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Carla Holanda da Silva Clevisson J. Pereira Tanize Tomasi Alves Geografia cultural

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Carla Holanda da SilvaClevisson J. PereiraTanize Tomasi Alves

Geografia cultural

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Silva, Carla Holanda da

ISBN 978-85-8482-204-1

1. Geografia cultural. 2. Geografia humana. I. Pereira, Clevisson Junior. II. Alves, Tanize Tomazi. III. Título

CDD 304.2

Junior Pereira, Tanize Tomasi Alves. – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S. A., 2015. 120 p. : il.

S586g Geografia cultural / Carla Holanda da Silva, Clevisson

© 2015 por Editora e Distribuidora Educacional S.A

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e

transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A.

Presidente: Rodrigo GalindoVice-Presidente Acadêmico de Graduação: Rui Fava

Diretor de Produção e Disponibilização de Material Didático: Mario JungbeckGerente de Produção: Emanuel Santana

Gerente de Revisão: Cristiane Lisandra DannaGerente de Disponibilização: Nilton R. dos Santos Machado

Editoração e Diagramação: eGTB Editora

2015Editora e Distribuidora Educacional S. A.

Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João PizaCEP: 86041 -100 — Londrina — PR

e-mail: [email protected] Homepage: http://www.kroton.com.br/

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Unidade 3 | Globalização e identidade cultural

Seção 1 - A globalização vista da única narrativa às outrastrajetórias históricas1.1 | A globalização

Seção 2 - Pluralização de identidades: o sujeito globalcontemporâneo2.1 | Identidades transitórias2.2 | Identidade e Nação

Unidade 2 | Paisagem, cultura e simbolismo

Seção 1 - A trajetória conceitual do termo paisagem na Geografia1.1 | Olhar inicial sobre o termo1.2 | O termo paisagem e o olhar científico1.3 | Geografia e Paisagem1.4 | O trajeto conceitual do termo paisagem na Geografia1.5 | Diferentes olhares ou evolução conceitual?1.6 | Algumas possibilidades

Seção 2 - A paisagem cultural e o movimento de interiorização da paisagem2.1 | Morfologia da paisagem2.2 | A percepção da paisagem

Unidade 1 | Conceito e história da geografia cultural

Seção 1 - O conceito de cultura na Geografia Cultural1.1 | O conceito de cultura na Geografia Cultural

Seção 2 - A Geografia cultural de Ratzel a Sauer2.1 | Iniciando as discussões

Seção 3 - A Geografia cultural: da estagnação à renovação

Seção 4 - Geografia Cultural no Brasil4.1 | Geografia Cultural no Brasil

Sumário

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1111

1717

23

3131

47

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616265

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9393100

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Seção 3 - Comunidades transnacionais: os fluxos globais ea simultaneidade de indivíduos3.1 | Transnacionalismo

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Unidade 1

CONCEITO E HISTÓRIA DA GEOGRAFIA CULTURAL

A presente seção tem como objetivo apresentar diferentes concepções de cultura que contribuíram para o processo evolutivo da Geografia Cultural. Para tanto, buscamos utilizar interlocutores como Eagleton, (2005), Lévi-Strauss (2003), Diegues (2004), Geertz (2008), Barth (1998), Claval (1999), Claval (2001) e Corrêa (1999, 2007).

Esta seção, por sua vez, tem o objetivo de iniciar de fato o debate acerca da Geografia Cultural no que diz respeito ao seu processo evolutivo. Para tanto,

Seção 1 | O conceito de cultura na Geografia Cultural

Seção 2 | A Geografia cultural de Ratzel a Sauer

Objetivos de aprendizagem:

Nesta unidade você será levado a compreender a história, a evolução e as possibilidades de aplicabilidades da Geografia Cultural diante da ciência geográfica. Isto é, você fará um caminho que te levará a compreender:

• o que estuda a Geografia Cultural;

• a sua relação com o conceito de cultura;

• a sua evolução e fortalecimento no pensamento geográfico de modo geral e na Geografia brasileira;

• as suas atuais abordagens;

• as possibilidades de aplicação no ensino de Geografia.

Carla Holanda da Silva

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Nesta seção o objetivo é dar continuidade à reflexões acerca da evolução da Geografia Cultural, agora no século XX, momento marcado por estagnação sucedida de acontecimentos que levaram à sua renovação. Para aritular este momento utilizaremos teóricos como: Claval (2001), Corrêa e Rosendahl (2008, 2011), Corrêa (2007) e Almeida (2009).

Neste momento, veremos uma discussão acerca da Geografia Cultural no Brasil, para compreender como ela se desenvolve e solidifica no cenário nacional. Para tanto os autores utilizados são: Almeida (2009), Corrêa e Rosendahl (2008 e 2011), Claval (2001).

Seção 3 | A Geografia cultural: da estagnação à renovação

Seção 4 | Geografia Cultural no Brasil

destacaremos definições, autores, correntes de pensamento desde as suas origens, no século XIX, até momentos relevantes para a consolidação dessa área do conhecimento, na metade do século XX, e as consequentes contribuições para a Geografia Cultural praticada na contemporaneidade. Os interlocutores deste debate serão Claval (2001), Corrêa e Rosendahl (2008; 2011), Corrêa (2007) e Almeida (2009).

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Introdução à unidade

A ciência geográfica tem como principal objeto de estudo o espaço geográfico, correto? Este é fruto das relações entre homem e meio, certo? Se a resposta foi positiva para ambos os questionamentos, você acertou!

Contudo, embora pareça simples, em função da maneira que colocamos tais questionamentos, o fato é que esta relação é complexa, pois o homem possui diferentes dimensões que, em contato com o meio, atribuem ao espaço geográfico produções, ocupações, materializações muito distintas. Neste sentido, a cultura, assim como a economia e a política, também é uma destas dimensões. E, a fim de tentar compreender este contato do homem em sua dimensão cultural com o meio, é que a ciência geográfica apresenta um campo de pesquisa e ensino que tem como objetivo discutir estas manifestações culturais que se materializam no espaço.

Deste modo, temos como objetivo nesta unidade apresentar a Geografia Cultural a você. Este campo rico da Geografia, que embora no Brasil tenha começado a ser discutido com maior profundidade a pouco tempo, é uma abordagem que acompanha a Geografia desde os tempos de Ratzel e La Blache.

Mas você deve estar se perguntando por que esta afirmativa trata-se de um campo rico para a ciência geográfica. É rico porque busca estudar o homem e seus grupos, e como eles expressam sua cultura, seja ela material ou imaterial. Isto é, palpável ou presente nas relações, como, a fé, a religiosidade, a relação que estabelecem com o que é a natural e tantas outras formas de manifestarmos a cultura em nosso cotidiano.

Diante deste contexto de riqueza geográfica, é preciso compreender o processo que envolve este campo da Geografia, desde seus primeiros aparecimentos até os dias de hoje. Para tanto, fazemos a você algumas perguntas que vão nos ajudar a conduzir melhor este diálogo, logo, a sua compreensão:

• O que é ou o que estuda a Geografia Cultural?

• Qual a relação do conceito de cultura e a Geografia Cultural?

• Qual a relação da Geografia Cultural com os autores que atuam nos primórdios da Geografia, como Ratzel e La Blache?

• Como a Geografia Cultural se desenvolve diante da evolução do pensamento geográfico?

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• E a Geografia Cultural Brasileira, quando surge e o que estuda?

• E, por fim, como a Geografia Cultural pode auxiliar nas práticas do professor de Geografia?

Bom, é a partir destes questionamentos que a unidade será apresentada, pois, primeiramente, serão abordadas as diferentes concepções de cultura que contribuíram para este processo evolutivo. Na sequência, chegaremos ao início da Geografia Cultural, neste momento buscaremos compreender parte deste processo evolutivo da Geografia Cultural, desde suas origens no século XIX até sua consolidação com Sauer e a Escola de Berkeley. De posse destes conhecimentos, avançaremos na Geografia Cultural após Sauer, retratando seu desenvolvimento no mundo até os dias atuais. Neste momento, também veremos abordagens e temáticas atuais para estudos na Geografia Cultural, até que chegaremos à Geografia Cultural no Brasil, para compreender como ela se desenvolve e solidifica no cenário nacional e, por fim, como este campo pode ser utilizado para ensinar Geografia na escola básica.

Vale destacar que tal unidade será construída a partir de alguns interlocutores, isto é, autores nacionais e internacionais que nos ajudaram a pensar a cultura e sua evolução, como Eagleton, (2005), Lévi-Strauss (2003), Diegues (2004), Geertz (2008), Barth (1998), Claval (1999), Claval (2001), Corrêa (1999, 2007); a definição e a evolução da Geografia Cultural, com Claval (2001), Corrêa e Rosendahl (2008; 2011), Corrêa (2007), Almeida (2009); a Geografia Cultural brasileira via Almeida (2009), Corrêa e Rosendahl (2008 e 2011), Claval (2001), e, por fim, a abordagem cultural no ensino de Geografia com Castro (2008).

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Seção 1

O conceito de cultura na Geografia Cultural

A presente seção tem como objetivo apresentar diferentes concepções de cultura que contribuíram para o processo evolutivo da Geografia Cultural. Para tanto, buscamos utilizar interlocutores como Eagleton, (2005), Lévi-Strauss (2003), Diegues (2004), Geertz (2008), Barth (1998), Claval (1999), Claval (2001) e Corrêa (1999; 2007).

1.1 O conceito de cultura na Geografia Cultural

A fim de iniciar esta discussão e buscar respostas para as questões colocadas acima, pautados em autores como Claval (2001), Almeida (2009) e Corrêa, (2007), apontamos que o termo Geografia Cultural aparece no fim do século XIX na Europa, em meio à discussão sobre a identidade da ciência geográfica.

Nesta época, a Geografia era vista, principalmente, de um ângulo econômico e histórico, como demonstra Ratzel (apud CLAVAL, 2001, p. 20) em sua obra “A Geografia Cultural dos Estados Unidos da América do Norte com ênfase especialmente voltada para as suas condições econômicas”. Entretanto, Ratzel (apud CLAVAL, 2001, p. 20) já discutia nesta obra os encontros culturais na sociedade, referindo-se às migrações globais e às consequentes transformações e dominações no espaço. Assim, Ratzel (apud CLAVAL, 2001, p. 20) chamou atenção específica à questão dos imigrantes chineses nos Estados Unidos, sendo este um primeiro marco para a Geografia Cultural.

Geografia Cultural da época, porém, girava em torno de uma cultura material, portanto, se referia apenas às transformações que os moradores (residentes e migrantes) causavam no espaço. No entanto, com a evolução da própria ciência geográfica que acompanhou as novas relações sociais no espaço na fase da industrialização e das migrações internacionais, numa sociedade moderna, a Geografia Cultural também passou por transformações.

Tais transformações acompanharam as mudanças ocorridas na sociedade do século XX e, consequentemente, a vinda da concepção de cultura. Posto que, uma vez que a sociedade mudava, a forma como os estudiosos entendiam o que era cultura também ia sendo alterado.

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Deste modo, percebemos que a cultura é o grande ponto de partida para a compreensão deste campo de estudo e sua evolução na ciência geográfica, pois é junto da evolução da sociedade e do conceito de cultura que a Geografia Cultural e seus grupos de estudos vão estabelecendo suas pesquisas, isto é, as influências apresentadas até o dia de hoje.

Assim, antes de compreendermos a evolução da Geografia Cultural na ciência geográfica e sua definição ao longo destes momentos, é preciso observarmos as diferentes concepções de cultura que contribuíram para este processo evolutivo.

Você sabe qual é a origem da palavra cultura? A origem latina de cultura é colere, essa palavra possui uma variedade de significados, dentre eles: cultivar, habitar, adorar e proteger. Isto é, a palavra cultura reúne diferentes universos, o natural, o material, espiritual ou imaterial (EAGLETON, 2005).

Neste sentido, tem-se ao longo do pensamento científico diferentes concepções de cultura que influenciaram diretamente a Geografia Cultural.

Dentre estas concepções, estão:

• A concepção de cultura como cultura material: isto é, trata da cultura que diz respeito ou se manifesta via utensílios e instrumentos que têm origem nas vivências dos grupos. É a cultura que podemos tocar, visualizar com maior clareza. Assim, podemos definir a cultura de um grupo pelas danças, costumes, utensílios, músicas, hábitos próprios do seu viver cotidiano. Contudo, apenas os hábitos materiais, pois neste caso as vivências, as experiências e seus significados não são considerados.

• A concepção de cultura articulada à natureza: é possível percebermos esta visão nas sociedades tradicionais, como quilombolas, indígenas, ribeirinhos, entre outros. Estes grupos, normalmente, têm suas regras sociais, ou seja, a sua interação entre o grupo e o meio, definida pela relação que estabelecem com a natureza, isto é, a natureza define elementos da cultura do grupo. Assim, não é possível identificar “[...] onde acaba a natureza, onde começa a cultura?” (LÈVI-STRAUSS, 2003, p. 42). Estes modelos, diferentes de outros considerados modernos, estão preparados para observar, perceber e relatar as relações com o meio, em função de uma dinâmica que aproxima cultura de natureza, na dependência, uso e respeito. Deste modo, as relações sociais estabelecidas por estes grupos são marcadas pela solidariedade, pelo parentesco, pelos elos de afetividades que ligam estes indivíduos, diferentemente das sociedades ditas civilizadas. Dentre os autores que colaboram com esta concepção estão Lévi-Strauss (2003), Diegues (2004) e Eagleton (2005).

• A concepção de cultura que se articula também com os significados das ações, das relações com o meio e objetos: trata-se da cultura presente no todo que o grupo vivencia, o seu comportamento e os seus significados, e não apenas nos objetos, na materialidade ou nas relações com a natureza. Esta visão é importante, pois amplia a

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visão de cultura, em função de abranger um contexto, e não apenas artefatos materiais ou outras questões mais específicas do grupo, mas o todo, incluindo questões imateriais – não palpáveis – e materiais. Esta concepção de cultura se realiza quando discutimos os significados políticos, culturais e sociais que os grupos revelam e que se alteram ao longo do tempo. Assim, nesta perspectiva, podemos compreender a cultura como mutável, pois é produzida a partir da interação entre as pessoas, os grupos, o meio. Um exemplo para esta concepção é que nós dificilmente nascemos e morremos com a mesma vivência cultural, pois os costumes se alteram ao longo da vida, de acordo com a interação com o outro. Dentre os autores que colaboram com esta concepção estão Geertz (2008) e Barth (1998).

Assim, na Geografia Cultural podemos observar que todas estas concepções de cultura influenciaram a sua construção. Contudo, esta influência foi ocorrendo em momentos diferenciados, pois quando a Geografia Cultural aparece pelas primeiras vezes, a abordagem que se faz da cultura é material, logo em seguida, já no início do século XX, a cultura que se discute é a material e também a cultura originada a partir da relação com a natureza. E, por fim, na renovação da Geografia Cultural, a cultura que buscamos estudar para ser a compreendida como o todo, isto é, como material e também imaterial, a que não podemos visualizar num primeiro momento, pois está presente nas relações estabelecidas.

Neste sentido, um geógrafo cultural de grande importância, Paul Claval (2001), destaca que a concepção de cultura na Geografia pode ser vista como:

• Relações e artefatos que são oriundos da relação com a natureza: isto é, relações religiosas e sociais construídas a partir da relação com a natureza e também instrumentos que advêm deste mesmo processo. Um exemplo claro é a relação que as comunidades tradicionais, ribeirinhos, indígenas, quilombolas, estabelecem com a natureza. Todavia, vale destacar que as relações podem ser de culto ou de apropriação da natureza. Assim, as populações urbanas e agrárias da atualidade também podem ser inseridas neste grupo (CLAVAL, 2001). A figura a seguir destaca esta realidade, pois trata de uma das 36 comunidades quilombolas do Paraná que tem na sua construção cultural a relação com a natureza, de apropriação e culto ou respeito, como ponto fundamental.

• É herança, mas também é produto da comunicação: isto é, tanto é possível que os sujeitos e/ou grupos herdem sua cultura, mas também se altere em função das relações com o outro. Como exemplo, é possível citarmos grupos culturais que migram, pois estes quando chegam ao novo local de moradia, se deparam com o outro, o diferente são praticamente obrigados a conviver com outro, conhecer o outro e esta relação acaba por alterar algumas de suas vivências trazidas da terra de origem. Logo, de sua cultura (CLAVAL, 2001).

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Fonte: Silva (2013)

Figura 1.1 | Estrutura que abriga um monjolo utilizado pela Comunidade Quilombola de São João – Adrianópolis – Paraná

• É construção e permite a projeção futura: ao mesmo tempo em que a cultura de um sujeito ou grupo está em construção em função dos encontros que este vivencia, é possível também visualizar/projetar como esta cultura poderá estar no futuro, uma vez que a cultura, como já dito, é mutável. Ela muda em função dos atores, das intenções, das articulações que estes estabelecem. Um exemplo são as identidades culturais que se estabelecem no território nacional, muitas traçam estratégias para que não se percam frente aos tempos de globalização, as quais, muitas vezes, direcionadas aos mais jovens com descendência no grupo e também aos que não possuem a descendência, mas de algum modo se aproximam da realidade cultural. Um caso concreto são os japoneses que se instalaram no Brasil, e que hoje se concentram em colônias ou grupos, como unidades culturais e territoriais, como no município de Assaí, no Paraná, e no Bairro da Liberdade, em São Paulo. Nestes grupos são comuns estratégias, como: festas, eventos, cursos voltados para os mais jovens, para que possam (re)conhecer sua cultura e fortalecer seus laços (CLAVAL, 2001).

• É um fator fundamental de diferenciação entre os povos, isto é, reunião de gestos, costumes, artefatos materiais, relações sociais que se diferenciam entre os grupos e/ou indivíduos e sua carga cultural. Este conjunto atribui características X a uma cultura, que difere da Y (CLAVAL, 2001). Por exemplo, um grupo ou um indivíduo que é oriundo de uma comunidade quilombola certamente terá gestos, costumes, discursos diferenciados de um sujeito e/ou indivíduo que advém um de um grupo migratório asiático. O conjunto de significados presente em sua vivência por logo, em sua cultura, os diferenciam. Todavia, tal diferenciação não impede que estes desenvolvam uma convivência e possam alterar

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algo em sua cultura em função desta convivência (CLAVAL, 2001).

Assim como base em todos estes elementos, podemos nos perguntar: qual destas definições seria a utilizada pela Geografia Cultural na atualidade? É o conjunto de todas elas, pois, para Claval (2001), a cultura que orienta a Geografia Cultural na atualidade reúne aspectos materiais e imateriais dos grupos, isto é, reúne os objetos, as técnicas que eles possuem em seu cotidiano, mas também os significados presentes em seus discursos ou ainda na realização destas atividades. Este todo é a cultura, que em função destes grupos estarem em contato com o outro, é mutável. Assim, é este conjunto de fatores que vai se encontrando e fazendo das culturas diferentes umas das outras.

Neste sentido, para Claval (2001, p. 53), “[...] compreender os sentidos dos lugares, o espaço vivido, o peso das representações religiosas se torna imprescindível para o estudo das culturas”, isto é, fundamental na compreensão das culturas entender sua relação com o espaço, com os lugares (CLAVAL, 1999; 2001; CORRÊA, 1999; 2007). Isto é Geografia Cultural!

Ainda nesta linha de raciocínio, Claval (2001) destaca que na Geografia Cultural este processo de compreender as manifestações da cultura no espaço passou por dois momentos que viam a cultura de modos diferentes. Um deles pertinente à primeira metade do século XX, na qual os fatos da cultural eram tratados em sua expressão material, que para o autor é “apaixonante”, mas limitado (CLAVAL, 2001, p. 36). Tal análise não permitia “[...] esclarecer a dinâmica dos comportamentos humanos” (CLAVAL, 2001, p. 36). E o outro, após 1970, que buscava compreender a cultura como um todo, material e imaterial.

Na próxima sessão, discutiremos este caminho que a Geografia Cultural faz na própria ciência geográfica, apoiada nestas alterações na visão que são propostas para a concepção de cultura.

O conceito de cultura é um conceito muito amplo, rico de definições e fundamental para muitas áreas do conhecimento, por isso, recomendamos as obras a seguir. Estas são obras de autores da antropologia que discutem o termo com mais detalhes. Boa leitura!!! Lembre-se de que na Geografia Cultural é fundamental a parceria com outras áreas do conhecimento.EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. Tradução: Sandra Castello Branco. São Paulo: Editora UNESP, 2005.GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, LTCLARAlA, R. B. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.

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O que você entende por cultura?O que você entende por cultura material e imaterial?Por que o conceito ou concepção de cultura foi sendo alterado ao longo da evolução do pensamento científico?O que estuda a Geografia Cultural, a partir do que vimos desta exposição sobre cultura?

1. De acordo com o que foi exposto até o momento, percebemos que a concepção de cultura passou por diferentes significações no conhecimento científico de modo geral. Todavia, atualmente, entende-se que este é um conceito central na Geografia Cultural, inclusive Paul Claval dedica parte do Livro “Geografia Cultural” a este tema. Neste sentido, explique:

a) As diferentes possibilidades de compreender a cultura e dê exemplos diferenciados dos que estão presentes na sessão.

2. Ainda diante do contexto discutido até o momento, disserte acerca da concepção de cultura utilizada pela Geografia Cultural na atualidade.

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Seção 2

A Geografia cultural de Ratzel a Sauer

Esta seção, por sua vez, tem o objetivo de iniciar de fato o debate acerca da Geografia Cultural no que diz respeito ao seu processo evolutivo. Para tanto, destacaremos definições, autores, correntes de pensamento desde as suas origens, no século XIX, até momentos relevantes para a consolidação dessa área do conhecimento, na metade do século XX, e as consequentes contribuições para a Geografia Cultural praticada na contemporaneidade. Os interlocutores deste debate serão Claval (2001), Corrêa e Rosendahl (2008; 2011), Corrêa (2007) e Almeida (2009).

2.1 Iniciando as discussões

De acordo com o que foi mencionado na sessão anterior, já conseguimos visualizar que a Geografia Cultural tem em sua história algumas fases que variam de acordo com o momento em que a sociedade vive e também com a visão de cultura que possui.

Deste modo, neste momento, vamos buscar compreender parte deste processo evolutivo da Geografia Cultural, desde suas origens no século XIX até sua consolidação com Sauer (1925) e a Escola de Berkeley (apud CLAVAL, 2001).

Para tanto, faço a você algumas perguntas: onde e com quem a Geografia Cultural tem sua origem? Será que também é na Europa, assim como a ciência geográfica de modo geral? Quem criou este termo? Quais são os primeiros estudiosos da Geografia Cultural? O que procuram estudar neste início?

Bom, vamos, então, buscar solucionar estes questionamentos!

As origens da Geografia Cultural datam do fim do século XIX, na Europa, em meio à discussão da identidade da ciência geográfica. Neste momento, os geógrafos se interessavam pela cultura que era tida como um “[...] conjunto de utensílios e equipamentos elaborados pelos homens para explorar o ambiente e organizar seu habitat” (CLAVAL, 2001, p. 48), isto é, eles buscavam analisar a cultura material que definia as paisagens. Logo, a transformação do meio natural pelos grupos humanos via cultura.

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Neste período, quem se destacou nestes estudos foram os europeus, mais precisamente os franceses e os alemães. Vale relembrar que é também onde a Geografia tem suas primeiras teorias.

Assim, a Geografia Cultural, ou ainda uma abordagem cultural na Geografia, se inicia na Alemanha, no século XIX, com Ratzel (apud CLAVAL, 2001). O autor menciona o termo pela primeira vez em sua obra de 1880, “A Geografia cultural dos Estados Unidos da América do Boret com a ênfase espacialmente voltada para as suas condições econômicas” (CLAVAL, 2001, p. 20). O autor, em suas pesquisas, buscou compreender os “fundamentos culturais da diferenciação regional da terra” (CLAVAL, 2001, p. 22), buscava compreender como os grupos humanos aproveitavam os lugares que habitavam, a diferença entre um grupo e outro.

Assim, a concepção de cultura utilizada por Ratzel (1914 apud CLAVAL, 2001) era a cultura material, a cultura que era possível ser visualizada na relação do homem com o meio e, na sua apropriação, tratava-se de uma dimensão mais política que cultural propriamente dita.

Neste momento, não havia menção à cultura expressa de outro modo que se não o material, pois era esta cultura que permitia a compreensão das diferenças entre os espaços, das relações entre o homem e meio.

Outros geógrafos alemães, como Otto Schluter, August Meitzen e Eduard Hahn, também discutiram a cultura material no contexto da paisagem (CLAVAL, 2001). Todavia, também tratavam de uma cultura material baseada em utensílios e técnicas e seus usos na ocupação e/ou dominação do meio (CLAVAL, 2001).

Para Claval (2001), este olhar que valorizava apenas a materialidade da cultura não abarcava os valores e as crenças embutidos nesta materialidade, o que torna a análise incompleta. Contudo, vale ressaltar que, neste período, século XIX, a visão que se tinha da cultura era esta, material, até mesmo natural, palpável. Deste modo, é neste contexto que os primeiros estudos acerca da Geografia Cultural se apresentam.

A Geografia francesa também apresenta contribuições para este início de Geografia Cultural. Como sabemos, a francesa parte de ideias postas pela Geografia Alemã, isto é, “o estudo das influências do meio sobre as sociedades humanas” (CLAVAL, 2001, p. 33). Estas contribuições pautam-se na análise dos instrumentos, artefatos materiais que os grupos utilizavam, e como isto definia os lugares (CLAVAL, 2001, p. 33). Assim, embora o objetivo de La Blache fosse a compreensão dos lugares do ponto de vista material e o que diferenciava uns lugares dos outros, percebemos que, mesmo tendo como foco o que era material, as relações produtoras destas diferenciações entre os lugares, relações que permeavam os instrumentos e técnicas, também começam a aparecer (CLAVAL, 2001). Fato que, para Claval (2001), contribui para os estudos da Geografia Cultural. Isto ocorre em função da amplitude que o conceito de Gênero de Vida oferece, pois mesmo tendo uma visão ecológica – do cultivar –, ele também

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permite uma dimensão social e ideologia, como afirma Claval (2001).

La Blache, porém, não foi único francês que deu contribuições para a Geografia Cultual, Jean Brunhes, seguidor de La Blache, também contribuiu (CLAVAL, 2001). Tais autores valorizam as realidades étnicas, isto é, a realidade vivenciada pelos grupos que se unem em função dos traços culturais e sociais comuns (CLAVAL, 2001). Pierre Deffontaines é outro francês que contribui diretamente com este olhar para a cultura que a Geografia apresenta (CLAVAL, 2001). Ele se aproxima ainda mais da etnografia, dos estudos dos grupos e das relações que se estabelecem entre eles e o meio em que vivem.

Neste sentido, vemos que os franceses contribuem diretamente para uma ampliação na compreensão e análise da cultura dos grupos, pois também interagem com outros estudos, como os etnográficos e folclóricos. Fato que revela também as relações que estão entre o homem e o meio, a cultura imaterial de que falamos acima. Logo, a cultura se amplia nos estudos que partem do gênero de vida. Todavia, vale destacar que os artefatos materiais e as técnicas ainda são muito fortes na visão que se tem de cultura neste momento.

Portanto, os franceses dão um passo à frente no que tange à abordagem da cultura dada pela Geografia alemã. Todavia, muitos teóricos da Geografia Cultural atual apontam como início, de fato, da Geografia Cultural, a proposta realizada pelos americanos, mais precisamente por Carl Sauer (1925) e a Escola de Berkeley (CLAVAL, 2001).

Embora Ratzel e La Blache estão diretamente relacionados à sistematização da ciência geográfica e do próprio histórico da Geografia Humana, alguns teóricos não indicam que nestes estudos esteja de fato um início concreto para Geografia Cultural (CLAVAL, 2001). Entretanto, outros teóricos, por sua vez, reconhecem que o estudo da cultura na Geografia parte destes geógrafos, pois aparecem com certa ênfase em suas obras.

Assim, para compreendermos este segundo momento da Geografia Cultural, no qual ela se consolida, vamos para os Estados Unidos, do início do século XX, mais precisamente na Califórnia. É lá com Sauer que a Geografia Cultural tem um marco importante neste período (CLAVAL, 2001).

É bom lembrarmos que, neste momento, na Geografia de modo geral, predominava uma escola “[...] muito preocupada com o rigor, dedicava muita atenção à coleta de dados e às representações cartográficas” (CLAVAL, 2001, p. 29). Neste sentido, a abordagem cultural na Geografia não tinha espaço. Todavia, sempre existem exceções, e foi com Carl Sauer (1925) que ela se destaca como temática de estudos norte-americanos na Geografia deste período (CLAVAL, 2001).

As teorias de Sauer (1925) são influenciadas diretamente por suas vivências, seja do

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tempo que passou na Alemanha ou da sua vivência nos EUA (CLAVAL, 2001). A obra deste geógrafo é construída, especialmente, no início do século XX e se aproxima muito da ecologia, tendo fortes influências em suas produções. Além destes fatores de influência, Sauer (1925) também tem um amigo antropólogo, relação que o aproxima dos estudos de comunidades específicas que viviam à margem do progresso (CLAVAL, 2001), sendo que sob estas dedica boa parte dos seus estudos.

Segundo Claval (2001), no que diz respeito à forma que Sauer (1925) entendia a cultura, ele a destacava em suas obras sob os aspectos materiais e também sob o olhar da relação do homem com a natureza e a influência desta na conformação dos grupos sob os espaços. Logo, tanto a ligação com a ecologia como com a antropologia ficam muito nítidas.

Assim, a obra de Sauer (1925) apresenta uma ampliação na concepção de cultura até então trabalhada na Geografia Cultural, pois não a vê apenas construída por objetos materiais oriundos das vivências dos grupos, mas também nos objetos vivos e na relação que os grupos estabelecem com estes (CLAVAL, 2001). Assim, Sauer (1925) também se estabelece como um crítico da condução deste processo sem prudência, por isso também é um crítico da sociedade norte-americana (CLAVAL, 2001). Sauer (1925) não se estabelece sozinho, o faz conjuntamente à Escola de Berkeley, que também caminha a partir de suas teorias (CLAVAL, 2001).

Nos estudos desenvolvidos por Sauer (1925) predominavam as pesquisas acerca das migrações, língua, religião, tipos de cultivos agrícolas, impactos ambientais das sociedades no espaço (CLAVAL, 2001). Enfim, as características que tornam particular e tradicional um dado grupo e a região que ocupavam, que os diferenciava dos demais. Seus estudos acabam sendo desenvolvidos apenas nos EUA.

Contudo, não apena de glórias vive a obra de Sauer (1925), pois algumas são as críticas que recebe, tanto de geógrafos ligados à Geografia quantitativa quanto referente ao materialismo histórico (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011). Tais críticas diziam respeito à ausência de características na Geografia Cultural de Sauer (1925), próprias destas correntes do pensamento geográfico, como pragmatismo e a crítica social (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011).

Mas estas não são as únicas críticas, também existiram as internas, que falavam da problemática da concepção de cultura supraorgânica trabalhada na escola americana, pois esta concepção via a cultura como uma entidade maior que os sujeitos dos grupos. Logo, é como se os sujeitos fossem condicionados a viverem neste regime de modo harmonioso e os conflitos não ocorressem por movimentações internas, mas externas. Trata-se da cultura como um elemento maior, além dos indivíduos, como algo que rege a vida das pessoas, e estas não possuem poder de ação sobre a cultura, mas ao contrário.

Independente de críticas, que sempre existem sob qualquer pesquisa, o fato

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é que a Geografia Cultural proposta pela escola de Berkeley (CLAVAL, 2001) deu contribuições para este campo de estudos na Geografia, que são visualizadas na atualidade, nos estudos desenvolvidos pela Geografia Cultural renovada.

Diante destas contribuições para a Geografia Cultural, perguntamos: Qual a diferença entre as contribuições da escola alemã, francesa e norte-americana à de Berkeley? Observamos que existe certa diferença no surgimento da abordagem cultural na escola alemã, francesa e na de Berkeley, pois na alemã e francesa tem-se uma Geografia Cultural, ou ainda, uma abordagem cultural da Geografia que ia sendo sistematizada e consolidada junto à própria Geografia Humana do período. Outra similaridade entre as duas é a forma em que a cultura era abordada, de modo reducionista para muitos, pois valorizavam o aspecto material da cultura, não observando as relações que a cercam. Enquanto que a escola de Berkeley se destaca e se diferencia, pois dedica-se com muito mais especificidade aos estudos de comunidades, grupos tradicionais e sua vivência cultural. Ainda que a valorização também fosse da materialidade da cultura, neste momento ampliam tal visão, pois inserem os elementos vivos, vegetais e animais, e a relação que os grupos desenvolvem com este.

Deste modo, para muitos, a Escola de Berkeley, junto à de Sauer, são tidos como uma primeira versão da Geografia Cultural, sob um olhar tradicional, em função da perspectiva de cultura utilizada (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011).

É bom lembrar que estas perspectivas da cultura em que os alemães, franceses e norte-americanos trabalham remetem às discutidas anteriormente, na sessão “O conceito de cultura na Geografia Cultural”. Logo, acompanham também a evolução do pensamento científico de modo geral e não apenas o geográfico.

Neste sentido, o que se percebe é que o encaminhamento dado da Geografia Cultural até o momento era dado também à concepção de cultura. Assim, a partir da alteração da concepção de cultura que advém de um processo maior de transformação, que é o processo vivenciado pela sociedade de modo geral, tem-se também as fases da Geografia Cultural, que serão destacadas na sequência.

Tanto a escola alemã quanto a de Berkeley se aproximaram muito da ecologia. Tal aproximação refletiu diretamente em suas obras e, até hoje, é uma área na qual a ciência geográfica transita. Para conhecer mais sobre estes autores fundamentais para a Ciência Geográfica e a evolução deste campo da Geografia, leia os artigos a seguir. E lembre-se de que as leituras complementares são fundamentais para

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compreender melhor os processos e sua evolução ao longo do tempo. CORRÊA, Roberto L.; ROSENDHAL, Zeny (Orgs.). Introdução à geografia cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.CLAVAL, Paul. A geografia cultural o estado da arte. In: ROSENDAHL, Zeny; CORRÊA, Roberto Lobato (Orgs.) Manifestações da cultura no espaço. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1999. p. 59-98. CLAVAL, Paul. A geografia cultural. Tradução: Luiz Fagazzola Pimenta; Margareth de Castro Afeche Pimenta. 2. ed. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2001.

Onde e com quem a Geografia Cultural tem sua origem? Será que também é na Europa, assim como a ciência geográfica de modo geral? Quem criou este termo? Quais são os primeiros estudiosos da Geografia Cultural? O que procura estudar neste início?

1. Claval (2001) destaca que o início de uma abordagem cultural na Geografia se confunde com o próprio desenvolvimento inicial da ciência geográfica. Neste sentido, explique por que esta afirmativa é correta.

2. Argumente sobre como a concepção de gênero de vida, proposta por La Blache e destacada na obra de Claval (2001), pode ter contribuído para a Geografia Cultural ou para uma abordagem cultural.

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Seção 3

A Geografia cultural da estagnação à renovação

Nesta seção o objetivo é dar continuidade as reflexões acerca da evolução da Geografia Cultural, agora no século XX, momento marcado por estagnação sucedida de acontecimentos que levaram a sua renovação. Para aritular este momento utilizaremos teóricos como: Claval (2001), Corrêa e Rosendahl (2008, 2011), Corrêa (2007), Almeida (2009).

Após as contribuições de Sauer no início do século XX, a Geografia Cultural passa por fases que de certo modo acompanham as vivenciadas pela sociedade e, também, como não poderia deixar de ser, pela própria ciência geográfica (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011).

Então, vale perguntarmos: como a Geografia Cultural é trabalhada no período da Segunda Guerra Mundial, ou ainda da Guerra Fria? Como fica a sua abordagem diante da Geografia quantitativa e, mais tarde, da Geografia Crítica? Onde ela tem seus maiores núcleos de pesquisas atualmente? Quais são as suas principais temáticas de pesquisa? Estes são alguns dos questionamentos que irão passear por esta sessão.

Esta sessão tem como objetivo apresentar a Geografia Cultural no período em que vive certa estagnação, seguido de situações que permitem a renovação da Geografia Cultural.

Autores como Claval (2001), Corrêa e Rosendahl (2011) destacam que, após o auge da Geografia Cultural, no início do século XX, que pode ser considerada como tradicional, este campo da Geografia passou por uma fase de declínio ou ainda de estagnação.

Esta fase é iniciada a partir do momento que pequena parte de geógrafos dedicava seus estudos à Geografia Cultural, principalmente em comunidades tradicionais, isoladas, como em comunidades africanas. Eles buscavam discutir esta cultura materializada que se apresentava, de certo modo, intocada nestas comunidades.

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Este tipo de estudo, um tanto etnográfico, também era desenvolvido pelos antropólogos, fato que desviava a atenção dos trabalhos dos geógrafos, especialmente dos franceses. Somava-se a isto o pouco interesse dos geógrafos, de modo geral, pela abordagem cultural, neste período, após 1940 (CLAVAL, 2001).

Além deste quadro, na Geografia tinha também um processo político, social, cultural e econômico, por qual o mundo passava a partir da década de 1950, em função da Guerra Fria, da disputa capitalista e socialista e, especialmente, da expansão do capitalismo, mais tarde da Tal processo de expansão levava a uma uniformização de costumes, modos, religiões, línguas, que não era interessante para este segmento da Geografia, o que, de certo modo, prejudicava a Geografia Cultural herdada de Ratzel, La Blache e Sauer, pois esta valorizava o estudo de comunidades particulares e os elementos que as diferenciavam, que as tornavam únicas (CLAVAL, 2001). Logo, o foco era em comunidades agrícolas, enquanto no cenário mundial, é a sociedade urbano-industrial que passa a ter destaque.

Assim, ocorria que estes estudos se encontravam numa situação de menor destaque, em função deste processo de padronização das culturas via expansão do capitalismo.

Todavia, neste período, ainda havia teóricos que se dedicavam e buscam estudar este processo de encerramento das práticas dos grupos devido à padronização ou ainda à globalização, como Jean Brunhes (CLAVAL, 2001).

Para que possamos compreender melhor este momento de declínio que a Geografia Cultural vivenciava, a fala de Claval (2001, p. 48) é muito interessante:

O interesse dos geógrafos pelos fatos de cultura era centrado no conjunto de utensílios e equipamentos elaborados pelos homens para explorar o ambiente e organizar seu habitat. A mecanização e a modernização introduzem um arsenal de maquinas e de tipos de construções tão padronizadas que o objeto de estudo é esvaziado de interesse. A Geografia Cultural entra em declínio, porque desaparece a pertinência dos fatos da cultura para explicar a diversidade das distribuições humanas.

Nesse sentido, o conceito de gênero de vida, por exemplo, passa a não ser mais suficiente para análise da realidade em questão. Assim, com a padronização dos utensílios, dos costumes, enfim, dos objetos de estudos desses geógrafos, o mesmo perde-se no contexto, pois não há mais diferenças para se estudar.

Contudo, você já ouviu falar que crise costuma funcionar como uma mola propulsora? Pois é exatamente isto o que ocorre. É esta crise que serve de impulso

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para a renovação da Geografia Cultural.

Como isto ocorre? Após 1970, soma-se ao processo de padronização ou globalização uma emergência de movimentos sociais, que tem como objetivo causar elementos que os diferenciam dos demais, que coloca os sujeitos em grupos, em nichos, ainda que sejam relativos a causas pertinentes à sociedade como um todo. Ex.: movimentos ecológicos e movimentos feministas próprios da década de 1970.

Além dos movimentos sociais, temos também um processo contraditório à padronização das culturas e economias no mundo ocidental, temos os processos de conflitos identitários, nacionalistas, que se espalhavam especialmente no fim da década de 1980. Estes grupos buscavam viver suas diferenças étnicas em territórios próprios (CLAVAL, 2001).

O que tais acontecimentos têm em comum? Ambos buscavam causas que fortaleciam diferentes identidades, diante de um processo que buscava igualar a todos.

Neste sentido, a própria questão religiosa passa por intensa fragmentação, em função dos sujeitos desejarem encontrar a si próprios diante do que igualava a todos (CLAVAL, 2001).

Assim, é interessante percebermos que, embora estejamos ressaltando as características culturais de processo contraditório de (re)fortalecimento das diferenças, o mesmo ocorre em função de aspectos econômicos e políticos. Fato que destaca que a cultura reflete a economia, e vice-versa (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011).

Diante deste contexto, a Geografia Cultural passou por um processo de renovação em função das muitas alterações nas diferentes esferas do globo, econômica, política e cultural, assim, percebemos que o objeto de estudo mudou, logo, era necessário mudar também.

Vale lembrar que esta mudança busca se apoiar em outras áreas do conhecimento, como a antropologia e nas alterações na concepção de cultura. Esta, por sua vez, passa a ser discutida também a partir do contexto que a cerca, dos significados latentes nas relações entre os indivíduos. Trata-se da perspectiva vista como todo e explorada na primeira seção desta unidade.

Assim, a Geografia Cultural, sob uma perspectiva renovada, vai se apresentando via teóricos franceses e norte-americanos. Na França, os destaques são: Paul Claval, Augustin Berque, Bonemaisson, dentre outros (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011; CORRÊA; ROSENDAHL, 2008). Nos EUA, são: James Duncan, Dennis Cosgrove, entre outros (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011; CORRÊA; ROSENDAHL, 2008).

Todavia, estas duas escolas, por assim dizer, e autores apresentam influências de La Blache e Sauer, especialmente no caso francês, pois eles se dedicam a estudos de grupos mais específicos, como os contextos culturais não ocidentais. Desta

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forma, somam-se a estas influências passadas influências diretas das teorias das representações, da fenomenologia – filosofia dos significados – e também de um materialismo cultural (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011; CORRÊA; ROSENDAHL, 2008).

Assim, as representações adquirem um peso maior, pois os significados passam a ser a palavra-chave da cultura, isto é, a cultura não é mais compreendida como elemento que explica as sociedades, mas que precisa ser explicado em sua complexidade de significados, que são materiais oriundos das técnicas, dos artefatos, da vivência dos sujeitos, mas também imateriais vindos das representações das relações que cercam os sujeitos e/ou grupos.

De acordo com Corrêa e Rosendahl (2008, p. 75):

Trata-se de um momento em que voltam à busca pelo homem nas análises, ou ainda a preocupação humanista (CLAVAL, 2001). Os primeiros trabalhos que apontam essa nova preocupação são de William Kirk (1952) que se dedica ao contexto que influi nos comportamentos (CLAVAL, 2001). Eric Dardel (1952), também desenvolveu um estudo que buscava entender, compreender as razões da presença humana na terra, um sentido à existência (CLAVAL, 2001).

Todavia, estes trabalhos são (re)descobertos neste momento de renovação, após 1970. A redescoberta é feita na América do Norte, no Canadá, mais especificamente, com Yi-Fu Tuan, que se apropria dessas ideias e se aprofunda na Geografia Comportamental (CLAVAL, 2001). Tuan busca entender questões até então ignoradas pela cultura ocidental, discutindo a ligação que as pessoas têm com os lugares (CLAVAL, 2001).

É Tuan quem propõe, em 1976, a Geografia humanista como a nova Geografia Cultural. Seria uma Geografia em que o homem e as suas percepções estão no centro dos estudos (CLAVAL, 2001). Este geógrafo apresenta alguns conceitos importantes, dentre eles:

• Topofobia: lugares de repulsão em função das relações com o lugar (CLAVAL, 2001).

Significados constitui a palavra-chave da Geografia Cultural renovada. Incorpora a tese de Cassirer (2001), de que para a compreensão da realidade social, é necessário se ir além de sua organização, constituição e estrutura, introduzindo-se os significados que dela fazem aqueles que com suas práticas sociais construíram a própria realidade. Trata-se de interpretar a espacialidade criada e seus sentidos.

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• Topofilia: lugares de atração em função das relações com o lugar (CLAVAL, 2001).

Por exemplo, um trecho de BR que direciona para a praia, para alguns pode ser um lugar de atração, pois pode representar a chegada ao lazer, logo a um lugar topofílico, no entanto, para outros que possam ter passado por maus momentos em função de acidentes neste local, poderá ser um lugar topofóbico, lugar que gera medo, repulsa.

A partir de Tuan surgem alguns seguidores como Edward Helph ou Leonard Guelke, e, também, outros autores que se apoiam em Heidgger e traduzem o mundo a partir da experiência direta dos indivíduos (CLAVAL, 2001). Impõe-se, nesse momento, sob os estudos da Geografia Cultural, a abordagem fenomenológica. Nessa abordagem destacam-se Anne Buttimer e Marwym Samuels (CLAVAL, 2001).

É bom lembrar de que a Geografia Cultural renovada apresenta também outras bases teóricas em que fundamentam seus estudos, como a antropologia, a filosofia e a etnologia. Assim, temos muitas interpretações para serem utilizadas na Geografia Cultural que devem ser colocadas no mesmo patamar de importância (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011; CORRÊA; ROSENDAHL, 2008; CLAVAL, 2001).

Neste sentido, Corrêa (2007) destaca que na Geografia Cultural renovada são produzidos trabalhos sob três influências básicas, sendo elas: a humanista, a marxista e a pós-estruturalista.

Contudo, diante destas influências, ou ainda possibilidades para olhar a Geografia Cultural, temos as temáticas de pesquisa mais específicas. Estas são destacadas por Claval (2001) e, também, são mencionadas em obras de Corrêa e Rosendahl (2011) e Almeida (2009).

São algumas delas:

• Paisagem rural como matriz cultural.

• Percepção e avaliação ambiental por parte de grupos sociais e culturais.

• Caráter simbólico de edifícios, praças, montanhas, para grupos étnicos, religiosos etc.

• Feiras enquanto uma prática cultural.

• Manifestações religiosas em sua dimensão espacial.

• Variação espacial da linguística.

• A cultura popular e suas manifestações espaciais.

• A questão dos conflitos devido a processos migratórios.

• Uso da literatura na leitura da paisagem.

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• A caracterização e delimitação de áreas culturais em meio a uma dinâmica global.

Neste sentido, a Geografia Cultural foi se expandindo para diferentes temas e também por distintas escolas de Geografia no mundo, assim como a ciência geográfica como um todo, de modo que chegou ao Brasil, mas isto é tema para a próxima seção!

Mas, antes de partimos para a próxima sessão, é preciso ficar claro que a Geografia Cultural renovada é construída a partir das contribuições da Geografia Cultural tradicional, da crise vivenciada no globo, pois é a partir das reflexões e das críticas que avançam. Assim, esta fase da Geografia cultural vai buscar compreender as manifestações culturais presentes no espaço, sejam elas permeadas pela materialidade ou imaterialidade da cultura, pela economia ou política, pela existência ou idealismo do homem. Por fim, trata-se do contexto direto e indireto que envolve as relações humanas, logo, as manifestações culturais.

Esta fase da Geografia Cultural renovada é muito rica em detalhes e tem autores de grande destaque, como James Duncan e Denis Cosgrove (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011). Assim, é fundamental a leitura de textos complementares. É fundamental bebermos direto da fonte para ampliarmos nosso conhecimento!ROSENDAHL, Zeny; CORRÊA, Roberto Lobato (orgs) Manifestações da cultura no espaço. Rio de Janeiro, EDUERJ, 1999.

CORRÊA, Roberto Lobato. Sobre a geografia cultural. Textos NEPEC, 3, 2007. Disponível em: <anpege.org.br/revista/ojs-2.2.2/index.php/anpege08/article/.../pdf5B>. Acesso em: 15 mai. 2015.

ROSENDAHL, Zeny; CORRÊA, Roberto Lobato (orgs). Geografia cultural: um século (2). Rio de Janeiro: EDUERJ, 2000.

Como a Geografia Cultural é trabalhada no período da Segunda Guerra Mundial ou ainda da Guerra Fria? Como fica a sua abordagem diante da Geografia Quantitativa e mais tarde a Geografia Crítica?

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Onde ela tem seus maiores núcleos de pesquisas atualmente? Quais são as suas principais temáticas de pesquisa?

1. Observe a citação a seguir que expõe algumas considerações sobre a Geografia Cultural.

“A Geografia Cultural deixa de ser subdomínio da Geografia humana e adquire status próprio cujo objetivo é entender a experiência dos homens No meio ambiente e social, compreender a significação que estes impõem ao meio ambiente e o sentido dado às suas vidas” (CLAVAL, 2002, p. 20).

a) A partir desta e dos conhecimentos que foram construídos, destaque o objetivo da Geografia Cultural, na atualidade, e suas características.

2. Os autores atuais que apresentam referências para os debates na Geografia Cultural, como os citados no texto acima, apontam em suas obras que a Geografia Cultural, sob um perspectiva mundial, se concentra em duas ou três fases, pertinentes à Geografia Cultural Tradicional e uma pertinente à Geografia Cultural Renovada. Deste modo, a partir da reflexão proposta, elabore um mapa conceitual que destaque e organize o processo de evolução da Geografia Cultural mundial, em suas fases tradicional e renovada, o contexto mundial e/ou geográfico, objetivos, pensadores e características de pesquisa/estudos.

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Seção 4

Geografia Cultural no Brasil

Neste momento, veremos uma discussão acerca da Geografia Cultural no Brasil, para compreender como ela se desenvolve e solidifica no cenário nacional. Para tanto, autores utilizados são: Almeida (2009), Corrêa e Rosendahl (2008; 2011), Claval (2001).

4.1 Geografia Cultural no Brasil

Como vimos até o momento, a Geografia Cultural passa a ser amplamente discutida e torna-se a área de muitas pesquisas, especialmente, após 1990. Contudo, é fato apontado por autores como Corrêa e Rosendahl (2008) que tal processo, quando se instala no Brasil, o faz sob um contexto interno e externo. Os autores também destacam que algumas ações pontuais alteram parte desta primeira afirmação.

Neste sentido, vale a pena destacarmos o processo que envolve a instalação da Geografia Cultural no Brasil, para tanto, é importante fazermos alguns questionamentos, como: Por que a Geografia Cultura chega ao Brasil apenas nos anos 1990? Quais são as principais temáticas discutidas na Geografia Cultural brasileira? Como discutir manifestações culturais/vivências na Geografia Escolar? Como é possível trazer este debate para a sala de aula, de modo que o aluno compreenda? Como é possível utilizar desta bagagem teórica da Geografia Cultural na prática como docente?

Autores destacam que o desenvolvimento tardio da Geografia Cultural no Brasil, isto é, em média 35 anos após a instalação da ciência geográfica no país, se deve a alguns motivos. Dentre eles:

• A chegada da ciência geográfica no Brasil na década de 1930 via franceses: neste período, a Geografia Cultural já estava recebendo forte destaque via Sauer nos Estados Unidos e a apropriação que se faz da Geografia francesa no Brasil, ou ainda, da Geografia vidaliana, é, sobretudo, da Geografia Regional, isto é, os estudos deste momento, no Brasil, valorizam muito os estudos das paisagens agrícolas e urbanas, que, por sua vez, enxergavam a cultura como mais um elemento da relação entre homem e natureza, nada específico ou determinante para as paisagens (CORRÊA;

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ROSENDAHL, 2008). Outro fator importante é que os geógrafos franceses que iniciam as atividades na ciência no Brasil e seus seguidores não reconhecem uma Geografia Cultural na obra de La Blache. Deste modo, neste momento em que a ciência Geografia emerge no Brasil, a abordagem cultural produzida por La Blache não é considerada, muito menos a exercida por Sauer naquele momento (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008).

• Desinteresse da Escola Berkeley pelo Brasil: Sauer e seus discípulos na América do Norte não costumavam desenvolver pesquisa ao longo de toda a América Latina. As pesquisas além dos limites norte-americanos foram realizadas apenas na proporção espanhola da região, mais precisamente no México. Todavia, houve uma exceção no caso brasileiro, com Hilgard Sterbeng. Este professor brasileiro, que atuava na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na década de 1960, era um admirador do trabalho de Sauer e mudou-se e foi ser professor na Escola de Berkeley, junto a Sauer. A tese que garantiu sua cátedra na escola fazia bem o estilo da pesquisa sueriana, ou seja, a pesquisa que busca este conhecimento do homem e o de outro elemento quase sempre natural. O título da tese foi “A água e homem na Várzea do Carneiro” (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008).

• Crescimento de outras correntes geográficas: ao logo do século XX, especialmente pós 1950, a Geografia brasileira foi marcada por correntes geográficas bem definidas. Neste período, duas possuem destaque, a quantitativa e a crítica. Em ambas as culturas era vista de modo muito específico e não se aproximava das análises realizadas em outros campos do conhecimento, como a antropologia, que mais tarde viria a subsidiar a virada na Geografia Cultural. Todavia, as definições também não se aproximavam da chamada Geografia Cultural tradicional. Assim, na Geografia Quantitativa, a cultura era informação, não era elemento importante para explicação de fenômenos, sendo apenas variável para compor análises e interpretações. Já na Geografia Crítica, a cultura seria influenciada ou determinada pela base econômica, logo, esta última deveria receber estudos (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008).

É certo que existiram algumas exceções na produção da Geografia Cultural brasileira no período de 1930 até 1980, como a própria abordagem humanista realizada em 1970 por Lívia de Oliveira, com a chamada Geografia Comportamental (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008). Contudo, em função do contexto descrito acima, ela não recebeu destaque nacional naquele momento.

Assim, sabemos que a Geografia Cultural no Brasil chega de fato após 1980 e vem influenciada por um contexto incialmente externo. Segundo Corrêa e Rosendahl (2008), trata-se de um contexto marcado por:

• A renovação da Geografia Cultural que ocorre nos EUA a partir de 1970, com geógrafos como Cosgrove, Jackson e Duncan: este último faz criticas à obra de Sauer e os debates estabelecidos por este teórico, entre outros, permite que haja

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a adoção de outra concepção de cultura (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008), agora compreendida como contexto. Como já vimos na seção anterior, trata-se da cultura como sendo fruto das relações sociais e não mais como um elemento maior que os grupos, como na visão supraorgânica, mas como produto dos grupos, das suas vivências. E, por isso, por ser fruto das relações sociais, é mutável. Liberta-se então da visão exclusivamente material (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008).

• A diversidade metodológica vivenciada por esta Geografia Cultural anglo-saxônica: buscou bases para desenvolver suas pesquisas em outras áreas do conhecimento, como na antropologia, nas ciências sociais, na filosofia e na linguística, o que permitiu diferentes olhares para os fenômenos. Dentre as abordagens relativas ao passado, a Geografia Cultural renovada ainda inclui a saueriana, que ainda possui discípulos e a francesa, oriunda das produções de La Blache, que tem como grande expoente, inclusive no Paul Claval (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008).

• A valorização dos significados: significado foi adotado como palavra-chave para este momento da Geografia Cultural, uma vez que, na atualidade, é comum a apresentação de símbolos com muitos significados diferentes. Os lugares costumam adquirir esta característica, isto é, um lugar com muitos significados, que são produzidos de acordo com as vivências, é denominado como polivocal, por exemplo, uma praça ou uma grande avenida pode ter diferentes significados. Estes irão depender das relações que se colocam ali em um determinado momento (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008). Ex.: Av. Paulista, em São Paulo, para empresários, funcionários e autônomos que trabalham nesta avenida, os significados desta são relativos ao mundo do trabalho, à labuta diária. No entanto, já para os moradores da avenida ou de suas imediações, representa um espaço de lazer, ou mesmo de vivências relacionadas à moradia, ao lar. Trata-se de significados diferenciados que habitam um mesmo lugar e permitem interpretações diversas.

É sob este contexto, bebendo de todas estas fontes e debates, que a Geografia Cultural renovada, ou nova Geografia Cultural, chega ao Brasil a partir dos anos de 1980, 1990.

Ela vai sendo introduzida via artigos e defesa de teses, como o artigo de Corrêa, em 1989, acerca de Sauer e a Geografia Cultural. Na sequência, tem-se a tese de Rosendahl, em 1994, acerca da Geografia da Religião. Tais fatos combinam-se e estes geógrafos, juntos, fundam o NEPEC – Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Espaço e Cultura (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008). Este fica situado no Rio de Janeiro e tem como objetivo discutir e produzir acerca das relações entre espaço e cultura. Em seguida, como fruto do núcleo e da parceria, é criado, em 1995, o periódico Espaço e Cultura, que se destina a publicações relativas a estas relações entre espaço e cultura (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008). Tal periódico é fundamental para a sistematização e publicação da Geografia Cultural entre os geógrafos brasileiros, uma vez que o periódico gera, além das inúmeras publicações relevantes à pesquisa,

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uma coleção de livros da Geografia Cultural, que trazem publicações nacionais e geógrafos da Geografia Cultural anglo-saxônica e francesa (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008).

Demais publicações em diferentes regiões do Brasil vão fortalecendo a Geografia Cultural, como as produzidas por Maria Geralda de Almeida, Werther Holzer, João Batista de Ferreira Melo, entre outros, que passam a compor os trabalhos pioneiros na Geografia Cultural renovada do Brasil (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008).

A partir deste período, as produções da Geografia Cultural no Brasil só vêm aumentando, assim como a criação de núcleos, de grupos de pesquisa e estudos e linhas de pesquisa em programas de pós-graduação. Tais criações foram fundamentais para seu destaque no cenário nacional (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008).

Corrêa e Rosendahl (2008) destacam que, dentre as publicações realizadas no país nas décadas recentes, os temas que mais se destacam são: religião, história e biografias e festas, com cerca de 40% das pesquisas.

Com relação à temática da religião, são realizadas pesquisas com temas como: territorialidade e difusão espacial das igrejas ou religiões, centros de peregrinação, como o Santuário de Aparecida, em Aparecida do Norte – SP, por exemplo (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008).

Nestes temas, as abordagens são diferenciadas, como foi mencionado anteriormente, a Geografia Cultural renovada apresenta uma pluralidade metodológica. Deste modo, a abordagem de tais fenômenos espaciais e culturais pode ser, sob o olhar humanista, da fenomenologia ou outra base filosófica, como existencialismo ou idealismo, ou ainda materialista histórica (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008).

No caso da Geografia da Religião, nome dado a esta área do conhecimento geográfico, tratam-se de pesquisas e debates anteriores a esta fase da renovação. Pierre Deffontaines (1948) é considerado um pioneiro com sua obra Geografia e religião na qual destaca a questão dos signos que a religião imprime nas paisagens, além de destacar: “[...] se influi sobre o povoamento, modela centros históricos das cidades e cria espaços para a morte” (CLAVAL, 2001, p. 45). Deffontaines destaca-se por se debruçar sob o fato religioso no que tange à influencia para a modificação no espaço e não sobre a fé ou dogmas colocados pelas religiões (CLAVAL, 2001).

Outros nomes anteriores à década de 1970 também surgiram: discutindo religião sob esta abordagem cultural na Geografia, como: Xavier de Planhol (1957), que trabalhava com a questão dos fundamentos religiosos da Geografia do mundo islâmico; David Sopher (1967), que também se dedicou aos estudos da Geografia vinculados à religião, discutindo também temáticas relativas a organizações religiosas (CLAVAL, 2001).

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Com relação à temática das festas, percebemos que se trata do estudo de festas religiosas, mas também não religiosas, além de manifestações de grupos específicos. Neste caso, alguns trabalhos buscam compreender os impactos das manifestações culturais populares na dimensão espacial. Para tanto, também é possível utilizar diferentes embasamentos metodológicos para orientar a pesquisa.

Outros temas também aparecem na produção brasileira da Geografia Cultural, são eles: literatura; música; paisagem cultural; identidade territorial; gênero e sexualidade, entre outros (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008). Inclusive, alguns destes temas já são postos, por alguns grupos, como campos da Geografia, assim como é o caso da Geografia do gênero e da sexualidade e da própria Geografia da religião.

A seguir, alguns títulos seguidos de autores, locais de produção e tipo de pesquisa que exemplificam as áreas e/ou temáticas mencionadas.

Quadro 1.1 | Pesquisas na Geografia Cultural que ilustram a variedade de temáticas

Continua

Titulo Autor Local de Produção Tipo de pesquisa

LITERATURA E CIDADE: UMA LEITURA GEOGRÁFICA DA OBRA DE ITÁLO CALVINO.

Janaina de Alencar Mota e Silva

Universidade Estadual de Londrina / 2004

Monografia - Trabalho de Conclusão de Curso

PROSTITUIÇÃO E ESTRUTURAÇÃO DE UMA ESPAÇO DE RESISTÊNCIA FEMININA NO JARDIM BOM RETIRO EM PONTA GROSSA-PR

Ana Cláudia Soistak;Luciane do Rocio Moura Martins; Thiago Barbosa Taques.

Universidade Estadual de Ponta Grossa / 2009

Monografia - Trabalho de Conclusão de Curso

O ENCONTRO DE TERRITORIALIDADES NA DIÁSPORA: JAPONESES E NORDESTINOS EM ASSAÍ-PR.

Carla Holanda da SilvaUniversidade Federal do Paraná / 2008.

Dissertação de Mestrado

QUILOMBOLAS PARANAENSES CONTEMPORÂNEOS:UMA IDENTIDADE TERRITORIAL AGENCIADA?UMA ANÁLISE A PARTIR DO EXEMPLO DE ADRIANÓPOLIS NO VALE DO RIBEIRA PARANAENSE

Carla Holanda da SilvaUniversidade Federal do Paraná / 2013

Tese de doutorado

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OS “MUNDOS” RURAL E URBANO: RELAÇÕES E INTERAÇÕES A PARTIR DO COTIDIANO DA COMUNIDADE DE SÃO JOÃO NO VALE DO RIBEIRA-PR.

Ana Paula Aparecida Ferreira Alves.

Universidade Estadual de Ponta Grossa / 2011

Dissertação de Mestrado

Deste modo, é possível notarmos que a Geografia Cultural, de modo geral, é plural, ampla e no Brasil não foi diferente. Pelo contrário, ela foi sendo produzida a partir de influências externas da Geografia Cultural, do encontro com outras áreas do conhecimento e também considerando as especificidades internas, vindas dos fenômenos a serem estudados e do próprio histórico da Geografia no Brasil (ALMEIDA, 2009; CORRÊA; ROSENDAHL, 2011; CORRÊA; ROSENDAHL, 2008; CLAVAL, 2001).

Neste sentido, é fundamental ao geógrafo ou licenciado em Geografia ter conhecimento desta área do conhecimento geográfico, pois o elemento cultura, ou ainda abordagem cultural, é fundamental para explicar com mais completude os fenômenos espaciais aos alunos e humanizá-los.

Assim, já existem algumas produções dedicadas a fazer esta análise da contribuição da Geografia Cultural para o ensino de Geografia ou ainda como abordagem cultural pode ser introduzida neste processo e resultados que podem apresentar.

Assim, pretendemos neste momento discutir, a partir de reflexões como a de Castro (2008), entre outros, e apresentar possibilidades de contribuições entre a Geografia Cultural ou mesmo a abordagem cultural e o Ensino de Geografia, posto que entendemos que as contribuições são efetivas, uma vez que a Geografia Cultural possibilita que o homem na sua dimensão cultural seja compreendida e como esta dimensão manifesta-se no espaço.

Todavia, também se entende que existem dificuldades em encontrar prática ou caminhos que auxiliem no processo de fazer com que o aluno compreenda manifestações culturais em uma escala mais ampla. Por exemplo, a relação que os indianos têm com o Rio Ganges, pois tratam-se de manifestações culturais distantes das vividas pelos alunos, que são permeadas por visões de mundo também distantes, o que permite o estabelecimento de pré-conceitos.

Neste sentido, é possível fazer alguns questionamentos: Como discutir manifestações culturais/vivências na Geografia Escolar? Como é possível trazer este debate para a sala de aula, de modo que o aluno compreenda? Ou ainda, como é possível utilizar desta bagagem teórica da Geografia Cultural na prática como docente?

Tais questionamentos serão respondidos na sequência, contudo, o primeiro item

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a saber é que a Geografia Cultural ou a sua a abordagem, o ensino de modo geral, permite compreender como as pessoas vivem sobre a terra, suas experiências e significados.

Deste modo, entendemos que, se utilizado junto aos instrumentos e estratégias metodológicas adequadas, esta abordagem pode permitir que o aluno compreenda tais vivências, inclusive a partir do olhar do outro, de modo que algumas barreiras ou conceitos pré-adquiridos possam ser desconstruídos.

Em função das leituras de Castro (2008), percebemos que a abordagem cultural pode ser inserida na escola sob diferentes caminhos, contudo, independente da estratégia e/ou instrumentos, estes devem buscar explorar as significações das manifestações, das vivências dos indivíduos e/ou grupos.

Para tanto, Castro (2008) destaca que é fundamental romper com visões eurocêntricas, com ações de dominação que se colocam sob as práticas culturais, locais e regionais, práticas que acabam por minar a vivência cultural local.

Um exemplo muito comum e citado por Castro (2008) é que nas escolas é prática cotidiana comemorar ou realizar atividades na data de Halloween, todavia, poucas ou quase inexistentes são as atividades que fazem menção a festividades ou mitos, mitos relativos à cultura africana ou indígena, posto que, muitas vezes, estas manifestações são vistas com pré-conceitos, sob visões pejorativas.

Neste sentido, entendemos que não é interessante que se crie a valorização de algumas manifestações e marginalização de outras. Fato que é já realizado pela mídia e, muitas vezes, (re)afirmado por professores e materiais didáticos (CASTRO, 2008). Quando você observa um livro didático, você percebe um destaque para a cultura de continentes e países tidos como marginais, no processo de desenvolvimento econômico e político, como África e alguns países da Ásia como Índia, Malásia, ou ainda do Oriente Médio, Paquistão, por exemplo? Se observar, ainda que rapidamente, irá perceber que este processo ocorre e é muito comum ao longo das diferentes coleções de livros didático. Tais realidades não ocidentais e não participantes dos grupos dos colonizadores tendem a ser expostas carregadas de estereótipos que desprezam a cultura local, a visão do indivíduo ou grupo acerca do mundo e das suas próprias manifestações.

Para sanarmos tal realidade, é necessário explorá-las sob uma perspectiva revitalizadora de significados, de acordo com Castro (2008). Um exemplo é quando trabalhamos com a Ásia, é possível não apenas explorar as manifestações de países de destaque como o Japão, mas também de outros países que possuem manifestações amplamente ricas, como a Índia. E, neste sentido, buscar via imagens, leituras e documentários compreender ou trazer para o debate com os alunos as significações das manifestações lá vividas.

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Assim, Castro enfatiza que é preciso romper com a visão de safari, muitas vezes predominante nas aulas de Geografia. Visão na qual buscamos compreender a cultura de um grupo a partir das descrições, especialmente do que é material, do visível, de modo que apelamos para uma visão restrita de cultura.

É preciso ir além, buscar os significados do que é descrito, das representações para os sujeitos e/ou grupos, pois é olhando o outro a partir deste olhar também do outro, ou ainda com profundidade, que é possível romper com visões pré-estabelecidas.

A fim de que tal processo seja realizado, a utilização de filmes, documentários e músicas é fundamental, pois permite uma conexão mais representativa, pois aciona outros sentidos que não os refere à leitura ou às aulas expositivas. Conectam de modo mais intenso o aluno e a realidade do outro.

Para tanto, Castro (2008) sugere algumas obras que podem auxiliar nesta abordagem cultural. Estas obras e as possiblidades de exploração seguem no quadro 1.2.

Quadro 1.2 | A abordagem cultural nas aulas de Geografia: algumas possibilidades a partir das ideais de Castro (2008)

Recurso Conteúdo / Temática Abordagem Cultural

Filme Armagedon- Hegemonia da cultura americana.

- Analisar criticamente a posição dos EUA como “dono do mundo”.- Analisar esta posição diante das manifestações culturais atuais.- Discutir a inserção de palavras de língua estrangeira no cotidiano, como: Shopping Centers / Fast Food, isto é, a americanização da cultura ou ainda a supervalorização da cultura americana.

Filme Inferno de Dante

- Vulcanismo.- Vulnerabilidade do homem diante da força da natureza.- Apropriação da Natureza.

- Discutir a relação dos diferentes povos com a natureza.- Analisar o vulcão em outras culturas, como o sagrado, por exemplo, como é cultuado por alguns povos africanos como a Morada dos Deuses.- Romper com a visão eurocêntrica, avistando diferentes perspectivas.

Ex.: Música Planeta Água

- Uso da água- Problemas referentes ao mal uso- Transposição do Rio São Francisco

- Apresentar e discutir a importância da água para alguns povos, como o caso dos rios Sagrados.- Discutir o desvio de rios sagrados e seus impactos na cultura local.

Continua

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Diante de tais proposições, percebemos que inúmeras são as possibilidades para prover a leitura e a discussão de conteúdos geográficos sob outras perspectivas que não apenas as econômicas e as políticas. Essas perspectivas permitem descontruir leituras eurocentrizadas do mundo, em que as realidades locais não são exploradas.

O professor de Geografia deve transitar entre as leituras, os debates centrais e periféricos. Todavia, para tanto, é necessário além do domínio de conteúdo e instrumentos, recursos diferenciados que caminhem além do livro didático. É preciso de uma concepção ampla acerca da cultura e dos seus processos. Além de interações com demais disciplinas do currículo básico, como destaca Castro (2008).

Neste sentido, fica claro que, para propor uma abordagem cultural nas temáticas e práticas do ensino de Geografia, é preciso disposição e compreensão por parte do professor, a fim de desejar propor também para o aluno uma ampliação da sua visão de mundo, a partir do olhar do mundo do outro, com o olhar também do outro. Logo, é possível uma humanização maior deste aluno, também a partir das discussões geográficas.

Músicas “Cidadão” e “Triste partida”

- Migrações- Segregação sócio espacial- Dinâmica da sociedade capitalista - Mudanças na dinâmica de migrações no Brasil

- Compreender as relações dos migrantes com novo território.- Discutir as perdas e ganhos culturais.- Discutir os processos de (re) construções de laços, via festas que reproduzem a cultura local, como as festas ou ainda as feiras nordestinas nos grandes centros. - Apresentar e discutir a diversidade linguística e o encontro dela nos grandes centros;

Trabalho de Campo na área urbana, com enfoque em monumentos, nomes de ruas e praças.

- Processo de urbanização. - Relações políticas estabelecidas.- Territórios urbanos.

- Analisar o contexto cultural das construções e apropriações sob o território.- Verificar as relações de poder implícitas via construções, monumentos, praças nomes de ruas.- Analisar o uso dos espaços pelos grupos pertencentes à cidade.

Fonte: Castro (2008)

Neste para saber mais, propomos, além da leitura de uma das obras utilizadas para esta reflexão, a leitura de materiais que te levem a conhecer um pouco mais sobre as comunidades quilombolas no Brasil e Paraná, uma vez que este é um tema muito rico para ser explorado pela Geografia cultural, seja na pesquisa ou no ensino.

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Boa Leitura!

CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny. A geografia cultural brasileira: uma avaliação preliminar. Revista da ANPEGE. v. 4, p. 73-88, 2008. CARRIL, Lourdes. Quilombo, favelas e periferia: a longa busca pela cidadania. São Paulo: Editora Anablume/Fapesp, 2006. SILVA, Carla H. Quilombolas paranaenses contemporâneos: uma identidade territorial agenciada? Uma análise a partir do exemplo de Adrianópolis no Vale do Ribeira paranaense. 2013. Tese (Doutorado em Geografia). Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013.Acesse também o site Koinonia, lá você irá encontrar vários vídeos sobre comunidades do Brasil! É um material muito rico. Acesse em: <http://www.koinonia.org.br/visoes_quilombolas/>. Acesso em: 15 mai. 2015.

Por que a Geografia Cultural chega ao Brasil apenas nos anos 1990?Quais as principais temáticas discutidas na Geografia Cultural brasileira?Como discutir manifestações culturais/vivências na Geografia Escolar? Como é possível trazer este debate para a sala de aula, de modo que o aluno compreenda? Como é possível utilizar desta bagagem teórica da Geografia Cultural na prática como docente?

1. Corrêa e Rosendahl (2008, p. 73) destacam que “A despeito da Geografia acadêmica brasileira ter sido criada em 1924, com a implantação do curso de Geografia e História NE Universidade de São Paulo, foram necessários 60 anos

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2. Realize a escolha de um conteúdo e/ou tema do livro didático de sua preferência e apresente uma proposta de abordagem cultural para a discussão dele. Para tanto, destaque:

• Tema/conteúdo.

• Objetivo da proposta.

para que a Geografia cultural fosse reconhecida, e ainda assim por poucos geógrafos. E, este subcampo já tinha longa história na Europa e nos Estados Unidos, tendo se desenvolvido a partir de 1890”. Os autores, no trecho acima, iniciam um debate acerca do desenvolvimento tardio da Geografia Cultural no Brasil. Neste sentido, assinale com V para verdadeiro e F para falso sobre os argumentos que seguem acerca da Geografia Cultural no Brasil.

( ) A Geografia Cultural no Brasil apresenta pesquisas apenas após 1990, em função de diferentes motivos. Dentre eles: desinteresse das produções da Escola de Berkeley pelo Brasil; eventos geográficos realizados no Brasil que não valorizavam a temática; apego à Geografia francesa; destaque de correntes geográficas, como a quantitativa e a crítica.

( ) Os fatores externos que incentivam o desenvolvimento da Geografia Renovada no Brasil são: o contexto de diversidade metodológica nas ciências humanas como um todo; a adoção dos significados para compreender as espacialidades criadas pelos indivíduos; a inserção da dimensão da política nos estudos culturais.

( ) Alguns momentos específicos marcam o início da Geografia Cultural Renovada no Brasil, como: a defesa de algumas teses na área, especialmente discutindo a espacialidade de religiões; traduções de obras importantes; a criação de periódicos específicos e de núcleos de pesquisa pelo Brasil.

( ) Embora a Geografia Cultural no Brasil tenha se iniciado tardiamente, atualmente trata-se de uma das área ou subcampos da Geografia que mais produz, superando campos já tradicionais da pesquisa geográfica, como Geografia Urbana.

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• Encaminhamentos metodológicos para uma abordagem cultural.

• Apresente e discuta com a sala de aula ao final da realização.

Vimos, ao longo desta unidade, que a Geografia Cultural se revela como um campo rico da ciência geográfica, pois permite a compreensão das manifestações culturais presentes no espaço geográfico. Todavia, o seu estudo exige a compreensão de inúmeros conceitos, como o de cultura e a leitura de reflexões de outras áreas do conhecimento, como antropologia, por exemplo.

Assim, diante deste contexto próprio da Geografia Cultural, nesta unidade tínhamos como objetivo compreender a história, a evolução e as possibilidades de aplicabilidades da Geografia Cultural na pesquisa e no ensino, diante da ciência geográfica.

Para que conseguíssemos atingir o objetivo, nós fizemos um caminho interessante sobre a história do pensamento geográfico e da própria evolução da sociedade.

Iniciamos este caminho com a apresentação do conceito de cultura sob os seus diferentes olhares, que contribuíram diretamente para a Geografia Cultural em suas diferentes fases. Na sequência, chegamos ao conceito de cultura proposto e utilizado pela Geografia Cultural, tanto em sua fase considerada tradicional como a renovada.

Neste momento, é fundamental que você tenha compreendido que, num primeiro momento da Geografia Cultural tradicional, a concepção que se tinha para a cultura era mais reducionista, pois se limitava às técnicas e aos instrumentos que os grupos possuíam, isto é, a cultura material. Num segundo momento de renovação da Geografia Cultural, a concepção de cultura se amplia e passa a ser vista além da material, agora englobando os significados presentes nas relações, nos símbolos. A cultura é entendida como mutável e fruto das relações sociais.

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Em seguida, iniciamos a trajetória pela evolução da Geografia Cultural, passando pelos seus primórdios, no fim do século XIX e início do século XX, com Ratzel, Lablache e Sauer. Também vimos a sua estagnação e uma possível crise, que é a mesma que serve de propulsão para o seu ressurgimento e consolidação que ocorre especialmente a partir da escola francesa e norte-americana. Todos estes fatos no século XX.

Chegamos, então, à Geografia Cultural no Brasil, neste momento buscamos compreender como ela chega ao Brasil e por que apenas no fim dos anos 1980 e anos 1990, mais precisamente. Neste momento, é importante que você tenha compreendido o histórico da Geografia Cultural brasileira que, é marcado, no início, por teóricos, trabalhos e núcleos de pesquisa pontuais e, depois vai, se expandido e, também, ter ciência da grande possibilidade de temas para o estudo neste campo do conhecimento.

Por fim, trouxemos para o debate a possibilidade de utilizar toda esta discussão teórica e acadêmica no ensino de Geografia na prática docente cotidiana, posto que acreditamos que esta abordagem também é muito rica para a Geografia Escolar, pois pode auxiliar na apresentação do mundo e no olhar para o outro. Logo, na humanização dos nossos futuros alunos.

Esperamos que esta unidade tenha auxiliado você a compreender melhor este campo do conhecimento geográfico e se interessar em desenvolver pesquisa na área! Para ampliar seus conhecimentos, seja para o desenvolvimento de pesquisas e/ou aprofundamento nos estudos, é preciso que você leia os textos complementares ou pelo menos capítulos, partes deles e também busque outros materiais em livros e periódicos, inclusive disponíveis na internet. Além de perguntar sempre! Se você encontrou um material, um artigo ou resumo científico interessante e ficou com dúvidas, envie um e-mail ao autor para solicitar maiores esclarecimentos. É sempre bom fazer estas trocas!

Bons estudos!Carla

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1. A Geografia Cultural é uma área ou subcampo da Geografia que tem adquirido destaque nas pesquisas brasileiras nos últimos anos. Deste modo, aponte e comente o objetivo desta área da Geografia na atualidade e suas características.

2. Explique as diferenças na concepção de cultura discutidas por alemães e franceses e pelos norte-americanos, mais precisamente por Sauer e a escola de Berkeley.

3. Aponte os motivos que fizeram Sauer ser considerado um importante precursor da Geografia Cultural tradicional.

5. Elabore um mapa conceitual que apresente, sob uma organização cronológica, a evolução da Geografia Cultural de Ratzel, a Renovação.

4. Para Castro (2008, p. 71-72), “A partir, sobretudo dos anos 1990, tem se notado um expressivo crescimento de pesquisas e estudos relacionados à Geografia Cultural e suas múltiplas abordagens. Dentre as temáticas que podem ser trabalhadas sob o enfoque cultural da Geografia podem-se citar as religiões, as festas populares e a diversidade de povos do planeta [...] Na atualidade, nota-se, no entanto, que nos espaços educacionais do ensino básico falta uma maior valorização e, uma maior consistência metodológica para as abordagens da vertente cultural da Geografia”. Diante desta fala de Castro (2008) e das discussões realizadas no início do segundo bimestre, elabore um pequeno texto, com, no mínimo, 10 e, no máximo, 20 linhas, que aborde, de modo dissertativo, os seguintes questionamentos:

- Quais as contribuições da abordagem cultural para o ensino de Geografia?

- O que é preciso para inserir a abordagem cultural no ensino de Geografia?

- Quais os motivos que levam ao não emprego ou uso desta abordagem cultural no ensino de Geografia?

- Aponte brevemente um encaminhamento/atividade que faça uso da abordagem cultural no ensino de Geografia.

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Referências

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CARRIL, Lourdes. Quilombo, favelas e periferia: a longa busca pela cidadania. São Paulo: Editora: Anablume/Fapesp, 2006.

CASTRO, Jânio Roque Barros de. Desafios e Potencialidades da Geografia Cultural nos espaços educacionais: uma abordagem reflexiva e propositiva. In: Ateliê Geográfico. Goiânia, n. 3, v. 2, p. 71-88, dez. 2008.

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CORRÊA, Roberto L.; ROSENDHAL, Zeny (Org.). Introdução à geografia cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

CORRÊA, Roberto Lobato. Sobre a Geografia Cultural. Textos NEPEC, 3, 2007. Disponível em: <anpege.org.br/revista/ojs-2.2.2/index.php/anpege08/article/.../pdf5B>. Acesso em: 28 jun. 2015.

CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny. A geografia cultural brasileira: uma avaliação preliminar. Revista da ANPEGE, v. 4, p. 73-88, 2008.

CLAVAL, Paul. Autour de Vidal de la Blache. Paris: CNRS Èditions, 1993.

CLAVAL, Paul. A geografia cultural o estado da arte. In: ROSENDAHL, Zeny; CORRÊA, Roberto Lobato (Org.) Manifestações da cultura no espaço. Rio de Janeiro, EDUERJ, 1999, p. 59-98.

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DIEGUES, Antonio Carlos. As populações tradicionais: conflitos e ambigüidades. In: O mito moderno da natureza intocada. 5. ed. São Paulo: NUPAUB-USP, 2004. p. 66-88.

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GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

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Unidade 2

PAISAGEM, CULTURA E SIMBOLISMO

Seção 1 | A trajetória conceitual do termo paisagem na Geografia

Seção 2 | A paisagem cultural e o movimento de interiorização da paisagem

Objetivos de aprendizagem:

Nesta Unidade você vai identificar e compreender as diversas possibilidades de sentido do termo paisagem dentro da Geografia e, principalmente, na Geografia Cultural. Você será convidado a contemplar os diferentes momentos, dentro do pensamento geográfico, que conformaram interpretações distintas da noção de paisagem. Você também será incentivado a refletir sobre as dinâmicas culturais humanas, assim como a considerar as muitas configurações espaciais denotadas pela ideia de paisagem cultural.

Clevisson J. Pereira

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Introdução à unidade

As relações entre Paisagem, Cultura e Simbolismo são múltiplas e variadas. Mas como elas transparecem dentro da dinâmica geográfica? Com certeza também de uma maneira plural. Sem dúvida, uma das melhores estratégias para entendermos como a paisagem e a cultura humana se entremeiam é analisando o próprio termo “paisagem”. Outro passo mais ousado seria tentar captar o conceito de paisagem e a partir dele buscar evidências da cultura humana. Porém, será que tais evidências estão lá nas paisagens?

Ainda que as respostas pareçam evidentes, é trabalho do geógrafo investigar e, de maneira cuidadosa, refletir sobre tais interações. Assim, mesmo com ou sem respostas, devemos nos lançar nesta empreitada a fim de desvelar as conexões culturais entre paisagens e significações humanas.

Para isso, vamos abordar neste capítulo basicamente duas grandes seções temáticas: uma sobre “a trajetória conceitual do termo paisagem na Geografia”, que irá explorar como a ideia de paisagem foi pensada, construída e reconstruída em diferentes momentos na ciência geográfica, e outra sobre “a paisagem cultural e a interiorização/internalização da paisagem”, tencionando a questão de como a Geografia Cultural se valeu da terminologia paisagem cultural em diferentes contextos. Como você perceberá, a paisagem é um termo caro para a ciência geográfica e isso não somente pela sua capacidade de sintetizar a dimensão física com a dimensão humana, mas, sobretudo, por sua fertilidade conceitual e operacionalidade. Assim, com estes dois grandes temas, certamente teremos um panorama geral das muitas possibilidades de interação entre paisagem, cultura e simbolismo.

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Seção 1

A trajetória conceitual do termo paisagem na Geografia

Para contextualizar o termo paisagem a partir do senso comum e de uma base etimológica, lançamos a discussão, inicialmente, mostrando como concepções além do âmbito geográfico permeiam o consciente social. Seguimos destacando como a superação paradigmática na ciência, com o racionalismo, possibilitou olhares para campos explicativos mais abrangentes e não emoldurados por ideais teológicos. Nesse contexto, o termo paisagem desponta como figurante excepcional na trama não só epistemológica, mas também socioespacial que envolve a trajetória da Geografia.

Em princípio, a noção de paisagem, como recorte espacial contendo objetos fixos e ordenados, não foi suficiente para abarcar todas as possibilidades do espaço analisado pelos estudos geográficos ao longo de sua trajetória, o que resultou na busca de outros caminhos conceituais para ampliação do termo. A paisagem, que era tida inicialmente apenas como espaço territorial, mais ou menos definido, ligado ao campo visível do espaço terrestre, alcança compreensões maiores ao adotar definições em que predomina uma visão mais sistêmica e, posteriormente, mais subjetiva do local.

Nesse sentido é que propomos uma breve abordagem de como as diferentes linhas de pensamento da Geografia entenderam e trabalharam com o conceito, por vezes categoria , paisagem.

1.1 Olhar inicial sobre o termo

Antes de começar uma discussão sobre o conceito paisagem, faz-se necessária uma contextualização de fundo etimológico e de senso comum do referido termo. Nesse sentido, paisagem pode significar:

i. Imagem que representa a vista de um setor natural; superfície terrestre, relevo de uma região em seu conjunto produzido ou modificado por forças geológicas; território ou parte da superfície terrestre que a vista pode observar simultaneamente incluindo todos os objetos discernidos.

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1No presente trabalho utilizamos frequentemente os termos conceito e categoria como sinônimos, embora

saibamos que, dentro da discussão filosófica, ambos em muito se distinguem, porém não é intenção discutir as

diferenças entre os termos, mas sim evidenciá-los apenas como construções cognitivas.

ii. Conjunto da superfície terrestre abarcado num lance de vista, ou seja, conhecimento objetivo e visível da natureza.

iii. Lance de vista que observa de um ponto alto um conjunto de elementos (incluindo, aqui, as formas resultantes da associação do homem com os demais elementos da superfície terrestre).

Enquanto objeto de conhecimento científico, a paisagem, al. landshaft, in. landscape, fr. paysage, desenvolve inúmeros conceitos e abordagens no decorrer do século XX, principalmente, dentro da Geografia. Porém, antes de olhar diretamente para as dinâmicas epistemológicas de âmbito geográfico, precisamos contemplar como a ideia paisagem deixou o ranço religioso para alcançar o patamar de categoria científica.

1.2 O termo paisagem e o olhar científico

1.3 Geografia e Paisagem

A ideia ou conceito de paisagem, que remonta à Idade Média e, posteriormente, à Renascença, surge como termo descritivo da imagem da natureza – representação do espaço visível – vista através do olhar e expressa na tela do pintor (séculos XV a XVIII), tal representação parte da consciência do sujeito (pintor), que se distancia do objeto observado (natureza). Nesse sentido, desde o início da utilização do referido termo deu-se muita ênfase ao valor estético da representação de determinado “recorte espacial” visível, que era expresso principalmente pela pintura – neste período predominando representações idealizadas do “real”. Tais representações eram respondidas e integradas, predominantemente, sob o ponto de vista religioso, em que caberia ao ser humano contemplar e descrever a criação divina.

A ideia de “paisagem” acompanhou as mudanças paradigmáticas ocorridas nas ciências. Dentre tais mudanças, a principal foi, ao menos num primeiro momento, com o racionalismo, a dissociação entre natureza e divino. Esta alteração tornou a paisagem natural objeto de conhecimento e legitimou sua manipulação e transformação pelo ser humano. Visto que agora não mais explicações teológicas ditavam o saber, caberia ao homem, sob um viés laico, explorar os limites de tal realidade (SALGUEIRO, 2001, p. 39).

A Geografia, logo no início de sua sistematização enquanto ciência (século XIX), defini a paisagem, junto a outros conceitos fundantes, como sendo um dos focos de seus estudos.

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Surgiram várias correntes teóricas no decorrer do século XX, algumas com novas abordagens tentavam romper com os vieses tradicionais, enquanto outras buscavam completar antigos métodos e conceitos.

As correntes teóricas da Geografia, na verdade, dificilmente conseguiram romper completamente com as escolas ou correntes antecessoras, pois carregavam concepções e usavam métodos que não eram absolutamente inovadores.

Com o passar do tempo, uma diferença começa a ser notada com relação às primeiras abordagens: a paisagem passa a ser entendida como resultante da integração entre os aspectos físicos de certo espaço geográfico e o uso que o

Ao longo da trajetória percorrida pela Ciência Geográfica, ora sendo uma ciência da natureza (física), ora sendo uma ciência humana (antrópica), os estudos sobre paisagem sempre se evidenciaram no seu arcabouço teórico. Várias foram as correntes filosóficas, dentro da Geografia, que se apropriaram de tais estudos a fim de melhor compreender a realidade à sua volta.

O olhar geográfico sobre a “paisagem” é notório desde os pais da Geografia moderna, que com Alexander Von Humboldt consideravam a Geografia uma ciência de síntese da paisagem. Esse ponto de vista era logicamente carregado das concepções positivistas e das práticas empíricas das ciências naturais, preponderantes no século XIX, o que refletia uma paisagem evidentemente física – morfológica, fitofisionômica, topográfica, hidrogeográfica e geológica.

A Geografia começa a entender a paisagem, de uma maneira um pouco mais distinta, quando Vidal de La Blache reforça que há forte possibilidade do homem atuar independente deste recorte geográfico, apesar das reais influências que o meio pode exercer, trazendo uma noção mais funcionalista da paisagem.

Os estudos da Geografia envolvendo paisagem eram focados na descrição das formas físicas da superfície terrestre e, progressivamente, incorporaram as múltiplas relações presentes no ambiente e os dados da ação humana.

Visivelmente, dois campos, dentro dos estudos da paisagem, se destacaram entre os geógrafos:

Podemos identificar dois modos principais de os geógrafos estudarem as paisagens. Para uns paisagem é vista como uma fisionomia caracterizada por formas e o seu estudo recorre basicamente ao método morfológico [...]. A outra linha de estudo da paisagem privilegia as características de uma área expressa nos seus atributos físico-naturais e humanos e o estudo das inter-relações dos fenômenos nesse território (SALGUEIRO, 2001, p. 41).

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homem faz deste espaço.

Embora, tradicionalmente, os geógrafos conceituem de forma diferenciada o que é uma paisagem natural de uma paisagem cultural – em que a paisagem natural se refere aos elementos combinados, como terreno, vegetação, solo, rios e lagos, enquanto que a paisagem cultural, humanizada, incluiria todas as modificações feitas pelo homem, como nos espaços urbanos e rurais (SCHIER, 2003) – uma das asserções consensuais que emerge no âmbito da Geografia é que “a paisagem, embora tenha sido estudada sob ênfases diferenciadas, resulta da reação dinâmica de elementos físicos, biológicos e antrópicos” (MAXIMIANO, 2004, p. 87).

1.4 O trajeto conceitual do termo paisagem na Geografia

A Geografia, ao passar por distintos paradigmas e ao desenvolver cada vez mais estudos específicos, viu no termo paisagem uma grande variedade de concepções. Dentro da ciência geográfica, alguns termos acompanham-na desde sua formação e entre eles o conceito de paisagem sempre esteve demarcado – em mais ou menos intensidade, seja por sua capacidade integradora entre uma Geografia Física e uma Geografia Humana ou pelo uso variado nas diversas “correntes” e “escolas” da Geografia.

Nesse sentido, o conceito de paisagem vem sendo analisado há alguns séculos.

Especificamente na Geografia, o conceito de paisagem perpassou tempos históricos e necessidades filosóficas e sociais, não ficando livre de adaptações e modificações; que, por fim, acabaram por engrandecer a sua abrangência.

Após o conceito de paisagem sofrer várias influências, como a do pensamento naturalista do século XIX, da Revolução Industrial, da lógica capitalista, do materialismo histórico, chega aos dias de hoje como algo fluido, no sentido de não ser único, acabado e rígido, e não necessariamente obedecendo à lógica de uma única escola ou corrente teórica específica.

A discussão sobre “paisagem” sempre se deu no intuito de se entender as relações sociais e naturais que ocorrem em certo recorte espacial. Na Geografia,

[...] as premissas históricas do conceito de paisagem, para a geografia, surgem por volta do século XV no Renascimento, momento em que o homem, ao mesmo tempo em que começa a distanciar-se da natureza, adquire técnica suficiente para vê-la como algo passível de ser apropriado e transformado (MENDONÇA; VENTURI apud SHIER, 2003, p. 81).

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a interpretação do que é paisagem, por vezes, é distinta e até mesmo divergente dentro das suas diversas abordagens. O que fica claro é que a definição, ou conceituação, está estreitamente ligada às influências culturais e discursivas sofridas pelos geógrafos.

Ao evidenciar as várias abordagens filosóficas que direcionaram os estudos da Geografia sobre paisagem, Raul Alfredo Schier (2003, p. 80), de uma maneira interessante, resume como se deu a apreensão do termo e do conjunto de ideias que envolve os conceitos de “paisagem”.

Essa pluralidade de visões acerca do termo paisagem trouxe para a Geografia um ponto de apoio desde o momento de sua afirmação enquanto ciência natural e humana, pois conciliava tanto abordagens físicas como antrópicas.

O termo paisagem ganhou mais força científica quando começou a combinar a abordagem horizontal do geógrafo através do exame das inter-relações espaciais de um fenômeno natural, com a abordagem vertical dos ecologistas.

A maioria destes conceitos se atrela, no fundo, a determinadas abordagens filosóficas. Pode-se dizer que o conceito de paisagem foi originalmente ligado ao positivismo, na escola alemã, numa forma mais estática, onde se focalizam os fatores geográficos agrupados em unidades espaciais e, numa forma mais dinâmica, na geografia francesa, onde o caráter processual é mais importante. Ambas tratam a paisagem como uma face material do mundo, onde se imprimam as atividades humanas. A abordagem neopositivista direcionou para o termo região, tentando dar enfoque ao processo de abstração da realidade física, conforme a sua metodologia quantitativa. A abordagem marxista (materialista), pouco interessada na geograficidade da paisagem, identificou-se com o termo região, o qual define como um produto territorial da ação entre capital e trabalho. As abordagens da ecologia humana, entretanto, beneficiam-se da ideia da paisagem ao demonstrar suas características sistêmicas, reunindo diversas categorias no mesmo recorte espacial.

Para os geógrafos do princípio do século XX, preocupados já com a afirmação científica da disciplina e com os perigos da ruptura entre geografia física e geografia humana, a paisagem aparecia como um conceito integrador, pois traduzia as interações entre os elementos do mundo físico e entre estes e os grupos humanos numa dada área (SALGUEIRO, 2001, p. 42).

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Carl Troll lança, em 1939, na Alemanha, uma nova noção de paisagem que reagrupa os elementos da paisagem de um ponto de vista ecológico. Com este modo de pensar, introduzia-se um entendimento sistêmico das unidades geográficas.

Nessa perspectiva, onde a paisagem começa a ser vista como um sistema, vemos mais alguns teóricos enfatizarem tal relação.

O conceito de paisagem mostra uma evolução própria do meio físico, com uma dinâmica constante. Em termos práticos, Georges Bertrand (2004, p. 141), geógrafo francês, explica que:

Fica claro que há uma integração entre sociedade e natureza. A paisagem é tida como uma unidade composta por fatores físicos e humanos em uma relação dinâmica.

Dentro da geografia física, a visão da paisagem foi ampliada, (...), com a incorporação de elementos da civilização, como exposto nas obras dos irmãos Odum. Nesta discussão, gradativamente o termo “paisagem” é substituído por “ecossistema”, focalizando mais nos elementos funcionais, integrativos, e menos na parte descritiva. Esta percepção da unidade da paisagem por meio das relações dos ecossistemas ajuda, em muito, durante os anos 80, a incorporar as ideias de desenvolvimento sustentável e do ecocentrismo (SCHIER, 2003, p. 84).

A paisagem não é a simples adição de elementos geográficos disparatados. É uma determinada porção do espaço, resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução.

1.5 Diferentes olhares ou evolução conceitual?

A concepção primeira do termo paisagem estava focada no visual apreendido por um observador, uma cena – determinado recorte espacial –, evidenciando, quase que exclusivamente, características físico-naturais. Nessa concepção, buscava-se entender a paisagem como unidade composta por um mosaico de formas e cores. Neste viés, individualizava fragmentos diferenciando-os e configurando uma imagem. Embora o termo mais utilizado, al. landshaft, por boa parte dos geógrafos

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tradicionais, não fosse preciso conceitualmente, ele já denotava uma característica fundamental para a afirmação e não ruptura (físico/humano) da nascente Geografia – visto que além de favorecer uma abordagem naturalista também dava margem ao trabalho humano. Isto, de certa forma, justificava sua sustentação e relevância nos trabalhos iniciais da Geografia.

Posteriormente, com os pressupostos da Geografia Tradicional saturados, desponta uma visão mais (geo)sistêmica que passa a considerar as relações entre os objetos (fragmentos) do mosaico (paisagem). O conceito de paisagem atinge a ideia de “sistemas”, pois os elementos identificados em tal “recorte espacial” são tidos como unidades integradas e não são nunca a simples soma de seus componentes; assim, a interação dinâmica (entradas/saídas) entre eles origina uma estrutura que os converte em algo basicamente diferente. A paisagem, enquanto um “sistema”, é complexa e intrinsecamente processual. Como unidade integrada, ela pode ser um conjunto de objetos com diferentes níveis de organização.

Sob os pilares das duas definições anteriores, e já caminhando pela via cultural, iniciada principalmente por Carl O. Sauer, em Berkeley, na década de 1920, mas aprofundada por Pierre Deffontaines e David E. Sopher nas décadas de 1950-60, e mais contemporaneamente por Yi-Fu Tuan, Denis Cosgrove e Paul Claval nas décadas de 1970-80, não apenas os objetos e as suas ligações são importantes, mas também as suas significações simbólicas. Partindo destes teóricos da Geografia, é construída uma visão mais “humanista” nos estudos da paisagem e, principalmente, na percepção da paisagem, em que o conhecimento não depende somente da cientificidade, mas das experiências de vida, dos sentimentos e do simbolismo – que integram parte da paisagem cultural.

A concepção sistêmica entende a paisagem como realidade objetiva, como o resultado de uma combinação dinâmica e, por conseguinte, instável, de elementos físicos, biológicos e humanos. Essa interação é singular para cada porção do espaço e torna a paisagem um conjunto individualizado, indissociável e em contínua evolução (CABRAL, 2007, p. 150)

Sob a ótica cultural, toma-se a paisagem como mediação entre o mundo das coisas e aquele da subjetividade humana, a noção surge ligada, portanto, à percepção do espaço (...). A paisagem percebida é também significada e construída. Sua estrutura e dinâmica são acessíveis ao homem e agem como guias para suas atitudes e condutas (CABRAL, 2007, p. 150).

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Buscando responder à questão do subtítulo, entendemos que nos meandros dessa evolução conceitual vê-se que o termo paisagem, a partir de diferentes e integrados olhares, passou a uma abrangência muito maior, abarcando várias dimensões da vida: material, social e espiritual.

A Geografia, através das análises da paisagem, ampliando os seus conceitos, busca cada vez mais uma compreensão da estrutura e organização da superfície terrestre em seu conjunto socioambiental. Dessa forma, na paisagem vemos refletidos os mais diversos tipos de elementos existentes na superfície da Terra, bem como suas mais profundas relações – sejam físicas, antrópicas ou simbólicas.

1.6 Algumas possibilidades

O conceito “paisagem”, na Geografia, surgiu como uma expressão visível de uma dada área – certa herança medieval, para fins de estudo da superfície terrestre. Em princípio, eram destacados os atributos físico-naturais, e valorizada a morfologia desse recorte espacial, isso fortemente influenciado pelas próprias ideologias da “nascente Geografia” (séculos XVIII e XIX) que começava a despontar entre naturalistas.

Nesse sentido, a natureza física era privilegiada nas descrições, porém, os estudiosos do tema não ficaram restritos a tais procedimentos, mas com a busca de novas possibilidades de interpretação e estudos mais elaborados procuraram outras dimensões explicativas.

Uma das características preponderante do conceito, no início da sua utilização, era a sua potencial superação da dualidade físico versus humano encontrada na “nascente” ciência Geografia. Dessa forma, a paisagem era vista como conceito integrador, pois, conseguiria unir tanto atributos físicos como as relações humanas no seu objeto (recorte espacial) de estudo.

Percebe-se que o termo paisagem adquiriu diferentes conceitos e enfoques, conforme a “escola e linha geográfica” preponderante em determinado contexto histórico. Nesse percurso conceitual, algumas clarividências são notadas com relação ao conceito paisagem:

i. Primordialmente significava a representação da natureza física, bucólica e campestre – idealizada e divina.

ii. Com a dissociação entre natureza e divino, passa a ser vista como objeto passível de conhecimento científico.

iii. Com concepções sistêmicas, a partir das distintas relações entre os componentes de cada recorte espacial visível, integra discussões mais complexas e de âmbito fisiológico e morfológico.

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iv. Sob um viés mais sociocultural, é vista como modo de organização da exploração de recursos – em consequência da dinâmica capitalista. Assim, é o contexto visual da existência quotidiana.

v. Na Geografia Humana tem o enfoque centrado no indivíduo e nas suas relações.

vi. A Geografia das percepções/humanista – focada nos processos cognitivos – entende-a como reflexo das crenças, valores e comportamentos. O viés subjetivo do ser humano é visto como estruturador de parte do mundo-vivido.

Por fim, a paisagem pode incluir elementos ambientais de caráter objetivo (físico-naturais) e subjetivo (sociorrelacionais), a escolha de um viés específico dependerá do foco da análise e do embasamento teórico norteador.

Por que a paisagem se tornou um conceito tão utilizado pela Geografia?As paisagens são criações humanas ou existem por si mesmas?O que as paisagens dizem ou revelam sobre o contexto cultural e social?

1. Sabendo que o termo paisagem possui uma enorme gama de significações, e que a sua definição não é unânime, por que ele é objeto de extremo apreço pela ciência Geografia?

2. Até que ponto a ideia ou concepção de paisagem nos informa com precisão sobre o meio em que estamos? E em que medida nos auxilia a compreendermos a dinâmica espacial das experiências humanas?

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Seção 2

A paisagem cultural e o movimento de interiorização da paisagem

A paisagem cultural é um conceito frequentemente utilizado pelos geógrafos e muito caro aos estudiosos do fenômeno cultural humano. De forma sintética, o referido conceito pode significar uma porção da superfície terrestre captada e entendida/compreendida num vislumbre/olhar. Destarte, o termo paisagem aqui suscita, no mínimo, um conjunto de possibilidades interpretativas.

Segundo Steve Hoelsher (2006), ao analisar o termo paisagem, em inglês landscape, dois significados específicos, que ao mesmo tempo são complementares e também, às vezes, contraditórios, compõem o entendimento contemporâneo do que são as paisagens. Conforme o autor, o termo paisagem (cultural) evoca: i) a modificação do espaço territorial (superfície terrestre) através da ação humana; e ii) as imagens mentais e visuais daquele espaço (que pode ser captado num vislumbre). Estes significados, o material e o representacional, foram incorporados ao termo em diferentes momentos e por diferentes rotas.

Assim, como destacamos anteriormente, o conceito paisagem passou por diversos desdobramentos. Para exemplificá-lós parcialmente, vamos trafegar por três concepções distintas – especificamente relativas à paisagem cultural.

Nesse sentido, comentaremos alguns pontos sobre a “morfologia da paisagem” e como Carl O. Sauer (2008) concebia a noção de paisagem. Sob outra análise, a humanista, discorreremos a respeito da “percepção da paisagem” e como ela possibilitou novas abordagens. Também, complementando nossa aproximação conceitual, iremos pontuar questões relativas à “hermenêutica da paisagem”, que de uma maneira inovadora está capitaneando interpretações diversas sobre as paisagens culturais.

Outra forma de visualizar parte dos processos que a noção de paisagem sofreu nos meandros geográficos se dá através da metáfora da “interiorização/internalização da paisagem”. Nesse sentido, vamos refletir sobre este movimento e como a partir dele o conceito de paisagem cultural alcança outros patamares, deixando de ser algo relativo à exterioridade material e passando a ser concebido como algo interno aos sujeitos e, ao mesmo tempo, tendo em seu interior o homem como agente principal.

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2.1 Morfologia da paisagem

Carl Ortwin Sauer (1889-1975) foi um dos geógrafos mais influentes e, sem dúvida, o mais conhecido da Geografia Cultural Tradicional. É sob sua influência que a Escola de Berkeley de Geografia Cultural se tornou referência nos estudos geográficos estadunidenses, principalmente na primeira metade do século XX. Além de configurar uma forte tradição de Geografia Cultural, Sauer contribuiu de maneira única para os estudos de paisagem cultural. Seus trabalhos ainda hoje são leituras obrigatórias para todos que se dedicam aos estudos de paisagem.

Embora em alguns momentos Sauer pareça ter sido vanguardista, elaborando concepções que permaneceram até os dias de hoje, ele foi mais propriamente “um homem do seu tempo”, participou e contribuiu com o espírito de sua época.

No seu contexto, grande parte dos geógrafos, por quererem se manter dentro de um escopo de ciência positiva e naturalista, não se aprofundaram nas dimensões culturais da vida social e suas expressões geográficas, por isso, suas análises culturais focavam aspectos materiais da vida, e, apenas tangencialmente, abordavam algumas expressões da vida mental e social dos grupos analisados (CLAVAL; ENTRIKIN, 2004). E nesse mesmo “espírito” é que as contribuições de Sauer se erigiram.

Com o seu texto “The morphology of landscape”, de 1925, Sauer (2008) lança uma das suas mais importantes considerações: a ideia de que a paisagem é um conceito unificador da Geografia e que ela é uma peculiar associação de fatos geográficos (SAUER, 2008). Através desta perspectiva, demonstra que a maneira geográfica de analisar a cultura deve estar relacionada com o estudo dos trabalhos humanos impressos em uma determinada área (SAUER, 2008), unificando, assim, numa mesma abordagem, a dimensão física à dimensão humana.

Finalizando esta subseção, focaremos em três possibilidades específicas de entendimento do que pode ser e de como acessar a paisagem cultural. Assim, tanto a paisagem “como processo social“como texto” e/ou “como construção simbólica” irão se revelar como expressões contemporâneas altamente relevantes.

A geografia é baseada na realidade da união dos elementos físicos e culturais da paisagem. O conceito de paisagem encontra-se, então, nas qualidades físicas da área que são significativas para o homem e nas formas de uso da área, nos fatos do background físico e nos fatos da cultura humana (SAUER, 2008, p. 100).

Sauer se empenhou em observar as significações da paisagem através de uma aproximação cultural que se baseava nas ações construtivas dos grupamentos humanos.

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Mais precisamente, o que interessava ao autor era como “paisagens naturais” se transformavam, através do trabalho humano, em “paisagens culturais”; e também como era possível certa “domesticação da paisagem” evidente nos processos de criação e cultivo de animais e plantas pelos grupos humanos.

Como consequência, sua abordagem geográfica baseava-se em dimensões da botânica e, ao mesmo tempo, explorava o impacto humano no equilíbrio natural (CLAVAL; ENTRIKIN, 2004).

Para Sauer (2008), as paisagens eram primeiramente realidades biológicas. As paisagens naturais eram transformadas pelas atividades humanas – como desmatamentos ou cultivos diversos. A ideia era que as ações humanas remodelavam a biosfera, e fazendo isso reordenavam as “paisagens naturais”. Assim, diante deste processo, o resultado seria o surgimento das “paisagens culturais”. A ideia de que diferentes processos culturais produzem diferentes “paisagens culturais” seria fortemente explorada nesta concepção (JACKSON, 2003).

Desta maneira, a paisagem cultural seria nada mais do que tais processos culturais empregados em uma determinada área, ou melhor, empregados em uma determinada paisagem física. Isto é, uma paisagem natural sendo modificada, remodelada, conformada, por um grupo cultural (JACKSON, 2003.) Nesta perspectiva, segundo as próprias considerações de Sauer (2008), a cultura é o agente, a área natural é meio e a paisagem cultural é o resultado da interação de ambas.

A paisagem cultural é a área geográfica no seu sentido final (Chore). Suas formas são todo o trabalho do homem que caracteriza a paisagem. Sob esta definição não estamos preocupados em geografia com a energia, os costumes ou as crenças do homem, mas com o registro do homem sobre a paisagem (SAUER, 2008, p. 103).

Figura 2.1 | Transformação da paisagem natural em paisagem cultural

Partindo deste ponto de vista, ocorre certa tendência de se despersonalizar as ações culturais. Ao dizer que o agente modificador das paisagens é a cultura, e não

Fonte: Sauer (2008, p. 103).

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necessariamente indivíduos ou grupos, o foco tende a recair sobre o ambiente físico a ser transformado; e não sobre os reais agentes transformadores, aqueles produtores de cultura.

Muito embora o próprio Sauer (1956) tenha se debruçado em análises, procurando evidenciar o agenciamento humano nas transformações da superfície terrestre, o seu foco primordial sempre fora a paisagem. E mesmo quando falava da agência cultural humana como “efeitos cumulativos históricos”, sua ênfase recaia sempre nos processos biológicos e físicos postos em movimento pela intervenção humana; e não em processos sociais (JACKSON, 2003).

Na perspectiva saueriana, as paisagens originalmente se encontram numa condição balanceada, porém, através das ações humanas, este tênue equilíbrio natural é destruído, ocasionando uma reconfiguração paisagística (CLAVAL; ENTRINKIN, 2004). Com isso, uma das possibilidades oferecidas pelos estudos da paisagem de Sauer (2008) é a evidência do aspecto moral das interações entre ser humano e seu meio.

Quando Sauer fala que o ambiente é “deformado”, “flexionado” e “apropriado” pelos seres humanos, gerando as paisagens culturais, isso implicitamente sugere um padrão (i)moral refletido na ideia de que os recursos da superfície terrestre estão sendo “explorados destrutivamente” pelos seres humanos. Conforme Sauer (2008, p. 103), “A paisagem natural está sujeita à transformação pelas mãos do homem, o último e para nós o mais importante fator morfológico. Pelas suas culturas ele faz uso das formas naturais, em muitos casos as altera, e em alguns casos as destrói”.

Nesse sentido, quando Sauer aponta para certa agência humana na modificação do meio e construção das paisagens, ele pondera não um viés moderno e progressista do agente humano agindo sobre a Terra, mas vê tal atividade antrópica como potencialmente destrutiva e até regressiva (JACKSON, 2003 ).

Para melhor avaliarmos as contribuições de Sauer, devemos novamente considerar o contexto em que o referido autor desenvolveu seus estudos. Quando ponderamos que o determinismo geográfico era uma das forças preponderantes na Geografia Humana daquele contexto (final do século XIX e meados do XX), a perspectiva de Sauer passa a soar como uma voz dissonante. E neste sentido, a dinâmica da paisagem cultural saueriana é muito mais uma crítica e oposição ao determinismo ambiental do que uma simples reificação da cultura. Bem verdade que, potencialmente, a “crítica” de Sauer pode funcionar de maneira pendular e, nesse sentido, ir de um extremo (determinismo ambiental) a outro (determinismo cultural). Ainda assim, nesta perspectiva, a dinâmica físico-natural desempenha um papel extremamente importante nas configurações da paisagem, embora certamente o principal mecanismo de transformação seja o agente “cultura”.

Sinteticamente, utilizando as palavras de Steve Hoelsher (2006, p. 76), podemos dizer que:

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Para Sauer, paisagem não era uma bela vista a ser apreciada; não era uma imagem, uma pintura ou uma visão. Antes, paisagem significava uma “área” que era o produto de atributos naturais do clima, solo, plantas e vida animal e de atributos culturais da população, habitação, economia e comunicação. Ela deveria ser estudada historicamente através do exame de como a paisagem natural se desenvolveu em uma paisagem cultural.

Um salto relativamente importante, dentro do conceito de paisagem, pode ser visto com John B. Jackson (1996; 1997). O autor sugeriu, já em meados da década de 1970-80, que paisagens culturais podem ser expressas, de forma mais consistente, como “paisagens vernaculares”. Estas seriam paisagens típicas, porém pouco consideradas do cotidiano popular – como hotéis, restaurantes de fast-food, casas comuns, garagens, conjunto comercial de lojas etc.

Para John B. Jackson (2006), o sentido verdadeiro e durável do termo paisagem não diz respeito a algo para se olhar, mas sim algo para se viver – com outras pessoas e não sozinho. Dessa forma, a paisagem é ancorada na dimensão social da humanidade, em sua estranha e grandiosa variedade (HOELSHER, 2006).

A ideia central esposada por John B. Jackson evidencia que “todas as paisagens são expressões de valores culturais e que o estudo da paisagem cultural é um compêndio voltado para a história social que procura entender as vidas de pessoas comuns” (HOELSHER, 2006, p. 77). O tema latente, na perspectiva de John B. Jackson, se expressa na ideia de que “a interpretação das paisagens está longe de ser uma ciência exata e que nossas subjetividades inevitavelmente conformam estas interpretações” (HOELSHER, 2006, p. 77).

Neste contexto, uma importante figura foi o geógrafo americano David Lowenthal (1961), que, com um projeto epistemológico renovador, afirmava que a Geografia era “a ciência que mais se aproximava da incorporação sem mediações dos elementos da vida cotidiana, que deveriam ser considerados em suas particularidades a partir da inclusão dos mundos vividos pessoais como dado concreto da disciplina” (HOLZER, 1999, p. 155).

Esta perspectiva, também comungada pelo viés de John B. Jackson, trouxe novas compreensões para a noção de paisagem. Segundo Lowenthal (apud HOLZER, 1999, p. 155-156), “As paisagens são formadas pelas preferências paisagísticas. As pessoas veem seu entorno através das lentes da preferência e do costume, e tendem a moldar o mundo a partir do que veem”.

Tal abordagem promoveu certa ampliação dos limites conceituais da paisagem

2.2 A percepção da paisagem

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cultural, em que as subjetividades dos que vivenciam a paisagem passavam a ser consideradas. Com isso, o tema da “percepção ambiental” se tornou algo relevante dentro da Geografia Cultural e criou demandas novas no estudo da paisagem (HOLZER, 1999).

Tomando a fenomenologia como aporte teórico-metodológico, a Geografia Cultural, transmutada em Geografia Humanista (HOLZER, 1999), vê na dinâmica das percepções um caminho consistente para explorar noções mais amplas da paisagem cultural.

Através da perspectiva da “percepção ambiental” é que o famoso geógrafo sino-americano Yi-Fu Tuan (2006) constrói um arcabouço paradigmático no seio da Geografia Humanista Cultural. Sua linha de pensamento, sistematizada nas obras Topofilia (1980) e Espaço e lugar (1983), se baseia na ideia geral de que as nossas representações espaciais, e entre elas a paisagem (TUAN, 2006), são frutos de uma dinâmica perceptiva, cognitiva e psicológica; e que, em muito, nossas construções espaciais estão envoltas em questões sentimentais e de afinidade ou repulsão ao ambiente circundante.

Por esta visão geográfica humanista, o que se está em jogo é uma fenomenologia da paisagem, ou seja, é a paisagem evidente através dos próprios sujeitos que a experienciam – isto é, o fenômeno da paisagem. Nesse sentido, os mecanismos perceptivos (visão, audição, tato, olfato e paladar) e cognitivos (inteligência, motivações, humores, conhecimentos, valores, expectativas) desempenham uma função importante, pois é por meio deles que ocorre a interação dos sujeitos com o meio ambiente (ROCHA, 2007), ou seja, é através destes mecanismos mentais que se concretiza a experiência da paisagem.

Nesse sentido, a paisagem é fruto das percepções fundadas na dinâmica sensitiva humana. E, de certa forma, é também uma representação da relação entre homem e natureza (ROCHA, 2007). Assim, a paisagem cultural é entendida a partir das percepções, dos sentimentos e dos valores humanos.

Outro viés tão importante quanto fora (e ainda é) o da percepção da paisagem é o que emerge com a New Cultural Geography. Importante personagem deste momento é o geógrafo britânico Denis Cosgrove (1948-2008), que com trabalhos como “A geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens humanas” (2008[1988]) suscita questões a respeito das muitas possibilidades de configuração e interpretação das paisagens (culturais).

Para Cosgrove (2008, p. 179), a paisagem não é um objeto ou uma área geográfica, mas sim um “modo de ver”.

Hermenêutica da paisagem

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A paisagem estaria mais próxima de ser um meio pictórico de representar e estruturar o mundo do que ser um simples recorte geográfico. E assim como existem diferentes “modos de ver”, existem também diversas maneiras de captar a(s) paisagem(ns), ou dito de outra forma, a dinâmica humana e cultural permite a existência de uma multiplicidade de paisagens.

Segundo Cosgrove (2008), a paisagem deve ser lida como um texto cultural, mas sem deixar de reconhecê-lo como multifacetado. Significando que, de forma geral, as paisagens possibilitam diferentes leituras, simultâneas e igualmente válidas.

Esta perspectiva enfatiza os aspectos comunicativos e representacionais das paisagens. E através de aproximações metodológicas baseadas no texto e textualidade interpreta os variados sentidos que uma paisagem pode conter.

Para Cosgrove (2008, p. 178), algumas paisagens são “lugares altamente textuais” e possuem várias camadas de sentido. São instâncias simbólicas onde inúmeras culturas se encontram e, em alguns momentos, colidem.

As múltiplas camadas de sentido que uma paisagem pode ter devem ser geograficamente decodificadas. As formas de decodificá-las podem ser alcançadas através de investigações de campo, mapas mentais e interpretações – metodologias presentes nas humanidades.

Nesse contexto, a metáfora da paisagem como um palimpsesto é altamente representativa, pois evoca a ideia de que “aqueles sentidos reais e autênticos podem, de alguma forma, ser recuperados através das técnicas corretas” (COSGROVE; DANIELS, 1988, p. 8). Neste sentido, a construção histórica dos sentidos e significados das paisagens está disponível para aqueles que se proponham a, utilizando uma metodologia específica, entender a mensagem que uma paisagem carrega.

Nesta mesma lógica, a “iconografia da paisagem”, proposta por Cosgrove e Daniels (1988), sugere que, a partir de um mundo de superfícies exteriores e de aparências, é possível termos acesso a um mundo interior de sentido, significado e experiência (JACKSON, 2003). O foco da paisagem como um ícone, inevitavelmente, chama a atenção para o papel que a visão desempenha na construção dos sentidos, e, nesse caso, também para o papel desempenhado pelos observadores ao interpretarem os significados da paisagem (HUGGETT; PERKINS, 2004, p. 232).

Paisagem sempre esteve fortemente conectada em geografia humana com a cultura, a ideia de formas visíveis na superfície da Terra e sua composição. Paisagem é de fato um “modo de ver”, um modo de compor e harmonizar o mundo externo em uma “cena”, uma unidade visual.

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Dentro desta perspectiva, as paisagens não se reduzem à materialidade, embora se estruturem na superfície terrestre. Elas não são simplesmente construtos mentais, ainda que possuam dimensões expressamente simbólicas. As paisagens são mais propriamente articulações de sentido e significação. E com isso um importante papel é demandado aos geógrafos culturais: a tarefa de efetuarem uma hermenêutica da paisagem, decodificando os sentidos e significados deste “texto cultural”.

Como se observou até o momento, os estudos da paisagem na Geografia foram muito frutíferos. O percurso, até se chegar à noção mais elaborada de paisagem cultural, passou por distintas etapas no pensamento geográfico. Se atentarmos especificamente para a dinâmica da paisagem cultural, notaremos que, em termos teóricos e epistêmicos, houve certo movimento interpretativo e compreensivo nos estudos da paisagem. Este movimento pode ser exemplificado metaforicamente pela ideia de “interiorização” ou “internalização”.

O termo paisagem, de forma geral, inicia seus contatos na Geografia oferecendo-se como uma noção integradora dos aspectos físicos e humanos. Nesta empreitada, bem sinalizada por Sauer (2008) e pela Geografia Cultural Tradicional, a paisagem transparece como algo material, uma feição física transformada pela cultura. Ela é um recorte da superfície terrestre moldada pelas ações culturais humanas. Por esta razão, a “morfologia da paisagem” se torna algo extremamente relevante, pois, através das descrições das variadas formas e possíveis evoluções que a paisagem pode tomar, mais evidente se tornaria o trabalho da cultura nas dinâmicas espaciais.

Posta em perspectiva, nesta primeira aproximação, a paisagem claramente é entendida como algo fora dos sujeitos/indivíduos. Sua condição de existência está relacionada diretamente com a dinâmica física por si mesma, ou seja, a paisagem é algo expresso “lá na materialidade”, é uma realidade por si mesma, algo que se anuncia independente das subjetividades. Nesse sentido, a paisagem tem existência própria e diz respeito à dinâmica exterior.

Outro ponto considerável é o ausente papel do indivíduo/sujeito nesta perspectiva de paisagem. Aqui, a lógica paisagística não pressupõe uma ação individual/subjetiva do agente humano, considerando apenas as atividades culturais enquanto expressões de grupos, colocando assim a cultura como o ente por excelência. Nesta linha de pensamento, o indivíduo dotado de subjetividades parece estar fora deste recorte da paisagem. A configuração da paisagem que aqui emerge postula intencionalmente o ser humano (sujeito singular) como variável fora da dinâmica estrutural e interna da paisagem.

Por esses dois vieses, a da existência em si mesma e a da desconsideração de ações

O movimento de interiorização/internalização da paisagem

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Paisagem, cultura e simbolismo Paisagem, cultura e simbolismo

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subjetivas, a paisagem se consolida como algo exterior ao ser humano e destituído dele enquanto indivíduo. Assim, tanto a paisagem está fora dos sujeitos como o próprio ser humano (sujeito singular) está fora da paisagem.

Isto mudaria substancialmente com as abordagens geográficas da “percepção ambiental” e da Geografia Humanista Cultural, personificadas de forma destacada na pessoa de Yi-Fu Tuan (1976; 1980); bem como alcançaria patamares ainda mais elevados com a New Cultural Geography, bem representada pelos trabalhos de Denis Cosgrove (2008), Peter Jackson (2003) e James S. Duncan (1990).

Com estas abordagens culturais pós 1960-70, novas perspectivas sobre a paisagem despontam. Através da percepção ambiental, do teor humanista e do viés fenomenológico-hermenêutico, a dimensão da experiência individual e subjetiva começa a ter um papel mais significativo na concepção de paisagem.

Ao explorar os diferentes caminhos perceptivos, através dos órgãos dos sentidos humanos, a paisagem passa a ser considerada pelos geógrafos dentro da dimensão cognitiva e subjetiva. Dessa forma, ela não é mais vista de forma unilateral como algo “lá fora”, algo exterior ao ser humano. Mas, ao contrário, é entendida agora como uma realidade interna dos sujeitos que experienciam o seu entorno geográfico. Ela se volta para o próprio sujeito que via percepção, cognição e representação, faz erigir a sua paisagem.

Além de ser algo gerado a partir das significações subjetivas e individuais, a paisagem passa, através de um viés mais crítico, com a New Cultural Geography, a exibir dimensões interpretativas. Não está mais vinculada a apenas uma possível significação de sentido, mas sim a uma grande diversidade de concepções geográficas passíveis de decodificação. Neste sentido, a paisagem, além de ser uma realidade propriamente interna dos sujeitos, também revela em seu interior o próprio sujeito/indivíduo capaz de edificar sentidos simbólicos (até mesmo nas materialidades).

Assim, com estas contribuições, a paisagem sofre um processo de “internalização” ou “interiorização” no seio geográfico. Ela passa de uma realidade externa e independente para uma que é entendida como construção/articulação internalizada, existente no interior do indivíduo. Não só é vista como uma conformação cognitiva e simbólica, como também passa a considerar o sujeito como o principal agente conformador das paisagens – isto é, o ser humano não está mais fora da paisagem, sendo um contemplador passivo, mas agora é parte integrante dela e está em seu interior atuando como protagonista.

Desta forma, em certo sentido, a paisagem é “internalizada” pelo homem e também o próprio homem é “interiorizado” na paisagem. Dito de outra forma, a paisagem passa a ser, em primeiro lugar, uma realidade mental, e esta mesma paisagem passa a abrigar em seu âmago os sujeitos/indivíduos como orquestradores dos sentidos simbólicos que a estruturam. Assim, dentro desta lógica, a paisagem pode agora ser percebida,

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representada, construída, experienciada, experimentada, ou seja, ser vivida em sua completude, e mais, ser também o palco e o próprio espetáculo da trama dos sujeitos e suas subjetividades.

De forma evidente, esta aproximação busca tratar a paisagem em seus processos sociomateriais e, em alguma medida, advoga que as paisagens são construídas de forma dialética, ao mesmo tempo constroem e são construídas pelos processos sociais. Embora volte a sua atenção aos processos materiais, cumpre notar que esta forma de análise não se erige a partir dos métodos da “morfologia da paisagem” de Sauer (HUGGETT; PERKINS, 2004, p. 233), mas, sim, por considerar em grande medida os sentidos e representações, está mais sensível às aproximações da New Cultural Geography.

Tendo como referência o panorama trabalhado até aqui, percebe-se que diversas possibilidades de aproximação ao termo paisagem cultural podem ser empregadas pelo empreendimento geográfico. Tanto a perspectiva da “morfologia” como a “percepção” ou a “hermenêutica” da paisagem (cultural) são agências viáveis contemporaneamente, porém queremos, nesta subseção, expressar de forma mais pontual três possibilidades específicas que não estão necessariamente desconectadas das demais, mas que exibem características próprias e extremamente relevantes nos dias de hoje.

A primeira diz respeito à ideia de paisagem como “processo social”. Fundada nas teorizações do geógrafo Don Mitchell (2005), o termo paisagem aparece como uma totalidade social. A partir de influências da “teoria social crítica”, bem como de outras correntes da Geografia Cultural, Don Mitchell (2005) identifica as paisagens (humanas/culturais) como instâncias tributárias dos processos políticos e sociais e que representam relações sociais. Nesta perspectiva, a paisagem se distancia da noção de ser apenas um pano de fundo para os processos sociais, e passa a ser um agente atuante nas configurações sociais – efetuando a manutenção dos poderes e constituindo identidades culturais.

Possibilidades contemporâneas de estudos da paisagem cultural

Uma clara análise das práticas que produzem a paisagem, e seus variados sentidos que são conectados a ela, pode ser vista através do entendimento de que a paisagem (como forma, sentido e representação) ativamente incorpora as relações sociais que ocorrem em sua produção. A paisagem (em todos os seus sentidos) é duplamente uma consequência e um meio das relações sociais, é ambos o resultado e o input para específicas relações de produção e reprodução (MITCHELL, 2005, p. 49).

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A outra perspectiva contemporânea, que em alguma medida transpareceu na subseção da “hermenêutica da paisagem”, é a paisagem “como um texto”. Trabalho de referência nesta perspectiva é a obra “A Cidade como Texto”, de James S. Duncan (1990).

Nas teorizações esposadas pelo autor acima, a questão da viabilidade da leitura/interpretação de uma paisagem é colocada como um dos pontos principais. Assim, tendo em vista que a paisagem pode ser lida como texto, o próximo passo se dá na direção de como efetuar esta leitura. Nesse sentido, um dos recursos utilizados para a inteligibilidade das paisagens culturais tem recaído sob a utilização de metáforas literárias.

Assim como construções textuais se valem da linguagem metafórica, de igual modo as paisagens transparecem como textos culturais recheados de metáforas. Da mesma forma que uma metáfora aponta para sentidos além da literalidade textual, as paisagens culturais apontam para sentidos além das aparências.

A noção de que as paisagens podem ser lidas como textos metaforizados viabiliza uma pluralidade de interpretações, significados e conexões textuais, expondo as mais diversas realidades culturais, isto proporciona uma infinidade de sentidos possíveis para as experiências paisagísticas dos seres humanos.

Outro recurso utilizado para a interpretação das paisagens (textos culturais) é a crítica textual. Por esta perspectiva, tanto a paisagem como texto como a construção discursiva das paisagens são temas debatidos num viés pós-estruturalista; nestes, a crítica se levanta procurando a desconstrução dos sentidos prontos. Estudos iniciais deram uma grande atenção para as lógicas semióticas de interpretação textual das paisagens. Atualmente, uma ênfase maior é dada a interpretações baseadas numa hermenêutica das paisagens, ou numa leitura alegórica delas (HUGGETT; PERKINS, 2004).

A última perspectiva contemporânea diz respeito às paisagens culturais como “construções simbólicas”. Fundado na perspectiva fenomenológico-hermenêutica, bem como pós-estruturalista, este viés procura salientar o simbolismo das paisagens. Nesse sentido, segundo Cosgrove (2008, p. 180), “Todas as paisagens são simbólicas, ainda que o link entre o símbolo e o que ele representa (seu referente) possa aparecer de maneira muito tênue”.

Com isso, temos que a lógica simbólica evidencia outra realidade, uma que é tão ou mais significativa que a própria materialidade. Ainda que se possa falar de uma “materialidade simbólica” (GIL FILHO; GIL, 2009, p. 3), o que se destaca nesta perspectiva é a capacidade de tais “materialidades” carregarem sentidos e significados simbólicos, em outras palavras, tais expressões físicas carregam as intencionalidades humanas.

Todas as paisagens carregam sentido simbólico porque todas são produtos da apropriação e transformação humana do ambiente. O

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simbolismo é mais facilmente lido nas paisagens altamente projetadas – a cidade, o parque e o jardim – e através da representação da paisagem na pintura, poesia e outras artes. Mas está lá para ser lido nas paisagens rurais e mesmo nos ambientes naturais aparentemente desumanizados. Estes últimos são geralmente poderosos símbolos em si mesmos (COSGROVE, 2008, p. 180-181).

Dessa forma, até mesmo espaços “aparentemente desumanizados” se projetam como paisagens altamente significativas, isto é, simbólicas.

Nesta perspectiva, a qualidade que vai além das expressões físicas é o conteúdo que importa. Assim, quando se diz que a paisagem cultural é uma “construção simbólica”, ela pode sim, em algumas instâncias, refletir uma modificação na materialidade (como nos parques e casas), mas não necessariamente – como nos ambientes in natura, ou seja, a construção simbólica se trata de uma conformação de sentido da realidade. Com isso, a paisagem cultural é simbólica, porque articula e é articulada por sentidos e significados culturais, prescindindo, em alguns momentos, inclusive, uma modificação direta na materialidade física.

Quais os impactos culturais que o ser humano pode provocar quando altera as “paisagens naturais”?Como os vínculos afetivos com o ambiente interferem na nossa percepção e concepção de paisagem?É possível que os sentidos e significados culturais não estejam evidentes em nossas paisagens?

1. As formas que uma paisagem pode adquirir dizem muito sobre os processos nela ocorridos. Nestes termos, de que maneira você definiria uma “paisagem natural” em distinção a uma “paisagem cultural”? Quais os principais processos que estariam em jogo?

2. O ato de perceber uma paisagem está vinculado não apenas

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Neste capítulo você pôde perceber que o termo paisagem é polissêmico, e que, assumindo a lógica científica, foi e é uma ferramenta conceitual extremamente relevante para os geógrafos. A sua relevância em muito se deve à capacidade de integração das realidades física e humana. Embora a noção de paisagem tenha sido delineada de diferentes maneiras, por diferentes correntes geográficas, ela sempre se destacou pela sua operacionalidade. Isto ficou claro, principalmente, nas discussões da paisagem cultural, em que, com estudos da morfologia da paisagem, foi possível mensurar o nível de interferência cultural nas “paisagens naturais”; com a percepção ambiental, ficou evidente a preponderância dos fatores cognitivos na representação das paisagens; e com a hermenêutica da paisagem distinguiu-se o real sentido simbólico cultural, que estaria para além das dimensões materiais. Neste processo, consideramos a metáfora de “interiorização/internalização” para representar o movimento que o conceito paisagem cultural sofreu. Tal movimento exemplificou como a paisagem cultural passou de uma concepção relacionada, quase que exclusivamente, a dimensão material para uma essencialmente mental e que, ao mesmo tempo, contemplasse o sujeito como ator principal. Finalizamos nosso percurso explorando ainda três distintas perspectivas contemporâneas sobre paisagem cultural, em que elas salientavam esta sob o ponto de vista da “paisagem como processo social”, da “paisagem como texto” e da “paisagem como construção simbólica”.

ao meio em que este acontece, mas também às dinâmicas mentais, cognitivas e representacionais dos sujeitos que a vivenciam. Neste viés, qual dimensão poderíamos dizer que é preponderante em nossos discursos sobre as paisagens? Seria a materialidade ou intelectualidade?

1. Tendo como base a etimologia, bem como uma noção geral,

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podemos afirmar que o termo paisagem pode significar:

I Uma imagem que representa a vista de uma área natural.

II Uma superfície terrestre, como o relevo de uma região em seu conjunto.

III O território ou parte de uma superfície terrestre que a vista pode observar.

IV O conjunto da superfície terrestre abarcado num lance de vista, ou seja, conhecimento objetivo e visível da natureza.

V Um lance de vista que observa de um ponto alto um conjunto de elementos antrópicos e naturais.

Estão corretos os itens:

a) I, II e III.

b) II, III e IV.

c) III, IV e V.

d) I e V

e) Todos estão corretos.

2. Na Geografia, o conceito de paisagem perpassou tempos históricos e necessidades filosóficas e sociais distintas, não ficando livre de adaptações e modificações. Isto, por fim, acabou por engrandecer a sua abrangência. Nestes termos é correto afirmar que:

I Após o conceito de paisagem sofrer várias influências, como a do pensamento naturalista do século XIX, da Revolução Industrial, da lógica capitalista, do materialismo histórico, chega aos dias de hoje como algo fluido.

II A noção de paisagem não é única, acabada e rígida; e não necessariamente obedece à lógica de uma única escola ou corrente teórica.

III A discussão sobre paisagem nunca se deu no intuito de se entender as relações sociais e naturais que ocorrem em certo recorte espacial.

IV Na Geografia, a interpretação do que é paisagem por vezes é distinta e até mesmo divergente dentro das suas diversas

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Paisagem, cultura e simbolismo Paisagem, cultura e simbolismo

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3. Sabendo que o termo paisagem adquiriu diferentes conceitos e enfoques, conforme a “escola e linha geográfica” preponderante em determinado contexto histórico, podemos afirmar que:

I Primordialmente a paisagem significava a representação da natureza física, bucólica e campestre – idealizada e divina.

II Com a integração entre natureza e divino, cada vez mais forte no seio geográfico, a paisagem passa a ser vista como objeto sagrado e não passível de conhecimento científico.

III Com concepções sistêmicas, a partir das distintas relações entre os componentes de cada recorte espacial visível, a paisagem passa a integrar discussões mais complexas e de âmbito fisiológico e morfológico.

IV Sob um viés mais sociocultural, a paisagem é vista como modo de organização da exploração de recursos – em consequência da dinâmica capitalista. Assim, é o contexto visual da existência cotidiana.

V A Geografia das percepções/ humanista – focada nos processos cognitivos e subjetivos – entende a paisagem como reflexo das crenças, valores e comportamentos.

VI A paisagem não inclui elementos ambientais de caráter objetivo (físico-naturais) e subjetivo (sociorrelacionais) ao mesmo tempo, mas sim os aborda separadamente.

Estão corretos os itens:

a) I, II, V e VI.

abordagens.

V A definição, ou conceituação, da paisagem na Geografia está estreitamente ligada às influências culturais e discursivas sofridas pelos geógrafos.

Estão corretos os itens:

a) I, II, III e V.

b) I, III, IV e V.

c) I, II, IV e V.

d) I, II, III e IV.

e) Todos estão corretos.

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b) I, III, IV e V.

c) I, II, IV e V.

d) I, III, V e VI.

e) Todos estão corretos.

4. Segundo o famoso geógrafo americano Carl O. Sauer (2008, p. 100), “a geografia é baseada na realidade da união dos elementos físicos e culturais da paisagem. O conceito de paisagem encontra-se, então, nas qualidades físicas da área que são significativas para o homem e nas formas de uso da área, nos fatos do background físico e nos fatos da cultura humana”. Com base nesta assertiva e na perspectiva saueriana, é correto afirmar que:

I Sauer apresenta a ideia de que a paisagem é um conceito unificador da Geografia e que ela é uma peculiar associação de fatos geográficos. O autor demonstra também que a maneira geográfica de analisar a cultura deve estar relacionada com o estudo dos trabalhos humanos impressos em uma determinada área, unificando, assim, numa mesma abordagem, a dimensão física à dimensão humana.

II Sauer se empenhou em observar as significações da paisagem através de uma aproximação cultural que se baseava nas ações construtivas dos grupamentos humanos e não do homem como indivíduo único. Assim, sua definição de paisagem não se preocupava especificamente com a energia, com os costumes ou com as crenças do homem, mas sim com o registro deste sobre a paisagem.

III O que interessava a Sauer era o processo de como “paisagens naturais” se transformavam, através do trabalho humano, em “paisagens culturais”, e também como era possível certa “domesticação da paisagem” evidente nos processos de criação e cultivo de animais e plantas pelos grupos humanos.

IV Para Sauer, as paisagens eram apenas, em última instância, realidades biológicas. Assim, as paisagens naturais eram consequências das atividades humanas e, neste sentido, seriam através das ações humanas de remodelamento da biosfera que as “paisagens naturais” seriam criadas. A ideia que se estava em jogo era de que diferentes processos culturais produziriam diferentes “paisagens naturais”.

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Paisagem, cultura e simbolismo Paisagem, cultura e simbolismo

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V Para Sauer, a paisagem cultural seria o resultado de processos culturais empregados em uma determinada área. Isto é, uma paisagem natural sendo modificada, remodelada, conformada, por um grupo cultural. Segundo o próprio autor, a cultura seria o agente, a área natural seria o meio e a paisagem cultural seria o resultado da interação de ambas.

Estão corretos os itens:

a) I, II, IV e V.

b) I, III, IV e V.

c) I, II, III e V.

d) II, III, IV e V.

e) Todos estão corretos.

5. Partindo da perspectiva da “Percepção da Paisagem” e da “Hermenêutica da Paisagem”, podemos afirmar que:

I A abordagem das percepções promoveu uma limitação conceitual ao termo paisagem cultural, pois, por esta perspectiva, somente as objetividades dos pesquisadores, ao investigarem as paisagens, é que deveriam ser consideradas.

II Através da perspectiva da “percepção ambiental” é que o famoso geógrafo sino-americano Yi-Fu Tuan constrói um arcabouço paradigmático no seio da Geografia Humanista Cultural. Sua linha de pensamento se baseia na ideia geral de que as nossas representações espaciais, e entre elas a paisagem, são frutos de uma dinâmica perceptiva, cognitiva e psicológica e que, em muito, nossas construções espaciais estão envoltas em questões sentimentais e de afinidade ou repulsão ao ambiente circundante.

III Para a visão geográfica humanista, o que se está em jogo é uma fenomenologia da paisagem, ou seja, é a paisagem evidente através dos próprios sujeitos que a experienciam. Nesse sentido, os mecanismos perceptivos (visão, audição, tato, olfato e paladar) e cognitivos (inteligência, motivações, humores, conhecimentos, valores, expectativas) desempenham uma função importante; pois é por meio deles que ocorre a interação dos sujeitos com o seu ambiente.

IV Segundo a perspectiva da “hermenêutica da paisagem”, a paisagem deve ser lida como um texto complexo e indecifrável,

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Paisagem, cultura e simbolismo

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pois as paisagens, ao possibilitarem diferentes leituras, entram em conflito numa busca por uma validação universal.

V No contexto da “hermenêutica da paisagem”, algumas paisagens são “lugares altamente textuais” e possuem várias camadas de sentido. São instâncias simbólicas onde inúmeras culturas se encontram e, em alguns momentos, colidem.

VI Dentro da abordagem hermenêutica, as paisagens não se reduzem à materialidade, embora se estruturem na superfície terrestre. Elas não são simplesmente construtos mentais, ainda que possuam dimensões expressamente simbólicas. As paisagens são mais propriamente articulações de sentido e significação; são, por assim dizer, textos culturais.

Estão corretos os itens:

a) I, II, V e VI.

b) II, III, IV e V.

c) I, II, IV e VI.

d) II, III, V e VI.

e) Todos estão corretos.

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Paisagem, cultura e simbolismo Paisagem, cultura e simbolismo

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Paisagem, cultura e simbolismo

Unidade 3

GLOBALIZAÇÃO E IDENTIDADE CULTURAL

Na primeira seção, construiremos uma visão alternativa para o fenômeno da globalização, que o desvincule da ideia de homogeneização de todos os espaços de vida, devolvendo sua autonomia diante de sua própria trajetória.

Na segunda seção, tendo ampliado sua concepção para os processos globalizadores, verá que a identidade não é algo inerente ao nascimento, mas um processo aberto e contínuo que se constrói ao longo da vida no entrecruzamento das vivências e experiências sociais de cada indivíduo e no encontro desse com os outros indivíduos.

Seção 1 | A globalização vista da única narrativa às outras trajetórias históricas

Seção 2 | Pluralização de identidades: o sujeito global contemporâneo

Objetivos de aprendizagem Afetar a forma como pensamos a globalização e a concepção de identidade,

numa imaginação alternativa que correlacionará o movimento global às mudanças identitárias.

Tanize Tomasi Alves

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Na terceira e última seção, você, aluno, será apresentado ao fenômeno das comunidades transnacionais, fruto das forças globalizantes, que efetivamente revelam a existência da diferenciação espacial pela articulação social dos espaços de vida, sobrepondo-se aos fluxos econômicos homogeneizadores.

Seção 3 | Comunidades transnacionais: os fluxos globais e a simultaneidade de indivíduos

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Introdução à unidade

Pense você, aluno, em um migrante haitiano de trinta e oito anos que chega ao Brasil, desembarcando em São Paulo, em 10 de agosto de 2013, trazendo na “bagagem” um período anterior de migração que se estendeu por dez anos no país vizinho da República Dominicana. Isso reflete a nossa sociedade cada vez mais móvel, com um número crescente de indivíduos que muda de localização geográfica, às vezes de maneira recorrente ao longo do ciclo de vida.

Quando ocorre essa mudança, ainda mais quando se trata de uma migração que transcende os limites culturais, podemos pensar no fenômeno da globalização, conectando permanentemente o migrante (que deixa de ser temporário) a outros lugares, povos e culturas, mas ao mesmo tempo construindo um espaço social de múltiplas relações entre as sociedades de origem e de destino. Situação que não lhe deixa desprovido de sua própria história/trajetória que reflete na construção de sua identidade.

Aluno, mantendo no imaginário o exemplo do migrante em seu fluxo migratório para além de sua fronteira vizinha, faz-se necessário questionar neste primeiro momento a real existência da concepção de uma “única narrativa” para o fenômeno da globalização.

Na primeira seção, procura-se apresentar os aspectos que nos fazem acreditar no mundo governado por uma única força externa, que tem sua origem na Europa, e que se impõe aos demais países universalizando e homogeneizando a experiência humana, além de impor ao nosso imaginário um mundo totalmente integrado. Com o rompimento desta visão midiática, alerta-se para a questão de haver a coexistência simultânea de outras trajetórias, vivenciando suas próprias histórias, ou seja, vivendo os acontecimentos da sua própria maneira.

Já na segunda seção, aborda-se a questão da identidade frente à globalização, fazendo um paralelo de que a globalização não conduz a um todo integrado, em que haveria algumas identidades isoladas que escaparam ou resistiram a uma homogeneização, mas que o processo de globalização condiz com a criação de espaços abertos e instáveis que estão numa reconfiguração ativa de conexões e desconexões, e o encontro através de práticas e relações de uma enorme quantidade de trajetórias. São os encontros com os outros, através das interações, que levam à construção constante da identidade. Esta não é de forma alguma

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um processo fechado, acabado, contrariamente, está sempre em construção, vinculado ao contexto de inserção dos indivíduos.

A terceira e última seção foi proposta com o objetivo de lhes mostrar que, atualmente, o estabelecimento de correntes migratórias permanentes, vindas das ditas periferias mundiais, proliferam-se em torno da luta pela resistência e autonomia de seus espaços de vida, entre o país de origem e destino, independentemente das restrições e oportunidades. Isso revela que o fenômeno da globalização se alimenta da diferenciação espacial ou destes movimentos transnacionais de seus atores protagonistas, sejam eles centrais ou periféricos, e não pela homogeneização promovida pela mercantilização econômica e cultural mundial. Muitos migrantes internacionais migram exatamente por terem sido excluídos desse circuito mundial da economia, utilizam-se de fluxos diversificados e constroem comunidades migrantes transnacionais que se estabelecem na sociedade de destino, sem desprender-se da sociedade de origem. Esse espaço de vivência que transcende os limites das fronteiras nacionais reflete no processo de estabelecimento das identidades destes indivíduos.

Por fim, ao completar a leitura de todas as seções, você, aluno, perceberá que a globalização não é exclusivamente um processo estruturado pelas trocas capitalistas, mas ela igualmente compreende as vivências das populações, as redes de ações e os fluxos variados. A homogeneização do mundo dito global está longe de realmente existir, pois é a diferenciação (incluindo as desigualdades e desconexões) que edifica a globalização. O estabelecimento das comunidades migrantes transnacionais nos permitem entender o processo de globalização que inclui tanto os países centrais quanto os periféricos. Diante disso, as identidades dos protagonistas periféricos até então consideradas fechadas e escondidas são uma particularidade que acompanha a trajetória histórica da globalização.

Bom aprendizado!

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Seção 1

A globalização vista da única narrativa às outras trajetórias históricas

A primeira seção conduzirá você, aluno, a pensar o processo de globalização não mais como um fenômeno universalizador. Digo isso acreditando que, a partir de agora, você, em seu contexto social, também se sentirá parte desse mundo dito globalizado e verá que quem você acredita ser e os elementos socioculturais que carrega refletem muito mais as distintas experiências que vivenciou e o contato que estabeleceu com outras pessoas em detrimento à padronização de um modelo econômico de vida.

1.1 A globalização

Muito se ouve falar de globalização, na maioria das vezes em seu extremo senso popular, que evoca uma visão de mobilidade totalmente desimpedida, de espaço livre, sem limites. Na área acadêmica, ela talvez ganha corpo numa abordagem econômica. E, em seu pior aspecto, tornou-se um mantra com palavras e frases como: instantâneo; internet; circuito financeiro 24 horas; as margens invadindo o centro; o colapso das barreiras espaciais; a eliminação das distâncias; o acesso à tecnologia e informação. É representada também pelos ícones populares da economia mundial, como: a CNN, ao McDonald’s, a Sony, a Ford, a Nike etc., tidos frequentemente como o suficiente para expressá-la.

Com a divulgação de uma aldeia global, na difusão instantânea de notícias e o imaginário da supressão das distâncias, criou-se uma falsa realidade diante daqueles que realmente podem viajar, como se o mundo se houvesse tornado, para todos, ao alcance da mão. Um mercado avassalador, dito global, é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças espaciais são aprofundadas. Há uma busca de uniformidade a serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado (SANTOS, 2001).

Diante disso, não podemos confundir a globalização com apenas a criação de uma economia global. Precisamos olhar para além da economia, pois antes de

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tudo a globalização requer a eliminação de obstáculos técnicos, não de obstáculos econômicos. Ela resulta do encurtamento das distâncias, mas não da supressão do espaço e do tempo, pois cada país vive suas próprias espacialidades e temporalidades (HOBSBAWM, 2009).

A globalização não é um processo universal que atua da mesma forma em todos os campos da atividade humana. Ainda que se possa dizer que há uma tendência histórica natural para a globalização nas áreas da tecnologia, comunicações e economia, isso certamente não vale para a política, tampouco para a cultura ou identidade. Estamos comparando aspectos diferentes do mundo, aspectos que não se desenvolvem de maneira similar (HOBSBAWM, 2009).

Portanto, a globalização implica um acesso mais amplo, mas não igualitário para todos, mesmo em sua etapa teoricamente mais avançada. Tendencialmente, as pessoas acreditam que a globalização garante um acesso igualitário aos fluxos em um mundo naturalmente (recursos naturais) marcado pela desigualdade e diversidade (HOBSBAWM, 2009).

A globalização na dimensão econômica, apesar de criar uma integração estreita entre economias e mercados, em que companhias podem trabalhar de maneira simultânea em distintos países e, ainda, movimentar seu capital financeiro de maneira transcendente, não torna invisível a heterogeneidade humana e cultural.

Conforme Massey (2008), a globalização não mostra um sistema totalmente interconectado, há tanto suas ausências de longa duração quanto a produção sistemática de novas desconexões. Logo, a intenção desta seção é ater-se à dimensão cultural, tendo os processos e sujeitos protagonistas da instituição da globalização. Neste contexto, conforme Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006), é preciso superar a visão de um protagonismo exclusivo dos europeus e tomar os diferentes povos e lugares como constitutivos do mundo e da globalização.

É o espaço-mundo em sua totalidade que precisa ser levado em conta, e não um único polo ativo, a Europa, e outro passivo, resto do mundo. Realidade que os pôs, enquanto “avançados”, em relação a outros povos e países que seriam “atrasados”, pois reduziram as diferentes temporalidades do mundo ao seu próprio tempo, ao

Reflita, na paródia do Hino Nacional Brasileiro, a inclusão dos ícones da economia emergente que são tomados falsamente como sinônimo da globalização. Hino da Globalização. Disponível em: <http://geografiapulsante.forumeiros.com/t12-hino-da-globalizacao>. Acesso em: 15 mai. 2015.

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funcionamento do seu relógio, que julgaram ser universal.

A nova narrativa hegemônica da globalização é contada como uma história universal, mas trata-se de um processo que não é universalizado (MASSEY, 2008). Contudo, são trajetórias com diferentes recursos, dinâmicas distintas, forças no mercado e temporalidades que têm suas próprias direções no espaço-tempo e que se encontram diferenciadamente inseridas dentro da globalização (MASSEY, 2008).

Amplamente notada, e cada vez mais preocupante, a ideia da polarização do mundo e de sua população não é uma interferência externa, estranha, perturbadora, um entrave ao processo de globalização, é erradamente visualizada como efeito dele (BAUMAN, 2008). Uma vez que a concepção da singularidade da narrativa modernista esconde a existência de outras histórias que foram excluídas ao passado, devemos substituir a única história por muitas. Vive-se em uma época em que a globalização ainda é facilmente imaginada como um tipo de força emanando sempre de outro lugar (MASSEY, 2008).

O lugar centraliza a Europa como propulsora da globalização, entretanto, o momento requer que ampliemos nosso horizonte e redirecionemos nosso olhar em defesa da contemporaneidade de outros países que experienciam diferentes momentos. Todavia, se mantivéssemos nosso foco sobre uma única história, estaríamos vivenciando uma atemporalidade (= que não pode ser afetada pelo tempo), em que haveria apenas uma sequência temporal para os acontecimentos, ou seja, os acontecimentos estariam fadados há apenas uma definição.

Por exemplo, neste início de ano, nós, brasileiros, estamos acompanhando a ocorrência de greves em vários de nossos estados, as reivindicações podem até ser as mesmas (educação, transporte etc.), mas as formas como os indivíduos dos diferentes estados estão organizando e conduzindo as greves pode revelar muitas diferenças. Logo, não se segue uma sequência lógica, primeiro a greve se inicia num estado, depois passa para outro repetindo a mesma forma sucessivamente, mas ocorrem simultaneamente com diferentes definições, apesar de ser um único fenômeno (greve).

Espero que agora, quando você pensar em globalização, possa reconhecer a coexistência simultânea de outros (todos os países), com suas próprias trajetórias e com sua própria história para contar. A globalização concebida como uma sequência histórica não reconhece a coexistência de outras histórias com características que sejam distintas, inclusive a existência da desconexão e futuros próprios (MASSEY, 2008).

A globalização não se constrói apenas por uma ação, como muitos destacam sendo a econômica, ela é, acima de tudo, um processo histórico que, embora apresente-se nos últimos anos de forma acelerada, está numa transformação incessante. Sua essência é a expansão e, num planeta que, por sua própria natureza,

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é marcado pela diversidade (geográfica, histórica, natural, cultural, política etc.), essa realidade impõe restrições à unificação de todo o planeta (HOBSBAWM, 2009).

O sociólogo Bauman (2006) também complementa ambos os argumentos citados acima, nos atentando para a questão de que vivemos num ambiente fluido, em constante mudança, em que a ideia de eternidade, duração perpétua ou valor permanente, imune ao fluxo do tempo, não tem fundamento na experiência humana. O tipo de cultura de que participa esta falsa globalização dita de um mundo totalmente integrado, não é a cultura de um determinado lugar, mas a de um tempo. É a cultura do presente absoluto, que, conforme este falso imaginário, estaria imune ao fluxo do tempo, aos acontecimentos (BAUMAN, 1999).

Ao passo que você já desvinculou o global como sendo algum modo sempre acima, exterior, certamente em algum outro lugar (MASSEY, 2008), e descentrou a economia, como único fluxo da globalização, torna-se necessário reconhecer a Europa, apenas uma das histórias que estão sendo feitas, reelaborando a narrativa da modernidade capitalista de sua centralização europeia para as dispersas periferias globais.

Não basta compreendermos a globalização com o simples sentido de aumentar os contatos e fluxos globais (MASSEY, 2008), pois, dessa forma, projeta-se uma ideia de organizar o espaço recusando a reconhecer as multiplicidades (existência diversificada de indivíduos), suas fraturas e dinamismos. É uma estabilização das instabilidades inerentes e das criatividades do espaço, uma forma de chegar a um acordo com o grande ‘exterior’.

O fato de considerarmos a globalização como sequência histórica, isto é, coisas acontecendo umas após as outras, nos impõe a instantaneidade de um único presente global, como se o mundo fosse totalmente integrado. Sabemos que isso seria impossível, mas a divulgação contínua e atenta aos acontecimentos midiáticos globais, como a Copa do Mundo, as Olímpiadas, os Jogos de Inverno, e também, as instituições internacionais, como a ONU (Organização Mundial das Nações Unidas), o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, entre outros, sustentam e reforçam essa crença na falsa realidade de que tudo, por toda parte, já está ligado com tudo.

Todavia, de acordo com Massey (2008), não há naturalmente nenhum momento único global integrado, pois certamente a construção desses acontecimentos midiáticos, enquanto globais, é precisamente um resultado das interseções/cortes dentro dessa multiplicidade, demostrando a natureza complexa, desigual e espacialmente diferenciada da sua construção.

Entender, ainda, a globalização como um processo acabado é um equívoco, pois ora ouve-se alegações de que já estamos impregnados dela, ora ela torna-se uma promessa de um futuro. Esse discurso coloca aqueles que “ainda” não estão

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integrados nessa única globalidade como atrasados, temporariamente, “atrás” (MASSEY, 2008).

A nossa imaginação geográfica, conforme Massey (2008), transforma-se de um unido de lugares delimitados para um mundo de fluxos em que a participação e a atuação dos distintos povos é diferenciada. E em vez de identidades isoladas, um entendimento do espacial como relacional, através de conexões e desconexões, mostrando que as coisas não são já e para sempre constituídas, mas em processo constante de transformação. Entretanto, essas diferenças potenciais das trajetórias são apagadas pela ideia da vivência numa sequência temporal. Negam-se as multiplicidades essenciais, pois trata-se de uma narrativa com uma trajetória única (Europa).

Então, acadêmico de Geografia, é preciso se atentar que a globalização não é, segundo Massey (2008), um movimento único que tudo abarca (espaço livre e sem limites), mas uma criação de espaços, uma reconfiguração ativa e encontro através de práticas e relações de uma enorme quantidade de trajetórias.

Portanto, ao contrário do que se pensa, os processos globalizadores não levaram à relativa homogeneização promovida pela mercantilização econômica e cultural mundializada, mas evidencia-se que a globalização se alimenta da diferenciação, ou então, através da luta por maior autonomia de determinados espaços de vida.

Claramente, o mundo não é totalmente globalizado, o próprio fato de que alguns estão se empenhando tanto em fazê-lo é prova de que o projeto está incompleto. Mas isto é mais do que uma questão de incompletude - mais do que uma questão de esperar que os retardatários os alcancem. Há múltiplas trajetórias/temporalidades aqui. Mais uma vez, como no caso da modernidade, esta é uma imaginação geográfica que ignora as subdivisões estruturadas, as necessárias rupturas e desigualdades, as exclusões das quais depende o sucesso de prosseguimento do próprio projeto. Enquanto a desigualdade for lida em termos de estágios de avanço ou atraso, não apenas as histórias alternativas não são reconhecidas, mas também a evidência da produção da pobreza e da polarização, dentro e através da própria globalização pode ser riscada do mapa (MASSEY, 2008).

A segregação de identidades promovidas e transformadas num “dever” pela

O termo trajetória refere-se, na perspectiva de Massey (2008), a movimento, mudança das próprias coisas, ou seja, as pessoas experienciam e vivenciam o mundo de distintas maneiras.

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globalização dos mercados e da informação não refletem uma diversidade igualitária entre países, pois o que se apresenta como opção para alguns abate-se sobre outros como destino cruel. Definir a globalização essencialmente como o processo de concentração de capitais, das finanças e todos os outros recursos de escolha e ação efetiva, e de concentração da liberdade de se mover e agir estaria incompleto (BAUMAN, 2005).

Para alguns, diante do mundo dos globalmente móveis, o espaço perdeu sua qualidade restritiva e é facilmente transposto “real” ou “virtual”. Para outros, impedidos de se mover e assim fadados a suportar passivamente qualquer mudança que afete a localidade onde estão presos, o espaço real está se fechando rapidamente. É um tipo de provação que se torna ainda mais penosa pela insistente exibição na mídia da conquista do espaço e do “acesso virtual”, as distâncias que permanecem teimosamente inacessíveis na realidade efetiva (BAUMAN, 1999, p. 85).

O mundo cada vez mais cosmopolita e extraterritorial dos homens de negócio globais, dos controladores globais da cultura e dos acadêmicos globais percebe que as fronteiras foram derrubadas, como foram para as mercadorias, o capital e as finanças. No entanto, para o restante da população os muros constituídos pelos controles de migração, as leis de residência, a política de “ruas limpas” e a “tolerância zero” ficaram mais altos; os fossos que os separam dos locais de desejo e da

Numa perspectiva econômica, conforme Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006, p. 41), a globalização é um processo que se estende “a todo o planeta, marcada pela ruptura de fronteiras, pela perda de influência dos condicionamentos locais e pela expansão de uma dinâmica de acumulação e contração de capital em nível mundial”. Esta se desdobra em quatro formas: a comercial, a produtiva, a tecnológica e a financeira. No mesmo contexto, Santos (2001) coloca que a globalização é, de certa forma, o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista, concretizada pela atuação de um sistema unificado de técnicas, que permite ações igualmente globais. Ela é o resultado das ações que asseguram a emergência de um mercado dito global, responsável pelo essencial dos processos políticos atualmente eficazes. Os fatores que a explicam são: a unicidade da técnica, a convergência dos momentos, a cognoscibilidade do planeta e a existência de um motor único na história, representado pela mais-valia globalizada. Para Santos (2001), haveria um motor único, a mais-valia universal, conduzido e, ao mesmo tempo, homogeneizado pelo mercado global regulador, assim, a globalização surge do embate entre um dinheiro globalizado e as instâncias político-administrativas do Estado.

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sonhada redenção ficaram mais profundos, ao passo que todas as pontes, assim que se tentam atravessá-las, revelam-se pontes levadiças. Os primeiros viajam à vontade, divertem-se bastante viajando, são moldados a viajar (BAUMAN, 1999).

O capital, os ricos, os qualificados podem se mover com mais facilidade pelo mundo, como investimento, ou comércio, ou em função de grande demanda de trabalho, ou como turistas, e, ao mesmo tempo, quer seja nos países ocidentais de migração controlada ou nas comunidades muradas dos ricos em qualquer metrópole importante de qualquer lugar, ou nos redutos elitizados de produção de conhecimento e de alta tecnologia, eles podem proteger seus lares-fortaleza. Enquanto isso, os pobres e os não qualificados das chamadas margens deste mundo são instruídos tanto a abrir suas fronteiras e dar as boas-vindas à invasão do Ocidente, sob qualquer forma que ela venha, quanto a permanecer onde estão (MASSEY, 2008).

O mundo não parece mais uma totalidade e, sim, um campo de forças dispersas e díspares, que se reúnem em pontos difíceis de prever e ganham impulso sem que ninguém saiba realmente como pará-las.

A globalização, aos olhos de muitos, indicava e ainda indica uma ordem universal, cuja produção ocorre numa escala universal, verdadeiramente global. A concepção de universalização foi cunhada com base nos recursos das potências modernas e das ambições intelectuais modernas. Ambos anunciam a vontade de tornar o mundo diferente através da expansão, mudança e melhoria em escala global, a dimensão da espécie. Além disso, declarando a intenção de tornar semelhantes as condições de vida de todos, em toda parte, e, portanto, as oportunidades de vida para todo mundo; talvez mesmo torná-las iguais (BAUMAN, 1999).

Contudo, o que percebemos atualmente é que a globalização condiz aos efeitos globais notoriamente não pretendidos e imprevistos, e não às iniciativas e empreendimentos globais (BAUMAN, 1999).

Alunos, nossas ações podem ter, e muitas vezes têm mesmo, efeitos globais, mas nós não temos nem sabemos bem como obter os meios de planejar e executar ações globalmente. A “globalização” não diz respeito ao que todos nós desejamos ou esperamos fazer. Diz respeito ao que está acontecendo a cada um de nós. A ideia de “globalização” refere-se aos tipos de “forças anônimas” que se estendem para além do alcance da capacidade de desígnio e ação de quem quer que seja em particular (BAUMAN, 2008).

O que é imposto à população midiática é um mundo de fabulações (= ilusões), que consagra um discurso único, fundamentado na produção de imagens e do imaginário, que está a serviço do império do dinheiro, pela economização e monetarização da vida social e da vida pessoal (SANTOS, 2001).

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Diante de tudo que vimos sobre globalização (verdades e ilusões), impõe-se a questão da transcendência da identidade cultural enraizada na especificidade local para além das garras da globalização na versão midiática?

1. Quais são os principais mitos da globalização difundidos pelo discurso midiático?

2. A concepção de globalização como um processo que projeta o fim das fronteiras, a livre circulação e a integração total do mundo está dentro de qual perspectiva?

3. Como você definiria o fenômeno da globalização com base no que foi exposto?

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Seção 2

Pluralização de identidades: o sujeito global contemporâneo

A seção 2 trabalha com a emersão de alguns aspectos que são mencionados de forma recorrente no nosso dia a dia, que nos induz a acreditar que somos parte de algo já constituído, solidificado, como os símbolos nacionais que nos são impostos. É preciso voltar-nos para nós mesmos a fim de resgatar esse processo criativo e impulsivo de nos reconstruirmos constantemente de acordo com os momentos e as fases da vida.

2.1 Identidades transitórias

Retornemos novamente nossa atenção à trajetória do migrante haitiano que chegou ao Brasil em 2013, após uma vivência de 10 anos na República Dominicana. Imagine você, num ciclo curto de vida, mudar periodicamente de país, esse movimento e mudança de práticas e interações que se efetivam na experiência humana ao inserir-se em um novo contexto social, cultural etc. contribui para a edificação da sua identidade, pois são as experiências humanas ao longo de nossa vida que tecem nossa identidade.

Um exemplo disso é vislumbrado no livro “O mundo de Sofia: romance da história da filosofia”, de autoria de Jostein Gaarder (1995), em que o filósofo Alberto Knox lança à menina Sofia a questão “Quem sou eu?”. E quem de nós já não se fez e refez essa pergunta no decorrer dos anos? No livro, ao passo que a menina Sofia vivencia novas práticas e atividades sociais, e se insere no contexto do mundo da filosofia, apresentam-se respostas momentâneas para essa pergunta.

Do mesmo modo, nós, ao longo de nossa jornada, nos deparamos com diferentes práticas, interações e contextos sociais que embasam nossa resposta em determinado momento. Isso ocorre porque toda identidade, ou melhor, toda declaração identitária (individual ou coletiva) é múltipla, inacabada, instável, sempre experimentada mais como uma busca do que como um fato (AGIER, 2001).

Portanto, a identidade, de acordo com Castells (1999), é a fonte de significado e experiência de uma pessoa ou de um povo. Precisamos também, aqui, desvincular

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o discurso simplista de caráter absoluto, autêntico e atemporal projetado sobre uma identidade afirmada, uma vez que a nossa realidade de vivência de diferentes práticas e atividades, além do frequente questionamento de quem somos, nos possibilita vislumbrar o caráter profundamente construído, processual e situacional da identidade (AGIER, 2001).

O migrante haitiano que mencionamos no começo desta unidade representa essa multidão de pequenas narrativas identitárias, que ocupam o vazio deixado pelas “grandes narrativas” em crise (missão cristã, destino das classes, projeção nacional). Elas aparecem nos mais diversos contextos, em construções híbridas, “bricoladas”, heterogêneas. Enfim, são o resultado da iniciativa dos indivíduos, dos pequenos grupos ou das redes que, frequentemente, têm dificuldades em fazer compreender a especificidade que reivindicam para si (AGIER, 2001).

Com o desmantelamento das “grandes narrativas”, nosso mundo encontra-se em uma fase de criatividade intensa feita de múltiplas buscas identitárias e, simultaneamente, de novas culturas declarativas de identidade. A identidade de um momento será, talvez, mais tarde esquecida, quando outros contextos e outras relações prevalecerão, mas a cultura do lugar onde isso ocorre atualmente, também terá sido transformada, “trabalhada” profundamente (AGIER, 2001).

Pensando nesse processo constante de mudanças, em que as culturas mudam junto às identidades, podemos vincular nossa concepção de identidade, segundo Castells (1999, p. 23), a “um processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados”, os quais prevalecem sobre outras fontes de significado.

Por exemplo, os estereótipos destinados aos colombianos que são amplamente relacionados com as drogas, violência e corrupção (através dos meios massivos de comunicação), contradizem essa significação do processo de identificação via atributos culturais, pois trata-se de uma imposição fixa feita pelo outro, sem que haja

Assista, no site YouTube, ao seguinte vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ttWUBCFoWkQ. Acesso em: 15 mai. 2015.Ele retrata a vida do camaleão, uma espécie de lagarto que muda de cor ficando semelhante ao ambiente em que está inserido. Diria que em parte podemos equiparar nosso processo de identificação com a mudança constante de cor do camaleão, pois a construímos ao longo da vida ininterruptamente, de acordo com o que experienciamos e o contexto em que estamos inseridos.

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a identificação de quem a recebe.

Toda e qualquer identidade é construída, uma vez que a identificação como uma construção, como um processo nunca completo, como algo sempre “em andamento”, não é, nunca, completamente determinada, devido que se pode, sempre, “ganhá-la” ou “perdê-la”. Portanto, ela pode ser, sempre, sustentada ou abandonada, de acordo com suas condições (recursos materiais e simbólicos) determinadas de existência. A identificação é, ao fim e ao cabo, condicional e, uma vez assegurada, ela não anulará a diferença (HALL, 2001).

Neste contexto, podemos dizer que as identidades constituem fontes de significado (identificação simbólica) para os indivíduos e, dependendo do indivíduo, pode haver identidades múltiplas (CASTELLS, 1999). Todavia, não confunda identidade com o conjunto de papéis sociais que se pode desempenhar ao longo da vida, como: esposa, mãe, dona de casa, advogada, mecânico, professor, geógrafo, estudante, entre outros. “Enquanto as identidades organizam significados, os papéis encarregam-se de organizar funções” (CASTELLS, 1999, p. 23).

As identidades não são nunca unificadas, visto que na modernidade tardia são cada vez mais fragmentadas e fraturadas. Nem singulares, mas multiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou ser antagônicos. As identidades estão sujeitas a uma historicização radical, estando constantemente em processo de mudança e transformação (HALL, 2001).

Uma abordagem que considere essas identidades já, ou para sempre, constituídas e defenda os direitos ou reivindique a igualdade para essas identidades já constituídas, reivindicações baseadas em noções de identidade imutável, se apresenta como

Assista ao filme “O Show de Truman” para entender melhor como as mudanças e as transformações diante das práticas, atividades, interações e contextos em que estamos inseridos influenciam na construção de nossa identidade. No filme, Truman é um homem, cuja vida é um reality show contínuo de televisão, sem seu consentimento ou ciência disto. Referenciais materiais e simbólicos são introduzidos ao longo da vida de Truman para que ele construa sua identidade. No entanto, ao longo da trama com a realização de outras interações, ele começa a questionar quem ele é, e, ao passo que as coisas mudam, ele abandonará sua antiga identidade e buscará outros recursos materiais e simbólicos para sustentar outra. O primeiro deles será mudar seu contexto de vivência.

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insustentável, uma vez que “as identidades são construídas relacionalmente ao longo da vida” (MASSEY, 2008, p. 30- 31). Logo, não há identidades sempre já constituídas.

A identidade é realmente algo formado ao longo do tempo através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Apesar de recebermos um nome quando nascemos, uma certidão de nascimento e, posteriormente, documentos que nos façam existir para a sociedade, estes não são suficientes para declarar nossa própria identidade/identificação, pois precisamos de nossas experiências para edificá-la. Existe sempre algo imaginário ou fantasiado sobre sua unidade. “Ela permanece sempre incompleta, está sempre em processo, sempre sendo formada” (HALL, 1999, p. 38).

Precisamos nos atentar também para o fato de que a identidade não tem a solidez de uma rocha, não é garantida para toda a vida, é bastante negociável e revogável, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age - e a determinação de se manter firme a tudo isso - são fatores cruciais para a identidade (BAUMAN, 2005).

A identidade nos é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto; como alvo de um esforço, um objetivo; como uma coisa que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais, mesmo que, para que essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a condição precária e eternamente inconclusa da identidade deva ser, e tenda a ser, suprimida e laboriosamente oculta (BAUMAN, 2005).

Assim, em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é preenchida a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros.

Psicanaliticamente, nós continuamos buscando a identidade e construindo biografias que tecem as diferentes partes de nossos “eus” divididos numa unidade, porque procuramos recapturar esse prazer fantasiado da plenitude (HALL, 1999).

O sujeito visto como tendo uma identidade fixa e estável, com ampliação do pensamento, frente aos processos de globalização, foi descentrado, resultando nas identidades abertas, contraditórias, inacabadas, fragmentadas, do sujeito pós-moderno. Tudo se passa como se os imaginários locais fossem “pesados” demais, colados demais nas realidades dos territórios, sempre tentando alcançar as retóricas globais mais leves e fluídas, com relação às quais eles estão sempre atrasados (AGIER, 2001).

As identidades estão se movendo não unicamente pela globalização, mas porque o processo de construção de identidade está em processo. Os processos

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de globalização apenas intensificam a construção relacional da identidade (de nós mesmos, do cotidiano, dos lugares). São formadas através de uma miríade de práticas de negociação e contestação cotidianas, práticas, através das quais as identidades constituintes são, também, elas mesmas, continuamente moldadas (MASSEY, 2008).

A multiplicidade interna da identidade cultural reflete a multiplicidade externa das relações entre corpos, ainda mais vislumbrada pela fluidez da globalização (fluxos de informação, pessoas, atributos culturais) que densifica as próprias interconexões que são partes da construção de identidade (MASSEY, 2008).

Agora, direcione seu pensamento para a sua ou nossa experiência social diante da era pós-moderna de descentralização, deslocamento e múltiplas redes sociais (virtuais e espaciais), projete-se de um sujeito de uma identidade unificada e estável para um fragmentado. Composto não de uma única, mas de várias identidades, por vezes contraditórias ou não resolvidas. Esse sujeito pós-moderno, com o qual nos identificamos neste momento é, compreendido, conforme Hall (2011), como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente.

Sua mobilidade é formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam, portanto, a mudança está relacionada não com a questão biológica, mas com as distintas trajetórias históricas.

O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente, pois convivemos com contradições que nos apontam para diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas.

São mudanças em nossa trajetória que vão acrescendo ou substituindo distintos caracteres próprios e exclusivos de cada sujeito social. Assim, o fato de algumas pessoas sentirem que têm uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque constrói uma cômoda história sobre si mesmo ou uma confortadora narrativa do “eu” que o envolve numa trajetória moralmente intacta.

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente, para Hall (2011, p. 13), é uma fantasia, pois à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, “somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e mutável de identidades possíveis”, que poderíamos nos identificar mesmo que temporariamente.

Estamos agora passando da fase sólida da modernidade para a fase fluída. E os fluídos são assim chamados porque não conseguem manter a forma por muito tempo e, a menos que sejam derramados num recipiente apertado, continuam mudando de forma sob a influência até mesmo das menores forças. Com nosso processo de identificação não é diferente, “estamos constantemente mudando de

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forma, buscando novos recursos materiais e simbólicos que possam sustentar nossa identidade” (BAUMAN, 2005, p. 57).

Uma identidade coesa, firmemente fixada e solidamente construída seria um fardo, uma repressão, uma limitação da liberdade de escolha. Seria um presságio da incapacidade de destravar a porta quando a nova oportunidade estiver batendo. É como se fôssemos aprisionados a estereótipos, estigmas, categorizações (BAUMAN, 2005).

A essência da identidade é a resposta à pergunta Quem sou eu? Independentemente da qual possa ser dada, esta jamais poderá ser constituída sem fazer referência aos vínculos que conectam o “eu” a outras pessoas e ao pressuposto de que tais vínculos são fidedignos e gozam de estabilidade com o passar do tempo (BAUMAN, 2005).

Na era do Estado-nação, proclamava-se pela nacionalidade a edificação de uma “metaidentidade”, a mais geral, volumosa e onívora de todas, que emprestaria significado a todas as outras e as reduziria ao papel secundário e dependente de exemplos ou casos especiais. Neste intuito, os Estados-nação buscaram recursos materiais e simbólicos para sustentar a identidade nacional. Mas com a intensificação da globalização, esta não sustentou sua exclusividade, múltiplas identidades floresceram (BAUMAN, 2005).

Associando identidade ao processo de globalização, podemos vislumbrar dois polos que integram os indivíduos. De um lado aqueles que constituem e desarticulam as suas identidades mais ou menos à própria vontade, escolhendo-as no leque de ofertas extraordinariamente amplo, de abrangência planetária. No outro polo, abarrotam-se aqueles que tiveram negado o acesso à escolha da identidade, que não têm direito de manifestar as suas preferências e que no final se veem oprimidos por identidades aplicadas e impostas por outros - identidades de que eles próprios se ressentem, mas não tem permissão de abandonar, nem das quais conseguem se livrar. Identidades que estereotipam, humilham, desumanizam, estigmatizam (BAUMAN, 2005).

A busca desenfreada pelo reconhecimento, travada individual ou coletivamente, em geral se desenrola de duas maneiras, em uma delas a identidade escolhida e preferida é contraposta, principalmente, com as sobras das identidades antigas, abandonadas e abominadas, escolhidas ou impostas no passado. Na outra, impõem-se sob pressões de outras identidades, maquinadas e impostas (estereótipos, estigmas, rótulos), promovidas por forças inimigas. Estas devem ser enfrentadas e repelidas, mas nem sempre é isso que acontece (BAUMAN, 2005).

Quando nós nos deparamos com determinados acontecimentos que experienciamos, estes, aos olhos dos outros, projetam sobre nós identidades. Por exemplo, a condição de abandono dos estudos, de mãe solteira, viciado ou ex-viciado em drogas, sem-teto, mendigo ou de outras categorias arbitrariamente

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excluídas da lista oficial dos que são considerados adequados e admissíveis. Qualquer outra identidade que você possa ambicionar ou lutar para obter lhe é negada a priori. Estas identidades representam a ausência de identificação, pois se tem a abolição ou negação da individualidade, do rosto, pela exclusão do espaço social e tempo em que as identidades são buscadas, escolhidas, construídas, avaliadas, confirmadas ou refutadas.

Para os refugiados (sem-Estado), a situação não é diferente do que acabamos de expor, ao passo que compartilham de uma identidade imposta que lhe nega a condição espacial e temporal da vivência, eles ainda são privados do direito da presença física dentro de um território sob lei soberana. Exceto em não lugares especialmente planejados, denominados campos para refugiados ou pessoas em busca de asilo, a fim de distingui-los do espaço em que os outros, as pessoas “normais, perfeitas”, vivem e se movimentam. A não presença destes em um território revela a privação aos recursos materiais e simbólicos que sustentam a construção das identidades. Portanto, a identidade que recebem de “refugiados” é o extremo de qualquer estereótipo, pois não permite nem sequer que o indivíduo simpatize com um referencial de significados, mesmo que imposto. É como se essa identidade coubesse àqueles que a nada se identificam, os que sobraram dessa busca incansável pela identificação (BAUMAN, 2005).

O anseio por identidade vem do desejo de segurança, no entanto, no caso dos refugiados, que segurança eles podem receber no campo de refugiados, uma vez que com a expulsão do país de origem já lhes foi tirado todo o tipo de direitos? Portanto, tal categorização não pode ser considerada uma identidade de fato, pois não é uma construção própria daqueles que a recebem. Em nossa época líquido-moderna, em que o indivíduo é percebido como livremente flutuante, desimpedido, estar fixo - ser identificado de modo inflexível e sem alternativa - é algo cada vez mais incabível (BAUMAN, 2005).

Nós, habitantes do líquido mundo moderno, buscamos, construímos e mantemos as referências comunais de nossas identidades em movimento, lutando para nos juntarmos aos grupos igualmente móveis e velozes que procuramos, construímos e tentamos manter vivos por um momento, mas não por muito tempo (BAUMAN, 2005).

A identidade pode sofrer alusão a um manto leve pronto a ser despido a qualquer momento. O conjunto de indivíduos que assume uma identidade semelhante forma, segundo Bauman (2005), comunidades guarda-roupa. Estas são edificadas enquanto dura o espetáculo e prontamente desfeitas quando os espectadores apanham os seus casacos nos cabides. Suas vantagens em relação à coisa genuína são precisamente a curta duração de seu ciclo de vida e a precariedade do compromisso necessário para ingressar nelas e aproveitá-las.

Diante de tudo que foi exposto, podemos acreditar que a fonte de especificidade

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cultural não está apenas no isolamento espacial e nos efeitos emergentes de processos internos de articulação como anteriormente acreditávamos, mas também de modo muito importante, em interações com o que está além (com os outros que completam esse mundo). É tal articulação que permite até mesmo que importações culturais muito recentes sejam absorvidas tão facilmente como características primordiais de autenticidade (MASSEY, 2008).

Por exemplo, uma especificidade cultural externa que foi absorvida enquanto símbolo interno da identidade brasileira é o futebol. Este começou no final do século XIX pelas mãos dos ingleses, e, atualmente nós, brasileiros, nos identificamos e reconhecemos por excelência como “país do futebol”.

Portanto, pela efetivação constante de conexões e desconexões, precisamos cogitar que a identidade cultural é construída através de um processo nunca-isolado, nunca-imutável de produção da diferenciação cultural num espaço inter-relacional.

2.2 Identidade e Nação

A equivocada noção da distância como subitamente erradicada, espacial e temporalmente, não se concretiza, mas o que se evidencia é o seu encurtamento pelos recursos que se apresentam. Esta é fruto da globalização, assim como, segundo Bauman (2005), a posição do Estado que não tem mais o poder ou o desejo de manter uma união sólida e inabalável com a nação. Isso nos transporta para a ideia do abandono de uma identidade integral, originária e unificada (HALL, 2001), pois no admirável mundo novo das oportunidades fugazes e das seguranças frágeis, as identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis, simplesmente não funcionam, em contrapartida, as identidades ganharam livre curso, e agora cabe a cada indivíduo, homem ou mulher, capturá-las em pleno voo, usando os seus próprios recursos e ferramentas.

Essa cultura nacional que nos é imposta ao nascermos constitui uma das principais fontes de identidade cultural, contudo, elas não são coisas com as quais nós nascemos, todavia, são formadas e transformadas no interior da representação (HALL, 1999). Da mesma forma, a identidade irá ser formada e transformada ao passo que a cultura também se modifica, quando entramos em contato com outros referenciais, seja da cultura de origem ou externa.

A cultura nacional é um discurso, um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos (HALL, 1999). Sentidos (memórias, mitos, histórias e imagens) são recursos simbólicos criados para sustentar nossa identificação, portanto, a identidade nacional é uma comunidade imaginada, pois somos induzidos a acreditar que nascemos com tal reconhecimento impresso em nossos genes, como se fosse uma questão biológica

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e não reflexo de nossa trajetória histórica.

O papel da identidade nacional é dar significado e importância à nossa monótona existência, conectando nossas vidas cotidianas a um destino nacional que preexiste a nós e continua existindo após nossa morte (HALL, 1999).

Mesmo pensando no processo da identidade nacional, cujas tradições nacionais são inventadas e reinventadas ao longo do tempo com o intuito de alimentar o reconhecimento dos indivíduos à nação, podemos então inferir que as identidades não são de modo algum fixas e estáveis, mas sim em constante processo de transformação. Por isso, não importa quão diferentes seus membros possam ser em termos de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural, para representá-los todos como pertencentes à mesma e grande família nacional (HALL, 1999).

Em contrapartida, a globalização, conforme Hall (2001), como um processo de mudança constante, rápida e permanente revela as diferentes posições do sujeito: criação de novas identidades e a produção de novos sujeitos. Embora o sujeito esteja sempre partido ou dividido, ele vivencia sua própria identidade como se ela estivesse reunida e resolvida, ou unificada, como resultado da fantasia de si mesmo como uma pessoa unificada que ele formou na fase do espelho.

A tendência a uma maior interdependência global está levando ao colapso de todas as identidades culturais fortes e está produzindo aquela fragmentação de códigos culturais, aquela multiplicidade de estilos, aquela ênfase no efêmero, no flutuante, no impermanente e na diferenciação e pluralismo cultural. Os fluxos culturais, entre nações, e o consumismo global criam possibilidades de identidades partilhadas como consumidores para os mesmos bens, clientes para os mesmos serviços, públicos para as mesmas mensagens e imagens entre pessoas que estão distantes uma das outras. À medida que as culturas nacionais tornam-se mais expostas às influências externas, é difícil conservar as identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do bombardeamento e da infiltração cultural (HALL, 1999).

Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, viagens internacionais, imagens da mídia e sistema de comunicação globalmente interligado, mais as identidades se tornam desvinculadas, desalojadas - de tempos, lugares, histórias e tradições específicos -, e parecem flutuar livremente. Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma escolha.

A continuidade e a historicidade da identidade são questionadas pela imediatez e pela intensidade das confrontações culturais globais (HALL, 1999). Vivenciamos a era do consumismo, em realidade ou sonho, a qual projetou-se sobre o processo de

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identificação, como se as identidades fossem ofertadas num supermercado cultural. No interior do discurso do consumismo global, as diferenças e as distinções culturais, que até então definiam a identidade, ficam reduzidas a uma espécie de língua franca internacional ou de moeda global em termos das quais todas as tradições específicas e todas as diferentes identidades podem ser traduzidas (HALL, 1999).

As identidades nacionais, como vimos, representam vínculos a lugares, eventos, símbolos, histórias particulares. Elas representam a falsa ideia de uma especificidade cultural criada de forma isolada, mas o que tentam esconder é que o advento a novos recursos materiais e simbólicos é o que permite a manutenção da identidade nacional. Não é possível, no mundo de contato intenso que vivemos, com as multiplicidades internas ou externas e as constantes mudanças, pensar num processo de identificação voltado a referenciais de momentos passados.

Podemos pensar também que a proliferação das escolhas de identidade é mais ampla no centro do sistema global do que nas suas periferias (HALL, 1999). Lembrem-se de que a globalização não é vivenciada da mesma forma por todo o mundo e, como ela é responsável também por abrir o leque das múltiplas identidades possíveis, certamente os que vivenciam a maior intensidade dos fluxos são privilegiados na quantidade exposta à escolha.

A globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar as identidades centradas e fechadas de uma cultura nacional, visto que ela tem um efeito plural sobre as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação, e tornando as identidades “mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas, menos fixas, unificadas ou trans-históricas” (HALL, 1999).

A natureza provisória de toda e qualquer identidade e de toda e qualquer escolha entre a infinidade de modelos culturais a disposição não é uma descoberta, nem invenção. Como tudo nas práticas humanas, é vivenciada com o direito de apelo ou reforma. Tudo que é criado num determinado momento pode ser mudado infinitamente. Esse aspecto acompanhou a era moderna desde o início. De fato, a mudança obsessiva e compulsiva é a essência do modo moderno de ser. Você deixa de ser moderno quando para de modernizar-se, quando abaixa as mãos e para de remendar o que você é e o que é o mundo à sua volta (HALL, 1999).

Assim, a construção da identidade assume a forma de uma experimentação infindável, sem nunca terminar, é um processo sempre aberto ao novo. Logo, você assume uma identidade num momento, mas muitas outras, ainda não testadas, estão na esquina, esperando que você as escolha. E outras identidades ainda não sonhadas estão por ser inventadas e cobiçadas durante sua trajetória de vida. Você nunca saberá ao certo se a identidade que agora exibe é a melhor que pode obter e a que provavelmente lhe trará maior satisfação (HALL, 1999).

Em nosso mundo fluído, comprometer-se com a ideia de termos uma identidade

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única no decorrer de nossa vida independe das experiências que tivermos, dos contatos, das interações, da troca de informações etc., é infundada devido às absorções e identificações com outros atributos culturais que revelam que as identidades são para usar e exibir, não para armazenar e manter.

O fato da existência da imposição ao nascermos de uma identidade nacional nos condiciona a ter uma identidade fixa, estável, imutável em relação ao nosso país de origem?

1. Qual é a diferença entre a concepção de identidade na era do Estado-nação e na Modernidade?

2. Como esse sujeito fragmentado é colocado em termos de suas identidades culturais?

3. Pense num tipo de identidade utilizada como estereótipo (imposta) que foi apontada no texto e argumente o que a torna diferente da identidade escolhida pelo indivíduo.

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Seção 3

Comunidades transnacionais: os fluxos globais e a simultaneidade de indivíduos

A última seção é idealizada para que você, aluno, faça um exercício de reflexão diante do que foi trabalhado na seção 1 para o termo globalização e na seção 2 para a concepção de identidade. Para que você consiga fazer uma conexão entre globalização e identidade, apresenta-se um elemento humano das forças globalizantes, a migração, que por si só revela a coexistência simultânea de outros, seja nos países ditos desenvolvidos ou nas periferias mundiais. Um movimento social que conecta indivíduos no país de origem e destino e escancara a autonomia desses espaços de vida. Em contrapartida, alerta-nos para a falsa ideia de uma aldeia global, onde todos os espaços estariam da mesma forma conectados e interligados, sendo que essas articulações nem sempre se revelam pelos fluxos de uma economia globalizada.

3.1 Transnacionalismo

Agora, aluno, proponho a você o contato com um novo conceito, o de “transnacionalismo”, pois além de revelar a coetaneidade de outras trajetórias históricas, vivenciando o mesmo fenômeno, ainda permite visualizar que sua ocorrência está entrelaçada ao contexto da globalização e impulsionando o processo de construção da identidade. O transnacionalismo se revela na migração de diversos indivíduos/povos para outros países, com destaque para aqueles de maior visibilidade mundial. Ao estabelecerem-se no país de destino, estes migrantes manterão também um intenso relacionamento com o país de origem. Uma vinculação habitual diversificada em um espaço social transcendendo as fronteiras revela a globalização e a identidade enquanto processos sempre em construção, por meio da experiência humana dos diferentes indivíduos mundiais nos mais variados contextos.

A migração é, desse modo, uma afirmação da coetaneidade, a qual nos desperta para a existência de outros, vivenciando cada qual à sua maneira o mundo, ou seja, enfatiza a natureza das narrativas, do próprio tempo, não se referindo ao desenrolar de alguma história internalizada (identidades preestabelecidas) - como a história autoproduzida da Europa -, mas o processo de interação e da constituição de identidades que reformula a existência das multiplicidades (MASSEY, 2008).

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Você pode assistir agora ao documentário “Identidades em Trânsito”, disponível em: <http://portacurtas.org.br/filme/?name=identidades_em_transito>. Acesso em: 15 mai. 2015., no intuito de entender melhor como se estabelece o fenômeno do transnacionalismo pelas experiências de estudantes de Guiné-Bissau e Cabo Verde que migraram para o Brasil para ingressar no ensino superior. A trama do documentário aborda a vivência de estudantes num espaço social de múltiplas relações entre as sociedades de origem e de destino, transformando-se em atores transnacionais, que experienciam um processo social que cruza fronteiras geográficas, culturais, econômicas e políticas. Você perceberá, também, o processo da construção/transformação das identidades destes estudantes, pelo entrelaçamento com recursos materiais e simbólicos do país de origem e destino via os fluxos globais.

As relações, expectativas, oportunidades e limitações da migração contemporânea se encontram entrelaçadas à rapidez, fluidez e liberdade dos fluxos globais. As possibilidades transnacionais têm se popularizado independente da classe social e país de origem e destino dos migrantes. Atualmente, o processo de migração de diferentes populações não só indica um padrão migratório permanente, mas a existência de um padrão transnacional para as vivências destes indivíduos. Quando os migrantes se estabelecem e aceitam as demandas da nova sociedade, é provável que operem transnacionalmente e seus discursos e práticas refletem ambos os mundos. O país de origem e de destino.

A existência destas comunidades implica um marco transnacional em sua própria construção, reprodução econômica-social e identitária. Este fenômeno é composto por um crescente número de pessoas que vivem uma vida dupla, falam dois idiomas, têm lugares em ambos os países (de origem e destino) e sua vida ocorre em um contato contínuo e habitual através das fronteiras nacionais. As atividades dentro do campo transnacional abarcam uma grande gama de iniciativas econômicas, políticas e sociais, que vão desde negócios informais de importação e exportação ao surgimento de uma classe de profissionais binacionais e até à participação dos migrantes em campanhas políticas em seus países de origem (PORTES; GUARNIZO; LANDOLT, 2003).

O transnacionalismo vem para mostrar que o fenômeno da globalização atinge tanto as grandes potências quanto as ditas periferias mundiais. Também revela o que a autora Massey (2008) propõe sobre a globalização, não sendo nunca uma única narrativa, mas muitas que apresentam sua própria trajetória histórica, portanto, com o estabelecimento contínuo destas populações migrantes provenientes principalmente de países com menos visibilidade mundial para seu posterior estabelecimento em grandes potências. A manutenção de fluxos variados destes migrantes entre o país

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de origem e o de destino nos abre os olhos para a efetivação da experiência da globalização por todos, cada qual à sua maneira.

Nas correntes da globalização, as comunidades migrantes transnacionais têm pouco poder político se comparado com seu lugar na economia, que é um recurso cada vez mais decisivo para suas nações de origem (LOZANO, 2003).

Geralmente, os imigrantes mantêm laços ativos com seu país de origem pelo envio de remessas do retorno para as celebrações, visitas ou ainda pela ajuda a seus compatriotas para migrar. De acordo com Glick-Schiller e Fouron (2003, p. 19), “[...] o transnacionalismo envolve os indivíduos, suas redes sociais, suas comunidades e estruturas institucionais mais amplas [...]”. Logo, vivencia experiências sociais entre o país de origem e de destino como exposto acima.

Diante disso, o transnacionalismo refere-se a “[...] ocupações e atividades que requerem contatos sociais habituais e sustentáveis através das fronteiras nacionais para sua execução” (GLICK-SCHILLER; FOURON, 2003, p. 18, tradução nossa).

Assim, tem-se que “o âmbito transnacional proporciona aos migrantes transnacionais, no mínimo, oportunidades e perspectivas que constituem opções para comprometer-se exclusivamente com a nova ou a velha sociedade" (ROBERTS; FRANK; LOZANO-ASCENCIO, 2003, p. 46, tradução nossa).

Portanto, de acordo com Portes, Guarnizo e Landolt (2003), a intensidade das conexões, as novas formas de transação e a multiplicidade de atividades que transpassam as fronteiras nacionais requerem este movimento geográfico para seu êxito.

Primeiramente, é preciso entender que o transnacionalismo contemporâneo corresponde a um período diferente de propagação de fluxos mundiais e a um conjunto distinto de respostas e estratégias de atores populares que se encontram em posição de desvantagem em relação ao sistema econômico capitalista, mas que se beneficiam dos novos meios técnicos para superá-la (PORTES; GUARNIZO; LANDOLT, 2003).

A migração transnacional define um padrão migratório no qual as pessoas, ainda que se mobilizem através das fronteiras internacionais, se estabelecem e forjam relações sociais em um novo estado, ao mesmo tempo que mantêm vínculos sociais dentro do sistema de onde procedem. Na migração transnacional, as pessoas vivem literalmente suas vidas através das fronteiras internacionais. Essas pessoas se identificam melhor como ‘transmigrantes’, é dizer que emigram e, todavia mantêm ou estabelecem relações familiares, econômicas, religiosas, políticas e sociais no estado de procedência, ainda que forjem também estas relações no novo estado onde se estabelecem (GLICK-SCHILLER; FOURON, 2003, p. 199, tradução nossa).

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O sistema transnacional está baseado em inter-relações de oportunidades tanto no país de origem quanto no país de destino. Dependendo da inserção econômica no país de destino das comunidades transnacionais, podem ter amplas maneiras tanto na natureza quanto no poder de seus fluxos transnacionais. Em seus espaços de ação se fundamenta a comunicação entre ambos os países, com uma fronteira flexível e permeável, conexões através de distintos meios de transporte e telecomunicações (ROBERTS; FRANK; LOZANO-ASCENCIO, 2003).

Assim, o âmbito transnacional proporciona aos migrantes, no mínimo, oportunidades e perspectivas que constituem opções para comprometer-se exclusivamente com a nova e velha sociedade. Mesmo os que se estabelecem no país de destino, continuam mantendo laços ativos com os países de origem por meio do envio de remessas, do retorno para celebrações e de ajuda a seus compatriotas para migrar (ROBERTS; FRANK; LOZANO-ASCENCIO, 2003).

As comunidades migrantes transnacionais são grupos de migrantes que participam de forma rotineira em um âmbito de relações, práticas e normas que abarcam tanto o local de origem quanto o de destino. O processo de migração transnacional evidencia a importância contínua que têm para os migrantes as estruturas sociais, culturais, econômicas e políticas do país de origem e destino.

Portanto, as restrições e as oportunidades em ambos os locais, tanto no país de origem quanto no de destino, sustentam este tipo de comunidade migrante transnacional. As relações comunitárias constituem a base das comunidades e permitem as atividades econômicas, relações sociais e práticas (ROBERTS; FRANK; LOZANO-ASCENCIO, 2003).

Paralelamente, com as exigências do capital internacional, desenvolvem-se maiores facilidades para viajar e se ampliaram as tecnologias das comunicações, como o telefone, o fax, o correio eletrônico, tudo isso tem permitido que os migrantes internacionais mantenham seus vínculos intensos e habituais através das fronteiras nacionais (POPKIN, 2003).

A mobilidade física dos migrantes transnacionais entre dois Estados-nação é uma condição necessária para o estabelecimento do transnacionalismo. Muitos autores acreditam que os migrantes optem por vínculos transnacionais para sustentar uma identidade do país de origem ou uma identidade híbrida (composta pelo contato com diferentes atributos materiais e culturais) para evitar marcas de estigmatização racial/étnica da sociedade receptora (país de destino) (POPKIN, 2003).

Outros autores consideram que o restabelecimento e o fortalecimento das nacionalidades étnicas do país de origem dos migrantes se dá de forma mais intensa nas sociedades receptoras pelo fato da supressão de parte dos recursos (materiais e simbólicos) que sustentam essa identidade. Para outras comunidades migrantes surgem novas formas de identidade em resposta às condições da sociedade receptora.

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E há ainda as comunidades de migrantes transnacionais que reafirmam e fortalecem as formas de etnicidade existentes, enquanto paralelamente expressam uma nova identidade que revela a influência dos vínculos transnacionais tanto com o país de origem quanto com o de destino.

Dependendo das condições que enfrentam na sociedade receptora, estes migrantes tomam emprestado e reinventam elementos tradicionais do país de origem em um processo influenciado pela interação contínua.

À medida que se entrelaçam permanentemente com a migração internacional, constroem novas identidades que refletem contextos religiosos e culturais transnacionais. Na vida diária, estes transmigrantes podem adotar muitas identidades, sobrepondo-as sem que elas sejam contraditórias.

Os esforços para construir uma identidade estão condicionados também em parte ao processo de adaptação a uma comunidade de indivíduos conterrâneos que estão inseridos num ambiente externo em que as minorias são discriminadas e excluídas de certas participações.

Muitos superam as distâncias, assim com as adversidades econômicas e legais, para forjar uma variedade de relações e compromissos transnacionais com seus países de origem.

Diante do que descrevemos na segunda seção, em relação à concepção de identidade e, agora associando-a à questão da migração, podemos reforçar a ideia de que a identidade não é nunca um processo acabado, estável e imutável, mas sim um processo aberto, em constante transformação/construção, conforme as práticas sociais, as relações e o contexto de inserção dos indivíduos. No caso dos migrantes transnacionais que convivem num mesmo período com duas sociedades respectivamente, a do país de origem e de destino, sua identidade refletirá esse condicionamento, seja adotando uma identidade que recrie e reinvente tradições do país de origem pelo contexto discriminatório vivenciado na sociedade receptora, seja adotando uma nova identidade que inclua atributos culturais de ambos os países. Contudo, o que se observará é que a construção da identidade destes migrantes está condicionada a essa inter-relação simultânea com outras trajetórias.

O que vivenciamos e experienciamos ao longo da vida reflete na construção e estabelecimento de nossas identidades. Se num determinado momento estes migrantes se encontram vinculados a duas realidades distintas, isso se projetará na sua identidade. Nunca se poderá manter a identidade intocada, pois as coisas que vivenciamos nos recriam e assim também a identidade.

O fenômeno do transnacionalismo sustenta, ademais, que os limites entre a sociedade emissora e a receptora se corroem à medida que os migrantes se comprometem simultaneamente tanto com o país de origem como com o de destino.

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De fato, a circulação de bens, pessoas e informações de um lado a outro dos lugares de emissão e recepção conduzem ao surgimento de um espaço social transnacional localizado entre as fronteiras internacionais, sem que tenha uma posição fixa aqui ou ali, sendo um espaço social aberto em permanente construção, de conexões e desconexões sempre prontas a se tornar interações (LANDOLT; AUTLER; BAIRES, 2003).

Acima, você pôde constatar como o fenômeno da globalização através dos seus fluxos possibilita essa conexão intensa e habitual entre ambos os países. O fato de que os novos migrantes (transmigrantes) utilizem seus escassos recursos para manter vínculos com familiares e amigos de seu país de origem indica a força do processo de globalização.

Alguns migrantes destas comunidades transnacionais se envolvem em intercâmbios comerciais, para outros são parte de seus vínculos políticos, embora para alguns a única experiência no espaço transnacional se dá pelos atributos simbólicos, como parte de seu espaço de referências significativas.

O fenômeno do transnacionalismo mostra que essas comunidades de migrantes que se estabelecem em países externos, por um longo período ou permanentemente, ainda assim não se desligam de seu país de origem, contraditoriamente, mantêm e alimentam seus vínculos com esse país. Os processos da globalização que expandem a tecnologia das comunicações e do transporte têm permitido a intensificação e a imediatez destes vínculos.

Essa ligação transnacional rompendo qualquer limite fronteiriço para a participação política, de mobilidade social e de formação de entidades organizadas, revela que as experiências, práticas, relações e identidades dos migrantes não se produz dentro das fronteiras nacionais, mas através delas.

Portanto, o transnacionalismo é um produto das condições atuais da globalização e do tipo de relações que esta gera por meio de seus fluxos. O espaço social transnacional se constrói na vida diária dos migrantes e nas atividades que afetam todos os aspectos de suas vidas, desde oportunidades econômicas, comportamentos políticos, até suas identidades individuais ou coletivas (DORE et al., 2003).

Um exemplo disso é o migrante haitiano apontado diversas vezes no texto acima, que chegou a São Paulo em 2013. Este pode ser considerado um transmigrante, pois mantém vínculos permanentes com seu país de origem através de cotidianas ligações e mensagens telefônicas, e-mails, redes sociais virtuais, remessa de dinheiro aos familiares, ajuda na migração de amigos e familiares, manutenção de negociações comerciais, além de estar inserido em nossa sociedade brasileira, realização de curso universitário, compra de terreno, participação em instituições religiosas, conclusão de processo de habilitação veicular, execução de atividades trabalhistas, entre outros.

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Diante disso, o transnacionalismo cultural se refere a diversas práticas e instituições que tomam parte da formação de significações, identidades e valores. Estes são os processos que definem a mudança dos discursos sobre possuir determinada nacionalidade no país de origem e no estrangeiro.

Esses fluxos, por seu alcance e impacto, podem ser considerados globais. Em contraste, certos movimentos de pessoas, ideias e objetos podem ser melhor concebidos como transnacionais pelos fluxos globais. Os processos transnacionais contemporâneos refletem a globalização, no entanto, têm um alcance mais limitado, apenas entre dois países, ou um número limitado deles.

Os fluxos globais permitem aos migrantes, dentre outras coisas, manterem-se informados e em contato permanente com o que acontece em seu país de origem. Por sua vez, esse contato ininterrupto contribui para o fortalecimento da identidade, assim como o sentimento de fazer parte da imaginada comunidade nacional. Portanto, não é um processo de homogeneização, mas o compartilhamento de muitos aspectos, a absorção de alguns e a manutenção de outros. É por esse comportamento distinto das populações que nunca irá se concretizar um processo completo de homogeneização, pois cada qual possui suas espacialidades e temporalidades frente às experiências, práticas e relações. De modo algum, vivencia-se as coisas de maneira igual.

Em muitos casos, os migrantes transnacionais no estrangeiro participam e influenciam mais intensamente no país de origem do que se estivesse presente fisicamente naquele espaço. Participam de compromissos políticos do país de origem por meio de meios de comunicação, defendem-nos em seus discursos com outros indivíduos, participam de atividades organizadas em prol do desenvolvimento daquele, em campanhas políticas, tomando decisões sobre gastos e consumo, crianças, empregos e relações interpessoais dentro de uma rede de familiares e amigos.

Diante dessa realidade e da importância que estes indivíduos têm dentro de sua nação, muitos governos reconhecem sua própria condição de transnacional. Um exemplo disso é o Haiti, que está se convertendo num país de migrantes que fornece recursos economicamente e politicamente para grande parte da população nacional. Dessa forma, tanto a nação como o Estado são percebidos como transnacionais, como uma extensão mais além das fronteiras territoriais do país.

Ao fazer isso, os governos destas comunidades migrantes estão desafiando a opinião generalizada de que a população de um Estado reside dentro de seus limites territoriais e que um Estado representa a população de uma nação que compartilha idioma, cultura, identidade nacional, assim como residência dentro de um território comum. As populações começam a identificar-se com uma terra nativa transnacional e com os projetos políticos para ambas as populações. Assim, edifica-se um Estado-nação transnacional global muito mais ligado aos laços e à descendência do que à presença física no país (GLICK-SCHILLER; FOURON, 2003).

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É preciso atentar-se ainda para dois significados do termo Estado-nação. Num sentido tradicional, relaciona-se a um território sobre o qual o povo (nação) tem poder soberano, escolhe seu governo e decide viver sob determinada Constituição e leis. Outra concepção é a de um território que pertence a um povo específico, com características étnicas, linguísticas e culturais que constituem a nação. As outras minorias não fazem parte do Estado, apesar de viverem no mesmo local, portanto, é possível vislumbrar atualmente Estados multinacionais, compostos por mais de uma nação (HOBSBWAM, 2009).

No caso do Haiti existem duas nações, a elite branca, e os afrodescendentes, descendentes de populações africanas escravizadas, que sustentam as correntes migratórias das comunidades transnacionais. A interação permanente da nação afrodescendente mostra a formação de uma identidade transnacional através da qual pessoas se consideram a si mesmas como parte do país de origem, mesmo que já estejam incorporadas no país de destino para qual migraram e utilizem também dos referenciais materiais e simbólicos deste. Essa identificação adquire forma através de ações e fluxos que marcam um compromisso com a sobrevivência cotidiana, a prosperidade, a independência e a reputação do país de origem.

Por exemplo, a concepção do Haiti como um Estado-nação que existe onde haja haitianos fundamenta-se na forte crença desta população nos laços sociais que unem a família e a nação. Mesmo antes dos governantes reconhecerem estes migrantes haitianos que vivem no estrangeiro como parte integrante do país, a própria população interna do país, especialmente a com menos recursos que se sustentava com os fluxos enviados por seus familiares migrantes, passaram a solicitar tal reconhecimento.

Parte dos migrantes que não conseguem efetuar, e parte dos que efetuam sua inserção total no país de destino, atualmente, demandam uma participação contínua na nação de origem. O vínculo de sangue (no sentido de pertencimento à mesma terra) e a descendência possibilitam a interação. O mesmo acontece com os indivíduos que permanecem no país de origem e necessitam da manutenção do vínculo com os migrantes, estes constroem uma identidade que se amplia pelos laços de sangue como indivíduos transnacionais, pela consolidação de uma nação transnacional.

Os laços de sangue lhes proporcionam uma ponte que lhes conecta com um espaço de maiores oportunidades, assim, inclui-se qualquer pessoa descendente, independe do local que tenha nascido ou está estabelecida. Uma nação se estende transnacionalmente pelas experiências pessoais e as estratégias familiares de sobrevivência de sua população em circunstâncias econômicas, políticas, educacionais difíceis etc., de modo que floresce uma identidade nacional no estrangeiro.

Tal realidade de intercâmbio de informações, dinheiro, bens e serviços, além da união pelo entrelaçamento de redes sociais (laços de solidariedade, amizade, vizinhança, parental) legitima a ideia de identidade nacional pela família, sangue

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e nação numa revitalização do Estado-nação. Isso faz com que os governantes se apoderem dessa situação (assumem uma retórica pelas obrigações dos migrantes com os antepassados, com a família e a terra nativa através de mensagens pelas vias modernas de comunicação) para reestruturar-se e beneficiar-se com a recuperação dessa população migrante vislumbrada na migração a outros países.

Os valores que unem a família e a nação podem legitimar as estratégias migratórias que atravessam as fronteiras nacionais e reforçam suas identidades. Assim como os que permanecem no país de origem creem que a solução e o desenvolvimento de seu país estão nesta população que migrou em busca de novas oportunidades para todos, isso acaba por fortalecer o sentimento de nação, portanto, viver fora do país de origem não significa não ser parte dele.

Entende-se que o transnacionalismo se estabelece por processos moldados, com múltiplas facetas e localizações, incluindo práticas econômicas, socioculturais e políticas, além dos discursos que transcendem os limites da jurisdição territorial do Estado-nação e são parte inerente da vida dos migrantes. Essas relações, estabelecidas por protagonistas sociais individuais ou coletivos, envolvem o intercâmbio de um turbilhão de recursos materiais e simbólicos. Incluem pessoas que reemigram, que visitam seu país de origem com regularidade ou não, que obtêm recursos monetários, enviam remessas familiares, ajuda comunitária, ideias, símbolos culturais, apoio político e oposição (GUARNIZO; SANCHEZ; ROACH, 2003).

Essas comunidades de migrantes transnacionais têm mantido seus laços criando uma complexa rede de relações multidirecionais, conforme o contexto de estabelecimento.

A criação de uma comunidade transnacional que une grupos de migrantes em países avançados com suas respectivas nações de destino e origem me permite questionar a você, aluno: essa conexão reforça uma identidade nacional no estrangeiro ou apenas possibilita que desfrute de outros recursos materiais e simbólicos?

1. Quais são os aspectos para que se estabeleça o fenômeno do transnacionalismo?

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2. De que forma a identidade e a globalização se entrelaçam ao transnacionalismo?

3. Como as comunidades migrantes transnacionais se vinculam aos países de origem e destino?

4. Das alternativas a seguir, qual não corresponde aos principais fluxos que conectam o migrante transnacional entre país de origem e destino?

a) Discursos que transcendem os limites da jurisdição territorial do Estado-nação e a participação dos migrantes em campanhas políticas em seus países de origem.

b) Tomar decisões sobre gastos e consumo, crianças, empregos e relações interpessoais dentro de uma rede de familiares e amigos.

c) Iniciativas econômicas que vão desde negócios informais de importação e exportação, ao surgimento de uma classe de profissionais binacionais.

d) Viagens cotidianas ou semanais para estar presente e participar ativamente das práticas e atividades em ambos os países.

• A globalização não é um processo universal que atua da mesma forma em todos os campos da atividade humana.

• A globalização implica um acesso mais amplo, mas não totalmente interconectado e igualitário para todos.

• Deve ser descentralizada da dimensão econômica, pois apesar de criar uma integração estreita entre economias e mercados, não torna invisível a heterogeneidade humana e cultural.

• Representa tanto as ausências de longa duração, quanto a produção sistemática de novas desconexões.

• Reivindica-se a superação da visão de um protagonismo

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exclusivo dos europeus, redirecionando o olhar para os diferentes povos e lugares como constitutivos do mundo.

• A globalização não é um movimento único que tudo abarca (espaço livre e sem limites), mas uma criação de espaços, uma reconfiguração ativa e encontro através de práticas e relações de uma enorme quantidade de trajetórias.

• O movimento e a mudança de práticas e interações que se efetivam na experiência humana ao inserir-se em um novo contexto social, cultural etc., contribuem para a edificação da sua identidade.

• A identidade é múltipla, inacabada, instável, sempre experimentada mais como uma busca do que como um fato.

• Ela é a fonte de significado e experiência de uma pessoa ou de um povo, por isso seu o caráter é profundamente construído, processual e situacional da identidade.

• O processo de construção de qualquer identidade não é nunca completo, mas tido como algo sempre “em andamento”, pois não pode ser completamente determinado, devido que se pode, sempre, “ganhá-la” ou “perdê-la”.

• A globalização densifica as interconexões, as práticas, os contextos, que são os permanentes construtores das identidades.

• O transnacionalismo é um fenômeno da migração internacional que demanda interação habitual tanto com a sociedade receptora, quanto com a sociedade emissora, de modo que os fluxos da globalização a estruture e que a identidade se construa refletindo ambos os contextos de inserção.

• A existência das comunidades migrantes transnacionais diante do processo de globalização revela a construção de identidades nacionais fora dos limites territoriais do Estado-nação.

• O estabelecimento das comunidades migrantes transnacionais, com sua particularidade de atuação em um espaço social aberto, instável, transcendendo os limites das fronteiras nacionais traz à tona a amplitude da concepção de globalização, deslocando a centralidade e exclusividade da área econômica, para revelar sua edificação na diferenciação espacial e no movimento transnacional dos indivíduos protagonistas.

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A compreensão da globalização e da identidade de forma alternativa nos possibilita ampliar os horizontes para duas questões tidas como já e para sempre constituídas. Contraditoriamente ao que se está acostumado a pensar, e o que é midiaticamente divulgado, ambos estão em processo constante de construção. A globalização não chegou à dita homogeneização global, tão pouco conseguiu integrar todas as partes do mundo ou ser visualizada através da única narrativa, ou seja, a Europa como a protagonista mundial de um presente absoluto. Atentou-se para a existência simultânea de outras trajetórias, cada qual vivendo os acontecimentos à sua própria maneira. Com uma sociedade cada vez mais móvel, cujos indivíduos mudam frequentemente de localização geográfica, tem-se o movimento e mudança de práticas e interações na experiência efetiva destes indivíduos. Com mais intensidade e repetidas vezes, surge diante de nós a questão “Quem sou eu?”. A essência da identidade é a resposta a esta questão, independentemente de qual seja, esta não pode deixar de estar vinculada ao novo contexto social, cultural etc., e aos vínculos estabelecidos com as outras trajetórias.A multidão de pequenas narrativas identitária que atualmente se percebe ocupa o vazio deixado pelas “grandes narrativas” em crise (missão cristã, destino das classes, projeção nacional). Elas aparecem em construções híbridas, “bricoladas”, heterogêneas. Enfim, são o resultado da iniciativa dos indivíduos, dos pequenos grupos ou das redes que lutam pelas múltiplas significações internas que reflete a multiplicidade externa das relações entre indivíduos, ainda mais vislumbrada pela fluidez da globalização (fluxos de informação, pessoas, atributos culturais) que densifica as próprias interconexões que são parte da construção de identidade.O imaginário da globalização, homogeneizando e rompendo com identidades isoladas, não reflete a realidade humana de ter a experiência ligada à reconfiguração ativa de conexões, desconexões e possíveis interações. O contato com o outro permite a construção constante da identidade. Esta não é de forma alguma um processo fechado, acabado, contrariamente, está sempre em construção.

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Globalização e identidade cultural

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1. A globalização, descentrada da dimensão econômica, refere-se a:

a) Um processo universal que atua da mesma forma em todos os campos da atividade humana e integra todos os espaços mundiais.

b) Uma criação de espaços, uma reconfiguração ativa e encontro através de práticas e relações de uma enorme quantidade de trajetórias.

c) Uma única narrativa, um único polo ativo, a Europa, e outro passivo, resto do mundo.

d) Um movimento único que compreende a mobilidade totalmente desimpedida, de espaço livre, sem limites, com total extinção das distâncias.

2. Quais das alternativas a seguir não corresponde ao processo de construção de uma identidade?

a) O conjunto de papéis sociais que se pode desempenhar ao longo da vida, como: esposa, mãe, dona de casa, advogada, mecânico, professor, geógrafo, estudante, entre outros.

b) Não é, nunca, completamente determinada, devido que se pode, sempre, “ganhá-la” ou “perdê-la”;

c) A identidade é realmente algo formado ao longo do tempo através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento.

d) As identidades são construídas relacionalmente ao longo da vida.

3. Leia o fragmento a seguir e indique a resposta que corresponde ao fenômeno.

Surgimento de um espaço social transnacional, localizado entre as fronteiras internacionais, sem que tenha uma posição fixa aqui ou ali, sendo um espaço social aberto em permanente construção, de conexões e desconexões sempre prontas a se tornar interações.

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Globalização e identidade cultural

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a) Globalização.

b) Sistema capitalista global.

c) Transnacionalismo.

d) Migração internacional.

4. Os estereótipos, estigmas e categorizações podem ser pensados como:

a) Uma identidade coesa, firmemente fixada e solidamente construída.

b) Um fardo, uma repressão, uma limitação da liberdade de escolha.

c) Um presságio da incapacidade de destravar a porta quando a nova oportunidade estiver batendo.

d) Nenhuma das respostas.

5. Aponte qual das alternativas a seguir revela que o estabelecimento das comunidades migrantes transnacionais nos permitem entender o processo de globalização na sua amplitude.

a) Com a estruturação das comunidades dos migrantes transnacionais visualiza-se que as possibilidades de tais indivíduos passarem a integrar a classe social central e deixarem de ter conexão com o país de origem revela a popularização dos fluxos globais.

b) A conexão dos migrantes transnacionais com o país de origem (periférico) e o país de destino (central) evidencia as identidades dos protagonistas periféricos até então consideradas fechadas e escondidas numa particularidade que acompanha a trajetória histórica da globalização.

c) Pelo crescente número de pessoas que se desvinculam de uma vida dupla, falam dois idiomas, tem lugares em ambos os países e adotam identidades homogeneizadas.

d) Nas correntes da globalização, as comunidades migrantes transnacionais mostram que é exclusivamente o sistema econômico mundial que permite o caráter de mobilidade da globalização.

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Globalização e identidade cultural

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