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8/13/2019 La cuestin de la Amrica latina: Martn Garcia Mrou e os impasses da produo intelectual no continente -Mau
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La cuestin de la Amrica latina
TemporalidadesRevista DiscenteUFMG
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La cuestin de la Amrica latina: Martn Garcia
Mrou e os impasses da produo intelectual no
continente1
Mauro Franco NetoGraduando em Histria pela UFOP
RESUMO:No interior dos problemas levantados pelo recente aporte metodolgico da histriacruzada (histoire croise), a noo de interseco permite evidenciar que entidades ou objetosafetados pelo cruzamento no devem ser considerados por eles mesmos, mas sim em suastransformaes ocorridas uma vez em contato com uma referncia exterior. sob essa premissa
que este estudo toma como ponto de partida a obra El Brasil intelectual, do diplomata argentinoMartn Garca Mrou, publicada em Buenos Aires no ano de 1900. O estudo objetiva avaliar emquais pontos a obra de Garca Mrou, medida que se contrastava/cruzava a produointelectual de Brasil e Argentina, se mostra reveladora de um campo conceitual que apela cultura local como explicao ltima dos problemas polticos da regio, em outras palavras, o queo autor chama de la cuestin de la Amrica latina.
PALAVRAS-CHAVE:Histria intelectual, Amrica Latina, Histria cruzada.
ABSTRACT:Within the problems raised by the recent methodological approach of the histoirecroise the idea of intersection allows to witness that entities or objects affected by the cross-
over shouldnt be considered by themselves, but through the transformations occurred once incontact with an external reference. It is through this point of view that the following study basedon El Brasil intellectual, by the argentinian diplomat Martn Garcia Mrou, published in Buenos
Aires in the year of 1900, takes place. The study aims to evaluate in which points the work ofGarcia Mrou, as they contrasted/crossed with the intellectual production of Brasil and
Argentina, reveals a conceptual field that appeals to local culture as the ultimate explanation ofthe political problems pertaining to the region, in other words, what the author calls "la cuestinde la Amrica Latina".
KEYWORDS:Intellectual history, Latin America, Crossed history.
Possibilitando um ir alm do quadro epistemolgico da historiografia nacional, asrecentes abordagens metodolgicas das transferncias culturais, da connected historye da histria
cruzada so pontos de partida interessantes para o estudo de mecanismos de apropriao e
recepo de valores e discursos estrangeiros. Segundo formulao de Helenice Rodrigues, a
questo fundamental colocada por essas abordagens como proceder anlise das apropriaes
de ideias vindas de outros contextos culturais?2 Para ser mais preciso, utilizar o referencial da
1Agradeo a Mateus Pereira (UFOP) e a Gabriel Conselheiro Campos pelas leituras e sugestes a uma primeira
verso desse texto. Apoio: CNPq.2RODRIGUES, Helenice. Transferncia de saberes: modalidades e possibilidades. Histria: Questes & Debates,Curitiba, n. 53, p. 203-225, jul./dez. 2010.
mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]8/13/2019 La cuestin de la Amrica latina: Martn Garcia Mrou e os impasses da produo intelectual no continente -Mau
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histria cruzada, tal como proposto por Werner e Zimmerman3, e juntamente a isso a noo de
interseco, permite evidenciar que entidades ou objetos afetados pelo cruzamento no devem
ser consideradas por elas mesmas, mas sim em suas transformaes ocorridas uma vez emcontato com uma referncia exterior.
desse modo que se estabelece uma historicizao da prpria noo de cultura
revelando o grau de permeabilidade da sua formao. Com isso, prope-se neste texto tomar a
obra El Brasil Intelectual, do escritor-viajante argentino Martn Garca Mrou como um caso
revelador de uma dupla problemtica: a da alteridade como postulado fundamental nas
construes das culturas nacionais e que, por sua vez, so tomadas como explicaes ltimas dos
problemas poltico-intelectuais latino-americanos.No se pode passar por cima, contudo, de prvios apontamentos a respeito da categoria
intelectual que aqui se utiliza. Em uma anlise desse conceito, Christophe Charle defende que
este s pode ser entendido na diacronia das representaes anteriores de figuras dominantes da
cultura. Assim, a conquista de legitimidade do campo intelectual ocorreu de maneira gradual,
passando pelo elitismo de certas figuras correspondentes a um campo intelectual fechado em si,
at uma transformao do campo intelectual nas dcadas finais do sculo XIX com a expanso
das profisses intelectuais, um crescimento do pblico e uma contestao das hierarquiasculturais mais antigas. Do homem de letras iluminista e do poeta romntico, passando pelos
savants integrantes de disciplinas que cada vez mais se chamavam cincias, alm mesmo de uma
nova diviso do trabalho intelectual com a efervescncia de modelos simblicos, se visualizava
um campo cada vez mais abrangente e integrador.4Tese, em certa medida, similar de Pierre
Bourdieu na sua coleo de ensaios Campo de poder, campo intelectual. Tal possibilidade do intelectual
ser localizado histrica e socialmente s se faz na medida em que este faz parte de um campo que
o legitima, recorrendo a um cdigo em comum com seus pares, temas e problemas da ordem do
dia e formas de raciocinar e perceber.5
Na Amrica Latina de fins sculo XIX, as condies de existncia desse intelectual-
mediador, como aqui o caso de Garca Mrou, extrapolam uma categoria scio-profissional,
pois, em geral, estes se renem em instituies, peridicos e movimentos. De forma similar,
tambm dependem dos debates com outros intelectuais, das impresses e edies e do trabalho
da imprensa. Segundo Carlos Altamirano, o pressuposto bsico assumido que a noo de
3WERNER Michael; ZIMMERMANN Bndicte. Pensar a histria cruzada: entre empiria e reflexividade. Textos deHistria, vol. 11, n.1 e 2, p. 89-127, 2003.4CHARLE, Christophe.Naissance ds intellectuels(1880-1900). Paris: ditions de Minuit, 1990.5BOURDIEU, Pierre. Campo de poder, campo intelectual: itinerrio de un concepto. Buenos Aires: Montressor, 2002.
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intelectual tem uma histria, uma histria que se desenvolveu em diferentes contextos sociais,
culturais e polticos, e a Amrica Latina foi um deles6.
O mesmo terico, quando procura situar uma agenda de estudos para a histriaintelectual, prefere a utilizao do termo literatura das idias em detrimento de outros como
ensaio ou manifesto poltico. Sendo os textos clssicos da produo poltico-intelectual
latino-americana objetos fronteirios e confluentes do interesse de vrias disciplinas, o uso de
literatura das idias cairia melhor como ferramenta de anlise do que pensamento latino-
americano, por exemplo, que renegaria aspectos formais de uma obra como metforas, retricas
e fices, indispensveis sua composio. O programa de estudo da histria intelectual se
mostra, dessa forma, claramente reforado por uma abordagem que privilegia as estratgiasdiscursivas dos agentes e as condies que tornaram possvel a existncia de uma obra em um
determinado contexto.7
Estratgias de aproximao: a produo intelectual brasileira segundo Garca
Mrou
Quando no ano de 1900 Martn Garca Mrou8 inicia sua obra El Brasil Intelectual
agradecendo ao Tenente General Julio Argentino Roca j no seu segundo mandato a frente da
Repblica Argentinapelo estmulo concedido ao liber-lo de suas funes oficiais no seu pasde origem, logo o autor registra aquele que seria seu principal intuito na passagem pelo Brasil, isto
, estudar o pas vizinho no somente sob o aspecto poltico, econmico e comercial, mas
tambm sob o aspecto intelectual9. Tal objetivo vem a preencher a lacuna apontado pelo autor
em relao ao desconhecimento da produo intelectual brasileira em territrio argentino.
6ALTAMIRANO, Carlos (Dir.). Historia de los intelectuales en Amrica Latina. Madrid/ Buenos Aires: Katz editores,2008, p. 15. (Traduo do autor, assim como todos os outros textos traduzidos neste artigo. NR)7______. Idias para um programa de histria intelectual. Tempo Social,revista de sociologia da USP, So Paulo, n. 1,v. 19, Jun. 2007.8Martn Garca Mrou (1862 1905) iniciou sua carreira em 1877 como corretor de provas no dirio La Nacin.Tambm colaborou no l lbum del Hogar, com Santiago Estrada no La Amrica del Sud, e em outros meiosperidicos. Em 1878 ganhou seu primeiro prmio literrio. Ingressou na carreira de direito, mas logo a abandonou.Contudo, a passagem pelo Colgio Nacional quando jovem, tal Dirio e esta Faculdade foram suficientes para que napoca Manuel Linez o apadrinhasse para acompanhar Miguel Can em um itinerrio diplomtico que comeou pelaVenezuela e Colmbia. Este escritor-diplomata o aproximou por sua vez a Pallegrini, a Vicente Lpez, a RoqueSenz Pea e um crculo que o incluiu no Partido Federal. Em 1884 realizou sua primeira estadia no Brasil comosecretrio da representao do Rio de Janeiro. Permanecendo pouco tempo em cada lugar, logo passou sembaixadas de Madrid e Paris at se tornar secretrio do Presidente Roca entre 1885 e 1886. Nesse ano foi nomeado
Ministro Plenipotencirio no Paraguai at 1891, quando o designaram Consul no Brasil . In: SOR, Gustavo.Traducir el Brasil: Una antropologia de la circulacin internacional de ideas. Buenos Aires: Libros del Zorzal, 2003, p.80.9MROU, Martn Garca.El Brasil Intelectual. Buenos Aires: Editor Flix Lajouane, 1900, p. V.
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As nicas obras que, incipientemente, levaram para a Argentina as primeiras impresses
intelectuais do Brasil foram as de Juan Maria Gutierrez em comentrio da Confederao dos Tamoios,
de Gonalves de Magalhes, alguns juzos de Ernesto Quesada, uma descrio da naturezafluminense de Groussac e as pginas da obra Viajes na qual Sarmiento descreve sua visita ao
Brasil. Nesse contexto que Garca Mrou fundamenta sua preocupao em fornecer aos
argentinos maiores subsdios em relao aos publicistas do pas vizinho.
Gustavo Sor, em seus estudos sobre as publicaes de obras brasileiras na Argentina
do sculo XX, descreve as preocupaes do diplomata aqui analisado sob a expresso frmula
Mrou. atravs desta que segundo Sor
[...] o Brasil emerge como referncia de alteridade fundamental. Escreveu [Mrou] umesquema de interpretao que posteriormente foi cristalizado por muitos dos que, aoapresentar a real cultura brasileira no cenrio cultural argentino, buscaram herdar aposio de embaixador literrio.10
Uma maneira tambm coerente de visualizar o trabalho, e nesse caso as consequncias
da obra de Garca Mrou, o aparato fornecido pelo contextualismo lingsticona verso de
John G. A. Pocock. O questionamento inicial de Mrou sobre o desconhecimento em solo
argentino da produo intelectual brasileira traz a relevo a ainda incipiente tradio de mediao
cultural entre os dois pases naquele contexto de fim de sculo. Sendo assim, o que Pocock
chama de emisso de lances, isto , os cortes que um autor capaz de sancionar dentro de
uma linguagem constituda, podem ser visualizados atravs do exemplo merouniano renovando
(iniciando?) um discurso que ser muito retomado na Argentina do sculo XX sobre o que se
produz no Brasil em matria intelectual.11O que est em jogo, segundo o historiador ingls
observar um conjunto de convenes, de modos de enfrentar as questes perante uma
comunidade de falantes de uma linguagem poltica. Restaria ento rastrear os rearranjos dessa
linguagem e assim se pode responder a pergunta fundamental: o que o autor estava fazendo?12
Sobre os dados editoriais, o livro surgiu como uma coleo de ensaios publicados na
revista La Biblioteca dirigida por Paul Groussac e editada pela Biblioteca Nacional. El Brasil
Intelectual s tomou seu formato final em 1900 quando a edio de Flix Lajouane, principal
livreiro editor de Buenos Aires, colocou em circulao a obra de 470 pginas com 200 exemplares
de luxo impressos em papel verg. Entre as outras principais publicaes de Mrou, atestadas no
incio dessa edio, podem ser observadas uma multiplicidade de temticas abordadas: a obra
10SOR, Gustavo. Traducir el Brasil, p. 85.11Ver novamente o trabalho de Sor sobre obras brasileiras publicadas na Argentina do sculo XX. SOR, Gustavo.Traducir el Brasil.12POCOCK, John G. A. Linguagens do iderio poltico. Trad. Fbio Fernandes. So Paulo: Edusp, 2003.
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com a qual estreou no cenrio intelectual argentino, Poesias(Barcelona, Jacobsen ed, 1884), suas
memrias de viagens em Impresiones de Buenos Aires a Paris. Recuerdos de Venezuela y Recuerdos de
Colombia(Madrid, Murillo ed., 1884), trabalhos sobre Livros y Autores(Buenos Aires, F. Lajouane,1886) seus Estudios Literarios (Madrid, Murillo ed., 1884), alm dos Estudios Americanos (Buenos
Aires, Flix Lajouane ed., 1900) e at mesmo uma Historia de la Republica Argentina(Angel Estrada
y Cia. ed., 1899).
Tal amplitude de interesses de Garca Mrou se refletiu na narrativa composta em El
Brasil Intelectual, sobretudo ao oferecer um quadro composto de literatos, polticos, periodistas,
historiadores e escritores, num sentido mais amplo. Distribuiu os 39 captulos que compem a
monumental obra entre autores como a trade naturalista Slvio Romero, Jos Verssimo eAraripe Jr., debatedores do abolicionismo como Joaquim Nabuco e Ruy Barbosa, alm dos
notveis Visconde Alfredo de Taunay e Tobias Barreto. A proximidade entre literatura e poltica
e a consequente derivao que o autor tira dos dilemas enfrentados pelo campo intelectual e
poltico comporiam aquilo que Mrou descreve como la cuestin de la Amrica Latina. A
estratgia utilizada pelo autor consiste na unio de Brasil e Argentina em um mesmo campo
discursivo, o dos obstculos para uma produo intelectual latino-americana emancipada e,
atravs do cruzamento de suas trajetrias, apontar solues comuns para tal problema.
As semelhanas entre os dois pases ainda que se revelem, segundo o autor, nas alianas
poltico-militares traadas ao longo do sculo XIX na qual favoreceram o nascimento de outras
nacionalidades, podem ser mais claramente observadas no fato de terem esvaziado no mesmo
molde suas instituies polticas e quando se chocaram com os mesmos obstculos ao levar a
prtica seus princpios liberais13. Tais obstculos, semelhantes no trajeto dos dois pases, levam
o autor a se questionar como tinha se mantido assim o Brasil distante de nossas modalidades
nacionais, de nossas virtudes nativas, do nosso estado de civilizao e de cultura, da forma e da
importncia da nossa produo intelectual?14. Para enfim chegar quilo que ser o centro de sua
argumentao na obra: temos uma cultura artstica prpria, algo que possa chamar-se uma
literatura nacional, ou estamos em condies de t-la15?.
Com essa pergunta fundamental que atravessa o continente Mrou retoma um
argumento que aponta para a influncia do meio fsico como fator determinante na produo
intelectual de uma regio. Assim, os agentes apontados como capazes de amenizar essa ao
13MROU, Martn Garca.El Brasil Intelectual, p.4.14______.El Brasil Intelectual, p.4.15______.El Brasil Intelectual, p.4.
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eram, respectivamente, a facilidade do contato com povos do velho mundo, as correntes
imigratrias e a influncia de novas gentes para lidar com as foras da natureza tropical. Dentro
dessas condies de produo que derivava o esprito de imitao que estraga a culturaintelectual daquela nao16. Ainda assim, no Brasil se sublevam contra esta submisso do
esprito e clamam por uma independncia moral, como complemento da independncia
poltica17.
Mesmo com esse trunfo o Brasil se situa no meio do caminho para a independncia
desejada, pois: Podem aspirar a ela nossos vizinhos e vangloriarem-se de possuir um esprito
brasileiro, quando no tm, todavia uma nacionalidade formada e homognea, e uma verdadeira
etnografia moral18
? sob essa proposio que surge a primeira tese merouniana. O autor escolhe uma
passagem do francs Joseph Texte, em obra publicada em fins do XIX sobre as origens do
cosmopolitismo literrio francs, para lanar o argumento de que tal cosmopolitismo no se
explicaria por si s, mas somente atravs dos cruzamentos que sofreu com outras produes
intelectuais como a alem, inglesa e dos demais vizinhos. De tal modo, encerra: o estudo de um
ser vivente se compe, em grande parte, do estudo das relaes que o unem aos seres vizinhos.
Do mesmo modo, no h literatura cuja histria se encerre nos limites do seu pas de origem
19
.Alm de estar justificando sua atuao no Brasil, defendendo o estreitamento dos vnculos com o
seu vizinho mais proeminente, prope uma soluo possvel para o dilema da originalidade da
produo intelectual na Amrica Latina, nesse caso, pensar solues sob o olhar da alteridade
para este problema que permearia o fazer intelectual nos dois pases.
No obstante, sua impresso da atuao desses publicistas no Brasil se revelava cada vez
mais positiva, principalmente no que tange s circunstncias existentes no pas. Em uma
perspectiva comparada dos dois pases, diz Mrou:A atividade intelectual daquela nao [Brasil] superior, sem dvida alguma, queapresentam suas irms do continente. Ela pode mostrar com orgulho, no passado e nopresente, um ncleo compacto de sbios, de escritores e de estadistas dignos defigurar em qualquer dos centros mais avanados do velho mundo. Uma instruometdica e sria, em que predominaram os estudos clssicos, um gnero de vida maisreduzido que o nosso, menos subordinado aos atrativos do prazer e aos esplendores eo refinamento de um sibaritismo elegante, uma larga poca de tranquilidade e dedesenvolvimento pacfico, sob uma administrao tranquila e de mveis elevados, -todas essas causas associadas inteligncia natural de seus homens, s tendncias
16MROU, Martn Garca.El Brasil Intelectual, p.7.17______.El Brasil Intelectual, p.8.18______.El Brasil Intelectual, p.8.19______.El Brasil Intelectual,p.9.
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artsticas da raa e s vantagens de um meio mais igual, mais interessado nas coisas doesprito, - propenderam a dar ao Brasil uma cultura literria mais slida e original que ade outras naes sul-americanas.20
A Argentina por sua vez sofria com as contendas polticas internas e com a tirania delderes locais. O exemplo maior do grau de ilustrao promovido pelo Brasil e o concomitante
atraso argentino se revela para o autor na criao em 1838 do Instituto Histrico e Geogrfico
Brasileiro. Ali, o cultor das letras, o investigador tranquilo e assduo da histria ptria,
encontravam um centro propcio e silencioso, em que unir seus esforos e colaborar na obra
benfica de sua civilizao e de seu progresso material. Nesse mesmo momento, na viso do
autor as sombras da ditadura tratavam de apagar todos os direitos da inteligncia argentina21.
Mas no s. Para alm do empecilho poltico visualizado em terras argentinas, o intelectual latino-
americano tinha que se livrar daquilo que mais emperrava suas potencialidades, o af pela
imitao europeia. Essa a principal crtica de Mrou a um dos pilares das letras brasileiras
daquele momento, Slvio Romero.
Se Romero critica as presenas francesas nas obras dos intelectuais brasileiros, ele no
abre mo da influncia alem que herdou de Tobias Barreto, e de tal forma para Mrou recai no
mesmo dilema daqueles que sofrem com sua pena crtica: influncia por influncia no parece
que escapar de uma para enfeudar-se em outra simplesmente mudar de amo22?. Queixa-se por
ler em autores brasileiros aquilo que poderia ter sido lido nos prprios alemes citados, e no
encontrar a to procurada originalidade como observou em Verssimo, Araripe, Ruy Barbosa e
outros. atravs tambm de um artigo de Antnio Herculano de Sousa Bandeira, publicado na
Revista Brasileiraque a crtica a Slvio Romero se intensifica, pois Mrou aps l-lo diz corroborar
com o argumento o qual todo o af filosfico de Romero se perde no seu ecletismo inconsciente,
e principalmente nem mesmo deixa um plano de renovao da filosofia brasileira.
Chama a ateno na descrio de Garca Mrou a amplitude de espaos e formas de
ao desses intelectuais na virada do sculo. Relembremos que na definio de Bourdieu a
constituio de um campo intelectual se faz a partir de uma infinidade de relaes sociais
especficas, relaes entre o editor e o autor, relaes entre o autor e a crtica, relaes entre os
autores, e tambm com o pblico.23 Sendo assim, as evidncias trazidas por Mrou desses
componentes que aglutinam intelectuais no Brasil so cada vez maiores. Dedica tambm um
captulo do livro ao retrato da vida periodstica daquele contexto.
20MROU, Martn Garca.El Brasil Intelectual, p. 18-19.21______.El Brasil Intelectual, p. 20.22______.El Brasil Intelectual, p. 49.23Cf.: BOURDIEU, Pierre. Campo de poder, campo intelectual.
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Ao contrrio dos dirios argentinos que segundo Mrou encarnam e representam ideais
de grupos polticos, nos brasileiros predomina por outro lado, o elemento nacional, mais
suscetvel de compreender as questes locais e palpitar com a alma popular24
. Entre osmencionados esto a Gazeta de Notcias, o Jornal do Brasil dirigido por Fernando Mendes de
Almeida, O Paizque trouxe ao pblico Quintino Bocaiuva, alm tambm do Jornal do Commercio.
No campo literrio aquele citado em diversas passagens a Revista Brasileira, nesse momento
dirigida por Jos Verssimo e que conglomerava os grandes debates intelectuais do perodo. Essa
rica vivncia cultural se vivia tambm nas discusses em torno da presena do positivismo no
pas, tal como na contenda Verssimo/Romero. Enquanto o autor de Doutrina contra Doutrina
resistia s postulaes de Comte naquele momento triunfante nos homens do Estado brasileiro,
Jos Verssimo no via com bons olhos o af crtico de Romero a Comte quando na verdade o
que este faz simplesmente substitu-lo por Spencer. A impresso de Mrou em relao a toda
essa efervescncia de ideais representa um desapontamento com sua Argentina, enquanto no
Brasil uma obra como a de Romero ao mesmo tempo um timbre de honra para sua ptria, ao
mostrar a seriedade e a competncia com que no Brasil se discutem e se esmiam as mais rduas
questes que preocupam o pensamento contemporneo25.
Um campo intelectual preocupado, sobretudo, com os aspectos polticos que o cercam
e, consequentemente, atento s barreiras enfrentadas pelas instituies dessa mesma natureza na
Amrica Latina. assim que Mrou descreve os estudos de Assis Brasil sobre a democracia
representativa, pois A brilhante monografia [...] examina sucessivamente os fundamentos do
voto, seus defeitos e sua utilidade; a competncia do povo para influir no seu prprio destino26.
Mas isso tudo sem ignorar os obstculosque apresenta a situao atual da sua ptria, como a do
resto da Amrica, para fazer uma realidade de instituies que requerem um alto grau de
desenvolvimento intelectual e uma preparao especial no povo que as adota27. A recorrncia
dos ditos obstculos no texto de Mrou finalmente precisada quando afirma serem asoposies s teses de Assis Brasil derivadas da ferocidade to comum do cacicado poltico e que
seria essa oposio de vistas que caracteriza os caudilhos de aldeia, to influentes e funestos em
sociedades como as nossas28. O experimento republicano latino-americano se apresenta naquele
momento para Mrou repleto de mal-entendidos.
24MROU, Martn Garca.El Brasil Intelectual, p.416.
25______.El Brasil Intelectual, p.96.26______.El Brasil Intelectual, p.187.27______.El Brasil Intelectual, p.190.28______.El Brasil Intelectual, p.190.
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Inclusive no Brasil onde o cruzamento das experincias polticas com a Argentina
permitiram ao autor tecer crticas forma pela qual o vizinho de lngua portuguesa se organizava
na ento recente Repblica:As novas instituies foram implantadas sem dificuldade, impostas pela vontade doExrcito e da Armada e aclamadas ou suportadas sem um leve surto de resistnciapela imensa maioria da nao. Como se explica ento a reao produzida poucotempo mais tarde e as agitaes incessantes de que, durante os anos de sua vida nova,o Brasil foi teatro? Em todas as sees do nosso continente, essas agitaesprecederam geralmente poca da organizao definitiva do pas.29
As teorias abstratas de governo elaboradas por Assis Brasil so para Mrou um desvio
de foco daqueles que seriam problemas elementares da vida poltica no Brasil e que, se almeja
descobri-los, necessrio:descender at a raiz histrica do povo brasileiro e examinar a raa, o meio em que elase desenvolveu, os caracteres sociolgicos e morais que o distinguem, sua falta deeducao para a vida democrtica, todo este vasto conjunto de elementos que necessrio ter em conta para definir e compreender uma situao dada em um perodode transio e em uma nao despojada de caracteres prprios definitivos.30
Em uma ajuda mtua, enquanto as instituies republicanas argentinas, debatidas antes
mesmo da sua instalao, podem, mesmo com todas as deficincias e instabilidades apontadas
pelo autor, fornecer ao Brasil formas de gerir o novo governo, pode o Brasil subsidiar atravs de
exemplos o crescimento intelectual argentino.
O tema da subservincia poltico-intelectual latino-americana, do descompasso entre
seus sistemas institucionais e a realidade social, entre o mundo das ideias e a cultura local, aqui
abordado no para chamar a ateno para seu carter mitolgico ou real, mas tomando por
minhas as palavras do historiador argentino Elas Jos Palti, para averiguar em que ponto estas
tm repercusses concretas na realidade, condicionando o agir dos atores31. o que se nota
quando Garca Mrou toma da autoridade do discurso de diplomata para afirmar que
a verdade deplorvel e que todos ocultamos por um sentimento talvez nobre deorgulho nacional, que no fundo da maior parte das contendas polticas sul-americanas no se debatem questes de princpios, sim lutas de paixes e de apetitesvergonhosos.32
Contudo, nem por isso deixa o autor argentino de buscar formas de sanar tal dilema
poltico-intelectual que corta o continente. na apresentao que este faz de Joaquim Nabuco e
da sua obra Balmaceda que se visualiza isso mais claramente. Utilizando-se das crticas
29MROU, Martn Garca.El Brasil Intelectual, p.198.
30______.El Brasil Intelectual, p. 201.31PALTI, Elias Jos (Org.).Mito y realidad de la cultura poltica latinoamericana: debates em IberoIdeas. Buenos Aires:Prometeo Libros, 2010, p. 15.32MROU, Martn Garca.El Brasil Intelectual, p. 202.
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monarquistas feitas no incio da Repblica no Brasil, Nabuco se valeu da crise poltica enfrentada
pelo governo de Jos Manuel Balmaceda no Chile, para comparar as situaes de cada pas e
defender a superioridade do governo monrquico sobre aquele ento instalado no Brasil.A Repblica, ainda com seus impasses, era uma forma de governo vista como mais
adequada do que a Monarquia que trazia memria os tempos coloniais, como se pode ler nas
associaes que Meru faz do monarquista Nabuco como um escritor de antigo regime,
defensor da ordem e da lei propiciadas pela Monarquia. sob esse vis republicano que Mrou
rebate a tese de Nabuco sobre a incapacidade de todos os governos do continente, com exceo
do Chile, em se organizarem na estrutura republicana. Segundo ele, o prprio Chile governado
invariavelmente at hoje por uma oligarquia aristocrtica33
. A fase do total estado dedesgoverno j estaria em momentos finais e retoma Juan Baptista Alberdi, Mitre, Lopez,
Avellaneda e outros intelectuais argentinos como fornecedores das melhores explicaes sobre o
que estava em jogo. Diz:
La cuestin de la Amrica latina deve ser considerada desde trs pontos de vistadiferentes, porm harmnicos: os antecedentes histricos da nossa vida poltica eadministrativa, os caracteres tnicos dos grupos das populaes latino-americanas, ascondies sociais de nosso continente na poca da independncia e posteriores nossaemancipao.34
A expresso cuestin de la Amrica Latina traz ento a relevo um ideal de unidadeque coloca lado a lado histria, condies polticas, caracteres tnicos e condies sociais, que
sintetizados e removidos da sua obscuridade seriam capazes de revelar um significado oculto, as
razes pelas quais a emancipao intelectual no se faz sentir. com esse recurso discursivo que
segue o autor afirmando que nada mais contrrio aos antecedentes e costumes do continente que
o sistema republicano, no entanto o que h a disposio e assim, atravs deste ideal ao que
marchamos em meio a tropeos e desfalecimentos de uma evoluo difcil e perigosa35.
Ao fim, a concluso: la cuestin de la Amrica latina fica assim reduzida a umproblema de educao36. No seria possvel pensar a emancipao do intelectual latino-
americano e mesmo de suas instituies polticas sem antes solucionar problemas que
permeariam todos os tipos que compunham o continente:
A educao das massas, a transformao do ndio analfabeto, do negro liberto oudescendente de escravo, do gacho, do roto, do charro, a transformao do elemento
33MROU, Martn Garca.El Brasil Intelectual, p. 285.34______.El Brasil Intelectual, p. 29135______.El Brasil Intelectual, p. 294.36______.El Brasil Intelectual, p. 295.
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crioulo e a amalgamao do elemento estrangeiro por meio da escola, - aqui a velha enica soluo que tem la cuestin de la Amrica latina.37
Aps descrever a conjuntura da produo intelectual brasileira naquele momento,
passando pelas contendas literrias, o debate poltico, as atuaes em peridicos, alm de outros
temas e autores rapidamente citados, Garca Mrou no poderia terminar sua obra seno tecendo
um profundo elogio da contribuio da nao vizinha para a emancipao intelectual do
continente. Para estreitar os vnculos com o pas onde atuou como diplomata, enfatiza Mrou:
[...] quis apresentar aos meus compatriotas alguns dos aspectos da vida literriabrasileira. Os nomes e as obras que desfilam nessas pginas, no so seno uma partemnima de todas as que poderiam figurar em elas com honra, porm bastaram paraapreciar quo alto o grau da cultura do Brasil e quo digna sua produo de ser
analisada e conhecida por todos os que rendem culto ao esprito[...].38
Consideraes finais
O Brasil aparece dessa forma como um contraste ideal para a proposta de anlise
merouniana. A relao entre as duas naes assume uma via de mo dupla, na qual o universo
intelectual brasileiro emerge como modelo no continente e a experincia republicana argentina,
que j contava com sete dcadas, coloca-se como provedora em lies de administrao
repblica recm instalada no Brasil. Em El Brasil Intelectual, revela-se mais uma vez que o estudo
de mediadores culturais, sejam eles indivduos ou grupos, que ganharam espao no campo dosestudos culturais recentes, tornou possvel abordar processos de rompimento de fronteiras e
cruzamentos culturais que desde o sculo XIX se cristalizaram na atuao de intelectuais,
livreiros, editores, viajantes, entre outros.
Uma histria intelectual conforme aqui executada buscou colocar em dvida a
consolidao das historiografias unicamente nacionais. Assim, ainda que parea banal afirmar que
as interpretaes possuem dimenses polticas e no so um empreendimento hermenutico
autnomo, segue-se aqui a linha de Dominick La Capra, reforando que a interpretao umaforma de interveno poltica que introduz o historiador em um processo crtico que relaciona
passado, presente e futuro atravs de modos complexos de interao que entranham tanto
continuidade como descontinuidades39. A escolha aqui feita assume, dessa forma, que pelo
estudo das trocas que se produz uma abordagem mais rica da cultura de recepo e
consequentemente que se questiona a lgica de reflexo de uma histria das ideias tradicional,
37MROU, Martn Garca.El Brasil Intelectual, p. 299.38______.El Brasil Intelectual, p. 453.39LA CAPRA, Dominick. Repensar la historia intelectual y leer textos. IN: PALTI, Elias Jos. Giro Lingustico ehistoria intelectual.Buenos Aires: Universidade Nacional de Quilmes, 1998, p. 284.
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que afirma a existncia de distores do pensar na transposio de ideias em um espao
distinto daquele da sua suposta origem.
Espera-se assim, atravs da escolha inicial do aporte metodolgico da histria cruzadapara o estudo deste caso, ter contribudo para a complexificao da prpria percepo que
associa problemtica da produo intelectual latino-americana s formas culturais nela presentes.
ao transformar essa mesma percepo em objeto de estudo que se desvenda os fundamentos
epistemolgicos sob os quais est pautada e como ela se constituiu conceitualmente num
momento que no interessava para um autor como Garca Mrou responder apenas quem a
Argentina ou a Amrica Latina enquanto espectro de identidade, mas porque no eram de uma
determinada maneira uma vez vistas sob o ngulo da alteridade.
Recebido: 15/05/2012Aprovado: 19/07/2012