrust Criminal Penalty Enhancement and Reform Act

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

ART. – Artigo

CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica

CC – Código Civil

CEIS – Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas

CEO – Chief Executive Officer

CF/88 – Constituição Federal de 1988

CGU – Controladoria Geral da União

CNEP – Cadastro Nacional de Empresas Punidas

COBIT – Control Objectives for Information and related Technology

COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras

COSO – Committe of Sponsonring Organizations of the Treadway Comission

CVM – Comissão de Valores Mobiliários

DOJ – Antitrust Division Criminal Enforcement Program

FCPA – Foreign Corrupt Practices Act

FEBRABAN – Federação Brasileira de Bancos

GAFI/TAFT – Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento

do Terrorismo

IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa

IBRADEMP – Instituto Brasileiro de Direito Empresarial

ISACA – Information Systems Audit and Control Foundation

LAC – Lei Anticorrupção

LIA – Lei de Improbidade Administrativa

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OEA – Organização dos Estados Americanos

PAR – Processo Administrativo de Responsabilização

R$ – Real

RDC – Regime Diferenciado de Contratações Públicas

SEC – Securities and Exchange Commission

STF – Supremo Tribunal Federal

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TEI – Técnicas Especiais de Investigação

TCU – Tribunal de Contas da União

TI – Tecnologia da Informação

US$ – Dólar Americano

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 14

2 PREMISSAS CONSTITUCIONAIS E CONCEITUAIS ................................ 19

2.1 A Função Social como Princípio da Ordem Econômica e sua Projeção do

Direito Infraconstitucional..................................................................................

19

2.1.1 Distinções entre Função e Responsabilidade Social.............................................. 26

2.2 Visão Corporativa da Empresa.......................................................................... 33

2.3 Governança Corporativa..................................................................................... 44

3 COMPLIANCE ANTICORRUPÇÃO.............................................................. 60

3.1 Evolução Regulatória do Tema na Sociedade de Risco.................................... 60

3.1.1 A Sociedade de Risco e suas Confluências com o Direito Penal (Direito Penal

de Risco)................................................................................................................

60

3.1.2 O Advento da Cultura do Compliance na Tutela dos Riscos................................. 71

3.2 Controle Anticorrupção no Brasil...................................................................... 78

3.2.1 Corrupção: uma Deformidade Social..................................................................... 78

3.2.2 Diretrizes da Lei Anticorrupção Brasileira............................................................ 84

3.3 Elementos Centrais em um Programa de Compliance..................................... 98

3.3.1 Atos Normativos de Regulamentação de Política de Compliance......................... 103

4 ACORDO DE LENIÊNCIA ANTICORRUPÇÃO.......................................... 113

4.1 Antecedentes Histórico-Legais da Leniência..................................................... 113

4.1.1 O Programa de Leniência dos Estados Unidos da América no Direito

Antitruste...............................................................................................................

113

4.1.2 A Colaboração Premiada: Experiência Brasileira de Consensualidade................ 119

4.1.3 Programa de Leniência Concorrencial do Brasil................................................... 124

4.2 Programa de Leniência na Lei Anticorrupção.................................................. 132

4.2.1 Conceituação, Natureza Jurídica e Finalidade. A Questão da Indisponibilidade

do Interesse Público...............................................................................................

133

4.2.2 Regime e Estrutura do Acordo de Leniência no Âmbito da Lei Anticorrupção... 139

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4.3

A Delação sob o Prisma da Teoria dos Jogos: do Dilema do Prisioneiro à

Ética.......................................................................................................................

152

4.3.1 Enfrentamento das Críticas Jurídicas e Éticas à Delação...................................... 158

4.4 Perspectivas no Enfrentamento da Corrupção Empresarial........................... 172

4.4.1 Aprimoramento Sistemático-legal e a Medida Provisória n. 703/2015................. 173

4.4.2 Uma Palavra Final: O Liame Etiológico entre Acordo de Leniência e

Compliance............................................................................................................

189

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 198

REFERÊNCIAS.................................................................................................. 204

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1 INTRODUÇÃO

A presente dissertação de mestrado está vinculada à Linha de Pesquisa “Tutelas à

Efetivação de Direitos Públicos Incondicionados”, do Programa de Pós-Graduação Stricto

Sensu da Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público.

A pesquisa gira em torno do tema da corrupção empresarial que, em épocas de

operação Lava Jato1, nunca esteve tão em pauta da sociedade brasileira como agora. Junto

com ele assomam instrumentos afins um tanto quanto recentes no Brasil, a exemplo do

compliance e do acordo de leniência anticorrupção.

O presente trabalho tratará destes assuntos, tendo por base, especialmente, a Lei n.º

12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, mas sem descurar das premissas

constitucionais e conceituais mais relevantes para o entendimento do tema, tais quais os

consectários do princípio da função social da empresa e dos preceitos da governança

corporativa.

O ponto do compliance anticorrupção será descortinado no contexto da sociedade do

risco, cuja concretude é determinante na evolução regulatória internacional do referido

instrumento. Na pesquisa ele será apreciado, primeiramente, no âmbito da global law; e, em

um segundo momento, na conjuntura da Lei Anticorrupção; por fim, examinar-se-ão os

elementos centrais para um programa de integridade corporativa eficaz.

Finalmente, a sequência da pesquisa tratará das centrais nuances do acordo de

leniência anticorrupção, mediante uma abordagem, nesta ordem: histórico-legal, dogmática e

crítica.

1 “A operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve. Estima-

se que o volume de recursos desviados dos cofres da Petrobras, maior estatal do país, esteja na casa de bilhões de

reais. Soma-se a isso a expressão econômica e política dos suspeitos de participar do esquema de corrupção que

envolve a companhia. No primeiro momento da investigação, desenvolvido a partir de março de 2014, perante a

Justiça Federal em Curitiba, foram investigadas e processadas quatro organizações criminosas lideradas por

doleiros, que são operadores do mercado paralelo de câmbio. Depois, o Ministério Público Federal recolheu

provas de um imenso esquema criminoso de corrupção envolvendo a Petrobras. Nesse esquema, que dura pelo

menos dez anos, grandes empreiteiras organizadas em cartel pagavam propina para altos executivos da estatal e

outros agentes públicos. O valor da propina variava de 1% a 5% do montante total de contratos bilionários

superfaturados. Esse suborno era distribuído por meio de operadores financeiros do esquema, incluindo doleiros

investigados na primeira etapa.” Segundo o site do Ministério Público Federal, o nome do caso, “Lava Jato”,

decorre de uma rede de postos de combustíveis e lava a jato de automóveis usada para movimentar recursos

ilícitos pertencentes a uma das organizações criminosas inicialmente investigadas. BRASIL. Ministério Público

Federal. Caso Lava Jato: entenda o caso. Brasília, DF: MPF, 2017. Disponível em:

<http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-lava-jato/entenda-o-caso>. Acesso em: 30 mar. 2018.

O Departamento de justiça dos Estados Unidos considera o esquema de corrupção do Grupo Odebrecht,

investigado pela Lava Jato, como o maior pagamento de suborno da história mundial. HELCIAS, Ricardo. Para

EUA, Odebrecht praticou ‘maior caso de suborno da história’. Veja, São Paulo, 21 dez. 2016. Disponível em:

<https://veja.abril.com.br/brasil/para-eua-odebrecht-praticou-maior-caso-de-suborno-da-historia/ >. Acesso em

30 mar. 2018.

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Nesses contornos, o problema da pesquisa gira em torno da seguinte indagação: o

acordo de leniência e o compliance constituem instrumentos idôneos no enfrentamento da

corrupção empresarial?

A hipótese eleita para a solução do problema é a de que a adoção dos programas de

compliance e de leniência, atendidos determinados critérios que serão explorados no presente

trabalho, constituem instrumentos jurídico-sociais idôneos a minimizar, eficientemente, o

impacto negativo que as relações empresariais corruptas provocam na sociedade.

A justificativa do tema eleito para este trabalho passa pela percepção de que a empresa

é instituição vencedora na sociedade. Resistente a guerras e alternâncias de regimes políticos,

a empresa insiste em perenizar-se como instrumento de circulação de riquezas. Retrações

econômicas, estatizações, taxações e tributações espoliativas sucedem ao longo da história,

mas a empresa resiste em sucumbir. Ao revés, redescobre-se, reconfigura-se, desburocratiza-

se, moderniza-se e finda por sempre sair, ao final, fortalecida.

Contudo, há um mal que, paulatinamente, vem debruçando os seus tentáculos sobre

ela: o agir corrupto, propulsor de combinações secretas, posturas sociais desleais, deliberações

antissociais e atos criminosos. Não raro, a máquina empresarial, inclusive em virtude do

sucesso de sua estrutura, como já destacado, tem se prestado para a prática de condutas

escusas e abusos de direito, com prejuízo à probidade administrativa, aos sócios minoritários,

ao meio ambiente, aos consumidores, ao sistema financeiro e, em última análise, à dignidade

da pessoa humana.

Atento a este fato, as comunidades científica e jurídica passaram a desenvolver estudos

e criar mecanismos empresariais e legais de combate a esses males, visando a conferir mais

transparência, controle e conformidade ética às atividades empresariais. Nesse cenário,

políticas de governança corporativa e compliance passaram a ser defendidas por especialistas

e, gradualmente, a entrar nas agendas das grandes empresas brasileiras.

No âmbito legal, o advento da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) veio a suprir a

lacuna existente no ordenamento jurídico brasileiro quanto à responsabilização de pessoas

jurídicas pela prática de atos ilícitos contra a administração pública, em especial por atos de

corrupção, bem como a atender aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no

combate à corrupção. A novel legislação, além de valorizar os programas de integridade

corporativa (compliance), previu o instrumento do acordo de leniência anticorrupção, objeto

central da presente pesquisa.

Ocorre que estes instrumentos jurídicos e administrativos ainda carecem de profundas

reflexões acadêmicas, justificando-se a temática eleita.

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Nesse propósito, o trabalho analisa como a Ordem Econômica Constitucional vigente

regula o instituto da função social da empresa, buscando-se uma exegese, sem descurar das

normas infraconstitucionais afins ao tema, que prime pelo equilíbrio entre a função social e os

objetivos econômicos da atividade empresarial, sendo essa a harmonização estabelecida pelo

art. 170 da CF/88 quando afirma que a ordem econômica tem como princípio a livre-

iniciativa, a livre concorrência e a redução das desigualdades sociais.

Na esteira do princípio da função social da empresa, este estudo considerará o ente

empresarial em seus perfis objetivo, subjetivo, funcional e institucional/corporativo,

defendendo-se que este importante ente social, na atualidade, pode e deve escolher um

caminho que cada vez mais se afine com os interesses da sociedade – consumidores,

fornecedores, parceiros, organizações comunitárias e demais colaboradores – a qual, por sua

vez, está cada vez mais ativa e vigilante acerca das políticas e culturas corporativas.

Em prosseguimento, demonstrar-se-á que, no paradigma da sociedade dos riscos

provenientes dos avanços tecnológicos, o homem passa a ser assombrado com perigos de toda

a ordem, presentes, por exemplo, no ar, na água e nos alimentos. Nessa nova ambiência

social, aliada à globalização e à desfronteirização, a criminalidade se alastra, não mais

respeitando barreiras sociais, políticas ou econômicas. Em tal quadro, a inépcia estatal em

combater os novos delitos praticados por pessoas físicas e jurídicas detentoras de sofisticado

aparato organizativo, findou por demover as autoridades políticas a buscar outras frentes de

atuação repressiva diluídas na sociedade civil, isto é, compartilhadas com as empresas e os

cidadãos. Eis a realidade que descortina a promoção à cultura do compliance e a adoção dos

institutos colaborativos, a exemplo do acordo de leniência.

Tal panorama determina o nascedouro de um novo marco regulatório da global law: o

encadeamento de organizações internacionais atuando em rede com atores públicos e privados

(empresas multinacionais) que se valem de instrumentos normativos oriundos do hard law, do

soft law e da autorregulação empresarial.

Neste recente marco de prevenção da corrupção globalizada, fomentado pelos

referidos instrumentos normativos internacionais, intenta-se que as empresas realizem um

sistema investigatório interno de inibição à prática de delitos e, na hipótese de sua

consumação, que os descubram e os punam, adotando medidas corretivas e entregando os

resultados das investigações internas às autoridades. Assim, elas passam a ter de fiscalizar

atos de seus clientes, comunicar operações suspeitas aos órgãos de inteligência, trabalhar para

evitar que seus empregados ou parceiros pratiquem ilícitos e, ainda, cooperar ativamente nos

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atos de investigação. Em suma, passa-se a esperar, das empresas, que adotem efetivos

programas de integridade corporativa; leia-se: programas de compliance.

Os acordos colaborativos – delação premiada e acordo de leniência – colhem seus

fundamentos de assemelhados elementos causais, na medida em que o Processo Penal clássico

encontra dificuldades para investigar as complexas ações criminosas que advém da sociedade

de risco, a exemplo dos crimes antieconômicos, contra o meio ambiente e da criminalidade

organizada. Nessa esteira, o paradigma consensual encoraja o autor do crime a confessar e

entregar os demais envolvidos mediante o fornecimento de provas que facilitem o

aprofundamento das investigações e, permitindo, assim, que o juiz tenha acesso a documentos

que dificilmente teria sem o auxílio do delator.

Embora inicialmente projetado para a coibição de infrações à ordem econômica, o

acordo de leniência passou a se revelar como um relevante instrumento apurador de ilícitos

praticados por organizações criminosas sofisticadas, em razão da acentuada dificuldade para a

obtenção de provas.

Dentre estes ilícitos, destacam-se os atos de corrupção, motivo pelo qual a Lei

Anticorrupção, inspirada no consagrado modelo norte-americano (Leniency Program),

regulou o acordo de leniência em um capítulo próprio, de modo que o instrumento passa a se

apresentar como um meio célere de obtenção de provas e de resolução consensual do processo

administrativo de responsabilização das pessoas jurídicas pela prática de atos de corrupção.

De outro lado, os institutos consensuais plasmados na delação são criticados pela

doutrina por fundamentos que dizem respeito aos direitos e garantias individuais do acusado

(direitos a não autoincriminação, ao contraditório, à publicidade e ao devido processo legal,

etc.). Além disso, é inegável que o ato de delatar, quando se está lidando com a prática de

ilícitos praticados por mais de um agente, envolve a ideia de traição.

Esta realidade traz algumas importantes consequências, dentre as quais duas que serão,

igualmente, objeto do presente trabalho: a) a racionalização do ato de trair como uma escolha

que prepondera sobre o silêncio, máxime porque a incerteza concernente ao que o comparsa

irá fazer conduz o agente racional a delatar, de modo que esta passa a ser a estratégia

dominante e b) as eventuais implicações éticas que a tutela da traição, pela ordem jurídica

posta, eventualmente podem impingir ao Estado Democrático de Direito. Tais pontos serão

apreciados em item próprio do trabalho, sendo que, o primeiro, em cotejo com a Teoria dos

Jogos e o Dilema do Prisioneiro.

No enfrentamento das críticas éticas à delação, ver-se-á que, em outros países, como

nos Estados Unidos da América, os whistleblowers (delatores) gozam de muito maior

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prestígio. Já aqui, no Brasil, embora a percepção da sociedade não tenha chegado a tal ponto,

a conscientização acerca dos malefícios decorrentes do agir corrupto e da impunidade, aos

poucos demonstra estar aumentando em escala, de modo que a resistência aos institutos

colaborativos parece estar, gradualmente, minorando.

O último tópico do trabalho, por fim, objetivará tecer um exame crítico-legal do

modelo do programa de leniência adotado pela legislação anticorrupção, apontando correções

e, inclusive, sugestões legislativas, as quais serão perfectibilizadas nas considerações finais.

Cabe, ainda, referir que a pesquisa, além de perscrutar conceitos dogmáticos de

Direito Penal e Administrativo-Sancionador, também investiga aspectos de Direito

Empresarial que não são, corriqueiramente, tratados pela bibliografia da Lei Anticorrupção

brasileira, normalmente mais afinada com as primeiras duas áreas de Direito citadas. A

motivação para tal opção epistemológica reside tanto na constatação da carência deste

enfoque científico, pela academia, no concernente ao tema do controle anticorrupção

empresarial, quanto pela oportunidade de se explorar e aprofundar pesquisa acerca do tema da

“Ética Empresarial” que esta autoria iniciara em anterior pós-graduação de Direito

Empresarial cursada e concluída no biênio 2014/2015.

Ao final, também merece ser esclarecido que a escassez de casos práticos franqueados

ao grande público, relativamente à celebração de acordos de leniência anticorrupção,

traduzindo um reduzido estrato informacional acerca dos meandros das negociações prévias,

bem como dos inteiros teores das disposições finais dos instrumentos firmados, determinaram

a opção epistêmica de que o alvo das pesquisas fosse a normativa legal e infralegal existente

sobre o assunto. De outro lado, a estreita contemporaneidade da legislação (2013), aliada à

reduzida firmatura de acordos ocorrida até a data de conclusão desta pesquisa, também obstou

uma análise jurisprudencial, visto que, ao revés do instituto da colaboração premiada, ainda

não sobrevieram decisões meritórias representativas do tema acordo de leniência

anticorrupção, em especial nas Cortes Superiores.

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19

2 PREMISSAS CONSTITUCIONAIS E CONCEITUAIS

2.1 Função Social como Princípio da Ordem Econômica e sua Projeção do Direito

Infraconstitucional

O Estado atual apresenta especificidades bem marcantes, o que se reflete no modelo

econômico que adota. Nas palavras de André Ramos Tavares o capitalismo em voga não é

mais essencialmente liberal individualista, tendo, inclusive, assimilado conceitos socialistas,

mas sem que para o socialismo pretenda caminhar, exemplificando este diagnóstico com o

respeito à função social da propriedade e a aplicação de recursos estatais em políticas sociais

de educação, saúde e saneamento. O desafio, na sua ótica, reside em conjugar conteúdos

socialistas com as técnicas jurídico-políticas que derivam da tradição liberal-democrática.

Para tanto, o autor sugere um caminho de conciliação baseado no manejo da dignidade do ser

humano como fonte para uma construção econômica viável, ressaltando-se o social sem que

se perca de vista o individual.2

Dentre as razões para o malogro do modelo liberal clássico, André Ramos Tavares

aponta a ilusão de que o mercado seria formado por um número razoavelmente elevado de

compradores e vendedores em interação recíproca e portes equânimes. Todavia, a previsão

não se deu em função da notória existência de “leviatanescas multinacionais, cujo poder

econômico rivaliza (e por vezes corrompe) até o de Estados altamente desenvolvidos.”3 Nesse

panorama, há duas grandes consequências nefastas: a primeira é a natural capacidade dessas

grandes empresas influírem no mercado em benefício próprio e em detrimento da maioria e a

segunda é a grande possibilidade de todo o mercado se ressentir das mesmas dificuldades

2 Nas suas palavras: “A concepção de Estado liberal gerou, em momentos críticos da humanidade, uma situação

insuportável, de modo que, mesmo em países de imensa tradição liberal e capitalista, passou-se a admitir a

necessidade de intervenção do Poder Público no mercado e na economia, ainda que extremamente restrita ou

em setores específicos e predeterminados. A demanda por um Estado interventor, desta feita, decorre da

existência de falhas na concepção – utópica – liberal da economia. [...]. A concepção liberal da economia,

centrada nesse corpo místico que é o mercado, imaginava que o mercado apresentaria uma capacidade de

autocorreção, capacidade esta, inclusive, que seria automática. Nos primeiros indícios de desaquecimento de

determinada atividade econômica, os seus agentes, de pronto, tomariam as medidas necessárias para contornar

o recém-surgido empecilho ou, simplesmente, realocariam seus recursos em outras atividades econômicas.

TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:

Método, 2011. p. 43-44. 3 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:

Método, 2011. p. 50.

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sofridas por um único agente, quando alguma dessas grandes empresas experimentasse

dificuldades econômicas.4

Ainda na esteira das lições de André Ramos Tavares, é relevante a sua referência à

ilusória criação dos teóricos liberais de que o agente econômico naturalmente incorporaria

todos os efeitos positivos e negativos provenientes de sua atividade. Esse presságio não se

consagrou, existindo diversos custos cuja responsabilidade não consegue ser identificada: são

as chamadas externalidades, responsáveis por dois centrais malefícios: de um lado, a

tendência de os agentes econômicos externalizarem todos os prejuízos possíveis, a exemplo

dos resíduos poluentes, e, de outro, a busca pela internalização de todos os benefícios

produzidos, inclusive pleiteando do Estado subsídios fiscais em troca dos mesmos benefícios.5

É neste viés que atuará o Estado tanto para restabelecer a normalidade impulsionando

a mudança de condutas por meio, por exemplo, da legislação antitruste, quanto

proporcionando, diretamente, tais bens de fruição coletiva, melhor garantindo, assim, o

funcionamento do liberalismo e o aprimoramento do capitalismo.

No mesmo sentido, Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior

asseveram que o capitalismo primitivo concebia o mercado como um mecanismo

autorregulador, do qual naturalmente decorriam todas as regras econômicas. Os aspectos

básicos da economia como o mercado, as empresas e as relações de trabalho não recebiam

atenção do sistema jurídico. Nessa linha, a ordenação jurídica da economia constitui uma

preocupação recente, do início do século XX.6

Segundo Dirley da Cunha Junior, a ordem econômica e social teve sua primeira

disciplina constitucional na revolucionária Constituição Mexicana de 1917, enquanto no

Brasil, a Constituição de 1934, sob a influência da Constituição alemã de Weimar de 1919, foi

a primeira a tratar de princípios e normas relativos ao tema. Era o prenuncio de que as

Constituições não mais se limitariam ao trato da organização política do Estado, tampouco à

mera promulgação de direitos civis e políticos, mas passariam a também disciplinar questões

no âmbito do domínio privado, inaugurando o chamado Estado Social. A regulamentação do

4 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:

Método, 2011. p. 50. 5 Ibid., p. 51.

6 Conforme os autores: “Com efeito, a evolução das relações econômicas demonstrou uma irrecusável tendência

concentradora do capitalismo, em que o mercado, em vez de palco da concorrência entre diversos agentes

econômicos, passou a ser objeto de práticas monopolistas, partilhadas pelo chamado abuso do poder

econômico. Detectou-se, assim, a necessidade de uma ordem jurídica mais abrangente, que, ademais,

contivesse regras específicas para a regulação das relações econômicas, o que propiciou, desse modo, a

chamada constitucionalização da economia.” ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano.

Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 465-466.

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conjunto da vida social, intensamente plural e complexa, propiciou o advento de

Constituições formatadas por direitos com caracteres culturais e socioeconômicos7.

Nessa progressão, Dirley da Cunha Junior define a Constituição econômica como

sendo “um conjunto de normas constitucionais que têm por objeto a disciplina jurídica do fato

econômico e das relações principais dele decorrentes”.8

A Constituição Federal de 1988 (CF/88, doravante) seguiu a mesma trilha das Cartas

pretéritas, igualmente instituindo uma ordem econômica intervencionista.

O valor da livre iniciativa (aquela que com primazia movimenta a economia) foi

colocado juntamente com o da dignidade humana como fundamento da República brasileira,

sendo mesmo impensável atingir os objetivos constitucionais inseridos no art. 3º da CF/88 –

construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantia do desenvolvimento nacional,

erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo-se as desigualdades sociais e regionais

e promoção do bem de todos –, sem a conciliação das estruturas econômicas com o respeito

ao princípio da dignidade da pessoa humana.9

Desse modo, todo instrumental econômico e jurídico do qual a sociedade

contemporânea é dotada deve, gradualmente, ser concertado para convergir com a promoção

da dignidade humana.

A par disso, tal associação entre a dignidade humana e a livre iniciativa é reprisada no

Título VII da CF/88, local onde estão contempladas as disposições referentes à ordem

econômica. No art. 170, além de estabelecer que a valorização do trabalho humano e da livre

iniciativa é o pilar da ordem econômica, tendo por finalidade assegurar existência digna a

todos, promovendo a justiça social, a Constituição Federal de 1988 elenca outros nove

princípios:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

7 A Constituição Brasileira de 1946 e, inclusive, a Carta outorgada de 1967 e a Emenda Constitucional n.º 01 de

1969 pautaram-se na positivação de uma ordem econômica essencialmente intervencionista. 8 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 7. ed. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 1.222 e

1.226. 9 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:

15 set. 2017.

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VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme

o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e

prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003).

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as

leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 6, de 1995).10

Como se vê, o constituinte igualou os valores do capital (representado pela livre

iniciativa) e do trabalho humano no mesmo patamar (art. 170 da CF/88), os quais, juntamente

com a dignidade da pessoa humana, constam como três dos fundamentos republicanos postos

no art. 1º da Carta Magna.11

Prosseguindo, na forma do parágrafo único do citado artigo, a Carta Maior estabelece

ser “assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,

independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”12

a exploração direta de atividade econômica pelo Estado, na forma do art. 173, só será

permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse

coletivo, conforme definidos em lei e ressalvados os casos previstos na própria Constituição.

Analisando tais disposições, Roseana Cilião Sacchelli afirma que a Ordem Econômica,

estabelecida na CF/88, adotou a economia de mercado, todavia, em um regime organizado. A

intervenção do Estado ocorre como instrumento de desenvolvimento econômico e social.

Neste contexto, os agentes econômicos decidem sobre as questões fundamentais da economia,

figurando o Estado como terceiro agente, em um verdadeiro sistema econômico de

concorrência mista. Nele, o Estado interage no mercado definindo e estabelecendo as regras

para maior eficiência da economia.13

Por fim, Roseana Cilião Sacchelli alerta que a função social delineia a iniciativa do

empreendedor no sentido de nortear as ações para o bem de todos, mas nunca no sentido de

10

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:

15 set. 2017. 11

De acordo com Roseana Cilião Sacchelli: “Embora a livre iniciativa confirme o modelo econômico capitalista,

deverá respeitar os valores sociais do trabalho visando compatibilizar o regime de produção escolhido, capital e

lucro, com a dignidade da pessoa humana e a dimensão econômico-produtiva da cidadania. [...]. Assim, as

atividades empresariais devem ser norteadas pela incidência do princípio constitucional da justiça social nas

relações jurídicas empresariais em que decorrem múltiplos direitos e obrigações. [...] Desse modo, continua

prevalecendo o regime da livre iniciativa e a competição econômica. Entretanto, o lucro só será aceito como

legítimo e reconhecido como justa recompensa a ser recebida pelos investidores se obtido sem causar prejuízos

à sociedade.” SACCHELLI, Roseana Cilião. A livre iniciativa e o princípio da função social nas atividades

empresariais no contexto globalizado. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 40, n. 129, p. 249-278, mar. 2013.

p. 256, 266, 268. 12

BRASIL, loc. cit. 13

SACCHELLI, Roseana Cilião. A livre iniciativa e o princípio da função social nas atividades empresariais no

contexto globalizado. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 40, n. 129, p. 249-278, mar. 2013. p. 255.

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cercear a força interna que move as atividades econômicas no desempenho da função própria

do empresário. A valorização do trabalho humano, por meio de melhores remunerações e

ambiente de trabalho, em curto prazo onera o custo de transação, mas, a médio e longo prazo,

reverte em resultados positivos para o empreendedor e para toda a sociedade. Assim, para a

autora, “a função social incidindo na propriedade, em contratos e na empresa, eleva os custos

de transação, que devem ser compensados não somente na harmonia de uma sociedade mais

justa e solidária, mas no próprio desenvolvimento.”14

Nessa linha, merece haver um equilíbrio entre a função social da empresa e os

objetivos econômicos da atividade empresarial, sendo essa a harmonização estabelecida pelo

art. 170 da CF/88 quando afirma que a ordem econômica tem como princípio a livre-

iniciativa, a livre concorrência e a redução das desigualdades sociais.

Mas é preciso ter em mira que o princípio da função social da empresa também é

corolário do próprio princípio da função social da propriedade elencado no citado art. 170 da

CF/88, o qual, como visto, regula a ordem econômica – a função social da propriedade

também é prevista nos arts. 5º, inc. XXIII, 182, §2º e 186, todos da Constituição Federal.

Assim, embora a propriedade não represente um fim em si mesma, pois dinamiza-se como

meio de obter frutos e produzir fatores econômicos, ela igualmente deve respeitar valores

sociais.15

A mensagem constitucional projeta-se de forma indelével também no âmbito

infraconstitucional. Atente-se:

A Lei de Falência e Recuperação Econômica de Empresas (Lei n. 11.101/05), em seu

art. 47, além de demonstrar a preocupação do legislador com a possibilidade de manutenção

da empresa, e não somente com os interesses creditícios envolvidos no juízo falimentar,

expressamente prevê a função social da empresa como valor presente na recuperação judicial.

Neste texto positivo, há referência expressa no sentido de que a recuperação judicial tem por

objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de

permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos

14

SACCHELLI, Roseana Cilião. A livre iniciativa e o princípio da função social nas atividades empresariais no

contexto globalizado. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 40, n. 129, p. 249-278, mar. 2013. p. 275. 15

Conforme Eros Roberto Grau: A moderna legislação econômica considera a disciplina da propriedade como

elemento que se insere no processo produtivo, ao qual converge um feixe de outros interesses que concorrem

com aqueles do proprietário e, de modo diverso, o condicionam e por ele são condicionados. [...] Esse novo

direito – nova legislação – implica prospecção de uma nova fase (um aspecto, um perfil) do direito de

propriedade, diversa e distinta da tradicional: a fase dinâmica. Aí, incidindo pronunciadamente sobre a

propriedade dos bens de produção, é que se realiza a função social da propriedade. Por isso se expressa, em

regra, já que os bens de produção são postos em dinamismo, no capitalismo, em regime de empresa, como

função social da empresa”. GRAU, Eros. A ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 7. ed. São

Paulo: Malheiros, 2002. p. 273-274.

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credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à

atividade econômica.

Ainda, merece, também, menção a legislação do anonimato (Lei n.º 6.404/76), a qual

trata da função social da empresa como sendo uma das finalidades a serem observadas pelo

acionista controlador (art. 116, parágrafo único: “O acionista controlador deve usar o poder

com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem

deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham

e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e

atender”) e pelo administrador (art. 154: “O administrador deve exercer as atribuições que a

lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as

exigências do bem público e da função social da empresa”).16

Andre Fernandes Estevez, valendo-se de Modesto Carvalhosa, afirma que, com a

reforma introduzida pela Lei n.º 10.303/2001, tornou-se expressa a possibilidade de

vinculação de diretores e membros do Conselho de Administração ao acordo de acionistas

regulado no art. 118 da Lei n. 6.404/76. Contudo, assinala que os membros do Conselho não

estão vinculados exclusivamente aos interesses dos acionistas, de forma que o próprio acordo

atenderá ao interesse social porque a Diretoria e o Conselho de Administração não atendem

exclusivamente à vontade dos sócios.17

No âmbito contratual-empresarial, a função social está prevista no art. 421 do Código

Civil: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do

contrato”.18

Newton De Lucca, citado por José Renato Nalini, propôs a inserção de um

dispositivo específico – na forma de um § 2º ao art. 966, assim justificando:

Em primeiro lugar, daria uma ‘demonstração de coerência interna e externa’ do

Código [...]. Em segundo lugar – e sobretudo -, pelo fato de que essa função social

deve ser cumprida, não apenas pelas sociedades em geral, mas igualmente pelo

empresário individual.19

16

BRASIL. Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Brasília, DF,

1976. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6404consol.htm>. Acesso em: 15 set.

2015. 17

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 2.

p. 540. Apud ESTEVEZ, André Fernandes. Modelos de Conselho de Administração Corporativa. Revista

Síntese Direito Empresarial, São Paulo, v. 7, n. 38, p. 38-55, maio/jun. 2014. p. 44. 18

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, 2002. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 15 set. 2015. 19

DE LUCCA, Newton. Da Ética Geral à Ética Empresarial. São Paulo: Quartier Latin, 2009. Apud NALINI,

José Renato. Ética geral e profissional. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 416.

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Contudo, não parece deva tal crítica prevalecer. É que, a rigor, a cláusula geral da

função social, conforme asseveram Nery Junior e Nery, decorrem dos próprios artigos 1º, inc.

IV, 3º, inc. I, 5º, inc. XXIII e 170, inc. III, todos da CF/88 e já mencionados no presente

trabalho, os quais alçam a cláusula geral da função social do contrato a uma magnitude

constitucional e não apenas civilística.20

No mesmo sentido é a posição de Guilherme Nogueira da Gama e Bruno Paiva

Bartholo, os quais, além de citarem o art. 422, que elenca a probidade e a boa-fé como

princípios contratuais, bem como o art. 1.228, §1º (finalidade social da propriedade), ambos

do Código Civil (CC), mencionam os “critérios dirigentes da interpretação do diploma civil

de 2002, que são a eticidade, a sociabilidade e a operabilidade” como fundamentos da função

social da empresa .21

Ainda, o Enunciado n.º 53, aprovado na I Jornada de Direito Civil do Centro de

Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal conferiu a seguinte exegese ao art. 966 do

CC: “Art. 966: deve-se levar em consideração o princípio da função social na interpretação

das normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência expressa”.22

E, por fim, o

enunciado n.º 26 da I Jornada de Direito Comercial, promovida pelo mesmo Centro de

Estudos, estabeleceu que “O contrato empresarial cumpre sua função social quando não

acarreta prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou coletivos, de titularidade de sujeitos não

participantes da relação negocial”.23

Verifica-se, pois, que a função social da empresa é reconhecida de forma sistemática

no ordenamento jurídico brasileiro. Do conjunto de distintos dispositivos legais e

constitucionais, extrai-se o objetivo jurídico de que a empresa, ao buscar o lucro com as suas

atividades econômicas, deve igualmente atender a exigências de ordem social que buscam, em

última análise, tutelar a dignidade da pessoa humana.

Em suma, o apanhado constitucional e infraconstitucional acima enfocado denota,

expressamente, que o sistema jurídico pátrio tutela a função social da propriedade e do

contrato. E, considerando que a atividade empresarial resulta da combinação dessas duas

20

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 10. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2013. p. 627. 21

GAMA, Guilherme Nogueira da; BARTHOLO, Bruno Paiva. Função social no direito civil. 2. ed. São Paulo:

Atlas, 2008. p. 120. 22

BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado n. 53. In: JORNADA DE DIREITO CIVIL, 1., 2002,

Brasília, DF. Enunciados Aprovados... Brasília, DF: CJF, 2002. Disponível em:

<http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/754>. Acesso em: 15 set. 2017. 23

BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado n. 26. In: JORNADA DE DIREITO COMERCIAL, 1.,

2012, Brasília, DF. Enunciados Aprovados... Brasília, DF: CJF, 2012. p. 53. Disponível em:

<http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-

1/jornadas-de-direito-comercial/livreto-i-jornada-de-direito-comercial.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2017.

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grandezas, resulta inegável o culto à função social da empresa. A assimilação desta premissa é

relevante no presente trabalho porque da função social da empresa extrair-se-ão outros

conceitos centrais do presente capítulo os quais, em seu conjunto, fomentarão substrato

propedêutico fulcral na narrativa dos dois capítulos vindouros.

2.1.1 Distinções entre Função e Responsabilidade Social

A análise da função social da empresa nos remete de imediato à temática da

responsabilidade social empresarial, pois embora representem figuras distintas, a vinculação

entre elas é inevitável.

Guilherme Nogueira da Gama e Bruno Paiva Bartholo defendem que a função social

da propriedade atua sob dois âmbitos distintos de incidência: um endógeno e outro exógeno.

O primeiro domínio expressa os efeitos que o princípio irradia na ambiência interna da

empresa; e, o segundo, denota as repercussões que afetam os grupos de interesse externo.24

Nessa inteligência, a primeira vertente vincula-se, por exemplo, com as relações

trabalhistas desenvolvidas no âmbito da empresa. A esse respeito, o empresário cumprirá o

princípio da função social da empresa quando fielmente atender às normas laborais aplicáveis

à espécie, contribuindo para a criação de um ambiente de trabalho seguro e salutar, em

sintonia com os arts. 7º e 170, VIII, da CF/88. Contudo, segundo os autores citados, o valor

do trabalho humano e o seu decorrente princípio da busca pelo pleno emprego, não implicam

total inviabilidade de medidas de redução de postos de trabalho motivadas, por exemplo, pela

absorção de determinadas tecnologias da atividade empresarial, sob pena de se inviabilizar a

própria atividade econômica do empresário, o que, em última análise, viria em prejuízo ao

princípio da preservação da empresa.

A relação jurídica entre os sócios e os administradores, assim como a existente entre o

controlador e os sócios minoritários, também constituem outros grandes exemplos de

interesses afeitos à vertente endógena do princípio da função social da empresa. Conforme

Guilherme Nogueira da Gama e Bruno Paiva Bartholo, o Código Civil tendeu a reforçar a

consideração dos interesses dos sócios minoritários mediante a regulamentação do quórum

24

GAMA, Guilherme Nogueira da; BARTHOLO, Bruno Paiva. Função social no direito civil. 2. ed. São Paulo:

Atlas, 2008.

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27

necessário para a aprovação de certas matérias mais relevantes e a redução do poder de

deliberação exclusiva dos administradores.25

Por fim, como espécies de interesses exógenos destacam-se três âmbitos distintos: o

concorrencial, o consumerista e o ambiental. O primeiro sufraga-se no art. 170, inc. IV da

CF/88, aliado ao §4º do art. 173 do mesmo diploma constitucional, o qual estabelece a

vedação contra o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à

eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (objeto de legislação própria –

Lei n. 12.529/2011); já os consumidores encontram tutela constitucional expressa no inciso

IV do art. 170 da CF/88, o qual eleva a sua defesa a princípio constitucional da Ordem

Econômica, além da Lei n. 8.078/90, considerado um Código de Defesa do Consumidor de

vanguarda; e, por fim, o meio ambiente, igualmente alçado a princípio da ordem econômica,

possui previsão expressa no inciso VI do último artigo citado, inclusive mediante tratamento

diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de

elaboração e prestação, além de profusa legislação esparsa.

Desse modo, o empresário atenderá a função social quando, na realização de seu

objeto social, não contrariar as leis ambientais, trabalhistas, comerciais, consumeristas,

concorrenciais, urbanísticas, etc. Nessa ótica, pois, o cumprimento da função social da

empresa, seja em seu âmbito interno/endógeno ou externo/exógeno, verificar-se-á quando o

empresário ou a sociedade empresária exercer a sua atividade sem extrapolar os limites da lei

(dimensão negativa ou restritiva).

Há, nada obstante, quem identifique uma dimensão positiva ao referido princípio.

25

GAMA, Guilherme Nogueira da; BARTHOLO, Bruno Paiva. Função social no direito civil. 2. ed. São Paulo:

Atlas, 2008. p. 114-115.

Conforme análise sistemática dos arts. 1.071 e 1.076 do referido diploma, a saber: “Art. 1.071. Dependem da

deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato:

I - a aprovação das contas da administração;

II - a designação dos administradores, quando feita em ato separado;

III - a destituição dos administradores;

IV - o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato;

V - a modificação do contrato social;

VI - a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação;

VII - a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas contas;

VIII - o pedido de concordata.” e “Art. 1.076. Ressalvado o disposto no art. 1.061 e no § 1o do art. 1.063, as

deliberações dos sócios serão tomadas:

I - pelos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social, nos casos previstos nos incisos V

e VI do art. 1.071;

II - pelos votos correspondentes a mais de metade do capital social, nos casos previstos nos incisos II, III, IV e

VIII do art. 1.071;

III - pela maioria de votos dos presentes, nos demais casos previstos na lei ou no contrato, se este não exigir

maioria mais elevada.” BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília,

DF, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 15 set.

2015.

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28

É o caso de Ricardo Lupion Garcia, para quem:

Inicialmente a empresa era vista apenas com o escopo de dar lucro ao seu dono e de

desenvolver produção, mas depois ganharia sua própria vida, e o dono ou chefe

seriam apenas a cabeça ou a alma do negócio, como esclareceu Menezes Cordeiro –

com apoio em Wilhelm Endemann – ao examinar o termo Geschäft. Mas foi na

década de trinta do século passado que Berle e Means, na célebre obra The modern

corporation & private property, sustentaram que a empresa é um meio de organizar

a vida econômica e que a moderna sociedade anônima não deveria servir apenas aos

proprietários, mas a toda sociedade, ideia que se desenvolveu ao longo do século

passado.26

Segundo o autor, impende reconhecer-se uma dimensão positiva da função social da

empresa em razão de seu importante papel e da relevância social do seu funcionamento em

um sistema econômico capitalista. Com a geração e a circulação de riquezas, a empresa

produz os recursos financeiros necessários para a implementação das políticas públicas do

Estado de proteção à vida (segurança pública), à saúde (gratuidade do tratamento médico,

com a construção de hospitais públicos e o fornecimento gratuito de medicamentos) e ao meio

ambiente saudável (promovendo a educação ambiental, a fiscalização e punição dos

infratores).27

Na ótica de Ricardo Lupion, em face da opção do Constituinte de 1988 de afastar o

Estado do exercício das atividades econômicas, reservando-as para a iniciativa privada, as

atividades realizadas pelas empresas assumem papel relevante para a melhoria da vida dos

cidadãos. É nesse contexto que advém a dimensão positiva da função social da empresa,

compreendida como núcleo propulsor da criação e geração de riquezas necessárias para que o

Estado, por meio dos tributos sobre elas incidentes, possa programar as suas políticas públicas

e oferecer condições para que os trabalhadores tenham salário digno, assistência à saúde e à

previdência e educação.

Além dessa contribuição para o financiamento das políticas públicas do Estado

(realidade econômica), a dimensão positiva da função social da empresa também se manifesta

por meio da implementação, pela própria empresa, de programas de inclusão social para os

seus empregados e colaboradores em face do precário funcionamento do serviço público de

educação, saúde, trabalho, previdência social, entre outras (realidade social).28

A ideia, pois, de que a função social da empresa, além de uma dimensão negativa

(compreendida como a abstenção de lesar terceiros) também possui uma dimensão positiva,

26

LUPION, Ricardo. Função social do contrato empresarial. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo,

v. 6, n. 35, p. 38-51, nov./dez. 2013. p. 38. 27

Ibid., p. 39. 28

Ibid., p. 42.

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29

conforme apregoa Ricardo Lupion, parece se afinar com o substrato da ideia de

Responsabilidade Social, o que doravante inspirarão algumas providentes reflexões.

Conforme Letícia Caroline Méo, a função social da empresa decorre da interpretação

conjunta dos dispositivos legais que a ela fazem referência, a exemplo daqueles já citados no

item anterior, os quais determinam a todos os empresários e sociedades empresárias a

obrigação de cumprirem as normas esparsas do sistema jurídico, imprimindo às suas

atividades, além de um papel econômico, também um ambiental e social. Mas isso não deve

ser confundido com responsabilidade social, a qual se trata de prática voluntária (não há

obrigação legal) cuja expressão foi recentemente reconhecida por várias organizações

internacionais e pelas instituições da União Europeia, existindo redes de empresas mundiais

que discutem o tema, tais como a World Corporate Social Responsability, a Corporate Social

Responsability Europe e a Business for Social Responsability.29

A responsabilidade social, nessa ótica, traduz uma série de medidas sociais e

ambientais tomadas tanto nas atividades empresariais em sentido estrito, quanto na interação

com a comunidade. Assim, por interesse próprio, as empresas tornam-se, mais do que

organizações econômicas, agentes sociais proativos frente aos objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II -

garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,

raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.30

Desse modo, enquanto a função social repousa no plano da legalidade, a

responsabilidade social encontra-se no da liberalidade, e, assim como a primeira, também

29

MÉO, Letícia Caroline. Empresas sociais, função social da empresa e responsabilidade empresarial social.

Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 15, n. 59, p. 193-230, jul./set. 2014. p. 221-222. 30

Para Nalini, responsabilidade social: “É o plus que a empresa pode oferecer à comunidade, além do legítimo

interesse de exercer uma atividade lucrativa. Ou, conforme já se definiu, a responsabilidade social da empresa

é a integração voluntária das preocupações sociais e ecológicas das empresas às suas atividades comerciais e às

relações com todas as partes envolvidas interna e externamente (acionistas, funcionários, clientes, fornecedores

e parceiros, coletividades humanas), com o fim de satisfazer plenamente as obrigações jurídicas aplicáveis e

investir no capital humano e no meio ambiente. [...].” NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 12.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 416-417. Na mesma linha, Guilherme Nogueira da Gama e

Bruno Paiva Bartholo apontam sintomática distinção entre os dois conceitos: “Outra diferença reside na

limitação objetiva do raio de aplicação da função social da empresa às atividades que constituem os elementos

daquela, as quais coincidem, como regra, com o objeto social desenvolvido pela sociedade empresária ou pelo

empresário, ao passo que a responsabilidade social abrange as atividades não consubstanciadas no objeto

social da empresa, que não constituem a sua finalidade, sendo simplesmente benéficas à sociedade. Assim

como a função social da empresa, como oportunamente se verá adiante, a responsabilidade social pode ser

dividida em uma espécie interna, relativa a preocupações com as condições de trabalho e demais questões dos

funcionários da empresa, e em outra externa, correspondente a cuidados com a comunidade, nas figuras de

clientes, de fornecedores e de entidades públicas.” GAMA, Guilherme Nogueira da; BARTHOLO, Bruno

Paiva. Função social no direito civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 108.

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possui uma espécie endógena, relacionada aos fatores internos de produção, como as relações

trabalhistas e os interesses dos sócios, e uma espécie exógena, vinculada com os fatores

externos às atividades empresariais, alcançando o meio ambiente, consumidores e a

comunidade em geral. Adotando a responsabilidade social, os empresários ultrapassam o

mero cumprimento legal, interno e externo, da função social de sua empresa e vão além de

tais exigências, dispondo-se a cumprir tarefas que seriam em tese do Estado, oferecendo

serviços, amparo, formação profissionalizante e cultura.

Em suma, a responsabilidade social parece mais se relacionar com a ideia de

“cidadania empresarial”, correspondendo a uma recente etapa de maior conscientização do

empresariado no pertinente aos problemas sociais e ao seu potencial papel na correspondente

solução, independentemente do objetivo da empresa aderente não ser tão nobre, como, por

exemplo, visar apenas atrelar a seu empreendimento uma imagem positiva junto à

comunidade, a qual é composta por potenciais consumidores de seus produtos e serviços.31

Conforme esclarece Wilges Bruscato, embora a empresa que demonstre ter

compromisso social tenha a sua imagem cada vez mais valorizada pelos empresários,

consumidores e todas as demais partes interessadas (stakeholders), não se pode conceber a

responsabilidade social como uma exigência. No Brasil ela ainda é um diferencial competitivo

valioso que se soma aos demais elementos do aviamento do estabelecimento, mas “à medida

que a população for recebendo educação e informação de qualidade, talvez essa participação

seja requisitada com mais intensidade”.32

É ilustrativo o exemplo de Viviane Perez, no sentido de que assim como não se

poderia imaginar aplicar o princípio da função social da propriedade para obrigar particulares

a oferecer abrigo em suas casas a “sem-tetos”, de maneira semelhante não se presta a função

social da empresa para coagir empresas a fornecer educação gratuita aos filhos de seus

funcionários, ou a contratar novos empregados, ou a deixar de dispensá-los, “em detrimento

da informatização da linha de produção capaz de garantir um implemento na capacidade

produtiva e uma ampliação da margem de lucro”.33

Eis ai relevância da distinção conceitual entre as noções de função social e de

responsabilidade social da empresa. Embora ambas tenham aplicação interna/endógena e

31

GAMA, Guilherme Nogueira da; BARTHOLO, Bruno Paiva. Função social no direito civil. 2. ed. São Paulo:

Atlas, 2008. p. 107. 32

BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 50. 33

PEREZ, Viviane. Função Social da Empresa: uma proposta de sistematização do conceito. 2004. Dissertação

(Mestrado em Direito Civil) - Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de

Janeiro, 2004. Apud GAMA, Guilherme Nogueira da; BARTHOLO, Bruno Paiva. Função social no direito

civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 109.

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31

externa/exógena no âmbito da empresa, sua distinção se acentua especialmente devido à

imperatividade decorrente da função social e à falta de coercibilidade da responsabilidade

social. Além disso, a função social é atendida simplesmente quando o empresário, ao

desenvolver sua atividade em busca de lucro, assim o faz mirando valores constitucionais e

legais, ou seja, sem contrariar a lei e fomentando os princípios magnos de preservação do

meio ambiente, valorização do trabalho e defesa do consumidor. De outro lado, a

responsabilidade social constitui um plus ético externado mediante comportamentos positivos

e políticas sociais que não estão codificados pela lei.

Conceitualmente, em suma, conclui-se que todas as empresas estão submetidas ao

instituto jurídico da função social da empresa; e, ao contrário, nem todas possuem políticas de

responsabilidade social.

Nada obstante, o empresariado aos poucos vem despertando para a realidade de que

não mais basta apenas ser eficiente em seu negócio. Exigências ambientais, sociais, políticas e

morais generalizadas evidenciam que a empresa não mais é apenas uma organização

econômica, mas uma instituição de múltiplos escopos além dos imediatos da função

empresarial.34

Se todos esses novos fatores vem exigindo mais de todos, com a empresa não

poderia ser diferente. Conforme bem apanhado por Renato Nalini: “A empresa tem

compromisso com o porvir e, se fechar os olhos para ele, poderá colher insucessos que tolham

o seu futuro.”35

Ademais, essa ampliação de fins da empresa considerada em seu perfil institucional ou

corporativo, acarretou o surgimento do termo stakeholder, que, conforme Graziela Maria

Rigo Ferrari e Ricardo Lupion Garcia, abrange, “além dos sujeitos que têm poder de

determinar diretamente a conduta da empresa, outros que, embora não o tenham, possuem

alguma espécie de interesse em como essas atividades são desenvolvidas”.36

Nesse conceito,

então, se incluem acionistas, empregados, fornecedores, consumidores, parceiros, os

governos, a sociedade, bem como as associações e os órgãos de proteção de interesses

específicos, como os ambientalistas e os de defesa do consumidor, personagens que cada vez

mais têm sido ouvidos e atendidos em suas expectativas.

34

TOFFLER, Alvin. A terceira onda. Tradução de João Távora. 27. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003. 35

NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 417. 36

FERRARI, Graziela Maria Rigo; GARCIA, Ricardo Lupion. Função social da empresa: dimensão positiva e

restritiva e responsabilidade social. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo, v. 8, n. 45, p. 15-35,

jul./ago. 2015. p. 31.

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32

Ainda, conforme Renato Nalini:

Aí que entra a ética da empresa. Os consumidores hoje são mais bem informados e

serão fiéis a marcas e organizações que lhes deem razões para confiar. A impressão

que as pessoas têm da empresa está vinculada ao conceito de responsabilidade

social. Ou seja, a empresa não tem apenas de procurar o lucro. Precisa também

exercer o seu papel social. Ela é um agente produtor, dela dependem muitas pessoas

e ela interage com o meio em que atua. Não pode permanecer alheia às

transformações que afetam a sociedade. [...] Cumpre a cada empresa – qualquer que

seja o seu tamanho ou ramo de atuação – detectar os temas emergentes e

motivadores de preocupação comunitária, com vistas a adequarem suas políticas de

responsabilidade social às expectativas dos grupos parceiros. Dentre esses temas

avulta o meio ambiente, a saúde e o bem-estar de todos, mas, principalmente, dos

empregados e dos moradores nas imediações da empresa, a violência e a segurança,

a diversidade e os direitos humanos, entre muitos outros. Por óbvio, a seleção dos

temas depende da inserção concreta na comunidade, de seu ramo de atuação, do

número de empregados, das condições de trabalho, além de tantos outros fatores.

[...] As empresas, por conhecerem o mercado, são hábeis ao descobrir o anseio por

ética. Sentem o clamor da população desiludida com o governo, desconfiada de toda

atuação pública, a exigir compostura e retidão de conduta. Se conseguem preencher

esse vácuo moral com atuação reconhecida pelos parceiros, agregarão ao valor

intrínseco daquilo que produzem – bens e serviços – um capital efetivo. Conseguem

reputação.37

O autor acrescenta que a boa reputação é um ativo intangível que corresponde “a gozar

de prestígio ou a construir um nome ao longo de anos”, vinculando-se “à identidade

corporativa ou pessoal, constituída pelos traços mais expressivos que observadores atribuem”

e, por fim, derivando “de uma percepção cristalizada e que vai sendo forjada, dia após dia, à

medida que a organização ou o profissional satisfaz as expectativas de seus stakeholders”. Já

não satisfaz à comunidade saber que uma empresa produz apenas produtos e presta serviços

de boa qualidade, ela exige que aqueles que retiram seus lucros dessas atividades, devolvam

mais à comunidade, daí a importância crescente da responsabilidade social, a qual Nalini

aponta como sendo o nome empresarial para a “responsabilidade ética”.38

De outro lado, embora os postulados da função social e da responsabilidade social da

empresa não se confundam, conforme critérios acima analisados, eles se complementam na

fundamentação de uma teoria ética empresarial. Os dispositivos constitucionais e legais

reguladores da função social da empresa acabam por fomentar a cultura ética no seio

empresarial mediante a adoção de ações e políticas que tem por fim melhor executar esses

comandos normativos.

No concernente à função social, merece ser reiterado o exemplo, por sua pertinência

temática, relacionado às disposições legais do Código Civil que regulam o quórum necessário

37

NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 418-420. 38

Ibid., p. 420-421.

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33

para a aprovação de certas matérias mais relevantes, reduzindo o poder de deliberação

exclusiva dos administradores, conforme análise sistemática dos arts. 1.071 e 1.076 do

Código Civil. Tais comandos fomentam o respeito aos interesses minoritários e um agir

transparente por parte da administração, concitando-a a, com lisura, se empenhar na tutela dos

interesses da sociedade. E, de tanto se comprovar na prática o quanto tal filosofia é salutar,

similares preceitos vieram a integrar o conceito de governança corporativa, cada vez mais

propagada na atualidade por meio de associações como o IBGC – Instituto Brasileiro de

Governança Corporativa -, inclusive com o incentivo da BOVESPA – Bolsa de Valores de

São Paulo (assunto do tópico 2.3).

Já no respeitante à responsabilidade social, a prática reiterada de uma série de normas

e padrões de comportamento visando atender aquilo que as partes interessadas da empresa

reivindicam como legítimo e correto finda por construir uma imagem institucional própria da

empresa e a desfraldar a bandeira de suas causas mais genuínas. Não raro, tais ideologias

corporativas findam por redundar em medidas de compliance de feição a conformar todos os

colaboradores aos padrões institucionais, a exemplo da elaboração de códigos de ética

destinados a regular a postura dos colaboradores da empresa (administradores, sócios,

empregados e fornecedores).

Enfim, função e responsabilidade social da empresa constituem matrizes conceituais

complementares que, a par de sua relevância intrínseca, fundam e agregam com solidez

valorativa outras categorias jurídico-empresariais, tais quais os institutos da governança

corporativa e do compliance, ambos compondo vindouros itens deste estudo. Antes de a eles

se passar, todavia, cumpre primeiramente melhor explorar a concepção

corporativa/institucional da empresa, germe da governança corporativa.

2.2 Visão Corporativa da Empresa

O presente item tem por objeto a concepção institucional/corporativa da empresa,

primordialmente identificada pelo jurista italiano Alberto Asquini. Além de se delimitarem

seus quadrantes conceituais, apreciarem-se e rebaterem-se as críticas que a teoria recebeu,

buscar-se-á, com apoio na doutrina especializada, resgatar a tese do autor peninsular

demonstrando que sua ideia base revela-se sensivelmente harmonizada com os predicativos

mais modernos do direito empresarial do século XXI.

O Código Civil Italiano de 1942, em razão da multiplicidade de usos da palavra

empresa, ensina Ricardo Negrão, preferiu não defini-la, optando por apenas conceituar

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34

empresário. A versão brasileira optou pelo mesmo caminho na redação do art. 966 do Código

Civil: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica

organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.” Desse modo, o perfil

subjetivo de quem exerce a empresa (o empresário), definido como o sujeito (empresário

individual, sociedade empresária ou empresa individual de responsabilidade limitada - Eireli)

que, em nome próprio, exerce, de forma profissional, a atividade econômica organizada, teria

sido o modelo adotado no Brasil a partir do Código Civil de 2002. Com base nesse critério,

transparente resulta a distinção entre empresário e empresa, visto que, no primeiro, temos o

sujeito de direito e, na segunda, mesmo como exercício de direito, o objeto de direito.39

Nada obstante, por se afinar aos propósitos metódicos deste estudo, importa ampliar

em parte esta inteligência e citar a teoria dos perfis da empresa, ou poliédrica, de Alberto

Asquini, surgida na sequência da aprovação do Código Civil italiano de 1942 e mencionada

amplamente pela doutrina pátria e estrangeira como talvez a sistematização que mais já se

repercutiu, com críticas positivas e negativas, acerca do tema.40

Alberto Asquini concluiu que a empresa pode ser vista sob diversos ângulos, conforme

os vários elementos que nela se inserem.

O primeiro aspecto, denominado perfil subjetivo, se relaciona às pessoas dos

empreendedores que exercem a atividade empresarial. O perfil funcional, de outro lado,

destaca-se pela face dinâmica, pela força em movimento que significa a atividade empresarial

voltada para um escopo produtivo. O perfil objetivo, por sua vez, refere-se à empresa como

patrimônio, que nada mais é do que o estabelecimento empresarial definido como complexo

de bens móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos, utilizado pelo empresário para o exercício

de sua atividade empresarial. E, por fim, pelo perfil corporativo ou institucional, a empresa é

vista como o resultado da organização do pessoal, formado pelo empresário e por seus

colaboradores, criando uma filosofia e ideologia próprias de cada empresa.41

Waldírio Bulgarelli se distancia da teoria de Alberto Asquini para conceber não

quatro, mas apenas três aspectos jurídicos significativos de empresa: o empresário (perfil

39

NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1. p. 64-

65. 40

Ricardo Negrão menciona que a teoria poliédrica de Asquini foi a tentativa de definição jurídica de empresa

que mais se destacou na doutrina empresarial, merecendo profundo e completo estudo de juristas brasileiros,

dos quais se notabilizou Waldirio Bulgarelli. A tese do renomado jurista italiano foi publicada na Rivista del

Diritto Commerciale, em 1943, e traduzida no Brasil por Fábio Konder Comparato na Revista de Direito

Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo: RT, v. 35, n. 104, out./dez. 1996. NEGRÃO,

Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1. p. 64. 41

ASQUINI, Alberto. Profili dell’impresa. Rivista del Diritto Commerciale, Padova, v. 41, n. 1, p. 109-126,

1943. p. 114-125.

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35

subjetivo), o estabelecimento (perfil objetivo ou patrimonial) e a empresa (perfil funcional ou

exercício da atividade empresarial), desconsiderando o perfil corporativo ou institucional,

assim:

Essa ideia de organização de pessoas, como corpo social, estruturada com base

numa hierarquia em relação a uma ideia diretriz, capaz de manter sua integridade

apesar das mutações em seus elementos, está contida também em Hauriou e seus

seguidores. Mas, primeiro, é incontestável que se trata de visão sociológica; e

segundo, que dá relevo aos aspectos da organização estável que sobrevive e

permanece independentemente das vicissitudes de seus membros, em razão de uma

ideia a realizar. Nesse sentido é que é vista comumente, atribuindo-se essa

designação às escolas, às sociedades, às fundações e ao próprio Estado. Mas,

certamente, não tem correspondência às categorias jurídicas; referindo-se à

instituição como um conjunto de regras estáveis, ou uma organização de pessoas e

de bens, terá sua importância para influenciar o jurista ou o legislador, em termos

axiológicos talvez, mas, sem dúvida, não permite sua qualificação entre as

categorias jurídicas fundamentais.42

O mestre paulista não acolhe todos os quatro aspectos da teoria poliédrica de Alberto

Asquini, acentuando que a empresa concebida sob este tripé conceitual (subjetivo, objetivo e

funcional) constitui critério orientador para a qualificação do empresário, sem que fique

ausente a referibilidade ao estabelecimento, o qual exsurge do conceito de organização técnica

dos bens e ao empresário, como agente dessa atividade, revelando assim a íntima conexão

deste tríplice conceito. A partir desses elementos, Waldírio Bulgarelli define empresa como

“atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços para o mercado,

exercida pelo empresário em caráter profissional, através de um complexo de bens.”43

Fábio Ulhoa Coelho também tece críticas ao mestre italiano, vindo a expor veementes

ressalvas à teoria dos perfis da empresa:

A visão multifacetária da empresa proposta por Asquini, sem dúvida, recebe apoio

entusiasmado de alguma doutrina (entre nós, Marcondes, 1977:7/8), mas dos quatro

perfis delineados apenas o funcional realmente corresponde a um conceito jurídico

próprio (cf. Ferrara, 1945:90/91). Os perfis subjetivo e objetivo não são mais que

uma nova denominação para os conhecidos institutos de sujeito de direito e de

estabelecimento empresarial. O perfil corporativo, por sua vez, sequer corresponde a

algum dado de realidade, pois a ideia de identidade de propósitos a reunir na

empresa proletários e capitalistas apenas existe em ideologias populistas de direita,

ou totalitárias (como a fascista, que dominava a Itália na época).44

42

BULGARELLI, Tratado de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 87-88. Apud NEGRÃO,

Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1. p. 68. 43

BULGARELLI, Tratado de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 100. Apud NEGRÃO,

Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1. p. 68-69. 44

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 1. p. 19.

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36

Para o autor, assim:

Empresa é a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens

e serviços. Sendo uma atividade, a empresa não tem a natureza jurídica de sujeito de

direito nem de coisa. Em outros termos, não se confunde com o empresário (sujeito)

nem com o estabelecimento (coisa).45

Marlon Tomazette perfilha do mesmo entendimento. Segundo o autor, a concepção de

Asquini, embora tenha tido o mérito de trazer à tona vários conceitos intimamente

relacionados ao de empresa, os quais traduziram o fenômeno da empresarialidade,

hodiernamente parece estar superada, por ter confundido a noção de empresa com outras

noções, o que demonstraria a imprecisão terminológica do Código Italiano. Segundo o autor,

o perfil corporativo não encontraria fundamento em dados, mas apenas em ideologias

políticas que influenciaram a concepção fascista da elaboração do Código Italiano.46

Ricardo Negrão, da mesma forma, aderindo às críticas de Waldirio Bulgarelli, utiliza

apenas os aspectos subjetivo, objetivo e funcional fixados pela teoria poliédrica para discorrer

as suas lições sobre o tema.47

Por fim, André Luiz Santa Cruz Ramos, igualmente, levanta as similares críticas ao

perfil corporativo da empresa, imputando-o de ultrapassado porque “só se sustentava a partir

da ideologia fascista que predominava na Itália quando da edição do Código Civil de 1942”.48

Não há como se apartar a mencionada controvérsia do aperfeiçoamento experimentado

pelas sociedades de capitais no século XX, mediante a separação entre propriedade e controle,

o que, segundo André Fernandes Estevez, teve como uma das consequências outra discussão

jurídica, qual seja, a criação de duas teorias antagônicas no direito societário, a saber, a

contratualista e a institucionalista.

Embora nutrindo imenso respeito à posição dos ilustrados juristas, de destacada

grandeza na doutrina pátria, que recusam o perfil institucional da empresa, adere-se, neste

estudo, à posição de Wilges Bruscato, para quem, embora se alastre a ideia de que a teoria dos

perfis da empresa se encontra superada, pois, na atualidade, juridicamente a empresa é vista

como a atividade econômica organizada, mesmo esse conceito jurídico não se divorcia

totalmente da referida teoria, a qual ainda enseja profícuas reflexões.49

45

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 1. p. 19. 46

TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. v. 1. p. 37. 47

NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1. p. 68. 48

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 3. ed. São Paulo: Método, 2013. p.

11. 49

BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 83.

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37

Como visto, há pontos em que o consenso prepondera. Primeiramente, no pertinente à

conclusão de que o conceito jurídico de empresa, entendida como atividade determinada,

planejada e executada segundo um padrão de continuidade, coincide com o nominado perfil

funcional de empresa. Por segundo, de que esta atividade deve ser exercida por alguém

(algum dos possíveis sujeitos do Direito Empresarial), residindo ai o perfil subjetivo da teoria.

E, por fim, de que, em proporção diminuta ou não, sempre haverá bens envolvidos na

prestação da atividade, não havendo mesmo como dar início à exploração empresarial sem a

organização de um estabelecimento (perfil objetivo).

Já quanto ao perfil corporativo, embora se o atribua a uma concepção política

dominante à época da edição do Código Civil Italiano de 1942 (populismo, totalitarismo,

fascismo, etc.), endossa-se o entendimento de Wilges Bruscato no sentido de que este perfil

está presente na empresa moderna, visto ser razoável concebê-la como uma corporação,

instituição ou organização, já que envolve a reunião de pessoas em torno de um mesmo

objetivo. Assim, ela é a mobilização das forças e das ideias dos agentes que nela atuam, sejam

os empreendedores ou os colaboradores.50

Assim, em que pese as críticas originais de Waldírio Bulgarelli e de Fábio Ulhoa

Coelho, às quais ulteriormente conquistaram seguidores mais modernos, no sentido de que o

perfil coorporativo estaria contaminado por uma “visão sociológica” ou “axiológica” que

“não permitira a sua qualificação entre as categorias jurídicas fundamentais”, rebate-se que a

autonomia ou “pureza” absoluta do direito (valendo-se da expressão cunhada por Hans

Kelsen, jusfilósofo austríaco, cuja obra Teoria Pura do Direito se insere nos cânones da escola

juspositivista) sempre foi alvo de críticas contundentes na história da evolução dogmática do

direito sendo que, mesmo entre muitos de seus representantes, manteve-se hígida a ideia de

que a validade do direito vincula-se ao requisito fático de eficácia social mínima, o qual se

relaciona ao requisito de legitimidade do sistema jurídico.51

A esse respeito, Paulo Nader bem sintetiza a mútua dependência entre direito e

sociedade:

50

BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 84. 51

No mesmo tom, cita-se a doutrina de J. X. Carvalho de Mendonça: “[...] o direito não se inventa, não nasce do

arbítrio, nem surge espontaneamente dos congressos legislativos. Desenvolve-se no terreno social, num

ambiente histórico, em relação ao grau de civilização, aos usos e costumes, à organização política dos

Estados. [...] o direito comercial não se formou numa época, nem no meio de um só povo. A cooperação de

todos os povos em tempos sucessivos, firmada fundamentalmente nas bases econômicas, é que constituíram e

lhe imprimiram o caráter autônomo.” MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial

brasileiro. São Paulo: Freitas Bastos, 1953. v.1. p. 49 e 51. Apud BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Márcia

Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 34.

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Direito e sociedade são entidades congênitas e que se pressupõe. O direito não tem

existência em si próprio. Ele existe na sociedade. A sua causa material está nas

relações da vida, nos acontecimentos mais importantes para a vida social. A

sociedade, ao mesmo tempo, é fonte criadora e área de ação do Direito, seu foco de

divergência. Existindo em função da sociedade, o Direito deve ser estabelecido à sua

imagem, conforme as suas peculiaridades, refletindo os fatos sociais, que significam,

no entendimento de Émile Durkheim, maneiras de agir, de pensar e de sentir,

exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe

impõe. Fatos sociais são criações históricas do povo, que refletem os seus costumes,

tradições sentimentos e cultura. A sua elaboração é lenta, imperceptível e feita

espontaneamente pela vida social. Costumes diferentes implicam fatos sociais

diferentes. Cada povo tem a sua história e seus fatos sociais. O Direito, como

fenômeno de adaptação social, não pode formar-se alheio a esses fatos. As normas

jurídicas devem achar-se conforme as manifestações do povo.52

Não há como analisar, pois, o fenômeno empresa sem aliarmos, à epistemologia

jurídica, a sociológica. E não há nenhuma coincidência nisso: no curso da história humana, as

atividades empresariais representam relevante ramificação das relações econômicas do

homem enquanto sujeito inserido em uma sociedade. Conforme Giuseppe Ferri:

“Apresentando o fenômeno econômico da empresa, perante o Direito, aspectos diversos, não

deve o intérprete operar com o preconceito de que o mesmo caiba, forçosamente, num

esquema jurídico unitário.”53

Alerte-se que não se esta aqui a defender um apego exacerbado da ciência jurídica à

sociológica, mas apenas reconhecendo a sua inexorável relação. Conforme explica Miguel

Reale, não se deve conceber que a sociologia jurídica possa explicar todo o mundo jurídico

“até ao ponto de negar autonomia à jurisprudência, reduzindo-a a uma arte de bem decidir

com base nos conhecimentos fornecidos pelos estudiosos da realidade coletiva”, mas sim

reconhecer que “não há, inegavelmente, fenômeno jurídico que não se desenvolva em certa

condicionalidade histórico-social”.54

Assim, embora não se deva conferir aos fatores sociais “a primazia, quando não a

exclusividade na produção do fenômeno político e jurídico”, deve-se ter por mira que todo e

qualquer sistema de normas jurídicas é impulsionado por um conjunto de fatos de natureza

social, política ou econômica. Segundo o mestre paulista, pois, “devemos evitar o simplismo

das explicações unilaterais, características de uma época de naturalismo sequioso de encontrar

a ‘raiz’ única dos processos humanos.” E ele conclui: “Quase se pode dizer que existe hoje

52

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 28. 53

FERRI, Giuseppe. Manuale di Diritto Commerciale. Torino: UTET, 1950. p. 25. Apud BRUSCATO, Wilges.

Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 85. 54

REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 434.

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acordo no reconhecimento de que tais explicações redutivistas mutilam a verdadeira natureza

da sociedade e do Estado.”55

De outro lado, e agora considerando especialmente a crítica de Fábio Ulhoa Coelho,

no sentido de que a visão institucional da empresa, concebida por Alberto Asquini, sequer

corresponderia a um “dado de realidade”, apenas existindo em ideologias populistas de

direita, ou totalitárias, contrapõe-se o argumento de que eventuais deformações sócio-políticas

não parecem ser motivo suficiente a decretar, de forma inapelável, a inocuidade de categorias

ou conceitos jurídicos.

É verdade que fatores externos ao direito podem repercutir negativamente na aplicação

de seus institutos, até porque, como já se teve a oportunidade de demonstrar, o Direito não

tem existência em si próprio, mas sim na sociedade. Agora, não parece acertado concluir que

os consectários sociais negativos de uma dada época seriam o bastante para se refutar, de

forma universal, certas concepções jurídicas. Cada povo tem sua história e seus fatos sociais,

de modo que categorias jurídicas deturpadas no passado por uma determinada ideologia

vigente no seu contexto sócio-político podem simplesmente adequar-se em uma estrutura

social diversa no tempo e no espaço.

Na concepção defendida neste estudo, tal é o que sucede com o perfil corporativo ou

institucional da empresa na atualidade, quando vem se acentuando a visão da empresa como

sendo um ente organizacional-institucional, aliado à implantação de programas de governança

corporativa e compliance, os quais buscam engajar a comunidade empresarial em modelos de

transparência, compartilhamento de gestão, conformidade a padrões éticos e responsabilidade

social.56

55

REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 435. 56

Acerca dessa visão organizacional da empresa, vale transcrever excerto de ensaio da autoria de Giovani

Magalhães Martins Filho: Retomando o raciocínio exposto anteriormente, discorda-se aqui da doutrina

dominante, na conceituação de empresa. A doutrina majoritária, como visto, reduz os quatro perfis de Asquini,

considerando apenas três como de relevância e de importância, que seriam os perfis subjetivo, objetivo e

funcional. Com os perfis subjetivo e objetivo, restam definidos, respectivamente, o empresário e o

estabelecimento. O perfil funcional é tido pelos juristas como o conceito próprio de empresa. Por ele, a

empresa seria a atividade econômica realizada pelo empresário, no estabelecimento, descartando-se o perfil

corporativo ou institucional. O aludido perfil só existiu por razões políticas existentes à época de discussão e

aprovação do Código Civil Italiano. Acontece que é justamente o perfil corporativo que os economistas se

utilizam para definir a empresa, desde que se retire do referido perfil qualquer traço ou conotação meramente

política. A definição dada por Asquini para tal perfil é, em síntese, a definição de firma dada por Coase. O

perfil corporativo de Asquini tem a mesma definição da firma de Coase, vale dizer, a relação existente entre o

empresário e seus diversos colaboradores, visando tal relação a um fim comum, equivale, em outros termos,

dizer que a firma é uma coordenação de contratos, um feixe de contratos organizados e coordenados pelo

empresário. Paula Andrea Forgioni (2009, p. 82-83), após ressaltar que com a derrocada do regime fascista

houve, doutrinariamente, um movimento visando a neutralizar o conceito de empresa, ensina: Vimos que, nos

anos 1950 e 1960, a doutrina italiana esforçou-se para içar a empresa do contexto fascista que lhe deu origem;

a partir dos anos 1960, com a ligação entre empresa e liberdades econômicas, esse passado vai sendo

definitivamente sepultado. Os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência concretizam-se na disciplina

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Como apregoa Calixto Salomão Filho, talvez nessa ótica, remodelados por valores e

necessidades atuais, dois sejam os perfis que melhor condensem a ideia de empresa: “a

empresa concebida como empresário (perfil subjetivo) e a grande empresa, entendida como

instituição ou comunidade de interesses (perfil institucional)”.57

Remodelados por valores e necessidades atuais porque da década de quarenta do

século passado para cá se passaram mais de oitenta anos. Segundo Alain Touraine, não é

demasia definir nossa atual sociedade como “pós-industrial”:

Não é, de forma nenhuma, contraditório definir a nossa sociedade como

ultramoderna e dizer que ela resultou deste pensamento evolucionista que

caracterizara uma etapa das sociedades modernas. Da mesma maneira, a sociedade

clássica, a da filosofia política dos séculos XVI, XVII e XVIII, fora já uma

sociedade moderna, a do Renascimento, da criação da ciência e dos estados

modernos, mas fora pensada em termos de ordem e não de movimento, em termos

políticos e não econômicos. Depois desta sociedade pensada por Maquiavel, Hobbes

e Rousseau, depois também da sociedade industrial pensada por Comte, Hegel e

Marx, vemos formar-se uma sociedade pós-industrial, programada, na qual as

categorias morais ocupam o lugar central que havia sido o das categorias políticas e

depois econômicas e que, antes de ter surgido a modernidade, tinha já sido ocupado

pelo pensamento religioso.58

Pois bem, essa “grande empresa” inserida em uma nova etapa da modernidade (ou

pós-modernidade, ou pós-industrialismo) e concebida cada vez mais como instituição

comprometida com os valores e as necessidades atuais da sociedade, identifica-se com a ideia

da visão institucional da empresa.

Nesta ótica, e empresa é vista como uma instituição de múltiplos fins porque passa a

ter mais “produtos” de longo alcance, tirante os imediatos da função empresarial – produtos

ambientais, sociais, informacionais, políticos e morais, não apenas econômicos. Essa

ampliação de “produtos” trouxe, consequentemente, o surgimento dos stakeholders, que são

todas as partes interessadas com que a empresa tenha um percurso exitoso: acionistas,

da atividade da empresa, marcando seu perfil. Por causa dos tratados europeus que visam à integração

econômica, a empresa passa de instrumento intervencionista à peça-chave da economia de mercado. Não se

pode deixar de notar que, se com o perfil subjetivo se define o empresário, com o perfil objetivo se define o

estabelecimento, e com o perfil funcional se define a atividade econômica, é com o perfil corporativo que se

vai definir a organização. Empresário, estabelecimento, atividade econômica e organização são quatro

realidades distintas ocorrendo no âmbito da empresa. Empresa, portanto, não é somente a atividade econômica,

mas sim a atividade econômica organizada pelo empresário, exercida num estabelecimento, visando a atender

ou a suprir um interesse de mercado. MARTINS FILHO, Giovani Magalhães. O provável confronto entre

Alberto Asquini e Ronald Coase: uma análise dos perfis da empresa a partir da Teoria da Firma. In:

ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, 19., 2010, Fortaleza. Anais... Fortaleza: CONPEDI, 2010.

Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3353.pdf.>. Acesso em: 24 set.

2015. 57

SALOMÃO FILHO, Calixto. A sociedade unipessoal. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 14-15. Apud

BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 84. 58

TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. p. 426.

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empregados, fornecedores, consumidores, parceiros, os governos, a sociedade, bem como as

associações e os órgãos de proteção de interesses específicos, como os ambientalistas e os de

defesa do consumidor. E nem poderia ser diferente: pelo perfil institucional ou corporativo, a

empresa é vista como o resultado da organização do pessoal, formado pelo empresário e por

seus colaboradores.

Sobre essas partes interessadas (stakeholders), Ricardo Lupion cita,

[...] célebre debate entre Adolf Berle e Merrick Dodd nos anos 30 do século XX, nas

páginas da Harward Law Review, a respeito das responsabilidades dos gestores das

empresas, seus acionistas e de outros grupos, como funcionários, clientes e

comunidades. Berle defendia que os deveres fiduciários exigem dos gestores das

empresas agirem em nome e em benefício exclusivo de seus acionistas, e Dodd

sustentava que essa posição ignora as partes interessadas – empregados, clientes,

fornecedores e comunidade – e que os gestores das empresas deviam a sua lealdade

à entidade corporativa, como fiduciários para a instituição e não para os seus

membros, posição que também passou a ser adotada por Berle nos anos 50, quando

escreveu The 20th Century Capitalist Revolution.59

Conforme Ricardo Lupion, esse debate histórico se travou em razão da decisão de uma

empresa petrolífera de adquirir um navio para o transporte de petróleo, devendo escolher entre

um de navio de casco único ou um de casco-duplo baseada apenas no menor preço. Contou

que certamente o primeiro custaria menos do que o segundo, mas faltariam requisitos de

segurança aptos a evitar ou atenuar um acidente ambiental.60

O advir destas novas feições da empresa, em contraposição à ideia de que o seu único

escopo seria o econômico – fulcrado na busca do lucro – parecem atender às conclamações de

Alain Touraine em prol do reconhecimento da importância do indivíduo contra a lógica do

mercado e do poder, o enaltecimento do “Sujeito” em face da “Razão” moderna estabelecida,

como a melhor forma de impedir a fragmentação da sociedade moderna.

Para o autor, a “Razão” hoje posta é a da economia de mercado, a qual subjuga os

indivíduos – agentes sociais – ao sistema, à normalização e à padronização que, após terem

destruído a autonomia dos trabalhadores, se estende ao mundo do consumo e da comunicação,

submetendo cada um aos interesses de um todo. Ao desenvolver sua tese, Alan Touraine tece

59

LUPION, Ricardo. Função social do contrato empresarial. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo,

v. 6, n. 35, p. 38-51, nov./dez. 2013. p. 40. 60

No original: Dod questioned Berle’s solution, namely, fiduciary duties requiring corporate managers to act on

behalf of and for the sole benefit of the company’s shareholders. This ignores corporations’ other stakeholders

such as labor, customers, and the general public, Dodd wrote. SNEIRSON, Judd F. Doing well by doing good:

leveraging due care for better, more socially responsible corporate decisionmaking. The Corporate Governance

Law Review, n. 431, p. 440-445. Apud LUPION, Ricardo. Função social do contrato empresarial. Revista

Síntese Direito Empresarial, São Paulo, v. 6, n. 35, p. 38-51, nov./dez. 2013. p. 40.

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profundas críticas à acentuada sobreposição dessa “autoridade racional” da modernidade em

detrimento do indivíduo.61

Alan Touraine indaga se não será essa modernidade “cega ao reduzir a sociedade a um

mercado, não se preocupando, nem com as desigualdades por si provocadas, nem com a

crescente destruição do seu ambiente natural e social?”. Para o autor, insta libertar a

modernidade da tradição histórica que a reduziu à racionalização e introduzir nela o tema do

sujeito pessoal e da subjetivação, estimulando-se o diálogo entre a “Razão” e o “Sujeito”,

pois, “Sem a Razão, o Sujeito encerra-se na obsessão de sua identidade e, sem o Sujeito, a

Razão torna-se instrumento de poder”.62

Nessa nova realidade, se encontra suplantada a imagem da empresa da fase industrial,

qual seja, a de um papel secundário consistente em um mero terreno de luta de classes,

movimento operário que opunha o trabalho proletário ao lucro capitalista. Para Alan

Touraine, a empresa, na fase pós-industrial, deixa de ser considerada como mera expressão

concreta do capitalismo, figurando como um genuíno agente econômico e de propagação

tecnológica e, portanto, ostentando um papel altamente estratégico em um mercado

internacional cada vez mais competitivo. A racionalidade e a luta de classes ficaram para trás,

repousados aos seios da modernidade clássica. Hoje, na pós-modernidade, a gestão de

mercados e de tecnologia é o que melhor define a empresa.63

Defende o autor, pois, que todas as organizações políticas e sociais devem redescobrir

o “Sujeito” na penumbra das racionalidades que fizeram o mundo girar na modernidade

clássica: o capitalismo, consumismo massivo, a busca desenfreada de lucros, a concentração

desmedida de recursos, etc., todos fatores que, na verdade, correspondem a uma lógica de

poder, e não à lógica da razão. Nas suas palavras, “A modernidade é refratária a todas as

formas de totalidade, e é o diálogo entre a razão e o Sujeito, que não pode dissipar-se nem

chegar ao fim, que mantém aberto o caminho da liberdade.”64

Não é ninguém menos que o próprio Alberto Asquini quem ressalta a relevância de se

compreender o trabalhador como sujeito de direito e não como mero fator numérico da razão

mercadológica:

Sob este perfil, colhe-se de outra feita o substancial significado do princípio

corporativo, que considera o trabalho como sujeito e não como objeto da economia;

porque se o estabelecimento pertence ao empresário, da empresa, no sentido

61

TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. p. 10-11. 62

Ibid., p. 14. 63

Ibid., p. 170-171. 64

Ibid., p. 442-443.

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corporativo, formam parte, como sujeitos de direito, tanto o empresário quanto os

seus colaboradores. Somente sob este perfil, explica-se enfim a orientação da

legislação corporativa em considerar os empregados, na empresa, como

“associados” do empresário para um fim comum, donde a tendência a favorecer a

participação dos empregados nos lucros da “empresa” e a criar adequados órgãos

corporativos, mesmo no interior da empresa, que permitam aos trabalhadores

participar no exame dos interesses comuns da empresa.65

Na linha de concepção da empresa para além de uma mera luta ideológica ou de

classes, Wilges Bruscato expõe que a superação de certos fatores ideológicos, tanto da parte

do capitalismo, como da parte do socialismo, revela que a empresa deve buscar um novo

caminho. Urge que, em sintonia com a Constituição da República e os anseios da sociedade

contemporânea, se vença a histórica e necessária luta de classes, encontrando o equilíbrio que

permitirá maximizar os bens de vida para toda a população. A meta é alcançar os limites

mínimos da dignidade humana para todos. É preciso uma nova ideologia, intermediária e

aproximativa das anteriores capitalistas e socialistas antagônicas entre si. Uma visão filosófica

em que se encarem as divergências da clássica luta de classes do século XX como

complementariedades e não como excludentes mútuas. Nas palavras da autora,

[...] o novo modo de pensar a empresa deve ser harmônico no sentido de dar impulso

à iniciativa privada, enquanto aos titulares dessa caberá a promoção do ser humano.

Necessário, então, que, aos poucos, todas as contradições existentes no sistema

atual, que abarca de modo segmentado o que é interesse público e o que é interesse

privado dentro do direito empresarial, sejam revistas para que os esforços de todos

caminhem num único sentido. Dessa forma, o que interessa ao coletivo interessará

ao individual, porque só naquele este se realiza, e, o coletivo se debruçará sobre o

individual, porque este deve ser, em última análise, a razão de ser daquele.66

65

ASQUINI, Alberto. Profili dell’impresa. Rivista del Diritto Commerciale, Padova, v. 41, n. 1, p. 109-126,

1943. p. 123. 66

BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 42-43. Sobre

essa nova visão harmoniosa entre as partes interessadas da empresa, vale reproduzir, também, o pensamento

de Ricardo Lupion, quando ele cita José Luis Blanco, referência em governança corporativa na Espanha: “Na

linha do perfil corporativo da empresa como instituição, há íntima relação entre a empresa e os seus

empregados, na medida em que estes também são os consumidores dos bens e serviços produzidos pela

empresa. Afinal, ‘muchas personas piensan que las empresas son de su accionistas, ¿pero es esto realmente

cierto?’: Los accionistas y los inversores forman las asambleas y los consejos de administración que eligen

los órganos rectores de las empresas. Sin embargo, las empresas subsisten, crecen o se deterioran, gracias a

que existen clientes que compran sus productos o servicios. ¿Son las empresas también de estos? Los clientes

votan en cada licitación o cada vez que vamos al supermercado premiando en la elección de los accionistas al

poner a esos gestores al frente de la empresa. Pero en la misma situación se encuentran los empleados

responsables de la puesta en funcionamiento de la empresa e incluso su familias, los estados que otorgan

licencias para operar o protegen los activos de la compañía, las comunidades locales que permiten construir

fabricas, los proveedores que confían sus inversiones al éxito de sus clientes, etc. ¿Son las empresas de sus

accionistas?”BLASCO, José Luis. La empresa del futuro, la empresa que queremos. Comité Econòmic i

Social de la Comunitat Valenciana, p. 49. Apud LUPION, Ricardo. Função social do contrato empresarial.

Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo, v. 6, n. 35, p. 38-51, nov./dez. 2013. p. 43.

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Realmente, não há como deixar de se reconhecer um paralelo entre o enaltecimento do

“indivíduo” e o “sujeito” de Alan Touraine com o valor da dignidade humana erigida como

fundamento do Estado no art. 1º da CF/88, juntamente com a soberania, o trabalho, o

pluralismo político e a iniciativa privada.

Tais postulados, dignidade da pessoa humana, livre iniciativa e trabalho humano,

associados ao princípio da função social da propriedade, constituem valiosos elementos para

se compreender o princípio da função social da empresa.

É que a empresa, considerada em seus perfis objetivo, subjetivo, funcional e

institucional/corporativo, embora tenha como escopo primordial a busca de lucro em um

regime de livre iniciativa, também agrega valores sociais: manutenção de postos de trabalho,

aquecimento econômico decorrente da circulação de bens e serviços que proporciona

recolhimento de tributos, aprimoramento tecnológico do país e por ai vai.

Portanto, o direito empresarial, hoje, não mais trilha apartado dos elementos

determinados pelas realidades social, política e econômica. Esses fatores precisam ser

coordenados entre si para otimizarem uma estrutura econômica organizada e eficiente que

tenha como valor fundamental a preservação da empresa, condicionada à sua função social,

porque assim melhor se respeita a dignidade da pessoa humana, na forma do art. 170 da Lei

Maior.

A valorização dos postulados relacionados à função social da empresa e ao seu perfil

institucional finda por fomentar o respeito aos interesses dos sócios minoritários, dos

colaboradores da empresa em geral e, em última análise, da própria sociedade. No próximo

item, ver-se-á que esta filosofia corporativa substantifica o conceito de governança

corporativa, cada vez mais propagada na atualidade por meio de associações como o IBGC –

Instituto Brasileiro de Governança Corporativa -, inclusive com o incentivo da BOVESPA –

Bolsa de Valores de São Paulo.

2.3 Governança Corporativa

Conforme analisado no tópico anterior, o aperfeiçoamento experimentado pelas

sociedades de capitais no século XX, mediante a separação entre propriedade e controle, teve

como consequência a criação de duas teorias antagônicas no direito societário, a saber, a

contratualista e a institucionalista. Para a primeira, não importa o interesse de terceiros, mas a

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satisfação e o benefício econômico dos contratantes. E, para a segunda, existem interesses

sociais, além daqueles atinentes ao sócio, que devem ser observados.67

Também se demonstrou que a busca dos interesses protetivos dos stakeholders é

associada pela doutrina com a teoria institucionalista e com a função e a responsabilidade

sociais da empresa. Conforme se passará a doravante demonstrar, a citada separação entre

propriedade e controle na empresa moderna, aliada à sua visão institucional ou corporativa,

trará como um de seus corolários o fortalecimento da concepção da governança corporativa.

Célia Lima Negrão e Juliana de Fátima Pontelo informam que, em meados da década

de 1980, o mercado norte-americano tinha como maiores acionistas das principais

organizações, os fundos de pensão, os quais buscavam garantir aos seus associados uma

aposentadoria tranquila. Contudo, na maior parte das vezes, esses acionistas não participavam

da gestão dos empreendimentos, dando ensejo a condutas temerárias dos executivos e,

inclusive, fraudes. Esse panorama negativo provocou nos acionistas a necessidade de

fiscalizar seus executivos, dai surgindo os primórdios da governança corporativa.68

Em 27 de novembro de 1995 foi criada uma organização sem fins lucrativos dedicada

à promoção de governança corporativa no Brasil, denominada Instituto Brasileiro de

Governança Corporativa (IBGC), que, em 1999, lançou o 1º Código das Melhores Práticas de

Governança Corporativa no Brasil, focado na capacitação dos administradores e nas pesquisas

relacionadas ao tema na ótica da realidade brasileira. Em 2001 o Código foi revisado,

ampliando-se suas recomendações para os demais agentes interessados das empresas, como o

conselho de administração, conselho fiscal e auditorias independentes. Hoje ele se encontra

em sua 4ª edição, publicada em 2009.

Outro relevante manual é a “Cartilha de Recomendações de Governança Corporativa”,

editada em junho de 2002 pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Esse documento,

que via de regra é seguido pelas sociedades anônimas brasileiras de capital aberto, dispõe

acerca das práticas de governança corporativa que devem ser respeitadas pelas empresas que

pretendem abrir seu capital no mercado de valores mobiliários ou que já subscreveram seu

capital na bolsa de valores.

Conforme consta no sítio de internet do IBGC, as causas originárias da concepção de

um modelo de governança corporativa remontam ao modelo de propriedade dispersa que

passou a se expandir inicialmente nos Estados Unidos por força de aspectos econômicos,

67

ESTEVEZ, André Fernandes. Modelos de Conselho de Administração Corporativa. Revista Síntese Direito

Empresarial, São Paulo, v. 7, n. 38, p. 38-55, maio/jun. 2014. p. 39. 68

NEGRÃO, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a

importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac-DF, 2014. p. 24.

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culturais e políticos que datam dos anos 20 do século XX. Naquela década, o país viveu um

momento de prosperidade econômica, consolidando-se como potência mundial, cujo poder de

influência foi evidenciado pelos efeitos da Crise de 1929, episódio da quebra da bolsa de

Nova Iorque, a qual rapidamente teve repercussões globais em todas as economias

capitalistas, ocasionando graves consequências econômicas, políticas e sociais.

Na cultura empresarial predominante até aquele período, os proprietários tinham o

poder sobre as decisões administrativas de suas empresas, frequentemente ocupando os mais

importantes cargos da gestão. Décadas mais tarde, já no segundo pós-guerra, a força e o

dinamismo da economia dos Estados Unidos propiciou o advento das grandes organizações

empresariais com estrutura de propriedade dispersa e ações negociadas no mercado de

capitais, modelo que passou a se estender para as demais economias capitalistas mundiais,

como os mercados da Inglaterra, França e Alemanha.

As estruturas dessas grandes corporações propiciaram a existência de um conjunto

disperso de inúmeros proprietários – ou acionistas –, inviabilizando, na prática, a interferência

direta de todos na empresa. Tal privilégio foi reservado a um seleto grupo de controladores

majoritários que, a exemplo do que ocorria nas empresas familiares, muitas vezes ocupavam a

função de presidente do conselho de administração (Chairman) e a de principal executivo (ou

CEO - Chief Executive Officer), ou, não raro, optavam pela contratação de gestores

profissionais para essa função.69

Essa dispersão acionária deu origem a um problema gerencial ao qual se convencionou

denominar de Teoria da Firma, Teoria da Agência ou Teoria do Agente-Principal, que se

verifica quando o sócio (principal) contrata outra pessoa (agente) para administrar a empresa

em seu lugar.

Segundo a tese referida, os executivos e conselheiros contratados pelos acionistas

tenderiam a agir de forma a maximizar seus próprios benefícios (maiores salários, maior

estabilidade no emprego, mais poder, etc.), isto é, privilegiando os interesses próprios em

detrimento dos interesses da empresa, de todos os acionistas e demais partes interessadas

(stakeholders). Visando a minimizar esta problemática, as empresas e seus acionistas

passaram a adotar uma série de medidas para alinhar os interesses de todas as partes

69

FRENTROP, Paul. A history of Corporate Governance: 1602-2002. Amsterdam: Deminor, 2002. SILVA,

André Luiz Carvalhal. Governança Corporativa e sucesso empresarial: melhores práticas para aumentar o

valor da firma. São Paulo: Saraiva, 2006. Apud INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA

CORPORATIVA. Origens da Governança Corporativa. Disponível em:

<http://www.ibgc.org.br/inter.php?id=18166>. Acesso em: 28 set. 2015.

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interessadas. Dentre elas, foram propostas medidas que incluíam práticas de monitoramento,

controle e ampla divulgação de informações.70

Segundo Robert Henry Srour, o fenômeno da teoria da agência imbrica-se ao

problema estrutural do sistema capitalista que decorre do aparecimento de grandes empresas e

conglomerados econômicos. À medida que a empresa cresce, o fundador deixa de atuar como

o “homem-orquestra” e passa a delegar atribuições a profissionais de sua confiança,

divisando-se assim, a propriedade (quotistas e acionistas) e a gestão (gestores).71

De maneira semelhante, Mônica Mansur Brandão expõe que nos anos oitenta, do

século passado, foi iniciada uma mudança fundamental nas relações de poder que permeavam

a cúpula de importantes companhias norte-americanas. Conforme já mencionado, os

acionistas dessas corporações eram, em grande medida, fundos de pensão, os quais buscavam

garantir rendimentos adequados aos seus portfólios. São espécies de investidores constituídos

para gerir o patrimônio de conjuntos de pessoas.72

Tais investidores não participavam da gestão das empresas; os presidentes das

corporações ou chief executive officers - CEO´s – as dirigiam sem maiores divergências com

os primeiros. Entretanto, decisões executivas ineptas e inconsequentes, quando não

fraudatórias, conduziram a uma mudança no modus operandi de relevantes investidores

institucionais, os quais se organizaram para se posicionar de forma diferente, alterando as

relações de poder dos CEO´s. Tais investidores, então, passaram a exigir a adoção de

melhores práticas de governança corporativa, exercendo seus poderes de pressão e voto, de

forma organizada, para destituir membros da cúpula de organizações e implantar políticas e

iniciativas de interesses de todos os colaboradores.

Conforme a autora, dada a sua melhor organização e recursos, esses investidores

reuniam, nos anos oitenta, as condições mais adequadas para provocar mudanças e melhor

70

INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Origens da Governança Corporativa.

Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/inter.php?id=18166>. Acesso em: 28 set. 2015. 71

Segundo o autor: “Os gestores que administram o negócio não são seus proprietários e possuem interesses

diferenciais, já que são assalariados. Isso significa que, embora ganhem bem mais do que os demais

funcionários e exerçam o mando, não estão autorizados a se apropriar dos lucros. Além dos salários, o que

remunera seu trabalho? Benefícios variados, mordomias, privilégios, bônus, stock options, participação nos

lucros e resultados. Ocorre que nem sempre esses incentivos materiais bastam para saciar o apetite de alguns

deles. Daí o risco moral incorrido pelos proprietários. Inseguros quanto à atuação de seus gestores, eles

estabelecem e sofisticam mecanismos de prevenção e controle, tais como o compliance, os controles internos, a

auditoria interna e a externa, assim como a governança corporativa. De maneira que procuram assegurar a

confiabilidade da gestão contra os abusos de poder que opõe acionista controlador e acionistas minoritários,

diretoria executiva e acionistas, administradores e terceiros. Procuram também se precaver contra erros

estratégicos decorrentes da concentração de poder, principalmente em mãos do presidente (executivo

contratado), e contra fraudes, tais como o uso de informação privilegiada em proveito próprio ou a atuação em

conflito de interesses”. SROUR, Robert Henry. Casos de ética empresarial. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsever,

2014. p. 60. 72

No Brasil, além dos fundos de pensão, compreendem as seguradoras, fundos e clubes de investimento.

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equilibrar o conflito entre gestores e acionistas, os típicos conflitos de agência. Se, de um lado

a delegação de poder aos executivos para tomar decisões em nome de acionistas apresenta a

vantagem da profissionalização, de outro traz a desvantagem do conflito citado.73

Conforme Célia Lima Negrão e Juliana De Fátima Pontelo, embora a governança

corporativa tenha se difundido em âmbito global, ela ainda não está totalmente sedimentada,

de modo que continuam a surgir ultrajes financeiros envolvendo grandes corporações

estadunidenses e em outros países. Escândalos corporativos em organizações como a Enron

Corporation, a qual veio a falir em decorrência de diversas denúncias de fraudes contábeis e

fiscais - os dirigentes ocultaram dos investidores grandes perdas econômicas decorrentes de

baixo desempenho -, provocaram a edição de novas regras para a governança corporativa.

Estas novas normas modificaram os processos, o controle das organizações, as

regulamentações e os responsáveis pelas criações e alterações das normas e das auditorias,

impondo um conjunto de exigências de grande abrangência e impacto, inclusive, no Brasil e

em outros países onde há companhias listadas em bolsas de valores norte-americanas.74

Para Mônica Mansur Brandão, embora o movimento pela governança corporativa

incite grandes mudanças nos mercados de capitais e nas corporações, ensejando um aumento

significativo da produção acadêmica sobre o tema, ainda não se conseguiu produzir um

conceito de governança corporativa que seja universalmente aceito. Para ela:

Ao mesmo tempo e à luz dos principais estudos disponíveis sobre o tema, pode-se

afirmar que a sua compreensão exige que se discutam os diversos desafios de

interesse da cúpula das organizações – o ambiente de governança corporativa ou de

condução dos negócios organizacionais -, tais como:

1. desenho da estratégia e tomada de decisões estratégicas, objetivando um

desempenho organizacional minimamente desejado por públicos relevantes

(stakeholders);

2. responsabilidade social, abrangendo a responsabilidade com públicos relevantes e

com a sociedade, no sentido mais amplo – incluindo-se as gerações futuras;

3. relacionamento com públicos relevantes, em termos de equidade, de monitoração

de seus interesses e dúvidas e de outros aspectos que possam enriquecer a estratégia

e as decisões;

4. produção de informações para os públicos relevantes citados, visando

transparência informacional (disclosure);

5. equacionamento de riscos que possam comprometer seriamente a sobrevivência

e/ou a longevidade organizacional;

73

BRANDÃO, Mônica Mansur. Governança Corporativa e a influência dos acionistas minoritários no

sistema de decisões estratégicas. 2004. 292 f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Faculdade de

Administração da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004. f. 16-17.

Disponível em: <http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Administracao_BrandaoMM_1.pdf>. Acesso em: 28

set. 2015. 74

NEGRÃO, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a

importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac-DF, 2014. p. 25.

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6. fortalecimento da propriedade e dos direitos de propriedade, por meio de

consistentes políticas de distribuição de dividendos, de recompras de ações

(operações de buyback) e outras;

7. equacionamento, em âmbito interno, de influências familiares e da sucessão

corporativa;

8. equacionamento de aspectos jurídicos e regulatórios que afetam companhias

submetidas aos ditames da legislação e da regulamentação que regem o mercado de

capitais;

9. fiscalização do cumprimento da missão e dos objetivos organizacionais, da

utilização dos recursos aplicados por investidores e de outros aspectos relevantes;

10. codificação dos princípios, normas de comportamento e práticas de governança

corporativa, consolidando-se uma plataforma de governança corporativa – um

conjunto de regras do jogo internas e práticas a observar na condução dos negócios

organizacionais.75

Conforme o IBGC, Governança Corporativa:

[...] é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas,

envolvendo as práticas e os relacionamentos entre proprietários, conselho de

administração, diretoria e órgãos de controle. As boas práticas de Governança

Corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses

com a finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu

acesso ao capital e contribuindo para a sua longevidade.76

Em outros termos, pois, a Governança Corporativa é compreendida como uma técnica

de gestão que acelera a tomada de decisões corporativas por meio da descentralização e

delegação de poderes, aliada à profissionalização dos administradores da empresa. Ela tem

como princípios básicos:

Transparência - Mais do que a obrigação de informar é o desejo de disponibilizar

para as partes interessadas as informações que sejam de seu interesse e não apenas

aquelas impostas por disposições de leis ou regulamentos. A adequada transparência

resulta em um clima de confiança, tanto internamente quanto nas relações da

empresa com terceiros. Não deve restringir-se ao desempenho econômico-

financeiro, contemplando também os demais fatores (inclusive intangíveis) que

norteiam a ação gerencial e que conduzem à criação de valor.

Equidade - Caracteriza-se pelo tratamento justo de todos os sócios e demais partes

interessadas (stakeholders). Atitudes ou políticas discriminatórias, sob qualquer

pretexto, são totalmente inaceitáveis.

Prestação de Contas (accountability) - Os agentes de Governança devem prestar

contas de sua atuação, assumindo integralmente as consequências de seus atos e

omissões.

75

BRANDÃO, Mônica Mansur. Governança Corporativa e a influência dos acionistas minoritários no

sistema de decisões estratégicas. 2004. 292 f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Faculdade de

Administração da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004. f. 15-16.

Disponível em: <http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Administracao_BrandaoMM_1.pdf>. Acesso em: 28

set. 2015. 76

INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Governança Corporativa. Disponível

em: <http://www.ibgc.org.br/inter.php?id=18166>. Acesso em: 28 set. 2015.

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Responsabilidade Corporativa - Os agentes de Governança devem zelar pela

sustentabilidade das organizações, visando à sua longevidade, incorporando

considerações de ordem social e ambiental na definição dos negócios e operações.77

Segundo Célia Lima Negrão e Juliana de Fátima Pontelo, a Governança Corporativa

pode ser considerada como uma reunião de domínios de governança, exemplificando-se:

governança de administração, de gestão de pessoas, industrial, comercial de Tecnologia da

Informação (TI), entre outras, e atua com foco nos princípios acima elencados e na

conformidade com as regras (compliance).78

Filipe Vinícius Aparecido Ferreira, após analisar diversos agrupamentos conceituais já

laborados acerca de Governança Corporativa, concluiu, com base nos pilares e nas práticas

verificadas no mercado, não existir um modelo único e universal de governança corporativa, e

que as diferenças resultam da diversidade cultural e institucional dela decorrentes. Para o

articulista citado, pode-se, então, entender a governança como um conjunto de valores e

regras “que rege o sistema de poder e os mecanismos de gestão das corporações, buscando a

maximização da riqueza dos acionistas e o atendimento dos direitos de outras partes

interessadas, minimizando oportunismos conflitantes com este fim.”79

Ele acrescenta que organizações como as Nações Unidas e a Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) visualizam as boas práticas de

governança como pilares da economia na atualidade, bem como um valioso instrumento do

desenvolvimento sustentável em suas três dimensões: econômica, ambiental e social.80

É relevante novamente ressaltar que a governança corporativa é um fenômeno

relativamente recente cujas bases rudimentares remontam a logo após a crise de 1929, em

decorrência da separação entre propriedade e controle de empresa.

Segundo Andre Fernandes Estevez, insta acentuar que o Conselho de Administração

se encontra, por essa razão, no centro da problemática citada por ser o órgão onde se dá o

controle gerencial da empresa, separando propriedade e gestão, sendo considerado o

principal órgão colegiado e deliberativo criado pela Governança Corporativa, dado o seu

importante papel de incentivador da inovação estratégica da empresa. Assim sendo, em

praticamente todos os Códigos de Governança, inclusive no do IBGC, recomenda-se que os

77

INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Princípios básicos. Disponível em:

<http://www.ibgc.org.br/inter.php?id=18163>. Acesso em: 28 set. 2015. 78

NEGRÃO, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a

importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac-DF, 2014. p. 26. 79

FERREIRA, Filipe Vinícius Aparecido. Governança Corporativa: a situação dos acionistas minoritários (não

controladores) em Assembleias Gerais. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo, v. 8, n. 45, p. 41-59,

jul./ago. 2015. p. 48. 80

Ibid.

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Conselhos de Administração sejam compostos, predominantemente, por membros externos ou

independentes da empresa.81

O referido autor cita ainda diversas normas de governança corporativa acerca do

número mínimo de conselheiros recomendados a depender do porte de cada empresa,

presença de representatividade dos diversos grupos de acionistas, mecanismos de controle de

suas condutas (visando minimizar os conflitos entre os interesses pessoais dos conselheiros e

os sociais da empresa), questões relacionadas à transparência de sua remuneração e, por fim,

necessidade de medidas especiais nas hipóteses de empresas familiares, mediante a formação

de três conselhos distintos: a) Conselho de Administração; b) Conselho Familiar e c)

Conselho de Sócios, tudo visando a evitar a confusão patrimonial que famílias empresárias

praticam ao utilizar parte do patrimônio em benefício próprio.

Na estrutura acima delineada, os conselhos de família, por exemplo, definem os planos

de sucessão avaliando os herdeiros quanto às habilidades, interesses e perfis pessoais, de

feição a apurar qual aquele que possui o perfil de liderança necessário para dar continuidade

ao negócio.82

No concernente às citadas empresas familiares, Bruno Modesto Silingardi refere que,

no Brasil, aproximadamente 90% (noventa por cento) das empresas pertencem a grupos

familiares.83

Assim, na ótica das empresas familiares, diversas políticas de Governança

Corporativa apresentam fatores positivos, tais quais, “o alinhamento dos interesses de seus

gestores, preservação dos valores da organização, o aumento da confiança entre os membros

da família e, especialmente, a perpetuidade da empresa”. Nesse condão, a Governança

81

Conforme o autor: “A governança corporativa centra-se em quatro pilares, a saber: a) transparência

(disclousure); b) prestação de contas (accountability); c) justiça com os minoritários (fairness); d)

cumprimento das leis (compliance). Baseado em tais premissas, o Conselho deve ser composto de maioria

independente, com mais razão no modelo stakeholder. Não deve ficar submisso à vontade do acionista que o

escolheu, mas à vontade da sociedade. A escolha de conselheiros externos ou independentes aumenta o

profissionalismo e a efetividade do Conselho, reduzindo a probabilidade de conluio dos altos executivos com o

objetivo de expropriar a riqueza dos acionistas. Assim, reduz-se o problema de desequilíbrio de informações

entre acionistas, além de facilitar a substituição do diretor executivo.” ESTEVEZ, André Fernandes. Modelos

de Conselho de Administração Corporativa. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo, v. 7, n. 38, p.

38-55, maio/jun. 2014. p. 45. 82

ESTEVEZ, André Fernandes. Modelos de Conselho de Administração Corporativa. Revista Síntese Direito

Empresarial, São Paulo, v. 7, n. 38, p. 38-55, maio/jun. 2014. p. 46-51. 83

O autor acentua que, “No entanto, devido a conflitos de ordem legal, econômico, gerencial e, principalmente,

emocional, apenas um terço dessas empresas chegam à segunda geração, e, desse percentual, somente 15%

(quinze por cento) passam para a terceira geração. Ainda, na ótica do autor, pois, o tema governança

corporativa ganhou maior visibilidade no Brasil em decorrência do elevado número de empresas familiares

constituídas, aliado a este péssimo resultado percentual citado”. SILINGARDI, Bruno Modesto. As

implicações da Governança Corporativa nas empresas familiares. Revista Síntese Direito Empresarial, São

Paulo, v. 6, n. 32, p. 77-100, maio/jun. 2013. p. 78.

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Corporativa é avaliada como a prática de gestão moderna mais utilizada atualmente pelas

empresas familiares que anseiam perpetuar o empreendimento no tempo e amenizar os

conflitos de interesses gerados por força do crescimento dos negócios.

Para tanto, o Conselho de Administração “é considerado o principal responsável

pelas decisões estratégicas da companhia, decidindo sempre de acordo com a missão, a visão

e os valores preestabelecidos pela organização.”84

, bem como por “desempenhar papel de

prevenção e administração de conflitos de interesses entre os acionistas, sócios, executivos e

demais partes interessadas, contornando as opiniões controvertidas e escolhendo aquela que

melhor atenda aos interesses da empresa.”85

De outra banda, para Gregory H. Watson, uma boa governança corporativa deve focar

na afirmação de que as corporações levam em conta os interesses de uma ampla faixa de

elementos (stakeholders na condição de clientes-consumidores, investidores-proprietários-

acionistas, funcionários-parceiros, de sistemas legais-regulatórios e de comunidades nas quais

a corporação opera) e que o Conselho é responsável tanto pela empresa como por seus

acionistas.86

84

SILINGARDI, Bruno Modesto. As implicações da Governança Corporativa nas empresas familiares. Revista

Síntese Direito Empresarial, São Paulo, v. 6, n. 32, p. 77-100, maio/jun. 2013. p. 78. 85

Ainda conforme o autor citado: “O respectivo conselho é comandado, coordenado e supervisionado por um

dos conselheiros, mais conhecido como ‘chairman’, expressão utilizada no meio corporativo para indicar o

presidente do conselho de administração. No entanto, o conselheiro nomeado para o cargo de “chairman” de

maneira alguma poderá assumir simultaneamente a função de presidente executivo (CEO – chief executive

officer) da corporação. Diversos manuais de governança corporativa ratificam a segregação das referidas

funções. Independentemente de acumular ou não os dois cargos, o principal executivo da empresa geralmente

participa das sessões apenas como convidado. Além do diretor presidente, podem se convidados a participar

das reuniões diversos profissionais ou consultores especializados nos temas constantes da pauta. Outra

importante função atribuída ao presidente do conselho é a avaliação anual de desempenho dos demais

conselheiros e do diretor presidente. A respectiva avaliação consiste em verificar o cumprimento das metas

imputadas no ano anterior, a aplicação de novos objetivos para o próximo exercício, bem como a análise de

outros indicadores como assiduidade e participação das deliberações. Os resultados serão apresentados aos

sócios e/ou acionistas por meio do relatório da administração. Nesses moldes, constata-se a importância desse

órgão no processo decisório das empresas, afastando por completo, o poder unilateral do grupo controlador em

relação aos rumos a serem tomados pela corporação. Além disso, é imprescindível que o CAD seja

considerado como um organismo vivo dentro da empresa, com voz ativa e poder de persuasão, e não apenas

um requisito formal imposto pela legislação brasileira para algumas sociedades empresárias.” SILINGARDI,

Bruno Modesto. As implicações da Governança Corporativa nas empresas familiares. Revista Síntese Direito

Empresarial, São Paulo, v. 6, n. 32, p. 77-100, maio/jun. 2013. p. 79 e 87/88. 86

Segundo o autor, há uma “boa governança” quando todas as condições seguintes são satisfeitas: (a) O

Conselho estabelece uma diretriz que define o propósito e a visão de longo alcance de toda a corporação, além

de colocar limitações nos métodos e nos estilos que a Diretoria Executiva possa usar para atingir seus

objetivos [sob condições em que os requisitos dos acionistas são conhecidos e definidos como objetivamente

mensuráveis, e os objetivos de negócios passíveis de auditoria]; (b) O Conselho estabelece uma estrutura para

a execução do modo como a organização possa optar para cumprir os objetivos de negócios (condições

morais, éticas e legais limítrofes que restringem as ações da Diretoria Executiva), e descreve-a em termos de

princípios ou políticas orientadoras que a organização fica com a obrigação de aplicar. (c) O Conselho aloca

essa diretriz ao CEO para sua posterior delegação aos gerentes operacionais por meio da estrutura

organizacional de gestão de negócios; (d) O Conselho revisa o desempenho em relação aos objetivos

utilizando um sistema objetivo de mediações que reflete as inquietações de todos os principais participantes da

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Não é meta do presente estudo – o qual se centra nos temas compliance, acordo de

leniência e corrução empresarial – esgotar as concepções jurídico-administrativas decorrentes

de uma política de governança corporativa, havendo dezenas de obras, tanto da área jurídica,

quanto da de administração, contabilidade e economia, que se debruçam com destacadas

amplitude e profundidade sobre a temática.

Para os fins metodológicos deste trabalho, embora originalmente a Governança

Corporativa tenha representado uma tentativa de superação dos conflitos de interesses

surgidos nas empresas (seja de agência, familiar ou em face de credores), o que aqui se

defende é que ela também passou a catalisar preocupações relacionadas à harmonia das

relações, à maximização do valor da empresa concebida em um perfil institucional e, em

especial, ao fortalecimento da conformidade ética da empresa por meio dos pilares da

transparência, equidade e respeito a todas as partes interessadas na atividade econômica

(stakeholders).

Na visão do jurista norueguês Bjorn Andersen, a ética nos negócios representa

relevante aspecto na Governança Corporativa. Administrar uma empresa de maneira ética

gera, primeiramente individualmente, uma sensação de que se está procedendo de forma

adequada. À medida que esse sentimento se propaga, ele resulta em um ambiente positivo que

percorre toda a organização; uma sensação muito forte de comunidade e de pertença de algo.

Essa é uma força poderosa que constitui um inestimável bem a qualquer empresa. Segundo o

autor, esse expressivo efeito motivacional estimula indivíduos e organizações inteiras a

alcançarem picos de rendimento jamais vistos, conforme resultados documentados em

numerosos estudos.87

Bjorn Andersen assevera que essa “onda de sentimentos bons e positivos” se estende

aos clientes, fidelizando-os. As organizações que chegam nesse ponto têm o atrativo de algo

mais “nobre” do que a mera consciência sobre preços, de modo que seus clientes mantem sua

lealdade por maiores períodos de tempo. E, quando uma organização consegue posicionar-se

de tal forma que a imagem geral no mercado é a de uma empresa dotada de integridade, os

empresa; (e) O Conselho incentiva o CEO para que ele autorregule as ações da organização de modo a obter os

resultados desejados; (f) Quando há a percepção de que a organização está operando fora de um sistema de

controle de negócios que fora estabelecido pelo Conselho, então deve empreender ações corretivas para trazer

o realinhamento da organização [se ele não agir dessa maneira, então a inação minará o seu poder, que fora

concedido pelos stakeholders representativos do capital da empresa]. WATSON, Gregory H. Governança

Corporativa requer liderança de qualidade. In: WATSON, Gregory H.; BERTIN, Marcos E. J. (Org.).

Governança Corporativa: excelência e qualidade no topo. Tradução Celso Roberto Paschoal. Rio de Janeiro:

Qualitymark, 2007. p. 21-22. 87

BJORN, Andersen. O papel da ética em Governança Corporativa de qualidade. In: WATSON, Gregory H.;

BERTIN, Marcos E. J. (Org.). Governança Corporativa: excelência e qualidade no topo. Tradução Celso

Roberto Paschoal. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2007. p. 25-32.

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potenciais clientes terão menos receios de se comprometerem com uma compra dessa fonte,

conforme resultados já documentados em análises empíricas.

Ainda com lastro nas lições do jurista norueguês, reavivar uma abordagem ética nos

negócios em uma organização é uma tarefa que consiste de muitos elementos e etapas

diferentes que variam, significativamente, de uma empresa para outra a depender das

características da organização, níveis anteriores de consciência e treinamento e cultura

organizacional. Nada obstante, existem elementos que normalmente seriam comuns à maioria

desses processos de mudanças, cujas decisões-chave ou atividades de processo podem ser

assim sucintamente indicadas: i - decidir o nível de ambição ética; ii - desenvolver práticas

éticas nos negócios; iii - decidir o desenho ético organizacional; iv - ministrar treinamento

ético; v - decidir um novo perfil organizacional; vi - lançar o novo perfil ético; vii - assegurar

conformidade ao novo perfil ético e; viii - reforçar o processo de implementação.88

Nesse contexto, citam-se dois exemplos diametralmente opostos, ambos extraídos do

ramo industrial automobilístico. No primeiro, vislumbra-se a adoção dos pilares da

governança corporativa e, no segundo, a ausência de uma mínima gestão ética.

Segundo Robert Henry Srour, em 2003, a General Motors lançou um site

(AutoChoiceAdvisor.com) para orientar os compradores de automóveis. As recomendações

eram verdadeiramente neutras, incluindo veículos da concorrência. Um algoritmo imparcial

recomendava o melhor carro em face das necessidades apresentadas pelos clientes.

“Benefícios para a GM? Obter informações sobre as preferências do mercado para

desenvolver novos produtos e modelos que atendessem as demandas específicas. Moral da

história? O fato de prestar um bom serviço ao cliente cria valor para as partes”. Segundo o

autor, o conhecimento ético aplicado a situações reais gera valor: tece laços de respeito e

confiança entre pessoas e organizações, beneficiando a todos sem prejudicar ninguém.89

No reverso da moeda, em setembro de 2015 as mídias escritas e televisivas mundiais

amplamente divulgaram o escândalo que se abateu sobre a montadora alemã Volkswagen,

descrita pela revista Veja como “uma tragédia corporativa de enormes proporções, mas que de

forma alguma foi um acidente”. Segundo noticiado, depois que a companhia reconheceu ter

deliberadamente criado um software que engana os testes ambientais de emissão veiculares,

suas ações caíram 23%. O CEO Martin Winterkorn renunciou e outros dois executivos

estariam em vias de serem substituídos. A Agência de Proteção Ambiental estadunidense

88

BJORN, Andersen. O papel da ética em Governança Corporativa de qualidade. In: WATSON, Gregory H.;

BERTIN, Marcos E. J. (Org.). Governança Corporativa: excelência e qualidade no topo. Tradução Celso

Roberto Paschoal. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2007. p. 31-35. 89

SROUR, Robert Henry. Casos de ética empresarial. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsever, 2014. p. 37-38.

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55

(EPA, na sigla em inglês) ameaçou aplicar à empresa uma multa de até 18 (dezoito) bilhões

de dólares. Ainda, as indenizações exigidas por consumidores que se sentiram enganados,

segundo a revista citada, deveriam proliferar em diversos países e o Departamento de Justiça

dos Estados Unidos já abrira uma investigação criminal contra a montadora por fraude.

Conforme a reportagem, descobriu-se que, quando o veículo está há muito tempo

parado, com o motor ligado, o software interpreta que ele está sendo submetido a um teste e

aumenta a filtragem de óxido de nitrogênio. Dessa forma, o dispositivo garante que os carros

passem nos rigorosos testes de qualidade americanos, mas, fora do laboratório, emitam um

volume até quarenta vezes maior de poluentes.

Ainda segundo a revista Veja, o caso da Volkswagen é potencialmente mais destrutivo

do que anteriores já ocorridos na indústria automobilística porque se tratou de um ato

deliberado, o que gerará muito mais desconfiança entre os consumidores e movimentos

ambientais.90

Inegável, pois, que o agir antiético pode implicar severos desempenhos negativos e

diferentes tipos de reações tanto nas esferas da sociedade civil organizada, quanto da

governamental, maculando profundamente a imagem da organização, em especial porque os

clientes medem os riscos de fazer transações com empresas que “devem à Justiça”.

A assunção da postura ética vai ao encontro de uma realidade inexorável: os

consumidores inconscientes ou desinformados representam, cada vez mais, reduzidas

minorias e, de outro lado, os grupos de pressão e fiscalização organizados majoram (mídia,

agências de defesa, a Justiça, o boicote), multiplicando-se de tal modo que os espaços para

trapaças e manobras espúrias vêm diminuindo sensivelmente. No caso da Volkswagen, a

desconfiança surgiu em testes nas ruas feitos por pesquisadores do Conselho Internacional

para Transporte Limpo (ICCT, na sigla em inglês), uma organização de consultoria sem fins

lucrativos.

Conforme Robert Henry Srour, a assunção da ética nas atividades empresariais traz

benefícios variados a começar pela conquista de uma boa reputação institucional. Também

reduz drasticamente a possibilidade de se responder a processos judicias ou administrativos,

fortalece a responsabilidade corporativa, garante o benefício da dúvida em caso de crise,

confere um crédito de confiança para as iniciativas empresariais, além de uma série de outros

fatores positivos. Em resumo, agrega significativo valor aos negócios.

90

WATKINS, Nathalia. É hora de mudar. Veja, São Paulo, v. 48, n. 39, 30 set. 2015. Internacional, p. 76-80.

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56

Para ilustrar o seu argumento, o autor apresenta figura representativa que compara os

resultados acionários de empresas socialmente responsáveis com os das demais integrantes do

índice Bovespa:

Figura 1- Índice de Sustentabilidade Empresarial

Fonte: Srour91

Ao comentar o gráfico acima, Robert Henry Srour aponta que :

[...] a série histórica do valor das ações que integram os índices Bovespa e das

empresas sustentáveis mostra que, no longo prazo, essas empresas se deslocam do

índice geral, gerando retornos maiores. Mesmo quando o desempenho não é superior

aos índices referenciais dos respectivos mercados, os resultados ficam muito

próximos. Temos aí um claro indício de que as orientações éticas são rentáveis ou,

na pior das hipóteses, não provocam prejuízos aos negócios, a contrapelo da falácia

que estigmatiza como “bobagem” quaisquer intervenções organizacionais que visem

estabelecer um “compliance ético”.92

91

SROUR, Robert Henry. Casos de ética empresarial. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsever, 2014. p. 159-161. 92

Ibid.

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Em sequência, o autor apresenta figura comparativa do índice Ibovespa com o Índice

de Governança Corporativa:

Figura 2- Índice de Governança Corporativa

Fonte: Srour93

Também por este índice, denota-se que as empresas que exercem boas práticas – a

exemplo da transparência nas informações fornecidas (disclousure), da responsabilização na

prestação de contas (accountability), da equidade no trato dos interesses dos acionistas

(fairness) e da conformidade corporativa aos procedimentos legais (compliance) – apresentam

resultados substancialmente superiores ao restante do mercado acionário.94

Mediante o cotejo dos gráficos, pode-se concluir com facilidade que um modelo de

governança corporativa eticamente comprometido “tem alto impacto social, viabiliza a

perenidade das empresas e, sobretudo, pode contribuir para assegurar a habitabilidade do

planeta. Haveria melhor jogo de soma positiva para os negócios?”95

93

SROUR, Robert Henry. Casos de ética empresarial. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsever, 2014. p. 159-161. 94

Ibid. 95

Ibid.

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As ponderações do capítulo inaugural do presente trabalho tiveram por desiderato

subministrar o leitor com as “premissas constitucionais e conceituais” essenciais para a

melhor compreensão dos assuntos que doravante serão explorados: o compliance e o acordo

de leniência como instrumentos de enfrentamento da corrupção empresarial. Nesse sentido, o

panorama jurídico-empresarial analisado é concebido, aqui, como um referencial epistêmico

inafastável na delimitação teórica do tema chave deste estudo.

A corrupção empresarial é uma crise real e atual que vem assolando as empresas

nacionais, as quais, de sua parte, são juridicamente reguladas pelo direito empresarial, dai a

relevância de se ter estudado os postulados da função social e da responsabilidade social da

empresa, mediante o enfoque de suas bases constitucionais e infraconstitucionais.

Ademais, é de tais axiomas que se fundam importantes normas de direito empresarial,

a exemplo daquelas que regulam o quórum necessário para a aprovação de certas matérias

mais relevantes, reduzindo o poder de deliberação exclusiva dos administradores, conforme

disposições legais analisadas nos itens anteriores. A irradiação principiológica da função

social da empresa, além de fortalecer a ideia de responsabilidade social, enaltece o seu perfil

institucional/corporativo.

Em sequência, demonstrou-se que tais dogmas – função social da empresa e seu perfil

corporativo – firmaram as premissas teóricas de respeito aos interesses minoritários e de um

agir ético e transparente por parte da administração da empresa, a qual passa a ser vista como

uma instituição de múltiplas atribuições sociais. Por fim, destacou-se que tal filosofia

corporativa veio a integrar os preceitos da Governança Corporativa, tema estudado no

presente item.

Embora não se desconheça a posição, às vezes propagada, de que a Governança

Corporativa teria destinatário específico: acionistas minoritários e somente eles, sendo tema

interno que respeitaria exclusivamente à sociedade empresária e a seus acionistas, adere-se,

neste estudo, à posição de que, por meio de quatro pilares governamentais – a) transparência

(disclousure); b) prestação de contas (accountability); c) justiça com os minoritários (fairness)

e d) cumprimento das leis (compliance) –, ela sistematiza boas práticas relacionadas ao

fortalecimento da ética empresarial em prol de todas as partes interessadas na atividade

econômica (stakeholders), sejam estas os seus colaboradores ou mesmo todos os cidadãos que

compõe a sociedade civil na qual a empresa esta inserida.

O próximo capítulo terá por objeto o último pilar citado por ser aquele que,

intimamente, mais se relaciona com o tema da corrupção empresarial. Não que a transparência

nas informações fornecidas à sociedade, a responsabilização na prestação de contas e a

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equidade no trato dos interesses dos acionistas não tenham relação com o tema. Muito pelo

contrário, constituem, todos os três, preceitos de justiça empresarial que fomentam posturas

corporativas mais probas e afinadas com os interesses da sociedade (função social da

empresa), o que por certo dificulta o agir corruptivo no seio da empresa.

Nada obstante, a conformidade corporativa aos procedimentos legais (compliance)

constitui o pilar da Governança Corporativa que, por excelência, atua como instrumento

anticorrupção em várias frentes, como se passará a demonstrar com pormenores no próximo

capítulo.

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3 COMPLIANCE ANTICORRUPÇÃO

3.1 Evolução Regulatória do Tema na Sociedade de Risco

O presente tópico analisará o contexto jurídico-político que envolveu o

enaltecimento da cultura do compliance no controle anticorrupção, com ênfase na teoria da

Sociedade de Risco, de Ulrich Beck. O apontado cotejo tem por desiderato demonstrar que

muitas das causas originárias do compliance coincidem com as preocupações teóricas do

autor alemão citado e que dizem respeito aos novos riscos a que a sociedade se depara no

atual ciclo histórico.

3.1.1 A Sociedade de Risco e suas Confluências com o Direito Penal (Direito Penal de Risco)

Este subitem tem por desiderato expor, de modo abreviado em razão do objeto deste

trabalho, as discussões doutrinárias existentes em torno da dogmática do Direito Penal no

contexto da Sociedade de Risco. Tal digressão é oportuna porque, embora o compliance, hoje,

constitua um dever de atendimento a obrigações legais de múltiplas naturezas, onde ele por

primeiro se notabilizou e engrandeceu foi na seara criminal.

A compreensão da relação entre Sociedade de Risco e Direito Penal pressupõe

compreender como o homem se posiciona em relação ao ambiente social nos diferentes

formatos estatais.

Ao analisar a condição cultural da pessoa, Stuart Hal explora três concepções

distintas de identidade: a) sujeito do Iluminismo; b) sujeito sociológico e o c) sujeito pós-

moderno.96

O primeiro é aquele que se coloca como senhor da razão, cujo centro essencial do

“eu” reside na sua identidade, constituindo, pois, uma concepção altamente “individualista”

do sujeito. Em uma aproximação sociológica, retrata o homem-no-mundo, mencionado por

Louis Dumont, em referência ao indivíduo que, diante do conhecimento propiciado pelo

racionalismo científico, passa de uma posição de contemplação – homem-fora-do-mundo – a

uma posição de interação e de domínio da natureza e do universo. É nesta quadra histórica

96

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira

Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 10.

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que se afirma a pessoa enquanto indivíduo e centro do universo, cuja preservação dos direitos

mais básicos justifica a formação do Estado, no limiar das aspirações iluministas.97

A noção de sujeito sociológico, por sua vez, condiz com o aumento da complexidade

do mundo moderno e a consciência de que o “núcleo interior do sujeito não era autônomo e

autossuficiente, mas baseado na relação com outras pessoas importantes para ele”,

responsáveis pelo compartilhamento dos valores de sua cultura. Nas palavras de Stuart Hall:

“De acordo com essa visão, que se tornou a concepção sociológica clássica da questão, a

identidade é formada na ‘interação’ entre o eu e a sociedade”. Aqui o diálogo se estabelece

com a teoria dos campos de Pierre Bourdieu98

, segundo a qual os ambientes sociais,

denominados campos, moldam a personalidade dos sujeitos que nele atuam, mas, em

contrapartida, são também moldados por estes agentes. As relações de poder características de

cada campo atuam sobre os corpos e a partir dos corpos. O habitus, explica o sociólogo

francês, a um só tempo constitui e é constituído pelas relações de força, de modo que o

homem não existe descontextualizado do seu contexto social.99

É também isso o que se extrai

da filosofia de Martin Heidegger100

, segundo a qual o homem, enquanto ser-no-mundo, existe

e molda sua existência a partir das relações com o seu meio social. Nessa ótica, retornando à

doutrina de Stuart Hall, o sujeito se “costura” à estrutura, estabilizando “tanto os sujeitos

quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais

unificados e predizíveis.”101

Por fim, o sujeito da pós-modernidade é aquele que está, hoje, testemunhando a

fragmentação de sua identidade em várias outras, muitas vezes contraditórias e não resolvidas.

A sua conformidade à cultura vigente, igualmente, está entrando em colapso, em face das

drásticas mudanças estruturais e institucionais em contínuo processamento na hodierna fase

histórica. Nessas circunstâncias, a identidade do sujeito resulta volúvel, pois em contínua

97

DUMONT, Louis. O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Tradução Álvaro

Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. p. 37 et seq. 98

BOURDIEU, Pierre. Espíritos de estado: gênese e estrutura do campo burocrático. In: _____. Razões

práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996. 99

Pierre Bourdieu estrutura sua teoria sociológica tomando como pressuposto a coexistência, na constituição da

realidade social, de estruturas objetivas que orientam e limitam as práticas dos agentes sociais, e de estruturas

subjetivas de percepção, pensamento e ação, constitutivas do que denomina de habitus e de campo. Trata-se de

uma teoria construtivista-estruturalista fundada no tripé composto pelos conceitos de capital, campo e habitus,

na junção entre o objetivo e o subjetivo, do que resulta uma dupla dimensão da realidade social. BOURDIEU,

Pierre. Espíritos de estado: gênese e estrutura do campo burocrático. In: _____. Razões práticas: sobre a

teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996. 100

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo: parte I. 15. ed. Tradução: Maria Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis:

Vozes, 2005. p. 209-210. 101

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira

Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 11.

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transformação com relação “às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos

sistemas culturais que nos rodeiam.”102

Depois desta perscrutação da “identidade cultural do indivíduo”, Stuart Hall

assevera:

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao

invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se

multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e

cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos

identificar – ao menos temporariamente.103

Essa fragmentação do indivíduo é bem observada por Zygmunt Bauman104

no seu

ensaio sobre a vida líquida pós-moderna. Neste estudo é destacado o novo individualismo

resultante da globalização negativa, do que resulta o enfraquecimento dos vínculos humanos

e o definhamento da sociedade, com o abandono dos indivíduos pelo Estado e a sua

instrumentalização como “ferramenta para a promoção de terceiros”. O padrão de organização

social globalizado se caracteriza, então, por um descontrolado avanço tecnológico, científico e

cultural em detrimento dos valores humanos, redundando na “coisificação” do homem. 105

Tal paradigma de desenfreada mutação social é posto em evidência por Jacques

Demajorovic, quando, de modo contundente, admoesta que a sociedade contemporânea

ultrapassa, frequentemente, limites cuja possibilidade de reversão é cada vez mais distante ou

desconhecida. A maximização desordenada das forças produtivas conduz a consequências

imprevisíveis nas economias das nações, desencadeando problemas socioambientais de ordem

planetária, a exemplo do excesso de poluição emitida pelo sistema industrial.106

102

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira

Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 12-13. 103

Ibid., p. 13. 104

BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

2007. p. 30. 105

Segundo Norbert Elias, na medida em que as sociedades modernas vão se tornando mais complexas, cada vez

mais o indivíduo imerge no burburinho das grandes cidades, em uma realidade na qual a maioria das pessoas

não se conhece e quase nada mais têm a ver umas com as outras. Como consequência, o indivíduo finda por

se diluir na sociedade de massas. ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Tradução: Vera Ribeiro. Rio

de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. p. 20-21. Apud DE CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de dinheiro:

ideologia da criminalização e análise do discurso. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012. p. 47. 106

DEMAJOROVIC, Jacques. Sociedade de risco e responsabilidade socioambiental. 2. ed. São Paulo: Senac,

2013. p. 19. De modo semelhante, Claudio do Prado Amaral aduz que os perigos existentes na sociedade

contemporânea não decorrem apenas de elementos da natureza, mas também da voracidade da atividade

humana – responsável pela transnacionalização de perigos que ignoram fronteiras entre Estados. O autor

explica que, nas sociedades tradicionais, e também no processo de industrialização, o homem se preocupava

com os fenômenos oriundos da natureza exterior, como, por exemplo, pragas e inundações. Mas,

posteriormente, em um passado não muito distante, passou a se importar menos com o que a natureza poderia

fazer contra ele e a se preocupar mais com o que ele, ser humano, poderia fazer contra a natureza e o meio

que o circunda. Assim, o risco exterior passou a perturbar menos, enquanto que o risco provocado pela

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Esse fator de imprevisibilidade é objeto da análise de Marta Rodriguez de Assis

Machado107

, para quem a sociedade experimenta um drama de consciência em face de riscos

que se revelam sem solução de contenção. Nessa ambiência, começam a surgir debates e

conflitos públicos questionando a razão pela qual as instituições da sociedade industrial

assentiram com a liberação de riscos cujas consequências não são controláveis.

Enfim, este processo de transmutação do tecido social é examinado pela sociologia de

Ulrich Beck108

, o qual, ao constatar o ciclo de mudanças políticas, sociais e econômicas,

advindas do sistema de industrialização, denomina esse estágio da modernidade de Sociedade

de Risco. Para o autor, as forças produtivas humanas, impulsionadas pelo capitalismo da era

da globalização, desencadeiam uma superprodução de riscos com potencial de ameaçar a vida

do planeta em níveis desconhecidos. Com isso, passa-se do modelo de sociedade industrial

clássica para o modelo de sociedade de risco. 109

Ulrich Beck, ao verificar que o avanço tecnológico e a produção social da riqueza

conduzem à produção social do risco, explica que este paradigma social finda por dispor de

novas fontes de conflito e consenso: se todos estão igualmente expostos, precisam se unir para

enfrentar os perigos. Assim como à ideia de sociedade de classes correspondia o ideal de

igualdade, à sociedade de risco corresponde o ideal de segurança.110

Para Jesús-Maria Silva Sánchez, um dos traços mais marcantes das sociedades da era

pós-industrial é a sensação geral de insegurança, de tal modo que ele nomina a sociedade

atual como sendo a “sociedade do medo” ou da “insegurança”. O autor pondera que a

complexidade social, com toda a sua diversidade, pluralidade de opções e abundância

humanidade, a inquietar mais. AMARAL, Claudio do Prado. Bases teóricas da ciência penal

contemporânea: dogmática, missão do direito penal e política criminal na sociedade de risco. São Paulo:

IBCCRIM, 2007. 107

MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e direito penal: uma avaliação de novas

tendências político-criminais. São Paulo: IBCCRIM, 2005. p. 22. 108

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. Tradução de Sebastião

Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 26 e ss. 109

Ibid., p. 60. 110

“O conceito de sociedade industrial ou de classes (no sentido empregado por Marx e Weber) girava em torno

da questão de como dividir as riquezas socialmente produzidas de maneira desigual e ao mesmo tempo

legítima. No novo paradigma da sociedade de risco, a questão é similar, mas, ao mesmo tempo,

completamente diferente: trata-se de saber como evitar, minimizar, canalizar os riscos e os perigos

produzidos sistematicamente pelo processo de modernização avançada e limitá-los e reparti-los de modo a

não impedir o processo de modernização, bem como a mantê-los dentro de limites suportáveis (ecológica,

médica, psicológica, socialmente?) […] O processo de modernização torna-se reflexivo: toma a si mesmo

como tema e problema. As questões de desenvolvimento e de aplicação de tecnologias (no âmbito da

natureza, da sociedade, da personalidade) são substituídas por questões de 'gestão' política e científica

(administração, descobrimento, inclusão, evitação, ocultação) dos riscos de tecnologias a aplicar atual ou

potencialmente em relação a horizontes de relevância a definir especialmente. A promessa de segurança

cresce com os riscos e precisa ser repetidamente ratificada frente a uma opinião pública alerta e crítica

mediante intervenções cosméticas ou reais no desenvolvimento técnico econômico.” BECK, Ulrich. La

sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998. p. 25-26 e 55.

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informativa, dificulta o estabelecimento de critérios idôneos para decidir sobre o que é bom e

o que é mau, o que é confiável ou não. Tais interrogações e incertezas trazem, por corolário,

ansiedade e insegurança.111

É neste cenário que se estabelecem as premissas de uma política criminal orientada à

segurança e à prevenção de riscos, pautada, segundo Blanca Mendoza Buergo, na: a)

ampliação do sistema penal para novos riscos, inclusive de mega dimensão; b) atribuição de

responsabilidades dificultada em face da complexidade das relações existentes na

organização; c) sensação de insegurança subjetiva generalizada.112

Na mesma esteira, José

Luis Diez Ripollés destaca como características do Direito Penal da sociedade de risco (I) a

dificuldade de atribuição de responsabilidade penal a pessoas físicas e jurídicas e (II) a

sensação de insegurança disseminada, em especial, pela atuação da mídia no exercício

desregulado da liberdade de imprensa, o que resulta potencializado pela dificuldade de

compreensão do cidadão leigo acerca dos limites postos ao exercício do poder punitivo estatal

no âmbito dos Estados Democráticos de Direito.113

Esses caracteres emergem em um mundo em que as relações inerentes a uma vida

econômica maximizada criam novos riscos com interesses cada vez maiores no plano

econômico que, por sua vez, conferem espaços para novas modalidades criminosas.114

Compreendem-se, aqui, perigos não raramente ligados às atividades de empresas

transnacionais atuantes, por exemplo, nas áreas químicas, energéticas e biogenéticas. Assim, a

absorção dos riscos de “mega dimensão” permite atrair, ao âmbito de proteção, delitos que

ultrapassam o núcleo tradicional patrimonialista do Direito Penal para abarcar a proteção de

bens jurídicos relacionados à atual complexidade da sociedade globalizada. Nesse enfoque, o

aperfeiçoamento das relações econômicas e jurídicas passa a ser visto, também, na

criminalidade organizada: estrutura empresarial, divisão de tarefas, hierarquia, pluralidade de

agentes e finalidade de lucro.

111

SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La expansión del derecho penal. Aspectos de la Política Criminal en las

sociedades postindustriales. 2. ed. Buenos Aires: S. L. Civitas Ediciones, 2006. Passim. 112

BUERGO, Blanca Mendoza. El derecho penal en la sociedad del riesgo. Madrid: Civitas Ediciones, 2001.

p. 25-30. 113

DIEZ RIPOLLÉS, José Luis. De la sociedad del riesgo a la seguridad ciudadana: un debate desenfocado.

Revista Electrónica de Ciência Penal y Criminologia, Granada, n. 7, p. 1-37, jan. 2005. p. 5. 114

Conforme Huamán e Chávez: “La modernización de la sociedad también há llevado a una modernización de

la criminalidad lo cual haría irrecusable la modernización del propio Derecho Penal que tendría que

reaccionar de modo equivalente ante nueva realidad, que es ya uma característica común de las tendencias

modernas de Derecho Penal que consiste en abandonar el sistema dogmático cerrado que resulta poco eficaz

para la sociedad en la que estamos inmersos.” HUAMÁN, Raúl Ernesto Martínez; CHÁVEZ, Marleny

Margoth Minaya. Imposibilidad del tradicional modelo dogmatico penal como respuesta a la criminalidad de

empresa. Derecho y Cambio Social, Lima, v. 2, n. 6, 2005. Disponível em:

<http://www.derechoycambiosocial.com/revista006/ criminalidad%20de%20empresa.htm>. Acesso em: 09

mar. 2018.

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Reconhecedor da tendência preventiva e expansiva da punibilidade, Claus Roxin, ao

apontar caracteres deste novo paradigma penal, assevera ter sido realizada uma deslocação da

proteção individual para a da coletividade (de toda a população, ou de grandes grupos),

citando, como exemplo dessas novas prescrições penais, os crimes antieconômicos e contra o

meio ambiente, bem como a responsabilidade pelo produto, os grandes riscos industriais, a

tecnologia genética e a criminalidade organizada; em suma, todo comportamento sentido

como ameaça à sociedade globalmente tomada.115

Na sociedade do risco, testemunha-se a potenciação dos bens jurídicos coletivos,

acarretando em uma tendência bem definida de tutela de bens jurídicos de caráter supra-

individual por meio de crimes de perigo. Assim é moldado o direito penal da prevenção,

marcado por restrições à segurança jurídica em prol da maior efetividade da intervenção

penal, pela adesão, nem sempre bem refletida, à ideologia da tolerância zero, pela proliferação

de leis de emergência e de tonalidade securitária.116

Na tutela desses bens jurídicos coletivos, predominariam, pois, os tipos de perigo

abstrato, bem como a antecipação do momento da intervenção penal para alcançar os atos

preparatórios, a exemplo da criminalização das organizações criminosas117

. Também se

operam modificações no sistema de imputação da responsabilidade, ampliando as situações de

imputação objetiva e a responsabilidade penal da pessoa jurídica,118

resultando, de tudo isso,

antecipação da intervenção penal como forma de lidar com o perigo e evitar o dano. Na

115

ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Passim. 116

FARIA COSTA, José de. Direito Penal e globalização: reflexões não locais e pouco globais. Coimbra:

Coimbra editora, 2010. p. 60. 117

Depois de definir, em seu art. 1º, §1o, organização criminosa como sendo “a associação de 4 (quatro) ou mais

pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com

objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações

penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”, a Lei

n. 12.850/2013 estabelece como crime: “Art. 2o Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou

por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem

prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.” BRASIL. Lei n. 12.850, de 2 de

agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção

da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de

dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências.

Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-

2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em: 14 ago. 2017. 118

É a hipótese da Lei de Crimes Ambientais, a qual em seu art. 3º estabelece a responsabilidade penal das

pessoas jurídicas e que, em seu art. 24, estabelece a gravíssima possibilidade de liquidação forçada: “A

pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a

prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado

instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.” BRASIL. Lei n. 9.605,

de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e

atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Brasília, DF, 1998. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm>. Acesso em: 12 set. 2017.

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acurada doutrina de Jesús-Maria Silva Sánchez,119

ampliam-se os espaços de risco jurídico

penalmente relevantes e flexibilizam-se as regras de imputação e os princípios políticos de

garantia, tudo a evidenciar uma opção por mais Direito Penal em termos qualitativos e

quantitativos.120

Nesse sentido, as teorias de imputação objetiva apresentam o elemento de criação do

risco, não permitido para materializar o injusto no Direito Penal tradicional, conforme o qual

a ação penalmente relevante não é apenas aquela que causa, no sentido naturalístico, um

resultado danoso, mas, também, a que cria um risco relevante e intolerável para o bem

jurídico protegido. A figura do risco advém, então, como elemento de construção dogmática,

descortinando a relação aproximativa das modernas teorias penais com as modificações

estruturais do atual modelo de organização social. 121

Além disso, em razão do caráter ágil, oculto e por vezes efêmero dos novos perigos, o

Direito Penal de Risco vale-se de tipos penais em branco, os quais fazem remissões a outras

instâncias legislativas, geralmente órgãos técnicos do Executivo, mais céleres no encaixe do

complemento normativo porque não necessitam observar toda a tramitação burocrática e

demorada do processo legislativo. Compreende-se que as normas penais em branco

constituem um modelo pragmático que permite a alteração da proibição da norma de acordo

com a casuística. Assim, modificadas as condições que justificaram a elaboração da norma

complementar, basta substituí-la por outra. Percebe-se, pois, com o manejo deste expediente,

considerável relativização ao princípio da legalidade como meio de conferir maior agilidade

para a identificação dos perigos potenciais inerentes à sociedade de risco.

Marta Rodriguez de Assis Machado referencia que a adaptação do Direito Penal ao

paradigma da sociedade do risco revela o predomínio de iniciativas voltadas à prevenção, em

grande escala, de situações de perigo. A tendência político-criminal passa a mirar no

estabelecimento de garantias públicas tuteladoras de bens de conteúdo geral e abstrato, em

detrimento de um arquétipo focado na repressão pontual de lesões concretas a bens jurídicos

individuais. Nesse prisma, a operacionalização da tutela desses bens de conteúdo amplo e de

119

SILVA SÁNCHEZ, Jesús María. La expansión del derecho penal. Aspectos de la Política Criminal en las

sociedades postindustriales. 2. ed. Buenos Aires: S. L. Civitas Ediciones, 2006. p. 20. 120

D'ÁVILA, Fábio Roberto. Liberdade e segurança em direito penal. O problema da expansão da intervenção

penal. In: POZZEBON, Fabrício Dreyer de Ávila; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Crime e

interdisciplinariedade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. p. 273-286. Passim. 121

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princípios da precaução na sociedade de risco.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 95.

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autoria difusa se dá de modo distinto do modelo tradicional porque seu caráter volátil torna a

delimitação da causalidade e do dano extremamente complexa. 122

Percebe-se, pois, que, no enfrentamento dessa criminalidade moderna, ocorrem

alterações semântico-dogmáticas: “perigo” no lugar de “dano”; “risco”, ao invés da ofensa

efetiva a um bem jurídico; “abstrato” no lugar de “concreto”, em uma hermenêutica que visa a

instrumentalizar o Direito Penal frente à complexidade criminal que impera na sociedade do

risco.

Nada obstante, a visão de que o crime é mero um risco nesse contexto, passou a ser

alvo de substanciosas críticas por parte da doutrina especializada, preocupada com a

desarrazoada expansão do Direito Penal. Debate-se acerca da dificuldade de se delimitar o

objeto da proteção criminal ou de se estabelecer um patamar de risco penalmente relevante,

sem prejuízo da sua funcionalidade e eficiência e sem se afastar de seus princípios

elementares (fragmentariedade, subsidiariedade, ultima ratio, proporcionalidade, intervenção

mínima, etc.).

Conforme ressalva Vera Regina Pereira de Andrade, os paradigmas expansionistas do

Direito Penal oferecem sedutora solução criminal para os mais diversos problemas sociais.

Contudo, na medida em que se revelam ineficazes, resultam em um Direito Penal simbólico

que, ao fim e ao cabo, vem a atingir, precipuamente, apenas os sujeitos enfraquecidos pelo

poder neoliberal globalizado, como os “sem-teto”, “sem-terra” e a burguesia tardia123

:

sonegadores, corruptos e agressores do meio ambiente.124

122

MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e direito penal: uma avaliação de novas

tendências político-criminais. São Paulo: IBCCRIM, 2005. p. 106-107. 123

O termo se relaciona com a concepção de que o Brasil viveu uma modernidade tardia. Segundo Tarso Genro,

a modernidade “propôs uma dupla possibilidade para a humanidade. Por uma delas, a realização da razão

seria o desenvolvimento universal para um sistema social que concretizasse o princípio da ‘igualdade

formal’, através da crescente redução das desigualdades reais no mundo moderno. Tal não aconteceu. Ao

contrário, o que ocorreu foi a pós-modernidade aprofundar a irracionalidade, aumentar as diferenças sociais e

consolidar relações cada vez mais alienadas. Foi isso o que os homens modernos fizeram da sua história. A

razão foi ‘assaltada’ no sentido de ser despida de sua vocação humanizadora”. GENRO, Tarso. Direito,

iluminismo e nova barbárie. In: ARGUELLO, Kátia (Org). Direito e Democracia. Florianópolis: Letras

Contemporâneas, 1996. Apud STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração

hermenêutica da construção do direito. 8. ed. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 241. No

pertinente aos legados da modernidade no Brasil, Lenio Streck pondera que eles estão longe de ser

realizados: “O Direito, como um desses principais legados – visto como instrumento de transformação social,

e não como obstáculo às mudanças sociais – formalmente encontrou guarida na Constituição de 1988. A

forma desse veículo de acesso à igualdade prometida pela modernidade foi a instituição do Estado

Democrático de Direito, que, porém, longe está de ser efetivado. É despiciendo dizer que o Estado Social-

Providência (ainda) não ocorreu no Brasil. O propalado welfare state foi (e é) um simulacro em terrae

brasilis. O Estado interveio na economia para concentrar riquezas. O Direito, por sua vez, foi (e continua

sendo) utilizado para sustentar essa ‘missão’ (secreta) do Estado, na medida em que este é entendido em sua

função (meramente) ordenadora/absenteísta. O que existe, pois, é uma imensa dívida social a ser resgatada”.

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O alerta da autora desperta para o receio de que o endurecimento do Direito Penal

possa por findar servindo de meio preservador do “estado das coisas” vigente, acentuando a

seletividade, a estigmatização e a ampliação da potencialidade do Estado em cometer

arbitrariedades contra o cidadão.

No mesmo sentido se manifesta Vinicius Gomes de Vasconcellos, para quem, embora

no discurso declarado tais institutos almejem tutelar âmbitos de criminalidade organizada e de

“colarinho branco”, na práxis, o Direito Penal tem um “cliente preferencial”, “consolidando-

se como mecanismo redutor da complexidade do fenômeno criminal, tendente a reproduzir as

desigualdades sociais.” Segundo o autor, expedientes de facilitação da persecução penal

impactam precipuamente a parcela da sociedade comumente perseguida penalmente, sendo

falacioso concluir que tais mecanismos inverterão a lógica da seletividade.125

Além disso, outro fator que problematiza o Direito Penal de Risco, dificultando a sua

difusão isonômica, é o de que, mesmo em países capitalistas mais desenvolvidos, razões

ideológicas liberais também, não raro, determinam um padrão seletivo de repressão dos

crimes antieconômicos, como é o caso do delito de sonegação fiscal. Segundo Carla

Veríssimo, a política econômica liberal desaprova a generalidade das razões que conduzem os

Estados a criminalizar a conduta de sonegar tributos, a exemplo dos impostos elevados, gastos

inflacionários e falta de amparo estatal à proteção da propriedade privada. Já nos casos dos

delitos relacionados à migração do capital especulativo, a autora explica que as leis que

criminalizam tais condutas findam por inibir a livre circulação internacional de investimentos

financeiros, política que contraria os grandes investidores e detentores do capital mundial.

Esse déficit de consenso resulta no enfraquecimento de alguns Estados em proibir a

movimentação do dinheiro. Carla Veríssimo conclui, então, que tais forças privadas ostentam

um poder de pressão considerável para influenciar as políticas públicas, podendo redundar,

inclusive, em “ameaçar os governos com a retirada de investimentos, caso as condições do

país não lhes sejam favoráveis”.126

O jurista alemão Winfried Hassemer, célebre representante da “Escola de Frankfurt”, é

um notório e ardoroso crítico da expansividade do Direito Penal enquanto instrumento de

prevenção dos novos riscos. Embora ele reconheça os grandes problemas de uma moderna

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do

direito. 8. ed. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 241. 124

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo X cidadania mínima: códigos da violência na

era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003. p. 25. 125

VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017. p. 50-51. 126

DE CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. 2. ed.

Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012. p. 73-74.

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sociedade de risco, bem como a premência de que eles sejam observados minuciosamente, tal

não deve ser feito pelo prisma penal.127

O autor defende que o Direito Penal deve retornar ao

seu campo nuclear, onde se encontram os bens e direitos individuais, tais quais: a vida,

liberdade e propriedade, isto é, direitos que podem ser definidos com precisão, abandonando a

missão de solucionar todos os conflitos da sociedade. Todo ilícito que escape dessa redoma

deve ser objeto daquilo que o autor nomina de “Direito de Intervenção”, algo entre o Direito

Penal e o Administrativo, entre o Direito Civil e o Público.128

Também comungam desse mesmo viés crítico à expansividade do Direito Penal,

dentre outros, Cornelius Prittwitz, Felix Herzog, Wolfgang Naucke e Francisco Muñoz

Conde. Esses críticos do Direito Penal do risco defendem que haveria uma excessiva

antecipação da tutela penal por meio da eleição de bens jurídicos vagos e da adoção excessiva

dos crimes de perigo abstrato, em detrimento do princípio da ofensividade.

Jorge Figueiredo Dias, em sentido oposto, exprime descrença no modelo alternativo

proposto pela Escola de Frankfurt, entendendo que a sua adoção significaria retirar da tutela

penal justamente aquelas “condutas socialmente tão gravosas que põe simultaneamente em

causa a vida planetária, a dignidade das pessoas e a solidariedade com as outras pessoas – as

que existem e as que hão de vir”. O autor assevera que tais riscos devem ser objeto de uma via

intermediária, inerente a um Direito Penal expandido, afirmando:

Aos problemas próprios da sociedade pós-industrial deveria o direito penal

responder através de uma política criminal e de uma dogmática jurídico-penal duais

ou dualistas. Dotadas de um cerne relativamente ao qual valeriam, imodificados, os

princípios do direito penal clássico [...] E como uma periferia ou âmbito lateral

especificamente dirigido à proteção contra os grandes e novos riscos, onde aqueles

princípios se encontrariam amortecidos ou mesmo transformados, dando lugar a

outros princípios de “flexibilização controlada”, assentes na proteção antecipada de

interesses coletivos mais ou menos indeterminados, sem espaço, nem tempo, nem

autores, nem vítimas, definidos ou definíveis e por conseguinte, numa palavra, de

“menor intensidade garantística”.129

Tal posição se assemelha a de Jésus-Maria Silva Sánchez, o qual rechaça tanto o

apego exacerbado ao tradicionalismo clássico, quanto à ampla flexibilidade decorrente do

127

Se tentarmos solucionar esses problemas não teremos êxito e o máximo que conseguiremos será destruir o

direito penal ao eliminarmos seus princípios fundamentais. Retirando as garantias do Direito Penal

eliminaremos sua potência protetora jurídica e teremos instrumentos que não servirão para nada, porque

estarão mal localizados [...]. HASSEMER, Winfried. Perspectivas de uma moderna política criminal. Revista

Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 2, n. 8, p. 41-51, out./dez. 1994. p. 51. 128

HASSEMER, Winfried. Características e crises do moderno direito penal. Tradução Pablo Rodrigo Alflen da

Silva. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, São Paulo, n. 18, p. 144-157, fev./mar. 2003. p.

156. 129

DIAS, Jorge de Figueiredo. O direito penal entre a “sociedade industrial” e a “sociedade de risco”. Revista

Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 99, n. 33, p. 39-65, jan./mar. 2001. p. 54-55.

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Direito Penal de risco, conformando-se à expansão moderada do Direito Penal. Aludindo ao

“Direito Penal de duas velocidades”, o autor professa que o conflito entre um Direito Penal

amplo e flexível e um Direito Penal mínimo e rígido deve encontrar um termo médio.

Conforme seu pensamento, embora não pareça que a sociedade atual esteja disposta a admitir

um “Direito Penal Mínimo”, isto não autoriza que a situação a conduza a um modelo do

“Direito Penal Máximo”. O autor entende que o Estado deve tratar a demanda social da

punição de uma forma racional que alie funcionalidade e garantismo.

Por essa lógica, o modelo clássico da imputação seria destinado ao núcleo intangível

dos delitos, aqueles que afetam os bens jurídicos tradicionalmente mais valiosos, como a vida

e a liberdade. Aqui, manter-se-iam rígidos os princípios político-criminais clássicos, as regras

acusatórias e os princípios processuais. E, de outro lado, restariam aqueles delitos que não

comportam pena privativa de liberdade, como, por exemplo, alguns pertencentes ao Direito

Penal econômico. Para estes últimos, seria cabível uma plasticidade controlada das regras de

imputação, a exemplo das referentes à responsabilidade penal das pessoas jurídicas e à

ampliação dos critérios de autoria. Além disso, também poderiam ser remodelados critérios

político criminais, a exemplo dos princípios da legalidade e da culpabilidade. Com isso, ao

defender que todos os ilícitos guardam natureza penal e devem ser processados e julgados

pelo Poder Judiciário, o autor também se distancia da doutrina de Winfried Hassemer.

Na inteligência de Jesús-Maria Silva Sánchez, para os crimes que pudessem resultar

em pena privativa de liberdade, haveria o devido procedimento regular e garantista; de outro

lado, nos casos de incidência da “flexibilização controlada”, não seria possível cominar aos

preceitos típicos correspondentes, desse âmbito, a sanção privativa de liberdade, mas a

aplicação de multa ou mesmo de restrição de direitos, admitindo-se, por isso, um

procedimento mais célere. Nessa conjuntura, o princípio da razoabilidade passaria a ter

central papel na ponderação da expansividade. O autor arremata que: “Na medida em que essa

exigência não vem sendo respeitada pelos ordenamentos jurídicos de diversos países, até o

momento, a expansão do Direito Penal carece, em minha opinião, da requerida razoabilidade

político-jurídica”.130

Em que pese esta gama de ponderações críticas, é inegável a clara influência que a

sociedade de risco exerce sobre a delimitação de uma política criminal e de um Direito Penal

idôneo a enfrentar as novas demandas da modernidade. Nesse contexto, a doutrina penal

130

SILVA SÁNCHÉZ, Jesús-Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades

pós-industriais. Tradução Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 145-

147.

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moderna, embora com suas divergências dogmáticas, testifica a tendência da reconfiguração

do Direito Penal em face do atual contexto da sociedade de risco, cujas ameaças

civilizacionais têm o seu processamento acelerado pelos impactos da globalização.

Contudo, a par da expansividade ou do endurecimento do Direito Penal e da criação de

novas figuras delitivas, o deslocamento dos critérios repressivos domésticos para o âmbito

transnacional acarreta com que os Estados nacionais cada vez mais se tornem inábeis em

garantir segurança nessa nova ordem mundial.131

E é o próprio Ulrich Beck, desenvolvedor da

teoria do risco, quem fala que uma das razões para isso reside no fato de que as empresas

transnacionais prevalecem sobre os Estados nacionais em razão de suas formas

desterritorializadas de ação.132

Essa inexorável constatação conduz os Estados, da era

globalizada, a buscar outras frentes de atuação repressiva diluídas na sociedade civil, isto é,

compartilhadas com as empresas e os cidadãos, descortinando a promoção à cultura do

compliance. Eis o tema do próximo item.

3.1.2 O Advento da Cultura do Compliance na Tutela dos Riscos

No âmbito global, infere-se que a inépcia estatal em combater os novos delitos

praticados por pessoas físicas e jurídicas detentoras de sofisticado aparato organizativo,

determinou com que a estratégia de enfrentamento da criminalidade oriunda da sociedade de

riscos se lastrasse por um novo marco regulatório que, por sua vez, deu amparo à cultura do

compliance. Nesse sentido, o presente tópico busca demonstrar o quanto o advento desta nova

política de global law coaduna-se com as críticas ao expansionismo desordenado do Direito

Penal, acima analisadas, em especial quanto à corrupção.133

No curso desses anos, o compliance – a palavra vem do verbo em inglês “to

comply”, que significa “cumprir”, “executar”, “satisfazer”, “realizar o que lhe foi imposto” –

se estruturou e se tornou uma área complementar nas organizações, fortemente voltada à

prevenção e ao combate da corrupção, podendo hoje ser definida como “o dever de cumprir,

131

Flávio Rezende Dematté aduz que o mundo moderno se revela desafiador ao direito penal convencional,

“obrigando o Estado a recorrer a alternativas jurídicas capazes de lidar com os grandes e novos problemas

sociais que são colocados sob sua tutela”. DEMATTÉ, Flávio Rezende. Responsabilização de pessoas

jurídicas por corrupção. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 98. 132

BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998. p. 141-142. 133

Essa nova criminalidade demandou, segundo Adán Nieto Martín, um novo marco regulatório da global law: o

encadeamento de organizações internacionais atuando em rede com atores públicos e privados (empresas

multinacionais) que se valem de instrumentos normativos oriundos do hard law, do soft law e da

autorregulação empresarial. NIETO MARTÍN, Adán. La privatización de la lucha contra la corrupción. In:

ZAPATERO, Arroyo; NIETO MARTÍN, Adán. El derecho penal económico en la era compliance.

Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p. 191-209. p. 193.

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de estar em conformidade e fazer cumprir regulamentos internos e externos impostos às

atividades das organizações.” Os resultados das ações de compliance demonstram a

conformidade da organização às políticas, legislações e procedimentos.134

O marco de prevenção da corrupção globalizada, pois, fomentado pelos novos

instrumentos normativos internacionais – primeiramente aderidos pela legislação americana

(Foreing Corrupt Practice Act – FCPA) e, depois, melhor consolidados pelo UK Bribery Act

– se caracteriza pela transferência, às empresas, em auxílio ao Estado, do dever de prevenção

e descoberta de delitos. Intenta-se que os próprios entes particulares realizem um sistema

investigatório interno de inibição à prática de delitos e, na hipótese de sua consumação, que os

descubram e os punam135

, adotando medidas corretivas e entregando os resultados de

investigações internas às autoridades.

Conforme Célia Lima Negrão e Juliana de Fátima Pontelo, “a evolução histórica das

atividades de compliance ocorre pela necessidade do próprio mercado de instituir controles

internos, em decorrência da necessidade de estar em conformidade (estar em compliance)”.136

Note-se, pois, como o advento do compliance se relaciona com a necessidade de prevenção e

de repressão dos delitos e da responsabilização de pessoas jurídicas, buscando inibir a sua

prática por meio das empresas: para se defender dos novos perigos oriundos da sociedade de

risco, estruturam-se programas preventivos de compliance.137

Pierpaolo Cruz Bottini é um entusiasta na adoção de medidas dessa natureza no lugar

do mero endurecimento da legislação penal. Ao comentar a proximidade entre as leis de

lavagem de dinheiro e de combate à corrupção, o autor aponta que o denominador comum

entre elas revela uma postura do legislador que, ao invés de aumentar penas, diminuir

garantias processuais e ampliar o aparato policial, opta por instituir a colaboração compulsória

do particular no combate à criminalidade. Com isso, ele passa a ter de fiscalizar atos de seus

clientes, comunicar aos órgãos de inteligência operações suspeitas, trabalhar para evitar que

seus empregados ou parceiros pratiquem ilícitos “e ainda coopera nos atos de investigação,

134

NEGRÃO, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a

importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac-DF, 2014. p. 43. 135

NIETO MARTÍN, Adán. La privatización de la lucha contra la corrupción. In: ZAPATERO, Arroyo; NIETO

MARTÍN, Adán. El derecho penal económico en la era compliance. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p.

191-209. p. 201-202. 136

NEGRÃO; PONTELO, op. cit., p. 23. 137

Robert Kurz aponta a existência de um sentimento paradoxal na sociedade: nunca existiu na história moderna

um consenso tão amplo das elites de todos os países como na atualidade, em que a economia global de

mercado e os critérios de concorrência se apresentam além de qualquer crítica e formam um sistema de

referência geral para toda a atividade humana; e, de outro lado, talvez também nunca tenha existido em toda a

história moderna uma insegurança política e econômica, nem uma angústia social em relação ao futuro, como

as que hoje existem. KURZ, Robert. O futuro é diferente: uma visão da sociedade do século 21. In:

OSZLAK, Oscar (org.). Sociedade e Estado superando fronteiras. São Paulo: Fundap, 1998. p. 16.

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quase que substituindo a autoridade policial em diversos casos (como na oitiva de

empregados, apreensão interna de documentos e comunicações eletrônicas etc.)”.138

De modo semelhante, apontando que a mera multiplicação ou agravamento de leis

penais não é o caminho mais adequado para combater a criminalidade empresarial, Brent

Fisse e John Braithwaite aduzem que o melhor rumo reside em aliar a justiça criminal estatal

com o sistema de justiça privado da empresa. Para os autores, os particulares têm a

capacidade (mas não a vontade) de apurar violações corporativas à lei; de outro lado, o

sistema de justiça criminal pode ter a vontade, mas não tem essa idoneidade, dai a necessidade

de se conjugar o sistema de justiça privado da empresa (hábil na identificação dos autores dos

crimes) com o sistema de justiça estatal, o qual irá fiscalizar e exigir a atuação da corporação.

O direito, então, colocaria um machado sobre a cabeça da corporação no seio da qual ocorreu

o ilícito. Com isso, se o sistema de justiça privado da empresa atuasse sob a sombra dessa

ameaça, realizando uma legítima investigação interna, composta por um plano de ação

corretivo e disciplinar, o machado não iria cair. Mas, se a empresa optasse por ludibriar a

Justiça, fugindo à sua responsabilidade de desencadear o sistema da justiça privada, então o

machado despencaria sobre a empresa.139

Essa chamada das empresas a participarem da repressão aos novos perigos da

sociedade de risco atesta que, embora a busca pelo incremento da segurança pública tenha

provocado um sensível aumento de normas de natureza criminal e regulatória, constatou-se

que a mera atuação estatal não mais se revelava suficiente para combater os riscos emergentes

da sociedade globalizada. A inépcia estatal, pois, em combater a criminalidade emergente do

novo paradigma da segurança, finda por demover as autoridades políticas a buscar outras

frentes de atuação repressiva diluídas na sociedade civil, isto é, compartilhadas com as

empresas e os cidadãos140

, descortinando a promoção à cultura do compliance.

138

Pierpaolo Cruz Bottini conclui que “O que se pretende com as leis indicadas é instituir um dever de

contribuição com o combate à criminalidade apenas para aqueles que atuam em setores acessíveis à lavagem

de dinheiro e à corrupção, expressamente indicados na lei. Em outras palavras, quem lucra atuando em

setores propensos a tais ilícitos, deve colaborar para sua prevenção ou repressão. Se tal estratégia é adequada,

legitima ou racional, o tempo dirá. Mas criar dispositivos que incentivem a cooperação, ainda que

compulsória, dos agentes privados na prevenção ao crime parece mais eficiente do que a velha e fracassada

política de aumentar penas ou transformar tudo o que incomoda em hediondo, como se isso, num passe de

mágica, reduzisse o crime organizado a pó.” BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Leis instituem colaboração

compulsória contra crimes. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 19 nov. 2013. Disponível em:

<https://www.conjur.com.br/2013-nov-19/direito-defesa-leis-instituem-colaboracao-compulsoria-crimes>.

Acesso em: 20 set. 2017. 139

FISSE, Brent; BRAITHWAITE, John. Corporations, crime and accountability. Cambridge: Cambridge

University Press, 1993. p.15-16. 140

GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de

Janeiro: Revan, 2008. p. 312.

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Valdir Moysés Simão e Marcelo Pontes Vianna aduzem que a adoção, pela Lei

Anticorrupção, da responsabilização objetiva das pessoas jurídicas por atos lesivos à

Administração Pública, permitiu que parcela dos custos relativos ao combate à corrupção

fosse dividida com o mercado privado. Nas palavras destes autores, “Trata-se de interessante

estratégia do ponto de vista da racionalidade econômica e, ao mesmo tempo, espera-se que a

norma difunda a cultura de comportamento ético nas relações entre empresas e governo”.141

Por tal razão, passa-se a esperar dos particulares que implementem efetivos programas de

integridade corporativa.

Embora, assim como a Governança Corporativa, o compliance estenda suas causas

históricas à quebra da bolsa de 1929, data em que a maioria das organizações ainda não

controlava suas informações contábeis e financeiras, o que, como visto no item anterior,

desencadeou a necessidade de se gerenciá-las de forma mais controlada, em relação ao

compliance, o marco mais importante foi em 1950. Neste ano, a Prudental Securities, nos

Estados Unidos, contratou advogados para acompanhar a legislação e monitorar atividades de

valores mobiliários, inaugurando o que veio a ser chamado de “Era de compliance”.142

Segundo Célia Lima Negrão e Juliana de Fátima Pontelo, a partir de 1960, a Securities

and Exchange Commission (SEC), ou Comissão de Valores Mobiliários Norte-americana,

passou a insistir na contratação de compliance officers, objetivando criar mecanismos internos

de controle, treinar o pessoal e monitorar o cumprimento dos procedimentos. Prosseguindo,

narram acerca da expansão das ações de compliance no mercado financeiro americano a partir

da década de 80, culminando, em 1985, no surgimento do comitê denominado Committe of

Sponsonring Organizations of the Treadway Comission (COSO), uma organização sem fins

lucrativos dedicada a prevenir e evitar fraudes nos relatórios financeiros das organizações.

Ainda como marcos históricos importantes, Célia Lima Negrão e Juliana de Fátima

Pontelo citam dois eventos: a) a publicação, pela fundação americana Information Systems

Audit and Control Foundation (ISACA), do guia denominado “Control Objectives for

Information and related Technology (COBIT)”, importante ferramenta para a conformidade

na área de Tecnologia de Informação (TI), bem como a b) complementação do 1º Acordo de

Capital de 1988 para também tratar de documentações irregulares e fraudes, dentro do capital

141

SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,

desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017, p. 150. 142

NEGRÃO, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a

importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac-DF, 2014. p. 23.

Page 76: FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO …€¦ · Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013), em tópico que será dividido em duas partes: por primeiro, a análise de

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mínimo definido pelo Comitê de Supervisão Bancária de Basileia, ambos ocorridos no ano de

1996.143

Por fim, no ano de 1998, teve início o que ficou conhecido como “Era dos controles

internos”, mediante a publicação, pelo Comitê de Basileia, dos 13 princípios a respeito da

supervisão pelos administradores dos controles internos e da promoção da estabilidade do

sistema financeiro mundial.144

Nada obstante inicialmente vinculada ao desenvolvimento do mercado financeiro, a

cultura de controles internos passou a ser promovida como pilar de governança corporativa de

qualquer empresa. Nesse sentido se cita o diploma americano Sarbanes Oxley Act, cuja seção

404 impôs às empresas o melhoramento dos controles internos e práticas contábeis,

disposições estas que recaíram sobre empresas brasileiras que negociavam em solo norte-

americano, a exemplo da Petrobrás, Ambev e Vale S.A.145

Segundo Euclides Rosa Filho, foram os norte-americanos os primeiros a tipificar os

atos de corrupção por meio da promulgação do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) no ano

de 1977, lei criadora de severas penalidades para as empresas estadunidenses que se valessem

da corrupção de oficiais de governos estrangeiros para expandir seus negócios em outros

países. Para ele, o advento de tais regras disciplinadoras de eficientes fiscalizações obrigou as

empresas a investirem para diminuir a possibilidade de serem constatadas más práticas. A

competitividade das empresas norte-americanas, por essa razão, foi impactada pelos custos

adicionais dos programas de compliance.

A reação, então, do governo americano na busca em moralizar o mercado

internacional foi rápida: pressionou a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE), a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização das

Nações Unidas (ONU) para que tais regramentos fossem obrigatórios para todos os países

participantes. Como resultado, firmaram-se três convenções internacionais (uma na ONU,

uma na OCDE e outra na OEA), instituindo mecanismos de coibição da corrupção no

mercado internacional, induzindo os Estados Unidos a, de pronto, adaptarem a FCPA às

convenções firmadas. Em sequência foi a vez da Inglaterra com o UK BriberyAct,

143

NEGRÃO, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a

importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac-DF, 2014. p. 23. 144

Ibid., p. 23-24. 145

TARANTINO, Anthony. Manager’s guide to Compliance: Sarbanes-Oxley, COSO, ERM, COBIT, IFRS,

BASEL II, OMB A-123, ASX 10, OECD principles, Turnbull guidence, best practices, and case studies. New

Jersey: John Wiley & Sons, 2006. p. 21-23.

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disciplinando as práticas comerciais para evitar condutas vedadas pelas convenções

internacionais.146

No Brasil, a reação internacional culminou na promulgação da Lei n.º 10.467/2002, a

qual criminalizou condutas relacionadas à corrupção de funcionários públicos estrangeiros,

mas que em momento algum adotava as condutas sugeridas nos tratados internacionais.147

Segundo Carla Veríssimo de Carli, os instrumentos internacionais contra o suborno

transnacional são dirigidos aos Estados Partes, os quais devem garantir a aplicação dos

padrões estabelecidos na convenção. Com isso, mais do que alcançar o maior número possível

de corruptores, coíbe-se que as empresas permitam-se utilizar comercialmente do suborno.

Intenta-se que elas percebam que, em assim agindo, expõem-se a sérios riscos materiais e

reputacionais. E, desse modo, a ameaça da sanção induz à adoção de programas de

compliance significativos.

Para a autora, a Inglaterra editou o “The Bribery Act”, em 2010, em atendimento às

críticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) quanto ao

cumprimento da Convenção, de modo a sanar deficiências em sua legislação anticorrupção, a

exemplo da ausência de criminalização da oferta de suborno a funcionário público

estrangeiro. Assim como o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) e a Convenção da OCDE,

o Bribery Act tem aplicação extraterritorial, alcançando companhias estrangeiras que tenham

negócios no Reino Unido, para transações que ocorram dentro ou fora deste território.148

Relativamente ao cenário brasileiro, cita-se a Lei n.º 9.613/98, a qual definiu o crime

de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, buscou a prevenção da utilização do Sistema

Financeiro Nacional para atos ilícitos e, ainda, criou o Conselho de Controle de Atividades

Financeiras (COAF), de feição a combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do

terrorismo; e, também, a Resolução BACEN n.º 2.254/98 que determina, às instituições

financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, a

implantação e a implementação de controles internos voltados às atividades por elas

desenvolvidas, seus sistemas de informações financeiras, operacionais e gerenciais, bem como

o cumprimento das normas legais e regulamentares a elas aplicáveis. O normativo

146

ROSA FILHO, Euclides. Por que Investir em Compliance. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo,

v. 8, n. 42, p. 206-212, jan./fev. 2015. p. 207. 147

NEGRÃO, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a

importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac-DF, 2014. p. 24. 148

DE CARLI, Carla Veríssimo. Anticorrupção e Compliance: a incapacidade da Lei 12.846/13 para motivar

as empresas brasileiras à adoção de programas e medidas de Compliance. 2016. 342 f. Tese (Doutorado) -

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito,

Porto Alegre, BR-RS, 2016. f. 130. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149239>.

Acesso em: 11 set. 2017.

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expressamente exige, ainda, que os controles internos, independentemente do porte da

instituição, devem ser efetivos e consistentes com a natureza, complexidade e risco das

operações por ela realizadas. 149

Em 2012 foi sancionada a Lei n.º 12.683 que alterou a Lei n.º 9.613/98 para tornar

mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. Por fim, o controle

anticorrupção e a atuação de compliance foram imensamente fortalecidos com a sanção, em

2013, da Lei n.º 12.846, conhecida como Lei Anticorrupção, a qual dispõe sobre a

responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a

administração pública, nacional ou estrangeira, além de outras providências. Segundo Flávio

Rezende Dematté, a promulgação do citado diploma atesta a tendência nacional a aderir a um

modelo de direito interventivo no combate à corrupção, o que já ocorrera anteriormente com a

Lei de Improbidade Administrativa. E as vantagens em seguir esse rumo são notáveis: a

possibilidade de imposição de sanções dissuasórias de evidente natureza econômica e o

estímulo à prevenção por meio dos programas de integridade corporativa.150

Márcio de Aguiar Ribeiro observa que, com o advento do novo marco regulatório

internacional, aliado aos novos e mais complexos riscos aos quais as empresas

contemporâneas passaram a estar expostas, cresceram enormemente a importância e o

prestígio das práticas de compliance nas corporações. Os diplomas legais americanos acima

citados, Sarbanes Oxley Act e Foreign Corrupt Practices Act, determinaram a revisão do

prisma conceitual do due diligence, antes estritamente negocial, para um enfoque no âmbito

de um controle interno de integridade a pautar a atuação corporativa. Passa-se da gestão

meramente negocial, para a gestão do compliance.

É com esse espírito que adveio a Lei Anticorrupção Brasileira, albergando sensíveis

transformações na conformação corporativa do dever de diligência no ordenamento jurídico.

Inaugura-se um novo patamar de exigência, muito mais rigoroso do que aquele

tradicionalmente previsto nas leis empresariais, a exemplo do presente na Lei das Sociedades

de Ações. Ao invés do due diligence negocial, fala-se, agora, do due diligence anticorrupção,

pois a análise não está mais restrita ao mero processo de tomada de decisão negocial e ao

exame da culpabilidade do administrador, mas alcança um dever de diligência objetivo,

149

BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução n. 2.554, de 24 de setembro de 1998. Dispõe sobre a

implantação e implementação de sistema de controles internos. Brasília, DF, 1998. Disponível em:

<http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1998/pdf/res_2554_v3_P.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2018. 150

DEMATTÉ, Flávio Rezende. Responsabilização de pessoas jurídicas por corrupção. Belo Horizonte:

Fórum, 2015. Passim.

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referente à conformidade da atuação da empresa às exigências legais de integridade

corporativa e de moralidade administrativa.151

Sobre o aspecto da moralidade, Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Rafael Véras de

Freitas acentuam que a referida lei conferiu contornos mais amplos ao princípio da

moralidade incrustado na Constituição Federal de 1988, passando a permitir o controle

finalístico – interno e externo – das atividades administrativas envolvendo os agentes privados

financiadores, e não somente daquelas exercidas pelos agentes do Estado.152

A Lei n. 12.846/13, assim, constitui diploma que objetiva justamente reprimir

condutas de pessoas jurídicas privadas que propiciam o agir imoral de agentes públicos. Com

ela, assim, o Brasil passaria a, supostamente, cumprir com os compromissos assumidos nas

convenções acima citadas, no sentido de coibir a corrupção em seu comércio interno e

externo, em igual medida que seus parceiros comerciais signatários das mesmas normas

internacionais.153

Este é o objeto do próximo tópico. Antes, todavia, de serem examinados os

seus centrais dispositivos, apreciar-se-ão algumas das condicionantes histórico-sociais que

antecederam o advento da Lei Anticorrupção.

3.2 Controle Anticorrupção no Brasil

3.2.1 Corrupção: uma Deformidade Social

Conforme se passará a demonstrar, a corrupção é a grande vilã da sociedade

brasileira.154

151

RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei

anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 220-221. 152

Conforme os autores: “Nesse particular, é lícito falar-se em eficácia exógena do princípio da moralidade

administrativa. Em outros termos, embora os indivíduos não estejam compreendidos sob o princípio da

legalidade administrativa — oponível tão somente à Administração Pública — a extensão dos efeitos do

princípio da moralidade administrativa aos particulares — no âmbito da autonomia da vontade — está em

conformidade com o Direito, ou seja, com o princípio da juridicidade. Some-se a isso o fato de que,

reiterando, a corrupção propicia a apropriação privada de recursos públicos que deveriam ser investidos na

prossecução de políticas funcionalizadoras de direitos fundamentais, e, por isso, em frontal violação aos

objetivos elencados no art. 3º, incisos I, II, III e IV, da Constituição14 e, em última análise, a ser princípio

capital da dignidade da pessoa humana, destacado em seu art. 1º, inciso III.” MOREIRA NETO, Diogo de

Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da lei anticorrupção: reflexões e interpretações

prospectivas. Disponível em: <http://www.

editoraforum.com_br/ef/wpcontent/uploads/2014/O1/ART_Diogo-Figueiredo-Moreira-Neto-

etaI_LeiAnticorrupcao.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017. 153

RIBEIRO, op. cit., p. 24. 154

“Na carta testamento da fundação do Brasil, Pero Vaz de Caminha, a serviço da Coroa Portuguesa, abre

inusitado expediente no texto oficial para solicitar um favor pessoal: a transferência de seu genro, Jorge de

Osório, que se encontrava na Ilha de São Tomé. A missiva é arrematada em um tom distinto da comunicação

institucional – ‘Beijo as mãos de Vossa Alteza’. Para o antropólogo Roberto Da Matta, a carta é a certidão de

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Segundo Bruno Heringer Júnior, à época da proclamação da República, no final do

século XIX, o capitalismo industrial foi, paulatinamente, ganhando força em solo brasileiro,

acompanhado do ingresso de subsidiárias de grandes empresas estrangeiras. Nesse contexto

formou-se o sistema das relações sociais de dominação, figurando, no polo de cima, a aliança

entre grandes proprietários e líderes políticos, denominada coronelismo, e, no polo de baixo,

os escravos libertados e as classes inferiores dos núcleos urbanos, como prostitutas e os

contingentes de imigrantes recém-chegados.155

Após a Primeira República, observou-se a concentração econômica nas culturas

regionais do café (São Paulo), do leite (Minas Gerais) e do cacau (região do Nordeste), sendo

que o voto foi vedado aos analfabetos. Na época (1891 até 1930), o Brasil tinha composição

majoritária de uma massa de analfabetos, determinando com que o sufrágio ficasse restrito a

um grupo ou a um segmento privilegiado do povo brasileiro.156

Daí se explica a resignação e o conformismo dos acontecimentos sociais por

expressiva parcela da população, situação que se manteve sob o império do regime militar

brasileiro (1964-1985), com a suspensão dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

As dificuldades enfrentadas na trajetória político-social brasileira (violência e

desigualdade), segundo José Murilo de Carvalho, relacionam-se com a natureza do percurso

histórico, ocorrendo uma lógica sequencial inversa à descrita por Marshall, pois

[...] primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos

direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou

nascimento do ‘jeitinho’ que se firmaria na cultura brasileira. O ‘jeitinho à moda da casa’ revela-se nos

arranjos abertos para operar o sistema legal em benefício de interesses privados. O casuísmo se sobrepõe à

norma, o caráter impessoal se dilui na pessoalidade, e o funcionário público é um compadre amigo a

distribuir favores em nome do Estado. O público e privado aparecem cunhados no mesmo verso da moeda.”

BANNWART JÚNIOR, Clodomiro José. “Esperteza do Avesso”. Jornal Blitz, Londrina/PR, p. 6, jul. 2015. 155

HERINGER JÚNIOR, Bruno. A cor da pele: evolução histórica do direito penal brasileiro. In: GAVIÃO

FILHO, Anizio Pires; LEAL, Rogério Gesta. Coleção tutelas à efetivação de direitos indisponíveis. Porto

Alegre: FMP, 2016. p. 85-101. p. 91. Disponível em:

<http://www.fmp.com.br/imgs_upload/file/ebook%202016.pdf>. Acesso em: 12 set. 2017. 156

Conforme José Murilo de Carvalho, com a proclamação da República, em 1889, “mais de 85% dos cidadãos

eram analfabetos, incapazes de ler um jornal, um decreto do governo, um alvará da justiça, uma postura

municipal. Entre os analfabetos incluíam-se muitos dos grandes proprietários rurais. Mais de 90% da

população vivia em áreas rurais, sob o controle ou a influência dos grandes proprietários. Nas cidades, muitos

votantes eram funcionários públicos controlados pelo governo”. Acrescenta que “a Constituição Republicana

de 1891 eliminou apenas a exigência de renda de 200 mil-réis, que, como vimos, não era muito alta. A

principal barreira ao voto, a exclusão dos analfabetos, foi mantida. Continuavam também a não votar as

mulheres, os mendigos, os soldados, os membros das ordens religiosas. Não é, então, de estranhar que o

número de votantes tenha permanecido baixo. Na primeira eleição popular para a presidência da República,

em 1894, votaram 2,2% da população. Na última eleição presidencial da Primeira República, em 1930,

quando o voto universal, inclusive feminino, já fora adotado pela maioria dos países europeus, votaram no

Brasil 5,6% da população. Nem mesmo o período de grandes reformas inaugurado em 1930 foi capaz de

superar os números de 1872. Somente na eleição presidencial de 1945 é que compareceram às urnas 13,4%

dos brasileiros, número ligeiramente superior ao de 1872”. CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no

Brasil: o longo caminho. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 32; 39-40.

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popular. Depois vieram os direitos políticos, de maneira também bizarra. A maior

expansão do direito do voto deu-se em outro período ditatorial, em que os órgãos de

representação política foram transformados em peça decorativa do regime.

Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis, a base da sequência de Marshall,

continuam inacessíveis à maioria da população. A pirâmide dos direitos foi colocada

de cabeça para baixo.157

O advento da modernidade, acompanhada do processo de globalização, ao contribuir

para a formação da sociedade de risco, também incrementou a desigualdade social,

especialmente em espaços físicos como as metrópoles, núcleos urbanos que estimulam a

criação de uma massa de excluídos econômica e socialmente desejosa, embora sem

perspectivas, de possuir o conforto proporcionado pelas novas tecnologias158

.

De outro lado, a essa profunda fissura de desigualdade social se associa o histórico

patrimonialismo brasileiro, formando um composto responsável por ensejar inúmeras práticas

corruptivas, a exemplo da corrupção eleitoral e do voto de cabresto159

, de modo que de 1822

até os nossos dias, entre o exercício das liberdades públicas e a satisfação das necessidades, a

escolha da população menos favorecida economicamente (a grande maioria),

corriqueiramente, é a segunda.

Historicamente, pois, verbas públicas destinadas a combater as desigualdades são

desviadas tanto por agentes públicos quanto particulares para fins não republicanos, mas

pessoais, em um sistema corruptivo que acentua as disparidades sociais quando diminui os

investimentos públicos na saúde, educação, segurança, habitação, dentre outros direitos

essenciais à vida.

Nesse sentido, estudo realizado pelo Departamento de Competitividade e Tecnologia

(Decomtec) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo revelou que, em 2008, o

custo médio anual da corrupção no Brasil representava de 1,38% a 2,3% do Produto Interno

Bruto (PIB), isto é, em torno de R$ 41,5 bilhões a R$ 69,1 bilhões. Tais valores

157

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2002. p. 219-229. 158

AMARAL, Cláudio do Prado. Bases teóricas da ciência penal contemporânea: dogmática, missão do

direito penal e política criminal na sociedade de risco. São Paulo: IBCCRIM, 2007. p. 86-87. 159

Acerca do problema do coronelismo e sua influência no processo eleitoral, aduz Victor Leal Nunes que “o

elemento primário desse tipo de liderança é o ‘coronel’, que comanda discricionariamente um lote

considerável de votos de cabresto. A força eleitoral empresta-lhe prestígio político, natural coroamento de sua

privilegiada situação econômica e social de dono de terras. Dentro da esfera própria de influência, o ‘coronel’

como que resume em sua pessoa, sem substituí-las, importantes instituições sociais. Exerce, por exemplo,

uma ampla jurisdição sobre seus dependentes, compondo rixas e desavenças e proferindo, à vezes,

verdadeiros arbitramentos, que os interessados respeitam. Também se enfeixam em suas mãos, com ou sem

caráter oficial, extensas funções policiais, de que frequentemente se desincumbe com a sua pura ascendência

social, mas que eventualmente pode tornar efetivas com o auxílio de empregados, agregados ou capangas”.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 2. ed.

São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 24.

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representariam aumento de 89% do número de leitos em hospitais públicos, ou 47% a mais de

jovens no ensino fundamental, ou mais de 74% no aumento de famílias recebendo casas

populares.160

Não se desconhece que este estudo se baseia em projeções aproximadas e pode estar

distante dos valores reais – a rigor, a grande parte dos atos corruptivos sequer é desvendada.

Contudo, não se pode deixar de perceber os valores vultosos desviados todos os anos.

Atualmente, contudo, a percepção dessa subversão vem alcançando a população em

geral. Tal conclusão se de pode inferir de medição global de corrupção (Global Corruption

Barometer) realizada em 2013 pela ONG Transparência Internacional, a qual atestou que a

maioria dos cidadãos entrevistados percebe como entes corruptos ou extremamente corruptos,

em ordem decrescente: os partidos políticos, o Congresso Nacional, a polícia, o sistema

público de saúde e o Judiciário.161

O discernimento dessa realidade implicou com que o movimento anticorrupção, desde

2013 (cujo mês de junho foi nomeado pela imprensa internacional de “primavera brasileira”),

viesse a, frequentemente, ganhar as ruas162

. Segundo Carlos Eduardo Martins, os protestos

ocorridos nos centros urbanos e regiões metropolitanas indicam a crise profunda do sistema

político brasileiro, a qual tem por base o esgotamento do projeto neoliberal no Brasil. Ele

explica que a versão social do neoliberalismo advinda no país com a ascensão do Partido dos

Trabalhadores (PT) ao poder, apoiado por um consenso entre o grande capital estrangeiro e

nacional, a oligarquia financeira, o agronegócio, os monopólios dos meios de comunicação e

os segmentos mais pauperizados da classe trabalhadora, ao que parece, não mais se revelou

capaz de conter a explosão social das ruas, colocando em questão a própria legitimidade da

democracia representativa, cujo modelo, diante das fissuras e da ausência de comunicação dos

160

FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Custo da corrupção no Brasil chega

a R$ 69 bi por ano. São Paulo, 2016. Disponível em: <http://www.fiesp.com.br/noticias/custo-dacorrupcao-

no-brasil-chega-a-r-69-bi-por-ano>. Acesso em: 20 out. 2016. 161

TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL. Global Corruption Barometer 2013. Disponível em:

<http://www.transparency.org/gcb2013/country?country=brazil>. Acesso em: 10 set. 2017. 162

Conforme Sebastião Botto de Barros Tojal e Igor Sant’Anna Tamsauskas, “[...] as manifestações populares

que tiveram lugar em junho de 2003 veiculavam inicialmente a indignação por parte de setores as sociedade

em relação ao aumento das tarifas de transportes públicos, sentimento esse que foi inflamado em razão dos

altos gastos para a consecução de objetivos secundários do ponto de vista de políticas públicas, como a Copa

do Mundo e as Olimpíadas. Após violenta repressão policial às manifestações, o foco transmutou-se de um

mero descontentamento com o valor das tarifas de transporte para um desprezo generalizado à classe política,

e a temática da corrupção logo foi alçada como tema preferencial nos protesto ao longo de todo o País.”

TOJAL, Sebastião Botto de Barros; TAMASAUKAS, Igor Sant’Anna. A Leniência anticorrupção: primeiras

aplicações, suas dificuldades e alguns horizontes para o instituto. In: Org. BOTTINI, Pierpaolo Cruz;

MOURA, Maria Thereza de Assis. Colaboração Premiada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 237-

254. p. 237-238.

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partidos e seus representantes com os representados, não mais atende às expectativas

comunitárias, provocando tensões entre o Direito e a Política.163

Tal consciência social pôde ser aferida de pesquisa de opinião realizada, em 2015,

pelo Instituto Datafolha, a qual apontou que, para a maioria dos entrevistados, a corrupção é o

maior problema no Brasil. 164

Embora ainda se revele precoce uma análise mais profunda das consequências

políticas de tais movimentos, eles ensaiam um relevante processo de amadurecimento cultural

por parte da população brasileira, os quais tiveram prosseguimento nos anos seguintes em

paralelo aos eventos da operação Lava Jato da Polícia Federal165

e do impeachment da

Presidente Dilma Roussef. Sintomático, nesse sentido, o desencadeamento de Projeto de Lei

de iniciativa popular de combate à corrupção, PL 4.850/2016, resultante do movimento “10

medidas de combate à corrupção”, promovido pelo Ministério Público Federal, o qual

recolheu 2.028.263 assinaturas de eleitores.

Nesse contexto, foi promulgada a Lei n.º 12.846 de 2013 (Lei Anticorrupção,

doravante), tendo por finalidade – mais do que buscar a harmonia com os instrumentos

internacionais sobre o combate à corrupção citados no item anterior – responder às

manifestações populares do ano do seu nascimento no afã de trazer lisura ao mercado e seus

agentes. 166

163

O autor aduz que “O projeto neoliberal alcançou hegemonia na sociedade brasileira, após o breve interregno

de Collor, durante os governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, a partir da aplicação dos

programas do consenso de Washington que impulsionaram a abertura comercial e financeira e a

sobrevalorização cambial em troca da renegociação da dívida externa dos anos 1980. A crise mundial, com

epicentro na Ásia em 1998, propiciou fuga de capitais da América Latina cortando o financiamento externo

destas experiências, deixando exposta a vulnerabilidade financeira dos Estados que adotaram essas

formulações e o seu alto custo social, manifesto na alienação do patrimônio público e da soberania nacional,

no enriquecimento privado, na corrupção e alto nível de endividamento estatal a serviço de oligarquias

financeiras, na perda de direitos sociais e trabalhistas, nos altos níveis de desemprego e na

desindustrialização.” MARTINS, Carlos Eduardo. A primavera brasileira: que flores florescerão? 2013. On

line. Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.br/2013/07/08/a-primavera-brasileira-que-flores-

florescerao/>. Acesso em: 22 dez. 2013. 164

MENDONÇA, Ricardo. Pela 1ª vez, corrupção é vista como maior problema, do país, diz Datafolha. Folha

de São Paulo, São Paulo, 29 nov. 2015. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/11/1712475-pela-1-vez-corrupcao-e-vista-como-maior-problema-

do-pais.shtml>. Acesso em: 09 mar. 2018. 165

Para Emmanuelle Konzen Castro, a operação Lava Jato revelou um quadro, no Brasil, em que a corrupção

passou a fazer parte do próprio sistema sócio-político: “No Brasil pode-se falar que a corrupção é sistêmica,

ou seja, ela está instalada em grande parte das instituições sociais, fazendo parte do sistema. A sistematização

da corrupção nas instituições brasileiras ganha espaço à medida que a sociedade tende a criar uma certa

aceitação social da corrupção, em decorrência do fato dela sempre existir, ou seja, estar ‘enraizada’ em nossa

sociedade.” CASTRO, Emmanuelle Konzen. A corrupção sistêmica no Brasil. Dom Total, São Paulo, 14

fev. 2017. Disponível em: <http://domtotal.com/noticia/1125239/2017/03/a-corrupcao-sistemica-no-brasil/>.

Acesso em 09 mar. 2018. 166

Em junho de 2017, a Polícia Federal do Brasil totalizou que, a partir de 2013, as perdas nacionais com

diversos desvios corruptivos atingiram perto de 123 bilhões de reais. SALOMÃO, Alexa; BRAMATTI,

Daniel; GODOY, Marcelo. Organizações criminosas deixam rombo de R$ 123 bi. Estadão, São Paulo, 18

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Merece menção, todavia, a ressalva de José Anacleto Santos167

no sentido de que a Lei

Anticorrupção não foi a primeira norma específica a tratar do tema, nada obstante o seu nome

tenha revertido em um grande impacto social e midiático. Essa percepção foi chancelada pela

própria exposição de motivos do projeto de lei encaminhado ao Congresso Nacional, o qual

assevera que a Lei n. 12.846/2013 “tem por objeto suprir uma lacuna existente no

ordenamento pátrio no que tange à responsabilização das pessoas jurídicas pela prática de atos

ilícitos contra a Administração Pública, em especial por atos de corrupção e fraude em

licitações.”

Contudo, para o autor citado, parte dos ilícitos previstos no art. 5º da Lei encontra

correspondência em artigos da legislação já vigente e que já eram passíveis de aplicação às

pessoas jurídicas, a exemplo dos artigos 86 a 88 da Lei n. 8.666/1993; do art. 47, inc. V da Lei

n. 12.462/2011, a qual institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC); da

Lei n. 12.529/2011 (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência) e, finalmente, da própria

Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992), “cuja aplicabilidade às pessoas

jurídicas é inconteste (vide seu art. 3º), conforme decidiu o STJ em mais de uma

oportunidade”.

Para José Anacleto Abduch Santos, pois:

Quer-se com tais exemplos apenas demonstrar que mesmo antes da Lei 12.846/2013

era possível punir empresas que praticassem certas condutas fraudulentas contra a

Administração Pública, devendo considerar-se a nova lei como um reforço nesse

conjunto normativo de combate à corrupção, voltada a uniformizar e organizar

melhor o tratamento do tema, além de tornar mais severas as possíveis sanções.168

Em semelhante exegese, Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna defendem que

a Lei Anticorrupção (LAC) não deve ser interpretada de forma isolada, mas dentro do que

vem sendo chamado de microssistema jurídico anticorrupção, o qual é composto de todas as

normas que, direta ou indiretamente, busquem combater a prática de atos de corrupção. Nesse

grupo, pois, inserem-se a Lei de Improbidade Administrativa, Lei Antitruste, Lei de Combate

à Lavagem de Dinheiro e as demais normas penais que tratam dos crimes contra a

Administração Pública.169

jun. 2017. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,organizacoes-criminosas-deixam-

rombo-de-r-123-bi,70001846542>. Acesso em: 08 mar. 2018. 167

SANTOS, José Anacleto Abduch et al. Comentários à lei 12.846: lei anticorrupção. 2. ed. rev. e atual. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 53-56. 168

Ibid., p. 57. 169

SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,

desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 60-61.

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A esse respeito, José Alexandre da Silva Zachia Alan assim resume o quadro geral de

sistemas sancionatórios não penais direcionados à repressão dos atos lesivos à probidade

administrativa:

a.) por primeiro, há o sistema de sanções da Lei de Improbidade Administrativa,

organização normativa que se vaza em tipos abertos e que alveja, num primeiro

termo, os agentes públicos, mas que também alcança eventuais extraneus que

tenham concorrido com os ilícitos ou que tenham deles se beneficiado; b.) por

segundo, há o sistema da Lei Anticorrupção, sistema caracterizado por

responsabilidade objetiva e que alveja, num primeiro termo, as empresas que

negociam com a administração; c.) por terceiro, há o sistema de direito

administrativo sancionador, processos administrativos levados a efeito e sanções

aplicadas pela própria administração pública.170

O autor destaca que as citadas perspectivas de punição sobrepõem-se entre si e,

também, ao sistema penal de apurações. Segundo ele, “fala-se, em outras palavras, em

espaços de intersecção nos quais um único fato gerará múltiplas repercussões”.171

No próximo item, analisar-se-ão alguns dos centrais pontos do sistema da Lei

Anticorrupção.

3.2.2 Diretrizes da Lei Anticorrupção Brasileira

Em resposta às manifestações populares do ano de seu nascimento e, também, com o

desiderato de dar atendimento aos instrumentos internacionais sobre o combate à corrupção

dos quais o Brasil é signatário, aspectos analisados no item anterior, foi promulgada, em

2013, a Lei n.º 12.846 de 2013 (Lei Anticorrupção).

Embora não tenha sido a primeira norma específica a tratar do tema, a novel legislação

almejou punir empresas envolvidas em relações corruptas com a Administração Pública,

constituindo, pois, notável reforço no conjunto de sistemas sancionatórios não penais de

combate à corrupção, máxime por torná-lo mais severo.

Segundo Marcia Carla Pereira Ribeiro e Patrícia Dittrich Ferreira Diniz, os principais

objetivos da Lei Anticorrupção são suprir a lacuna existente no ordenamento jurídico

brasileiro quanto à responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos ilícitos contra a

administração pública, em especial por atos de corrupção. Ainda, atender aos compromissos

170

ALAN, José Alexandre da Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma

abordagem sob a perspectiva da Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.

275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p. 201-202. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20 jan. 2018. 171

Ibid., 202.

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internacionais assumidos pelo Brasil no combate à corrupção. Os autores salientam que o

Grupo de Trabalho sobre Corrupção nas Transações Comerciais Internacionais entendeu que a

aplicação da Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), da Lei nº

6.385/1976 (Lei do Mercado de Valores Mobiliários) e da Lei nº 12.529/2011 (Lei da Defesa

da Concorrência) não era suficiente para combater a corrupção.172

De semelhante modo, Egon Bockman Moreira e Andreia Cristina Bagatin asseveram

que o principal objetivo da Lei nº 12.846/2013 reside na construção de mecanismos

legislativos que determinem a responsabilização imediata de pessoas jurídicas caso se dê a

prática de determinados atos por meio de seus funcionários, acionistas e diretores. Assim,

visou-se superar os limites e obstáculos da Lei nº 8.666/1993 (que nem sempre se aplica a

pessoas jurídicas, nem promove o efetivo ressarcimento dos danos) e da Lei nº 8.429/1992, a

qual exige, mesmo para a responsabilização de pessoas jurídicas, a prova da culpa grave ou

dolo na improbidade, visto que apenas traz tipos vinculados à responsabilidade subjetiva dos

agentes.

Para os autores citados, a racionalidade lei em foco se afina mais a das normas de

proteção ao meio ambiente e da defesa da concorrência do que propriamente do Direito

Administrativo sancionador e do Direito Penal tradicional. Tal se pode inferir porque, tanto no

Direito Ambiental quanto no Direito Antitruste, é usual ter pessoas jurídicas a receber,

independentemente de culpa, o impacto normativo tanto para a prevenção/precaução, quanto

no concernente às sanções punitivas propriamente ditas – desde que não criminais. Além

disso, “o critério para a definição e punição do sujeito passivo é antes o econômico do que o

jurídico-formal de penas aflitivas e restritivas de direitos subjetivos de primeira dimensão”.173

Em suma, o critério definidor do “sujeito passivo, comprovação das hipóteses e aplicação das

normas, tanto no caso da Lei Antitruste como no da Lei Anticorrupção, é objetivamente o

econômico: a específica organização dos bens e fatores de produção”.174

172

RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; DINIZ, Patrícia Dittrich Ferreira. Compliance e lei anticorrupção nas

empresas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, v. 52, n. 205, p. 87-105, jan./mar. 2015. p. 99. 173

MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina. Lei anticorrupção e quatro de seus principais

temas: responsabilidade objetiva, desconsideração societária, acordos de leniência e regulamentos

administrativos. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 55-84,

jul./set. 2014. p. 61. 174

Oportuna, aqui, menção à Teoria da Escolha Racional utilizada por Gary Becker na análise da criminalidade

em seu consagrado artigo Crime and Punishment, no qual ele utiliza um modelo de análise econômica para o

desenvolvimento de políticas públicas de repressão a condutas delituosas. Mediante a análise de inúmeras

variáveis de custo-benefício (como, por exemplo, o processo de decisão das pessoas que cometem crimes e o

meio eleito pelo Estado para processar e punir delitos, etc.), o autor conclui que o crime com certeza gera um

custo social e econômico para o Estado, mas não se pode desconsiderar que seu combate também gera ônus

aos cofres públicos. Desse modo, o modelo econômico de repressão da LAC, baseado em pesadas multas que

podem ser revertidas ao Estado, poderia equilibrar os custos do processo e das punições, em especial porque

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A Lei n. 12.846/13 é constituída por sete capítulos: I – Disposições Gerais, II – Dos

atos lesivos à Administração Pública nacional ou estrangeira, III – Da responsabilização

administrativa, IV – Do processo administrativo de responsabilização, V – Do acordo de

leniência, VI – Da responsabilização judicial e VII – Disposições Finais.

O art. 1º e seu parágrafo único estabelecem a responsabilidade objetiva da pessoa

jurídica e identifica os seus destinatários:

Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de

pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou

estrangeira.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às

sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de

organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações,

associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede,

filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito,

ainda que temporariamente.175

Segundo Marçal Justen Filho, o ato de corrupção somente pode ser realizado caso haja

uma ação humana, de modo que a responsabilidade objetiva das empresas não prescinde da

caracterização da responsabilidade subjetiva de uma pessoa física.176

o aumento de condenações gera altos encargos para toda a sociedade (construção de presídios, aparelhamento

dos órgãos da Justiça, etc). Esta consequência poderia ter o condão de atender ao modelo de Becker,

conforme o qual a decisão ótima é aquela que combate a criminalidade dentro de um reduzido custo

financeiro e com a imposição de penas com o menor impacto social possível. BECKER, Gary S. Crime and

Punishment: na economic approach. Journal of Political Economy, Columbia, v. 76, p. 169-217, 1968.

Apud MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina. Lei anticorrupção e quatro de seus

principais temas: responsabilidade objetiva, desconsideração societária, acordos de leniência e regulamentos

administrativos. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 55-84,

jul./set. 2014. p. 61. Nada obstante, não se deve menoscabar o alerta de Robert Klitgaard do risco de que, em

um sistema baseado unicamente em sanções pecuniárias, elas podem vir a ser compreendidas como um preço

a ser pago para se praticar crimes; e que, ainda, a previsão isolada de multas não é o bastante para a mudança

cultural de uma sociedade, de modo a se revelar impositiva a concomitante condenação de pessoas físicas

como fator simbólico hábil a provocar uma genuína consternação social. KLITGAARD, Robert. Controling

corruption. Berkeley: University of California Press, 1988. Apud MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN,

Andreia Cristina. Lei anticorrupção e quatro de seus principais temas: responsabilidade objetiva,

desconsideração societária, acordos de leniência e regulamentos administrativos. Revista de Direito Público

da Economia – RDPE, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 55-84, jul./set. 2014. p. 61-62. 175

BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de

pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras

providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-

2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 176

Na dicção do autor: “O texto literal deve ser interpretado em termos. Nenhuma pessoa jurídica atua

diretamente no mundo. Toda pessoa jurídica se vale de pessoas físicas. As práticas de corrupção são

consumadas por meio da conduta de uma ou mais pessoas físicas. Somente se consuma alguma das infrações

da Lei n. 12.846 quando a conduta da pessoa física for eivada de um elemento subjetivo reprovável. Esse

elemento será necessariamente o dolo. Em momento algum a Lei nº. 12.846/2013 instituiu uma espécie de

‘corrupção objetiva’, em que seria bastante e suficiente a ocorrência de eventos materiais. Ocorre que,

consumada a infração em virtude da conduta reprovável de um ou mais indivíduos, poderá produzir-se a

responsabilização de pessoa jurídica. Essa responsabilização será ‘objetiva’, na acepção de que bastará a

existência de um vínculo jurídico com a pessoa física infratora. Configurar-se-á a responsabilidade objetiva

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Esta posição não é pacífica, prevalecendo a que entende que a responsabilização das

pessoas jurídicas independe da caracterização da responsabilidade subjetiva dos agentes

envolvidos.177

da pessoa jurídica se o indivíduo que cometeu a infração for a ela relacionado, ainda que não na qualidade de

administrador ou representante. O vínculo exigido compreende os casos de representação formal, mas

também abrange aquelas hipóteses em que a pessoa jurídica forneceu elementos ou recursos para a prática da

infração. Mais precisamente, é indispensável existir um vínculo que permitisse à pessoa jurídica controlar a

conduta do indivíduo infrator, especificamente para adotar as providências necessárias a impedir a prática da

infração.” JUSTEN FILHO, Marçal. A “nova” lei anticorrupção brasileira (Lei Federal 12.846). Informativo

Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n. 82, dez. 2013. Disponível em:

<http://www.justen.com.br/informativo.php?&informativo =82&artigo= 1110&l=pt>. Acesso em: 1º out.

2015. 177

Nesse sentido: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende de; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. O sistema

brasileiro de combate à corrupção e a Lei n. 12.846/2013. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo,

v. 7, n. 38, p. 121-134, maio/jun. 2014. p. 122. No concernente aos crimes cometidos contra o meio

ambiente, o Supremo Tribunal Federal já externou o entendimento de que a responsabilidade penal da pessoa

jurídica independe da culpabilidade do representante legal, contratual, ou do órgão colegiado, não sendo,

pois, exigível a dupla imputação. Assim, é suficiente a demonstração de que o ilícito adveio de deliberações

societárias legítimas (aceitas pela pessoa jurídica), externadas em benefício do ente empresarial. Na dicção da

Ministra Rosa Weber, “Para esclarecer a ideia que estou a sustentar, não se trata de considerar irrelevante o

conhecimento das pessoas, organismos internos ou sucessivas seções da empresa com responsabilidades

parciais pela produção de um injusto penal, pela prática de determinado ato ou decisão que se concretize em

crime ambiental. O que estou a dizer é que tal identificação do procedimento interno de decisão e de

produção de um fato em benefício ou interesse da empresa não significa o mesmo que atribuir a essa equipe

de trabalho ou órgãos parciais de decisão o cometimento do ilícito penal, exatamente porque as competências

parciais, no mais das vezes, podem levar apenas a responsabilidades incompletas das unidades operativas ou

órgãos gestores, sem que essa responsabilidade parcial pelo processo de produção ou direção da empresa se

possa converter numa específica responsabilidade penal por injusto típico concretizado. A identificação o

mais aproximada possível dos setores e agentes internos da empresa determinantes na produção do fato

ilícito, porque envolvidos no processo de deliberação ou execução do ato que veio a se revelar lesivo de bens

jurídicos tutelados pela legislação penal ambiental, tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como

forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas

atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da

entidade coletiva. Mas esse esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa

jurídica, não se confunde com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta

e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Conforme já referi, em não raras oportunidades as

responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a

imputação de responsabilidade penal individual. Mesmo porque, para as pessoas físicas, não há como

pretender questionar a permanência do nexo de causalidade, nos moldes em que consagrado pela evolução da

ciência penal tradicional, como condição de imputação de um ilícito penal. Em resumo, a clivagem inerente

ao funcionamento dos modernos conglomerados empresariais, em muitos casos, quase que impede a

atribuição do fato delituoso a uma pessoa física determinada. Essa, exatamente, a ratio essendi, na minha

visão, da norma constitucional que acolhe a responsabilidade penal da pessoa jurídica em atividades lesivas

ao meio ambiente. Logo, não se coaduna com a norma do § 3o do art. 225 da Constituição da República o

condicionar ou o subordinar a responsabilização penal do ente moral à imputação cumulativa do fato ilícito a

indivíduo específico.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 548.181-PR.

Recorrente: Ministério Público Federal. Recorrido: Petróleo Brasileiro S/A – Petrobrás. Relatora: Min. Rosa

Weber. Brasília, DF, 6 ago. 2013. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2518801>. Acesso em: 19 jan.

2016. Segundo Carla Veríssimo, “A decisão, apesar de mencionar as várias teorias de imputação em direito

comparado (princípio da identificação, responsabilidade vicarial, teoria da agregação, etc.) não chegou a se

posicionar sobre o critério de fundamentação da culpabilidade empresarial, que, todavia, entendeu ser

própria, e não derivada, por atribuição, da culpabilidade de pessoa física que age em nome ou em benefício

da empresa. Segundo a relatora, a finalidade da imposição de uma pena aos entes coletivos não poderia se

guiar por critérios baseados na comparação de pessoas jurídicas com pessoas físicas, sendo necessária a

elaboração de novos e exclusivos conceitos de ação e de culpabilidade válidos para as pessoas jurídicas.” DE

CARLI, Carla Veríssimo. Anticorrupção e Compliance: a incapacidade da Lei 12.846/13 para motivar as

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Patrícia Toledo de Campo assevera não ser necessário comprovar a culpa ou o dolo de

agentes específicos, mas simplesmente a atuação genérica da empresa inclinada à fraude, sem

necessidade de individualização de conduta ou comprovação do elemento subjetivo de

pessoas a ela vinculadas. Segundo ela, afirmar que os fatos típicos previstos na Lei

Anticorrupção somente se consumariam quando a ação da pessoa física contivesse o elemento

subjetivo dolo iria na contramão do objetivo pretendido pela lei. Como dispõe o artigo 3º, a

responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de quaisquer

pessoas naturais – autoras, coautoras, partícipes, dirigentes, administradores – e independe da

responsabilização individual das referidas pessoas.178

Conforme Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Rafael Véras de Freitas, a ratio desse

dispositivo é fomentar que as pessoas jurídicas estabeleçam sistemas de controle sobre as

condutas de seus agentes, visando a inibir a prática de atos violadores da moral

administrativa, uma vez que, em razão da objetivação da responsabilidade, ser-lhes-á

impossível isentarem-se de eventual responsabilização alegando ausência de culpa in

vigilando.179

Nesse sentido, Igor Sant’anna Tamasaukas e Pierpaolo Cruz Bottini fundamentam a

responsabilidade objetiva da pessoa jurídica no princípio da função social da empresa,

analisado no item 2.2. Tal postulado impingiria, à empresa, o dever de atuar conforme a

moralidade administrativa em sua relação com o Estado, daí a objetivação de sua

responsabilidade pela Lei Anticorrupção. Os autores, todavia, admitem-na somente para a

reparação do dano causado, apontando como inconstitucional a imposição de sanções

despidas de reprovabilidade na conduta (acrescem, também, como plausível, a hipótese de

debilidade na organização da estrutura empresarial). Nesse sentido, a existência de

mecanismos internos de compliance idôneos e eficazes poderia demonstrar que o ato

desviante da pessoa física foi isolado e individual, derrogando a culpabilidade da empresa.180

empresas brasileiras à adoção de programas e medidas de Compliance. 2016. 342 f. Tese (Doutorado) -

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito,

Porto Alegre, BR-RS, 2016. f. 72-73. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149239>.

Acesso em: 11 set. 2017. 178

CAMPOS, Patrícia Toledo de. Comentários à Lei nº 12.846/2013 – Lei anticorrupção. Revista Digital de

Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 160-185, 2015. p. 164. Disponível em:

<http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/80943>. Acesso em: 1º out. 2015. 179

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da lei anticorrupção:

reflexões e interpretações prospectivas. Disponível em: <http://www.

editoraforum.com_br/ef/wpcontent/uploads/2014/O1/ART_Diogo-Figueiredo-Moreira-Neto-

etaI_LeiAnticorrupcao.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017. 180

TAMASAUSKAS, Igor Sant’anna; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A interpretação constitucional possível da

responsabilidade objetiva na lei anticorrupção. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 947, p. 133-144, set.

2014. p. 142-145.

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Embora sedutora a posição adotada, ela não convence por uma razão curial: em

responsabilidade objetiva, não há se falar em culpabilidade do agente, pois os pressupostos

são apenas: conduta, nexo causal e dano, inexistindo o pressuposto culpa/dolo. Assim, se a

adoção de um programa idôneo de compliance afasta a culpabilidade da empresa, o fato

inexorável é o de que foi exatamente essa culpabilidade que o legislador optou por não exigir

para fins de caracterização da responsabilidade empresarial por atos corruptivos.

De forma mais técnica, Fábio Medina Osório apregoa que a existência de um sistema

interno de integridade (compliance) poderá conduzir à interrupção do nexo de causalidade.181

Como se vê, paira sobre a doutrina certa perplexidade na eleição da responsabilidade

objetiva pela Lei Anticorrupção, havendo tentativas de se apontar os programas de integridade

corporativa como meios eficazes de afastamento da responsabilidade, inclusive mediante

correlação ao princípio da culpabilidade o que, como já dito, não parece uma opção técnica.

Nesse estudo, defende-se que a melhor forma de compatibilização entre a

responsabilidade objetiva e a censurabilidade do agir corporativo, em obséquio ao princípio

da equidade, dá-se pela aplicação analógica do art. 944, parágrafo único, do Código Civil

Brasileiro, de seguinte teor: “Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano,

poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.”182

Desse modo, verificado que a empresa possuía programa de integridade hábil em

detectar as condutas desviantes, de modo que o ato corruptivo, no caso concreto, fora oriundo

do agir isolado e individual de algum colaborador, poderá o ente processante reduzir

equitativamente a pena prevista pela LAC para a empresa na espécie.

Divergências doutrinárias a parte, o que neste momento urge sublinhar é um dado

elementar: independentemente da visão adotada, o que mais uma vez avulta é a acentuada

relevância das empresas estabelecerem políticas de governança corporativa sustentadas nos

quatro pilares - a) transparência (disclousure); b) prestação de contas (accountability); c)

justiça com os minoritários (fairness) e d) cumprimento das leis (compliance) -, para, assim

agindo, reduzirem drasticamente a possibilidade de que algum sujeito a elas vinculado goze

da possibilidade de se engajar na prática de condutas corruptas cuja consequência, como visto,

será atrair a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica.

181

OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.

406. 182

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, 2002. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 15 set. 2015.

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Em suma, a responsabilidade da empresa decorrerá, em última análise, de sua própria

falha na implantação de modelos de conformidade ética e legal (compliance) apropriados.

Para evitar esta consequência, a empresa deve se aliar ao Estado prevenindo a ocorrência de

ilícitos e, não logrando os inibir, investigar o fato e colaborar com os órgãos estatais na sua

apuração.

Afinal, dada a amplitude da letra da lei, a possibilidade de algum colaborador se

engajar na prática dessas condutas desviantes não é remota, pois, conforme explica André

Pimentel Filho, a redação utilizada enseja dúvidas sobre os critérios a serem adotados para a

punição da pessoa jurídica em um sistema em que não é exigido o critério da culpabilidade. A

leitura literal da lei pode conduzir à concepção estendida de responsabilidade objetiva, cujo

único pressuposto é possuir a empresa interesse no ato corruptivo, mesmo que remoto. A

redação original do projeto fazia referência a atos praticados por qualquer agente ou órgão

que a represente. Essa redação, todavia, foi alterada durante a tramitação legislativa,

permitindo crer que o legislador optou por uma opção ampliativa.183

Tal formulação estendida, portanto, é consentânea com uma interpretação de que tanto

os atos dos órgãos da empresa (conselho de administração, conselho fiscal, etc.), quanto os

dos empregados (sufragada nos arts. 932, inc. III e 933 do Código Civil) poderão ensejar a

configuração da responsabilidade objetiva quando deles advier benefício para a empresa, dai a

passar ser do interesse das empresas que seus colaboradores não pratiquem atos ilícitos, pois

tal fatalmente conduzirá à punição da pessoa jurídica.

Cabe referir que, apesar de viger a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, os

seus dirigentes ou administradores só poderão ser penalizados na medida de sua culpabilidade

(artigo 3º da Lei nº 12.846/2013), isto é, somente serão responsabilizados pelos atos de

corrupção se for comprovado que agiram com dolo ou culpa grave, o que não alcança os

administradores meramente inábeis ou imperitos.

As condutas puníveis se encontram no taxativo rol do art. 5º da Lei,184

as quais,

insista-se, já se encontravam tipificadas em outros dispositivos legais, a exemplo do Código

Penal, da Lei n. 8.429/92 e da Lei n. 8.666/93.185

183

PIMENTEL FILHO, André. Comentários aos artigos 1º ao 4º da Lei Anticorrupção. In: SOUZA, Jorge

Munhós de; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Org.). Lei anticorrupção. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 63-

86. p. 77-80. 184

Art. 5o Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos

aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o

patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os

compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I - prometer, oferecer ou dar, direta ou

indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II -

comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos

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No concernente à concomitância de previsões legais em esferas jurídicas distintas,

prevalece o entendimento de que a estrutura do Direito Sancionador brasileiro é norteada pela

independência de instâncias, de modo que uma mesma conduta poderá receber reprimendas

distintas nas esferas cível, penal e administrativa, visto inexistir violação ao princípio do ne

bis in idem nesses casos. A Lei n. 8.429/92 bem expressa esse postulado, quando prevê, em

seu art. 12, caput, que as cominações de improbidade administrativa independem das sanções

penais, civis e administrativas. No mesmo sentido é o art. 225, §3º da Constituição Federal de

1988, o qual dispõe que as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os

infratores a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação cível de

reparação dos danos.

Nada obstante, certa perplexidade pode se dar nas hipóteses de existência de aplicação

de mais de uma sanção unicamente na esfera administrativa, como é o caso, por exemplo, das

Leis Anticorrupção, de Improbidade Administrativa e de Licitações e Contratos

Administrativos. Mas, para esses casos, Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna

esclarecem que o direito nacional admite esta possibilidade, mas desde que “respeitada a

previstos nesta Lei; III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou

dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV - no tocante a

licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o

caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de

qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude

ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e)

criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar

contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou

prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato

convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o

equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; V - dificultar

atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua

atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro

nacional. BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa

e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá

outras providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-

2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 185

Conforme Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Rafael Véras de Freitas: “A primeira conduta punível é a de

‘prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa

a ele relacionada’ se assemelha ao crime de corrupção ativa, previsto no art. 333 do Código Penal. Trata-se

de tipo administrativo formal, que, para sua consumação, independe de seu consequente resultado. A lesão ao

bem jurídico tutelado por este dispositivo se dá pela simples oferta de quantia financeira pelo particular,

independentemente se o servidor público aferiu acréscimos patrimoniais. Distintamente, para que sejam

tipificadas as ‘condutas de financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos

de corrupção’ e de ‘utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais

interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados, para sua caracterização’, cumpre que reste

comprovado, no bojo do processo administrativo sancionatório, que a autoridade pública, efetivamente,

recebeu os recursos privados. Trata-se, aqui, de tipo administrativo material, pois que depende de um

consequente resultado para a sua consumação.” MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael

Véras de. A juridicidade da lei anticorrupção: reflexões e interpretações prospectivas. Disponível em:

<http://www. editoraforum.com_br/ef/wpcontent/uploads/2014/O1/ART_Diogo-Figueiredo-Moreira-Neto-

etaI_LeiAnticorrupcao.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017.

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teoria da tríplice identidade e quando os fundamentos da pena residirem em expressa previsão

legal”186

, visto que “o legislador cuidou de proteger de forma distinta os diversos bens

jurídicos, ainda que na mesma instância”. Desse modo, no Direito Sancionador inexistirá bis

in idem se as sanções cumulativas não tiverem identidade cumulativa de autor, fato e

fundamento.

Os autores citados exemplificam apontando que a Lei n. 8.112/90 (Regime jurídico

dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais)

tutela a moralidade administrativa, punindo os servidores que incorrem em desvios de

conduta, ao passo que a Lei n. 8.443/92 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União –

TCU) busca preservar os cofres públicos, possibilitando, assim, a imposição de multas aos

agentes que dilapidam o erário. Portanto, cada uma dessas esferas administrativas “cuidaria de

impor sanções típicas de sua natureza, buscando resguardar sua finalidade precípua”.187

Mas, embora defenda a viabilidade jurídica da apontada concomitância de previsões

similares e idênticas, Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna criticam o fato da Lei

Anticorrupção em nada ter restringido a competência de normas anteriores que já regulavam

as mesmas condutas, tampouco buscado harmonizá-las entre si. Assim, verificam-se condutas

bem similares, às vezes até idênticas, repreendidas em leis distintas, identificando-se uma

“verdadeira superabundância de penas e procedimentos punitivos sobrepostos”, de modo que

“a profusão de normas sancionadoras nem sempre atinge o fim almejado de reprimir a prática

de ilícitos.”188

Assim sendo, esta realidade de competências sobrepostas a diversos agentes

institucionais é causadora de grave insegurança jurídica, “uma vez que os agentes privados

não sabem com razoável previsibilidade a qual ação do Estado estão sujeitos.” Os autores

acrescem ser a própria Lei Anticorrupção que, em seu art. 30, expressamente prevê que a

aplicação de suas sanções não afeta as de outros diplomas legais.189

186

SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,

desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 52. 187

Ibid. 188

Ibid., p. 47. 189

SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,

desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 48-49.

Eis o teor do apontado dispositivo legal: Art. 30. A aplicação das sanções previstas nesta Lei não afeta os

processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de: I - ato de improbidade

administrativa nos termos da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992; e II - atos ilícitos alcançados pela Lei

no 8.666, de 21 de junho de 1993, ou outras normas de licitações e contratos da administração pública,

inclusive no tocante ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC instituído pela Lei no 12.462,

de 4 de agosto de 2011. BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização

administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou

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Analisando as condutas puníveis na Lei Anticorrupção, Silvio Luís Ferreira da Rocha

esclarece que elas são praticadas pelos dirigentes, empregados e prepostos da empresa, mas o

responsável pelas sanções é a pessoa jurídica, em uma clara dissociação legal entre infrator e

responsável. Pela descrição das infrações na Lei nº 12.846/13, deve haver dolo do dirigente,

empregado ou preposto para que se consuma a infração administrativa e a consequente

responsabilização da pessoa jurídica. Todas as situações hipotéticas descritas no dispositivo,

pois, revelam a intenção preordenada do agente de lesar a moralidade, a igualdade e a

impessoalidade. Para o autor, todavia, a responsabilidade administrativa não pode ser

estendida a todo e qualquer ato praticado por terceiro, sendo premente a presença de vínculo

de presentação, representação ou de subordinação entre a pessoa jurídica e o infrator, sob

pena de violação dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da pessoalidade da

sanção.190

Por fim, o autor valoriza intensamente a presença de programas de integridade

corporativa ao aduzir que a responsabilização civil ou administrativa por atos praticados por

terceiros, sem que esteja presente a relação de presentação, representação ou subordinação,

somente poderia ocorrer, de maneira subsidiária, na hipótese da empresa não possuir

programa de compliance.191

E quanto à inexorabilidade de que os atos corruptivos empresariais estejam atrelados a

uma conduta corruptiva praticada por um agente público?

Modesto Carvalhosa apregoa que os atos lesivos tipificados na LAC

indispensavelmente exigem “o concurso simétrico dos agentes públicos, no sentido de que

não pode a pessoa jurídica enquanto sujeito ativo da conduta corruptiva, consumá-la sem o

concurso do outro sujeito ativo que é o agente público [...]”.192

Entende-se, contudo, que a posição mais consentânea com a realidade da vida é a de

Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna, para quem inexiste a necessidade dessa

relação simétrica de condutas.193

estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 190

ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Responsabilidade objetiva da pessoa jurídica na Lei n. 12.846, de 1º de

agosto de 2013. Revista Brasileira de Infraestrutura, Belo Horizonte, v. 4, n. 7, p. 131-142, jan./jun. 2015.

p. 140-141. 191

Ibid., p. 142. 192

CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: lei n.

12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 57. 193

Para estes autores: “Apenas para ilustrar nossa posição, apresentamos alguns exemplos de situações que

entendemos caracterizar hipóteses de conduta vedada pela LAC, independentemente da participação, da

convivência ou do conhecimento de agente público: a. Apresentação, no curso de processo licitatório, de

certidão falsa de quitação de débitos trabalhistas (art. 5º, IV, ‘d’, LAC). b. Criação por uma pessoa jurídica de

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Não é objetivo do presente trabalho analisar, à exaustão, os dispositivos da Lei

Anticorrupção, mas demonstrar como ela tem por desiderato valorizar a implantação dos

mecanismos de compliance pelas empresas. Segundo Egon Bockman Moreira e Andreia

Cristina Bagatin,

[...] a Lei nº 12.846/2013 inverte a lógica tradicional do combate à corrupção, que

antes pretendia basicamente imputar consequências gravosas, a posteriori, aos

agentes corruptos pessoas físicas — deixando-se de lado as pessoas jurídicas que

serviam como instrumento de geração e distribuição dos benefícios indevidos (salvo

raras exceções, muitas deles dependentes da prova da culpa grave ou dolo). Ao

contrário dessa concepção tradicional, que correlaciona atos ilícitos a castigos contra

pessoas físicas, a Lei Anticorrupção instalou um sistema de incentivos econômicos

para que as pessoas jurídicas efetivamente incorporem mecanismos de compliance.

A lógica é preventiva/acautelatória, uma vez que é de todo viável a adoção de boas

práticas, as quais, senão impeçam, ao menos atenuem os atos de corrupção. Caso tais

boas práticas sejam efetivamente implementadas — dentre elas, o acordo de

leniência (ou ao menos a certeza da alta probabilidade de que ele seja celebrado) —

e controladas por meio de protocolos-padrão, estará criado o ambiente proativo de

real combate à corrupção do lado de dentro das sociedades empresariais.194

Para os autores acima citados, a Lei Anticorrupção não visa a propriamente punir, mas

a instalar estímulos para que as pessoas jurídicas não se dediquem ao cometimento de ilícitos.

Com esteio na função social, a Lei Anticorrupção busca, em primeiro lugar, que as pessoas

jurídicas compreendam e internalizem tais incentivos, instituindo como regra interna a

vedação a atos que possam lesar o patrimônio e a moralidade pública. Em decorrência, caso

não haja essa conscientização aliada com práticas consentâneas à ética dos negócios, estarão,

as empresas, cientes de que poderão ser responsabilizadas de modo objetivo, com severas

penas econômicas (podendo a sanção mais gravosa culminar, inclusive, na sua extinção: a

“pena capital” aplicada a pessoas jurídicas).

Com relação à responsabilidade administrativa das pessoas jurídicas, cabe referir que

se admite, cumulativamente ou não, as seguintes sanções: a aplicação de multa, no valor de

0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último

exercício anterior ao da instauração do processo administrativo e a publicação extraordinária

da decisão condenatória (art. 6º).

“empresa de fachada” para participar de processo licitatório apenas para respaldar a ocorrência do certame

(art. 5º, IV, ‘e’, LAC). c. Oferecimento de valores indevidos a um agente público, que recusa a oferta e

reporta a ocorrência às autoridades competentes (art. 5º, I, LAC). Nos casos descritos, não se esperaria do

proponente do acordo de leniência informações a respeito de outras pessoas jurídicas ou agentes públicos

envolvidos na infração.” SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei

anticorrupção: histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 116-117. 194

MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina. Lei anticorrupção e quatro de seus principais

temas: responsabilidade objetiva, desconsideração societária, acordos de leniência e regulamentos

administrativos. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 55-84,

jul./set. 2014. p. 55-56.

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Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Rafael Véras de Freitas aduzem que os valores

das multas são vultosos, motivo pelo qual a autoridade julgadora deverá subministrá-los com

parcimônia, sob pena de violar o princípio da liberdade de iniciativa (art. 1º, inc. IV e 170,

caput, da CF/88) e da função social da empresa (art. 116 da Lei n. 6.404/76). A sanção

administrativa possui natureza instrumental, não se constituindo em um fim em si, mas sendo

um dos diversos meios hábeis a viabilizar a prossecução do interesse público tutelado, em

sintonia com o princípio da proporcionalidade. Assim, ela jamais deverá ter fins meramente

arrecadatórios.195

Por fim, ainda com relação à aplicação das sanções administrativas, insta mencionar

que o processo administrativo de responsabilização (PAR) idôneo para a sua aplicação deverá

ser instaurado pela autoridade máxima da Administração e ser conduzido por comissão

composta por dois ou mais servidores estáveis, admitindo-se a desconsideração da

personalidade jurídica quando configurado abuso de poder, observados o contraditório e a

ampla defesa.196

Ainda no concernente à Lei Anticorrupção, pertinente mencionar que em seu último

capítulo (VII), referente às Disposições Finais, foi implantado o Cadastro Nacional de

Empresas Punidas – CNEP, no âmbito do Poder Executivo federal, responsável por reunir e

dar publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo,

Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo, os quais deverão informar e manter

atualizados, no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas - CEIS, os dados

relativos às sanções por eles aplicadas, nos termos do disposto nos artigos 87 e 88 da Lei nº

8.666, de 21 de junho de 1993.

195

Aliás, a esse respeito, o art. 7º prevê os parâmetros que deverão ser considerados pela Administração Pública

na aplicação das sanções: “Art. 7o Serão levados em consideração na aplicação das sanções: I - a gravidade

da infração; II - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; III - a consumação ou não da infração; IV -

o grau de lesão ou perigo de lesão; V - o efeito negativo produzido pela infração; VI - a situação econômica

do infrator; VII - a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; VIII - a existência de

mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a

aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; IX - o valor dos contratos

mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados; e X - (VETADO). Parágrafo único.

Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão

estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal.” BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de

2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra

a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. Como

se vê, o inciso VIII enuncia que a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade,

auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no

âmbito da pessoa jurídica serão levadas em consideração no momento da aplicação das sanções. Já o

parágrafo único estatui que os parâmetros de avaliação destes mecanismos e procedimentos serão

estabelecidos por regulamento do Poder Executivo Federal, o qual será apreciado no próximo item, quando

será enfocado o tema do compliance. 196

Arts. 8º, 10 e 14 da Lei Anticorrupção.

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Segundo Patrícia Toledo de Campos, verifica-se que qualquer punição conferida à

pessoa jurídica ensejará a inscrição de sua razão social no Cadastro Nacional de Empresas

Punidas, resultando evidente que este procedimento visa a desestimular a prática de atos

ilícitos contra a Administração Pública, uma vez que será divulgada a imagem da empresa

como corrupta, uma espécie de classificação de “empresa ficha suja” que redunda em genuína

propaganda negativa.197

Tal rotulação pode ser especialmente gravosa para aquelas empresas

que possuem ações na Bolsa de Valores quando a presença no referido Cadastro redundar na

redução do preço de suas ações.

Patrícia Toledo de Campos ainda sugere que o Cadastro Nacional de Empresas

Punidas não deveria apenas reunir e dar publicidade às sanções aplicadas às empresas que

tenham praticado condutas ilícitas em desfavor da Administração, mas também servir como

banco de dados de análise obrigatória para futuras contratações do Poder Público, de modo

que as pessoas jurídicas que o integrassem fossem impedidas de pactuar com a Administração

Pública nos âmbitos federal, estadual ou municipal.198

Depois do prazo previamente estabelecido no ato sancionador ou do cumprimento

integral do acordo de leniência e da reparação do eventual dano causado, os registros das

sanções e dos acordos de leniência serão excluídos do CNEP.199

Importante registrar, ainda, que, nos termos da Lei Anticorrupção, a responsabilidade

administrativa não afasta a responsabilidade civil pelos atos lesivos à Administração,

considerada a independência das instâncias (art. 18 da Lei n. 12.846/2013), sendo que esta

última é buscada por meio do devido processo legal judicial.

Segundo o art. 21 da Lei em análise, na ação de responsabilização judicial será

adotado o rito previsto na Lei n. 7.347/85, que disciplina o procedimento da Ação Civil

Pública, de modo que a sua natureza, portanto, é a de ação coletiva, somando-se a outros

instrumentos previamente existentes em nosso cenário jurídico (v.g. ação popular, ação civil

pública e ação de improbidade administrativa) na defesa do patrimônio público.

A legitimidade ativa e as sanções cabíveis vêm regulamentadas pelo art. 19 da Lei

Anticorrupção.200

Segundo Rafael Carvalho Rezende Oliveira e Daniel Amorim Assumpção

197

CAMPOS, Patrícia Toledo de. Comentários à Lei nº 12.846/2013 – Lei anticorrupção. Revista Digital de

Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 160-185, 2015. p. 181-182. Disponível em:

<http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/80943>. Acesso em: 1º out. 2015. 198

Ibid. 199

Art. 22, §§ 3º e 4º, da Lei n. 12.846/13. 200

Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5o desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou

equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às

pessoas jurídicas infratoras:

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Neves, embora a omissão legal, é pacífico que também possam ser cumulados os pedidos de

anulação do ato ilícito e de condenação por perdas e danos:

Na realidade, o art. 21, parágrafo único, da Lei ora analisada dá a entender que a

condenação por perdas e danos é um pedido implícito dessa ação ao prever que a

condenação torna certa a obrigação de reparar, integralmente, o dano causado pelo

ilícito, cujo valor será apurado em posterior liquidação, se não constar

expressamente da sentença.201

Por fim, feliz a observação dos autores de que não parece compatível com o princípio

da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF/88) exigir que o processo

administrativo (PAR) seja condição para o exercício da ação judicial, de modo que, se por

qualquer razão, a pessoa jurídica de direito público optar por ingressar diretamente com esta

última, poderá, nela própria, postular a aplicação das sanções administrativas previstas no art.

6º (multa e publicação de sentença).202

De outro lado, segundo Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna, da mesma

discricionariedade desfruta o Ministério Público, o qual poderá cumular, aos pedidos da ação

judicial, a aplicação das sanções administrativas previstas na Lei Anticorrupção, mas “desde

que demonstrada a omissão por parte da autoridade competente para promovê-las”.203

Por derradeiro, o último instrumento relevante da LAC que reclama ponderações é o

acordo de leniência. Mas este, por constituir um dos objetos centrais do presente trabalho, será

apreciado com maior profundidade no capítulo final.

I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente

obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;

II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades;

III - dissolução compulsória da pessoa jurídica;

IV - proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades

públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1

(um) e máximo de 5 (cinco) anos.

§ 1o A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado:

I - ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos

ilícitos; ou

II - ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos

praticados. BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização

administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou

estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 201

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende de; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. O sistema brasileiro de

combate à corrupção e a Lei n. 12.846/2013 (Lei Anticorrupção). Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v.17,

n. 65, p. 193-206, maio/ago. 2014. p. 201-202. 202

Ibid., p. 202. 203

SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,

desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 36.

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3.3 Elementos Centrais em um Programa de Compliance

Conforme explanado no item 3.1.2, o controle anticorrupção e a atuação de

compliance foram imensamente fortalecidos, no Brasil, com a sanção, em 2013, da Lei n.º

12.846, conhecida como Lei Anticorrupção, a qual fortaleceu a tendência nacional a adotar

um modelo de direito interventivo no combate à corrupção. Dentre os benefícios em eleger

esta via, destacam-se a previsão de sanções desestimuladoras de natureza econômica e o

fomento à prevenção por meio dos programas de compliance, cujos elementos centrais

compõe o objeto de exposição do presente tópico.

A primeira norma internacional que tratou do compliance foi ao âmbito da soft

law204

: a ISO 19600:2014. Segundo seu texto, compliance é o resultado de uma organização

cumprir suas obrigações, tornando-se sustentável pela incorporação na cultura da organização

e na atitude das pessoas que trabalham nela. Compliance, então, define-se como o

204

Segundo Matusalém Gonçalves Pimenta, “pode-se conceituar soft law, no âmbito do direito internacional,

como espécie de norma, entre as muitas exaradas pelas entidades internacionais, quer na esfera das

organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e suas Agências, quer na de

organizações regulatórias, tal qual a Câmara Internacional do Comércio (CIC). Diferencia-se a soft law de

outras normas pelo seu caráter de flexibilidade e dependência de governança. (...) Para a doutrina clássica, o

termo soft law é posto em paralelo com a expressão hard law. Esta, para identificar as normas cogentes

(tratados e costumes internacionais) e aquele, para indicar a espécie de norma flexível e, nessa visão, não

obrigatória.” O autor citado defende que as mudanças que se operam no direito internacional não permitem

mais que haja uma grande diferenciação entre soft e hard law. Na sua dicção: “Não se pode mais negar que

os efeitos da soft law estão traduzidos em um corte horizontal, nas relações multilaterais, que atinge

inexoravelmente o direito internacional público e o privado. Como negar as diferenças provocadas pela

Declaração Universal dos Direitos do Homem (Assembleia Geral da ONU em 1948) e as mudanças nas

atividades dos países pela Agenda 21 (Eco-92)? Como não reconhecer, no meio internacional privado, a

validade e a obrigatoriedade do uso dos padrões adotados pela International Organization for Standardization

(ISO)? Destarte, a soft law não é tratado internacional, na concepção posta pela Convenção de Viena, e

tampouco se harmoniza ao conceito de costume. Mas, por outro lado, o novo desenho feito pela comunidade

internacional para as relações entre Estados e sociedades transnacionais não mais permite que tais normas

sejam enquadradas como de menor importância ou que delas não se espere obediência.”

https://jus.com.br/artigos/64141/uma-visao-contemporanea-da-soft-law Acesso em 10 abr 2018. Liziane

Paixão Silva Oliveira e Márcia Rodrigues Bertoldi aduzem que o início do debate doutrinário acerca do soft

law ocorre entre os anos 70 e início dos anos 80 do século passado. Para as autoras: “Pode-se dizer que o soft

law começa a se destacar com o surgimento das organizações multilaterais, tanto as de natureza pública

quanto privada. Embora existissem antes, foi no início do século XX que tais organizações começaram a

aparecer com mais frequência no cenário internacional. Depois da segunda guerra mundial, com o

estabelecimento da ONU e das instituições criadas a partir de Breton Woods (FMI, Banco Mundial e o

GATT, atual OMC), é que esta fonte do Direito Internacional se expande e passa a ter grande influência nas

relações internacionais. Em outros termos, a partir da proliferação de instrumentos declaratórios e não

vinculantes se verifica uma alteração no modo de produção do direito internacional que passa a ser composto

tanto por hard law quanto por soft law. Cabe destacar que nos últimos 30 anos se constatou uma

intensificação na utilização de instrumentos soft.” OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva; BERTOLDI, Márcia

Rodrigues. A importância do Soft Law na evolução do direito internacional. Revista do Instituto do Direito

Brasileiro, São Paulo, v. 1, n. 10, p. 6265-6289, 2012. Disponível em:

<http://cidp.pt/publicacoes/revistas/ridb/2012/10/2012_10_6265_6289.pdf >. Acesso em: 10 abr. 2018.

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99

cumprimento de todas as obrigações de uma organização. De outro lado, o noncompliance é

verificado pelo não preenchimento de uma obrigação de compliance.205

Consoante documento publicado pelo Grupo de Trabalho da Federação Brasileira de

Bancos (FEBRABAN), a missão do compliance é:

Assegurar, em conjunto com as demais áreas, a adequação, fortalecimento e o

funcionamento do Sistema de Controles Internos da Instituição, procurando mitigar

os Riscos de acordo com a complexidade de seus negócios, bem como disseminar a

cultura de controles para assegurar o cumprimento de leis e regulamentos

existentes.206

Para Marcia Carla Pereira Ribeiro e Patrícia Dittrich Ferreira Diniz, não se pode

confundir o compliance com o mero cumprimento de regras formais e informais. Seu alcance

é bem mais amplo, compreendendo um conjunto de regras, padrões, procedimentos éticos e

legais que orientarão o comportamento da instituição no mercado em que atua, bem como a

atitude dos seus funcionários, controlando riscos legais ou regulatórios e de reputação.

Essa função deve ser exercida por um Compliance Officer, entendido como o

encarregado pela implementação e conferência do cumprimento deste código de condutas, o

qual deve ser independente e ter acesso direto ao Conselho de Administração. Ele será o

agente responsável pela consolidação de um novo comportamento por parte da empresa, a

qual deve buscar lucratividade de forma sustentável, focando no desenvolvimento econômico

e socioambiental na condução dos seus negócios. Além disso, o Compliance Officer terá o

205

Compliance is an outcome of an organization meeting its obligations, and is made sustainable by embedding

it in the culture of the organization and in the behaviour and atitude of people working for it. [...] An effective

organization-wide compliance management system enables an organization to demonstrate its commitment to

compliance with relevant laws, including legislative requirements, industry codes and organizational

standards, as well as standards of good corporate governance, best practices, ethics and community

expectations. SWITZERLAND. International Organization for Standardization. ISO 19600. Compliance

management systems: - guidelines. Systèmes de management de la conformité – Lignes Directrices, itens

3.17 e 3.18. [S.l]: ISO, 2014. Disponível em: <https://www.iso.org/obp/ui/#iso:std:iso:19600:ed-1:v1:en>.

Acesso em: 30 set. 2015. 206

FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS (FEBRABAN). Documento Consultivo: função de

Compliance. 2004. p. 9. Disponível em:

<http://www.febraban.org.br/7Rof7SWg6qmyvwJcFwF7I0aSDf9jyV/sitefebraban/Funcao_de_Compliance.p

df>. Acesso em: 30 set. 2015. Conforme Carla Veríssimo de Carli, “O compliance se diferencia de acordo

com o ramo do direito ou problema específico ao qual se relaciona. O compliance criminal é aquele voltado à

prevenção de crimes – surgiu, basicamente, no ambiente regulado quanto à prevenção da lavagem de

dinheiro, e alcança um protagonismo crescente no campo das medidas de prevenção à corrupção. Entretanto,

manifesta-se em diferentes contextos: está relacionado à prevenção dos sempre crescentes riscos na sociedade

de riscos; é expressão da governança regulatória dos Estados no capitalismo regulatório, assim como um dos

pilares da governança corporativa empresarial; e, finalmente, uma estratégia estatal no controle da

criminalidade empresarial.” DE CARLI, Carla Veríssimo. Anticorrupção e Compliance: a incapacidade da

Lei 12.846/13 para motivar as empresas brasileiras à adoção de programas e medidas de Compliance. 2016.

342 f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de

Pós-Graduação em Direito, Porto Alegre, BR-RS, 2016. f. 277. Disponível em:

<http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149239 >. Acesso em: 11 set. 2017.

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100

papel de aconselhar todas as linhas de negócios e áreas de suporte da instituição, no que diz

respeito à regulação local e às políticas corporativas aplicáveis à indústria em que atua a

organização.207

Célia Lima Negrão e Juliana de Fátima Pontelo afirmam que o diretor de compliance

deve ter visão holística da organização, conhecer toda a legislação pertinente, além de olhar

estratégico e atuar nos moldes da governança corporativa. Ainda, é producente possuir algum

conhecimento na área de auditoria, na condição de profissional comprometido e eficaz na

prevenção e correção de qualquer desvio, seja este de conduta ou meramente formal.208

Além disso, como o leque de diplomas legais nacionais e internacionais que devem

ser consultados é muito amplo, para a avaliação dos riscos legais, será necessário também

contar com profissionais de formação jurídica, os quais auxiliarão na elaboração de seu

programa de compliance.

Andrew Newton referencia que a função de compliance não é trabalho para

amadores (“the compliance role is not a job for amateurs”), apontando os atributos

necessários à sua atuação, dentre os quais: conhecimento da regulação; liderança e iniciativa;

conhecimento dos negócios da empresa; domínio dos métodos e procedimentos previstos no

programa; habilidade em estabelecer boa relação com os demais colaboradores, inclusive

autoridade públicas; atuação preventiva, etc.209

Segundo Marcia Carla Pereira Ribeiro e Patrícia Dittrich Ferreira Diniz, para a

implantação de uma política de compliance, a empresa deverá partir de um programa com

base na sua realidade, cultura, atividade, campo de atuação e local de operação, o qual deverá

ser implementado em todas as entidades que a organização participa, controla ou investe. Este

programa deverá englobar o

[...] estabelecimento de políticas, a elaboração de um Código de Ética, a criação de

comitê específico, o treinamento constante e a disseminação da cultura, o

monitoramento de risco de Compliance, a revisão periódica, incentivos, bem como a

criação de canal confidencial para recebimento de denúncias, com a consequente

investigação e imposição de penalidades em razão de eventual descumprimento da

conduta desejada. Com a implantação da política de Compliance, a empresa tende a:

orientar todas as suas ações para os objetivos definidos; utilizar os recursos de forma

mais eficiente, visto que as decisões passam a ser mais econômicas, pois uniformes

para casos similares; “proteção contra as pressões das emergências”; ter

uniformidade e coerência em todos os seus atos e decisões, colaborando com a

207

RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; DINIZ, Patrícia Dittrich Ferreira. Compliance e lei anticorrupção nas

empresas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, v. 52, n. 205, p. 87-105, jan./mar. 2015. p. 88. 208

NEGRÃO, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a

importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac-DF, 2014. p. 27. 209

NEWTON, Andrew. The handbook of compliance: making ethics work in financial services. London: Mind

into Matter, 2007.

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101

transparência dos processos; facilitar a adaptação de novos empregados à cultura

organizacional; disponibilizar aos gestores mais tempo para repensar políticas e

atuar em questões estratégicas; aumentar e aperfeiçoar o conhecimento da

organização por todos os seus atores.210

Para as autoras acima citadas, a implantação de um sistema de compliance impõe, à

empresa, que se prepare financeiramente para tanto. Ela deverá contratar especialistas no

assunto, organizar uma área específica para a execução do programa, investir em treinamento

permanente para os seus empregados em todas as unidades, apresentar a política de

conformidade aos stakeholders, elaborar um Código de Ética que estabeleça procedimentos e

as devidas punições, melhorar os seus mecanismos de controles de risco internos e externos,

investir em Tecnologia de Informação, além de diversos outros aportes que variarão de acordo

com as peculiaridades de cada empresa.

Mas, de outro lado, esses investimentos trazem valiosos retornos. Como o compliance

organiza documentação e procedimentos, gerenciando de forma adequada os riscos e

exaltando a transparência, ele abre um portal para que a empresa possa iniciar sua certificação

perante as normas ISO, adapte-se à Lei Sarbanes-Oxley (aplicada às empresas com ações ou

recibos de ações negociadas na bolsa de valores de Nova York) e concorra para a seleção dos

Índices Dow Jones e de Sustentabilidade Empresarial utilizado pela Bovespa.211

Conforme Marcelo de Aguiar Coimbra e Vanessa Alessi Manzi, talvez o maior risco

externo que o compliance pretende minorar é a quebra da reputação, pois a sua perda provoca

“publicidade negativa, perda de rendimento, litígios caros, redução da base de clientes e, nos

casos mais extremos, até a falência”.212

Segundo esses autores, Arnold Shilder, após realizar um estudo acerca do valor

comercial do compliance, concluiu que cada US$ 1,00 gasto com a implantação equivale a

uma economia de US$ 5,00, “referente a custos com processos legais, danos de reputação e

perda de produtividade. Fazendo uso das palavras de Newton, se você pensa que compliance é

caro (representa custo), tente não estar em compliance”.213

Ademais, a implantação da política

de compliance alavanca a vantagem competitiva em uma sociedade cada vez mais repleta de

consumidores críticos que não mais apenas se conformam em adquirir produtos e serviços,

mas valores e comportamentos sustentáveis.

210

RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; DINIZ, Patrícia Dittrich Ferreira. Compliance e lei anticorrupção nas

empresas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, v. 52, n. 205, p. 87-105, jan./mar. 2015. p. 89-

90. 211

Ibid., p. 93-94. 212

COIMBRA, Marcelo de Aguiar; MANZI, Vanessa Alessi (Coord.). Manual de Compliance: preservando a

boa governança e a integridade das organizações. São Paulo: Atlas, 2010. p. 2 e 5. 213

Ibid.

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Como se não bastassem tais razões, merece destaque a própria percepção dos governos

de que a reputação que se pretende resguardar não é somente a da empresa, mas também, em

uma visão macro, a do próprio país, daí o advento de estruturas de incentivo ao compliance:

Lei Sarbanes-Oxley, Índice Dow Jones, estrutura criada pela UK Bribery Act e, no Brasil, o

Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa e a Lei de Anticorrupção Empresarial, de

molde a fomentar uma política pública comum ao empresariado, em prol de toda a nação.

Afinal, o Brasil, entre 175 países avaliados, consta na 72ª posição do Índice de Percepção da

Corrupção Mundial no ano de 2013, elaborado pela sociedade civil Transparência

Internacional.214

Marcio de Aguiar Ribeiro esclarece que, embora o compliance tenha tido origem e

elevado desenvolvimento no âmbito das instituições financeiras, ele não se restringe a este

setor, estando hoje vinculado às mais diversas áreas da economia que se encontrem sujeitas à

supervisão de alguma autoridade ou órgão regulador de controle, a exemplo do compliance

ambiental, compliance trabalhista, compliance tributário e, finalmente, compliance

anticorrupção.

O autor acima referido explica que os “riscos de compliance” representam a somatória

de riscos de reputação e de sanção a que estão sujeitas as empresas em face de falhas no

cumprimento de leis, regulamentos e boas práticas empresariais, dividindo-se em risco de

imagem (publicidade negativa à reputação da empresa) e risco de sanção ou risco regulatório

(possibilidade de cominação de sanções de cunho patrimonial). Nesse sentido, a Lei

Anticorrupção incorporou de modo apropriado ambos os modelos teóricos de riscos de

compliance: a publicação extraordinária da decisão condenatória sintetiza risco reputacional,

enquanto que a pesada multa a ser calculada sobre o faturamento bruto revela significativo

risco sancionatório.215

Conforme Marcia Carla Pereira Ribeiro e Patrícia Dittrich Ferreira Diniz, as estruturas

de incentivo legais, em especial a da Lei Anticorrupção Empresarial, tem o condão de

disseminar nas empresas os conceitos de transparência e ética, ambos fundamentais para a

prevenção de condutas inadequadas e para o desenvolvimento e a perenidade das empresas no

mercado. Ademais, o tratamento diferenciado para empresas que investem em programas de

214

TRANSPARENCY INTERNATIONAL (IT). Corruption perceptions index 2013. Disponível em:

<http://www.transparency.org/cpi2013/results/.>. Acesso em: 30 set. 2015. 215

RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei

anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 202-204.

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integridade corporativa minimiza desvantagens competitivas e reduz distorções de mercado

que beneficiariam aquelas que nada fazem para evitar práticas ilícitas.216

Além da Lei Anticorrupção e de seu decreto regulamentador, outras estruturas legais

que devem ser consultadas para a avaliação dos riscos são as convenções internacionais sobre

a matéria (no Brasil, as convenções da OEA, da ONU e da OCDE217

); a Lei 8.666/93, que

institui normas para as licitações e contratos com a Administração Pública; a Lei 8.429/92,

que cuida da improbidade administrativa, além dos normativos da Corregedoria-Geral da

União218

e dos Estados e Municípios de atuação da pessoa jurídica. Por fim, se a empresa

atuar no mercado americano ou inglês (e em grande parte do continente europeu), incidem,

também, de modo extraterritorial, as normas do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) e do

Bribery Act. No próximo item, analisar-se-ão as disposições nacionais desse rol que,

precipuamente, se relacionam com o controle anticorrupção empresarial.

3.3.1 Atos Normativos de Regulamentação de Política de Compliance

Após mais de 18 (dezoito) meses de espera, em 18 de março de 2015 foi publicado o

Decreto nº. 8.420, visando regulamentar a Lei Anticorrupção. A publicação deste Decreto

revela-se de crucial relevância porque, baseado nas principais referências internacionais

existentes sobre o tema, ele reúne os parâmetros centrais de avaliação do plano de integridade

corporativa – a exigência de que as empresas pautem sua atuação em conformidade com o

compliance constitui um dos centrais aspectos da recente política de repressão à corrupção.

O normativo conceitua programas de integridade em seu art. 41:

216

RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; DINIZ, Patrícia Dittrich Ferreira. Compliance e lei anticorrupção nas

empresas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, v. 52, n. 205, p. 87-105, jan./mar. 2015. p. 100. 217

A Convenção Interamericana contra a Corrupção, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e a

Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais

Internacionais. 218

As Instruções Normativas da CGU 1/2015 e 2/2015, as Portarias CGU 909/2015 e 910/2015, e a Portaria

Conjunta 2.279/2015 são os principais atos (todas as quatro normas foram publicadas em 7 de abril de 2015).

Em 16 de dezembro de 2016, foi publicada a Portaria Interministerial 2.278, a qual definiu os procedimentos

para celebração do acordo de leniência no âmbito da CGU. Referido ato revogou os dispositivos específicos

da Portaria 910/2015 (art.s 27 a 37), que regulavam a negociação do acordo de leniência. Além disso, a CGU

editou normas para regulamentar a LAC e definir parâmetros para a avaliação dos programas de integridade,

na hipótese da empresa apresentar em sua defesa informações e documentos referentes à existência e eficácia

do compliance. No documento “Programa de Integridade - Diretrizes para Empresas Privadas” a CGU

estabelece o Programa de Integridade como um programa de compliance específico para a prevenção,

detecção e remediação de atos lesivos previstos na lei 12.846/2013, que tem como foco, além da ocorrência

de suborno, também fraudes nos processos de licitações e execução de contratos com o setor público”

BRASIL. Controladoria Geral da União. Programa de integridade: diretrizes para empresas privadas.

Brasília, DF, 2015. p. 6. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-

eintegridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizes-para-empresas-privadas.pdf>. Acesso em: 12 jul.

2017.

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104

Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no

âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos

internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na

aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo

de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a

administração pública, nacional ou estrangeira.

Parágrafo Único. O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e

atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada

pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e

adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.219

Já em seu art. 42, o Decreto disciplinou quais são os parâmetros para fins de aplicação

do inciso VIII do art. 7º da Lei de Anticorrupção. Assim, na aplicação das sanções, será

levada em consideração a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade

por ela enumerados. O dispositivo elenca um rol de dezesseis elementos essenciais que

deverão ser objeto de avaliação no concernente à adequação e conformidade dos programas

de integridade das empresas, máxime quando em análise a dosimetria da penalidade de multa

para fins de aplicação do percentual de redução previsto no art. 18, inc. V do citado decreto.

Analisar-se-ão doravante os principais.

O ponto central é o estabelecimento de padrões de conduta, código de ética, políticas e

procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores,

independentemente de cargo ou função exercidos e, quando necessário, a terceiros, tais como,

fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados.220

Segundo Márcio

de Aguiar Ribeiro, quanto à possibilidade de extensão do código de ética a terceiros, o

Regulamento Federal revela um grande avanço, demonstrando que a legislação brasileira se

encontra afinada com os mais vanguardistas patamares de integridade corporativa esposados

nos principais diplomas internacionais.

Trata-se da aplicação do denominado due dligence anticorrupção também com relação

a terceiros. Afinal, é possível que o ato lesivo seja cometido não diretamente pela empresa,

mas por meio de parceiros comerciais, valendo mencionar que a própria Lei Anticorrupção

prevê a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica em face de condutas cometidas

em conluio com a atuação de terceiros e pessoas associadas, a exemplo do inciso III do art.

5º.221

219

BRASIL. Decreto n. 8.420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846, de 1º de agosto de 2013,

que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a

administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Brasília, DF, 2015. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 220

Arts. 8º, 10 e 14 da LAC. 221

RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei

anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 208-209.

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105

Por essa razão, cabe à empresa tomar as precauções devidas, empenhando-se em

conhecer bem os terceiros qualificados como seus parceiros negociais e mensurando todos os

riscos envolvidos a partir de aspectos relevantes, a exemplo do histórico de envolvimento do

terceiro em casos de corrupção; forma de relacionamento com órgãos públicos; capacidade

técnica e experiência no objeto contratado. Por fim, o mais importante: municiar os contratos

civis e mercantis, pactuados com os seus colaboradores e parceiros comerciais, com a

previsão de cláusulas punitivas e resolutivas para o caso de descumprimento de normas

anticorrupção ou previstas no seu programa de integridade corporativa.222

Um código de ética possibilita que todos de dentro e fora da organização conheçam os

padrões de comportamento ético definidos pela alta gerência. Daí porque, alerta José Renato

Nalini, se revela fundamental que ele derive de uma participação ativa de representantes de

todos os setores da empresa, mediante comitês integrados que devem se encarregar das

discussões prévias, da colheita de opiniões e da consulta aos demais exemplares já aprovados

em outras organizações, de tal forma que o código usufruirá de maior legitimidade e, por

conseguinte, poder de eficácia.223

Consoante a Controladora Geral da União224

, estas são algumas das previsões

sintonizadas com uma política anticorrupção na empresa: a) regras e orientações voltadas a

questões regulatórias, obtenção de licenças, autorizações ou permissões; b) procedimento de

realização de reuniões com servidores ou empregados públicos (controle da agenda de

reuniões com agentes públicos); c) proibição clara e irrestrita de atos de corrupção; d)

proibição clara e irrestrita de atos de corrupção transnacional; e) regras e orientações sobre a

atuação de diretores, funcionários e colaboradores que tenham parentesco com agentes

públicos com poder decisório no âmbito de negócios e operações com órgãos e entidades do

governo; f) regras e orientações sobre a contratação (permanente ou eventual) de atuais e ex-

servidores ou empregados públicos; g) regras e orientações sobre o oferecimento de presentes,

brindes, refeições, entretenimento, viagem, hospedagem e quaisquer outros benefícios ou

vantagens, econômicas ou não, a servidores ou empregados públicos; controle de presentes,

brindes e hospitalidade oferecidos; i) regras e orientações voltadas à participação em

procedimentos licitatórios e acompanhamento de contratos administrativos; medidas de

222

RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei

anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 222. 223

NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 423. 224

BRASIL. Controladoria-Geral da União. Programa Empresa Pró Ética 2016: questionário de avaliação.

Brasília, DF, 2016. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-

integridade/setorprivado/empresa-pro-etica/arquivos/documentos-e-manuais/questionario-de-avaliacao-

2016.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2017.

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106

controle voltadas a prevenir fraudes e ilícitos, forma de aplicação e de controle de

conformidade destas medidas.

Além disso, com muito acerto, o Decreto Federal em análise prescreve o

comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo

apoio visível e inequívoco ao programa de integridade e ao código de ética.225

O Regulamento também menciona a existência de treinamentos periódicos sobre o

programa de integridade; registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as

transações da pessoa jurídica e procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no

âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer

interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal como pagamento de

tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e

certidões.

É mesmo curial que um apropriado mapeamento de riscos deva estar conectado com o

treinamento específico de funcionários que atuem mais próximos à condução dos negócios,

em especial aqueles sensivelmente sujeitos a maiores riscos, como os da seara de licitações,

contratos administrativos e todas as demais áreas sujeitas à prática de atos corruptivos.

Carla Veríssimo de Carli226

aponta que a Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE) elaborou um guia para empresas multinacionais

contendo recomendações dos governos às empresas estabelecidas em mais de um país. As

“Guidelines” destinam-se a promover a conduta empresarial responsável em um contexto

internacional. O guia registra que a primeira obrigação das empresas é obedecer às leis

domésticas dos países onde operam. Para tanto, umas das políticas gerais é justamente a de

que as multinacionais devem promover a consciência e o compliance por parte de seus

empregados mediante a adoção de programas de treinamento. A devida diligência com base

no risco (risk-based diligence) também deve ser fomentada incorporando-se na empresa

sistemas de administração de risco, para identificar, prevenir e mitigar impactos adversos

presentes e futuros.227

225

Conforme José Renato Nalini: “É essencial que a mais alta hierarquia da empresa não só explicite apoio a

esse código, como demonstre, de forma nítida, atuar de acordo com o seu conteúdo. Nada mais nefasto do

que distanciar a prática do discurso. Na linha do ‘faça o que eu digo, não faça o que eu faço’.” NALINI, José

Renato. Ética geral e profissional. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 423. 226

DE CARLI, Carla Veríssimo. Anticorrupção e Compliance: a incapacidade da Lei 12.846/13 para motivar

as empresas brasileiras à adoção de programas e medidas de Compliance. 2016. 342 f. Tese (Doutorado) -

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito,

Porto Alegre, BR-RS, 2016. f. 219. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149239>.

Acesso em: 11 set. 2017. 227

As recomendações do guia da OCDE se dirigem tanto às empresas privadas quanto às estatais. Por se tratarem

de soft law, não possuem efeito jurídico vinculante. Contudo, José Ruiz aponta motivos vantajosos para a sua

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107

Ainda, a implantação desses sistemas deve ser permanente, e não apenas realizada

mediante auditorias episódicas.228

Outro parâmetro relevante é a exigência de independência da instância interna

responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento.

Este elemento está estritamente relacionado ao nível de comprometimento da alta

administração com os objetivos da governança corporativa, conferindo o amparo necessário à

concretização da gestão de um programa de integridade.

Aconselhável, nesse quesito, que seja conferido um nível hierárquico superior ao

profissional responsável pelo gerenciamento de compliance, requisito imprescindível para que

a aplicação dos procedimentos e mecanismos de integridade não possa ser afastada, por

exemplo, por administradores ou conselheiros ligados à área executiva ou comercial,

mediante ações de constrangimento e assédio moral aos agentes de integridade. Nesse sentido,

o Guia de Boas Práticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE) recomenda que o programa de integridade deva estar sob a supervisão de um ou mais

altos executivos da corporação.

adoção: “numerosas razões sociológicas, políticas e jurídicas explicam seu surgimento, consolidação e

desenvolvimento crescente; a saber, o impacto dos métodos normativos empregados pelos organismos

internacionais, as divergências de interesses entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento (o que

leva ambos a refutar regras muito rigorosas ou rígidas) e a incessante e rápida evolução da situação

impulsionada pelo constante desenvolvimento da ciência e da tecnologia (que aconselha a adoção de normas

flexíveis, suscetíveis de acomodar-se às mudanças na medida em que vão se produzindo)”. RUIZ, José.

Derecho internacional del medio ambiente. Madrid: MacGraw-Hill, 1999. 228

Segundo documento publicado pelo Grupo de Trabalho da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN),

compliance e auditoria interna assim se distinguem: “Conforme publicado pelo ‘The Institute Of Internal

Auditors’ dos EUA, a Auditoria Interna é uma atividade independente, de avaliação objetiva e de consultoria,

destinada a acrescentar valor e melhorar as operações de uma organização. A Auditoria Interna assiste a

organização na consecução dos seus objetivos, através de uma abordagem sistemática e disciplinada, na

avaliação da eficácia da gestão de risco, do controle e dos processos de governança. Contudo, para executar

seu trabalho é preciso que o profissional da Auditoria Interna esteja inteirado sobre as atividades

desenvolvidas pelo ‘Compliance’, com o estabelecimento de um trabalho em parceria, coordenado onde,

quando de suas visitas, a Auditoria possa munir-se das informações relevantes, principalmente sobre o

resultado da identificação e avaliação dos controles e riscos. As atividades desenvolvidas por estas áreas não

são idênticas, mas sim complementares pois, enquanto a Auditoria Interna efetua seus trabalhos de forma

aleatória e temporal, por meio de amostragens, a fim de certificar o cumprimento das normas e processos

instituídos pela Alta Administração, o Compliance executa suas atividades de forma rotineira e permanente,

sendo responsável por monitorar e assegurar de maneira corporativa e tempestiva que as diversas unidades da

Instituição estejam respeitando as regras aplicáveis a cada negócio, por meio do cumprimento das normas,

dos processos internos, da prevenção e do controle de riscos envolvidos em cada atividade. Compliance é um

braço dos Órgãos Reguladores junto a Administração, no que se refere à segurança, respeito a normas e

controles, na busca da conformidade.” FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS (FEBRABAN).

Documento Consultivo: função de Compliance. 2004. p. 9. Disponível em:

<http://www.febraban.org.br/7Rof7SWg6qmyvwJcFwF7I0aSDf9jyV/sitefebraban/Funcao_de_Compliance.p

df>. Acesso em: 30 set. 2015.

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A esse respeito, Bruno Carneiro Maeda assevera que se este profissional não dispuser

destes atributos, ou puder ter suas decisões subordinadas ao escrutínio de parte de outras áreas

da empresa, dificilmente conseguirá desempenhar sua função de modo adequado.229

A existência de canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente

divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes

de boa-fé, também é um parâmetro instituído pelo Decreto altamente salutar, pois visa

garantir a real aplicação do programa. Um empregado que intenta denunciar, por exemplo, o

seu gerente comercial pode naturalmente precisar da garantia de seu anonimato, sob pena de

por em risco o seu emprego. Já existem empresas especializadas na terceirização desses

serviços de disk-denúncia, com total garantia de sigilo e funcionamento 24 (vinte e quatro)

horas, porquanto, muitas vezes, o denunciante não tem como contatar o serviço no seu horário

de expediente.

Nada obstante, o Grupo de Trabalho sobre Suborno da Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontou a ausência de proteção aos

denunciantes no Brasil, expedindo recomendação para que o país estabelecesse políticas de

proteção aos denunciantes públicos e privados. O desleixo na proteção dos whistleblowers230

do país foi considerada gravemente nociva à prevenção e à apuração do suborno

transnacional.231

Pertinente mencionar que, no âmbito do serviço público federal, a proteção do

denunciante foi tutelada pela Lei de Acesso à Informação, a qual acresceu artigo na Lei do

Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União (Lei 8.112/1990) prevendo que a

informação (interna ou externa) relativa à prática de crimes ou atos de improbidade não

importará em qualquer tipo de penalidade ao servidor:

Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou

administrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver

suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para apuração de

informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha

229

MAEDA, Bruno Carneiro. Programas de compliance anticorrupção: importância e elementos. In: DEL

DEBBIO, Alessandra; MAEDA, Bruno Carneiro; AYRES, Carlos Henrique da Silva (Coord.). Temas de

anticorrupção e compliance. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 167-201. p. 184. 230

Nos Estados Unidos, os procedimentos internos de denúncia por parte das empresas são chamados de

whistleblowers. UNITED NATIONS GLOBAL COMPACT. Guide to corporate sustainability: shaping a

sustainable future. 2017. p. 9. Disponível em: <https://www.unglobalcompact.org/library/1151>. Acesso em:

10 set. 2017. E UNITED NATIONS GLOBAL COMPACT. The ten principles of the UN Global

Compact. Disponível em: <https://www.unglobalcompact.org/what-is-gc/mission/principles>. Acesso em:

10 set. 2017. 231

ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Brazil: phase 3 Report on

Implementing the OECD Anti-Bribery Convention. October 2014. p. 64. Disponível em:

<http://www.oecd.org/daf/anti-bribery/Brazil-Phase-3-Report-EN.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2016.

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conhecimento, ainda que em decorrência do exercício de cargo, emprego ou função

pública.232

Ainda, devem ser garantidos procedimentos que assegurem a pronta interrupção de

irregularidades detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados, bem como o

monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu aperfeiçoamento na

prevenção, investigação, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5º

da Lei nº. 12.846/2013.

A ISO 19600 recomenda que as empresas avaliem a possibilidade de revelar às

autoridades os casos de noncompliance, ainda que a legislação assim não exija (voluntary self

disclosure).233

A Lei Anticorrupção realmente não obriga que os resultados de uma

investigação interna sejam passados às autoridades, mas estimula tal agir ao estabelecer que a

cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações poderá atenuar a multa cabível

(inciso VII do art. 7º).234

No concernente à exigência de transparência da pessoa jurídica quanto a doações para

candidatos e partidos políticos, a disposição perdeu a sua eficácia ante o julgamento da Ação

Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650, em 17/09/15, pelo Supremo Tribunal Federal

(STF), a qual declarou a inconstitucionalidade de dispositivos legais das Leis n.ºs 9.096/1995

e 9.504/1997 que autorizam a contribuição de empresas a campanhas eleitorais e partidos

políticos.

Conforme constou na ata, publicado no Diário de Justiça Eletrônico do STF de

25/09/15, a decisão do Plenário rejeitando as contribuições empresariais tem eficácia desde a

sessão de julgamento, valendo tanto para doações a partidos políticos quanto para o

financiamento das eleições de 2016 e seguintes.

Ainda, o Regulamento Federal estabelece que na avaliação dos parâmetros citados,

devem ser considerados o porte e especificidades da pessoa jurídica, tais como: a quantidade

de funcionários, empregados e colaboradores; a complexidade da hierarquia interna e a

quantidade de departamentos, diretorias ou setores; a área do mercado de atuação; a

quantidade e a localização das pessoas jurídicas que integram o grupo econômico; e o fato de

232

BRASIL. Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos

civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Brasília, DF, 1990. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8112cons.htm>. Acesso em: 10 set. 2017. 233

INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 19600. Compliance management

systems: Guidelines. Systèmes de management de la conformité – Lignes Directrices. [S.l]: ISSO, 2014. p.

27. Disponível em: <https://www.iso.org/obp/ui/fr/#iso:std:iso:19600:ed-1:v1:en>. Acesso em: 30 set. 2017. 234

Por sua vez, o inciso IV do art. 18 do Decreto 8.420/2015 estipula que a comunicação espontânea antes da

instauração do PAR também propiciará a incidência de redução percentual da multa.

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ser qualificada como microempresa ou empresa de pequeno porte, as quais são beneficiadas

com a redução de muitas das formalidades dos parâmetros previstos no Decreto.

A esse respeito, oportuno citar a Portaria Conjunta da CGU e do Ministério da Micro

e Pequena Empresa nº 2279/2015, a qual dispõe sobre medidas de integridade simplificadas e

menos formais, suficientes a atestar que microempresas e empresas de pequeno porte estão

atuando comprometidas com a ética e a integridade.235

Por fim, importante acentuar que todos os parâmetros do Decreto Federal em estudo,

mais do que colocados em prática, devem estar documentados com transparência pelas

empresas, a fim de que ela possa, quando chamada a tanto, demonstrar a efetividade do seu

programa de compliance. Ausente comprovação idônea do número de denúncias internas

recebidas, dos procedimentos investigativos instaurados, medidas corretivas tomadas, além da

demonstração da capacitação do pessoal envolvido com o programa de integridade, à empresa

se afigurará inviável postular os efeitos positivos do compliance perante eventuais PAR ou

processos judiciais instaurados.

A Portaria CGU 909/2015 fixa os critérios de avaliação dos programas de

integridade das pessoas jurídicas que não se sejam microempresas ou empresas de pequeno

porte.236

Para que tal avaliação possa se concretizar, pois, a documentação dos atos (como

documentos oficiais, correios eletrônicos, relatórios e conclusões investigativas, notas fiscais,

etc.) se revela imperativa. O citado normativo contemplou dois relevantes instrumentos

informativos a serem produzidos pelas pessoas jurídicas: o relatório de perfil e o relatório de

conformidade. O primeiro voltado à definição da dimensão da empresa, considerando fatores

estruturais relevantes, a exemplo da quantidade de funcionários, empregados e colaboradores

e o grau de interação com o poder público237

; e o segundo voltado a mensurar a

235

Em seu art. 3º, a Lei Complementar nº 123/06 define os limites de faturamento bruto para o enquadramento

como microempresa e empresa de pequeno porte. BRASIL. Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro

de 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; altera dispositivos

das Leis no 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT,

aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001, da

Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis no 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e

9.841, de 5 de outubro de 1999. Brasília, DF, 2006. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp123.htm>. Acesso em: 10 set. 2017. 236

BRASIL. Controladoria Geral da União. Portaria CGU 909, de 7 de abril de 2015. Brasília, DF, 2015.

Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/portarias/portaria_cgu_909_2015.pdf>.

Acesso em: 20 maio 2017. 237

Art. 3º No relatório de perfil, a pessoa jurídica deverá: I - indicar os setores do mercado em que atua em

território nacional e, se for o caso, no exterior; II - apresentar sua estrutura organizacional, descrevendo a

hierarquia interna, o processo decisório e as principais competências de conselhos, diretorias, departamentos

ou setores; III - informar o quantitativo de empregados, funcionários e colaboradores; IV - especificar e

contextualizar as interações estabelecidas com a administração pública nacional ou estrangeira, destacando:

a) importância da obtenção de autorizações, licenças e permissões governamentais em suas atividades; b) o

quantitativo e os valores de contratos celebrados ou vigentes com entidades e órgãos públicos nos últimos

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proporcionalidade e adequação do programa ao perfil da empresa, bem como a sua

conformidade e efetividade ao marco regulatório em que se encontra inserido.238

Além de conceituar programas de integridade e disciplinar quais são os parâmetros

para fins de avaliação, existência e aplicação dos programas de integridade, o ato normativo,

estabeleceu, em seu art. 18, que a redução da multa, no caso de se verificar a existência de um

programa de integridade efetivo, dar-se-á em no máximo 4% do faturamento bruto do

exercício anterior ao da instauração do processo administrativo sancionador. É verdade que o

Decreto foi tímido na definição do referido percentual – no Reino Unido, por exemplo, o

Bribery Act 2010 exime completamente a empresa de responsabilidade quando resulta

comprovada a efetividade do sistema de compliance. Nesse caso, responsabiliza-se apenas o

colaborador pessoa física que, ao contornar os controles internos e o programa de integridade,

logra consumar a conduta ilícita – mas, de qualquer forma, é inegável que a disciplina

normativa da anticorrupção, ao fomentar a prática de compliance pelas empresas, constitui um

avanço direcionado à ética e à transparência das relações negociais entre a Administração

Pública e o setor privado, bem como um sinal de que a empresa deve adotar um determinado

padrão de conduta compatível com uma boa-fé objetiva.

Nesse sentido, Marcia Carla Pereira Ribeiro e Patrícia Dittrich Ferreira Diniz,

asseveram que, embora as estruturas legais incentivem a conformidade aos padrões de

integridade, ainda mais importante do que a imposição legal é a cooperação voluntária

mediante uma genuína alteração de mentalidade dos atores abrangidos. No âmbito interno, ela

pode ser obtida por meio da majoração da importância da perspectiva de futuro e pela

três anos e a participação destes no faturamento anual da pessoa jurídica; c) frequência e a relevância da

utilização de agentes intermediários, como procuradores, despachantes, consultores ou representantes

comerciais, nas interações com o setor público;

V - descrever as participações societárias que envolvam a pessoa jurídica na condição de controladora,

controlada, coligada ou consorciada; e VI - informar sua qualificação, se for o caso, como microempresa ou

empresa de pequeno porte. BRASIL. Controladoria Geral da União. Portaria CGU 909, de 7 de abril de

2015. Brasília, DF, 2015. Disponível em:

<http://www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/portarias/portaria_cgu_909_2015.pdf>. Acesso em: 20

maio 2017. 238

Art. 4º No relatório de conformidade do programa, a pessoa jurídica deverá: I - informar a estrutura do

programa de integridade, com: a) indicação de quais parâmetros previstos nos incisos do caput do art. 42 do

Decreto nº 8.420, de 2015, foram implementados; b) descrição de como os parâmetros previstos na alínea "a"

deste inciso foram implementados; c) explicação da importância da implementação de cada um dos

parâmetros previstos na alínea "a" deste inciso, frente às especificidades da pessoa jurídica, para a mitigação

de risco de ocorrência de atos lesivos constantes do art. 5º da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013;

II - demonstrar o funcionamento do programa de integridade na rotina da pessoa jurídica, com histórico de

dados, estatísticas e casos concretos; e III - demonstrar a atuação do programa de integridade na prevenção,

detecção e remediação do ato lesivo objeto da apuração. BRASIL. Controladoria Geral da União. Portaria

CGU 909, de 7 de abril de 2015. Brasília, DF, 2015. Disponível em:

<http://www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/portarias/portaria_cgu_909_2015.pdf>. Acesso em: 20

maio 2017.

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valorização dos empregados mediante práticas como a existência de um plano de cargos e

salários objetivo e transparente. Criar espaços para que todos os colaboradores se realizem no

ambiente de trabalho mediante uma gestão participativa, criativa, inovadora e que estimule o

talento de cada um também é uma forma de contribuir para a melhor cooperação interna.

Já a cooperação no âmbito externo pode ser alcançada com a realização de contratos

de longo prazo que estabeleçam com os fornecedores e clientes relações de parceria

duradouras, mediante o incremento das relações de transparência, confiança e colaboração

mútua entre as partes.

A implantação de uma política de compliance auxilia não somente no desenvol-

vimento da empresa, mas principalmente da sociedade mediante a tendência natural de que os

comportamentos adotados em cada seara sejam replicados, estimulando a transparência, a

ética e a confiança no seio da comunidade, bases para uma verdadeira sustentabilidade. Em

suma, se é indiscutível que a existência de uma lei pode facilitar e adiantar mudanças

institucionais, ainda é mais elementar que o amadurecimento do ambiente social e

institucional brasileiro e a redução das condutas de corrupção se condicionam não só na

existência de normas impositivas, mas especialmente na adoção de políticas que estimulem a

cooperação e o estabelecimento de relações negociais duradouras e socialmente

sustentáveis.239

239

RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; DINIZ, Patrícia Dittrich Ferreira. Compliance e lei anticorrupção nas

empresas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, v. 52, n. 205, p. 87-105, jan./mar. 2015. p. 103.

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113

4 ACORDO DE LENIÊNCIA ANTICORRUPÇÃO

4.1 Antecedentes Histórico-Legais da Leniência

Ao se analisar a bibliografia sobre o tema do acordo de leniência, compreende-se ter

sido no combate à formação de cartéis que o seu modelo mais substancial se firmou, de modo

que o presente tópico irá demonstrar que o paradigma jurídico da experiência antitruste é

plenamente aplicável à esfera anticorrupção.

4.1.1 O Programa de Leniência dos Estados Unidos da América no Direito Antitruste

A edificação de um consenso base acerca dos requisitos para o êxito do programa de

leniência se lastrou não apenas no âmbito da dogmática jurídica, mas igualmente na análise da

evolução legislativa do tema em diferentes países, sendo o estadunidense o modelo mais

estudado.

A origem do acordo de leniência remonta à década de 1970, nos Estados Unidos,

tendo por escopo reprimir os atos ilícitos anticoncorrenciais, em especial os cartéis.240

O

instituto, cujo nome era Leniency Program, buscava a extinção da punibilidade penal por

práticas de atos antitruste, sob a condição de que a empresa colaborasse antes do início das

investigações e fosse a primeira do cartel a assim proceder. Além disso, ela deveria apresentar

provas e delatar os demais participantes. 241

A competência para a persecução de crimes de formação de cartel é do Departamento

de Justiça dos Estados Unidos da América, cuja alçada se limita aos crimes referentes ao

núcleo duro da Seção 1 da Lei Antitruste norte americana (Sherman Act), a exemplo da

fixação de preços, manipulação de licitações e divisão de mercado, todos relacionados à

formação de cartel. 242

Carolina Barros Fidalgo e Rafaela Coutinho Cannetti asseveram que, todavia, o

instrumento não obteve sucesso porque a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça

240

Cf. PETRELLUZZI, Marco Vinicio; RIZEL JUNIOR, Rubens Naman. Lei anticorrupção: origens,

comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 91. 241

SALOMI, Maíra Beauchamp. O acordo de leniência e seus reflexos penais. 2012. 293 f. Dissertação

(Mestrado em Direito Penal) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. f. 138.

Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-11102012-085658/>. Acesso em: 03

jun. 2017. 242

WIL, Walter P. J. Is criminalization of EU competition law the answer? Polskie, 2017. p. 12. Disponível

em: <http://pspe.org.pl/dokumenty/137_IsCriminalizationofEUCompetitionLawtheAnswer.pdf>. Acesso em:

17 jun. 2017.

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conferiu a possibilidade de adoção de critérios subjetivos para a sua celebração, propiciando

um elevado grau de discricionariedade na celebração dos acordos. Este fato suscitou

insegurança jurídica que findou por desestimular a celebração dos acordos.243

Como a

concessão do perdão não era automática, os potenciais celebrantes ficavam inseguros com a

proposição e aceitação da avença, fato que se comprova com a ínfima aderência ao Programa:

a celebração média de apenas um Acordo de Leniência por ano ao longo dos quinze de

vigência deste modelo 244

. A isso soma-se o fato de, no mesmo período, a Divisão Antritruste

do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América (DOJ), não ter conseguido

ajuizar nenhuma ação judicial em desfavor de algum cartel internacional. 245

No ano de 1993, os Estados Unidos aperfeiçoaram o sistema para Programa de

Leniência Corporativa (Corporate Leniency Policy, Corporate Amnestesy Policy ou

Corporate Immunity Police), reduzindo amplamente a discricionariedade ao tornar o ato

vinculado, desde que celebrado antes da investigação e preenchidas as seguintes condições: (i)

Ainda não tenham sido recebidas informações por qualquer outra fonte; (ii) A sociedade tenha

tomado todas as medidas necessárias para cessar a sua participação no cartel; (iii) A sociedade

promova a completa e contínua cooperação com a autoridade responsável pela investigação;

(iv) A sociedade confesse a infração como um ato corporativo, não sendo suficiente a

confissão isolada de diretores individuais ou outros agentes; (v) Quando possível, a sociedade

restitua os danos causados a terceiros; (vi) A sociedade não tenha coagido às demais partes do

cartel a participar da atividade ilegal e claramente não tenha sido a líder da atividade ilegal.246

Nada obstante, a partir de então também passou a existir a possibilidade de

celebração de acordos no início das investigações, hipótese em que ele não seria concedido de

forma automática – vinculada –, estando presente a discricionariedade do Departamento para

concedê-lo, desde que atendidas as seguintes condições: (i) A sociedade seja a primeira a

requerer os benefícios do programa e se qualificar para tanto; (ii) A autoridade responsável

ainda não disponha de evidências contra a sociedade, suficientes para sua condenação; (iii) A

sociedade tenha cessado a sua participação na atividade ilegal; (iv) A sociedade promova

243

FIDALGO, Carolina Barros; CANETTI, Rafaela Coutinho. Os acordos de leniência na lei de combate a

corrupção. In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). Lei anticorrupção. Salvador:

Juspodivm, 2015. p. 253-282. p. 258. 244

HAMMOND, Scott D. The evolution of criminal antitrust enforcement over the last two decades.

Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/speech/evolution-criminal-antitrustenforcement- over-last-two-

decades>. Acesso em: 17 jun. 2017. 245

SALOMI, Maíra Beauchamp. O acordo de leniência e seus reflexos penais. 2012. 293 f. Dissertação

(Mestrado em Direito Penal) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. f. 139.

Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-11102012-085658/>. Acesso em: 03

jun. 2017. 246

Ibid., f. 258.

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completa e continua cooperação com a autoridade responsável pela investigação; (v) A

sociedade tenha confessado; (vi) Quando possível, que a sociedade restitua os danos causados

pela atividade; (vii) A autoridade entenda que o deferimento da leniência não seja injusto.

Do cotejo das alterações procedidas com o modelo original, pode-se verificar a

notável preocupação das autoridades americanas em buscar a melhoria do acordo de leniência,

forte na premissa de que ajustes graduais são prementes conforme a práxis indique elementos

acerca da resposta dos indivíduos frente ao panorama de benefícios oferecidos pelo programa,

tudo em prol da melhor efetividade do sistema.

O Departamento de Justiça Americano (DOJ) também incorporou três significativos

benefícios ao delator: (i) imunidade completa automática, no caso de inexistir investigação

prévia; (ii) possibilidade de imunidade completa, mesmo no caso da investigação já ter

começado; (iii) imunidade criminal para todos os funcionários que colaboraram com as

investigações na apuração do delito.247

Scott Hammond, Diretor do DOJ, aponta que estes três beneplácitos citados foram as

principais mudanças que reestruturaram o Programa de Leniência com o objetivo de torná-lo

atrativo e eficiente.248

A partir disso, as empresas ganharam maior segurança jurídica para delatar a

existência de cartéis e seus participantes. Nas palavras do jurista acima referido: “estas

revisões tornaram o programa mais transparente e aumentaram os incentivos para que as

empresas relatassem as atividades ilícitas e cooperassem com a Divisão Antitruste”249

.

Por fim, ainda, no concernente ao programa de leniência estadunidense, foi criada a

possibilidade de que pessoas naturais (empregados, diretores, administradores, etc.) pudessem

celebrar o acordo, independentemente da confissão da corporação, desde que apresentadas

provas da existência do cartel em troca da anistia penal individual.250

Desse modo, conforme

247

KLOUB, Jindrich. Using leniency to fight hard core cartels – leniency as the most effective tool in combating

cartels. In: LATIN AMERICAN COMPETITION FORUM, 9-10 september, 2009, Santiago, Chile. Forum...

Santiago, Chile: IDB, 2009. p. 1-148. Disponível em:

<www.oecd.org/daf/competition/2009%20LACF_UsingLeniencytoFightHardCoreCartels.pdf>. Acesso em:

18 jul. 2017. 248

HAMMOND, Scott D. The evolution of criminal antitrust enforcement over the last two decades.

Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/speech/evolution-criminal-antitrustenforcement- over-last-two-

decades>. Acesso em: 17 jun. 2017. 249

DEPARTMENT OF JUSTICE. These revisions made the program more transparent and raised the

incentives for companies to report criminal activity and cooperate with the Antitrust Division.

Washington, DC, [2017]. Tradução nossa. Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/speech/evolution-

criminal-antitrust-enforcement-overlast-two-decades>. Acesso em: 17 jun. 2017. 250

“The Division today announces a new Leniency Policy for Individuals that is effective immediately and

applies to all individuals who approach the Division on their own behalf, not as part of a corporate proffer or

confession, to seek leniency for reporting illegal antitrust activity of which the Division has not previously

been made aware. Under this Policy, "leniency" means not charging such an individual criminally for the

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116

aponta Maíra Beauchamp Salomi, a partir de 1993, o sistema norte-americano de leniência

ganhou três facetas: a) concessão automática e vinculada para a empresa que colabore antes

do início da investigação e preencha os demais requisitos já detalhados; b) concessão

discricionária após o início da investigação, desde que também preenchidos os requisitos

acima tratados e; c) a possibilidade de outorga dos benefícios a qualquer colaborador (pessoa

natural, jurídica, diretores etc.).

Além disso, o Congresso Americano, em 2004, aumentou os incentivos para que

participantes de cartel celebrassem Acordo de Leniência com o ACPERA (Antitrust Criminal

Penalty Enhancement and Reform Act), cuja previsão é a de que, ao entrar no Programa, as

empresas apenas pagariam danos relacionados a condutas próprias, nas ações de

responsabilidade civil, ao invés de todas as indenizações com responsabilidade solidária

estipuladas pela Lei Antitruste.251

Para tanto, além de contribuir com o governo, a empresa também deve cooperar com

os demandantes particulares em suas ações cíveis, relatando-lhes todos os fatos conhecidos

que sejam potencialmente relevantes para a ação, além de lhes franquear acesso aos

documentos e demais provas pertinentes de que disponha.252

Esse novo tratamento do Programa de Leniência fez com que a estatística de um

acordo por ano até 1993 saltasse para mais de um acordo por mês253

, sendo que desde o ano

fiscal de 1996, já foram aplicados mais de cinco bilhões de dólares em multas por crimes de

violação da concorrência – 90% delas decorreram de informação concedidas em Acordos de

Leniência.254

Como se pode ver, medidas hábeis a tornar o instrumento negocial atrativo o bastante

para que o colaborador se sentisse incentivado a parar de delinquir e colaborar com a justiça

foram tomadas com o desiderato de melhorar a capacidade persecutória do Estado. Segundo

activity being reported”. DEPARTMENT OF JUSTICE. Leniency policy for individuals. 10 ago. 1994.

Disponível em: <https://www.justice.gov/sites/default/files/atr/legacy/2006/04/27/0092.pdf>. Acesso em: 17

jun. 2017. 251

LYNCH, Niall E. Immunity in criminal cartel investigations: a US perspective. 2017. p. 3. Disponível em:

<https://www.lw.com/presentations/immunity-in-criminal-cartelinvestigations-us-perspective>. Acesso em:

17 jun. 2017. 252

Ibid., p. 4. 253

SALOMI, Maíra Beauchamp. O acordo de leniência e seus reflexos penais. 2012. 293 f. Dissertação

(Mestrado em Direito Penal) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. f. 140.

Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-11102012-085658/>. Acesso em: 03

jun. 2017. 254

HAMMOND, Scott D. The evolution of criminal antitrust enforcement over the last two decades.

Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/speech/evolution-criminal-antitrustenforcement- over-last-two-

decades>. Acesso em: 17 jun. 2017.

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117

Jindrich Kloub e Scott Hammond255

, catalogam-se em quatro aspectos os requisitos básicos

que determinam a eficácia de um programa de leniência: (i) As pessoas devem ter o receio de

que sanções severas podem ser impostas no caso do cometimento de ilícitos; (ii) As

autoridades devem demonstrar capacidade de investigar e aplicar sanções, independentemente

do uso de instrumentos de colaboração; (iii) É fundamental tornar público os resultados

atingidos por meio dos acordos de leniência celebrados, sopesando os benefícios concedidos e

os ilícitos descobertos e; (iv) Convém deixar o programa o mais previsível e transparente

possível, para que o potencial colaborador pondere adequadamente os riscos e benefícios que

estão em jogo no seu processo de decisão.256

Por outro lado, há, também, o programa de Anistia Plus (Amnesty Plus), que pode ser

utilizado por empresas que não lograram obter a leniência sobre uma conspiração “A”, a qual

já estava sob investigação da Divisão Antritruste do Departamento de Justiça dos Estados

Unidos da América (DOJ), mas que ao realizarem investigação interna (programa de

compliance), descobrem uma conspiração “B”, desconhecida pelo DOJ. Nesse caso, a

empresa pode receber leniência para a segunda conspiração e ter uma reconsideração pela

Divisão no envolvimento na primeira. A discricionariedade da sentença é da Corte em que o

caso está sendo investigado, mas a Divisão pode recomendar à Corte “descontos” na sentença

referente à conspiração “A”, em razão da cooperação na descoberta da conspiração B.257

Para conferir mais transparência, a Divisão Antritruste do Departamento de Justiça dos

Estados Unidos da América (DOJ) criou um “sistema de senhas” (marker system),

garantindo, por um tempo limitado, a posição do primeiro requerente na fila para leniência,

enquanto ele reúne mais informações para sustentar sua pretensão. Nesse interim, nenhuma

255

HAMMOND, Scott. Cornerstones of na effective leniency program in ICN workshop on leniency

programs. Australia, 2004. Disponível em: <www.justice.gov/atr/public/speeches/206611.htm>. Acesso em:

18 jul. 2017.

KLOUB, Jindrich. Using leniency to fight hard core cartels – leniency as the most effective tool in combating

cartels. In: LATIN AMERICAN COMPETITION FORUM, 9-10 september, 2009, Santiago, Chile. Forum...

Santiago, Chile: IDB, 2009. p. 1-148. Disponível em:

<www.oecd.org/daf/competition/2009%20LACF_UsingLeniencytoFightHardCoreCartels.pdf>. Acesso em:

18 jul. 2017. 256

Scott Hammond dá especial ênfase a este último requisito: “Nossa experiência foi que a transparência deve

incluir não apenas padrões e políticas explicitamente declaradas, mas também explicações claras sobre o

poder discricionário na aplicação dessas normas e políticas. A Divisão procurou proporcionar transparência

nas seguintes áreas de execução: (1) normas transparentes para a abertura de investigações; (2) padrões

transparentes para decidir quando arquivar denúncias criminais; (3) transparência nos casos prioritários; (4)

políticas transparentes na negociação de acordos de confissão; (5) políticas transparentes sobre sentença e

cálculo de multas; e (6) aplicação transparente do nosso Programa de Leniência.” HAMMOND, Scott.

Cornerstones of na effective leniency program in ICN workshop on leniency programs. Australia, 2004.

Tradução nossa. Disponível em: <www.justice.gov/atr/public/speeches/206611.htm>. Acesso em: 18 jul.

2017. 257

VARNEY, Christine A. United States. The cartels and leniency review. 2. ed. Londres: Law Business

Research, 2014. p. 392.

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118

outra empresa pode “ultrapassar” a que possui a “senha”. A duração do tempo da “senha”

varia de acordo com dados fatores, tais como a localização e número de funcionários da

empresa a serem entrevistados, a quantidade e a localização dos documentos a serem

levantados, bem como se a Divisão já possui uma investigação em andamento no momento

em que a “senha” é requerida.

Para obter a “senha”, o advogado deve reportar que possui evidências que sugerem a

possibilidade de violação antitruste, a exemplo da fixação de preços, licitação fraudulenta,

restrição de capacidade e alocação de mercados, clientes, vendas ou volumes de produção.

Dependendo da indústria ou produto envolvido na conduta, é possível que apenas a

identificação da indústria já seja suficiente para a Divisão Antritruste do Departamento de

Justiça dos Estados Unidos da América (DOJ) determinar a viabilidade da leniência. É o caso,

por exemplo, de não existir investigações em andamento sobre os produtos ou serviços de

determinada empresa. Por conseguinte, é mais difícil obter a “senha” quando a Divisão já tem

posse de informações sobre a atividade ilegal.258

O processo de obtenção da leniência ganha termo com a emissão de uma Carta de

Leniência (Leniency Letter). Superada a fase de pedido de “senha” e, durante a investigação, é

dada a empresa ou ao indivíduo uma Carta de Leniência Condicional (Conditional Leniency

Letter). A Carta é inicialmente condicional porque a concessão da leniência final se

condiciona à verificação de que empresa ou o individuo efetivamente cooperaram com a

investigação, bem como atenderam com todas as exigências anteriormente mencionadas –

variáveis conforme o tipo de leniência.259

A anamnese do pioneiro modelo antitruste americano denota que a construção de um

regime bem-sucedido decorre, dentre outros fatores, da experiência galgada ao longo da

estruturação e aprimoramento da legislação, valendo ressaltar que ele serviu de inspiração

para diversos modelos de outros países, inclusive para aquele adotado pelo Brasil na Lei

Anticorrupção. Mas, antes de, a este último se ir, analisar-se-ão, prefacialmente, os institutos

da colaboração premiada criminal e do programa de leniência antitruste brasileiro, tanto em

respeito à ordem cronológica dos distintos modelos, quanto porque, como doravante se

demonstrará, a experiência neles obtida tem aptidão para conferir notável contributo ao

acordo de leniência anticorrupção, em especial no concernente aos reflexos da colaboração

em outras searas.

258

BARNETT, Belinda A.; HAMMOND, Scott D. Frequently asked questions regarding the antitrust

division’s leniency program and model leniency letters. Washington, DC: Department of Justice, 2008. p.

03-04. Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/file/810001/download>. Acesso em: 22 out. 2017. 259

Ibid., p. 23-26.

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119

4.1.2 A Colaboração Premiada: Experiência Brasileira de Consensualidade

No Brasil, a experiência na consensualidade entre o Estado e o autor da infração

iniciou com o acordo de colaboração premiada previsto, inicialmente, na Lei de Crimes

Hediondos de 1990.260

Vinicius Gomes de Vasconcellos conceitua o instituto como sendo “um acordo

realizado entre acusador e defesa, visando ao esvaziamento da resistência do réu e à sua

conformidade com a acusação, com o objetivo de facilitar a persecução penal em troca de

benefícios ao colaborador, reduzindo as consequências sancionatórias à sua conduta

delitiva.”261

Em uma visão crítica, Geraldo Prado define a delação premiada como o instituto

que busca substituir a investigação dos fatos “pela ação direta sobre o suspeito, visando torna-

lo colaborador e, pois, fonte de prova. Intenta-se contornar as proibições constitucionais e

transformar o acusado em testemunha”.262

O estudo do instituto, neste opúsculo, é tecnicamente conveniente tanto porque o

acordo de leniência, assim como o de colaboração premiada, constitui uma espécie de

260

A delação premiada foi inserida no parágrafo único do art. 8º da lei nº 8.072/90: Art. 8º Será de três a seis

anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática

da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo. Parágrafo único. O participante e o

associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena

reduzida de um a dois terços. BRASIL. Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes

hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências.

Brasília, DF, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8072.htm>. Acesso em: 10

set. 2017. 261

VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017. p. 55-56.

Em similar semântica, Andrey Borges de Mendonça conceitua a colaboração premiada como “a eficaz

atividade do investigado, imputado ou condenado de contribuição com a persecução penal, seja na prevenção

ou na repressão de infrações penais graves, em troca de benefícios penais, segundo acordo formalizado por

escrito entre as partes e homologado pelo juízo”. MENDONÇA, Andrey Borges de. A colaboração premiada

e a nova Lei do Crime Organizado (Lei 12.850/13). Revista Custos Legis, Rio de Janeiro, v. 4, p. 1-38,

2013. p. 4. Sob o enfoque da teoria dos jogos, Alexandre Morais da Rosa define o instituto premial como

sendo “o mecanismo pelo qual o Estado autoriza, no jogo processual, por mecanismo de barganha, o

estabelecimento de ‘mercado judicial’, pelo qual o colaborador, assistido por advogado, negocia com o

Ministério Público informações capazes de autoincriminar o agente e carrear elementos probatórios contra

terceiros”. ROSA, Alexandre Moraes da. Guia Compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos.

3. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 292.

Por fim, o STF já assentou que “[...] a colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez que,

além de ser qualificada expressamente pela lei como ‘meio de obtenção de prova’, seu objetivo é a

cooperação do imputado para a investigação e para o processo criminal, atividade de natureza processual,

ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito substancial (de direito material) concernente à sanção

premial a ser atribuída a essa colaboração”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.

127.483/PR. Paciente: Erton Medeiros Fonseca. Impetrante: José Luiz Oliveira Lima e outros. Coator:

Relator da PET 5244 do STF. Relator Min. Dias Toffolli. Brasília, DF, 27 ago. 2015. p. 23-24. Disponível

em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10199666>. Acesso em: 20 mar.

2018. 262

PRADO, Geraldo. Da delação premiada: aspecto de direito processual. Boletim do IBCCRIM, São Paulo, v.

13, n. 159, p. 10-12, fev. 2006. p. 10.

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120

instrumento de transação/negociação ou de acordo colaborativo, quanto porque, como

referencia José Alexandre da Silva Zachia Alan, se apresenta factível que

[...] tenha havido, ao menos no que concerne à redação original da Lei 12.846/2013,

espécie de contaminação das disposições a autorizar transações no sistema

sancionatório judicial em questão pelas normas estabelecidas para as colaborações

premiadas no âmbito da ordem normativa penal.

Fala-se, em outras palavras, do reconhecimento de que, no mais dos casos de

leniência, se estará num espaço de intersecção entre as diversas esferas de

sancionamento – penal e não penal – e que há a necessidade de que utilize a mesma

lógica de funcionamento, ainda que os resultados sancionatórios sejam diversos.263

Nesse condão, urge, ainda, serem examinados os distintos termos usados para

denominar o instituto: colaboração e delação premiada. A divergência recrudesceu com o

avento da Lei 12.850/13, a qual denominou o instituto de “colaboração premiada”, amparando

a hermenêutica de que ele se revela “bem mais amplo que a delação premiada até então

consagrada em várias leis brasileiras, a qual se restringia a um instituto de direito material”. 264

Como o referido diploma legal prevê mais de um tipo de colaboração a ser prestada pelo

agente,265

aduz-se que a delação seria apenas a incriminação de terceiros, enquanto a

colaboração envolveria, além da própria delação, outras formas colaborativas, a exemplo da

recuperação de proveitos da infração penal e localização da eventual vítima.266

263

ALAN, José Alexandre da Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma

abordagem sob a perspectiva da Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.

275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p. 202. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20 jan. 2018. 264

SILVA, Eduardo Araujo da. Organizações criminosas. Aspectos penais e processuais da Lei n. 12.850/13.

São Paulo: Atlas, 2014. p. 52-53. 265

Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a

pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e

voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou

mais dos seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa

e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da

organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização

criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela

organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada BRASIL.

Lei n. 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal,

os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei

no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá

outras providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-

2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em: 14 ago. 2017. 266

PEREIRA, Frederico Valdez. Delação premiada: legitimidade e procedimento. 3. ed. Curitiba: Juruá,

2016. p. 35-36.

Mariana Lauand classifica o “instituto da colaboração processual como gênero, sendo a confissão, o

chamamento de corréu, a delação premiada e a colaboração processual stricto sensu (na forma de acordo

entre acusação e imputado, com concessão de benefício de caráter processual), suas espécies”. LAUAND,

Mariana de Souza Lima. O valor probatório da colaboração processual. 2008. Dissertação (Mestrado em

Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. p. 48.

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121

Em que pese se adira a esta distinção de conceitos, o presente estudo opta por adotar

ambos os termos, uma vez que, de modo geral, a doutrina não os distingue.

Acompanhando a sofisticação das organizações criminosas, a colaboração premiada

passou a ser prevista expressamente em leis diversas: a) Lei Contra o Crime Organizado, a

qual prevê, em seu artigo 6º, a redução de um a dois terços da pena quando a colaboração

espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria; b) Lei Contra

o Sistema Financeiro Nacional e Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária e Econômica

(Leis 7.492/86 e 8.137/90) que estabelecem a redução da pena de um a dois terços se o

coautor ou partícipe, por meio de confissão espontânea, revelar, à autoridade policial ou

judicial, toda a trama delituosa; c) Lei de Lavagem de Capitais (Lei n. 9.613/98), a qual prevê,

em seu artigo 1º, §5º, a redução da pena de um a dois terços, podendo ser substituída por

restritiva de direitos se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as

autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à

identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores

objeto do crime; d) Lei de Proteção às Testemunhas (Lei 9.613/98) que vai mais além e prevê

em seu artigo 13 o perdão judicial com extinção da punibilidade ao acusado que tenha

colaborado para a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa, a

localização da vítima com a sua integridade física preservada, a recuperação total ou parcial

do produto do crime; e) Lei de Drogas (Lei 11.343/06), estabelecendo, em seu artigo 41, a

redução da pena de um a dois terços ao indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente

com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou

partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime.

Finalmente, a partir da Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), diploma

legal que trata, quase que integralmente, de matéria processual, o tema recebeu maior

detalhamento ao ampliar as hipóteses de colaboração premiada. Além disso, ao majorar, na

medida do auxílio prestado, a vantagem para aquele que delata os demais coautores, a referida

norma representou considerável incremento legal de desestabilização das organizações

criminosas por meio de uma lógica precipuamente processual.

A Seção I da Lei 12.850/2013 estabelece que a colaboração premiada é um meio de

obtenção de prova, consolidando o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que a

delação em si não constitui prova em desfavor dos demais réus, mas mero meio para obtê-

la.267

267

Segundo Vinicius Gomes de Vasconcellos, a Lei 12.850/13 consolidou, adequadamente, a visão que dá

primazia ao prisma processual da colaboração premiada, “pois o cerne do instituto é a facilitação da

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122

Além disso, o §16 do art. 4º prevê que nenhuma sentença condenatória será proferida

apenas com base nas declarações do agente colaborador. Frente à possibilidade de advirem

acusações inverídicas pelo delator, não se deve receber o instituto premial com o mesmo peso

do testemunho de alguém desinteressado no processo, mas como instrumento de obtenção de

provas que deverão ser confrontadas com os demais resultados das investigações em curso.268

Portanto, além da colaboração premiada não possuir a mesma valoração da confissão,

pois incrimina terceiro presumidamente inocente, sequer pode ser igualada à prova

testemunhal, pois o colaborador participou do crime e age de forma parcial. Afinal, conforme

aduz Stephen S. Trott: “criminosos estão dispostos a dizer e a fazer qualquer coisa para

obterem o que querem, especialmente quando o que eles desejam é livrar-se de seu problema

com a lei” 269

.

Disposição relevante se encontra no §6º do mesmo artigo, responsável por vedar a

participação do juiz na negociação. Explica-se: é possível que o processo de negociação se

inicie entre o Ministério Público e o réu, mas não venha a atingir as expectativas almejadas

para a formalização da avença. Nessa primeira análise, constatando que as alegações são

genéricas e vazias de outras provas, o órgão acusatório pode rechaçar a proposta de acordo e

prosseguir com as investigações anteriores. De qualquer forma, no curso das tratativas, o réu

potencialmente assumiu o cometimento de crimes no desiderato de obter os benefícios da

delação, não sendo, por essa razão, aceitável que suas declarações, prestadas por ocasião da

proposta, fossem utilizadas em seu desfavor na hipótese de não ser celebrado o acordo.

persecução penal a partir da produção ou obtenção de elementos probatórios, como a confissão do delator e o

seu depoimento incriminador em relação aos corréus, além de outros tipos de prova possivelmente

indicados”. VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2017. p. 55. No mesmo sentido é a posição firmada pelo STF: “Dito de outro modo,

embora a colaboração premiada tenha repercussão no direito penal material (ao estabelecer as sanções

premiais a que fará jus o imputado colaborador, se resultar exitosa sua cooperação), ela se destina

precipuamente a produzir efeitos no âmbito do processo penal”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal.

Habeas Corpus n. 127.483/PR. Paciente: Erton Medeiros Fonseca. Impetrante: José Luiz Oliveira Lima e

outros. Coator: Relator da PET 5244 do STF. Relator Min. Dias Toffolli. Brasília, DF, 27 ago. 2015. p. 24.

Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10199666>. Acesso

em: 20 mar. 2018. 268

Segundo Frederico Valdez Pereira: “Uma das exigências para se conferir valor probatório às declarações do

delator no processo, desfazendo o direito à presunção de inocência do acusado, é a necessidade de se

submeter esse elemento de prova ao contraditório. É necessário trazer ao processo as declarações reveladoras

do beneficiário da delação, permitindo que a defesa do acusado produza prova em contrário no curso do

procedimento. Sem isso, a colaboração premiada não pode ter o efeito de afastar a presunção de inocência”.

PEREIRA, Frederico Valdez. Valor probatório da colaboração processual (delação premiada). Revista CEJ,

Brasília, v. 13, n. 44, p. 25-35, jan./mar. 2009. p. 29-33. Disponível em:

<http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/1126/1224>. Acesso em: 22 out. 2017. 269

TROTT, Stephen S. O uso de um criminoso como testemunha: um problema especial. Tradução Sérgio

Fernando Moro. Revista CEJ, Brasília, v. 11, n. 37, p. 68-93, 2007. p. 70.

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123

Dai o aconselhamento de obstar o magistrado das negociações, sob pena de se

comprometer sua imparcialidade. Não é por menos que o §10 do art. 4º estabelece o direito

das partes se retratarem da proposta de acordo, hipótese em que as declarações confessórias

do colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor. O Juiz, portanto,

irá analisar se as informações e provas apresentadas pelo colaborador realmente auxiliaram a

investigação e possibilitaram a denúncia dos demais envolvidos apenas se o acordo for

formalizado.

Verificando a regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo, o magistrado

poderá conceder o perdão judicial, reduzir a pena privativa de liberdade em até dois terços ou

substituí-la por pena restritiva de direitos. Contudo, se a colaboração for posterior à sentença,

a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime, ainda que

ausentes os seus requisitos objetivos270

. A concessão do benefício levará em conta a

personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social

do fato criminoso, bem como a eficácia da colaboração.271

Por fim, cabe referir que o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o

colaborador não for o líder da organização criminosa e for o primeiro a prestar efetiva

colaboração.272

Do exame procedido, pode-se inferir que o modelo penal nacional permite que a

pessoa natural colaboradora obtenha reduções de pena ou, mesmo, o perdão judicial.

Conforme se verá no item 4.2.2, o mesmo não ocorre no acordo de leniência anticorrupção

com relação às empresas colaboradoras. Mas, considerando os casos em que o colaborador

possa ser sócio, administrador ou empregado de uma empresa que responderá objetivamente

pela conduta da pessoa natural, sendo que esta última poderá receber benefícios na esfera

criminal, cabível perquirir se não seria indicado ter, a Lei Anticorrupção, também previsto a

extensão do benefício de perdão/isenção irrestrita para as pessoas jurídicas interessadas.

Antes de, todavia, se melhor investigar esta questão, cumpre ainda apreciar,

brevemente, o regime do Programa de Leniência Antitruste brasileiro, o qual ostenta

relevantes pontos que podem servir de inspiração à evolução legal do modelo anticorrupção.

Dentre eles, destaca-se o concernente à existência de incentivos premiais à delação procedida

tanto pela pessoa jurídica, quanto pela física – o que vai ao encontro da realidade inexorável

de que o ato colaborativo é fruto da cooperação de ambas.

270

Art. 4o [...] §5º da Lei n. 12.850, de 2 de agosto de 2013.

271 Art. 4

o [...] §1º da Lei n. 12.850, de 2 de agosto de 2013.

272 Art. 4

o [...] §4º da Lei n. 12.850, de 2 de agosto de 2013.

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4.1.3 Programa de Leniência Concorrencial do Brasil

Depois da colaboração premiada, o ordenamento jurídico brasileiro foi contemplado

com o programa de leniência do direito concorrencial, o qual se constitui como o instrumento

de colaboração melhor consolidado no âmbito nacional.

O instituto advém no contexto de globalização e expansão das economias, o qual

acentuou a competição das grandes corporações pelo mercado, importando no aprimoramento

de métodos para frustrar a competição e a livre concorrência.273

Nesse panorama, surgiram os

cartéis, compreendidos como “acordos entre concorrentes para, principalmente, fixação de

preços ou quotas de produção, divisão de clientes e de mercados de atuação.”274

Conforme visto no primeiro capítulo (item 2.1), André Ramos Tavares aponta, dentre

as razões para o fracasso do modelo liberal clássico, a ilusão de que o mercado seria formado

por um número razoavelmente elevado de compradores e vendedores em interação recíproca e

portes equânimes. Essa concepção destoa da notória existência de “leviatanescas

multinacionais, cujo poder econômico rivaliza (e por vezes corrompe) até o de Estados

altamente desenvolvidos.” Nesse panorama, uma grande consequência nefasta é a natural

capacidade dessas grandes empresas influírem no mercado em benefício próprio e em

detrimento da maioria.275

Para Roberta Alessandra Pantoni, a realidade histórica finda por desmentir os

postulados da teoria liberal, máxime no pertinente à autorregulação dos mercados,

notabilizada pela ampla liberdade de atuação dos agentes econômicos. O capitalismo do

século XIX dá guarida a um novo poder: o poder econômico das grandes empresas de

mercado e de suas novas estratégias comerciais. Unidades industriais passam a se agrupar, o

que origina o fenômeno do Novo Estado Industrial, marcado pela presença das concentrações

empresariais. Nesse sentido, a alteração nos padrões de atuação dessas empresas suscita

273

Paula A. Forgioni acentua a relevância da concorrência no modelo econômico liberal: “A concorrência passa

a ser encarada como a solução para conciliar a liberdade econômica individual com o interesse público:

preservando-se a competição entre os agentes econômicos, atende-se ao interesse público [...] ao mesmo

tempo em que se assegura ao industrial ou comerciante a mais ampla liberdade de atuação, com a

concorrência evitando qualquer comportamento danoso à sociedade. A concorrência é o antídoto natural

contra o grande mal dos monopólios, apta a regular o mercado, conduzindo-se ao bem estar social, sem a

necessidade de intervenção estatal, ou seja, a existência do livre mercado seria assegurada sem que se

precisasse de maior atuação exógena. FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 3. ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 61-62. 274

BRASIL. Ministério da Justiça. Combate à cartéis e programa de leniência. Coleção SDE/CADE, Brasília, n.

01, 2009. p. 6. Disponível em:

<http://www.cade.gov.br/upload/Cartilha%20Leniencia%20SDE_CADE.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2017. 275

TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:

Método, 2011. p. 50.

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indagações acerca da plena liberdade de comércio e da necessidade de se impor limites para a

correção de eventuais distorções.276

A intervenção do Estado na atividade econômica justifica-se, por essa razão, na

acentuada necessidade de se reorganizar o mercado, criando políticas públicas hábeis em

garantir a livre competição por meio da repressão de estruturas nocivas, a exemplo dos

monopólios e cartéis, viabilizando, assim, a plena consagração dos direitos constitucionais da

livre iniciativa e da liberdade de concorrência.277

É neste contexto político-econômico que o Acordo de Leniência surgiu na legislação

nacional, por meio da Lei nº 10.149/2000, responsável por inserir os artigos 35-B e 35-C na

Lei nº 8.884/1994 (Lei Antitruste ou Lei da Concorrência).278

Com o referido instrumento,

passou-se a admitir a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de um

a dois terços da penalidade aplicável às pessoas físicas ou jurídicas que auxiliassem nas

investigações das infrações à ordem econômica.

Conforme João Grandino Rodas, os “acordos de leniência são aqueles firmados entre

um integrante-delator do cartel e a autoridade antitruste com vistas a reduzir ou afastar as

sanções que seriam aplicadas ao primeiro em troca de cooperação nas investigações”279

.

Constitui-se, pois, em um pacto de cooperação firmado entre o anuente e a autoridade

competente com o fito de punir os demais envolvidos na infração. Em troca da colaboração, o

infrator recebe imunidades administrativas e penais que poderão ser parciais ou integrais

dependendo do nível de comprometimento do denunciante.

276

PANTONI, Roberta Alessandra. Consensualidade como instrumento de legitimidade no processo

antitruste sancionador brasileiro: considerações sobre o “Acordo de Leniência”. 2012. 126 f. Dissertação

(Mestrado em Direito Público) - Faculdade de Direito, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia,

2012. f. 15. Disponível em:

<https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/13200/1/ConsensualidadeInstrumentoLegitimidade.pdf>.

Acesso em: 10 out. 2017. 277

Ibid., f. 16. 278

Segundo Roberta Pantoni, “Além de contar com eficácia material na repressão ao abuso do poder econômico,

tanto em sua vertente repressiva – contra as condutas anticoncorrenciais capazes de limitar ou prejudicar a

livre concorrência – como de forma preventiva – submetendo à aprovação pelo CADE os atos e contratos

hábeis a produzir qualquer forma de concentração econômica – a Lei n.º 8.884/1994 foi a responsável pela

sistematização de toda a matéria relativa à defesa da concorrência, bem como pela transformação do CADE

em autarquia federal, afirmando sua condição de órgão judicante e conferindo-lhe independência e autonomia

de atuação. A Lei n.º 8.884/1994 é um marco na defesa da concorrência do Brasil. Trata-se, por certo, do

melhor diploma legal antitruste que o país já teve, reflexo da conscientização da importância da temática

concorrencial por parte da sociedade.” PANTONI, Roberta Alessandra. Consensualidade como

instrumento de legitimidade no processo antitruste sancionador brasileiro: considerações sobre o

“Acordo de Leniência”. 2012. 126 f. Dissertação (Mestrado em Direito Público) - Faculdade de Direito,

Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2012. f. 33. Disponível em:

<https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/13200/1/ConsensualidadeInstrumentoLegitimidade.pdf>.

Acesso em: 10 out. 2017. 279

RODAS, João Gradino. Acordos de leniência em direito concorrencial: práticas e recomendações. Revista

dos Tribunais, São Paulo, v. 862, p. 22-33, ago. 2007. p. 22.

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O Acordo de Leniência é regulamentado pela Portaria de nº 456/2010 do Ministério da

Justiça que o conceitua em seu art. 59 como “instrumento fundamental para garantir a plena

concretização do princípio constitucional da livre concorrência, com especial relevância para

a implementação da Política Brasileira de Combate a Cartéis”280

.

O instrumento em estudo, pois, consagra a mesma lógica presente na delação premiada

e que se funda na obtenção de provas de crimes complexos (cada vez mais presentes na

sociedade de risco, conforme visto no item 3.1), visando a sua melhor apuração e a

condenação de todos os envolvidos. Seu objetivo precípuo é reprimir os cartéis, pois

possibilita que infrações desse tipo sejam rapidamente identificadas e comprovadas com

baixos custos, o que se compraz com o princípio constitucional da eficiência da administração

pública.

Segundo o sítio eletrônico do Conselho Administrativo de Defesa Econômica

(CADE), o programa de leniência é um dos principais instrumentos de repressão a cartéis no

Brasil e no mundo, de modo que a entidade já celebrou mais de 50 acordos dessa natureza

desde o ano 2000.281

Relevante destacar, ademais, que o Acordo de Leniência protege os administradores da

empresa denunciante tanto na esfera administrativa quanto penal, desde que todos integrem o

acordo. No regime da Lei nº 8.884/1994, ele era celebrado com a Secretaria de

Desenvolvimento Econômico – SDE, órgão responsável pela instrução dos processos

280

Os incisos I, II, III, IV do mesmo dispositivo estatuem os objetivos do Acordo de Leniência no combate às

violações à ordem econômica: I - detectar, investigar e punir infrações contra ordem econômica, notadamente

aquelas previstas nos artigos 20 e 21, I, II, III, IV e VIII, ambos da Lei Nº 8.884, de 11 de junho de 1994; II -

informar e orientar permanentemente as empresas e os cidadãos em geral, a respeito dos direitos e garantias

previstos nos artigos 35-B e 35-C da Lei Nº 8.884, de 11 de junho de 1994; III - conscientizar os órgãos

públicos a respeito da importância do Acordo de Leniência como instrumento fundamental de repressão e

punição das infrações contra a ordem econômica; e IV - assistir, apoiar, orientar e incentivar os proponentes à

celebração de Acordo de Leniência. BRASIL. Ministério da Justiça. Portaria de n. 456/2010. Disponível

em: <http://www.cade.gov.br/upload/2010PortariaMJ456.pdf>. Acesso em: 11 set. 2017. 281

BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Programa de leniência. Disponível em:

<http://www.cade.gov.br/assuntos/programa-de-leniencia>. Acesso em: 02 nov. 2017. O programa de

Leniência da Lei n. 8.884/94 previa os seguintes requisitos para a celebração do acordo: (a) O proponente

(empresa ou pessoa física) deve ser o primeiro a se apresentar à SDE e a admitir sua participação na prática

denunciada. Se uma empresa se habilita para leniência, todos os seus funcionários que admitirem seu

envolvimento no cartel receberão o benefício da leniência da mesma forma que a empresa, desde que assinem

o Acordo de Leniência juntamente com a empresa e colaborem com a SDE durante as investigações. Por

outro lado, caso a empresa não queira aplicar para o Programa de Leniência, seu funcionário poderia fazê-lo

individualmente, caso em que a proteção não se estende à empresa. (b) O proponente deve cessar seu

envolvimento na prática denunciada. (c) O proponente não pode ser o líder da prática denunciada. (d) O

proponente deve concordar em cooperar com a investigação. (e) A cooperação deve resultar na identificação

dos outros membros do cartel e na obtenção de provas que demonstrem a prática denunciada. (f) No

momento da propositura do Acordo, a SDE não pode dispor de provas suficientes para assegurar a

condenação do proponente. BRASIL. Ministério da Justiça. Combate à cartéis e programa de leniência.

Coleção SDE/CADE, Brasília, n. 01, 2009. p. 20. Disponível em:

<http://www.cade.gov.br/upload/Cartilha%20Leniencia%20SDE_CADE.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2017.

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administrativos que investigam infrações contra a ordem econômica, dentro do Sistema

Brasileiro de Defesa da Concorrência.

Rejeitado o acordo pela referida Secretaria (SDE), todos os documentos fornecidos

pela empresa proponente do acordo deviam ser devolvidos, garantido sigilo total. Além disso,

a proposta não aceita não importaria em confissão ou reconhecimento de ato ilícito, sob pena

da ameaça de ser considerado réu confesso abalar a confiança dos potenciais delatores,

desencorajando-os a denunciarem.282

Atualmente, o Direito Concorrencial é regulamentado pela Lei n. 12.529/2011,

derrogadora da Lei n. 8.884/94 (à exceção de seus arts. 86 e 87, que seguem vigentes), a qual

promoveu alterações pontuais no programa de leniência da anterior legislação, dedicando-lhe

capítulo próprio.283

É com base na Lei Antitruste vigente que se passará, agora, a se abordar,

282

BRASIL. Ministério da Justiça. Combate à cartéis e programa de leniência. Coleção SDE/CADE, Brasília, n.

01, 2009. p. 20. Disponível em:

<http://www.cade.gov.br/upload/Cartilha%20Leniencia%20SDE_CADE.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2017. 283

Art. 86. O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a

extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade

aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem

econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa

colaboração resulte: I - a identificação dos demais envolvidos na infração; e II - a obtenção de informações e

documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação. § 1o O acordo de que trata

o caput deste artigo somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: I

- a empresa seja a primeira a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob investigação; II - a

empresa cesse completamente seu envolvimento na infração noticiada ou sob investigação a partir da data de

propositura do acordo; III - a Superintendência-Geral não disponha de provas suficientes para assegurar a

condenação da empresa ou pessoa física por ocasião da propositura do acordo; e IV - a empresa confesse sua

participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo,

comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento. §

2o Com relação às pessoas físicas, elas poderão celebrar acordos de leniência desde que cumpridos os

requisitos II, III e IV do § 1o deste artigo. § 3

o O acordo de leniência firmado com o Cade, por intermédio da

Superintendência-Geral, estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o

resultado útil do processo. § 4o Compete ao Tribunal, por ocasião do julgamento do processo administrativo,

verificado o cumprimento do acordo: I - decretar a extinção da ação punitiva da administração pública em

favor do infrator, nas hipóteses em que a proposta de acordo tiver sido apresentada à Superintendência-Geral

sem que essa tivesse conhecimento prévio da infração noticiada; ou II - nas demais hipóteses, reduzir de 1

(um) a 2/3 (dois terços) as penas aplicáveis, observado o disposto no art. 45 desta Lei, devendo ainda

considerar na gradação da pena a efetividade da colaboração prestada e a boa-fé do infrator no cumprimento

do acordo de leniência. § 5o Na hipótese do inciso II do § 4

o deste artigo, a pena sobre a qual incidirá o fator

redutor não será superior à menor das penas aplicadas aos demais coautores da infração, relativamente aos

percentuais fixados para a aplicação das multas de que trata o inciso I do art. 37 desta Lei. § 6o Serão

estendidos às empresas do mesmo grupo, de fato ou de direito, e aos seus dirigentes, administradores e

empregados envolvidos na infração os efeitos do acordo de leniência, desde que o firmem em conjunto,

respeitadas as condições impostas. § 7o A empresa ou pessoa física que não obtiver, no curso de inquérito ou

processo administrativo, habilitação para a celebração do acordo de que trata este artigo, poderá celebrar com

a Superintendência-Geral, até a remessa do processo para julgamento, acordo de leniência relacionado a uma

outra infração, da qual o Cade não tenha qualquer conhecimento prévio. § 8o Na hipótese do § 7

o deste

artigo, o infrator se beneficiará da redução de 1/3 (um terço) da pena que lhe for aplicável naquele processo,

sem prejuízo da obtenção dos benefícios de que trata o inciso I do § 4o deste artigo em relação à nova

infração denunciada. § 9o Considera-se sigilosa a proposta de acordo de que trata este artigo, salvo no

interesse das investigações e do processo administrativo. § 10. Não importará em confissão quanto à matéria

de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada, a proposta de acordo de leniência rejeitada, da

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sucintamente, o acordo de leniência conhecido como concorrencial, antitruste ou do CADE

(Conselho Administrativo de Defesa Econômica284

).

Primeiramente, cabe referir que a legislação vigente manteve várias previsões da lei

anterior, bem como inseriu outras que já eram realizadas na prática para dar maior efetividade

aos acordos. O Acordo de Leniência é tratado na atual Lei Antitruste no capítulo VI, artigos

86 e 87, o qual alterou a competência para a sua celebração, que passou a ser da

Superintendência-Geral do CADE (antiga Secretaria de Direito Econômico - SDE). Tal se deu

porque a própria Lei em análise reformulou a composição do CADE, redundando na exclusão

da Secretaria de Desenvolvimento Econômico – SDE do Ministério da Justiça e a sua inclusão

na estrutura do CADE, sob a denominação de Superintendência-Geral.

Com relação às disposições existentes no regime legal anterior que permaneceram,

cita-se a possibilidade de extensão do Acordo de Leniência para as pessoas naturais

(administradores, empregados e demais colaboradores envolvidos na prática do cartel),

igualmente presente no modelo estadunidense acima analisado, sendo, inclusive, dispensado o

cumprimento do requisito de ser a denunciante a primeira se qualificar com respeito à

infração noticiada ou sob investigação.285

Também foi mantida a Leniência Plus, a qual possibilita, à empresa que teve sua

proposta de Acordo de Leniência rejeitada durante processo de instigação, denunciar a

qual não se fará qualquer divulgação. § 11. A aplicação do disposto neste artigo observará as normas a serem

editadas pelo Tribunal. § 12. Em caso de descumprimento do acordo de leniência, o beneficiário ficará

impedido de celebrar novo acordo de leniência pelo prazo de 3 (três) anos, contado da data de seu

julgamento. Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de dezembro

de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei

no 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de

1940 - Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do

curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da

leniência. Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a

punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo. BRASIL. Lei n. 12.529, de 30 de novembro de

2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às

infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei

no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei n

o 7.347, de 24 de julho de 1985;

revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei n

o 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá

outras providências. Brasília, DF, 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-

2014/2011/Lei/L12529.htm>. Acesso em: 14 ago. 2017. 284

Conforme Valdir Mysés Simão e Marcelo Pontes Vianna, “O Cade tem como missão precípua zelar pela livre

concorrência no mercado, sendo a entidade responsável, no âmbito do Poder Executivo, por fomentar e

disseminar a cultura da livre concorrência. Em seu conjunto de competências, o Cade reúne o poder de

investigar, decidir e, sendo o caso, aplicar penalidades se houver infrações à ordem econômica”. SIMÃO,

Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico, desafios

e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 81. 285

Art. 86, § 2º da Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011.

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existência de outra infração desconhecida pelo CADE, desde que antes do julgamento da

primeira infração investigada.286

Como será visto no item 4.2.2, essa não foi a opção do legislador da Lei

Anticorrupção, a qual permite a celebração do acordo apenas com a empresa que por primeiro

trouxe o fato ao conhecimento da administração, mesmo que outra empresa envolvida traga

novas informações completamente inéditas sobre o mesmo caso.

A Lei do CADE igualmente manteve a proteção ao sigilo da proposta, assim como a

impossibilidade de utilizar a proposta de Acordo de Leniência como confissão de prática de

ato ilícito. Por fim, igualmente permaneceu a suspensão do prazo prescricional e a posterior

extinção da punibilidade penal das pessoas que celebrarem o Acordo de Leniência.

Por ocasião do julgamento do processo administrativo, nas hipóteses em que a

proposta de acordo tiver sido apresentada à Superintendência-Geral sem que essa tivesse

conhecimento prévio da infração noticiada e, verificado o seu cumprimento, será decretada a

extinção da ação punitiva da administração pública em favor do infrator. Nas demais

hipóteses, nas quais o proponente tenha se disponibilizado a realizar o acordo depois que a

Superintendência-Geral já tivesse conhecimento da conduta, será reduzido de 1 (um) a 2/3

(dois terços) as penas aplicáveis, devendo ser consideradas na gradação da pena a efetividade

da colaboração prestada e a boa-fé do infrator no cumprimento do acordo de leniência.

Nada obstante, existem diferenças quanto aos benefícios aplicados, a depender de

quem propõe o acordo. Quando a leniência for firmada por uma empresa, é permitido que os

efeitos do acordo sejam estendidos às demais empresas do mesmo grupo, de fato ou de

direito, e aos seus dirigentes, administradores e empregados envolvidos na infração, desde que

todos firmem em conjunto e respeitadas as condições impostas. Mas o mesmo não ocorre se o

acordo for firmado por pessoa física. Nesse caso, em não integrando o acordo celebrado por

um de seus colaboradores, a pessoa jurídica não gozará dos benefícios da avença. Conforme o

guia oficial do CADE:

A não extensão automática dos benefícios é um fator que objetiva aumentar a

instabilidade do cartel, de modo que todos os participantes envolvidos, sejam eles

empresas ou pessoas físicas, permaneçam incentivados em denunciar a prática

anticompetitiva ao Cade o mais cedo possível.287

286

Art. 86, § 7º da Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011. 287

BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Programa de leniência. Disponível em:

<http://www.cade.gov.br/assuntos/programa-de-leniencia>. Acesso em: 02 nov. 2017.

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No âmbito das novas previsões implementadas pela Lei n. 12.529/2011, merece

menção a possibilidade de serem celebrados acordos de dispensa e atenuação especial da

sanção com quem tenha assumido o papel de líder na infração (o que era proibido pelo citado

art. 35-B da Lei n.º 8.884/1994).

A atual legislação antitruste alterou, ainda, a competência para a declaração da

extinção da punibilidade ou redução da pena, que agora não é mais do CADE, mas sim do

Tribunal competente, devendo ser feita quando do julgamento. A modificação visou inibir

discussões relativas à constitucionalidade da previsão, já que antes o acordo era celebrado por

uma autoridade administrativa, sem que sobreviesse homologação judicial.

Além disso, a Lei n.º 12.529/2011, na medida em que deixou de vetar, passou a

permitir que o líder do cartel celebre o Acordo de Leniência. Tal previsão pode ser vista como

um estímulo à celebração do Acordo de Leniência, pois permite a qualquer interessado, sem

restrição, assinar o pacto. Assim, não mais importa o status da participação do denunciante no

crime, sendo possível a celebração do acordo mesmo nos casos em que o celebrante figurar

como o “agente-principal”.

A Lei do CADE inovou também ao proibir a celebração de outro Acordo de Leniência

pelo prazo de três anos, caso o anterior tenha sido descumprido por seus participantes. 288

Importante referir, ainda, que a celebração de acordo de leniência determina a

suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação

ao agente beneficiário da leniência. Além disso, o benefício, que antes se aplicava somente

aos crimes contra a Ordem Econômica (Lei n. 8.137/1990), pela atual legislação se estende

aos demais crimes diretamente relacionados à prática do cartel, a exemplo dos licitatórios (Lei

n. 8.666/1993), importando em extinção da punibilidade desses crimes caso o acordo seja

devidamente cumprido. Contudo, o programa de leniência brasileiro não confere imunidade

na esfera cível, podendo os signatários de acordos de leniência ser processados por danos

causados a terceiros.

Acerca dessa previsão, Valdir Moysés Simão e Marcelo Pontes Vianna alertam que o

Ministério Público, por força constitucional, é detentor da titularidade da ação penal pública

(art. 129, inc. I da CF/88). Desse modo, a Lei n. 12.529/2011 previu hipótese na qual decisão

administrativa obstaculiza o exercício de múnus constitucional conferida a órgão diverso.

Mas, apesar dessa aparente contradição, os autores referem não haver notícia de que tal

previsão tenha configurado impedimento à implementação dos acordos de leniência antitruste.

288

Art. 86, § 12. da Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011.

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131

Para contornar tal empecilho, busca-se a interveniência do Ministério Público nos acordos

celebrados pelo CADE, a fim de conferir maior segurança jurídica ao instrumento, mesmo

que a lei a tanto não tenha exigido.289

Esta é a compreensão sufragada pela autarquia em seu guia oficial sobre o acordo de

leniência:

Muito embora os artigos 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011 não exijam expressamente a

participação do Ministério Público para a celebração de Acordo de Leniência

Antitruste, a experiência consolidada do Cade é no sentido de viabilizar a

participação do Ministério Público, titular privativo da ação penal pública e detentor

de atribuição criminal, tendo em vista as repercussões criminais derivadas da

leniência. Assim, o Ministério Público (Estadual e/ou Federal) pode participar da

assinatura do acordo como agente interveniente, mesmo nos casos de carteis

internacionais, a fim de conferir maior segurança jurídica aos signatários do Acordo

de Leniência, além de facilitar a investigação criminal do cartel em face dos demais

envolvidos.290

Como se verá melhor no item pertinente, esta é uma substancial diferença com relação

ao Acordo de Leniência previsto na Lei Anticorrupção, visto que este diploma apenas

concede benefícios na esfera administrativa. Enquanto, no CADE, existe a possibilidade de a

pessoa física e a pessoa jurídica articularem conjuntamente a celebração de um acordo, na Lei

Anticorrupção tal hipótese não se afigura viável.

Para Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna, a empresa e funcionários, na Lei

do CADE, podem sopesar em conjunto os benefícios da leniência e apresentar uma versão

mais completa dos fatos denunciados, pois a imunidade criminal tende a albergar maior

tranquilidade às pessoas naturais interessadas em colaborar com as investigações; já na Lei

Anticorrupção, o panorama de colaboração das pessoas físicas envolvidas na infração é de

mais difícil configuração, sendo mais provável que a empresa se confronte com o dilema de

preservar ou não seus dirigentes e funcionários envolvidos na infração, diante da iminência de

uma persecução criminal.291

Segundo Victor Santos Rufino, no que toca à publicidade da informação, o programa

de leniência prevê o acesso restrito tanto à identidade dos signatários de um eventual acordo,

quanto aos documentos comercialmente sensíveis que lhes pertençam. Veda-se a divulgação

do acordo de leniência e de seus anexos, sob pena de responsabilização administrativa, civil e

289

SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,

desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 85. 290

BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Programa de leniência. Disponível em:

<http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia_programa-de-

leniencia-do-cade-final.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2017. 291

SIMÃO; VIANNA, op. cit., p. 87.

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penal dos responsáveis. Em geral, a identidade dos signatários da leniência e informações

essenciais para o desfecho do caso são tornadas públicas no julgamento do processo

administrativo, quando da divulgação do voto público do Conselheiro Relator (Artigo 207,

§2º, item II, do Regimento Interno do CADE).292

Este, em síntese, é o panorama legal do Acordo de Leniência antitruste, merecendo ser

acentuado tratar-se de sistema baseado em uma estrutura escalonada de incentivos a

permanente colaboração dos particulares com a investigação da administração, tudo baseado

na ordem de chegada das denúncias, do estágio do processo e do grau de colaboração. Além

disso, é um programa que prima pela transparência, visto que no site do CADE consta amplo

material sobre o assunto, com guias e divulgação dos casos já julgados pela autarquia. Tais

características trazem segurança jurídica aos infratores na deliberação quanto à oportunidade

de celebração do Acordo de Leniência.

Ao final deste tópico, aduz-se que as veredas eleitas pela legislação antitruste, nos

planos internacional e nacional, oferecem prestimoso modelo para o acordo de leniência

anticorrupção, inteligência presente na exposição do tema que se descortinará a partir do

próximo item.

4.2 Programa de Leniência na Lei Anticorrupção

Como visto no item anterior, embora inicialmente projetado para a coibição de

infrações à ordem econômica, o acordo de leniência passou a se revelar como um relevante

instrumento apurador de ilícitos praticados por organizações criminosas sofisticadas, em razão

da acentuada dificuldade para a obtenção de provas.

Dentre estes ilícitos, destacam-se os atos de corrupção, motivo pelo qual a Lei

Anticorrupção, inspirada no consagrado modelo norte-americano (Leniency Program),

analisado no item 4.1.1, regulou o acordo de leniência em um capítulo próprio, de modo que o

instrumento passa a se apresentar como um mecanismo jurídico de obtenção célere de provas

e de resolução consensual do processo administrativo de responsabilização das pessoas

jurídicas pela prática de atos de corrupção (PAR). Mas, antes de se adentrar no exame da

legislação, é oportuno perscrutar acerca da possibilidade da Administração Pública negociar

com o interesse público. Este é o objeto do próximo tópico.

292

RUFINO, Victor Santos. Os fundamentos da delação: análise do programa de leniência do CADE à luz da

teoria dos jogos. 2016. 101 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Pós-Graduação da Faculdade

de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2016. f. 48. Disponível em:

<http://www.docs.ndsr.org/docdissertacaoVictorRufino.pdf>. Acesso em: 15 out. 2017.

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133

4.2.1 Conceituação, Natureza Jurídica e Finalidade. A Questão da Indisponibilidade do

Interesse Público

O presente item objetiva apresentar propostas, existentes na doutrina, de conceituação

do acordo de leniência, bem como investigar qual a sua natureza no âmbito das categorias

jurídicas. Além disso, impende objetivar qual a finalidade genuína de um eficaz programa de

leniência no âmbito do combate a corrupção, tarefa que não se revela singela em face da

natureza pública dos direitos envolvidos, aliada ao fato de que a Administração Pública segue

vinculada ao princípio da legalidade. Assim, investiga-se a possibilidade, as condições e os

limites para que se possa cogitar do exercício negociado de competências administrativas

unilaterais, ou, em última análise, de se negociar com o próprio interesse público.

Segundo Egon Bockmann Moreira e Andreia Cristina Bagatin, se revela

consideravelmente complexo, na atualidade, o exercício de atividades estatais destinadas a

regular os novos setores econômicos e a disciplinar e controlar a atuação de seus agentes. Por

essa razão, paulatinamente vem se reconhecendo que a participação dos particulares pode ser

benéfica não só para os eventuais interessados, mas, igualmente, para o exercício das

competências administrativas. Nas palavras destes juristas: “Assim, tem-se cogitado admitir a

introdução de algum nível de negociação/contratualização no âmbito de competências

administrativas tradicionalmente autoritárias e unilaterais.”293

Contudo, asseveram que o fenômeno não representa que, necessariamente, a colusão

de vontades irá dar lugar a contratos administrativos, mas a atos administrativos consensuais,

visto que a primeira espécie apenas seria aquela que se enquadrasse nos ditames da Lei n.

8.666/1993 (Lei das Licitações). 294

293

MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina. Lei anticorrupção e quatro de seus principais

temas: responsabilidade objetiva, desconsideração societária, acordos de leniência e regulamentos

administrativos. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 55-84,

jul./set. 2014. p. 77.

Para Thiago Marrara “os acordos de leniência representam o ponto mais delicado do movimento de

consensualização e de horizontalização da Administração Pública, na medida em que se inserem em uma

atividade tradicionalmente verticalizada, em que o Estado costuma agir de modo unilateral, monológico e

pouco cooperativo diante do cidadão. MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo

brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito

Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-527, jun. 2015. Disponível em:

<http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>. Acesso em: 8 ago. 2017. 294

Em razão da pertinência de seu pensamento, reproduz-se excerto de suas ponderações: “De toda a forma, a

estruturação do Direito Administrativo brasileiro não permite que se reconduza o exercício negociado de

poderes unilaterais à categoria dos contratos administrativos. Isso porque, no Brasil, a expressão remete

primariamente à aplicação da Lei nº 8.666/1993, que disciplina exclusivamente contratos de aquisição de

bens e serviços, sem qualquer preocupação com a disciplina de outras formas de concertação entre

Administração Pública e particulares. Assim, pode-se afirmar que a categoria aproxima-se dos ‘atos

administrativos consensuais’. A expressão parece adequada, pois, ao mesmo tempo em que destaca a faceta

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Os autores acima citados ressaltam a importância de existir uma lei autorizadora para

que se possa cogitar do exercício negociado de competências administrativas unilaterais, visto

que a Administração Pública segue vinculada ao princípio da legalidade. Nesse aspecto,

contudo, a legislação administrativa nacional não prevê cláusulas genéricas que autorizem a

negociação de competências unilaterais, de tal modo que inexiste um regime jurídico geral

sobre a temática. Essa realidade exige “a investigação casuística acerca de cada uma das

previsões legais e do regime jurídico a que porventura remetem”.295

Juliana Bonacorsi de Palma expressa o mesmo entendimento, referindo que o modelo

brasileiro de consensualidade administrativa é normativo difuso: em algumas leis encontram-

se previsões que permitem à Administração uma solução consensual; mas inexiste um

permissivo genérico, que englobe acordos em todas as esferas administrativas, como ocorre

em outros países.296

Por essa razão, descabe se concluir em violação ao princípio da

legalidade quando a Administração celebra Acordo de Leniência regularmente previsto na

legislação pátria (a exemplo, da Lei Anticorrupção).

Desse modo, é lícito concluir que a Administração está vinculada a conceder somente

os benefícios legalmente previstos (extensão, limites, etc), havendo, de outro lado,

discricionariedade tanto com relação à sua dosimetria (desde que respeitadas as limitações

negocial da atuação administrativa nessas situações, não perde de vista que tal concerto paira sobre

competências que originalmente deveriam ser exercidas unilateralmente. Ou seja: na mesma proporção que

não reconduz tais atos à categoria dos contratos administrativos (que, desde o início, tem-se que deverão ser

praticados por ato bilateral), não autoriza que sejam identificados com os atos administrativos praticados no

exercício de competências unilaterais. Quanto ao regime jurídico, tem-se que os atos que impliquem a

negociação de competências unilaterais não podem ser reconduzidos ao regime geral dos contratos

administrativos (Lei nº 8.666/1993). Isso tanto porque, como acima demonstrado, esses atos não são

identificados com contratos administrativos puros, quanto porque há evidente disparidade entre aquela

realidade e a fixada para os contratos administrativos brasileiros. Assim, essa modalidade de atuação

administrativa será reconduzida à categoria geral dos atos administrativos, colocando-se ao lado dos atos que

resultam de declarações unilaterais da Administração.” MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia

Cristina. Lei anticorrupção e quatro de seus principais temas: responsabilidade objetiva, desconsideração

societária, acordos de leniência e regulamentos administrativos. Revista de Direito Público da Economia –

RDPE, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 55-84, jul./set. 2014. p. 78-79. Thiago Marrara possui entendimento

diverso. Para ele, o acordo de leniência se trata de um “acordo administrativo integrativo, ou seja, de ajuste

que se acopla a processo administrativo com a finalidade de facilitar sua instrução.” A natureza integrativa

decorre da relação essencial do ajuste com o processo sancionador, sem o qual não haveria sentido ou

fundamento para cooperação. MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo

brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito

Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-527, jun. 2015. Disponível em:

<http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>. Acesso em: 8 ago. 2017. 295

MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina. Lei anticorrupção e quatro de seus principais

temas: responsabilidade objetiva, desconsideração societária, acordos de leniência e regulamentos

administrativos. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 55-84,

jul./set. 2014. p. 77-78). 296

PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação administrativa consensual: estudo dos acordos substitutivos no

processo administrativo sancionador. 2010. 332 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito

de São Paulo, São Paulo, 2010. f. 189. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-

18112011-141226/pt-br.php>. Acesso em: 10 jul. 2017.

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legais), quanto no concernente à concessão ou não de todos os beneplácitos previstos pela

legislação.

Estabelecidas, pois, a legalidade e a natureza jurídica dessa nova modalidade de

atuação administrativa consensual – não configura uma relação contratual, mas resulta de atos

administrativos (declarações unilaterais da administração) – insta assinalar que o acordo de

leniência não importa em renúncia do interesse público, mas na negociação dos meios de

alcança-lo com mais rendimento. Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a velha ótica

de que, na esfera administrativa, não se poderia negociar com o interesse público, encontra-se

ultrapassada. Em todas as modalidades preventivas e de composição de conflitos relacionados

à “Administração Pública, no âmbito do Direito Administrativo, jamais se cogita de negociar

o interesse público, mas, sim, de negociar os modos de atingi-lo com maior eficiência”.297

Para o autor, o interesse em apaziguar as ordens social e econômica justifica que se

busquem meios alternativos de atendimento ao interesse público em jogo, os quais nem

sempre serão aqueles que a Administração executa de modo unilateral. Nesse sentido, os

acordos substitutivos constituem instrumentos administrativos que poderão ser manejados

pelo Poder Público sempre que, de ofício ou mediante provocação do interessado, for

constatado que “uma decisão unilateral de um processo poderá ser vantajosamente substituída

por um acordo em que o interesse público, a cargo do Estado, possa ser atendido de modo

mais eficiente, mais duradouro, mais célere ou com menos custos”.298

Assumindo-se, pois, a ideia de que a atribuição investigatória das infrações da Lei

Anticorrupção é exercida por meio de competências unilaterais, o acordo de leniência permite

a substituição de parcela desses atos unilaterais por um ato bilateral, no qual Administração e

particulares estejam mutuamente obrigados.

Sérgio Ferraz ressalta as vantagens do acordo de leniência porque ele não apenas

encerra uma situação de litigiosidade entre a Administração e o administrado, como facilita a

apuração de ilícitos ocorridos e a prevenção ao cometimento de outros. Ademais, em nada

interfere com os princípios da indisponibilidade do interesse público e o da legalidade,

inclusive porque somente admissível em razão de expressa previsão em lei (em sentido

estrito).299

297

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novas tendências da democracia: consenso e direito público na

virada do século: o caso brasileiro. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, n.

13, mar./maio 2008. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 18 out. 2017. 298

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de

Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 231, p. 153-154, 2003. 299

FERRAZ, Sérgio. A responsabilização na lei anticorrupção. Revista de Direito Administrativo

Contemporâneo, São Paulo, v. 3, n. 18, p. 33-47, maio/jun. 2015. p. 40.

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De modo congênere, Thiago Marrara assevera: “a cooperação com o infrator que se dá

por meio da leniência é a própria concretização da supremacia do interesse público”. O autor

constata que: enquanto de um lado os ilícitos estão cada vez mais complexos e nocivos;300

de

outro, mesmo os poderes investigatórios mais lesivos às inviolabilidades constitucionais, a

exemplo da busca e apreensão e das interceptações telefônicas, revelam-se incapazes de trazer

a lume as provas necessárias a um processo acusatório eficaz.301

Em um segundo trabalho, o autor em questão refere que, há décadas atrás, seria

impensável a uma autoridade pública dialogar com um infrator confesso, responsável por

desvios bilionários de recursos financeiros, descortinando-se à Administração tradicional

apenas a via do devido processo acusatório, no qual ela deveria esforçar-se para levantar

provas idôneas à punição dos infratores. Mas, frente à nova realidade, muitos Estados se

depararam com o dilema de negociar com base em processos administrativos fortemente

instruídos ou não negociar e assentir com o crescimento da impunidade decorrente da

fraqueza probatória de processos de acusação baseados em técnicas tradicionais de instrução.

Por fim, ressalta:

[...] negociar não para beneficiar gratuitamente, não para dispor dos interesses

públicos que lhe cabe zelar, não para se omitir na execução das funções públicas.

Negociar sim, mas com o intuito de obter suporte à execução bem sucedida de

processos acusatórios e atingir um grau satisfatório de repressão de práticas ilícitas

altamente nocivas que sequer se descobririam pelos meios persecutórios e

fiscalizatórios clássicos.302

300

Márcio de Aguiar Ribeiro, na mesma passada, frisa que o acordo de leniência desponta “especialmente nas

situações de discrepância entre o poder investigativo da Administração e o imponente poder econômico e

material de grandes corporações e organizações, que se pautam por uma atuação delitiva cada vez mais

especializada e dissimulada, desequilíbrio a se sentir na implacável dificuldade para obtenção de provas dos

ilícitos, no seu alto custo investigativo e na correspondente demora da apuração”. RIBEIRO, Márcio de

Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei anticorrupção empresarial.

Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 228. 301

MARRARA, Thiago. Leniência do Estado: lei anticorrupção permite que inimigo vire colega. Consultor

Jurídico, São Paulo, 15 nov. 2013. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-nov-15/thiago-

marrara-lei-anticorrupcao-permite-inimigo-vire-colega>. Acesso em: 18 out. 2017.

Conforme Fábio Medina Osório, as atividades instrutórias dificultaram-se em razão do respeito obrigatório ao

princípio da presunção de inocência e da vedação de se obrigar alguém a produzir provas contra si mesmo.

Assim, a complexidade das infrações em si, somada às essenciais garantias processuais que passaram a ser

asseguradas, ao cidadão, ao longo das décadas, provocaram com que os custos operacionais das tarefas

processuais do Estado aumentassem em demasia e, por conseguinte, acentuou-se consideravelmente a

improbabilidade de sucesso nos processos administrativos acusatórios. OSÓRIO, Fábio Medina. Direito

administrativo sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 502-503. 302

MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime

jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-

527, jun. 2015. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>. Acesso em: 8

ago. 2017. No mesmo tom pragmático se manifesta José Alexandre da Silva Zachia Alan: “Por fim, há de se

destacar que não é possível enxergar em tais disposições a mitigação das sanções ou de evitação dos

processos por conta de reconhecimento de mecanismo de direito premial, vertido em contraconduta que pode

ser positivamente valorada. Ademais, tampouco se pode compreender tal mecanismo de mitigação de

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Marlon Roberto Sales e Clodomiro José Bannwart Júnior explicam que, na atualidade,

a Administração Pública consensual, ou dialógica, vem superando o paradigma da

Administração burocrática e verticalizada. Se desperta para a necessidade de uma

Administração Pública aberta ao diálogo e ao consenso com os atores sociais, permitindo-se a

participação direta dos cidadãos na tomada de decisões, corolário de um Estado Democrático

de Direito cujos objetivos muitas vezes podem ser mais bem alcançados mediante a adoção de

instrumentos negociais, ao revés dos mecanismos regulatórios verticais, corriqueiramente

mais gravosos para os interesses envolvidos. Para os autores, “a consensualidade é um

instrumento de legitimidade dos Acordos de Leniência que, por sua vez, é um instrumento de

manifestação do paradigma da Administração Pública Dialógica”, visto permitir a

participação do infrator na tomada das decisões administrativas.303

No mesmo diapasão, Márcio de Aguiar Ribeiro afirma que a Lei Anticorrupção advém

nesse novo contexto processual marcado por uma atuação mais dialógica da Administração

Pública, no qual se permite, em adendo ao tradicional modelo unilateral de investigação e

sancionamento, a negociação com o ente processado. Tal política legal tem por desiderato a

responsabilidade por decorrente do reconhecimento de baixa lesividade ou, mesmo, escolha por

autocomposição por mecanismo de desafogo do Poder Judiciário. Com efeito, resta claro que se está diante

de mecanismo de colaboração vazado exclusivamente no propósito de acréscimo de eficiência do sistema

sancionatório. Em outros e melhores termos: fala-se de mecanismo lançado a que o sistema punitivo opere

mais eficientemente.” ALAN, José Alexandre da Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à

corrupção. Uma abordagem sob a perspectiva da Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio

de Janeiro, v. 275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p. 203. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20 jan. 2018. 303

SALES, Marlon Roberto Sales; BANNWART JÚNIOR, Clodomiro José. O acordo de leniência: uma análise

de sua compatibilidade constitucional e legitimidade. Revista do Direito Público, Londrina, v. 10, n. 3, p.

31-50, set./dez. 2015. p. 46-47.

Moreira Neto e Véras de Freitas explicam que, por meio da via dialógica, a Administração Pública opta por

uma atuação consensual cabível apenas em hipóteses legalmente previstas, tudo no afã de tutelar, de modo

mais eficiente, o interesse público primário. Eles destacam que, nesses atos, a Administração não dispõe

sobre direitos públicos, “mas sobre as vias formais para satisfação do interesse público envolvido. De resto, o

ordenamento jurídico brasileiro está repleto de previsões de acordos substitutivos, tais como o que ora se

comenta.” Os autores ainda exemplificam com os seguintes outros atos reguladores de caráter normativo,

instituidores de acordos substitutivos: “a Resolução de Diretoria Colegiada RDC/57, da Agência Nacional de

Saúde (ANS), que disciplina o termo de compromisso de ajuste de conduta no âmbito administrativo

regulatório setorial daquela autarquia, e a Resolução nº 442/04, da Agência Nacional de Transportes

Terrestres (ANTT), que dispõe sobre o termo de compromisso de ajuste de conduta nas matérias de sua

competência deslegalizada, a Resolução nº 33/2008, da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que

estabelece critérios e procedimentos para celebração de Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta entre

esta autarquia e as concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços e instalações de energia elétrica,

a Resolução nº 987/2008, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), que estabelece o

procedimento de fiscalização e aplicação de sanções administrativas neste setor regulado.” MOREIRA

NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da lei anticorrupção: reflexões e

interpretações prospectivas. Disponível em: <http://www.

editoraforum.com_br/ef/wpcontent/uploads/2014/O1/ART_Diogo-Figueiredo-Moreira-Neto-

etaI_LeiAnticorrupcao.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017.

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suavização da sanção administrativa em troca de uma colaboração efetiva por parte do

delator. Nesse toar, o autor define o acordo de leniência anticorrupção como

[...] o ato administrativo consensual por meio do qual a Administração Processante

concede isenções ou atenuações de sanções administrativas imputáveis a

determinado infrator em troca de uma efetiva colaboração processual, consistente na

apresentação de informações relevantes e provas diretas relacionadas à prática de

ilícitos administrativos, que permitam inferir, de forma substancial, a existência de

elementos notórios de autoria e materialidade.304

Ibrahim Sobral também relaciona a Leniência com brandura ou suavidade. Para o

autor, o acordo de leniência, no processo administrativo sancionador, designa um ajuste entre

a autoridade pública e um infrator confesso, por meio do qual o primeiro recebe a colaboração

probatória do segundo em troca da suavização da punição ou mesmo da sua extinção. Trata-se

de instrumento negocial com obrigações recíprocas, pelo qual o delator assume os riscos e as

contas de confessar uma infração e colaborar com o Estado no exercício de seu poder de

investigação e punição.305

Conforme Gesner de Oliveira e João Grandino Rodas, a leniência envolve uma efetiva

transação entre o Estado e o particular, o qual, em troca de informações facilitadoras “da

instauração, da celeridade e da melhor fundamentação do processo, possibilita um

abrandamento ou extinção da sanção em que este incorreria, em virtude de haver também

participado na conduta ilegal denunciada.”306

Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Rafael Véras de Freitas assim definem o

instrumento:

Trata-se de acordo substitutivo: atos administrativos complexos, por meio dos quais

a Administração Pública, pautada pelo princípio da consensualidade, flexibiliza sua

conduta imperativa e celebra com o administrado um acordo, que tem por objeto

304

RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei

anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 228. 305

SOBRAL, Ibrahim Acácio Espírito. O acordo de leniência: avanço ou precipitação? Revista IBRAC, São

Paulo, v. 8, n. 2, p. 131-146, 2001. p. 133. 306

OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. Direito e economia da concorrência. Rio de Janeiro:

Renovar, 2004. p. 253.

Acerca do fornecimento de informações privilegiadas, Marrara leciona que, em outros sistemas jurídicos, as

delações são também designadas como sistema de bônus, de anistia ou da “testemunha da coroa”. Esta última

expressão “simboliza a cena do infrator que confessava a prática, delatava os coautores e permanecia ao lado

do trono em contraposição aos demais acusados pelo monarca. Seja qual for a terminologia preferida, a ideia

central é única e consiste na colaboração que o infrator oferece ao Estado no desejo de obter o benefício da

exclusão da punibilidade ou a redução da sanção.” MARRARA, Thiago. Sistema brasileiro de defesa da

concorrência. São Paulo: Atlas, 2015. p. 332.

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substituir, em determinada relação administrativa, uma conduta, primariamente

exigível, por outra secundariamente negociável.307

Nada obstante, oportuna a ressalva de Márcio de Aguiar Ribeiro de que, não sendo o

acordo de leniência um mecanismo de negociação do interesse público em si, mas um

limitado meio de negociação da melhor forma de atendê-lo, “não restam dúvidas acerca da

existência de aspectos inegociáveis no bojo do acordo a ser firmado, dentre os quais, sem

sombra de dúvidas, a recomposição do patrimônio violado”308

.

No concernente à expressão “leniente”, cabem, igualmente, algumas ponderações

terminológicas. Conforme Ana Paula Martinez, “é amplamente disseminado o uso da palavra

‘leniente’ para referir-se ao signatário do acordo de leniência. Leniente é o órgão ou entidade

pública que celebra o acordo, e não supostamente aquele que tomou parte em um ilícito.”309

No mesmo tom é a cátedra de Thiago Marrara.310

Por derradeiro, vale frisar que a tendência à consagração de uma Administração

Pública consensual ou dialógica se materializou em diploma legal próprio: a Lei n.º 13.140,

de 26 de junho de 2015 (Lei da Mediação), a qual dispõe expressamente acerca da

possibilidade de autocomposição de conflitos no âmbito da própria administração.

4.2.2 Regime e Estrutura do Acordo de Leniência no Âmbito da Lei Anticorrupção

A Legislação Anticorrupção oferece sistemática própria para o acordo de leniência.311

307

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da lei anticorrupção:

reflexões e interpretações prospectivas. Disponível em: <http://www.

editoraforum.com_br/ef/wpcontent/uploads/2014/O1/ART_Diogo-Figueiredo-Moreira-Neto-

etaI_LeiAnticorrupcao.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017. 308

RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei

anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 239. Esta, aliás, é a disposição expressa do §3º

do art. 16 da LAC: “o acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente

o dano causado”. BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização

administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou

estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 309

MARTINEZ, Ana Paula. Desafios do acordo de leniência da Lei n. 12.846/2013. Revista do Advogado, São

Paulo, v. 34, n. 125, p. 25-30, dez. 2014. p. 26. 310

“Em algumas áreas, como no direito concorrencial, costuma-se apontar o particular que celebra o acordo

como “leniente”. A terminologia em questão mostra-se claramente inadequada. Na prática, o papel de

leniente é exercido pela entidade pública. É ela que age com brandura no exercício de seu poder punitivo

perante o infrator colaborador. Leniente é o Estado e apenas ele. O particular deve ser chamado de

colaborador ou de beneficiário da leniência.” MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo

administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito

Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-527, jun. 2015. p. 512. Disponível em:

<http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>. Acesso em: 8 ago. 2017. 311

A temática é tratada nos arts. 16 e 17 da Lei Anticorrupção, tendo ainda sido regulamentada nos arts. 28 a 40

do Decreto Federal n.º 8.420/15. BRASIL. Decreto n. 8.420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei

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Na forma da lei, o instrumento poderá ser celebrado pela autoridade máxima de cada

órgão ou entidade pública com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos

legislativamente caracterizados como lesivos à Administração Pública, tendo por objetivo a

isenção ou a atenuação das sanções ali previstas, desde que colaborem efetivamente com as

investigações e o processo administrativo, sendo que, dessa colaboração, deve resultar a

identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber, e a obtenção célere de

informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração. 312

A administração pública poderá também celebrar acordo de leniência com a pessoa

jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na Lei das Licitações e Contratos

Administrativos, com vistas à isenção ou atenuação das sanções administrativas que

restringem ou impedem o direito de licitar (art. 17).

O presente trabalho se ocupa apenas da primeira espécie de acordo de leniência,

estritamente relacionada ao controle anticorrupção. Nesta etapa, pois, é oportuno reprisar,

apertadamente, o liame gnosiológico da pesquisa.

no 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas

pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Brasília,

DF, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-

2018/2015/Decreto/D8420.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 312

Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as

pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as

investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte: I - a identificação dos demais

envolvidos na infração, quando couber; e II - a obtenção célere de informações e documentos que

comprovem o ilícito sob apuração. § 1o O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se

preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar

sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito; II - a pessoa jurídica cesse completamente seu

envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo; III - a pessoa jurídica admita

sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo

administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu

encerramento. § 2o A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no

inciso II do art. 6o e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável. §

3o O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado.

§ 4o O acordo de leniência estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e

o resultado útil do processo. § 5o Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que

integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto,

respeitadas as condições nele estabelecidas. § 6o A proposta de acordo de leniência somente se tornará

pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo

administrativo. § 7o Não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de

acordo de leniência rejeitada. § 8o Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica

ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela

administração pública do referido descumprimento. § 9o A celebração do acordo de leniência interrompe o

prazo prescricional dos atos ilícitos previstos nesta Lei. § 10. A Controladoria-Geral da União - CGU é o

órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no

caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira. BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de

agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de

atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF, 2013.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23

set. 2015.

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A Lei Anticorrupção objetiva prevenir a corrupção por meio de instrumentos que a

inibam e que a denunciem, nomeadamente a previsão de minoração das sanções para a

empresa que institui um programa de compliance considerado válido pelos padrões

regulamentares estudados no item 3.3. Além disso, a norma citada prevê um estruturado

sistema de punição para pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública,

nacional ou estrangeira, com multas que podem alcançar 20% do faturamento bruto da

empresa ou 60 milhões de reais (item 3.2.2).

Nessa inteligência, a Lei Anticorrupção busca evitar e punir as pessoas jurídicas que

pratiquem atos atentatórios ao patrimônio público nacional ou estrangeiro, aos princípios da

administração pública ou, ainda, aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, tudo

nos termos previstos na legislação em foco.

Mas, conforme visto nos primeiros itens do presente capítulo, na ambiência da

sociedade de risco, a investigação e a punição de atos de corrupção, máxime quando

envolvem organizações criminosas, são complexas e dependentes de provas de acesso restrito

e dificultado. Lélio Braga Calhau observa que o crime evoluiu de tal modo que o delinquente

solitário ou ladrão de ocasião, já possui a resposta necessária no sistema jurídico-criminal

para os seus atos. A situação muda quando se cuida da criminalidade profissional, “com a

atuação hierárquica, sigilosa e quase sempre compartimentada de seus vários membros, sendo

que necessariamente poucos conhecem o funcionamento da parte superior da organização

criminal” 313

.

Por essa razão, a o acordo colaborativo se funda no fato de que, nesses tipos de

ilícitos, a sua investigação e resolução serão muito dificultosas se não se permitir ter acesso a

dados oriundos de membros da organização criminosa. Este fato motivou o legislador a

contemplar o acordo de leniência na Lei Anticorrupção, instrumento pertinente, inclusive,

para aquelas empresas que, mesmo tendo cumprido todos os requisitos-padrão do compliance,

ainda assim findaram por se envolver na prática de comportamentos reconhecidos como atos

de corrupção.

No concernente à regulamentação legal do acordo de leniência anticorrupção, o

primeiro ponto que Marcio de Aguiar Ribeiro314

destaca concerne ao fato de que ele somente

será proposto quando houver interesse da Administração na obtenção de novos elementos

313

CALHAU, Lélio Braga. Use com moderação: delação é arma importante para enfrentar crime organizado.

Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 29 ago. 2005. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2005-

ago-29/delacao_arma_importante_enfrentar_crime_organizado>. Acesso em: 29 out. 2017. 314

RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei

anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 233.

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probatórios. A própria letra da lei dispõe que da colaboração deverá resultar a identificação

dos demais envolvidos e a célere obtenção de informações e documentos que comprovem o

ilícito sob apuração.

Por essa razão, o autor apregoa que o entabulamento do acordo não constitui direito

subjetivo do acusado, mas instrumento em prol do melhor para o processo segundo a ótica do

Ente Público, com base nos elementos probatórios até então colhidos.315

Nada obstante, a

delação deverá ser considerada, ao menos, como elemento geral de atenuação da pena, na

forma do art. 7º, inciso VII da LAC.316

E arremata:

Por isso, o aspecto tempestividade da informação denota destacada relevância na

análise da pertinência e cabimento do ato administrativo consensual. Inobstante a

proposta de acordo possa ser feita, nos termos do parágrafo 2º, do art. 30, do Decreto

Federal nº 8.420/15, até a conclusão do relatório final, quanto mais avançada se

encontrar a marcha processual, mais minuciosos e precisos deverão ser os dados

fornecidos pela pessoa jurídica, comprovando efetivamente a prática do ilícito, a fim

de que possam ser aproveitados no bojo do processo.317

A Norma Anticorrupção prevê que o Acordo de Leniência deve ser celebrado entre a

pessoa jurídica responsável pela prática do ato lesivo e a autoridade máxima do órgão ou

entidade. No concernente aos atos lesivos contra a Administração Pública Federal e contra a

Administração Estrangeira, o órgão competente para a celebração dos acordos é a

Controladoria Geral da União.318

O modelo se distingue do adotado pela colaboração

315

Marrara explica que a “leniência não exclui a ação unilateral do Estado. Como o acordo serve para que a

autoridade pública obtenha provas que facilitem a instrução e a punição, é normal que o acordo conviva com

o processo e com um ato administrativo final de natureza punitiva ou absolutória. Essa observação é

relevante para evitar qualquer impressão de que os modelos de administração consensual e contratual venham

a sepultar o estilo de administração unilateral. Qualquer impressão nesse sentido é falsa. Técnicas de

administração consensual e unilateral podem conviver e a leniência comprova essa afirmação, na medida em

que o acordo subsidia a formação de um ato administrativo final no processo punitivo.” MARRARA, Thiago.

Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas

emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-527, jun. 2015.

Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>. Acesso em: 8 ago. 2017. 316

Art. 7o Serão levados em consideração na aplicação das sanções: I - a gravidade da infração; II - a vantagem

auferida ou pretendida pelo infrator; III - a consumação ou não da infração; IV - o grau de lesão ou perigo de

lesão; V - o efeito negativo produzido pela infração; VI - a situação econômica do infrator; VII - a

cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; VIII - a existência de mecanismos e

procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação

efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; IX - o valor dos contratos mantidos

pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados; e X - (VETADO). BRASIL. Lei n. 12.846, de

1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela

prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF,

2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso

em: 23 set. 2015. 317

RIBEIRO, op. cit., p. 234. 318

Os consectários dessa atribuição da CGU são regulados pelo Decreto Federal nº 8.420/2015, o qual prevê, por

exemplo, que uma vez proposto o acordo de leniência, o referido órgão poderá requisitar os autos de

processos administrativos em tramitação em outros órgãos e entidades da Administração Pública Federal (art.

31, §3º).

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premiada prevista na Lei n. 12.850/13, no qual a autoridade julgadora não participa das

negociações entabuladas entre o colaborador e o órgão processante, cabendo-lhe apenas

homologar o acordo jurídico.

A respeito da permissibilidade de que qualquer setor da pessoa jurídica lesada possa

celebrar o acordo, Carolina Barros Fidalgo e Rafaela Coutinho Canetti319

opinam que delegar

tal função para os órgãos de controle interno – a exemplo de como se dá no âmbito federal

(CGU) – garantiria uma maior efetividade nos acordos porque tais setores dispõem de melhor

estrutura para sua celebração, além de funcionários mais bem capacitados para tanto.

Ademais, esta opção também contornaria os casos em que a “autoridade máxima” estivesse

envolvida no ato de corrupção e, por isso, obstada de analisar imparcialmente os termos do

acordo.

Modesto Carvalhosa expressa similar preocupação com o risco de que as “autoridades

máximas” estejam atingidas pelos delitos praticados pela pessoa jurídica, de modo que, para o

autor, em todas as esferas estatais, somente os órgãos correcionais e disciplinares poderiam

deter atribuições para a celebração de acordos de leniência, tanto na investigação, quanto no

processo penal-administrativo. E isso porque somente tais órgãos, por serem “investidos de

específicas atribuições e funções investigativas e administrativamente judicantes, detêm

presunção legal de independência frente às ‘autoridades máximas’.” 320

No mesmo sentido é a observação de José Anacleto Abduch Santos, o qual advoga

que o ideal seria que a competência fosse centralizada nos órgãos de controle interno já

existentes ou a serem criados com o objetivo específico de aplicação da LAC. 321

Sob outro prisma, Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna asseveram que a

previsão do art. 16 guarda relação direta com o previsto no art. 8º da Lei Anticorrupção, o

qual confere aos mesmos personagens a capacidade para deflagração do processo

319

FIDALGO, Carolina Barros; CANETTI, Rafaela Coutinho. Os acordos de leniência na lei de combate a

corrupção. In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). Lei anticorrupção. Salvador:

Juspodivm, 2015. p. 253-282. p. 270. 320

CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: lei n.

12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 390-391. 321

Colhe-se o ensejo para se citarem suas criteriosas palavras acerca do dispositivo legal em estudo: “Deste

caput, importa destacar, primeiramente, que os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, ao

regulamentarem a Lei Anticorrupção mediante normatização própria, deverão indicar, na sua respectiva

estrutura administrativa, qual será a autoridade ou órgão responsável pela celebração desses pactos, na esteira

do que a própria Lei 12.846/2013 fez relativamente à esfera federal, ao dispor no §10 deste art. 16 sob

comento [...]. Tal providência parece indispensável, embora o texto da cabeça deste artigo enuncie que tal

acordo será celebrado pela ‘autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública’. À falta de

regulamentação, considerando a existência de centenas de órgãos e dezenas de entidades públicas no âmbito

interno da Administração Direita e Indireta dos diversos níveis de governo, é fácil perceber a confusão

administrativa e a insegurança jurídica a ser gerada.” SANTOS, José Anacleto Abduch et al. Comentários à

lei 12.846: lei anticorrupção. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 282.

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administrativo de responsabilização. Desse modo, constituindo, o acordo de leniência, um dos

meios de resolução do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), pareceria

razoável que a sua celebração repousasse sobre a mesma autoridade competente para a sua

instauração. Nada obstante, os autores apontam não ser essa a conclusão mais acertada

porque, por meio do acordo de leniência, visa-se a alcançar outros resultados além da simples

conclusão do Processo citado. Sua negociação, na maioria dos casos, traz inevitáveis reflexos

em atribuições institucionais de outros órgãos, incluindo áreas de responsabilização diversas

da administrativa. Por essa razão, asseveram que o órgão com atribuição de celebrar os

acordos de leniência merece possuir capacidade de articulação com outras divisões estatais

responsáveis por enfrentar a corrupção.322

No concernente ao momento de proposição, não há nenhum prazo fatal, tirante o teor

do art. 16, §4º da legislação de combate à corrupção, o qual prevê que “o acordo de leniência

estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado

útil do processo”, a demonstrar que ele deve ser entabulado antes do advento da conclusão

decisória do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR). 323

Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna324

afirmam que esta previsão

regulamentar traz certa insegurança jurídica, por se tratar de data imprevisível, visto que,

depois de apresentada a defesa formal, a comissão processante não tem um prazo específico

para apresentar o relatório, tornando incerta a data limite para a proposta do acordo de

leniência. Além disso, defendem a possibilidade de proposição do acordo de leniência após o

julgamento do PAR, a exemplo do que ocorre no âmbito da colaboração premiada criminal,

visto inexistir tal restrição explícita no âmbito da Lei Anticorrupção.

Os referidos autores argumentam que, embora a conclusão do processo com a

aplicação da penalidade testifique que a Administração logrou reunir elementos de provas

suficientes para a condenação, não se pode descartar a possibilidade de que a pessoa jurídica

possa vir a apresentar evidências “que auxiliem na identificação de novos envolvidos no

322

SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,

desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 102. 323

No âmbito da Administração Pública Federal o marco temporal é mais preciso: a conclusão do relatório a ser

elaborado no seio do PAR (art. 30, §2º do Decreto n.º 8.420/2015). BRASIL. Decreto n. 8.420, de 18 de

março de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização

administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou

estrangeira e dá outras providências. Brasília, DF, 2015. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 324

SIMÃO; VIANNA, op. cit., p. 110.

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mesmo ilícito ou ainda numa infração distinta, cujo conteúdo o Estado desconhecia (como

ocorre na leniência plus no Cade)”.325

Márcio de Aguiar Ribeiro também compartilha do entendimento de que a dinâmica da

leniência plus possa ser aplicada no âmbito do Processo Administrativo de

Responsabilização326

, mas pondera que tal aplicação deve se cercar de alguns cuidados, “sob

pena de a pessoa jurídica acusada delatar casos de pequena expressão com a exclusiva

finalidade de obter redução de penalidades de fatos mais gravosos.” Para o autor, pois, pode-

se

[...] delimitar a pactuação do acordo posterior pelo acatamento, em especial, dos

seguintes critérios: (i) a relevância das provas apresentadas pelo leniente plus; (ii) a

potencial materialidade da infração delatada, devendo-se levar em consideração a

magnitude do ato lesivo, a extensão do dano causado, o número de empresas

envolvidas, etc.; e (iii) a probabilidade de detecção do ilícito sem a denúncia

ofertada pela empresa leniente.327

Além da identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber328

, e a

obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração, a Lei

Anticorrupção traz outros requisitos, de caráter cumulativo e taxativo,329

para a celebração do

Acordo de Leniência: a) a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse

em cooperar para a apuração do ato ilícito; b) a pessoa jurídica cesse completamente seu

envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo; c) a pessoa

325

SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,

desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 110. Fidalgo e Canetti de manifestam de modo

semelhante: “Não há previsão na lei de procedimento de ordenação dos pedidos de participação no programa

de leniência (a exemplo do sistema do Cade) ou a possibilidade de obtenção de benefícios do programa caso

sejam apresentados indícios relacionados a outro caso de corrupção, na linha de programas Amnestesy Plus

norte americano e europeu, analisados acima, o que nos parece que seria uma ferramenta útil de investigação

de outros casos de corrupção.” FIDALGO, Carolina Barros; CANETTI, Rafaela Coutinho. Os acordos de

leniência na lei de combate a corrupção. In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.).

Lei anticorrupção. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 253-282. p. 271. 326

Conforme já visto no item 3.1.1, por meio da Leniência Plus (Amnesty Plus), eventual interessado que não se

qualificar para um Acordo de Leniência para um determinado cartel, mas fornecer informações acerca de

outro cartel sobre o qual a Superintendência-Geral não tenha conhecimento, poderá se beneficiar da redução

de 1/3 (um terço) da pena que lhe for aplicável no primeiro processo e obter todos os benefícios da leniência

em relação à nova infração denunciada. 327

RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei

anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 234. 328

No item 3.2.2, expôs-se que os atos lesivos previstos pela LAC podem ser unilaterais, isto é, não dependem

do envolvimento de um agente público ou de outro particular para sua execução, especialmente naqueles atos

relacionados à fraude licitatória e promessa indevida de vantagem a agente público por este não aceita, dai a

razão do inciso I do art. 16 em análise referir “quando couber”. 329

A esse respeito, Lívia Cardoso Viana Gonçalves menciona que a taxatividade dos requisitos citados “é de

crucial importância para garantir a efetividade do programa, na medida em que permite melhor transparência

e previsibilidade por parte do proponente do acordo, bem como delimita a margem do arbítrio do

representante da União.” GONÇALVES, Lívia Cardoso Viana. O acordo de leniência na investigação

antitruste: da legislação ao leading case brasileiro. In: GUEDES, Jefferson Carús; NEIVA, Juliana Sahione

Mayrink (Coord.). Pós-Graduação em direito público – UnB: coletânea de artigos. Brasília: Advocacia

Geral da União, 2010. p. 214.

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jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as

investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que

solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.

No concernente ao primeiro requisito, o legislador, aderindo aos modelos

internacionais e ao da própria Lei do CADE, valeu-se do critério do primeiro colaborador

(“first serve, first come”). Assim, veda-se um segundo Acordo de Leniência sobre os mesmos

fatos. No direito concorrencial, o acordo de leniência tem por desiderato a repressão ao cartel,

ilícito exclusivamente plurissubjetivo. Naquele contexto, a previsão possui relevância porque

estimula o “vírus da instabilidade” entre os atores responsáveis pela prática do ato

anticoncorrencial, neles criando o contínuo receio de serem descobertos em razão da delação

de quaisquer deles (“neurose do suspense”).

Mas, no contexto da anticorrupção, Márcio de Aguiar Ribeiro alerta que o requisito

em análise se aplica de modo mais apropriado às hipóteses de conluio envolvendo duas ou

mais empresas, tal qual a do ato lesivo consubstanciado no art. 5º, inciso IV, alínea “a”, da Lei

Anticorrupção (“frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro

expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público”). No concernente aos

demais tipos, o pressuposto perde sua razão de ser, visto que nem todo ato de corrupção será

cartelizado. Nesse sentido, o autor cita o art. 30 do Decreto Federal n.º 8.420/15, o qual

expressamente ressalva que a observância do requisito em exame (“a”) apenas será exigível

“quando tal circunstância for relevante.”330

330

RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei

anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 236-237. Sales e Bannwart Júnior, ao

analisarem a ressalva regulamentar inexistente na letra da lei, concluem pela não ocorrência de exorbitância

do poder regulamentar na espécie: “Quanto ao requisito ‘a’, previsto no artigo 16 parágrafo 1º e inciso I da

Lei, o Decreto 8420 de 2015, parecendo ir à contramão da lei, abriu espaço para que outras empresas

celebrem o Acordo de Leniência, ainda que não seja a primeira a manifestar esse interesse, porquanto,

segundo ele, poderão outras empresas, além da primeira celebrar o acordo de leniência, ‘quando tal

circunstância for relevante’ (artigo 30, I, Decreto 8420 de 2015). (...) É cediço que pelo princípio da

legalidade somente a lei pode criar direitos e obrigações (artigo 5, II, CRFB), bem como, segundo o artigo

84, IV, CFRB, um decreto somente pode dar fiel execução a uma lei, razão pela qual se trata de um ato

secundário, uma vez que não pode inovar na ordem jurídica, sob pena de violação de competência legislativa.

Desse modo, pergunta-se: o Decreto inovou a ordem jurídica? Defende-se no presente estudo que a

Administração não extrapolou seu poder regulamentar, porquanto hodiernamente a tarefa interpretativa da lei

não é mais como outrora era no século XVIII e XIX, qual seja, uma interpretação mecânica e apenas de

desvelar o conteúdo já imanente na lei. Nesta quadra histórica, não prevalece mais a ideia cognitivista de que

‘a interpretação consubstancia-se em um ato de puro conhecimento’, conforme aduz Marinoni, Arenhart e

Mitidiero (2015, p. 48). Na contemporaneidade, a tarefa interpretativa é ato de criação, isto é, constitutivo de

conteúdo e não apenas declaratório (conforme era no positivismo clássico de oitocentos). Destarte, necessária

se faz a distinção entre enunciado normativo (texto) e norma jurídica. O legislador cria o enunciado

normativo, ao passo que a Administração e o Judiciário, a norma jurídica. Portanto, esta é fruto da tarefa

interpretativa e é dada após aquele e não apriori como se entendia, pois, a norma não existe antes da

interpretação. ‘A interpretação é adscritiva de sentido a textos e a elementos não textuais da ordem jurídica –

essa outorga sentido’, conforme dispõem Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2015, p. 50). Assim, o texto legal

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147

Nesse propósito, cabe ponderar se não poderia o legislador ter previsto um modelo de

“sistema de senhas”, nos moldes de como é largamente utilizado, com sucesso, no programa

de leniência do CADE. No item 3.1.1 expôs-se que, com o sistema citado, o interessado pode

garantir a prioridade de sua proposta, condicionado a que ele apresente as informações e

documentos indicados pelo ente processante em até 30 dias. O método contorna, pois,

eventuais celeumas em torno de quem por primeiro formalizou o interesse na avença.

Como segundo requisito, figura o compromisso de interrupção da conduta ilícita (art.

16, §1º, II), o qual se revela como sendo aquele mais lógico dos pressupostos legais, visto que

o acordo de leniência não pode representar carta branca para a prossecução delitiva. Pondera-

se, apenas, que tal exigência é mais adequada às hipóteses de infrações cartelizadas,

naturalmente de caráter continuado. Já nos atos corruptivos, em sendo possível a ocorrência

de atos ilícitos instantâneos ou unissubissistentes, por vezes não seria pertinente impor a

“cessação da conduta ilícita”, visto que, nessas hipóteses, praticado o ato, já se encerra a

execução, tornando-se impossível sua cisão.331

De qualquer sorte, consignada a ressalva, a não observância do requisito em análise

importará na imediata ruptura do acordo avençado, com o consequente prosseguimento do

Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), inclusive devendo incidir sobre a

sanção final a circunstância agravante referente à continuidade das infrações no tempo (art.

17, inc. I do Decreto Federal regulamentador da Lei Anticorrupção).

O último requisito envolve a admissão de participação no ilícito e a cooperação plena

e permanente com as investigações e o processo administrativo, devendo a empresa

comparecer, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu

encerramento.

não é uma norma pronta, acabada e dada anteriormente à tarefa de interpretação. Ao se fazer a atividade

interpretativa do enunciado normativo por intermédio dos seus elementos textuais e não textuais, percebe-se

que ele adotou o mesmo critério da Lei Antitruste; contudo, sem as adaptações pertinentes. A Lei Antitruste

preocupa-se com os cartéis e, como é cediço, esse requer a pluralidade de empresas participantes do ilícito

perpetrado, de modo que se mostra razoável conceder à primeira colaboradora o benefício do acordo em

detrimento das demais. Entretanto, não necessariamente a mesma dinâmica ocorre com os atos de corrupção

da Lei 12.846 de 2013. (AYRES, MAEDA, 2015, p. 245). Pode ocorrer de práticas de corrupção por uma

única empresa em detrimento de outras. Desse modo, não há uma associação de entes privados para a prática

de atos de corrupção, de modo que se torna irrelevante que a delatora seja a primeira, pois ela será a única.

Por isso, a interpretação do decreto se mostra razoável e sem ferir o enunciado normativo da Lei. Nesse

sentido, não há violação ao princípio da legalidade e nem extrapolação do Poder Regulamentar por parte da

Administração.” SALES, Marlon Roberto Sales; BANNWART JÚNIOR, Clodomiro José. O acordo de

leniência: uma análise de sua compatibilidade constitucional e legitimidade. Revista do Direito Público,

Londrina, v. 10, n. 3, p. 31-50, set./dez. 2015. p. 39-40. 331

Carvalhosa acentua a atecnia da previsão: “Fora do cartel, impossível configurar a ‘cessação da conduta

corruptiva (prescrição) e/ou no presente”. CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei

anticorrupção das pessoas jurídicas: lei n. 12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 384.

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No aspecto pertinente ao procedimento, a celebração do acordo de leniência, em

relação a atos de corrupção, também oferece peculiaridades. 332

O acordo de leniência poderá ser proposto pela pessoa jurídica, por seus representantes,

na forma de seu estatuto ou contrato social, ou por meio de procurador com poderes

específicos para tal ato333

, até a conclusão do relatório a ser elaborado no Processo

Administrativo de Responsabilização (art. 30, §§ 1º e 2º do Decreto Federal n. 8.420/2015).

Nota-se, assim, que a proposta deve partir do ente processado, descabendo à Administração

impor a sua pactuação.

Conforme o art. 31 do Regulamento Federal, a proposta de celebração de acordo de

leniência poderá ser feita de forma oral ou escrita, oportunidade em que a pessoa jurídica

proponente declarará expressamente que foi orientada a respeito de seus direitos, garantias e

deveres legais e de que o não atendimento às determinações e solicitações da Controladoria-

Geral da União, durante a etapa de negociação, importará na desistência da proposta.

De outro lado, a proposta apresentada receberá tratamento sigiloso e o acesso ao seu

conteúdo será restrito aos servidores especificamente designados pela Controladoria-Geral da

União (CGU) para participar da negociação do acordo de leniência, ressalvada a possibilidade

de a proponente autorizar a divulgação ou compartilhamento da existência da proposta ou de

seu conteúdo, desde que haja anuência da CGU. Ainda, poderá ser firmado memorando de

entendimentos entre a pessoa jurídica proponente e a CGU para formalizar a proposta e

definir os parâmetros do acordo de leniência. Por fim, uma vez proposto o acordo de

leniência, a Controladoria-Geral da União poderá requisitar os autos de processos

administrativos, em curso em outros órgãos ou entidades da Administração Pública Federal,

relacionados aos fatos objeto do acordo.334

Toda a negociação a respeito da proposta do acordo de leniência deverá ser concluída

no prazo de 180 dias, contados da data de apresentação da proposta, sendo que, a critério da

Controladoria-Geral da União, poderá ser prorrogado o prazo estabelecido no caput, caso

presentes circunstâncias que o exijam.335

Disposições relevantes também se encontram nos arts. 33 e 34, os quais regulamentam

que não importará em reconhecimento da prática do ato lesivo investigado a proposta de

acordo de leniência rejeitada (da qual não se fará qualquer divulgação) e que a pessoa jurídica

332

A ritualística a ser observada na celebração do acordo de leniência é tratada nos arts. 28 a 40 do Regulamento

Federal (Decreto n.º 8.420/15). 333

Art. 26 da Lei Anticorrupção. 334

Art. 31, §§ 1º a 3º do Regulamento Federal (Decreto n. 8.420, de 18 de março de 2015). 335

Art. 32 do mesmo Regulamento Federal.

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proponente poderá desistir da proposta de acordo de leniência a qualquer momento que

anteceda a assinatura do referido acordo.

O primeiro dispositivo citado contempla a mesma disposição do art. 16, §7º da Lei

Anticorrupção. Contudo, na esteira da doutrina de Márcio de Aguiar Ribeiro, tanto a Lei

como o seu Regulamento apenas disciplinaram as consequências da hipótese em que a

negativa da celebração parte do ente processante, desconsiderando a potencialidade de que o

desinteresse possa advir do ente processado, “situação que, em regra, considerando o caráter

bilateral do programa de leniência, devem ser observados os efeitos inerentes à rejeição.”336

Na esteira do programa de leniência do CADE,337

o art. 35 do Decreto prevê que, caso o

acordo não venha a ser celebrado, os documentos apresentados durante a negociação devem

ser devolvidos, sem retenção de cópias, à pessoa jurídica proponente, sendo vedado seu uso

para fins de responsabilização, exceto quando a administração pública federal tiver

conhecimento deles independentemente da apresentação da proposta do acordo de leniência.

Cabe, também, destacar que, até a celebração do acordo de leniência pelo Ministro de

Estado Chefe da Controladoria-Geral da União, a identidade da pessoa jurídica signatária do

acordo não será divulgada ao público, ressalvada a possibilidade de a proponente autorizar a

divulgação ou o compartilhamento da existência da proposta ou de seu conteúdo.338

A regra citada tem fundamento no §6º do art. 16 da Lei Anticorrupção, cujo espírito é o

de manter as tratativas sob o crivo da sigilosidade, no afã de garantir um ambiente seguro às

empresas interessadas em delatar os atos corruptivos e, de quebra, preservá-las de eventuais

retaliações por parte das demais infratoras e de repercussões negativas perante o meio social e

empresarial em que estão inseridas. Conforme visto no item 2.2, na esteira do princípio da

função social da empresa, o ente empresarial é considerado em seus perfis objetivo, subjetivo,

funcional e institucional/corporativo. Assim, embora tenha como escopo primordial a busca

de lucro em um regime de livre iniciativa, a empresa também agrega valores sociais:

manutenção de postos de trabalho, aquecimento econômico decorrente da circulação de bens e

serviços que proporcionam recolhimento de tributos, aprimoramento tecnológico do país, etc.

Nesse contexto, o direito empresarial, na atualidade, inspira exegese que se relacione

com os elementos determinantes das realidades social, política e econômica, coordenando

estrutura econômica organizada e eficiente cujo valor fundamental seja o da preservação da

336

RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei

anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 241. 337

BRASIL. Ministério da Justiça. Combate à cartéis e programa de leniência. Coleção SDE/CADE, Brasília, n.

01, 2009. p. 20. Disponível em:

<http://www.cade.gov.br/upload/Cartilha%20Leniencia%20SDE_CADE.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2017. 338

Art. 39 do Decreto Federal em estudo.

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empresa, condicionada à sua função social. Esse o caminho necessário para que melhor se

respeite o postulado da dignidade da pessoa humana, na forma do art. 170 da Lei Maior.

Na ótica deste estudo, é na esteira dessa inteligência que a parte final da redação do §6º

do art. 16 (“a proposta do acordo de leniência somente se tornará pública após a efetivação do

respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo”) merece

ser interpretada: como a possibilidade de extensão do sigilo da negociação para momento

ulterior à formalização do respectivo acordo, sempre que a sua publicidade puder trazer

consectários negativos à investigação e à imagem da empresa, em prejuízo de sua função

social e, de viés, de todos os seus stakeholders. Não é por menos que o art. 22 da Lei

Anticorrupção, responsável por criar o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), com

aptidão para dar publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes

Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo com base na LAC, previu,

em seu §3º, que as informações acerca do acordo de leniência celebrado deverão ser

armazenadas no referido cadastro apenas após a efetivação do respectivo acordo, salvo se esse

procedimento vier a causar prejuízo às investigações e ao processo administrativo. Assim,

nesses casos, a pactuação da leniência não importará em armazenamento no CNEP.

Ainda afim ao tópico, oportuna a menção ao §2º do art. 16 da Lei Anticorrupção,

segundo o qual a celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica da sanção de

publicação extraordinária da decisão condenatória (prevista no art. 6º, inc. II). Tal pena busca

dar publicidade à multa aplicada no Processo Administrativo de Responsabilização (PAR),

alargando, com isso, o seu caráter retributivo ao macular a imagem da empresa. Por tal razão,

andou bem o legislador ao prever a dita isenção porque a referida sanção não se compraz com

a finalidade do programa de leniência, uma vez que o art. 22, §3º da LAC, acima mencionado,

prevê o já referido modo específico de publicidade do acordo, baseado na inserção de seus

termos no Cadastro Nacional de Empresas Punidas.

Além desse resultado em prol da empresa colaboradora, a legislação anticorrupção

também prevê a isenção da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações

ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou

controladas pelo poder público (art. 19, inc. IV) e a redução, em até 2/3 (dois terços), do valor

da multa aplicável para a espécie. Interessante mencionar que a primeira sanção referida é

passível de ser aplicada apenas na esfera judicial, e não no PAR, de modo que, conforme

ponderam Simão e Vianna, sua isenção por efeito do acordo de leniência é no mínimo

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discutível, cabendo indagar se o benefício, por ser conferido por uma autoridade

administrativa, não teria caráter precário.339

De sua parte, o art. 40 do Regulamento Federal acresceu como efeito benéfico, também,

a isenção das sanções administrativas previstas nos diplomas legais que versem sobre

licitações e contratos administrativos e, por fim, o seu parágrafo único estabeleceu que os

efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integrarem o mesmo

grupo econômico, de fato e de direito, desde que tenham firmado o acordo em conjunto,

respeitadas as condições nele estabelecidas.

Outro relevante efeito do acordo de leniência, por fim, consiste na interrupção do prazo

prescricional dos atos ilícitos tipificados na Lei Anticorrupção340

. Com a formalização da

avença, pois, o prazo recomeça a correr na íntegra, permitindo o prosseguimento da apuração

dos ilícitos, em especial na hipótese de descumprimento de seus termos. A estipulação da

regra fez-se necessária, sob pena de a firmatura do acordo poder servir de mero subterfúgio

protelatório para aguardar o escorrimento do lapso prescricional, de modo que, fluído este, a

pessoa jurídica delatora poderia simplesmente não mais cumprir as obrigações assumidas em

razão da perda da capacidade punitiva estatal.341

Por derradeiro, pertinente registrar que o acordo de leniência apenas pode ser proposto

por pessoas jurídicas.342

Assim sendo, fica descartada a possibilidade de sua celebração com

pessoas naturais, ao revés da opção eleita pela legislação antitruste. E, ainda, conforme

recordam Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna, sua legitimidade se refere apenas à

pessoa jurídica corresponsável pela prática de um ato corruptivo, de modo que ele não

constitui o meio adequado para quem deseje denunciar ilícitos dos quais não tenha feito parte.

Nas palavras dos referidos autores: “Para tais casos, restam os mecanismos típicos de

representação, como as ouvidorias, o disque-denúncias e as demais modalidades de

interlocução com o Estado”.343

Enfim, estes os centrais pontos que envolvem o regime legal do acordo de leniência da

Lei Anticorrupção, cabendo finalizar este item aduzindo que, tirante os aspectos avaliativos

que já foram nele adiantados, as demais ponderações críticas acerca do expediente legal em

foco serão esposadas no item 4.4 infra.

339

SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,

desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 138. 340

Art. 16, § 9o:

da Lei n. 12.846/2013. 341

MARTINEZ, Ana Paula. Desafios do acordo de leniência da Lei n. 12.846/2013. Revista do Advogado, São

Paulo, v. 34, n. 125, p. 25-30, dez. 2014. p. 26. 342

Nos termos do caput do art. 16 da Lei Anticorrupção. 343

SIMÃO; VIANNA, op. cit., p. 106-107.

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4.3 A Delação sob o Prisma da Teoria dos Jogos: do Dilema do Prisioneiro à Ética

É inegável que o ato de delatar, quando se está lidando com a prática de ilícitos

praticados por mais de um agente, envolve a ideia de traição.

Esta ponderação traz algumas importantes consequências, dentre as quais duas que

serão o objeto deste tópico: a) a racionalização do ato de trair como uma escolha que

prepondera sobre o silêncio, máxime porque a incerteza concernente ao que o comparsa irá

fazer conduz o agente racional a delatar, de modo que esta passa a ser a estratégia dominante

e b) as eventuais implicações éticas que a tutela da traição, pela ordem jurídica posta,

eventualmente podem impingir ao Estado Democrático de Direito.

Neste subitem será apreciado o primeiro aspecto acima delineado, dentro do contexto

da teoria dos jogos. Já, no vindouro, enfrentar-se-ão as objeções éticas (e jurídicas) que

considerável doutrina, de um modo geral, levanta contra os acordos colaborativos.

Conforme Ana Paula Martinez, nos distintos modelos de delação premiada se encontra

presente a lógica da “cenoura e do porrete” (stick-and-carrot approach), o qual consiste em

garantir um tratamento leniente (cenoura) para aquele que decide por fim a uma conduta

ilícita e delatar a prática que, de outro modo, estaria suscetível a receber sanções severas

(porrete).

Os meandros do processo decisório entre a “cenoura” e o “porrete” são bem

explicados, segundo considerável doutrina, pela teoria dos jogos (game theory dinamics),

como se passará a se demonstrar.

A teoria dos jogos tem por objeto estudar os enfrentamentos dos agentes de dada

situação real (nominada de “jogo”), analisando as possíveis alternativas comportamentais que

se lhes descortinam e, com isso, verificar quais delas são as mais indicadas para os distintos

cenários possíveis.344

344

Alexandre Morais da Rosa destaca existir ampla bibliografia sobre a teoria dos jogos: “John von Neumann,

Oskar Morgenstern, John Nash, dentre outros, passaram a desenvolver a teoria, inicialmente utilizada nos

‘jogos de soma zero’, em que o ganho de ‘A’ é igual à perda de ‘B’, ou seja, o conjunto a ser dividido é o

mesmo. Entretanto, o jogo processual penal não se confunde com um jogo de soma zero em que o prêmio do

adversário é o negativo do outro. Dito de outra forma: em que o ganho do jogador acusador é igual à perda do

jogador-defensor e vice-versa, já que o conjunto a ser dividido no processo penal não é o mesmo (trabalha-se

com liberdade e efeitos penais). Ainda é possível aplicar-se a lógica da soma zero em questões meramente

patrimoniais, mas inservível para compreender a aplicação no processo penal.” ROSA, Alexandre Morais da.

Teoria dos jogos e processo penal: a short introduction. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 50.

Morton David Davis explica os conceitos de “soma zero” e “soma não-zero”: “A expressão ‘soma zero’

deriva de jogos de salão, como pôquer, onde não se cria nem se destrói riqueza. Quem quiser ganhar dinheiro

terá de ganha-lo de um outro jogador. Encerrado o jogo, a soma dos ganhos é sempre zero (as perdas são

ganhos negativos). Esse jogo se distingue de um jogo de soma não-zero – um dissídio entre empregados e

empregadores, por exemplo – no sentido de que, neste último, se não houver acordo, ambos os participantes

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153

Segundo José Alexandre da Silva Zachia Alan, os acordos de leniência e as

colaborações processuais se inserem em uma espécie de jogo própria: a cooperativa, na qual

os atores se encontram em uma determinada situação em que se lhes afigura cabível escolher

cooperar ou não cooperar.345

Alexandre Morais da Rosa explica que a natureza do processo penal até a

delação/colaboração era linear, ausente a possibilidade de acordos e de cooperação na

aplicação das penas. Mas, com a ampliação dos espaços de consenso, modifica-se o objeto do

jogo, que passa a poder operar na lógica dos negócios jurídicos, com manifesta aplicação da

teoria dos jogos.346

Conforme Márcio de Aguiar Ribeiro, a teoria dos jogos se projeta na aplicação do

dilema do prisioneiro, cujas raízes deitam na seara da matemática aplicada, na qual se

investigam as possibilidades existentes nos processos decisórios, nos quais as escolhas se

condicionam “a variantes relacionadas ao fornecimento de uma informação compartilhada

com outras pessoas, que podem se beneficiar ou se prejudicar a depender do momento e

oportunidade em que a informação é divulgada”.347

Alex Fernandes Santiago, por sua vez, explica que o Dilema do Prisioneiro é um

problema da Teoria dos Jogos concebido por Albert W. Tucker348

. Ele parte da ideia de que

cada prisioneiro, de maneira independente, procura maximizar sua própria vantagem sem se

podem, ao mesmo tempo, perder. Em outras palavras, o que um perde pode não ser o que o outro ganha.”

DAVIS, Morton David. Teoria dos Jogos: uma introdução não técnica. Trad. Leonidas Hegenber e Otanny

Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 1973. p. 26. Apud ROSA, Alexandre Morais da. Teoria dos jogos e

processo penal: a short introduction. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 50. 345

Pela pertinência e clareza, transcreve-se excerto de seu pensamento: “Nos casos de coordenação, os atores se

acham previamente envolvidos em interação e seu desejo de coordenar ou não sua conduta com os demais

atores importa na obtenção de resultados diversos. Então, cumpre-lhes, por primeiro, escolher cooperar ou

não cooperar e verificar que sorte de resultado sobrevém de sua opção. No caso das cooperações

características de direito sancionatório, está-se diante de quadro no qual o agente ativo do ilícito haverá de

escolher se cooperará ou não com as autoridades ou se manterá vínculo de lealdade com os outros agentes do

ilícito, sendo que sua escolha, qualquer que seja, gerará diferentes repercussões.” ALAN, José Alexandre da

Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma abordagem sob a perspectiva da

Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p.

206. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso

em: 20 jan. 2018. 346

ROSA, Alexandre Morais da. Teoria dos jogos e processo penal: a short introduction. Florianópolis:

Empório Modara, 2017. p. 50. 347

RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei

anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 235. 348

Rosa imputa à autoria do dilema à Merril Flood e Melvin Dresher, em 1950. De qualquer sorte, para os

efeitos deste trabalho, o que deve prevalecer é a compreensão de que o referido estudo rendeu “repercussões

em diversos campos do conhecimento, também no direito processual, especialmente no regime de delações

premiadas, já que o manejo de prisões cautelares procura colocar os investigados/acusados em situação de

déficit de informações.” ROSA, Alexandre Morais da. Teoria dos jogos e processo penal: a short

introduction. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 63.

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154

importar com o resultado que para o outro advirá da sua escolha. A estrutura clássica do

dilema é a seguinte:

Dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes

para condená-los, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo:

se um dos prisioneiros, confessando, testemunhas contra o outro e esse outro

permanecer em silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso

cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só poderá

condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um

leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o

outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro. A questão que o dilema

propõe é: qual decisão correta a ser tomada sem saber como o outro prisioneiro vai

reagir?349

Frente ao dilema posto, verifica-se um contexto no qual as escolhas de ambos os

prisioneiros influenciam-se reciprocamente: as opções de cada um interferirão não apenas na

determinação de sua própria pena, mas igualmente na de seu comparsa; e, examinando-se

todas as possibilidades acima, percebe-se que “A” ou “B” sempre obterão o melhor resultado

caso colaborem, qualquer que seja o comportamento da parte adversa, de tudo se concluindo

que ambos os agentes terminarão por confessar seus envolvimentos no crime.

Do ponto de vista racional, trair é a estratégia dominante porque agentes racionais,

movidos por interesses próprios, escolherão trair o comparsa. Tal se dá porque se o delatado

silenciar, o delator estará livre e se aquele também delatar, ambos serão condenados a uma

pena reduzida. Mas, em sendo assim, os dois buscarão trair. E, por fim, ambos traindo, ambos

sofrerão consequência pior do que se não tivessem agido racionalmente, isto é, tivessem

permanecido em silêncio. Contudo, a incerteza concernente ao que o outro vai fazer conduz o

agente racional a delatar, de modo que esta passa a ser a estratégia dominante.

Segundo Elson Pimentel, essa dinâmica é de certo modo paradoxal: ao buscar o maior

benefício individual, ambos os agentes alcançarão um resultado pior do que aquele que

obteriam se não tivessem cooperado, pois, se ambos confessarem, ambos terão uma pena

maior do que aquela que teriam caso tivessem em conjunto silenciado. Assim, impera um

conflito entre o cálculo do benefício individual e o melhor resultado coletivo: “se ambos os

jogadores confessarem, cada um irá piorar o resultado obtido do que aquele obtido se não

349

SANTIAGO, Alex Fernandes. O compromisso de cessação e o acordo de leniência como mecanismo de

defesa da concorrência na Argentina e no Brasil. Revista Magister de Direito Empresarial, São Paulo, n.

35, p. 52-54, out./nov. 2010. p. 53.

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155

confessar, mas é possível atingir uma solução melhor para ambos se ambos desistirem de

confessar.”350

Também acentuando o paradoxo silogístico que reside no dilema do prisioneiro Raul

Marinho explana:

Mais do que isso, se eu achar que meu comparsa pensa exatamente como eu,

concluo que ele vai confessar, o que me leva a um beco sem saída. Na prática, eu só

posso confessar! E é efetivamente isso o que acontece: os dois prisioneiros

confessam e passam ambos, dois anos presos. A isso, chama-se “equilíbrio de

Nash”: a melhor decisão possível levando-se em conta a decisão que o outro deve

tomar – o que revela o caráter interativo da teoria.351

Para José Alexandre da Silva Zachia Alan, a conclusão de que, diante da situação

apresentada, os colaboradores terminariam por escolher a solução ótima para o policial (duas

condenações, aliadas ao máximo de penas possíveis consideradas as possibilidades de

escolhas postas), decorre da incidência direta da teoria conhecida por equilíbrio de Nash352

,

aplicável aos jogos de cooperação. A premissa desta tese reside na constatação de que “a

estabilidade de um sistema que envolve diversos atores em interação ocorre na situação em

que nenhum participante consegue obter ganho pessoal com a modificação de sua estratégia

caso todos os demais permaneçam inertes”; ou seja, o sistema com o “equilíbrio Nash”, neste

caso, seria aquele em que de nada valeria a mudança para a estratégia de não delatar, se os

demais agentes mantiverem a opção pela traição (presença, pois, do requisito da não

cooperação entre os players). 353

350

PIMENTEL, Elson. L. A. Dilema do prisioneiro: da teoria dos jogos à ética. Belo Horizonte: Argvmentvm,

2007. p. 12. 351

MARINHO, Raul. Prática na teoria: aplicações da teoria dos jogos e da evolução aos negócios. São Paulo:

Saraiva, 2011. p. 44. 352

John Nash auferiu o prêmio nobel de matemática ao construir sua teoria mais tarde cunhada de “equilíbrio

Nash”. A vida do matemático foi retratada no filme "A Beautiful Mind” ou “Uma Mente Brilhante” (Ron

Howard, 2002). Segundo Da Rosa, “Embora o filme e o livro tenham pontos de divergência, inclusive com

alguns detalhes sórdidos da vida pessoal de Nash -, ganhou expressão coletiva com o Oscar concedido ao

filme e o interesse por um campo de pesquisa um tanto quanto outsider. A curiosidade impulsionou muitos a

estudar em quê, afinal, a teoria dos jogos poderia auxiliar em suas práticas diárias. ROSA, Alexandre Morais

da. Teoria dos jogos e processo penal: a short introduction. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 21. 353

ALAN, José Alexandre da Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma

abordagem sob a perspectiva da Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.

275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p. 212. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20 jan. 2018.

Conforme Robert Cooter e Thomas Ulen: “A solução para este jogo, a confissão por parte de ambos

suspeitos, é um equilíbrio: não há razão para qualquer um dos dois jogadores mudar sua estratégia. Há um

conceito famosos na teoria dos jogos que caracteriza esse equilíbrio – um equilíbrio de Nash. Nesse tipo de

equilíbrio, nenhum jogador individualmente pode se sair melhor mudando seu comportamento desde que os

outros jogadores não mudem o deles. [...]. Mas você deveria observar que essa não é uma solução Pareto-

eficiente para o jogo do ponto de vista dos acusados. Quando ambos os suspeitos confessam, cada um deles

passará 5 anos na prisão. É possível para ambos os jogadores se saírem melhor. Isso aconteceria se ambos

ficassem calados. [...] Está claro que essa solução é impossível porque os suspeitos não podem assumir

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Nesse contexto de jogo cooperativo, se os participantes tomarem decisões racionais, o

resultado se estabilizará em um quadrante predeterminado, de modo que nenhum deles

conseguirá melhorar seu proveito unicamente a partir da mudança de sua conduta. Mas o autor

acima citado refere que, para além de se equacionar as propostas de modo a que o equilíbrio

de Nash privilegie os resultados pretendidos pelo ente processante, “há também de se garantir

não haja cooperação entre os demais participantes do jogo na ocasião em que se lhes cobra a

realização de suas escolhas”. 354

Laborada esta breve incursão na Teoria dos Jogos, no Dilema do Prisioneiro e, por

fim, no equilíbrio de Nash, cabe reproduzir o reflexivo pensamento de Alexandre Morais da

Rosa, no sentido de que, embora a versão originária do dilema do prisioneiro possa parecer

ingênua, em razão do acesso ao defensor e da possibilidade de comunicação anterior, em

processos envolvendo organizações criminosas e delação/cooperação premiada, sua matriz

teórica pode auxiliar. Isso porque tais casos envolvem diversos potenciais acusados e muita

informação a ser subministrada, afora o uso das prisões cautelares, atuação da mídia e, ainda,

vazamentos táticos de provas. Além disso, considerando que os benefícios de uma delação

dependem de informação valiosa, a demora em delatar pode produzir informações

despiciendas e, por isso, sem valor de troca, tornando premente o concerto prévio de táticas. O

autor conclui que:

Não se pode, todavia, reduzir a teoria dos jogos ao dilema do prisioneiro. É só mais

uma aplicação. Além disso, simplifica a questão, ainda que sirva de metáfora

relevante na compressão jogo processual penal, especialmente o da

delação/colaboração premiada. O que importa sublinhar é que dependeremos da

guerra pela obtenção de informação, táticas dos jogadores, pressuposições e muita

incerteza.355

compromissos vinculantes de não confessar”. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direto e Economia. Trad.

Luis Marcos Sander e Francisco Araújo da Costa. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 58. 354

Na dicção de Zachia Alan: “[...] caso o policial tivesse deixado de determinar a separação dos investigados na

ocasião em que chegaram à Delegacia de Polícia e tivesse permitido que, por exemplo, combinassem sua

atuação, é bastante provável que o resultado do dilema fosse outro. É que em tendo havido a colusão de

vontades entre os futuros colaboradores, rompe-se a essência do jogo de cooperação, arrastando-se a solução

para outro quadrante que não o do equilíbrio de Nash. (...) Caso tal ocorra, a tendência é que a migração do

resultado se dê para o que lhes garanta a melhor solução compartilhada. No caso deste escrito, fala-se do

quadrante em que ambos negam a prática delitiva e que, a despeito de não lograrem a isenção total de

responsabilidade, logram a obtenção de resultado significativamente mitigado.” ALAN, José Alexandre da

Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma abordagem sob a perspectiva da

Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p.

213. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso

em: 20 jan. 2018. 355

MARTINEZ, Ana Paula. Desafios do acordo de leniência da Lei n. 12.846/2013. Revista do Advogado, São

Paulo, v. 34, n. 125, p. 25-30, dez. 2014. p. 27.

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A respeito da citada “tática dos jogadores e pressuposições”, cita-se, também, Ana

Paula Martinez, para quem existem diversos aspectos relevantes na tomada de decisões sobre

delatar ou não uma prática ilícita perante a autoridade. Primeiramente, delatar poderá

significar, nos casos em andamento, o fim da participação na prática ilícita para o delator,

com o consequente encerramento do aferimento de benefícios oriundos da corrupção, leia-se:

perda financeira para o delator. Por segundo, há também um dano reputacional, porquanto é

factível que o traidor queira seguir atuando no mercado a tal modo que sua decisão de delatar

outras empresas e agentes públicos “pode isolá-lo no futuro, não apenas de arranjos

lucrativos, ainda que ilícitos, mas inclusive de iniciativas legítimas de um setor.” Por último,

ao colaborar com as investigações, o delator expõe a empresa a ações privadas de

indenização, capazes de expor o agente a sanções pecuniárias mais gravosas do que as

próprias potenciais multas impostas pelo ente processante. 356

Segundo Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna, a decisão de uma pessoa

jurídica pela delação passa pelo cotejamento entre os benefícios oferecidos e os riscos

existentes, tendo em vista que alguns riscos são inerentes a qualquer instrumento negocial,

seja qual for o estágio de consolidação. Dentre eles, os autores destacam os seguintes: a)

Exposição da imagem do colaborador; b) Vazamento de informações antes da celebração do

acordo e c) frustração da negociação.

Dai a importância de que a proposta do acordo de leniência e toda sua negociação

tenha caráter sigiloso (conforme visto no item 3.2.2), vedando-se a divulgação da identidade

da pessoa jurídica e o teor do acordo ainda não celebrado, visto que, acaso um agente tome

conhecimento de que seu comparsa esteja em vias de delatar, sobreviria considerável

possibilidade de que ele adotasse medidas de fraude probatória, como a destruição de

evidências e o assédio no colaborador buscando o constranger a não delatar, expediente que

abalaria o “equilíbrio de Nash” em face do afastamento do requisito da “não cooperação entre

os agentes”. Ainda,

Do ponto de vista da pessoa jurídica, há de se lembrar a importância que sua

imagem tem para seu valor econômico. Dependendo de seu modelo societário, o

impacto do dano reputacional em sua atividade empresarial pode ser bastante

significativo. Basta pensar no caso de empresa que tem ações negociadas em bolsa

de valores. A simples antecipação da existência de tratativas com o governo com

vistas a um possível acordo pode provocar oscilações no seu valor de mercado com

repercussão sobre todos os acionistas. 357

356

ROSA, Alexandre Morais da. Teoria dos jogos e processo penal: a short introduction. Florianópolis:

Empório Modara, 2017. p. 65-66. 357

SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,

desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 111-112.

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Além da complexidade técnica, pois, que circunda o ato decisório de delatar, ele

também repercute na seara da ética de diversos modos (tema do próximo item). Eis ai porque

se revela manifesto o interesse em que o tema dos acordos colaborativos siga sendo alvo de

estudo da doutrina especializada e objeto de permanente reflexão por parte do empresariado.

4.3.1 Enfrentamento das Críticas Jurídicas e Éticas à Delação

Conforme visto no item 3.1.1, o Processo Penal clássico encontra dificuldades para

investigar as complexas ações criminosas que advém da sociedade de riscos, a exemplo dos

crimes antieconômicos e contra o meio ambiente, da criminalidade organizada e dos grandes

riscos industriais; em suma, todo comportamento sentido como ameaça à sociedade

globalmente tomada. Nessa esteira, o paradigma consensual encoraja o autor do crime a

confessar e entregar seus comparsas mediante o fornecimento de provas que facilitem o

aprofundamento das investigações, permitindo, assim, com que o juiz tenha acesso a

documentos que dificilmente teria sem o auxílio do delator.

No entanto, os institutos consensuais plasmados nos acordos colaborativos também

são criticados pela doutrina por fundamentos assemelhados aos vistos quando do exame do

Direito Penal de Risco. Aponta-se a afronta aos direitos e garantias individuais do acusado,

como o direito de não produzir provas contra si, de contraditório358

, ampla defesa, publicidade

e do devido processo legal. Tais postulados seriam violados por força do caráter secreto e

confessório da delação, aliado à impossibilidade de o corréu delatado conferir nos autos tanto

as alegações promovidas pelo delator, quanto a legalidade da fundamentação do acordo.359

Para o jovem jurista Vinicius Gomes de Vasconcellos, atualmente um dos maiores

expoentes nacionais na doutrina sobre a colaboração premiada, o “aniquilamento da

presunção de inocência, pedra de toque do processo penal, especialmente em sua vertente

como regra probatória, que deveria impor a carga da prova integralmente à acusação” é um

dos problemas centrais da justiça criminal negocial. Segundo o autor, impõe-se ao próprio réu

o dever de comprovar a acusação por meio de uma “hipervalorização da confissão

358

José de Assis Santiago Neto verbera que, no lugar do embate de duas versões, o processo vira palco exclusivo

da acusação, na medida em que “a delação/colaboração premiada se trata de método de produção de ‘provas’

que impossibilita o contraditório, não permite que exista participação e fomenta a paranoia inquisitorial”.

SANTIAGO NETO, José de Assis. A colaboração premiada e sua (des) conformidade com o sistema

acusatório e com o modelo constitucional de processo. In: MENDES, Soraia da Rosa (Org.). A

delação/colaboração em perspectiva. Brasília: IDP, 2016. p. 43. 359

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Edward Rocha de. Acordos de delação premiada e o

conteúdo mínimo ético do estado. Revista Jurídica, Porto Alegre, v. 54, n. 344, p. 91-99, jun. 2006. p. 95.

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incriminadora”, o que fomenta uma dependência do Estado à colaboração do processado em

razão de sua ineficiência na produção probatória idônea a afastar a presunção da inocência.360

Além disso, o mecanismo também infringiria a ética processual, ao exigir que o

acusado denuncie seus colegas por interesses egoísticos, conforme se passará a demonstrar.

Desde há muito tempo, autores clássicos da processualística criminal chamavam a

atenção para a inexistência de valor probatório na chamada de corréu.361

Por todos, cita-se

Joseph Anton Mittermayer:

O depoimento do cúmplice apresenta também grandes dificuldades. Têm-se visto

criminosos que, desesperados por conhecerem que não podem escapar à pena, se

esforçam em arrastar outros cidadãos para o abismo em que caiem: outros

denunciam cúmplices, aliás, inocentes, só para afastar a suspeita dos que realmente

tomaram parte do delito, ou para tornar o processo mais complicado ou mais difícil,

ou porque esperam obter tratamento menos rigoroso, comprometendo pessoas

colocadas em altas posições.362

Sob o ponto de vista ético, Tales Castelo Branco expressa que o instituto da Delação

Premiada apresenta dois pesos e duas medidas, por trazer: “punições diferentes para

procedimentos totalmente iguais, com recompensas especiais ao traidor, como se a traição

360

Além disso, o autor explica que, com o manejo indiscriminado da colaboração premiada, “o processo penal

tem a sua estrutura distorcida, deixando de ser desenhado a partir de um sistema acusatório, com duas partes

e um terceiro imparcial julgador. A defesa adere à acusação, que tem a sua principal função (acusar e

produzir provas para fundamentar suas imputações) esvaziada, e, por fim, o juiz torna-se, fundamentalmente,

mero homologador do acordo realizado.” VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada

no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 45. 361

Para Mariana Lauand, o “chamamento do corréu” é instituto idêntico à delação premiada (incriminação de

terceiro pelo imputado), mas somente poderia ocorrer durante o processo, ao passo que a “delação” pode se

dar em qualquer fase da persecução criminal. LAUAND, Mariana de Souza Lima. O valor probatório da

colaboração processual. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de

São Paulo, São Paulo, 2008. f. 57-59. 362

MITTERMAYER, Carl Joseph Anton. Tratado da prova em matéria criminal. Tradução Hebert Wüntzel

Heinrich. 3. ed. Campinas: Bookseller, 1996. p. 195. Nessa linha, é bem difundida a proximidade que a

delação possui com os regimes ditatoriais. Em já conhecido manifesto em repúdio a tal expediente, assim se

pronunciou José Sarney: “Era a forma escolhida pelos nazistas para pegar os judeus, técnica de exportação

adotada pelo governo de Vichy, aquele que traiu a França. Na Rússia de Stalin, chegou-se ao máximo da

denúncia premiada erguendo estátuas ao menino Pavlik Morozov, condecorado e elevado a herói porque

denunciara o pai que estava traindo os ideais socialistas! [...] Na revolução de 64 também houve uma onda

avassaladora de denuncismo e de caça aos infiéis. [...] O problema da delação premiada é saber onde está a

verdade e o interesse das pessoas. O que é necessário, desejável e urgente é que os envolvidos não mintam

tanto e falem a verdade. Com esta, nada de prêmio a quem se chafurdou na lama da corrupção. A opção entre

tortura e delação premiada para investigar crimes é trágica para os direitos humanos. Isso é o que se diz no

mundo inteiro.” SARNEY, José. Bordalesa e delação premiada. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 ago.

2005. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2608200507.htm>. Acesso em: 10 jul.

2017. Também acerca do regime totalitário soviético, Jean-Claude Carrière narra o seguinte conto filosófico,

titulado de “Uma boa razão”: “Poucos regimes no curso da história do mundo suscitaram tantas histórias

insolentes, ou absurdas, ou cruéis, como o regime soviético. A mais clássica é a que apresenta dois oficiais.

Um pergunta ao outro: - O que pensa sobre o regime, camarada? – A mesma coisa que você, camarada. –

Nesse caso, é meu dever prendê-lo.” CARRIÈRE, Jean-Claude. Contos filosóficos do mundo inteiro.

Tradução Cordelia Magalhães. São Paulo: Ediouro, 2008. p. 142.

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fosse um valor positivo de caráter humano”.363

Alberto Silva Franco, de semelhante modo,

verbera que a delação premiada é eticamente indefensável porque “se trata de consagração

legal da traição que rotula, de forma definitiva, o papel do delator”.364

Roberto Soares Garcia, ainda, acentua que a

[...] delação sempre é ato imoral e aético, já que a própria vida em sociedade

pressupõe o expurgo da traição das relações sociais e pessoais. A quebra de

confiança que se opera com a delação gera, necessariamente, desagregação, e esta

traz a desordem, que não se coaduna com a organização visada pelo pacto social e

com a ordem constitucional legitimamente instituída.365

Para Edson de Arruda Câmara,

[...] o instituto da delação premiada é fruto sazonado de dois fatores

importantíssimos: o estado de fraqueza moral por que passam as instituições e a

impotência dessas mesmas instituições quanto ao uso de recursos técnicos de

pesquisa criminológica.366

Até mesmo a alteração legal para a denominação “colaboração” é objeto de críticas

por parte da doutrina porque ocultaria o real desiderato de “disfarçar certa conotação antiética

que a conduta em questão possui”. 367

Nesse sentido, Fernanda C. Osório e Camile E. Lima

sustentam que “o abandono do termo ‘delação’ nada mais representa do que verdadeira burla

de etiquetas no qual objetiva-se dar uma visão mais positiva e menos pejorativa do instituto

363

BRANCO, Tales Castelo. Delação e cumplicidade criminosa. Folha de São Paulo, São Paulo, 4 dez. 1994.

Caderno 4, p. 2. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/12/04/cotidiano/7.html>. Acesso

em: 10 jul. 2017. 364

FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 359. 365

GARCIA, Roberto Soares. Delação premiada: ética e moral, às favas! Boletim do IBCCRIM, São Paulo, v.

13, n. 159, p. 2, fev. 2006.

Acerca do desprezo à traição no âmbito das relações sociais, João Ubaldo Ribeiro assevera que “Os próprios

militares e policiais encarregados dos inquéritos tinham desprezo pelos dedos-duros – como, imagino, todo

mundo tem, a não ser, possivelmente, eles mesmos. E, superado aquele clima terrível seria de se esperar que

algo tão universalmente rejeitado, epítome da deslealdade, do oportunismo e da falta de caráter, também se

juntasse a um passado que ninguém, ou quase ninguém, quer reviver. Mas não. O dedurismo permanece vivo

e atuante, ameaçando impor traços cada vez mais policialescos à nossa sociedade. [...]. Sei que as intenções

dos autores são boas, mas sei também que vem do desespero e da impotência e que terminam por ajudar o

quadro lamentável em que vivemos, pois o buraco é bem, mas bem mesmo, mais embaixo”. RIBEIRO, João

Ubaldo. Opinião. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 17 dez. 1995. 366

O autor também utiliza a analogia entre os delatores e os famosos traidores da história, tais como Judas

Iscariotes, que traiu Jesus Cristo, e Joaquim Silvério dos Reis, que denunciou Tiradentes: “Desço, pois, aos

infernos onde se encontram Judas Iscariotes, Domingos Fernandes Calabar e Joaquim Silvério dos Reis para

dizer em bom som que delação é coisa suja, muito suja, campeã das coisas mais reles e indignas desse mundo

e todo delator é a escória maior da sociedade, pouco se importando se se trate de delação legal ou não. E,

ainda que legal, a delação continua a ser imoral, já que o Direito e Moral não se confundem, embora o ideal

do Direito é que suas normas sejam todas imbuídas do mais profundo caráter moral e ético. Mas nós, juristas,

sabemos que não é bem assim.” CÂMARA, Edson de Arruda. Delação premiada: moral ou imoral? Avanço

ou retrocesso? Revista Prática Jurídica, São Paulo, v. 4, n. 45, p. 48-50, dez. 2005. p. 48. 367

BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa.

Lei n. 12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 115.

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(como se isso fosse possível), a fim de que o agente passe a ser visto como um colaborador da

justiça e não um traidor”. 368

As críticas referenciadas apontam, pois, para o problema ético existente na postura

estatal de incentivo à traição mediante o oferecimento de benefícios, a tal ponto que, nesse

sentido crítico, o legislador pátrio teria sido claramente “contagiado pela euforia trazida pela

operação italiana mani pulite (mãos limpas), como se fosse possível resolver toda a

criminalidade em apenas um lampejo de ideias mal traduzidas.” 369

No mesmo norte aponta Heloísa Estellita, para quem o tema da delação premiada

desafia questões que vão desde “a sua conveniência político criminal, passando por sua

apreciação sob o ponto de vista da quebra da ética ínsita ao Estado Democrático de

Direito.”370

Paulo Cláudio Tovo, de modo semelhante, afirma que a delação premiada se

constitui de uma violação ética que importa na confissão de que o Estado não tem capacidade

científica de chegar à verdade.371

Já Juliano Keller do Vale pondera que a redenção como

parte integrante do prêmio concedido para a prática da delação constitui “exemplo mais do

que evidente da desintegração social mediante o estímulo à traição, que afronta

indelevelmente o princípio da dignidade da pessoa humana.”372

As passagens e apontamentos colacionados testificam que os acordos colaborativos

colecionam críticas por incentivar a traição, o que provocaria implicações de natureza ético-

moral. Conforme a visão exposta, não é desejável que o Estado incentive conduta – traição –

que gere desconfiança e desordem social, vigendo uma resistência cultural à delação, em face

do negativo estigma do delator,373

referido como “X-9”, “dedo-duro”, “alcaguete”374

.

Exemplos dessa resistência cultural podem ser encontrados na jurisprudência nacional:

368

OSÓRIO, Fernanda C; LIMA, Camile E. Considerações sobre a colaboração premiada: análise crítica do

instituto introduzido com o advento da Lei n. 12.850/2013. In: PRADO, Geraldo; CHOUKR, Ana Cláudia;

JAPIASSÚ, Carlos Eduardo (Org.). Processo penal e garantias. Estudos em homenagem ao professor

Fauzi Hassan Choukr. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 156. 369

FONSECA, T. D.; FRANZINI. M de O. Delação premiada: metástase política. São Paulo: Boletim

IBCCrim, São Paulo, v. 13, n. 156, p. 9, nov. 2005. 370

ESTELLITA, Heloísa. A delação premiada para a identificação dos demais coautores ou partícipes: algumas

reflexões à luz do devido processo legal. Boletim IBCCrim, São Paulo, n. 202, p. 2-4, 2009. p. 2. 371

TOVO, Paulo Cláudio. Opinião sobre investigação criminal. Boletim IBCCrim, São Paulo, n. 154, p. 9,

2005. 372

VALLE, Juliano Keller do. Crítica à delação premiada: uma análise através do garantismo penal. São

Paulo: Conceito Editorial, 2012. p. 114. 373

Conforme Miguel Reale Júnior citado por Ferraz Júnior: “A americanização do Direito, especialmente nessa

área, o problema da leniência, passa por cima de qualquer princípio ético. É o autor do fato delituoso, que se

mantém beneficiário, até o instante em que vê a casa cair e denuncia os seus comparsas. E o Estado se vale

do delator, do covarde, para querer condenar os outros. É o Estado antiético, que alimenta a delação. Até

criminoso tem de ter a sua dignidade.” FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Indício e prova de cartel:

palestra proferida em reunião do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos e Legislativos realizada em 27 de

março de 2003 na sede da Fiesp/Ciesp. São Paulo: CONJUR, 2003. Disponível em:

<http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/116>. Acesso em: 10 jun. 2017.

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[...] não recepciono o acordo de leniência como instrumento suficiente a embasar a

busca e apreensão, assemelhando-se à delação, pois por si é eticamente condenável,

posto que seu autor, como partícipe da conduta ilegal detém moral questionável para

servir de prova.375

Ana Carolina Pereira C. F. Lamy assevera que “o ponto central da crítica é que a

delação apenas justifica investigações deficientes, sendo um paliativo à parca atuação do

Estado”, visto que “estaria consubstanciada em meio pelo qual o Ministério Público, titular da

ação penal pública incondicionada, poderia buscar elementos de convicção aptos a

fundamentar o sumário de culpa, isentando-se da coleta das provas necessárias”.376

Na mesma

exegese, Michele B. Brito expressa que o processo penal não pode se tornar um mero

instrumento fictício para confirmação sistêmica dos elementos produzidos por meio da

colaboração premiada.377

Por fim, José de Assis Santiago Neto aduz que a delação fomenta

um quadro mental paranoico, visto que a “confiança cega na versão de um delator leva à

formação de uma hipótese a qual se passará a buscar qualquer elemento que seja que a

fundamente, pouco importando a (re) construção dos fatos através dos argumentos e

provas”.378

Nessa exegese, a barganha com o acusado em troca de informações eficazes à

elucidação dos fatos e identificação dos demais acusados evidencia a total inoperância do

Estado em combater a criminalidade organizada. Volta-se, aqui, mais uma vez, a problemática

dos consectários da sociedade de risco e da decorrente expansividade do direito penal,

ensejando a criação de novos mecanismos jurídico-penais. Em razão do caráter ágil, oculto e

por vezes efêmero dos novos perigos, o Direito Penal de Risco vale-se de instrumentos como

os dos acordos e delações. Tais instrumentos, dentre outros expedientes estudados no item

374

Ana Paula Martinez explica que “X-9 era o nome de um agente secreto de historinha em quadrinhos criada

em 1934 por Dashiell Hemmet e Alex Raymond. X-9 também era o nome de um dos pavilhões do extinto

presídio Carandiru, para onde eram enviados os presos que estavam sujeitos à agressão física por parte dos

demais, como delatores e estupradores. A expressão “dedo-duro” remonta ao fato de que aquele que delata

aponta para alguém, tem o dedo duro. Por fim, alcaguete é palavra de origem árabe, alcahuete, que significa

alcoviteiro”. MARTINEZ, Ana Paula. Desafios do acordo de leniência da Lei n. 12.846/2013. Revista do

Advogado, São Paulo, v. 34, n. 125, p. 25-30, dez. 2014. 375

SÃO PAULO; MATO GROSSO DO SUL. Tribunal Regional Federal 3. Região. Processo n.

2006.03.00.017554-7, Des. Alda Bastos, São Paulo, SP, 13 de julho de 2006. p. 4. Disponível em:

<http://web.trf3.jus.br/consultas/Internet/ConsultaProcessual/Processo?NumeroProcesso=20060300017554>.

Acesso em: 20 set. 2017. 376

LAMY, Anna Carolina Pereira C.F. Reflexos do acordo de leniência no processo penal: a implementação

do instituto ao direito penal econômico brasileiro e a necessária adaptação ao regramento constitucional. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 26-27. 377

BRITO, Michelle B. Delação premiada e decisão penal: da eficiência à integridade. Belo Horizonte:

D’Plácido, 2016. p. 73-74. 378

SANTIAGO NETO, José de Assis. A colaboração premiada e sua (des) conformidade com o sistema

acusatório e com o modelo constitucional de processo. In: MENDES, Soraia da Rosa (Org.). A

delação/colaboração em perspectiva. Brasília: IDP, 2016. p. 42.

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163

3.1.1, são vistos como mais eficientes na proteção de bens jurídicos relacionados à atual

complexidade das relações sociais, responsável por ampliar os espaços de riscos jurídicos

penalmente relevantes, o que descortina a opção por mais Direito Penal em termos

qualitativos e quantitativos.379

Esta expansividade desordenada molda o direito penal da prevenção, marcado por

restrições à segurança jurídica em prol da maior efetividade da intervenção penal,380

pela

existência de uma marcante tendência “premial” (desconto de pena ou benefício

penitenciário) aos acusados que colaborarem (acordarem/delatarem) com a apuração dos

fatos, bem como pela adoção de procedimentos abreviados.381

Dentro desta ambiência crítica, Luiz Flavio Gomes aponta a falta de um regramento

harmônico e coerente acerca de delação premiada. Ele defende a necessidade do Estado

aparelhar-se cada vez mais, de modo a não carecer da delação. Enquanto tal não ocorre, a

prioridade deve ser o detalhamento legal do instituto, a fim de se evitarem denúncias

irresponsáveis, o sensacionalismo da mídia e a precipitação das autoridades legais

constituídas.382

De outro lado, em que pese a eloquência dos argumentos desfavoráveis à delação

premiada, o panorama atual do campo jurídico brasileiro direciona-se para a aplicação do

instituto premial sob o baluarte da constitucionalidade e da moralidade. Muitos doutrinadores

aceitam o uso da delação ao avaliar a sua inegável serventia perante a acentuada lesividade

das organizações criminosas e a dificuldade no seu enfrentamento. Na dicção de José

Alexandre Marson Guidi, “apesar de ser severamente criticada pela esmagadora maioria da

doutrina, o instituto da delação premiada tem inúmeras vantagens e, com certeza, é uma forma

muito eficaz de combater a criminalidade organizada.” 383

Além disso, conforme explica Alfredo Falcão, a confissão pode representar

arrependimento e recuperação e, por fim, quando o Ministério Público oferecer a denúncia, o

379

SILVA SÁNCHEZ, Jesús María. La expansión del derecho penal. Aspectos de la Política Criminal en las

sociedades postindustriales. 2. ed. Buenos Aires: S. L. Civitas Ediciones, 2006. p. 20. 380

FARIA COSTA, José de. Direito penal e globalização: reflexões não locais e pouco globais. Coimbra:

Coimbra, 2010. p. 60. 381

GOMES, Luiz Flávio. Crime Organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/95) e político-

criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 47. 382

GOMES, Luiz Flávio. Corrupção política e delação premiada. Revista Síntese de Direito Penal e Processual

Penal, São Paulo, v. 6, n. 34, p. 18-19, out./nov. 2005.

Acerca da imprecisão científica do tema, Roberto Soares Garcia lembra que com a chancela da delação “o

ordenamento jurídico brasileiro deu a este um colorido algo esquizofrênico: ora a traição é tida como

circunstância agravante ou qualificadora de crime, ora, na forma de delação, pode levar à isenção ou à

diminuição da pena”. GARCIA, Roberto Soares. Delação premiada: ética e moral, às favas! Boletim do

IBCCRIM, São Paulo, v. 13, n. 159, p. 2-3, fev. 2006. p. 2-3. 383

GUIDI, José Guilherme Marson. Delação premiada no combate ao crime organizado: teses inéditas sobre

o tema. São Paulo: Lemos & Cruz, 2006. p. 145.

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delatado terá acesso às provas e às acusações que a embasam, podendo exercer o contraditório

de modo pleno.384

Assim, trata-se de mera procrastinação do contraditório, a exemplo de

como já ocorre com o inquérito policial.385

Igualmente, inexistiria ofensa ao devido processo

legal porque, ao colaborar com a justiça, o delator aponta os demais autores e esclarece as

circunstâncias do crime, mas tais alegações deverão ser confirmadas mediante outros

elementos probatórios. Na lição de Eugênio Pacelli, “há que observar que a colaboração

premiada no Brasil não dispensa a sentença condenatória, isto é, ela depende da apreciação de

todos os fatos e provas, ao final do que somente a procedência da acusação é que permitirá a

aplicação da pena assim negociada”.386

Consoante esclarece Carlos Fernando dos Santos Lima, as palavras de um colaborador

representam meros indícios de crimes a serem investigados, constituindo caminhos a serem

seguidos e confirmados. Por essa razão, devem ser tratados com o sigilo necessário por duas

razões: preserva “a prova para diligências a serem realizadas – como no caso de busca e

apreensões futuras – e preserva a imagem de pessoas eventualmente implicadas”387

.

Já no concernente à inexistência de legislação específica e coesa sobre o tema,

Marcelo Batlouni Mendroni aduz que, embora coexistam inúmeras leis tratando do instituto,

cada uma delas tem sede própria de aplicação, inexistindo, assim, conflito de normas.388

No pertinente ao argumento de que, com a delação, o Estado admitiria o seu fracasso

em combater a criminalidade organizada, contrapõe-se que, sem a sua adoção, seria muito

difícil descobrir quem é o “chairman” da organização criminosa, pessoa quase sempre bem

sucedida, com grande poder social e laços muito estreitos com o Poder Público. Para Lélio

Braga Calhau, não se pode permitir o uso abusivo da delação premiada, mas “negar a

384

FALCÃO JÚNIOR, Alfredo Carlos Gonzaga. Delação premiada: constitucionalidade e valor probatório.

Revista Eletrônica do Ministério Público Federal, Brasília, DF, p. 1-22, 2011. p. 4. Disponível em:

<http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista_2011/2011_Dir_Penal_Falcao_Junior.pdf >. Acesso em: 15

out. 2017. 385

No concernente aos acordos de leniência, como visto no item precedente, os eventuais delatados poderão se

defender no Processo Administrativo de Responsabilidade (PAR), inexistindo, pois, violação ao contraditório

e à ampla defesa, visto que estes serão postergados ou diferidos. 386

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 844.

A esse respeito, Vinicius Gomes de Vasconcellos admoesta: “...é fundamental reforçar a regra de que a

colaboração premiada pressupõe a corroboração da acusação por meio de elementos dela independentes,

mantendo a necessidade de produção probatória e os atos do procedimento de instrução e julgamento. A

colaboração premiada não pode se tornar barganha, devendo-se repudiar a tendência de o processo se tornar

mera farsa para confirmação dos elementos produzidos a partir da cooperação do acusado-delator.”

VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 1ª ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2017, p. 51. 387

LIMA, Carlos Fernando dos Santos. Delação para colaborar com a sociedade. Folha de São Paulo, São

Paulo, 29 ago. 2005. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2908200509.htm>. Acesso

em: 20 set. 2017. 388

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 2. ed. São Paulo:

Atlas, 2007. p. 38.

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complexidade e a necessidade do enfrentamento, em especial das organizações criminosas

com a delação premiada, é negar a própria dinâmica da realidade criminológica que nos

cerca".389

Nesse sentido, o acordo sigiloso de delação escuda-se no primado da equidade e da

paridade de armas, encontrando-se em harmonia com os preceitos fundamentais da

Constituição Federal, a exemplo da Justiça e da Segurança.

Ademais, Cibele Benevides Guedes Fonseca explica que, nos crimes graves praticados

por entidades do tipo mafioso, “a lei do silêncio (omertà) é a garantia de sua impunidade, de

modo que a descoberta e o desbaratamento só são possíveis – ou no mínimo menos difíceis –

se alguém de ‘de dentro’ falar”. 390

A valia da delação se constata, também, no âmbito dos esquemas de cartel. Na esteira

da lição de Jindrich Kloub, os cartéis modernos operam em segredo e se esforçam para ocultar

sua existência empregando linguagem codificada, meios de telecomunicações criptografadas,

contas de e-mail anônimas e outros mecanismos sigilosos. Em razão desses expedientes,

desbaratar um cartel se revela de acentuada dificuldade para as autoridades se elas

dependerem apenas dos métodos tradicionais de investigação, a exemplo de pesquisa de

mercado ou reclamações de consumidores e concorrentes, dados externos ao cartel.391

De modo similar, Thiago Marrara esclarece:

[...] negociar não para beneficiar gratuitamente, não para dispor dos interesses

públicos que lhe cabe zelar, não para se omitir na execução das funções públicas.

Negociar sim, mas com o intuito de obter suporte à execução bem sucedida de

processos acusatórios e atingir um grau satisfatório de repressão de práticas ilícitas

389

CALHAU, Lélio Braga. Use com moderação: delação é arma importante para enfrentar crime organizado.

Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 29 ago. 2005. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2005-

ago-29/delacao_arma_importante_enfrentar_crime_organizado>. Acesso em: 29 out. 2017. 390

A autora acrescenta: “Neste último [Itália], a partir de acordo de colaboração premiada feito pelo Juiz

Giovanni Falcone com Tommaso Buscetta, foi possível, na década de 1980, desbaratar a associação mafiosa

‘Cosa Nostra’, com base em Palermo, Sicilia. Do mesmo modo, a partir de acordo com Mario Chiesa, na

década de 1990, a Justiça italiana pôde prender e punir organização criminosa envolvendo partidos políticos e

crimes de corrupção arraigados em todo país, na Operação que se iniciou em Milão e que recebeu o nome de

‘Operações Mãos Limpas’ (‘Mani Pulite’).” FONSECA, Cibele Benevides Guedes et al. A colaboração

premiada compensa? Texto para discussão n. 181. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/Conleg/Senado,

2015. 391

No original: “However, as mentioned above, modern cartels, aware of their illegality, operate in secrecy and

oftentimes engage in elaborate efforts to conceal their existence from the authorities. They employ encoded

language, encrypted telecommunication means, anonymous email accounts and other ways of maintaining

secrecy. 5 9. Due to these efforts, learning about the existence of a cartel, as a prerequisite for its

investigation and prosecution, becomes very difficult for competition agencies when relying on traditional

investigative methods, such as market research or complaints from consumers and competitors, which are

essentially sources of information outside the cartel.” KLOUB, Jindrich. Using leniency to fight hard core

cartels – leniency as the most effective tool in combating cartels. In: LATIN AMERICAN COMPETITION

FORUM, 9-10 september, 2009, Santiago, Chile. Forum... Santiago, Chile: IDB, 2009. p. 1-148. p. 7.

Disponível em:

<www.oecd.org/daf/competition/2009%20LACF_UsingLeniencytoFightHardCoreCartels.pdf>. Acesso em:

18 jul. 2017.

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altamente nocivas que sequer se descobririam pelos meios persecutórios e

fiscalizatórios clássicos.392

Oportuno, ainda, citar a Justificativa da Proposta n. 5 da Campanha “10 Medidas

Contra a Corrupção”, capitaneada pelo Ministério Público Federal (MPF), conforme a qual os

acordos de colaboração premiada ou de leniência, em que o delator se dispõe a esclarecer o

esquema de corrupção e a apontar os envolvidos e os elementos de prova dos ilícitos, em troca

de benefício (prêmio) para reduzir o impacto de suas sanções ou a elas ficar imune,

constituem umas das mais modernas técnicas especiais de investigação (TEI), utilizadas no

mundo inteiro.

Segundo o MPF, além de acelerar a resolução do caso, tal técnica de investigação

“também evita injustiças, já que ninguém melhor do que um coautor da infração, tendo-a

vivenciado, para esclarecer os fatos, a estrutura da organização criminosa, o modus operandi,

bem como para apontar o caminho das provas”.393

Além disso,

[...] quanto ao risco de colaborações mentirosas para ganho indevido de benefício ou

retaliação de outras pessoas, há as regras de segurança do instituto, a saber, a

corroboração (confirmação do depoimento do colaborador com outros elementos de

prova, não valendo o depoimento em si como meio de prova) e a possibilidade de

rescisão do acordo em casos de manipulação da verdade, má-fé ou reincidência na

prática infracional. Não foi por outra razão que em dois dos maiores escândalos

noticiados no Brasil e investigados por meio da Operação Lava-Jato e da Operação

Ararath, sob o controle e supervisão do Ministério Público Federal, houve o

desbaratamento de organizações criminosas com o auxílio da colaboração premiada,

cujo resultado se mostrou mais eficaz para a colheita de provas que o antigo método,

bastante utilizado nas investigações criminais, da interceptação telefônica. Isso

porque a colaboração premiada não só explica a inteligência das provas já colhidas,

mas uma das obrigações do colaborador é a de fornecer meios de prova para a

autoridade competente ou, no mínimo, indicar o caminho onde as evidências podem

ser recolhidas.394

A mesma posição vem sendo constantemente reiterada nas homologações dos acordos

realizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o qual assentou haver “previsão

em Convenções firmadas pelo Brasil para que sejam adotadas ‘as medidas adequadas para

encorajar’ formas de colaboração premiada (art. 26.1 da Convenção de Palermo) e para

392

MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime

jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-

527, jun. 2015. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>. Acesso em: 8

ago. 2017. 393

BRASIL. Ministério Público Federal. 10 medidas contra a corrupção. Brasília, DF, 2015. Disponível em:

<http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-medidas/docs/medida_5_versao-2015-06-

25.pdf.>. Acesso em: 20 jan. 2018. 394

Ibid.

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‘mitigação da pena’ (art. 37.2 da Convenção de Mérida).” Assim, “Os princípios da segurança

jurídica e da proteção da confiança tornam indeclinável o dever estatal de honrar o

compromisso assumido no acordo de colaboração, concedendo a sanção premial estipulada,

legítima contraprestação ao adimplemento da obrigação por parte do colaborador. (...)”.395

Já no respeitante à questão ética envolvendo a traição, a primeira investigação que se

revela premente é se ela existiria entre criminosos. Para José Alexandre Guidi, “é incorreto

afirmar que se o criminoso se arrepender e delatar seus comparsas, estará agindo contra a

ética, pois ele assim estará agindo se não o fizer.”396

Na mesma inteligência, Alexis Brito

pondera que a suposta lealdade entre integrantes de uma mesma organização criminosa “não

passa de uma miragem” porque, na ótica do autor, “a relação entre indivíduos do grupo não se

pauta pela ideia do justo, mas sim do interesse vil e do temor exercido pelos chefes da

organização, apoiado exclusivamente no domínio e uso da força.”397

Eugênio Pacelli se posiciona de semelhante modo:

Ora, a partir de que ponto dos estudos da ética pode-se chegar à conclusão de que a

violação ao segredo da organização criminosa, isto é, ao segredo relativo aos crimes

praticados, pode revelar-se eticamente reprovável? Existiria uma ética afastada de

quaisquer considerações morais, já que a revelação da existência do crime é a

revelação da existência de uma conduta evidentemente contrária à ética e ao Direito?

Existiria, enfim, uma ética criminosa?398

Ana Paula Martinez verbera que associações criminosas são naturalmente instáveis,

inexistindo expectativa de que haja um laço consistente de confiança entre coautores e

partícipes do crime. Desse modo, quem se aventura na senda criminosa, não espera ter dos

seus comparsas o mesmo nível de confiança existente nas relações sociais lícitas. Sob outro

395

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 127.483/PR. Paciente: Erton Medeiros Fonseca.

Impetrante: José Luiz Oliveira Lima e outros. Coator: Relator da PET 5244 do STF. Relator Min. Dias

Toffolli. Brasília, DF, 27 ago. 2015. p. 23-24. Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10199666>. Acesso em: 20 mar.

2018. 396

GUIDI, José Guilherme Marson. Delação premiada no combate ao crime organizado: teses inéditas sobre

o tema. São Paulo: Lemos & Cruz, 2006. p. 147. 397

BRITO, Alexis Augusto Couto de. Execução penal. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 374-375.

Esta é a mesma posição de Eugênio Bucci, para quem a delação premiada “quebra a falsa ‘ética’ do crime

(uma ‘ética’ essencialmente antiética), que se resume à lealdade irracional entre bandidos. Essa lealdade se

funda no medo, não na virtude. Não é por ser virtuoso que os criminosos não se delatam jamais – é por medo

de morrer. Os corruptos notórios que posam de heróis impolutos só porque ‘não entregam’ ninguém não

calam por virtude, mas por medo pusilânime. Nesse quadro, o que a ‘delação premiada’ consegue fazer é

dissolver essa ‘ética’ do crime. Se o ladrão ‘leal’ só é leal porque tem medo, nada mais ético do que levá-lo a

colaborar com a Justiça democrática por uma motivação tão mesquinha quanto o medo: o interesse de ter a

pena abrandada.” BUCCI, Eugênio. A ética do crime e a delação premiada. Revista Época, São Paulo, 20

abr. 2015. Disponível em: <http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/eugenio-bucci/noticia/2015/04/etica-do-

crime-e-delacao-premiada.html>. Acesso em: 18 ago. 2017. 398

PACELLI, Eugênio. Curso de direito penal. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 630-631.

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aspecto, a autora esclarece que, mesmo em havendo o mesmo grau de confiança, insta

distinguir a existência de dois valores distintos: de um lado, “a proteção de um bem jurídico

que recebe tutela penal – e que, portanto, pressupõe um valor constitucionalmente protegido e

socialmente desejado” e, de outro, a lealdade entre parceiros do crime.399

Ampliando seu raciocínio, a autora explica que o conflito remete à lealdade à

sociedade brasileira versus lealdade entre indivíduos específicos, de modo que a primeira

deve prevalecer, tanto que esta foi a opção do legislador ao introduzir o instituto da

colaboração premiada em diversos diplomas legais a partir de 1990. E o legislador

democraticamente eleito “é a expressão dos desejos de uma sociedade que, por definição, se

alteram ao longo do tempo”400

.

Marcus Cláudio Acquaviva envereda pela mesma senda de que deve ser dada guarida

ao interesse/ética/lealdade social em detrimento da grupal:

Quanto à justificação ética da delação premial reside, a nosso ver, na utilidade

social. Afinal de contas, é notório na doutrina clássica ou moderna que o Direito,

enquanto instrumento de realização da paz social, não é obra para santos, mártires ou

heróis. Se a delação premial merece reprovação absoluta, temos que condenar,

também, a estipulação de recompensa para quem revela o local onde o criminoso se

acha acoutado ou, ainda, o instituto da delação anônima, que tem propiciado a

solução de inúmeros delitos. Além disso, embora a delação premial traga, consigo, a

pecha de “alcaguete” ou “dedo-duro” para o delator que, forçoso admitir, delata ou

colabora apenas no intuito de se safar das penalidades a que está sujeito, também é

verdade que seus comparsas não deixam de ser menos culpados quando supostas

“vítimas” de uma delação [...]. Não há o menor cabimento, portanto, em falar na

injustiça ou imoralidade da delação premial.401

De modo semelhante, mas trocando o enfoque dos interesses da sociedade pela tutela

da legalidade e da democracia, Paulo José Freire Teotônio e Marcus Túlio Alves Nicolino

399

MARTINEZ, Ana Paula. Desafios do acordo de leniência da Lei n. 12.846/2013. Revista do Advogado, São

Paulo, v. 34, n. 125, p. 25-30, dez. 2014. p. 29.

No mesmo tom verbera David Teixeira de Azevedo: “De um lado, o valor positivo de o Estado eficiente e

eficazmente combater a criminalidade; de outro, o valor ético da concessão de benefício legal para quem,

reformulando os valores, pretende orientar a vida aderente às normas jurídicas e sociais.” AZEVEDO, David

Teixeira de. Quando a delação premiada cruza com a ética. O Estado de São Paulo, São Paulo, 16 ago.

2014. 400

Idêntica posição é defendida por Carlos Fernando dos Santos Lima: “Primeiro ponto a ser superado é o da

suposta imoralidade desse acordo, comparado muitas vezes à traição. Amiúde seus detratores equiparam os

investigados/réus colaboradores a Judas Iscariotes ou a Joaquim Silvério dos Reis. Trata-se de imagem forte,

mas destituída de qualquer razoabilidade. Nenhuma pessoa delatada é Jesus Cristo nem Tiradentes. Não há

regra moral na omertà, não se pode admitir como obrigação ética o silêncio entre criminosos. Na verdade, a

obrigação é para com a sociedade. O que existe realmente é o dever de colaborar para a elucidação do crime,

pois esse é o interesse social.” LIMA, Carlos Fernando dos Santos. Delação para colaborar com a sociedade.

Revista Jurídica Consulex, São Paulo, v.11, n. 208, p. 30-31, set. 2005. 401

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Delação premiada. In: _____. Dicionário acadêmico de direito. São Paulo:

Método, 2005. Apud GUIDI, José Guilherme Marson. Delação premiada no combate ao crime

organizado: teses inéditas sobre o tema. São Paulo: Lemos & Cruz, 2006. p. 148.

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ponderam não parecerem justas as críticas de que o instituto premiaria o traidor porque, sob o

ponto de vista da sistemática processual, a sua utilização aproxima-se mais da descoberta da

verdade real, permitindo a persecução da pena.402

No mesmo sentido se posiciona David

Teixeira de Azevedo, ao referir que “a delação premiada é instituto jurídico que atende o

interesse estatal de persecução de crimes e o interesse do cidadão” o qual, ao mudar a sua

escala de valores, passa a ter direito a ter a sua “responsabilidade criminal excluída ou

diminuída como resultado da colaboração com a Justiça. Está permeado de eticidade”. E

arremata: “não se pode é prestigiar uma ética torta, fixada na fidelidade de membros de

grupos criminosos”403

.

Do esposado, percebe-se ainda vigorar, no Brasil, relevante controvérsia acerca das

implicações éticas dos institutos colaborativos. A figura do delator como sendo um indivíduo

corajoso e virtuoso, que afronta os riscos da delação para dar cabo a conduta delituosa e

passar a agir conforme o bom direito não é propagada a contento em nosso país – embora haja

nascente doutrina a defender o valor ético daquele que decide colaborar com a Justiça.

Ao largo da divergência doutrinária de caráter ético-jurídico, o Acordo de Leniência

tem se revelado instrumento útil nas investigações e combate aos cartéis, a tal ponto que, nos

Estados Unidos da América, o referido instrumento, no ano de 2015, foi responsável pela

arrecadação de 3,6 bilhões de dólares em multas aplicadas às empresas que foram condenadas

por formação de cartéis.404

Nesse toar, o estabelecimento de mecanismos de incentivo à colaboração de infratores

é um método que se tem propagado no mundo inteiro. Para as autoridades internacionais, ele

se constitui de um moderno meio de prova recomendado por organismos como ONU

(Organização das Nações Unidas) e GAFI/TAFT (Grupo de Ação Financeira contra a

Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo), sendo prevista em dois relevantes

tratados internacionais: a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade

Transnacional Organizada (Convenção de Palermo)405

e a Convenção das Nações Unidas

contra a corrupção (Convenção de Mérida).406

402

TEOTÔNIO, Paulo José Freire; NICOLINO, Marcus Túlio Alves. O Ministério Público e a colaboração

premiada. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, São Paulo, v. 6, n. 21, p. 26-35, ago./set.

2003. 403

AZEVEDO, David Teixeira de. Quando a delação premiada cruza com a ética. O Estado de São Paulo, São

Paulo, 16 ago. 2014. 404

DEPARTMENT OF JUSTICE. Antitrust division. Public documents. Criminal enforcement: fine and jail

charts through fiscal year 2015. Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/criminal-enforcement-fine-and-

jail-charts>. Acesso em: 20 nov. 2017. 405

Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime

Organizado Transnacional. Artigo 26 Medidas para intensificar a cooperação com as autoridades

competentes para a aplicação da lei 1. Cada Estado Parte tomará as medidas adequadas para encorajar as

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170

Imbuídos dos espíritos dessas recomendações, em outros países, como nos Estados

Unidos da América, os whistleblowers (expressão deslindada no item 3.3.1) são glorificados

como personalidades do ano.407

Embora a percepção da sociedade brasileira não tenha

chegado a tal ponto, a conscientização acerca dos malefícios decorrentes do agir antiético e da

impunidade, conforme visto no item 3.2.1, aos poucos demonstra estar aumentando em escala,

pessoas que participem ou tenham participado em grupos criminosos organizados: a) A fornecerem

informações úteis às autoridades competentes para efeitos de investigação e produção de provas,

nomeadamente i) A identidade, natureza, composição, estrutura, localização ou atividades dos grupos

criminosos organizados; ii) As conexões, inclusive conexões internacionais, com outros grupos criminosos

organizados; iii) As infrações que os grupos criminosos organizados praticaram ou poderão vir a praticar; b)

A prestarem ajuda efetiva e concreta às autoridades competentes, susceptível de contribuir para privar os

grupos criminosos organizados dos seus recursos ou do produto do crime. 2. Cada Estado Parte poderá

considerar a possibilidade, nos casos pertinentes, de reduzir a pena de que é passível um arguido que coopere

de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente

Convenção. 3. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, em conformidade com os princípios

fundamentais do seu ordenamento jurídico interno, de conceder imunidade a uma pessoa que coopere de

forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente

Convenção. 4. A proteção destas pessoas será assegurada nos termos do Artigo 24 da presente Convenção. 5.

Quando uma das pessoas referidas no parágrafo 1 do presente Artigo se encontre num Estado Parte e possa

prestar uma cooperação substancial às autoridades competentes de outro Estado Parte, os Estados Partes em

questão poderão considerar a celebração de acordos, em conformidade com o seu direito interno, relativos à

eventual concessão, pelo outro Estado Parte, do tratamento descrito nos parágrafos 2 e 3 do presente Artigo.

BRASIL. Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o

Crime Organizado Transnacional. Brasília, DF, 2004. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em: 20 nov. 2017. 406

Decreto 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção,

adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de

dezembro de 2003. Artigo 37 Cooperação com as autoridades encarregadas de fazer cumprir a lei 1. Cada

Estado Parte adotará as medidas apropriadas para restabelecer as pessoas que participem ou que tenham

participado na prática dos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção que proporcionem às

autoridades competentes informação útil com fins investigativos e probatórios e as que lhes prestem ajuda

efetiva e concreta que possa contribuir a privar os criminosos do produto do delito, assim como recuperar

esse produto. 2. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de prever, em casos apropriados, a mitigação

de pena de toda pessoa acusada que preste cooperação substancial à investigação ou ao indiciamento dos

delitos qualificados de acordo com a presente Convenção. 3. Cada Estado parte considerará a possibilidade

de prever, em conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, a concessão de

imunidade judicial a toda pessoa que preste cooperação substancial na investigação ou no indiciamento dos

delitos qualificados de acordo com a presente Convenção. 4. A proteção dessas pessoas será, mutatis

mutandis, a prevista no Artigo 32 da presente Convenção. 5. Quando as pessoas mencionadas no parágrafo 1

do presente Artigo se encontrem em um Estado Parte e possam prestar cooperação substancial às autoridades

competentes de outro Estado Parte, os Estados Partes interessados poderão considerar a possibilidade de

celebrar acordos ou tratados, em conformidade com sua legislação interna, a respeito da eventual concessão,

por esse Estrado Parte, do trato previsto nos parágrafos 2 e 3 do presente Artigo. BRASIL. Decreto n. 5.687,

de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela

Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de

2003. Brasília, DF, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-

2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em: 20 nov. 2017. 407

TIME. Persons of the year 2002. The whistleblowers, 2002. Disponível em:

<http://content.time.com/time/specials/packages/0,28757,2022164,00.html>. Acesso em: 18 ago. 2017.

O Programa de Leniência já se encontra consolidado no ordenamento jurídico de mais de cinquenta países,

tais quais o Reino Unido, Alemanha, França, Holanda, Canadá, Japão, Coréia do Sul, acentuando-se a não

distante revisão política de leniência pela União Europeia levada a cabo em fevereiro de 2002. GRIFFIN,

James M. The modern leniency program after ten years: a summary overview of the Antitrust Division’s

Criminal Enforcement Program. In: THE AMERICAN BAR ASSOCIATION SECTION OF ANTITRUST

LAW ANNUAL MEETING, São Francisco, 2003. Disponível em:

<http://www.justice.gov/atr/public/speeches/201477.htm>. Acesso em: 10 set. 2017.

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de modo que a resistência ao instituto outrora nominado de “beijo de Judas”408

parece estar,

gradualmente, minorando. O caminhar desse duradouro processo depende, entre outros

fatores, do uso consciente e técnico da delação pelas autoridades responsáveis409

, as quais

devem atuar despidas de quaisquer inclinações políticas ou escusas. Ademais, sempre se deve

ter presente que a contribuição do delator, mesmo quando presente o requisito da

voluntariedade, nunca é totalmente apartada de seu interesse pessoal de ver minorada a

eventual pena que receberá ao final do procedimento.

Segundo Vinicius Gomes de Vasconcellos, uma vez superada a oposição à expansão

da justiça criminal negocial, “impera a necessidade de adoção de postura cautelosa e

limitadora à colaboração premiada, buscando parâmetros para sua adequada compreensão e

limitação.”, de tal modo que “esse instituto deve ser concebido como mecanismo excepcional,

com critérios restritivos e limitações consolidadas, para afastar eventual amorfismo que

permita abusos e brechas para arbitrariedades.”410

Nesse propósito, os acordos colaborativos

devem ser limitados mediante a adoção de regras transparentes e técnicas. Na dicção de

Andrey Borges de Mendonça, “deve-se ter cautela para não banalizar o instituto”. 411

É por essa razão que não se ignoram as proposições levantadas pela corrente contrária

à adoção dos instrumentos negociais, uma vez que indicam argumentos consistentes para os

riscos da propagação inconsequente dos institutos colaborativos. Caso empregadas com a

sapiência recomendada, as colaborações premiadas – e suas subespécies acordos de leniência

– passarão a, paulatinamente, serem vistas como mecanismos que permitem ao membro da

408

GIORGIS, José Carlos Teixeira. A ética da delação premiada. Zero Hora, Porto Alegre, 18 dez. 2013.

Disponível em: <http://wp.clicrbs.com.br/opiniaozh/page/486/>. Acesso em: 18 set. 2017. 409

A sensatez na utilização de tais instrumentos por parte das autoridades encarregadas, mesmo nos casos em

que o Estado já reúne condições para desencadear uma investigação, permite, conforme acentuam Ayres e

Maeda, “a melhor utilização dos recursos públicos, uma vez que documentos e informações fornecidas para

as autoridades, muitas vezes, somente poderiam ser obtidos por meio de investigações e diligências

custosas.” AYRES, Carlos Henrique da Silva; MAEDA, Bruno Carneiro. O acordo de leniência como

ferramenta de combate à corrupção. In: SOUZA, Jorge Munhós; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). Lei

anticorrupção. Salvador: Juspodium, 2015. p. 239-251. p. 241. 410

VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017. p. 48. 411

MENDONÇA, Andrey Borges de. A colaboração premiada e a nova Lei do Crime Organizado (Lei

12.850/13). Revista Custos Legis, v. 4, p. 1-38, 2013. p. 7. O mesmo alerta é encontrado na jurisprudência pátria: “A aplicação da delação premiada, muito controversa

na doutrina e na jurisprudência, deve ser cuidadosa, tanto pelo perigo de denúncia irresponsável, quanto pelas

consequências dela advinda para o delator e sua família, no que concerne, especialmente, à segurança.”

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 97.509 MG (2007/0307265-6). Impetrante:

Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Paciente: Deni Antônio dos Santos. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Brasília, DF, 15 jun. 2010.

Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=10726581&nu

m_registro=200703072656&data=20100802&tipo=5&formato=PDF >. Acesso em: 20 mar. 2018.

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organização criminosa agir conforme a boa ética: cessar a conduta ilícita e colaborar com as

autoridades encarregadas na investigação dos crimes.

4.4 Perspectivas no Enfrentamento da Corrupção Empresarial

Conforme demonstrado na presente pesquisa, ao lançar um pacote legislativo

anticorrupção inspirado em instrumentos adotados em países de origem anglo-saxã (item

3.1.2), o legislador nacional intentou oferecer respostas aos reclamos e protestos da sociedade

civil organizada (item 3.2.1). Nesse propósito, o novo marco legal anticorrupção fundou-se,

especialmente, na consensualidade (item 3.2.2), objetivando estabelecer instrumentos de

cooperação do particular (compliance – item 3.3) e transação entre o Estado e os agentes

processados (colaboração premiada e acordo de leniência – itens 4.1.2 e 4.2.1).

No âmbito criminal, foi instituída a Lei 12.850/2013 (Lei de Combate ao Crime

Organizado), responsável por regulamentar o instituto da colaboração premiada de modo mais

completo em relação aos diplomas legais antecedentes. Conforme visto, tal instrumento

destina-se às pessoas físicas interessadas em: a) reconhecer os atos ilícitos praticados; b)

colaborar com as investigações e c) ressarcir os prejuízos decorrentes de seus atos. Em troca,

o colaborador pode receber imunidade penal, perdão judicial e redução das sanções penais.

Já na seara civil/administrativa, o legislador editou a Lei 12.846/2013 (Lei

Anticorrupção), a qual dispõe sobre a responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de

atos corruptivos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Além de relevantes

inovações, como a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica por atos ilícitos praticados

pelos agentes a ela vinculados, o referido diploma legal regulou, no enfrentamento da

corrupção empresarial, duas importantes figuras: a) o compliance e o b) acordo de leniência.

Contudo, como a história não cansa de testemunhar, respostas institucionais açodadas

advindas por ocasião de furores político-sociais são, não raramente, eivadas de atecnias que

emperram a sua efetividade. No caso da Lei Anticorrupção (LAC) não foi diferente,

constatando-se imperfeições relacionadas à ausência de delimitação das funções dos

diferentes órgãos de controle e de sistematização entre as distintas estruturas legais de

repressão à corrupção.

A comprovar esta realidade, foi editada, logo após a vigência da lei em estudo, a

Medida Provisória 705/2015, a qual buscou conferir maior racionalidade sistêmica à LAC e

resolver parte dos problemas relacionados à insegurança jurídica que envolve a aplicação dos

acordos de leniência. As disposições da referida norma, todavia, perderam a sua vigência em

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razão do cenário político conflituoso que vinha – e ainda vem – imperando no país desde o

avanço da Operação Lava Jato, aliado à resistência institucional encampada pelos órgãos de

controle.412

O insucesso na tentativa de, por meio da própria via legislativa, realizar adequações

técnico-dogmáticas na Lei Anticorrupção conclama o hermeneuta a desvelar os critérios

interpretativos que conferirão melhor aplicabilidade à norma legal. Eis a árdua tarefa, pois,

que desafia a doutrina nacional e que orienta o presente tópico: investigar quais os caminhos

exegéticos possíveis com relação ao acordo de leniência; perquirir quais as centrais

instigações legais que inspiram melhor reflexão; identificar as perspectivas de efetividade do

instituto no enfrentamento da corrupção empresarial e, por fim, perscrutar, em sede de

epílogo, a conexão existente entre o acordo de leniência e o compliance.

4.4.1 Aprimoramento Sistemático-legal e a Medida Provisória n. 703/2015

A Lei Anticorrupção foi sensivelmente alterada pela Medida Provisória de nº

703/2015 (vigente entre 21/12/2015 e 29/05/2016).413

O referido ato normativo foi editado

antes mesmo que fosse celebrado o primeiro Acordo de Leniência, promovendo significativas

alterações nas regras de sua celebração. Como se passará a demonstrar, algumas modificações

se deram sobre pontos que, conforme a doutrina especializada, poderiam representar

insegurança jurídica ao celebrante do acordo ou ofuscar a sua eficácia. Além disso, a apontada

412

“[...] há algo que chama a atenção na MP 703: ela mudou a Lei Anticorrupção antes mesmo desta ser

aplicada. Publicada em agosto de 2013 e regulamentada ao nível federal em março de 2015 (Decreto 8.420 ),

não se tem notícia de que sequer uma punição tenha sido aplicada. Conforme consta de reportagem d’O

Estado de S. Paulo, publicada em 22 de dezembro de 2015, o ‘Cadastro Nacional de Empresas Punidas

(CNEP) está zerado’, muito embora haja 30 processos administrativos em trâmite, 29 dos quais oriundos da

‘Operação Lava Jato’. (Um detalhe curioso está no fato de que o ‘acesso ao sistema é feito de forma restrita

pelos entes públicos para que seja preservada a fidedignidade dos dados registrados’, conforme consta da

página da CGU relativa ao CNEP. Fato que seria risível não fosse verdadeiro: para a CGU, somente os ‘entes

públicos’ são aptos a preservar a ‘fidedignidade dos dados registrados’ em casos de punições sobre atos de

corrupção envolvendo... entes públicos.). Isto é, a Lei Anticorrupção só existe em teoria – e já foi alterada! O

que isto pode significar? Que talvez existam acordos de leniência pendentes, já exaustivamente negociados,

mas que não foram celebrados devido à ausência de normas legais que dessem maiores garantias aos

colaboradores e aos poderes públicos.” MOREIRA, Egon Bockmann. Lei anticorrupção, acordos de leniência

e a MP 703/2015. Gazeta do Povo, São Paulo, 28 dez. 2015. Disponível em:

<http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-direito/colunistas/egon-bockmann-moreira/lei-

anticorrupcao-acordos-de-leniencia-e-a-mp-7032015-8vc5b08d4xmtgmbtfbf4wszei >. Acesso em: 22 nov.

2017. 413

O referido ato normativo foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 5466) ajuizada pelo

Partido Popular Socialista (PPS), com pedido de concessão de liminar para suspender integralmente a sua

eficácia. Contudo, em razão da perda de eficácia da MP, a ADI 5466 foi julgada prejudicada por perda

superveniente do objeto, sendo extinta sem resolução de mérito em junho de 2016 pela Relatora Ministra

Rosa Weber. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5466. Brasília,

DF, 2016. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp>. Acesso em:

20 nov. 2017.

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norma majorou a extensão dos benefícios obtidos com o acordo e, ainda, repercutiu em

previsões pontuais de outras leis afins ao tema anticorrupção.

Conforme leciona o professor Egon Bockmann Moreira, a razão de ser da positivação

dos acordos de leniência reside da na consciência de haver determinados ilícitos que, embora

tragam graves efeitos para a sociedade, são de complexa apuração:

Grandes sociedades empresariais não vão se arriscar à prática de um ilícito

milionário se não possuírem informações que lhes permitam cogitar da certeza da

impunidade. Uma coisa é a propina paga à luz do dia a agentes públicos de baixo

escalão (que exige apenas ganância, ousadia e fraqueza moral dos indivíduos); outra,

muito mais complexa, é a sistematização de contratos (públicos e/ou privados) que

envolvam dezenas – ou centenas – de milhões de reais. Quanto maior o ganho, mais

bem-elaborado, sigiloso e complexo é o delito. Em outras palavras: mais inacessível

às autoridades de controle direto e indireto (Administração Pública, Poder

Legislativo, Ministério Público e Poder Judiciário). Em tais delitos sofisticados,

dificilmente são obtidas provas “de fora para dentro”. Sozinhas, as autoridades

públicas não conseguem desvendá-los. Logo, o caminho é facultar aos envolvidos na

sua prática a possibilidade de se verem isentos de penalidades, desde que forneçam

provas “de dentro para fora”. (...) Mas são poucos os que fornecem provas dessa

ordem por mero arrependimento moral. Faz-se necessária a certeza de que a

colaboração implicará vantagens concretas, de prévio conhecimento do futuro

colaborador (ao menos em termos gerais).414

Para o autor, o núcleo de preocupações da Medida Provisória nº 703 decorre dessa

realidade, advindo daí a ideia de um “acordo”, a envolver a condescendência do Estado para

com a prática de determinados ilícitos.

Das trinta e duas alterações normativas que a Medida Provisória nº 703 gerou na Lei

12.846/2013 e em outros diplomas normativos, Egon Bockmann Moreira aponta três temas

como merecedores de atenção: a definição da autoridade competente para celebrar os

acordos; o impacto nas “declarações de inidoneidade” das Leis de Licitações e a possibilidade

de os acordos serem celebrados em ações de improbidade administrativa.

Acompanhando o doutrinador citado, dedicar-se-ão pontuais ponderações acerca

destes três assuntos, dada a sua inegável relevância e a afinidade tópica que os envolve.

O ente competente para a celebração do Acordo de Leniência, na redação original da

Lei Anticorrupção, é “a autoridade máxima de cada órgão ou entidade”. Pela redação do ato

normativo em análise, ele passou a ser a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios, que “poderão, no âmbito de suas competências, por meio de seus órgãos de

controle interno, de forma isolada ou em conjunto com o Ministério Público ou com a

414

MOREIRA, Egon Bockmann. Lei anticorrupção, acordos de leniência e a MP 703/2015. Gazeta do Povo,

São Paulo, 28 dez. 2015. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-

direito/colunistas/egon-bockmann-moreira/lei-anticorrupcao-acordos-de-leniencia-e-a-mp-7032015-

8vc5b08d4xmtgmbtfbf4wszei>. Acesso em: 22 nov. 2017.

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Advocacia Pública, celebrar acordo de leniência”. Portanto, foi transferida a competência para

a alçada de órgãos de controle interno, bem como possibilitada a participação do Ministério

Público ou da Advocacia Pública na celebração.

De acordo com o art. 15 da Lei Anticorrupção – na redação dada pela Medida

Provisória nº 703 –, a instalação do procedimento administrativo, por si própria, já deverá ser

comunicada ao Ministério Público “para apuração de eventuais delitos”. Nesse sentido, Egon

Bockmann Moreira refere que, por essa sistemática, o Ministério Público deveria,

primeiramente, ser comunicado da instalação do processo de responsabilização, a fim de

tomar as medidas julgadas pertinentes na sua esfera funcional e, posteriormente, ser

“cientificado de que foi realizado acordo de leniência sem o seu conhecimento e/ou

participação (com as respectivas consequências quanto à isenção sancionatória)”415

. Além

disso, na hipótese de inexistência de órgão de controle interno, a presença do Ministério

Público passa a se revelar inafastável, visto que nestes casos o acordo “somente será

celebrado pelo chefe do respectivo Poder em conjunto com o Ministério Público” (art. 16, §

13 – incluído pela MP 703). Dessa sistemática se denota sensível enaltecimento do apontado

órgão constitucional, considerado essencial à função jurisdicional do Estado por defender a

ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, nos

termos do art. 127 da Constituição Federal.

A inclusão do Ministério Público no rol de autoridades legitimadas para o acordo de

leniência sanou relevante omissão da Lei Anticorrupção, uma vez que o referido órgão detém

a legitimidade constitucional para o ajuizamento da ação penal pública contra as pessoas

físicas administradoras das pessoas jurídicas. Para Marcio de Aguiar Ribeiro, a alteração

conferia maior segurança à negociação dos termos do acordo, especialmente em razão dos

reflexos da pactuação nas esferas administrativa e civil, impedindo, por exemplo, o

ajuizamento de ações cíveis e de improbidade administrativa contra a empresa pelo mesmo

objeto do acordo de leniência.416

Segundo o autor:

Tais mudanças, no sentido de harmonizar a atuação dos diversos órgãos públicos

com competência sancionadora, muito se aproximam das alterações inseridas no

programa norte-americano de leniência na década de 90, e que representaram

415

MOREIRA, Egon Bockmann. Lei anticorrupção, acordos de leniência e a MP 703/2015. Gazeta do Povo,

São Paulo, 28 dez. 2015. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-

direito/colunistas/egon-bockmann-moreira/lei-anticorrupcao-acordos-de-leniencia-e-a-mp-7032015-

8vc5b08d4xmtgmbtfbf4wszei >. Acesso em: 22 nov. 2017. 416

Art. 16, §11, acrescido pela MP n. 703/15. BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a

responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração

pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015.

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momento crucial no processo de consolidação do acordo de leniência como um dos

principais instrumentos de combate a desvios praticados por entes empresariais.

Inobstante a perda de eficácia do aludido ato normativo, no campo prático, a

participação do Ministério Público e dos órgãos da Advocacia Pública se apresentará

como medida quase impositiva, aliás, conforme já mencionado, um dos pilares de

sucesso da celebração do acordo de leniência é justamente a transparência de

previsibilidade da atuação do Poder Público, de maneira que interessará a ambas as

partes uma resolução global de todas as implicações decorrentes do ato de

corrupção.417

Além disso, o art. 2º da Medida Provisória n.º 703418

revogou expressamente o

dispositivo da Lei de Improbidade Administrativa que veda a transação, acordo ou conciliação

nas ações daquela seara, alavancando a harmonização das distintas esferas repressivas à

corrupção. Consoante estudado no item 3.2.2, no microssistema legal anticorrupção

estabelecido, existem hipóteses de aplicação de mais de uma sanção na esfera administrativa,

como é o caso, por exemplo, das Leis Anticorrupção, de Improbidade Administrativa e de

Licitações e Contratos Administrativos. Nesse sentido, apontou-se que, embora a doutrina

defenda a viabilidade jurídica da referida concomitância de previsões similares e idênticas,

critica-se o fato da Lei Anticorrupção em nada ter restringido a competência de normas

anteriores que já regulavam as mesmas condutas, tampouco buscado harmonizá-las entre si.

Assim, verificam-se condutas bem similares, às vezes até idênticas, repreendidas em leis

distintas, identificando-se uma “verdadeira superabundância de penas e procedimentos

punitivos sobrepostos”.419

Para Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna, esta realidade de competências

sobrepostas a diversos agentes institucionais é causadora de grave insegurança jurídica, “uma

vez que os agentes privados não sabem com razoável previsibilidade a qual ação do Estado

estão sujeitos.”420

417

RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei

anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 246-247. 418

Art. 2º Ficam revogados: I - o § 1º do art. 17 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de1992; e II - o inciso I do §

1º do art. 16 da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. BRASIL. Medida Provisória n. 703, de 18 de

dezembro de 2015. Brasília, DF, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-

2018/2015/Mpv/mpv703.htm>. Acesso em: 22 jan. 2018. 419

SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,

desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 47. 420

“[...] se existe uma certeza por parte da pessoa jurídica que pratica um ilícito é a de que ela estará sujeita a

uma enorme quantidade de processamentos e penalidades, muitas das quais de idêntica natureza e sem

qualquer previsão normativa quanto a regras de compensação entre si, ou ao menos exasperação. [...]

entende-se que esse não é o cenário ideal ao combate à corrupção, quando legislador não prevê de forma

adequada a forma como as normas devem interagir. Esse tipo de situação fica ainda mais evidente quando a

norma acrescenta um meio alternativo de resolução de uma das esferas de responsabilização sem, contudo,

prever as repercussões diretas sobre as demais searas. No caso da LAC, o acordo de leniência firmado

causará efeitos tão somente às sanções administrativas ali previstas e àquelas constantes das normas de

licitações e contratos. A pessoa jurídica colaboradora, entretanto, ficará sujeita à responsabilização judicial

com base na própria LAC e na Lei de Improbidade Administrativa, além das sanções dos Tribunais de

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Para Harvey Pitt, ex-presidente da Securities and Exchange Commission (SEC), órgão

americano equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o papel dos governos é

conferir segurança jurídica para que as empresas investigadas possam firmar acordos de

leniência:

É importante para as empresas ter condições de minimizar o número de vezes que

podem ser alvo de penalidades governamentais pelo mesmo delito. Veja só: no

futebol americano, não é permitido ter dez jogadores atacando um só adversário ao

mesmo tempo.421

Por essa razão, a previsão em foco, trazida a lume pela Medida Provisória em análise,

possuía o mérito de unificar, em parte, o sistema repressivo da Lei Anticorrupção (LAC) e da

Lei de Improbidade Administrativa (LIA) porque, como a responsabilização da pessoa

jurídica se dá em face de condutas praticadas por pessoas naturais, na prática é factível

concluir que, em grande parte dos casos, uma vez constatada a responsabilidade

administrativa do ente moral, concomitantemente advirá o ajuizamento de ações penais ou de

improbidade administrativa em desfavor da pessoa física. E, em assim sendo, a possibilidade

legal de realização de transação, acordo ou conciliação em ambas as esferas, LAC e LIA,

constituía medida de atratividade, segurança e transparência do Estado perante os seus

súditos.

Acresça-se que, a rigor, a expressa autorização legal de realização de acordo de

leniência no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa constitui a Proposta n. 5 da

Campanha “10 Medidas Contra a Corrupção”, capitaneada pelo Ministério Público Federal.

Segundo constou na Justificativa da Proposta, a lacuna apontada provoca incoerência no

sistema, visto que um mesmo fato pode gerar consequências sancionadoras em diversas

instâncias, gerando “um certo temor ao potencial colaborador de entregar provas em troca de

benefício numa instância e se auto incriminar em outra instância em troca de nenhum

prêmio”.

A Justificativa assevera que, a partir do microssistema anticorrupção, é possível extrair

a autorização normativa para se celebrarem acordos de colaboração no âmbito da improbidade

administrativa. Contudo, “a ausência de norma expressa acaba inibindo o reporte espontâneo

Contas, conforme o caso.” SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei

anticorrupção: histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 48-49 e 57. 421

VIEIRA, André Guilherme; VALENTI, Graziella. Ex-chefe da SEC diz que governo precisa assegurar

acordos de leniência. Valor Econômico, São Paulo, 13 out. 2015. Disponível em:

<http://www.valor.com.br/politica/4266852/ex-chefe-da-sec-diz-que-governo-precisa-assegurar-acordos-de-

leniencia>. Acesso em: 22 jan. 2018.

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178

do investigado e diminuindo substancialmente o número de acordos celebrados nessa esfera

de responsabilidade”. Por tal razão, faz-se necessária a inserção legislativa de acordo de

leniência na Lei de Improbidade Administrativa, “a fim de fechar uma interlocução necessária

e sem antinomias entre as diversas esferas de responsabilidade do nosso direito sancionador, e

em observância às garantias constitucionais dos investigados”.422

A esse respeito, Egon Bockmann Moreira chega a asseverar que a celebração do

acordo de leniência englobante dos sistemas da Lei Anticorrupção e da Lei de Improbidade

Administrativa “esgota as pretensões – materiais e processuais – que porventura o Estado

possa ter em face daquela pessoa jurídica que o celebrou, no que respeita ao fato objeto da

composição”.423

Contudo, a tanto se discorda, visto que o Estado ainda dispõe da seara criminal para,

ao menos indiretamente, atingir as empresas sujeitas a seu império. E, concernente à

imunidade penal, similares são as preocupações que a Lei Anticorrupção inspira ao

hermeneuta atento, visto que a ausência de previsão expressa acerca da participação das

pessoas físicas na negociação e, sobremaneira, da possibilidade de extinção da punibilidade

dos crimes dos agentes envolvidos, configura evidente insegurança jurídica quanto ao exato

alcance do acordo de leniência, como se passará a demonstrar.

Repise-se que as condutas lesivas do art. 5º da Lei Anticorrupção já se encontravam

previamente tipificadas em outros dispositivos legais, a exemplo do Código Penal e da Lei n.

8.666/93, existindo, pois, uma assistemática comunicação da legislação anticorrupção com as

normas penais, inclusive mediante a identidade de conteúdo entre elas.424

Por essa razão,

422

Ainda conforme a Justificativa: “O Brasil dispõe de arsenal legislativo voltado ao combate à corrupção, nas

diversas esferas de responsabilidade (criminal, civil, administrativa e política), podendo-se afirmar a

existência de um verdadeiro microssistema anticorrupção. Assim é que um único fato pode deflagrar a

instauração de diversas esferas de responsabilidade, possibilitando a aplicação de sanções criminais, cíveis,

administrativas e políticas sem que se incorra na vedação do bis in idem. Como todo microssistema –

organismo normativo menor, dentro do sistema jurídico maior – hão de ser garantidas a integridade, a

coerência e a previsibilidade dos seus institutos, fazendo com que as diversas esferas de responsabilidade

conversem entre si e permitam uma aplicação de onde se possa retirar o máximo de efetividade da norma

com o maior grau de segurança jurídica possível. É nesse cenário que se vislumbra a necessidade de

regulamentação do acordo de leniência no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa, dando maior

previsibilidade e segurança ao investigado no campo da dimensão premial do direito sancionador.” BRASIL.

Ministério Público Federal. 10 medidas contra a corrupção. Brasília, DF, 2015. Disponível em:

<http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-medidas/docs/medida_5_versao-2015-06-

25.pdf.>. Acesso em: 20 jan. 2018. 423

MOREIRA, Egon Bockmann. Lei anticorrupção, acordos de leniência e a MP 703/2015. Gazeta do Povo,

São Paulo, 28 dez. 2015. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-

direito/colunistas/egon-bockmann-moreira/lei-anticorrupcao-acordos-de-leniencia-e-a-mp-7032015-

8vc5b08d4xmtgmbtfbf4wszei >. Acesso em: 22 nov. 2017. 424

Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Rafael Véras de Freitas exemplificam: “A primeira conduta punível é a

de ‘prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira

pessoa a ele relacionada’ se assemelha ao crime de corrupção ativa, previsto no art. 333 do Código Penal.”

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embora não se admita a responsabilidade penal de pessoas jurídicas pela prática de atos

corruptivos, “não há dúvidas sobre a responsabilização penal de pessoas físicas pelos ilícitos

praticados no interesse direto de pessoas jurídicas”.425

Nesse particular, José Alexandre da Silva Zachia Alan apregoa que, inobstante os

ditames relacionados à Lei Anticorrupção tenham natureza eminentemente não penal, urge

reconhecer que a repressão da corrupção e dos seus atos associados costuma aconselhar a

necessidade de um enfrentamento transversal, de modo a se aproveitarem as iniciativas

probatórias em todas as instâncias. Nessa inteligência, eventual acordo de leniência surtirá

efeitos nas exigências a serem feitas, ao investigado, na oportunidade em que se estabelecer a

negociação de colaboração premiada. Para o autor, pois

[...] parece evidente que se no correr da negociação do acordo de leniência se exige

da empresa investigada o reconhecimento da prática do ilícito, é indiscutível que tal

assunção gerará efeitos no âmbito do processo criminal que trate, eventualmente,

dos mesmos fatos e alcance os dirigentes da empresa. 426

A esse respeito, a professora Carla Veríssimo enfatiza que a legitimação do Ministério

Público constitui relevante motivação adicional à estruturação de programas de compliance

criminal pelas empresas investigadas/processadas pela prática de atos lesivos à Administração

Pública quando este for firmado, por exemplo, em paralelo à celebração de acordos de

colaboração premiada com as pessoas físicas envolvidas. Esse nível de resolutividade dos

conflitos, baseado na sua transparente operabilidade e, ainda, na harmonização entre as

instâncias investigatórias, pode contribuir para que os programas de integridade não sejam

adotados pelas empresas apenas depois da ocorrência de fatos lesivos e do início da ação do

Estado para apurá-los, mas preventivamente, em uma análise de custos e benefícios

corporativamente planejada.427

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da lei anticorrupção:

reflexões e interpretações prospectivas. Disponível em: <http://www.

editoraforum.com_br/ef/wpcontent/uploads/2014/O1/ART_Diogo-Figueiredo-Moreira-Neto-

etaI_LeiAnticorrupcao.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017. 425

RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei

anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 247. 426

ALAN, José Alexandre da Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma

abordagem sob a perspectiva da Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.

275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p. 214. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20 jan. 2018. 427

DE CARLI, Carla Veríssimo. Anticorrupção e Compliance: a incapacidade da Lei 12.846/13 para motivar

as empresas brasileiras à adoção de programas e medidas de Compliance. 2016. 342 f. Tese (Doutorado) -

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito,

Porto Alegre, BR-RS, 2016. Passim. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149239>.

Acesso em: 11 set. 2017.

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Por essa razão, Márcio de Aguiar Ribeiro428

aponta a existência de retrocesso com

relação ao modelo de programa de leniência contemplado na Lei do CADE (Lei n.º

12.539/2011), cujo teor expressamente dispõe sobre a participação de pessoas físicas no

âmbito do acordo de leniência e sobre a possibilidade de extinção de punibilidade de crimes

confessados.429

Já com relação à participação obrigatória do Ministério Público, embora a lei

assim não o exija, o CADE, buscando conferir maior segurança jurídica ao acordo de

leniência, promove a interveniência do Ministério Público, conforme se depreende do guia

oficial da autarquia federal acerca do tema:

Muito embora os artigos 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011 não exijam expressamente a

participação do Ministério Público para a celebração de Acordo de Leniência

Antitruste, a experiência consolidada do Cade é no sentido de viabilizar a

participação do Ministério Público, titular privativo da ação penal pública e detentor

de atribuição criminal, tendo em vista as repercussões criminais derivadas da

leniência. Assim, o Ministério Público (Estadual e/ou Federal) pode participar da

assinatura do acordo como agente interveniente, mesmo nos casos de carteis

internacionais, a fim de conferir maior segurança jurídica aos signatários do Acordo

de Leniência, além de facilitar a investigação criminal do cartel em face dos demais

envolvidos.430

Conforme visto no item 4.1.3, esta é uma substancial diferença com relação ao Acordo

de Leniência previsto na Lei Anticorrupção, visto que este diploma apenas concede benefícios

428

Na dicção do autor: “Não há dúvidas de que a falta de previsão expressa sobre a participação de pessoas

físicas no curso da negociação e sobre a possibilidade de extinção da punibilidade dos crimes então

relacionados descortina ambiente de insegurança e incerteza em relação à real extensão do acordo de

leniência, fragilizando o juízo acerca de sua exata utilidade. Perceba que a possibilidade de extinção da

punibilidade penal é uma das marcas mais características do modelo de acordo de leniência adotado na

grande maioria dos países, inclusive nos EUA, reconhecido berço da dinâmica do plea bargain.” RIBEIRO,

Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei anticorrupção

empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 247-248. 429

Art. 86. O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a

extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade

aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem

econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa

colaboração resulte: [...] Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de

dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados

na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de

dezembro de 1940 - Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a

suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente

beneficiário da leniência. Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se

automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo. BRASIL. Lei n. 12.529, de

30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a

prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de

1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei n

o 7.347, de 24 de

julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei n

o 9.781, de 19 de janeiro

de 1999; e dá outras providências. Brasília, DF, 2011. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm>. Acesso em: 14 ago. 2017. 430

BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Programa de leniência. Disponível em:

<http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia_programa-de-

leniencia-do-cade-final.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2017.

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na esfera administrativa. Enquanto no CADE existe a possibilidade de as pessoas física e

jurídica articularem, conjuntamente, a celebração de um acordo, na Lei Anticorrupção tal

hipótese não se afigura viável.

Na esteira do analisado naquele tópico, na Lei do CADE, empresa e funcionários

podem sopesar, em conjunto, os benefícios da leniência e apresentar uma versão mais

completa dos fatos denunciados, pois a imunidade criminal tende a albergar maior

tranquilidade às pessoas naturais interessadas em colaborar com as investigações; já na Lei

Anticorrupção, o panorama de colaboração das pessoas físicas envolvidas na infração é de

mais difícil configuração, sendo mais provável que a empresa se confronte com o dilema de

preservar ou não seus dirigentes e funcionários envolvidos na infração, diante da iminência de

uma persecução criminal.431

Para Guilherme de Souza Nucci, é desarrazoado que o dirigente

da pessoa jurídica admita o cometimento de crimes, colaborando com as investigações, mas

não receba proteção na esfera penal:

Quem, em sã consciência, salva a pessoa jurídica de uma publicação de decisão

condenatória ou de uma ausência de incentivos fiscais, colocando a própria cabeça a

prêmio para ser preso, sem nenhuma vantagem na órbita criminal? Qual dirigente de

uma pessoa jurídica – porque esta não fala sozinha – faz um acordo de leniência para

aquela, enquanto ele mesmo vai encrencar-se em todos os âmbitos, em particular, o

penal?432

Acerca desta disparidade sistemática entre os distintos regimes legais do acordo de

leniência, Márcio de Aguiar Ribeiro lança ponderações conciliatórias:

431

Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna relacionam a importância da imunidade criminal com a regra

da responsabilidade jurídica empresarial prevista na LAC: “Necessário repisar que a Lei estabeleceu o

critério da responsabilidade objetiva da pessoa jurídica. Portanto, a empresa pode propor o acordo de

leniência sempre que tiver conhecimento de que uma pessoa natural, agindo em seu benefício ou interesse,

tenha praticado um ato ilícito, independentemente da verificação de dolo ou culpa do corpo gerencial da

pessoa jurídica. Esse aspecto é bastante importante, uma vez que, ao não abranger as pessoas naturais, o

acordo também não as conferirá benefícios. Logo, adianta-se, desde já, o dilema proposto pela Lei à pessoa

jurídica candidata ao acordo de leniência. Trabalhando exclusivamente sob o manto da Lei 12.846/2013, a

opção pelo acordo de leniência implica necessariamente a exposição de uma pessoa natural ao devido

processo de responsabilização competente.” SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo

de leniência na lei anticorrupção: histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 87 e 107. 432

NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção Anticorrupção. São Paulo: Forense, 2015. p. 129. Na mesma

dicção, a doutrina de Marrara: “Outro ponto interessante da leniência no combate à corrupção diz respeito aos

efeitos penais e civis. Em regra, não existe nenhum efeito penal. Com isso, a legislação deixou de aproveitar

todas as discussões teóricas travadas no direito administrativo concorrencial e acabou tornando o acordo de

cooperação pouco atrativo. Que pessoa física se motivará a propor o ajuste sob o risco de ser processada

criminalmente? Na medida em que as pessoas jurídicas são movidas por pessoas físicas, será que a falta de

benefícios penais a administradores e dirigentes não brecará acordos buscados pelas próprias pessoas

jurídicas?”. MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades,

regime jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p.

509-527, jun. 2015. p. 522. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>.

Acesso em: 8 ago. 2017.

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Inobstante tal constatação, não se deve desconsiderar de forma peremptória a

possibilidade de repercussões no acordo de leniência na seara de responsabilização

criminal, a exemplo da suspensão condicional do processo criminal ou, mesmo, a

extinção de punibilidade. Uma opção viável nesse sentido é a participação dos

órgãos de persecução criminal no bojo da negociação em curso, em especial o

Ministério Público. Ou seja, o órgão competente pela responsabilização

administrativa deveria orquestrar a participação conjunta e efetiva do órgão

ministerial na elaboração das cláusulas a serem observadas pelo delator, fazendo

constar, dessa maneira, os efeitos da negociação na seara de responsabilização

criminal.

A mencionada opção demandará, indiscutivelmente, uma maturidade institucional

entre os órgãos detentores da competência para responsabilização administrativa e

criminal, no sentido de viabilizar atuação harmônica e concatenada entre eles.433

Assim, embora a participação do Ministério Público não constitua condição de

validade ou eficácia para o Acordo de Leniência, ela traz mais segurança para a pessoa

jurídica celebrante e para o ente processante.

Nesse desiderato, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 3636/2015 que

promove alterações pontuais da Lei Anticorrupção, dentre elas uma que propõe a inclusão de

um parágrafo único ao art. 30, assim redigido:

O acordo de leniência, quando celebrado em conjunto com órgãos do Ministério

Público com atribuição para exercer a ação penal e a ação de improbidade pelos

mesmos fatos, poderá abranger, em relação às pessoas físicas signatárias, as sanções

penais e por improbidade decorrentes da prática do ato.434

Por fim, Egon Bockmann Moreira destaca, como possível raison d’être da Medida

Provisória 703/2015, a previsão de que o acordo de leniência poderia isentar a pessoa jurídica

não só de algumas das sanções previstas na Lei Anticorrupção, mas também inibir a

incidência de todas as punições relativas “ao direito de licitar e contratar previstas na Lei nº

8.666, de 21 de junho de 1993, e em outras normas que tratam de licitações e contratos” (art.

16, § 2º, inc. I, na redação dada pela MP 703). Assim, caso ocorra a delação, o fato nela

apurado e a ela circunscrito obstará a “que a pessoa jurídica seja decretada inidônea para

participar de licitações e executar contratos com a Administração Pública. Caso já o tenha

sido, esvazia-se a punição pela superveniência do acordo”. Para o professor, aplica-se

analogicamente, à espécie, a única hipótese de retroatividade normativa prevista como direito

433

RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei

anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 248. 434

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 3636, de 16 de novembro de 2015. Altera a Lei nº

12.846, de 1º de agosto de 2013, e a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, para permitir que o Ministério

Público e a Advocacia Pública celebrem acordo de leniência, de forma isolada ou em conjunto, no âmbito da

Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, e dá outras providências. Brasília, DF, 2015. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2055350>. Acesso em: 22 jan.

2018.

Page 184: FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO …€¦ · Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013), em tópico que será dividido em duas partes: por primeiro, a análise de

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fundamental, ínsita a todo o Direito Sancionatório – seja ele penal, político, civil ou

administrativo: a lei penal deve retroagir, sempre que possa beneficiar o réu (Constituição, art.

5º, inc. XL).435

Nada obstante, como já referido, com a perda da vigência da Medida Provisória em

análise, a vantagem acima citada foi suprimida, retornando o leque originário e inferior de

benesses do acordo de leniência anticorrupção. A esse respeito, Thiago Marrara ressalta que o

pacote restante de benefícios se revela tímido e mal construído; além do mais, considerando o

fato de que a leniência por atos corruptivos não produz efeitos em processos do CADE ou

naqueles conduzidos com fulcro na Lei de Licitações por outras entidades públicas, “paira

uma dúvida cruel: o instrumento de cooperação criado para o processo administrativo

sancionador em debate é atrativo?”.436

O autor acima citado salienta que o acordo de leniência anticorrupção não gera efeitos

protetivos para o colaborador em outros processos administrativos sancionadores (nessa

hipótese, a falha se percebe também no acordo da lei do CADE). Assim, em face, por

exemplo, de uma prática de cartel licitatório, a realização da leniência com o CADE não

protege o delator contra processos administrativos iniciados pela “entidade lesada com base

na lei anticorrupção ou nas disposições da lei de licitações. Da mesma forma, pelo acordo

assinado com base na Lei Anticorrupção, o colaborador não se imunizará contra sanções

aplicadas pelo CADE.” Disso decorre que, para certas práticas, o infrator interessado em

cooperar com o Estado acabe tendo de buscar inúmeros acordos de leniência para adquirir

uma blindagem minimamente segura. Mas Thiago Marrara adverte que nada garantirá que ele

irá lograr “cumprir todos os requisitos de cada lei para celebrar os vários acordos previstos no

direito positivo – e é esta imprevisibilidade que torna a negociação de um acordo

extremamente arriscada na prática”.437

O autor em foco também aponta aspectos relacionados à esfera civil de

responsabilidade, a qual foi objeto de exame no item 3.2.2, ressaltando que a celebração da

leniência não afasta qualquer pretensão de reparação naquela seara, nos termos do art. 16, § 2º

435

MOREIRA, Egon Bockmann. Lei anticorrupção, acordos de leniência e a MP 703/2015. Gazeta do Povo,

São Paulo, 28 dez. 2015. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-

direito/colunistas/egon-bockmann-moreira/lei-anticorrupcao-acordos-de-leniencia-e-a-mp-7032015-

8vc5b08d4xmtgmbtfbf4wszei >. Acesso em: 22 nov. 2017. 436

MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime

jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-

527, jun. 2015. p. 522-523. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>.

Acesso em: 8 ago. 2017. 437

Ibid., p. 518.

Page 185: FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO …€¦ · Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013), em tópico que será dividido em duas partes: por primeiro, a análise de

184

da LAC.438

Perceba-se que esta realidade permaneceu inalterada mesmo quando da vigência

da Medida Provisória n.º 703/2015. Pelo sistema posto, pois, o acordo de leniência não obsta

a possibilidade de determinação judicial de extinção da pessoa jurídica delatora ou de

suspensão das suas atividades. A colaboração gera benefício no tocante apenas a um tipo

determinado de medida civil que o Judiciário pode aplicar contra o infrator, consistente na

sanção de “proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos

de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo

poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos” (art. 19, IV)439

. A

esse respeito, Thiago Marrara redargui:

Ora, a legislação padece aqui de um grave vício lógico. De que adianta conceder

esse benefício ao infrator colaborador, se a leniência não impede que o juiz

determine a sua extinção como pessoa jurídica? Para que os benefícios sejam reais e

efetivos, portanto, é preciso reinterpretar a Lei Anticorrupção. Embora o art. 16 não

o diga, a leniência impõe uma imunidade também contra a medida prevista no art.

19, inciso III. Se não for assim, de nada adiantará o benefício quanto ao inciso IV.440

Como última reflexão neste item, concernente às alterações levadas a cabo pela

Medida Provisória 703/201 – tendo por enfoque a busca pela melhor forma de enfrentamento

da corrupção empresarial – insta apreciar as modificações levadas a cabo nos elementos

constantes do § 1º do artigo 16, os quais configuram requisitos cumulativos exigidos para a

firmatura dos acordos de leniência.

438

“Art. 16 [...] §2o A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no

inciso II do art. 6o e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável.”

BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de

pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras

providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-

2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 439

Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5o desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e

os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou

equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às

pessoas jurídicas infratoras: I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou

proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;

II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades; III - dissolução compulsória da pessoa jurídica; IV -

proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades

públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1

(um) e máximo de 5 (cinco) anos. § 1o A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando

comprovado: I - ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a

prática de atos ilícitos; ou II - ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade

dos beneficiários dos atos praticados. BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a

responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração

pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 440

MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime

jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-

527, jun. 2015. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>. Acesso em: 8

ago. 2017.

Page 186: FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO …€¦ · Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013), em tópico que será dividido em duas partes: por primeiro, a análise de

185

Na esteira da redação original do dispositivo, estes eram os requisitos necessários para

a realização do acordo de leniência: a) a pessoa jurídica fosse a primeira a se manifestar

acerca do seu interesse em cooperar para a apuração do ilícito; b) houvesse a cessação

imediata da participação da empresa com o ilícito investigado; c) houvesse, também, a

admissão na participação do ilícito e cooperação plena e permanentemente com as

investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que

solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.

A Medida Provisória n.º 703/2015, todavia, descaracterizou a exigência de que apenas

a primeira das empresas a procurar o acordo fosse a beneficiada pela leniência, visto que

simplesmente suprimiu o inciso I, do artigo 16, § 1º da LAC.

Neste contexto, deve-se questionar o que tal supressão pode representar em termos

estratégicos de utilização do acordo de leniência.

Em criterioso estudo apresentado no opúsculo “Novos aspectos relacionados à

leniência e à corrupção: uma abordagem sob a perspectiva da teoria dos jogos.”, José

Alexandre da Silva Zachia Alan oferece interessantes reflexões sobre esta questão.441

Para o autor referido, a formulação de estratégia para o dilema do prisioneiro (assunto

tratado no item 4.3) denota que a obtenção dos resultados pretendidos, em impasses nos quais

a informação precisa ser obtida a partir de colaboração, há de se assentar em duas premissas.

Nessa progressão, “a primeira é a formulação de proposta desenhada de tal fórmula a

que os resultados provenientes do equilíbrio Nash sejam suficientes para o sucesso da

investigação”. Conforme visto, no dilema do prisioneiro verifica-se um contexto no qual as

escolhas de ambos os prisioneiros influenciam-se reciprocamente: as opções de cada um

interferirão não apenas na determinação de sua própria pena, mas igualmente na de seu

comparsa; e, examinadas as possibilidades dadas anteriormente, percebe-se que “A” ou “B”

sempre obteriam o melhor resultado caso colaborassem, qualquer que fosse o comportamento

da parte adversa, de tudo se concluindo que ambos os agentes terminariam por confessar seus

envolvimentos no crime.

Desse modo, como visto, do ponto de vista racional, trair seria a estratégia dominante

uma vez que agentes racionais, movidos por interesses próprios, escolherão trair o comparsa.

Tudo isso porque, se o comparsa silenciar, o delator estará livre, mas se aquele também

441

ALAN, José Alexandre da Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma

abordagem sob a perspectiva da Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.

275, p. 189-222, maio/ago. 2017. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20 jan. 2018.

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186

delatar, ambos serão condenados a uma pena reduzida. Em sendo assim, os dois buscarão

trair. Nessa ambiência estratégica, tudo se assenta no oferecimento de redução de pena apenas

suficiente para os casos de dupla confissão, antevendo-se que o equilíbrio se daria justamente

na dúplice delação.

Prosseguindo no raciocínio do autor, a segunda premissa é a necessidade de que se

rompam os vínculos colaborativos entre os envolvidos no ilícito. Na hipótese clássica do

dilema do prisioneiro, a medida tomada pelo agente estatal a evitar a colaboração pode se

traduzir na colocação dos investigados em salas separadas e na formulação de proposta a que

se devesse decidir imediatamente.

Mas, no caso de empresas envolvidas em atos de corrupção,

[...] é evidente que as autoridades não poderão simplesmente trancar os

representantes em salas distintas, propor-lhes o acordo e aguardar decidam

imediatamente. Então, no ambiente da firmatura dos acordos de leniência a

ferramenta utilizada para a quebra do vínculo cooperativo é justamente estabelecer a

regra de que apenas o primeiro a vir à frente será o beneficiado.

Em outras palavras, viabilizar o benefício da leniência a todos os envolvidos mesmo

tenha havido acordos anteriores importa, na prática, jogar por terra a garantia

estratégica necessária a evitar haja cooperação entre os que recebem as propostas. É

que se todos puderem se beneficiar indistintamente, bastará ao interessado aguardar

a possibilidade da firmatura de acordo por algum interessado. Caso isso ocorra,

bastar-lhe-á endereçar-se a autoridade para dizer que também deseja colaborar e,

também, ser beneficiado. Caso não haja leniência, basta se aguarde o desfecho da

apuração sem a colaboração.442

Em suma, os delatores, pela aplicação direta da teoria conhecida por equilíbrio de

Nash, aplicável aos jogos de cooperação, terminam por escolher a solução ótima para o agente

do Estado (duas condenações, aliadas ao máximo de penas possíveis consideradas as

possibilidades de escolhas postas). Mas, para que o equilíbrio de Nash vigore no contexto de

jogo cooperativo, privilegiando os resultados pretendidos pelo ente processante, há de se

garantir que não impere cooperação entre os demais participantes do jogo na ocasião em que

se lhes interpele a realizar suas escolhas.

Por essa razão, a eliminação do mecanismo da precedência pela Medida Provisória n.º

703/2015 neutralizaria o obstáculo a que os coautores do ilícito traçassem, entre si, vínculos

de cooperação.443

442

ALAN, José Alexandre da Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma

abordagem sob a perspectiva da Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.

275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p. 216. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20 jan. 2018. 443

O autor esmiúça as possibilidades presentes na redação original da Lei Anticorrupção: “[...] há de se ponderar

que ‘A’ haverá de enfrentar duas possibilidades de atuação de seu adversário. Com efeito, ‘A’ haverá de

ponderar se seu adversário pretende ou não colaborar. Caso compreenda que o adversário pretende colaborar

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187

Se pela redação original da Lei Anticorrupção os acordantes se viam impedidos de

colaborar porque somente recebia benefícios o primeiro delator, a possibilidade franqueada

pela Medida Provisória de se conceder benefícios para todos facilita, na ótica de José

Alexandre da Silva Zachia Alan, a que os investigados se aglutinem em grupo de interesses e,

com isso, estabeleçam uma estratégia de “jogo” de feição a maximizar sua obtenção de

resultados.

O autor em exame arremata que o mecanismo estabelecido pela Medida Provisória n.º

703/2015 não permite a obtenção de equilíbrio adequado no enfrentamento da corrupção

empresarial (não há estímulo a que as opções dos investigados se estabilizem). Em assim

sendo, “não se permite ao proponente do acordo – o Ministério Público, a polícia judiciária ou

a autoridade administrativa competente - a possibilidade da montagem de interação vazada

em estratégia que facilite a colaboração.” O regime da medida provisória, pois, permite aos

investigados, “por primeiro, a variação de posições de maneira ampla e, por segundo, a

adesão à colaboração do comparsa”. Enfim,

Diante desse quadro de instabilidade é certo afirmar que se os acordantes

simplesmente aguardam o posicionamento do outro com a possibilidade de adesão

futura, há significativa chance de que a estabilidade termine ocorrendo na não

realização de acordo por nenhum dos envolvidos.444

De outro lado, há quem conteste o critério do primeiro colaborador (“first serve, first

come”), o qual se funda em modelos internacionais consagrados e ao da própria Lei do

CADE. Como analisado no item 4.2.2, no direito concorrencial, o acordo de leniência tem por

desiderato a repressão ao cartel, ilícito exclusivamente plurissubjetivo. Naquele contexto, a

em momento futuro, restam a ‘A’ duas escolhas: 1.) poderá resolver também colaborar, sendo que em tal caso

sua única chance de obtenção do benefício é correr às autoridades para oferecer-se ao benefício de modo

precedente; 2.) poderá recusar-se a colaborar, ocasião em que o benefício será somente alcançado ao seu

comparsa e, ainda por cima, corre o risco de ver produzido contra si farto material probatório decorrente da

assunção do ilícito pelo seu adversário. Então, se o contexto probatório relacionado ao ilícito é contundente e

‘A’ presume que o adversário haverá de colaborar, sua melhor escolha é buscar também a colaboração, o que

haverá de fazer o mais rapidamente possível. Caso ‘A’ preveja que seu adversário não colaborará, restam-lhe

duas alternativas: 1.) caso resolva colaborar, é certo que receberá o benefício integral previsto na legislação;

2.) caso resolva não colaborar, restará juntamente com seu comparsa a aguardar a solução do processo. Então,

caso se verifique que o contexto probatório relacionado ao ilícito investigado é suficientemente firme a

fundamentar eventual condenação, sua opção racional é colaborar.” ALAN, José Alexandre da Silva Zachia.

Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma abordagem sob a perspectiva da Teoria dos

Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p. 218.

Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20

jan. 2018. 444

ALAN, José Alexandre da Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma

abordagem sob a perspectiva da Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.

275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p. 220. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20 jan. 2018.

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188

previsão possui relevância porque estimula o “vírus da instabilidade” entre os atores

responsáveis pela prática do ato anticoncorrencial, neles criando o contínuo receio de serem

descobertos em razão da delação de quaisquer deles (“neurose do suspense”).

Mas, no contexto da anticorrupção, Márcio de Aguiar Ribeiro alerta que o requisito

em análise se aplica de modo mais apropriado às hipóteses de conluio envolvendo duas ou

mais empresas, tal qual a do ato lesivo consubstanciado no art. 5º, inciso IV, alínea “a”, da Lei

Anticorrupção (“frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro

expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público”). No concernente aos

demais tipos, o pressuposto perde sua razão de ser, visto que nem todo ato de corrupção será

cartelizado.445

Com base nessa inteligência de que a lógica do acordo de leniência da LAC não segue

necessariamente a da empregada no combate a cartéis, Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes

Vianna opinam que a legislação poderia ter elegido outra via como elemento central para

julgar o grau de efetividade do acordo de leniência: ao invés da ordem cronológica, fosse

valorado o ineditismo da informação trazida pelo proponente. Lastrando-se na concepção de

que novas provas devem ser apresentadas pelos colaboradores,

[...] é natural que os primeiros que as colocarem à disposição estarão em melhores

condições de pleitear o acordo de leniência. Entendemos que assim fica assegurado

o propósito da Lei de haver disputa, entre os potenciais colaboradores, pessoas

jurídicas ou naturais, para buscar o Estado, mesmo que em diferentes searas.446

Para os autores acima citados, pois, o espírito de disputa tutelado pela lei residiria não

na prioridade da manifestação, mas no ineditismo e valia dos informes prestados pela

delatora. Nada obstante, ressalvam não desconsiderarem a potencialidade de infrações serem

perpetradas mediante concurso de empresas. Para esses casos, realmente, tanto o requisito do

ineditismo quanto o da ordem de manifestação de interesse pela delação se afiguram

conjuntamente relevantes, de modo que ambos os critérios devem ser sopesados.

445

RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei

anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 236-237. 446

Os autores exemplificam: “[...] é plenamente possível que, numa situação complexa de atos de corrupção,

com o envolvimento de diversas empresas, a primeira pessoa jurídica proponente da leniência colabore de

forma efetiva e celebre o acordo e, ainda assim, o Estado tenha interesse em informações desconhecidas

daquela, mas de domínio de outra empresa também envolvida no ilícito. É plausível que a outra empresa, em

sede do mesmo esquema de corrupção, tenha tido contato mais próximo e indevido com outros agentes

públicos ou, ainda, tenha a guarda de documentos que indiquem a localização de valores ilícitos, cujo

conteúdo não era de conhecimento da primeira empresa colaboradora. Uma eventual colaboração da segunda

empresa não atingiria a finalidade do instrumento da leniência em aumentar a capacidade persecutória do

Estado? Parece-nos que sim.” SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na

lei anticorrupção: histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 119-122.

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189

Além disso, não é razoável que os benefícios concedidos à primeira delatora sejam

estendidos de modo idêntico às sucessivas candidatas à delação, sob pena de se retornar ao

indesejado cenário de desincentivo à colaboração. Assim, é exatamente “nesse momento que

a norma deveria ter estabelecido uma gradação de incentivos aos colaboradores e não impor a

limitação de que apenas uma pessoa jurídica poderia ser contemplada com o acordo de

leniência”. Tudo isso porque não se aconselha permitir ser vantajoso, do ponto de vista dos

benefícios, que uma pessoa jurídica aguarde a primeira propor o acordo e posteriormente se

apresente como segunda delatora.447

Retorna-se, aqui, à lógica do Dilema do Prisioneiro e do

equilíbrio de Nash.

4.4.2 Uma Palavra Final: a Relação Etiológica entre Acordo de Leniência e Compliance

Consoante exposto no item 3.1.1, na ambiência da sociedade de risco, a inépcia estatal

em combater a nova criminalidade praticada por pessoas físicas e jurídicas detentoras de

sofisticado aparato organizativo, findou por demover as autoridades políticas a buscar outras

frentes de atuação repressiva diluídas na sociedade civil, isto é, compartilhadas com as

empresas e os cidadãos448

, descortinando a promoção à cultura do compliance e a adoção dos

instrumentos colaborativos, a exemplo do acordo de leniência.

No item 3.1.2, por seu turno, logrou-se demonstrar que esta criminalidade oriunda da

sociedade de risco fomentou um novo marco regulatório da global law: o encadeamento de

organizações internacionais atuando em rede com atores públicos e privados (empresas

multinacionais) que se valem de instrumentos oriundos do hard law, do soft law e da

autorregulação empresarial.449

Neste novo marco de prevenção da corrupção globalizada, as empresas são

estimuladas a implantar sistemas investigatórios internos de inibição à prática de delitos; na

hipótese de sua consumação, elas devem os descobrir e os punir450

, adotando medidas

sanatórias e entregando os resultados das investigações internas às autoridades. Assim, elas

447

SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,

desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 122-123. 448

GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de

Janeiro: Revan, 2008. p. 312. 449

NIETO MARTÍN, Adán. La privatización de la lucha contra la corrupción. In: ZAPATERO, Arroyo; NIETO

MARTÍN, Adán. El derecho penal económico en la era compliance. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p.

191-209. p. 193. 450

NIETO MARTÍN, Adán. La privatización de la lucha contra la corrupción. In: ZAPATERO, Arroyo; NIETO

MARTÍN, Adán. El derecho penal económico en la era compliance. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p.

191-209. p. 201-202.

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190

passam a ter de fiscalizar atos de seus clientes, parceiros comerciais e empregados,

comunicando operações suspeitas aos órgãos de controle e envidando esforços para evitar que

seus colaboradores pratiquem ilícitos.451

Por tal razão, passa-se a esperar das empresas que implementem efetivos programas de

integridade corporativa.

É nesse contexto de controle anticorrupção e atuação de compliance que veio a lume a

legislação anticorrupção, cuja promulgação atesta a tendência nacional a aderir a um modelo

de direito interventivo no combate à corrupção lastrado na possibilidade de imposição de

sanções dissuasórias de natureza econômica e no fomento à prevenção por meio dos

programas de integridade corporativa.452

Como já anteriormente ressaltado, inaugura-se um novo patamar de exigência, muito

mais rigoroso do que aquele tradicionalmente previsto nas leis empresariais, a exemplo do

presente na Lei das Sociedades de Ações. Ao invés do due diligence negocial, fala-se, agora,

do due diligence anticorrupção, pois a análise não está mais restrita ao mero processo de

tomada de decisão negocial e ao exame da culpabilidade do administrador, mas alcança um

dever de diligência objetivo, referente à conformidade da atuação da empresa às exigências

legais de integridade corporativa e de moralidade administrativa.453

No atual marco legal anticorrupção, a responsabilidade da empresa decorrerá, em

última análise, de sua própria falha na implantação de modelos de conformidade ética e legal

(compliance) apropriados. Para evitar esta consequência, a empresa deve se aliar ao Estado

prevenindo a ocorrência de ilícitos e, não logrando os inibir, investigar o fato e colaborar com

os órgãos estatais na sua apuração.

A lógica é preventiva/acautelatória, uma vez que é de todo viável a adoção de boas

práticas, as quais, senão impeçam, ao menos atenuem os atos de corrupção. Caso tais boas

práticas sejam efetivamente implementadas — dentre elas, o acordo de leniência (ou ao

menos a certeza da alta probabilidade de que ele seja celebrado) — e controladas por meio de

protocolos-padrão, estará criado o ambiente proativo de real combate à corrupção do lado de

dentro das sociedades empresariais.454

451

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Leis instituem colaboração compulsória contra crimes. Revista Consultor

Jurídico, São Paulo, 19 nov. 2013. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-nov-19/direito-defesa-

leis-instituem-colaboracao-compulsoria-crimes>. Acesso em: 20 set. 2017. 452

DEMATTÉ, Flávio Rezende. Responsabilização de pessoas jurídicas por corrupção. Belo Horizonte:

Fórum, 2015. Passim. 453

RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei

anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 220-221. 454

MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina. Lei anticorrupção e quatro de seus principais

temas: responsabilidade objetiva, desconsideração societária, acordos de leniência e regulamentos

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191

Egon Bockmann Moreira e Andreia Cristina Bagatin destacam o compliance e o

acordo de leniência como relevantes meios de defesa das empresas no cenário da

responsabilidade objetiva da Lei Anticorrupção:

Aqui surge uma questão relevante: o que se passará àquela pessoa jurídica que,

tendo cumprido todos os requisitos-padrão do compliance, ainda assim veja-se

envolvida por ato de corrupção praticado nos termos do art. 5º da Lei nº

12.846/2013? A própria Lei Anticorrupção fornece a solução para esse dilema, que

pode ser de duas ordens. (...) Por um lado, a Lei nº 12.846/2013 prevê a

possibilidade do acordo de leniência (arts. 16 e 17). Esta solução permite que a

pessoa jurídica, cujo funcionário tenha praticado algum dos atos de corrupção

previstos no art. 5º da Lei nº 12.846/2013, tome a iniciativa e colabore ativamente

com a apuração dos ilícitos e, assim o fazendo de modo eficaz, o acordo a isentará

“das sanções previstas no inciso II do art. 6º e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em

até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável” (art. 16, §2º). Isso importa dizer que

as pessoas jurídicas precisam manter ativos seus sistemas de controle interno e não

devem hesitar em manifestar, de modo inaugural, a colaboração ativa para o acordo

de leniência. Assim, poderão impedir a incidência da regra da responsabilidade

objetiva. Desde a edição da Lei Anticorrupção, todos sabem disso — e, assim,

precisam estabelecer sistemas de controle a montante e a jusante, no começo e no

fim de todos os processos produtivos e negociais (máxime aqueles que envolvam

interações público-privadas).455

Já como “segunda ordem de solução", os autores apontam o art. 7º, inc. VIII da Lei

Anticorrupção, o qual estipula como atenuante para a aplicação de suas sanções “a existência

de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de

irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa

jurídica”.456

É como base nesse mesmo dispositivo que Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes

Vianna apontam outra interessante interconexão entre o compliance e o acordo de leniência e

que repercute no momento apropriado para a proposição do último. Para eles, a referência

genérica presente na legislação ao termo processo administrativo pode dar a errônea ideia de

que o acordo apenas poderia ser firmado depois da instauração do processo administrativo.

Contudo, com base em uma interpretação sistemática457

, pode-se defender que um dos

objetivos da Lei Anticorrupção é o de que as empresas passem a se tornar mais vigilantes da

conduta de seus funcionários, adotando as medidas de integridade pertinentes nos casos de

desvios éticos. Nessa ambiência, os autores asseveram que “apesar de a lei não ter colocado

administrativos. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 55-84,

jul./set. 2014. p. 55-56. 455

Ibid., p. 69. 456

BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de

pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras

providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-

2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 457

Especialmente fulcrada nos art. 2º e 7º, inciso VIII da Lei Anticorrupção.

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192

como uma obrigação da empresa, o mais desejado seria a proposição de acordo de leniência

acerca de fatos sobre os quais a Administração ainda não tem qualquer conhecimento.”458

Nada obstante, enfoca-se que a dicção da norma anticorrupção não veda a proposição

do acordo de leniência em qualquer momento do seu processo administrativo, de modo que

caberá, ao ente processante que já detenha indícios da prática dos atos ilícitos, valorar a

pertinência da aceitabilidade da delação. Essa possibilidade também vai ao encontro da

relevância dos programas de integridade adotados pelas pessoas jurídicas porque, dependendo

da natureza e complexidade dos fatos, a investigação interna da empresa pode demandar

tempo para ser concluída, máxime se o sistema de integridade corporativa não for eficiente.459

O acordo de leniência, pois, busca justamente que a empresa infratora, mediante o

recebimento de benefícios negociados, apresente provas substanciais da prática dos atos

corruptivos, auxiliando, assim, na apuração de ilícitos cuja comprovação é de elevada

complexidade. Mais do que confessar lisamente sua participação na prática da infração,

deverá a delatora expor, detalhadamente, o grau de participação das demais empresas envoltas

no esquema corruptivo, cooperando mediante o fornecimento de todas as informações de que

dispuser a respeito do ilícito.

Nessa lógica cooperativa, a Lei Anticorrupção previu a possibilidade de o Estado

estipular, no acordo de leniência, as condições necessárias para assegurar a efetividade da

colaboração e o resultado útil do processo, de modo que, por tal faculdade, requisitos

adicionais, desde que pertinentes com os termos do acordo, podem ser agregados como

condicionantes à sua celebração. Com o mesmo espírito, o próprio Regulamento Federal

estatuiu a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de programa de integridade como condição

geral à celebração do acordo de leniência.460

E o compromisso em adotar medidas de

autossaneamento (corporate self-cleaning) vai ao encontro com um dos mais relevantes

458

SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,

desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 107-108. 459

Em defesa de uma alargada liberdade temporal para a delação, vale citar o pensamento de Ayres e Maeda:

“[...] uma vez concluída a investigação interna ou tendo ela elementos sólidos sobre a ocorrência de atos

lesivos (afinal, a pessoa jurídica também precisará admitir sua participação no ilícito), aí sim poderá a pessoa

jurídica, se for o caso, reportar para as autoridades, colaborando efetivamente com as investigações. É

inegável que as pessoas jurídicas, por estarem próximas aos fatos, têm informações importantes que, sem a

cooperação, as autoridades públicas jamais terão conhecimento. Evidentemente, uma vez que a pessoa

jurídica tenha conhecimento concreto da ocorrência de fatos ilícitos, quanto antes for sua cooperação, maior

deverá ser o seu crédito. Entretanto, limitar a possibilidade de cooperação significa ir na contramão de boas

práticas internacionais no combate à corrupção e fechar os olhos para uma importante fonte de informação.”

AYRES, Carlos Henrique da Silva; MAEDA, Bruno Carneiro. O acordo de leniência como ferramenta de

combate à corrupção. In: SOUZA, Jorge Munhós; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). Lei anticorrupção.

Salvador: Juspodium, 2015. p. 239-251. p. 240. 460

Art. 37, IV do Decreto n.º 8.420/2015.

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193

pontos da Lei Anticorrupção: a consolidação de um novo paradigma de integridade e

governança corporativa.

Para Carla Veríssimo, a exigência de concordância com cláusulas de aperfeiçoamento

de um programa de compliance acarretará com que as empresas que optem pela negociação

de um acordo de leniência tenham de avaliar a relação entre custo e benefício. Nesse cenário,

a formulação de programa de integridade atua como um relevante componente em uma

estratégia de redução de danos. Nessa linha, o gozo dos benefícios “previstos no acordo de

leniência, ao final de seu cumprimento, dependerá, além do atendimento de outras obrigações

assumidas pela empresa, da comprovação da efetividade do programa ou das medidas de

compliance adotadas”.461

Com efeito, segundo Carla Veríssimo, o compliance anticorrupção transfere, às

empresas, parcela da obrigação de prevenção, descoberta e investigação dos delitos, além da

adoção de medidas corretivas, o que fomenta a privatização da luta contra a corrupção. Nesse

sentido,

[...] a entrega dos resultados das investigações internas às autoridades é estimulada

pelas legislações, sob a promessa de, em retorno à cooperação havida, oferecer uma

sensível redução ou até a isenção das sanções aplicadas às empresas. A obrigação de

implementar ou aperfeiçoar programas de compliance anticorrupção é cláusula

frequente nos acordos de não persecução penal e de suspensão do processo penal

firmados nos Estados Unidos (NPAs e DPAs), e já aparece em contratos de leniência

firmados no Brasil, sob a Lei 12.846/2013.462

461

DE CARLI, Carla Veríssimo. Anticorrupção e Compliance: a incapacidade da Lei 12.846/13 para motivar

as empresas brasileiras à adoção de programas e medidas de Compliance. 2016. 342 f. Tese (Doutorado) -

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito,

Porto Alegre, BR-RS, 2016. f. 216-217. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149239>.

Acesso em: 11 set. 2017. 462

“Em agosto de 2015, o Ministério Público Federal firmou acordo de leniência com a Construtora e Comércio

Camargo Corrêa S.A.; neste acordo, a empresa se comprometeu a implantar mecanismos modernos e eficazes

de compliance com as regras de combate à corrupção, ‘os quais, se adotados pelas demais empreiteiras,

implicariam um ambiente corporativo mais limpo e honesto no Brasil.’” BRASIL. Procuradoria Geral da

República. Acordo de leniência com a Camargo Corrêa. Brasília, DF, 21 ago. 2015. Disponível em:

<http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/combate-a-cor? searchterm=leniência>. Acesso em:

27 jan. 2016. O acordo foi tornado público, embora com algumas restrições, no âmbito da ação de

improbidade proposta contra a empresa na Justiça Federal do Paraná. O termo do acordo pode ser visualizado

nos autos da ação de improbidade administrativa em trâmite perante a 5a. Vara Federal de Curitiba.

PARANÁ. Tribunal Regional Federal da 4. Região. Ação Civil de Improbidade Administrativa nº

5006717-18.2015.4.04.7000 (Processo Eletrônico - E-Proc V2 - PR). Autor: Ministério Público Federal.

Réu: Paulo Roberto Costa. Réu: Construções e Comércio Camargo Correa S.A. Juiza: Silvia Regina Salau

Brollo. Curitiba, 2015. Disponível em:

<https://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=consulta_processual_resultado_pesquisa&txtValor=500

671718.2015.4.04.7000&selOrigem=PR&chkMostrarBaixados=&selForma=NU&hdnRefId=&txtPalavraGer

ada=>. Acesso em: 30 jan. 2016. Este é o primeiro acordo de leniência proposto pelo MPF no bojo do qual

foi imposta a condição de formular e implementar um programa de compliance. DE CARLI, Carla

Veríssimo. Anticorrupção e Compliance: a incapacidade da Lei 12.846/13 para motivar as empresas

brasileiras à adoção de programas e medidas de Compliance. 2016. 342 f. Tese (Doutorado) - Universidade

Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito, Porto Alegre,

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194

É nesse contexto que se insere a determinação de que o acordo de leniência contenha,

entre outras disposições, cláusula que verse sobre a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de

programa de integridade.463

Segundo a autora acima citada, todavia, ainda não existem

elementos suficientes para se avaliar “a importância que será dada, no âmbito do Poder

Executivo federal, à implementação ou reforço de programas de compliance pelas empresas,

nem se haverá a exigência da instituição de um monitor de compliance”.464

Para além disso, insta ressaltar que, em regra, se a empresa logrou identificar de modo

antecipado a ocorrência de um ato desviante da ética, vindo a investiga-lo e decidindo pela

sua tempestiva comunicação às autoridades competentes, tal se deu “porque detinha os

mecanismos de integridade para tanto. Ou seja, em determinado momento, a empresa decidiu

implementar um conjunto de ferramentas que lhe foi sugerido pelo Estado e o sistema

funcionou.”

Nesse aspecto, debate-se se a normatização anticorrupção não poderia ter sido mais

benéfica com as empresas delatoras que demonstrassem ter apurado os fatos em decorrência

de um eficiente programa de compliance, por vezes descobrindo fatos que não eram de

qualquer conhecimento do ente processante. Veja-se que, conforme visto nos itens 4.1.2 e

4.1.3, enquanto a legislação antitruste permite a extinção da ação punitiva da administração

pública e isenta a empresa de qualquer sanção administrativa, a colaboração premiada

criminal permite o perdão judicial.465

BR-RS, 2016. f. 138-139. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149239>. Acesso em: 11

set. 2017. 463

Art. 37, IV do Decreto n.º 8.420/2015. 464

“Ao examinar a legislação anticorrupção brasileira, a OCDE também se preocupou com a capacidade da

CGU em avaliar os programas de compliance e sua implementação, questão de particular complexidade

quando for o caso de operações internacionais e entidades ou subsidiárias [ORGANISATION FOR

ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2014, p. 28]. No caso de acordos de leniência, a

utilização de um monitor de compliance poderá ser uma solução a ser experimentada.” DE CARLI, Carla

Veríssimo. Anticorrupção e Compliance: a incapacidade da Lei 12.846/13 para motivar as empresas

brasileiras à adoção de programas e medidas de Compliance. 2016. 342 f. Tese (Doutorado) - Universidade

Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito, Porto Alegre,

BR-RS, 2016. f. 138 e 272. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149239>. Acesso em:

11 set. 2017. 465

Conforme Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna, “Talvez a anistia completa da sanção pecuniária da

LAC fosse hipótese interessante a ser reservada nos casos em que o fato trazido pela pessoa jurídica é

absolutamente inédito para o Estado e as provas disponibilizadas possibilitam de forma robusta a persecução

penal, administrativa e cível de todas as pessoas naturais envolvidas. Em outras palavras, todas as finalidades

do acordo de leniência teriam sido atingidas em seu alcance máximo. Colocar-se na perspectiva da empresa,

nesse caso, pode auxiliar o exercício hipotético. A (incerta) redução em até dois terços da multa

administrativa talvez não seja incentivo suficiente para uma empresa reportar de forma espontânea uma

ocorrência que implique sua responsabilização. Ainda que ela não esteja preocupada com a repercussão para

as pessoas naturais envolvidas na situação, o corpo diretivo da empresa deve levar em consideração a

necessidade de assumir o pagamento do valor pecuniário, além da reparação do dano causado.” SIMÃO,

Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico, desafios

e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 107-108 e 130-131.

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195

Conforme Thiago Marrara, embora a Lei Anticorrupção estipule que a celebração do

acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções de publicação extraordinária da

decisão administrativa condenatória e reduzirá em até 2/3 o valor da multa aplicável, ela não

define o benefício mínimo em relação à multa, resumindo-se a prever o desconto máximo de

2/3. O autor critica que a lei não prevê qualquer tipo de isenção de multa, além de, tampouco,

fazer a importante diferenciação entre a leniência prévia e a leniência concomitante. Na sua

dicção,

[...] na defesa da concorrência, a leniência prévia é estimulada com benefícios

maiores (isenção de multa), mas no combate à corrupção, não há qualquer variação.

Certamente, essa lacuna apenas servirá para desestimular acordos anteriores ao

processo administrativo.466

Pierpaolo Cruz Bottini critica de maneira mais enérgica a possibilidade legal vigente

de que uma empresa que adota medidas sérias e efetivas de compliance possa ser penalizada.

Segundo o autor, a responsabilidade objetiva empresarial estatuída pela Lei Anticorrupção

permite que mesmo pessoas jurídicas que não tenham deliberado cometer atos corruptivos;

mas que, ao revés, detenham efetivos sistemas de compliance, possam vir a ser punidas caso

sejam beneficiadas pela conduta ilícita de seus colaboradores. E, tudo isso, mesmo que a

corrupção tenha sido detectada e investigada pela própria corporação, bem como

imediatamente comunicada às autoridades competentes. Assim,

[...] imaginemos uma empresa cujo setor de compliance detecta um funcionário que

oferece vantagens a servidores públicos para obter contratos, ampliando seu bônus

em vendas com tal prática. Em seguida, a instituição apura os fatos, junta

documentos, e comunica a prática às autoridades do ente afetado. É justo e correto

que os danos eventualmente causados sejam suportados pela empresa, que foi

beneficiada. Mas não parece adequado que a pessoa jurídica, que não decidiu pelo

ato, e que não foi imprudente – ao contrário, dispunha de um sistema de integridade

que detectou o ato – seja castigada com as sanções previstas nos artigos 6º e/ou 19

do diploma.

Ainda que a multa seja pequena – reduzida a 0,1% do faturamento bruto com um

desconto de 2/3 por uma eventual leniência – não parece ser aplicável. Não se trata

de tamanho, mas de princípio. Impor a pena neste caso é admitir que se castigue um

ato sem culpabilidade, algo que não se justifica em um Estado cuja constituição

prevê a intranscendência da pena.467

466

MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime

jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-

527, jun. 2015. p. 521-522. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>.

Acesso em: 8 ago. 2017. 467

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A controversa responsabilidade objetiva na Lei Anticorrupção. Revista Consultor

Jurídico, São Paulo, 9 dez. 2014. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-dez-09/direito-defesa-

controversa-responsabilidade-objetiva-lei-anticorrupcao>. Acesso em: 10 jan. 2018.

Merece ser dito que esta inteligência parece ser uma tendência nos ordenamentos jurídicos de outros países

com tradição na regulação do tema, a exemplo do FCPA, o qual, segundo Simão e Vianna, embora não

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196

O ponto defendido por Pierpaolo Cruz Bottini foi encampado pelo Instituto Brasileiro

de Direito Empresarial (IBRADEMP), o qual elaborou extenso relatório baseado na

experiência de outros países. Dentre as recomendações, constou sugestão de redação legal

com o desiderato de promover o empenho das empresas a aperfeiçoarem seus programas de

compliance mediante a concessão de benefícios que incluíam a exclusão da aplicação das

sanções, assim:

Art. X° - Levar-se-ão em consideração na aplicação das sanções administrativas e

judiciais desta lei:

§ 3° - A existência efetiva de mecanismos e procedimentos mencionados no inciso

VIII, na ocasião da conduta lesiva, e/ou a cooperação mencionada no inciso VII

excluirá / poderá excluir a aplicação de sanções administrativas ou judiciais à pessoa

jurídica, ressalvada a reparação do dano. A Secretaria de Prevenção da Corrupção e

Informações Estratégicas (SPCI) da Controladoria-Geral da União deverá elaborar

diretrizes, mediante prévia discussão pública, sobre fatores que devem existir para

que os mecanismos e procedimentos do inciso VIII sejam considerados efetivos.468

Segundo o referido Instituto, “empresas que agem de boa-fé na prevenção da

corrupção não devem ter o mesmo tratamento de empresas que agem de má fé ou que fecham

seus olhos para o risco de ilícitos.” Desse modo, o reconhecimento de programas de

compliance minimizará discrepâncias no mercado, isto é, que empresas que invistam na

prevenção (inclusive em decorrência de legislações internacionais) fiquem em desvantagem

contenha previsão explícita de que a existência de programas de compliance possa acarretar na isenção da

pena, permite que o acusador analise casuisticamente a oportunidade do ajuizamento da ação penal. Nesse

sentido, dois documentos oficias americanos de orientação a promotores e juízes recomendam que as

autoridades competentes levem em consideração a existência e a eficiência do compliance da empresa na

tomada decisória relativa a casos de corrupção. E, sendo o caso, o resultado pode ser a atenuação ou a

isenção total da responsabilidade da pessoa jurídica. SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O

acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p.

133-134. Conforme relatório do IBRADEMP, a possibilidade de exclusão total das sanções também se

verifica nos sistemas do Reino Unido e da Espanha: “Em abril de 2010, o Reino Unido aprovou o UK

Bribery Act, a nova lei britânica de combate à corrupção. Referida lei vai além da legislação FPCA norte-

americana e criminaliza a falha na prevenção de corrupção, sendo aplicável tanto para atos de corrupção no

setor público como no setor privado. Entretanto, a existência de programas de compliance efetivos é capaz de

eximir a responsabilidade das empresas. A Espanha, por sua vez, em junho de 2010, aprovou lei que alterou o

código penal do país, criando a responsabilidade penal da pessoa jurídica. A lei espanhola dispõe que as

pessoas jurídicas serão responsabilizadas pelos atos praticados por seus empregados que estiverem

relacionados à falha da empresa em exercer certo dever de controle. Referida lei também traz dispositivo

determinando que a existência de programas de compliance efetivos reduzirá ou excluirá a responsabilidade

penal da empresa.” INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO EMPRESARIAL. Comitê anticorrupção e

compliance: comentários ao Projeto de Lei n. 6.826/2010. São Paulo: IBRADEMP, 2011. Disponível em:

<http://documents.jdsupra.com/0243bf96-9bac-43e1-b0df-1721e22b4ad3.pdf >. Acesso em: 12 jan. 2018. 468

INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO EMPRESARIAL. Comitê anticorrupção e compliance:

comentários ao Projeto de Lei n. 6.826/2010. São Paulo: IBRADEMP, 2011. p. 39-40. Disponível em:

<http://documents.jdsupra.com/0243bf96-9bac-43e1-b0df-1721e22b4ad3.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2018.

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competitiva em comparação com empresas que não possuem qualquer obrigação ou incentivo

para a adoção de programas de compliance.

Nada obstante, a fim de contrabalancear o aspecto dissuasório, o qual poderia entrar

em conflito com a isenção total da multa, o Instituto sugeriu formas de obrigação à empresa

delatora, cujos encargos se revelam harmonizados com o desiderato do acordo e a gravidade

do ato corruptivo, a saber:

§ 3º Com relação ao inciso II do § 1º deste artigo, entre outras medidas, as

autoridades deverão analisar e pertinência de imporem as seguintes obrigações:

I - implementação ou aprimoramento dos mecanismos e procedimentos internos

mencionados no art. Xº, inciso VIII desta lei;

II - realização ou aperfeiçoamento de treinamento para funcionários sobre os

mecanismos e procedimentos internos mencionados no art. Xº, inciso VIII desta lei;

III - contratação de terceiro independente para auxiliar na implementação,

aprimoramento e monitoramento do mencionado no inciso I deste parágrafo, por

prazo não superior a 2 anos;

IV - informar à autoridade signatária do termo de compromisso sobre a ocorrência

de novos atos lesivos previstos nesta lei a partir da celebração do termo;

V - envio de relatórios trimestrais à autoridade signatária do termo de compromisso,

contados a partir de sua celebração, reportando o progresso das obrigações

constantes no termo.469

Como se sabe, nenhuma das sugestões citadas foi acatada e incorporada à redação

final da Lei Anticorrupção. Nada obstante, mais do que se defender a isenção total da multa

administrativa (nos casos em que a delação anteceder a própria apuração dos fatos pelo ente

processante – leniência prévia), busca-se, aqui, chamar a atenção para a suma relevância do

compliance no contexto do acordo de leniência. Intenta-se fomentar salutar debate quanto aos

vastos consectários do liame etiológico existente entre estes institutos; bem como enfocar o

quanto uma equilibrada relação entre a promoção do primeiro e a parcimoniosa regulação dos

benefícios do segundo constitui um dos centrais pilares na promoção de um novo paradigma

ético para a comunidade empresarial. E, sem uma postura empresarial ética, não se acredita

que o enfrentamento da corrupção empresarial possa prosperar apenas por meio da adoção de

severas punições legais.

469

Ibid., p. 45.

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198

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O princípio orientador supremo das empresas sempre foi o da maximização do lucro.

Na velha ótica de Adam Smith, se cada um corresse atrás de seu próprio interesse, em um

livre mercado, o resultado seria uma maior eficiência produtiva e, por conseguinte, o

crescimento da riqueza nacional e do bem-estar de todos. Nessa ideologia, a única função da

empresa consistiria na satisfação dos interesses dos sócios ou acionistas e o seu encontro com

a sociedade se daria, unicamente, no oferecimento de atividades econômicas de prestação de

produtos ou serviços úteis à população.

Mas, como se demonstrou, nas últimas décadas, essa visão de mundo passou a perder

suas forças com o surgimento de uma nova cultura corporativa por meio do qual a probidade e

o respeito à função social passaram a integrar o foco das decisões empresariais. Já na primeira

metade do século XX, um conclame mundial pela ética nos negócios passou a ganhar voz

ativa, até culminar na tomada de concretas políticas jurídicas e econômicas nas décadas de 80

e 90, primeiramente nos Estados Unidos, depois na Europa, e mais recentemente no Brasil.

Hoje, acentua-se a necessidade de a empresa agir com integridade, transparência e respeito a

todas as partes interessadas na sua atividade econômica (stakeholders).

Paralelamente, as empresas tornaram-se mais conscientes dos impactos positivos ou

negativos de suas atividades na sociedade, bem como de suas funções e responsabilidades

sociais enquanto agentes inseridos em uma dada comunidade; tocaram-se da importância de

sua participação em prol da construção de um mundo mais justo e igualitário, tarefa cuja

história constantemente vem demonstrando não se concretizar quando atribuída unicamente

aos governos instituídos.

Para as concepções iluministas dos séculos XIX e XX, um racionalismo sustentado no

liberalismo econômico seria o bastante para garantir o progresso da humanidade, com o

aumento da produtividade, da riqueza material e da felicidade do homem. O empresariado,

nada obstante, na era da responsabilidade social e da governança corporativa, aos poucos

desperta para a mentalidade de que não mais basta apenas ser eficiente em seu ramo, urgindo

conciliar as suas atividades econômicas às preocupações sociais e ambientais. Assim como

qualquer agente social, a empresa tem compromissos com a sustentabilidade e, se contra ela

se voltar, estará tolhendo o seu próprio futuro, dai a compreensão da visão

corporativa/institucional da empresa.

Nessa ambiência, a valorização dos postulados relacionados à função social da

empresa e ao seu perfil institucional constituem matrizes conceituais complementares que, a

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par de sua relevância intrínseca, fundam e agregam, com solidez valorativa, outras categorias

jurídico-empresariais, fomentando o respeito aos interesses dos sócios minoritários, dos

colaboradores da empresa em geral e, em última análise, da própria sociedade. A pesquisa

demonstrou que esta filosofia corporativa substantifica o conceito de governança corporativa,

cada vez mais propagada na atualidade por meio de associações como o IBGC – Instituto

Brasileiro de Governança Corporativa -, inclusive com o incentivo da BOVESPA – Bolsa de

Valores de São Paulo.

Além disso, a sucessão de escândalos e fraudes que conduziram à bancarrota de

empresas americanas e europeias, como visto, majorou a relevância de temas como

transparência (disclousure); prestação de contas (accountability); justiça com os minoritários

(fairness) e cumprimento das leis (compliance), pilares da governança corporativa,

compreendida esta como um valioso instrumento de propagação da ética empresarial. A

adoção harmoniosa dessas medidas positivas, pois, como demonstrado ao longo da pesquisa,

fortalece a responsabilidade corporativa, confere um crédito de confiança para as iniciativas

empresariais e viabiliza a perenidade das organizações.

Em sequência, deu-se enfoque ao último pilar citado (compliance) por ser aquele que,

por excelência, atua como instrumento anticorrupção em várias frentes, na esteira do

examinado ao longo desta dissertação.

O assunto foi apresentado dentro do contexto jurídico-político que envolveu o

enaltecimento da cultura do compliance no controle anticorrupção, com ênfase na teoria da

Sociedade de Risco, de Ulrich Beck. O apontado cotejo demonstrou que muitas das causas

originárias do compliance coincidem com as preocupações teóricas do autor alemão citado e

que dizem respeito aos novos riscos a que a sociedade se depara na atualidade.

Ainda a partir do texto apresentado, inferiu-se que as promessas do mundo pós-

moderno ainda não foram cumpridas no Brasil, especialmente em razão de um “caldo de

cultura” de corrupção entranhado na relação entre o poder estatal e a sociedade. De outro

lado, também foi possível delinear algumas premissas que, embora não conclusivas,

permitiram vislumbrar estar-se processando um momento de mutação na consciência coletiva

nacional frente ao estado de corrupção que assola os poderes da República. Nessas

circunstâncias, em resposta às manifestações populares do ano de seu nascimento e, também,

com o desiderato de dar atendimento aos instrumentos internacionais sobre o combate à

corrupção dos quais o Brasil é signatário, foi promulgada, em 2013, a Lei n.º 12.846 de 2013

(Lei Anticorrupção). Embora não tenha sido a primeira norma específica a tratar do tema, a

novel legislação almejou punir empresas envolvidas em relações corruptas com a

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200

Administração Pública, constituindo, pois, notável reforço no conjunto de sistemas

sancionatórios não penais de combate à corrupção, em especial por torná-lo mais severo.

Com ela, o controle anticorrupção e a atuação de compliance foram fortalecidos,

confirmando-se a tendência nacional a aderir a um modelo de direito interventivo no combate

à corrupção. As vantagens em seguir esta trilha centralizam-se na possibilidade de imposição

de sanções dissuasórias de evidente natureza econômica e o estímulo à prevenção por meio

dos programas de integridade corporativa (compliance).

Ademais, a legislação citada deu guarida ao acordo de leniência anticorrupção,

instrumento de notável potencialidade na repressão dos ilícitos nela tipificados.

Ao se analisar a bibliografia sobre os programas de leniência, constatou-se que a

edificação de um consenso base acerca dos requisitos para o seu êxito se lastrou não apenas

no âmbito da dogmática jurídica, mas, igualmente, na análise da evolução legislativa do tema

em diferentes países, em especial o norte-americano. Nesse sentido, demonstrou-se ter sido no

combate à formação de cartéis que o modelo mais substancial de acordo de leniência se

firmou, de modo que o paradigma jurídico da experiência antitruste constitui excepcional

norte hermenêutico na aplicação da Lei Anticorrupção.

Contudo, o estudo evidenciou que, lamentavelmente, o legislador não atentou, com o

devido merecimento, à experiência internacional e nacional acerca do tema, visto que a práxis

antitruste poderia ter contribuído de modo mais significativo na edificação de um modelo de

acordo de leniência anticorrupção mais técnico e eficaz. Ao contrário, a análise crítica da

pesquisa demonstrou a existência de consideráveis fragilidades no arquétipo concebido pela

Lei 12.846/2013.

Entende-se que alguns dos requisitos legais para a celebração do acordo, bem como a

natureza e extensão de seus benefícios podem ser reformulados de modo a melhor incentivar a

espontânea colaboração das empresas no enfrentamento da corrupção.

Nesta progressão, concebe-se como salutar a previsão de mais duas modalidades

adicionais de acordo ao programa de leniência: a) leniência prévia em que seja concedida

isenção integral da multa porque o Estado não tem qualquer conhecimento anterior do ato

corruptivo delatado e b) leniência plus, compreendida como aquela em que a empresa não se

qualifica para a celebração do acordo de leniência, mas presta informações sobre um ato

ilícito distinto, acerca do qual o ente processante não tem conhecimento. Nesse caso, a

colaboradora receberá isenção integral da multa em relação ao novo ato e, quanto ao anterior,

uma atenuação percentual inferior a que teria direito caso tivesse preenchido as condições

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201

para a celebração do acordo. Note-se, contudo, que quaisquer das modalidades de leniência

não importam em isenção da pessoa jurídica em reparar o dano (esfera cível).

Não há qualquer ineditismo nestas propostas, pois traduzem exegeses do modelo

adotado pelo CADE no regime legal antitruste e da proposta do Instituto Brasileiro de Direito

Empresarial (IBRADEMP) veiculada quando do debate do Projeto de Lei n.º 6.826/2010,

ambos os pontos tratados na pesquisa.

Outra questão crítica suscitada ao longo do trabalho concerne à ausência de

harmonização entre as diversas esferas de responsabilização por atos corruptos. Tratando-se, o

acordo de leniência, de um instrumento à disposição de um processo administrativo, não

pairam dúvidas quanto a ele ter de ser conduzido pela Administração Pública.

Ocorre que, conforme examinado no texto, no microssistema legal anticorrupção

estabelecido, existem hipóteses de aplicação de mais de uma sanção na esfera administrativa,

como é o caso, por exemplo, das Leis Anticorrupção, de Improbidade Administrativa e de

Licitações e Contratos Administrativos. Nesse sentido, embora a doutrina defenda a

viabilidade jurídica da referida concomitância de previsões similares e idênticas, critica-se o

fato da Lei Anticorrupção em nada ter restringido a competência de normas anteriores que já

regulavam as mesmas condutas, tampouco buscado harmonizá-las entre si.

Nesse sentido, é aconselhável que haja um canal de diálogo entre o sistema repressivo

da Lei Anticorrupção e da Lei de Improbidade Administrativa. Como a responsabilização da

pessoa jurídica se dá em face de condutas praticadas por pessoas naturais, na prática é

intuitiva a conclusão de que, em grande parte dos casos, uma vez constatada a

responsabilidade administrativa do ente moral, concomitantemente advirá o ajuizamento de

ações penais ou de improbidade administrativa em desfavor da pessoa natural. E, em assim

sendo, a possibilidade legal da realização de transação, acordo ou conciliação em ambas as

esferas interrompe um fator de incoerência do sistema, constituindo medida de atratividade,

segurança e transparência do Estado perante os seus súditos.

Por tal razão, faz-se necessária a inserção legislativa de acordo de leniência na Lei de

Improbidade Administrativa, “a fim de fechar uma interlocução necessária e sem antinomias

entre as diversas esferas de responsabilidade do nosso direito sancionador, e em observância

às garantias constitucionais dos investigados”.470

470

BRASIL. Ministério Público Federal. 10 medidas contra a corrupção. Brasília, DF, 2015. Disponível em:

<http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-medidas/docs/medida_5_versao-2015-06-

25.pdf.>. Acesso em: 20 jan. 2018.

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202

Além desse aspecto, o procedimento da Lei Anticorrupção também repercute sobre a

esfera penal, de modo que a celebração do acordo de leniência não pode ficar adstrita ao

âmbito da Administração Pública, devendo, também, emanar efeitos para outras esferas, sob

pena de se tornar um instrumento imprevisível e desestimulante. Contudo, a presente pesquisa

expôs existir uma assistemática comunicação da legislação anticorrupção com as normas

penais, inclusive mediante a identidade de conteúdo entre elas. Desse modo, embora não se

admita a responsabilidade penal de pessoas jurídicas pela prática de atos corruptivos, não se

questiona acerca da responsabilização penal de pessoas físicas pelos ilícitos praticados no

interesse de pessoas jurídicas. Com frequência, pois, os fatos tratados em acordos de leniência

também desaguarão em inquéritos policiais investigadores de pessoas naturais.

Por essa razão, considerando que o Ministério Público detém a legitimidade

constitucional para o ajuizamento da ação penal pública – além da concorrente para propor as

ações judiciais da Lei de Improbidade Administrativa e da Lei Anticorrupção – é de todo

recomendável que a legislação imponha como cogente a sua integração ao programa de

leniência. Nesses termos, a articulação interinstitucional entre os órgãos estatais é

determinante para o sucesso da apuração e responsabilização dos atos corruptos.

Propõe-se, portanto, seja acrescido, à legislação, que a celebração do acordo de

leniência, com a participação do Ministério Público, confere imunidade criminal às pessoas

naturais envolvidas nos mesmos fatos que forem objeto da avença, na esteira dos modelos

adotados pelas legislações brasileira e estadunidense antitruste.

Por último, outro aspecto legal que merece ser aprimorado concerne ao fortalecimento

do liame etiológico entre os instrumentos do acordo de leniência e compliance.

A Lei Anticorrupção previu a possibilidade de o Estado estipular, no acordo de

leniência, as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado

útil do processo, de modo que, por tal faculdade, requisitos adicionais, desde que pertinentes

com os termos do acordo, podem ser agregados como condicionantes à sua celebração. No

mesmo diapasão, o Regulamento Federal estatuiu a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de

programa de integridade como condição geral à celebração do acordo de leniência.471

E o

compromisso em adotar medidas de autossaneamento (corporate self-cleaning) vai ao

encontro de um dos mais relevantes pontos da Lei Anticorrupção: a consolidação de um novo

paradigma de integridade e governança corporativa.

471

Art. 37, IV do Decreto n.º 8.420/2015.

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Nesses contornos, a exigência de concordância com cláusulas de aperfeiçoamento de

um programa de compliance acarreta com que as empresas que optem pela negociação de um

acordo de leniência tenham de avaliar a relação entre custos e benefícios, dentro de uma

conjuntura estratégica de redução de danos. É nesse aspecto que se insere a determinação de

que o acordo de leniência contenha cláusulas referentes à adoção, aplicação ou

aperfeiçoamento do programa de integridade. Tais disposições representariam o compromisso

da empresa em assumir obrigações acessórias proporcionais ao ato ilícito praticado, tais quais:

a) realização de cursos de aperfeiçoamento de boas práticas para os empregados; b)

contratação de um compliance officer; c) desligamento das pessoas naturais envolvidas em

atos ilícitos; d) rescisão de contratos com parceiros e colaboradores comerciais envolvidos

nos atos corruptivos apurados; e) reformulação de códigos de ética detectados como falhos,

etc.

Mas, se de um lado todos esses apontamentos inspiram maiores reflexões por parte da

comunidade jurídica, inclusive mediante alterações legislativas pontuais, de outro, figura

lídimo concluir que o compliance pode reduzir os riscos legais aos quais estão sujeitos, tanto

as pessoas jurídicas, como as físicas que as administram, na medida em que a existência de

um programa de integridade efetivo minimiza as chances de responsabilização das últimas na

esfera penal, por uma razão elementar: a grande parte dos atos ilícitos arrolados pela Lei

Anticorrupção corresponde a condutas penalmente típicas para as pessoas naturais envolvidas.

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