LIMA, Sostenes C. Hipergênero - agrupamento ordenado de gêneros [Tese de doutorado]

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  • 7/27/2019 LIMA, Sostenes C. Hipergnero - agrupamento ordenado de gneros [Tese de doutorado]

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    UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    INSTITUTO DE LETRASDEPARTAMENTO DE LINGUSTICA, PORTUGUS E LNGUAS CLSSICAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGUSTICA

    Sostenes Cezar de Lima

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    HIPERGNERO AGRUPAMENTO ORDENADO DE GNEROS NA

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    Sostenes Cezar de Lima

    HIPERGNERO: AGRUPAMENTO ORDENADO DE GNEROS NA CONSTITUIO DEUM MACROENUNCIADO

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    DEDICATRIA

    Para as pessoas com quem formo uma s vida:

    P i ill A G b i l M i

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    AGRADECIMENTOSTese um evento que encerra um longo ciclo de vida. Com ela termina nossacarreira de estudante. Chegam ao fim uma identidade, um papel social e um estilode viver. Perdemos um lugar social; perdemos um jeito de ser e de agir no mundo.

    Depois da tese, podemos at ter outras experincias estudantis, mas nenhumadelas, imagino, ter a mesma natureza. A condio de ser estudante no ser maisa mesma.

    Ningum passa por esse longo trajeto de vida sozinho; ningum chega ao fim deum doutorado sozinho; ningum vive sozinho. Em minha vida, sempre estiverodeado de pessoas que me fizeram acreditar que eu poderia chegar aoencerramento desse ciclo. Essas pessoas no apenas me incentivaram e me

    apoiaram; elas me ajudaram a construir um jeito bom e eficaz de ser estudante.Aqui deixo o meu tributo a todas as pessoas que fizeram e fazem parte de minhavida de estudante e da minha vida pessoal como um todo. Um agradecimentoespecial:

    A Deus,por ter semeado no corao humano o desejo de saber. No tenho dvidasde que a fascinao que ns humanos temos pelo conhecimento um movimentode Deus em nossa interioridade.

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    Ao meu sogro e sogra, Adilson Ribeiro e Ebe Ribeiro, e aos meus cunhad@s,pelo acolhimento afetuoso e por oferecem Gabi e Mari aconchego e cuidado,quando eu e a Priscilla tnhamos que ir Braslia ou a Goinia.

    minha orientadora, Maria Luiza M. S. Coroa, pela primorosa orientao epela afetuosa companhia. Conheci voc, Malu, ainda no primeiro ano de mestrado.Desde ento me senti cativado por uma profissional extraordinariamentecompetente. Mas voc no apenas uma profissional competente; voc no umapessoa comum. Aliado ao seu profissionalismo, existe uma ternura sublime. Vocme fez ver que vida, afeto, companheirismo so perfeitamente compatveis comuma jornada de pesquisa.

    Aos amigos, Andr Lcio Bento e Marco Antonio R. Machado, por teremparticipado intensamente do meu percurso de doutorado e da minha pesquisa. Emnossas trocas de ideia, sempre tive a oportunidade de aprender e de perceber novasnuances do discurso e do texto. Alm disso, vocs me ajudaram em certosaspectos, que talvez nem se lembrem ou nem saibam.

    Aos meus amig@s, pela boa companhia, pelas boas conversas e pelo apoio ecolaborao. Muitas pessoas estiveram comigo nestes anos de doutorado e emoutras fases da vida. O que posso dizer a vocs : sem os amigos a vida invivel.

    Aos amig@s do curso de Letras da UEG e da UniEvanglica, pelo apoio eincentivo.

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    RESUMO

    Esta tese tem como objetivo apresentar um arcabouo terico-conceitual com vistas a

    explicar o modo como se constitui e se organiza, sociorretrica e discursivamente, umhipergnero. Prope-se que o hipergnero seja visto como um macroenunciado composto

    por um conjunto de gneros tpicos que se agrupam de modo ordenado e articulado. Para a

    construo desse arcabouo terico, revejo os conceitos de mdia, como uma unidade de

    interao (BONINI, 2011) e de mediao dos gneros, e o conceito de suporte, como um

    componente material da mdia no qual se ancoram os gneros. Esta reflexo terica sedesenvolve a partir de um quadro de confluncia disciplinar, composto pela Anlise

    Sociorretrica de Gneros (ASG), Anlise Crtica de Gneros (ACG) e Anlise de Discurso

    Crtica (ADC). A revista semanal de informao tomada aqui como objeto de anlise, com

    fim de ilustrar as categorias tericas propostas. Analisa-se uma amostra de quatro exemplares

    d i d d d d i i i i i d i f

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    ABSTRACT

    This dissertation aims to present a theoretical and conceptual approach in order to explain

    how a hypergenre is socio-rhetoric and discursively constituted and organized. It is proposed

    that the hypergenre is a macro enunciation composed by a set of typical genres that are

    orderly grouped together. In order to construct this theoretical framework, I review the

    concepts of textual media, as a unit of interaction (BONINI, 2011) and mediation of genres,

    and the concept of textual support, as a material component of the media in which the genres

    are anchored. This theoretical reflection grows out of a confluence of disciplinary

    framework, composed by Socio-rhetoric Genre Analysis (SGA), Critical Genre Analysis

    (CGA) and Critical Discourse Analysis (CDA). The weekly news magazine is taken here as

    an object of analysis, to illustrate the theoretical categories proposed. A sample of four copies

    of the magazine is analyzed, one copy from each of the four major weekly news magazines

    of Brazil: CartaCapital, poca, Isto and Veja. In applying the theoretical framework

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    RESUMENEsta tesis tiene como objetivo presentar una estructura terica y conceptual para explicar

    cmo el hypergnero es constituido y organizado, socio retrica y discursivamente. Se

    propone que el hypergnero sea conceptualizado cmo un macroenunciado compuesto de unconjunto de gneros tpicos que se agrupan juntos, de un modo ordenado y coordinado. Para

    la construccin de este marco terico, se revisan los conceptos de medios, como una unidad

    de interaccin (BONINI, 2011) y de mediacin de los gneros, y el concepto de apoyo, como

    un componente material de los medios en el que se anclan los gneros. Esta reflexin terica

    surge de la confluencia de un marco disciplinario, compuesto por el Anlisis de GnerosSocio Retrica (AGSR), Anlisis Crtico de Gneros (ACG) y Anlisis Crtico del Discurso

    (ACD). La revista semanal de informacin se toma aqu como un objeto de anlisis, para

    ilustrar las propuestas de categoras tericas. Se analiz una muestra de cuatro ejemplares de

    la revista, siendo uno de cada una de las cuatro principales revistas semanales de informacin

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    LISTA DE FIGURAS E QUADROSQuadro 1Modelo multidimensional de anlise do discurso escrito............................................................ 31Quadro 2Nveis nas anlises de gneros e de discurso ............................................................................. 35Quadro 3Movimentos retricos da introduo de artigos de pesquisa ....................................................... 50Quadro 4Modelo CARS para introduo de artigos de pesquisa............................................................... 50Quadro 5Anncio publicitrio na forma de bula de remdio .................................................................... 57 Quadro 6Cadeia de gneros para submisso de Artigo em Congresso ...................................................... 63 Figura 1Disposio em contnuo: mdia, suporte, hipergnero e gnero.................................................... 77Figura 2Correlao entre gnero, hipergnero, mdia e suporte ................................................................ 78 Quadro 7Tipos de interao segundo Fairclough (2003) ........................................................................ 114Quadro 8Mudana nos instrumentos e tcnicas de registros da escrita .................................................... 134Quadro 9Caractersticas do enunciado (BAKHTIN, 2010[1952-53], p. 281) aplicadas ao jornal ...... ...... .... 151Figura 3Gneros e hipergneros na relao oralidade e escrita ............................................................... 154Quadro 10Estruturao retrica do hipergnero sesso plenria ............................................................. 163Figura 4Exemplo do gnero organizadorsumrio.................................................................................. 164Figura 5Sesso plenria transposta para o sistema de mediao eletrnico-digital.................................. 166Figura 6Menu em hiperlink do hipergnero sesso plenria ................................................................... 167

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    Quadro 19Estruturao retrica do gnero legenda ................................................................................ 223Quadro 20Classificao dos gneros formadores dos blocos retricos .................................................... 224

    Figuras 19 e 20Capa No podemos ceder presso e Sumrio .......................................................... 250Figura 21Nota A pobreza tem cor ..................................................................................................... 251Figura 22Reportagem Um poeta na mais alta corte ........................................................................... 252Figuras 23 e 24Artigos de opinio O julgamento do mensalo e Poltica de uma nota s ............... 255Figura 25Reportagem Contra a austeridade...................................................................................... 256Figura 27Capa ...................................................................................................................................... 259Figura 28Reportagem Para tirar o ministro ...................................................................................... 260Figura 29Micro reportagem De carona nos carros da Delta.............................................................. 261Figura 30Reportagem Um jogo de perde-perde................................................................................. 262Figura 31Micro reportagem Ponte area entre Rio e Paris................................................................ 263Figuras 32 e 33Capa Veta, Dilma e Editorial Atentado floresta................................................... 264Figura 34Reportagem Conexo Hawala............................................................................................ 265Figura 35Reportagem Inimigos na trincheira.................................................................................... 267Figura 36Reportagem Veta, Dilma.................................................................................................... 268Figura 37Capa Nas guas do Cachoeira ........................................................................................... 271Figura 38Reportagem Os dois senadores"........................................................................................... 272

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    SUMRIO

    DEDICATRIA .......................................................................................................................................... 4AGRADECIMENTOS ................................................................................................................................. 5RESUMO .................................................................................................................................................... 7ABSTRACT ................................................................................................................................................ 8RESUMEN .................................................................................................................................................. 9LISTA DE FIGURAS E QUADROS .......................................................................................................... 11LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS .................................................................................................. 12SUMRIO ................................................................................................................................................. 13INTRODUO ......................................................................................................................................... 17CAPTULO 1............................................................................................................................................. 21CAMPOS TERICOS INTERDISCIPLINARES ........................................................................ ............... 21

    1.1 Percurso histrico da Anlise de Gneros ......................................................................................... 22

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    2.1 Em torno do conceito de mdia ......................................................................................................... 772.1.1 Escolha terminolgica............................................................................................................... 78

    2.1.2 Conceito de mdia na midiologia de Debray .............................................................................. 792.1.3 Conceito de mdia em Bonini .................................................................................................... 88

    2.2 O torno do conceito desuporte......................................................................................................... 892.2.1 Conceito de suporte em Debray................................................................................................. 902.2.2 Conceito de suporte em Marcuschi ............................................................................................ 922.2.3 Conceito de suporte em Bonini ................................................................................................. 99

    2.3 Em torno do conceito de hipergnero ............................................................................................. 1022.3.1 Hipergnero nos estudos da cibercultura ................................................................................. 1022.3.4 Conceito de hipergnero em Bonini ........................................................................................ 103

    2.4 Resumo do captulo........................................................................................................................ 106CAPTULO 3........................................................................................................................................... 109MDIA, SUPORTE E HIPERGNERO: CONSTIUIO DOS PROCESSOS DE MEDIAO E

    AGRUPAMENTO ORDENADO DOS GNEROS .................................................................................. 1093.1 Mdia e mediao de gneros ......................................................................................................... 110

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    INTRODUO

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    INTRODUO | 18

    Assim, paralelo s mudanas feitas no roteiro da viagem, comeamos a elaborar umaespcie de dirio de bordo, no qual registramos os encontros e desencontros que vo

    acontecendo no percurso. Quando chegamos ao fim, o dirio deve estar pronto. ora de

    apresent-lo pblica e oficialmente, para que se avalie a vivacidade, relevncia, coerncia,

    plausibilidade do que se realizou durante a viagem e do destino a que se chegou.

    Esta tese segue, em linhas gerais, o panorama de viagem brevemente relatado acima. um dirio no qual expresso o que fiz, e o destino a que cheguei, depois de percorrer esses

    anos de doutorado.

    No projeto apresentado inicialmente, estava previsto, como objetivo geral, analisar a

    constituio sociorretrica da revista semanal de informao, vista aqui como um grande

    gnero formado a partir do agrupamento ordenado de vrios outros gneros. O foco estava,portanto, na anlise que se faria do objeto, no propriamente na caracterizao terico-

    conceitual desse objeto. Os caminhos e movimentos da viagem acabaram mostrando a

    necessidade de uma parada na teorizao do objeto. Essa parada acabou se tornando o destino

    final desta tese. Fiz uma pequena viagem ao campo da anlise, mas apenas para mostrar

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    INTRODUO | 19

    Essas trs questes passaram a sinalizar os caminhos a serem tomados nesta tese.Nessa perspectiva, assumi o desafio de parar num determinado ponto da viagem para, assim,

    construir uma pesquisa muito mais voltada reflexo terica que anlise.

    Contudo, antes da parar no campo da elaborao terica, notei ser necessrio fazer

    uma viagem ao campo das disciplinas, as quais indicam as fronteiras tericas e

    epistemolgicas do percurso. No Capitulo 1, Campos tericos interdisciplinares,apresento incialmente as duas disciplinas, a Anlise Sociorretrica de Gneros (ASG) e a

    Anlise de Discurso Crtica (ADC), que oferecem a plataforma para as exploraes terico-

    conceituais. O estudo da ASG e ADC, como campos dentro quais poderia elaborar a reflexo

    terica, me mostrou um campo interdisciplinar, a Anlise Crtica de Gneros, bastante frtil

    explorao simultnea do gnero e do discurso. Assim, a partir da confluncia desses trscampos ASG, ACG e ADC apresentada uma srie de asseres tericas, que visam

    caracterizar o gnero como uma categoria fundante para a explorao dos conceitos de mdia,

    suporte e hipergnero.

    No Captulo 2, Revisitando os conceitos de mdias, suporte e hipergneroprocedo

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    difuso, prope-se a seguinte classificao para os sistemas de mediao da escrita: a)sistema de mediao pr-manuscrito, b) sistema de mediao manuscrito, c) sistema de

    mediao impresso, d) sistema de mediao eletrnico-digital. Discute-se o papel que esses

    sistemas desempenharam e desempenham nos processos de mudana histrico-social e nos

    processos de emergncia de novos gneros e hipergneros. O ponto central do captulo a

    conceituao do hipergnero. apresentada uma srie de categorias que do sustentao aoconceito de hipergnero como um agrupamento ordenado de um conjunto de gneros tpicos

    que formam um macroenunciado.

    O captulo 4 dedicado aplicao da estrutura conceitual proposta no Captulo 3,

    com vistas anlise da revista semanal de informao como um hipergnero. Para a anlise

    foram selecionados quatro exemplares de revista semanal de informao, sendo um de cadauma das principais revistas brasileiras: CartaCapital, poca, Isto e Veja. Prope-se

    incialmente uma classificao para os gneros da revista, segundo o papel que exercem em

    sua constituio discursiva (gneros fundantes e gneros coadjuvantes) e segundo o papel

    que exercem em sua organizao (gneros organizadores e gneros funcionais). A parte

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    CAPTULO 1

    CAMPOS TERICOS

    INTERDISCIPLINARES

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    CAPTULO 1CAMPOS TERICOS INTERDISCIPLINARES | 22

    O objeto a ser estudado nesta tese, o hipergnero, perpassa os domnios do texto,

    gnero,discurso e mdia. Isso implica a necessidade de se buscar algumas convergncias

    terico-conceituais e interdisciplinares. A busca por compreender o funcionamento e as

    implicaes sociais de um objeto exige que se lance mo de uma confluncia disciplinar,

    para se chegar a uma investigao mais contextualizada, capaz de desvelar suas faces einterfaces. Da o motivo por que busco agregar s bases da Anlise de Gneros alguns

    conceitos e teorizaes provenientes da ADC e, em menor quantidade, de outras reas

    disciplinares que recobrem a mdia.

    Nas sees seguintes, apresento uma breve exposio das bases tericas disciplinares

    que do sustentao s postulaes terico-conceituais aqui propostas, buscando um

    caminho de convergncia entre Anlise de Gneros e Anlise de Discurso Crtica, j

    sinalizado em diversos trabalhos, dentre eles: Meurer (2002), Bhatia (2004, 2007, 2008,

    2010), Mota-Roth (2008), Bonini (2010), Heberle (2011).

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    CAPTULO 1CAMPOS TERICOS INTERDISCIPLINARES | 23

    tanto literrias como religiosas, polticas, profissionais etc. Essa mudana foi desencadeada

    por trs grandes movimentos tericos, brevemente apresentados a seguir: Dialogismo

    bakhtiniano, Contextualismo e Virada retrica2.

    1.1.1 Dialogismo Bakhtiniano

    ODialogismo bakhtiniano uma corrente de pensamento fundada por um grupo de

    intelectuais, entre eles o linguista, filsofo e crtico literrio russo Mikhail M. Bakhtin3, a

    partir dos anos de 1920. As obras O mtodo formal nos estudos literrios

    (MEDVEDEV/CRCULO DE BAKHTIN, 2012[1928]) e Marxismo e filosofia da linguagem(BAKHTIN/VOLOCHNOV, 2006[1929])so consideradas as que do incio a essa ampla escola

    terica, cujos conceitos bsicos circulam em vrias reas das cincias humanas e sociais,

    especialmente na Crtica Literria e na Lingustica.

    Em geral, os anos de 1950 so vistos como um marco na renovao dos estudos de

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    CAPTULO 1CAMPOS TERICOS INTERDISCIPLINARES | 24

    Bakhtin desde o final da dcada de 1920. Roxane Rojo tem chamado a ateno para isso em

    diversos textos. Em Gneros do discurso no crculo de Bakhtin - ferramentas para a anlise

    transdisciplinar de enunciados em dispositivos e prticas didticas, a autora afirma que o

    conceito de gnero discursivo tem todo um processo histrico de constituio na obra do

    Crculo e lamentvel que a produo acadmica em LA tome como referncia quase queexclusivamente o texto de 1952-53/1979 [Gneros do discurso] (ROJO, 2007, p. 1765).

    Nesse mesmo artigo, a autora retoma um trecho da obraMarxismo e filosofia da linguagem

    (BAKHTIN/VOLOCHNOV, 2006[1929]), o qual mostra que conceito de gnero, que viria a ser

    teorizado em Gneros do discurso, j estava em elaborao. De acordo com Rojo, na

    verdade, a elaborao do conceito parece ter-se iniciado na obra O mtodo de estudo formal

    nos estudos literrios (MEDVEDEV/CRCULO DE BAKHTIN, 2012[1928]), em que o Crculo

    se confronta com o formalismo. Nessa obra, o Crculo trata dos gneros literrios ou

    poticos, mas j comea a estender o conceito a outros campos ou esferas de circulao do

    discurso, prenunciando a ideia degnerosdiscursivos (ROJO, 2007, p. 1765-1766).

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    teoria contextual do significado.

    Alguns princpios tericos de Firth foram bastante importantes para o

    desenvolvimento dos estudos da escola de Sidney, fundada por Halliday, seu ex-aluno,

    inicialmente identificado como neofirthiano. Entre os mais importantes esto: a) a lngua

    um fenmeno em uso; b) a lngua um modo de fazer as coisas no mundo; c) os significadosso construdos contextualmente. A partir da influncia de Firth, Halliday funda a

    Lingustica Sistmico-Funcional (LSF), uma ampla corrente terica que investiga tanto

    questes sistmico-gramaticais (Gramtica Sistmico-Funcional) como questes discursivo-

    textuais (Registro, Gnero, Discurso).

    1.1.3 Virada retrica

    Embora, s vezes, alguns trabalhos no apresentem uma distino rigorosa entre

    Nova Retrica, Crtica Retrica e Sociorretrica, temos razo para dizer que essas correntes

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    b) Crtica Retrica

    Surgida nos anos de 1960, essa escola propiciou uma nova guinada nos estudos

    retricos, ao incorporar em sua teoria a anlise dassituaes retricas. Passou-se a analisar

    no apenas o material lingustico e os efeitos argumentativos usados pelo orador, mastambm o contexto e cenrio sociocultural recorrente em que determinadas aes retricas

    ocorrem (BITZER, 1968; FISHER,1980;JAMIESON, 1973, 1975; CAMPBELL; JAMIESON, 1978,

    1982). Foi no contexto das novas abordagens retricas da escritaque foi introduzida a noo

    do gnero como uma ao retrica recorrente em determinadas situaes de discurso

    (FREEDMAN; MEDWAY, 1994a).

    A identificao do gnero como uma entidade lingustica formal de natureza

    exclusivamente literria j tinha sido superada pela Crtica Retrica, nos anos 60 e 70.

    Faltava ainda um delineamento mais preciso do que constitui um gnero, j que vigorava

    uma profuso de critrios para sua definio 6 (MILLER, 1984, p. 151), e da correlao entre

    gnero e ao (efeito) social. Essas tarefas foram desenvolvidas no interior da sociorretrica

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    todas as abordagens.

    A partir dos anos de 1990, a Anlise de Gneros (AG), j estabelecida em suas bases,

    se torna amplamente popular. Passou a cobrir um vasto campo de investigao, interagindo

    com uma extensa quantidade de reas de estudo. A partir de ento, a AG tem apresentado

    avanos em vrias direes: a) anlise composicional e estrutural de formas genricas, b)interpretao do funcionamento dos gneros em determinados domnios7 e comunidades

    discursivas8, em especial os domnios acadmico (SWALES, 1990, 1998; MOTA-ROTH, 1995;

    MOTTA-ROTH; HENDGES, 1996), organizacional (DEVITT,1991;YATES;ORLIKOWSKI, 1992;

    ORLIKOWSKI; YATES, 1994) e profissional (BHATIA, 1993), c) aplicao da teoria de gneros

    no campo pedaggico, d) estudo do funcionamento dos gneros na cibercultura (ARAJO;

    BIASI-RODRIGUES, 2005). Contudo, novos desafios se impem; ainda existem reas pouco

    exploradas. Isso deve motivar os analistas de gneros a encarar novos enfrentamentos.

    1.2 Surgimento da Anlise Sociorretrica de Gneros (ASG)

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    rene num mesmo feixe terico questes retricas (situao de discurso, efeitos sociais do

    discurso, argumentatividade do discurso, esquemas retricos etc.) e questes de gnero

    (estratgias de textualizao recorrentes numa dada comunidade discursiva, padres de

    textualizao, aes de linguagem, tipos de enunciados relativamente estabilizados,

    propsitos discursivos etc.).Embora outros trabalhos de orientao sociorretrica tenham sido publicados antes

    do artigo Genre as social action, de Miller (1984)9, este visto como seminal, em funo da

    fecundidade e repercusso de suas formulaes tericas. As teses de Miller (1984), em

    especial a concepo do gnero como uma ao social, passaram a ter ressonncia em quase

    todos os trabalhos que se alinham a uma abordagem social e retrica de gnero. Na esteira

    das teorizaes de Miller, surgiram os dois principais modelos de teoria e anlise

    sociorretrica, o de Bazerman (1988, 1994, 2004[2006b]) e o de Swales (1990). A proposta

    de Bazerman (1988, 1994, 2006b), denominada de anlise dos sistemas de atividade por

    Bonini, Biasi-Rodrigues e Carvalho (2006), enfoca o funcionamento social de um ou um

    conjunto de gneros numa determinada esfera de atividade humana. J a abordagem de

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    discursiva (SWALES, 1998). Questes discursivas propriamente ditas no ocupam um papel

    importante em sua anlise.

    No Brasil, o trabalho de Meurer (2002), no comeo dos anos 2000, apresentou

    algumas preocupaes tericas importantes sobre a necessidade de se fazer uma anlise de

    gneros incorporando questes discursivas (sistema de representao e crenas,estabelecimento de relaes e identidades sociais, construo, manuteno, transformao

    dos processos e estruturas sociais etc.). Mesmo no fazendo uma anlise crtica de gneros

    propriamente dita, o autor apresentou insights importantes sobre a necessidade de se

    combinar a ADC com a AG. Vale a pena retomar aqui as palavras de Meurer (2002, p. 18)

    sobre os objetivos de seu texto:

    Neste trabalho, procuro contribuir com uma possvel direo para se lidar comessas questes, tendo em mente uma anlise que possa ser aplicada a qualquergnero textual, isto , tipo especfico de texto de qualquer natureza, literrio ouno, oral ou escrito, caracterizado e reconhecido por funo especfica eorganizao retrica mais ou menos tpica, e pelo(s) contexto(s) onde utilizado(grifo meu).

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    Na segunda fase, identificada como Organizao do discurso, a dimenso do objeto

    analisado estendida, passando de estruturas lxico-gramaticais para unidades e estruturas

    do texto. Busca-se mapear o esquema retrico do texto, isto , sua organizao em termos

    de elementos hierarquicamente estruturados.

    As regularidades do texto so vistas como movimentos retricos (SWALES, 1990;

    BHATIA, 1993) que contribuem para a realizao do propsito comunicativo do gnero, no

    interior de uma comunidade discursiva. De acordo com Bhatia (2004), nesse momento, a

    anlise do discurso escrito, visto como um gnero, se torna um esquema terico-

    metodolgico bastante popular e til na investigao do funcionamento dos gneros em

    contextos institucionais e disciplinares especficos.

    A terceira fase, Contextualizao do discurso, resulta da busca por aumentar o papel

    do contexto social na anlise do discurso escrito, promovendo-se uma forte interseco entre

    os estudos de gnero e do discurso. Nessa fase, os analistas de gnero/discurso se tornam

    cada vez mais sensveis s questes sociais implicadas nas prticas sociodiscursivas

    desenvolvidas em contextos profissionais e institucionais.

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    Quadro 1Modelo multidimensional de anlise do discurso escrito

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    acionistas e outros interessados.

    De acordo com Bhatia (2008b), nos ltimos anos, os relatrios corporativos anuais

    tm gradualmente mudado de direo retrica, passando de uma base informacional para

    uma base promocional. Esse deslocamento sutil, que permite mitigar pontos negativos do

    desempenho da companhia, feito atravs de algumas normas comunicativas aceitveis em

    gneros corporativos de divulgao.

    De fato, ACG e ADC no constituem terrenos tericos separados, com fronteiras

    disciplinares descontnuas. As anlises se sobrepem em vrios momentos. O que filia as

    anlises aos diferentes arcabouos tericos geralmente o ponto de partida. A ADC parte,

    em geral, do macro para o micro: Estruturas Sociais > Prticas Sociais > Discurso > Gnero

    > Texto; a ACG parte, na maior parte dos casos, do micro para o macro: Texto > Gnero >

    Discurso > Prticas Sociais > Estruturas Sociais (cf. BONINI, 2010, 2011).

    O quadro conceitual proposto por Bonini em (2009) e reassumido em (2010) ajuda,

    ainda mais, a esclarecer os pontos de continuidade e sobreposies nos estudos de gnero e

    do discurso. De acordo com o autor, as anlises podem ser feitas a partir de trs nveis:

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    Quadro 2Nveis nas anlises de gneros e de discurso

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    histrico e da organizao da sociedade em que o texto se inscreve, para assiminterpretar os atos realizados no discurso e as atividades constitudas nos gnerosemuma dada situao de interao social (MOTTA-ROTH; MARCUZZO, 2010, p.520).

    Portanto, analisar criticamente diferentes textos com enfoque nos gneros pressupe

    a busca por uma melhor compreenso do modo como o gnero est encaixado nos processosde: a) representao da realidade (produo, reproduo e transformao dos sistemas de

    conhecimento e crenas); b) construo das relaes sociais; c) constituio, reforo e

    reconstituio das identidades sociais (FAIRCLOUGH, 2001[1992], 2003; MEURER, 2002).

    1.4 Asseres tericas convergentes: ASG, ACG e ADC

    Nas sees seguintes apresento uma srie de asseres tericas sobre gnero,

    extradas de pontos convergentes entre Anlise Sociorretrica de Gneros (ASG), Anlise

    Crtica de Gneros (ACG) e Anlise de Discurso Crtica (ADC), que vo constituir a base

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    (BITZER, 1968, p. 1).

    Antes de aprofundar o conceito de situao retrica, contexto tpico de

    funcionamento de um gnero, convm discutir brevemente o que se entende porato ou ao

    retrica. Sigo a orientao de Bitzer (1968, p. 3-4), quando diz:

    Para esclarecer a retrica como essencialmente relacionada com a situao,devemos reconhecer um ponto de vista que comum, mas fundamental: um atoretrico pragmtico; existe por causa de algo que vai alm de si mesmo. Emltima anlise, o ato retrico funciona para produzir uma ao ou mudana nomundo; ele realiza alguma tarefa. Em suma, a retrica um modo de alterar arealidade, no pela aplicao direta de fora nos objetos, mas pela criao de umdiscurso que muda a realidade atravs da mediao entre pensamento eao (BITZER, 1968, p. 3-4).

    Estendendo a concepo de Bitzer (1968) ao campo da AG, pode-se dizer que

    retrica refere-se a uma ao de linguagem orientada por um propsito, atravs da qual o

    participante (pessoal ou institucional) de um evento sociodiscursivo age no mundo, buscando

    o engajamento de um ou mais interactantes (tambm pessoais ou institucionais) na

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    Contudo, importante salientar que, segundo os paradigmas da Crtica Retrica e da

    Sociorretrica, h uma relao de constituio dialtica entre a situao retrica e as aes

    de linguagem que lhe so caractersticas. Isso quer dizer que uma atividade retrica, ao

    mesmo tempo em que estabelecida em decorrncia da repetio de uma situao, passa, ela

    mesma, a regular o modo de funcionamento da situao. Portanto, a situao retrica tanto

    constitui certos gneros tpicos como constituda por eles. Assim, a realizao de um

    gnero tanto uma forma de responder s demandas retricas da situao recorrente como

    um ato de construir a prpria situao (DEVITT, 1993, p. 578). Parte das aes que o gnero

    realiza consiste exatamente em reproduzir a situao a que ele responde (BAWARSHI; REIFF,

    2010).

    Um ponto bastante importante levantado por Miller (1984) que a recorrncia de

    uma situao retrica no constitui um fato material, mas um construto social, um fenmeno

    intersubjetivo (MILLER,1984,p. 156). Isso quer dizer que uma situao s existe quando os

    interactantes a constroem (DEVITT, 1993) no interior de uma prtica social.

    Nesse sentido, cada situao retrica est encaixada numa determinada estrutura

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    avaliao institucional, ensino de cincias, ensino de artes, acompanhamento pedaggico,

    prtica esportiva etc. Cada uma dessas prticas pode ser desenvolvida em diversos eventos

    sociais. A avaliao didtica pode, por exemplo, ser desenvolvida numa aula, numa

    apresentao artstica, numafeira escolaretc.

    Podemos dizer, portanto, que uma situao retrica, quando est em atividade,

    constitui parte de uma prtica social, na qual so realizados alguns gneros tpicos. Assim a

    situao retrica pode ser vista como um evento social (FAIRCLOUGH, 2003, 2006), dentro

    do qual as aes discursivas so desenvolvidas por meio dos textos/gneros.

    Podemos ainda estabelecer uma comparao entre situao retrica e tipo de

    atividade, a partir da proposta de Fairclough (2001[1992]). Segundo o autor,

    um tipo de atividade pode ser especificado em termos de uma sequnciaestruturada de aes das quais ele [o gnero] composto, e em termos dosparticipantes envolvidos na atividade isto , o conjunto de posies de sujeitoque so socialmente constitudas e reconhecidas em conexo com o tipo deatividade (FAIRCLOUGH, 2001[1992], p. 162).

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    vez mais raros.

    Em Genre as social action, Miller (1984), a um s tempo, tanto afirma o gnero como

    uma ao social quanto nega a noo de gnero como uma entidade estritamente formal. Nas

    palavras da autora, o gnero um conjunto

    complexo de traos formais e acionais que cria um efeito particular numa dadasituao social. Nesse sentido, o gnero se torna algo mais que uma entidadeformal; ele se torna pragmtico, totalmente retrico, um ponto de conexo entreuma inteno e um efeito, um aspecto da ao social (MILLER, 1984, p. 153).

    Seguindo essa mesma linha, Bazerman (2006a) afirma que

    Os gneros so no somente formas textuais, mas tambm formas de vida e deao (BAZERMAN, 2006a, p. 10). Gnero, ento, no simplesmente uma categorialingustica definida pelo arranjo estruturado de traos textuais. Gnero umacategoria [...] que usamos para reconhecer e construir aes tipificadas dentro desituaes tipificadas. uma maneira de criar ordem num mundo simblico semprefluido (BAZERMAN, 2006a, p. 60).

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    Fairclough (2003), partindo de uma base sistmico-funcional, assume que os textos

    so multifuncionais, ou seja, incorporam simultaneamente as metafunes ideacional,

    interpessoal e textual (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 1994). Assim, os textos simultaneamente

    a) representam aspectos do mundo (material, social e mental), b) estabelecem relaes

    sociais no curso dos eventos sociais, realizando as atitudes, valores e desejos dos

    participantes, e c) conectam, de forma coesa e coerente, as partes do texto num todo,

    vinculando-o ao seu contexto situacional.

    Contudo, Fairclough (2003), mesmo partindo da perspectiva sistmico-funcional,

    prefere falar em tipologias do significado textual e no em funes textuais. Assim, o texto

    realiza trs grandes categorias de significados: representao, ao e identificao. Essa

    proposta permite ao autor conectar sua concepo tripartite do discurso (discurso, gnero e

    estilo) com uma concepo tripartite das aes semiticas e/ou semnticas do texto

    (representao, ao e identificao).

    Considerando especificamente o gnero, Fairclough (2003) afirma que

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    para alcanarobjetivos culturalmente motivados (EGGINS, 1994, p. 25 apud VIAN JR.; LIMA-

    LOPES, 2005, p. 31). S se pode realizar algo no mundo atravs da linguagem porque h

    algum tipo de conhecimento culturalmente partilhado, a partir do qual os sujeitos sociais

    reconhecem determinadas formas de organizao e uso da linguagem como efetivos e

    funcionais em certas situaes sociais (BERKENKOTTER; HUCKIN, 1995; EGGINS, 2004;

    MILLER, 1984). Portanto, pode-se dizer que os propsitos sociodiscursivos incorporados por

    um gnero so construdos a partir desse reconhecimento sociocultural.

    De forma simplificada, podemos propor a seguinte trajetria para o surgimento de

    certos propsitos sociodiscursivos associados a um gnero13: agentes sociais usam uma

    determinada configurao de linguagem com sucesso numa dada situao social. A situao

    se repete e a mesma configurao de linguagem usada novamente, repetindo-se o xito

    tambm. Como isso, a ao alcanada passa a ser vinculada ao modo como a linguagem foi

    usada, constituindo-se umfim ou um telos, nos termos de Martin (1992). Cria-se, ento, um

    conhecimento tipificado, cujo teor diz aos agentes sociais que, para se chegar consumao

    daquela ao especfica, preciso utilizar a linguagem de um modo especfico, que j se

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    A principal caracterstica que serve de critrio para se tomar uma coleo deeventos comunicativos como pertencentes a um gnero a existncia de umconjunto de propsitos comunicativos compartilhados pelos exemplares do gnero(SWALES, 1990, p. 46).

    O gnero um evento comunicativo reconhecvel, caracterizado por um conjuntode propsito(s) comunicativo(s) (BHATIA, 1993, p. 13).

    Cada gnero exemplifica a realizao bem sucedida de um determinado propsitocomunicativo, utilizando o conhecimento convencionado de recursos lingusticose discursivos (BHATIA, 1993, p. 16).

    Ns normalmente consideramos o texto, de forma geral, como tendo algumasaes dominantes que definem sua inteno e propsito (BAZERMAN, 2006b, p.35).

    Cada gnero textual tem propsito bastante claro que o determina e lhe d uma

    esfera de circulao (MARCUSCHI, 2008, p. 150).

    O estabelecimento do propsito comunicativo como um critrio de identificao do

    gnero representou, num primeiro momento da AG, um passo em direo a uma abordagem

    social. Swales (1990) argumenta que, ao colocar o propsito comunicativo compartilhado

    pelos exemplares de um gnero como um critrio proeminente, seguiu a mesma proposta de

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    No cenrio da ADC, se reconhece o propsito sociodiscursivo como um elemento

    importante na constituio do gnero. Fairclough (2003, p. 70-71) afirma que comum o

    gnero ser definido em termos de propsitos e atividades. Estes podem ser

    hierarquicamente ordenados e relativamente explcitos ou implcitos.

    Mesmo reconhecendo que o gnero realiza certos propsitos e atividades, preciso

    considerar que

    h problemas em se privilegiar muito o propsito como um critrio de definiodo gnero. Enquanto muitos gneros tm realmente propsitos definidos,claramente vinculados a propsitos sociais amplamente reconhecidos, isso no seaplica a todos os gneros (FAIRCLOUGH, 2003, p. 71).

    Portanto, compartilho da concluso de Fairclough (2003, p. 72): no devemos deixar

    de ver o propsito como relevante para o gnero, mas evitar conceb-lo como o centro de

    nossa definio de gnero.

    1.4.4 O gnero constitui um evento sociodiscursivo inscrito nas prticas de uma

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    (b) A comunidade discursiva tem mecanismos para intercomunicao entre os membros.Os mecanismos de participao podem ser diversos: reunies, telecomunicaes,

    correspondncia, boletins e assim por diante.

    (c) Em consequncia de (a) e (b), a comunidade discursiva usa seus mecanismos departicipao para fornecer informaes efeedback, e assim criar oportunidades para que os

    membros se envolvam nas tarefas da comunidade.

    (d) A comunidade discursiva produz e utiliza um conjunto de gneros prprios paraalcanar seus objetivos. Uma comunidade est assentada em expectativas discursivas

    desenvolvidas e em contnuo desenvolvimento. Essas expectativas podem determinar o

    tpico, a forma e a funo que o discurso assume, e os papis que os textos desempenham

    no funcionamento da comunidade. Assim, tais expectativas criam gneros especficos para

    a articulao das operaes a desenvolvidas.

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    conflitos e instabilidades, tanto em relao identidade dos participantes como em relao

    natureza das prticas discursivas14.

    Swales fez algumas revises no conceito de comunidade discursiva em trabalhos

    posteriores (SWALES, 1992, 1993, 1998), discutindo algumas limitaes da definio de

    Genre analysis (1990).

    Em Genre and engagement, Swales (1993) discute o fato de o conceito original no

    incorporar a ideia de avano e mudana discursiva, realizados a partir da incluso de novos

    tpicos, novos gneros e novos espaos de explorao, caractersticas comuns nas

    comunidades (HEMAIS; BIASI-RODRIGUES, 2005).

    Em Other floors, other voices, Swales (1998) aponta que o conceito de Genre

    analysis no possui mecanismos suficientes para delimitar a extenso de uma comunidade.

    Por exemplo, h casos em que duas ou mais comunidades discursivas se sobrepem, ficando

    difcil identificar de qual comunidade parte o discurso. Veja-se o caso dos manuais e obras

    de referncia de uma determinada disciplina, como o jornalismo. Obras como Gneros

    jornalsticos no Brasil(MARQUESDE MELO; ASSIS, 2010), Sotaques daqum e dalm mar

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    estruturas de concreto armado, teorias da personalidade, nmeros complexos,

    gramaticalizao numa nica comunidade discursiva (a acadmica), certamente cada

    disciplina acadmica tem objetos de discurso particulares e formas especficas de ordenar

    suas prticas discursivas, o que faz com que jornalismo, engenharia civil, psicologia,

    matemtica e lingustica constituam comunidades discursivas distintas umas das outras,

    dentro de uma macrocomunidade, a acadmica.

    Ainda em Other floors, other voices, Swales (1998) destaca que o conceito original

    de comunidade discursiva no dava conta de comunidades em fase embrionria e em fase de

    transio, j que no tm gneros estveis e caractersticos (HEMAIS; BIASI-RODRIGUES,

    2005).

    Por fim, Swales (1998) prope o conceito de comunidade discursiva de lugarpara

    designar um grupo de pessoas que regularmente trabalham juntas, partilhando uma noo

    comum, embora sempre em mudana, dos objetivos que norteiam a atividade do grupo.

    Essa comunidade desenvolve uma gama de gneros para orientar e monitorar os

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    1.4.5 O gnero organizado em un idades e movimentos retricoshierrquicos.

    O desenvolvimento dos estudos de gnero no interior da sociorretrica permitiu que

    se pensasse no gnero em termos de um conjunto de aes retricas ordenadas. Essas aes

    so determinadas por um grupo de fatores sociorretricos integrados (prtica social,

    comunidade discursiva, propsitos sociodiscursivos, agentes sociais envolvidos na

    produo, mediao e interpretao do gnero etc.) que afetam tanto o texto como o contexto.

    Isso implica que a estrutura retrica de um gnero no resulta de um conjunto de escolhas

    intencionais de um sujeito plenamente consciente que busca a adeso de seu(s)

    interlocutor(es) a um determinado projeto enunciativo (BAKHTIN, 2010[1952-53]).

    Certamente, h participao cognitiva do sujeito na instanciao do gnero e na modelao

    dos recursos retricos, mas dentro de certos limites sociais e discursivos.

    De acordo com a ASG, em especial a vertente de Swales, o gnero formado por um

    conjunto de movimentos retricos, que lhe confere uma estruturao tpica. Assim, a

    sequenciao e a progresso retrica do gnero so feitas por meio de unidades textuais que

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    Quadro 3Movimentos retricos da introduo de artigos de pesquisaMovimento 1 Estabelecer o campo de pesquisa

    Movimento 2 Sumarizar pesquisas prvias

    Movimento 3 Preparar a presente pesquisa

    Movimento 4 Introduzir a presentes pesquisa

    Fonte: Swales (1984, p. 80)

    Em Genre Analysis, Swales (1990) refina o modelo; reduz para trs a quantidade de

    movimentos retricos e, em compensao, insere uma srie de subunidades (passos) dentro

    de cada movimento. O quadro resultante o seguinte:

    Quadro 4Modelo CARS para introduo de artigos de pesquisaMovimento 1 Estabelecer o territrio

    Passo 1 Asseverar a importncia da pesquisae/ou

    Passo 2 Fazer generalizao(es) quanto ao tpicoe/ou

    Passo 3 Revisar a literatura (pesquisas anteriores)Diminuindo esforo

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    Neste trabalho, usarei ambos os termos, cada um cobrindo um conceito diferente. O

    termo unidade retrica designar uma poro textualformada por parte de um texto, por

    um texto completo ou por um conjunto de textosque tem certa integrao formal, temtica

    e retrica. J o termo movimento retrico ser usado para designar os elementos que, juntos,

    formam a organizao retrica e os movimentos de sentido presentes no gnero. De certa

    forma, podemos dizer que o termo unidade se relaciona mais com o plano estrutural e

    organizacional do gnero, enquanto o termo movimento se relaciona mais com o plano

    funcional.

    No campo da ACG, a noo de estruturao retrica perdeu espao, uma vez que o

    foco da anlise tem se voltado mais para os elementos do contexto do que para a anlise da

    estrutura do texto. Nos estudos de Bhatia (2010) e Bonini (2010), por exemplo, no h uma

    preocupao com a anlise da organizao retrica dos gneros estudados. natural que, em

    estudos crticos, haja menos nfase na estrutura retrica do gnero. Contudo, analisar o modo

    como se organiza retoricamente um gnero pode ser til para mostrar os efeitos de certas

    determinaes discursivas.

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    levando pouco em conta a rede de relaes genricas que se estabelece em seu entorno.

    Recortar um dado gnero e trat-lo como algo inteiro em si mesmo tm sido

    procedimentos metodolgicos bastante comuns na ASG. Parte-se do pressuposto, embora

    no declarado, de que o gnero pode se estruturar e funcionar a partir de um conjunto de

    propriedades internas, autorreferentes e no-partilhadas. Estudos como o de Swales (1990)

    e os que foram mencionados logo acima esto assentados numa base terica que, se no

    defendem a pureza do gnero, pelo menos deixam de considerar a cadeia de interconexo

    necessria que um gnero estabelece com outros, tanto em relao a aspectos estruturais

    como funcionais. Faz-se a um estudo simplificado e idealizado do gnero (BHATIA, 2004,

    p. xiv).

    H uma grande lacuna entre o estudo de um gnero individual, cuja anlise se

    concentra em sua integridade e pureza, e o funcionamento efetivo desse gnero em seu

    mundo sociodiscursivo real (BHATIA, 2004). A ele aparece como uma atividade discursiva

    inerentemente complexa, dinmica, verstil e imprevisvel (BHATIA, 2004, p. xiv),

    encaixada num amplo sistema sociodiscursivo, formando junto com outros gneros um

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    so essenciais para o trabalho e para a identificao da comunidade. Gneros como

    memorando administrativo, cartas comerciais (para clientes, para autoridades fiscais etc.),

    protesto fiscal etc. constituem e governam a comunidade, definindo e refletindo sua

    epistemologia e seus valores.

    Devitt (1991), ao analisar as relaes intertextuais que um conjunto de gneros

    realiza numa determinada comunidade, abriu caminho para o estudo de outros tipos de

    relao que os gneros estabelecem entre si.

    As prticas sociodiscursivas realizam uma rede complexa de relaes, que desafia a

    teoria e a anlise de gneros em vrias direes. Os gneros, enquanto atuam conjuntamente,

    no criam apenas uma cadeia intertextual. H outros tipos de relaes atuando enquanto a

    trama intertextual tecida.

    Desde o trabalho de Devitt (1991), tem se tornado frequente o interesse por se

    compreender as relaes que os textos estabelecem entre si no interior de um sistema e de

    uma comunidade discursiva, bem como no transcurso de uma rede de prticas e eventos

    sociais (FAIRCLOUGH, 2001[1992], 2003; BHATIA, 2004; BONINI, 2011).

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    constatar o processo de ressonncia de textos anteriores num determinado artigo de pesquisa.

    preciso identificar as convenes genricas que regulam o processo de introduo e

    acondicionamento de outros gneros, inteiros ou recortados, dentro do artigo de pesquisa,

    processo que permite a construo de um fluxo de intertextualidade genrica.

    Ressalto que o termo intertextualidade genrica se aplica aqui exclusivamente

    ligao que um texto estabelece com textos anteriores, em termos do que enunciado,

    ficando de fora a troca e fuso de propriedades genricas. A ressonncia das propriedades de

    um gnero em outro (processos de combinao, mistura e/ou fuso de gnero) ser aqui

    estudada sob o rtulo de intergenericidade ou hibridizao de gneros.

    Swales (2004) utiliza o termo rede de gneros, o qual parece ter sido inspirado no

    velho conceito de intertextualidade (ARAJO, J. C., 2006, p. 59), para se referir a um

    fenmeno parecido com o descrito acima. Segundo Swales (2004), uma rede de gneros

    instaurada quando, a partir de um gnero, se criam diversos outros. Por exemplo, uma

    palestra pode ser transformada num ensaio ou artigo de pesquisa; uma tese pode assumir a

    forma de um ou mais artigos de pesquisa; uma palestra, ensaio, artigo de pesquisa ou parte

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    A expanso das mdias criou condies favorveis interdiscursividade (FOUCAULT,

    2008; FAIRCLOUGH, 2001[1992], 2003) e ao contato entre gneros. cada vez mais comum

    o intercmbio discursivo e genrico entre comunidades e domnios discursivos distantes. As

    mdias oferecem inmeros recursos que possibilitam a transferncia de certos aspectos,

    recursos e aes discursivos de uma dada prtica social para o contexto de outra.

    Essa troca de recursos e contextos, denominada por Chouliaraki e Fairclough (1999)

    como recontextualizao, constitui um fenmeno tpico da modernidade tardia (GIDDENS,

    1991, 2002). De acordo com Fairclough (2003), o processo de contextualizao visto como

    a apropriao, por parte de uma prtica social, de elementos que pertencem a outra, fazendo

    com que a prtica social incorporadora atue num contexto similar ao da prtica social

    incorporada.

    Como todo gnero nasce de uma situao de contato e inter-relao, natural que os

    gneros estabeleam entre si um intenso fluxo de troca de propriedades estruturais e

    discursivas. Esse fenmeno ser aqui chamado de intergenericidade. Trata-se da

    transferncia de propriedades lxico-gramaticais, sociorretricas e discursivas de um gnero

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    (1997 apud MARCUSCHI, 2008, p. 165): o gnero anncio publicitrio assume a forma de

    uma bula de remdio:

    Quadro 5Anncio publicitrio na forma de bula de remdioViva saudvel com os livros

    DIOGENES

    Os livros Diogenes acham-se internacionalmente introduzidos na biblioterapia.

    PosologiaAs reas de aplicao so muitas, principalmente resfriados, corizas, dores de garganta erouquido, mas tambm nervosismo, irritaes em geral e dificuldade de concentrao. Emgeral, os livros Diogenes atuam no processo de cura de quase todas as doenas para as quaisse prescreve descanso. Sucessos especiais foram registrados em casos de convalescena.

    PropriedadesO efeito se faz notar pouco tempo depois aps iniciada a leitura e tem grande durabilidade.Livros Diogenes aliviam rapidamente a dor, estimulam a circulao sangunea e o estadogeral melhora.Precaues / riscosEm geral, os livros Digenes so bem tolerados. Para miopia, aconselham-se meios de auxlio leitura. So conhecidos casos isolados nos quais o uso prolongado produziu dependncia.Dosagem

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    semntico genrico, passando a ver o gnero como um anncio publicitrio de uma editora.

    Esse deslocamento resulta, em parte, da natureza do objeto de discurso referenciado, o livro

    (ou editor de livros Diogenes), que tem representaes sociodiscursivas amplamente

    distintas de um medicamento, por pertencer a um domnio discursivo diferente.

    importante salientar que ambos os objetos (medicamento e livro) podem ser

    referenciados no discurso publicitrio. Contudo, quando se realiza um evento discursivo

    promocional de cada um desses objetos, sem metfora genrica, h uma preocupao em

    relacionar o objeto ao domnio discursivo a que pertence. Assim, quando se tem um anncio

    publicitrio de um medicamento de se esperar que haja referncia aos efeitos teraputicos

    e ao contexto de fabricao do produto, mobilizando-se uma srie de referncias (diretas e

    indiretas) ao discurso farmacolgico. Por outro lado, quando se faz uma campanha

    promocional de um livro (ou editora), mobilizam-se objetos de discurso correferentes

    prprios do discurso editorial. H no anncio Viva saudvel com os livros Diogenes

    referncia a uma srie de objetos de discurso da esfera editorial, tais como: leitura,

    durabilidade (do livro), qualidade do papel, qualidade da impresso etc.

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    discursivos, para com isso aumentar seu efeito retrico e persuasivo.

    Em geral, quando o anncio apresenta uma estruturao retrica muito conservadora,

    o leitor se mantm distante da interlocuo, por no encontrar, logo no primeiro contato com

    o texto, razes suficientes para se engajar numa troca de sentidos. Como um gnero

    essencialmente dinmico, a falta de inovao e hibridizao pode acabar inviabilizando a

    realizao do evento discursivo.

    b) Intergenericidade por hibridizao

    A intergenericidade por hibridizao ocorre quando aspectos (estruturais e/ou

    discursivos) de um ou mais gneros so assimilados por um gnero j existente, ou se

    mesclam (a partir de novas combinaes discursivas e genricas) para formar um novo

    gnero. Fairclough (2003) denomina esse fenmeno de hibridizao e d como exemplo o

    texto Cidade dos grandes eventosfloresce16, uma espcie de reportagem promocional

    sobre a cidade de Bkscsaba, na Hungria, publicada no jornalBudapest Sun.

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    arquitetnico ou histrico, localizao geogrfica, a vida cultural etc.)(FAIRCLOUGH, 2003, p. 34-35).

    Chouliaraki e Fairclough (1999) consideram que gneros e discursos podem se

    desencaixar de certas ordens de discurso e circular como elementos livres, passveis de ser

    agrupados e articulados em novas configuraes, manifestando processos de mudana social

    no discurso. O caso do texto Cidade dos grandes eventosfloresce, ilustrado acima, mostra

    uma tendncia de deslocamento de alguns gneros jornalsticos para o campo publicitrio e

    para o campo corporativo, fazendo nascer uma ordem de discurso hbrida, que rompe as

    fronteiras entre discurso jornalstico, discurso publicitrio e discurso corporativo (BHATIA,

    2007; FAIRCLOUGH, 2001[1992], 2003).

    Veja-se ainda, a esse respeito, o caso do gneropress release. Esse gnero enseja um

    evento discursivo que tem por objetivo divulgar uma instituio; construdo a partir da

    combinao de certos recursos estruturais e discursivos do gnero reportagem com algumas

    propriedades retrico-discursivas do anncio publicitrio. Usam-se os aspectos retrico-

    estruturais da reportagem para incorporar ao texto certas marcas do discurso jornalstico

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    1.4.6.3 Cadeia de gneros

    O conceito de cadeia de gneros foi proposto inicialmente em Fairclough

    (2001[1992]), sob o nome de cadeias intertextuais, definidas como sries de tipos de textos

    que so transformacionalmente relacionadas umas s outras, no sentido de que cada membro

    das sries transformado em um outro ou mais, de forma regular e previsvel

    (FAIRCLOUGH, 2001[1992], p. 166). Nessa primeira proposta, Fairclough (2001[1992]) no

    distingue intertextualidade e cadeia de gneros. A interconexo que se d entre os gneros

    dentro de uma rede de discurso vista como parte da intertextualidade, no como um

    processo distinto. Em Analysing discourse, Fairclough (2003) abandona o termo cadeia

    intertextuale passa a utilizar o termo cadeia de gneros, estabelecendo, assim, uma ciso

    conceitual ntida entre cadeia de gneros e intertextualidade.

    Uma cadeia de gneros formada por um conjunto de gneros diferentes, que

    ocorrem regularmente em sequncia, de modo que um, ou mais gneros, provoca a

    emergncia de outro(s), formando assim uma rede de textos que se ligam e se influenciam

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    espao e tempo, articulando eventos sociais em diferentes prticas sociais, em diferentes

    pases e em diferentes tempos. Fairclough (2003) defende que as cadeias de gneros so

    fundamentais para realizao de ao distncia. A transcendncia do tempo e espao

    propiciada pela circulao mediada de gneros e outras formas simblicas (FAIRCLOUGH,

    2003, p. 31; GIDDENS, 1991, 2002, 2009; HARVEY, 2000; THOMPSON, 2011) tem aumentado

    a capacidade de agir e interagir em escala global, tornando a ao distncia uma

    caracterstica marcante da globalizao19 contempornea e, consequentemente, um meio

    facilitador de exerccio do poder (cf. FAIRCLOUGH, 2003; THOMPSON, 2011).

    Swales (2004) tambm desenvolve uma noo de cadeia de gneros. Sua proposta

    apresenta certa semelhana com o conceito de Fairclough (2001[1992], 2003). Em ambas as

    bases tericas, uma cadeia de gneros designa uma sucesso de gneros que se interconectam

    para a realizao de uma dada ao. Contudo, como o conceito de Fairclough (2001[1992],

    2003) est situado numa teoria social do discurso, natural que Fairclough esteja muito mais

    preocupado com o processo interdiscursivo que se instala quando uma srie de gneros se

    junta numa cadeia sucessiva do que com a sequncia de gneros em si. Fairclough

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    acional instaurado em torno de um grupo de gneros.

    Bazerman (1994) argumenta que, embora a categoria conjunto de gneros seja

    importante para mostrar o papel que certo grupo de gnero despenha na formao,

    ordenamento e identificao de uma comunidade discursiva, o conceito no permite alcanar

    o processo interacional completo, deixando uma parte da interlocuo de fora. Por exemplo,

    na anlise de Devitt (1991) sobre os gneros que fazem parte da atividade do contador fiscal,

    o conjunto de gnero representa [...] apenas o trabalho de um lado de uma interao que

    envolve mltiplas pessoas (BAZERMAN, 1994, p. 98), entre os quais o contador, o cliente e

    o governo. Concentrar-se no conjunto de gnero permite abordar apenas o lado do agente

    discursivo que pertence comunidade, deixando de fora os gneros e as manifestaes de

    interactantes que no fazem parte dessa comunidade.

    Para analisar toda extenso da interao discursiva desenvolvida em torno de um

    conjunto de gneros preciso estender o conceito a uma categoria mais ampla. De acordo

    com Bazerman (1994), o sistema de gneros seria um conjunto de gneros que permite a

    participao de todos os lados: contador, cliente e governo. Nesse caso, o conjunto de

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    O conceito de sistema de gneros se assemelha bastante ao conceito de cadeia de

    gneros proposto por Swales (2004). Para Bazerman (2006b), o sistema de gnero tambm

    visto, a exemplo do que prope Swales (2004), como uma sequncia regular de gneros,

    dentro de um fluxo comunicativo tpico de um grupo de pessoas ( BAZERMAN, 2006b, p

    32).

    A noo desistema de gneros como uma srie de gneros encadeados que d forma

    a um evento social, do qual participam agentes sociais diversos, pode ser especialmente

    importante porque lana luz sobre o modo como as pessoas usam uma sequncia de aes

    comunicativas para coordenar suas atividades no tempo e no espao (YATES; ORLIKOWSKI,

    2002, p. 16).

    O uso do conceito desistema de atividadespermite expandir ainda mais o contexto

    de atuao de um conjunto de gneros. De acordo com Bazerman (2006b, p. 33), o sistema

    de atividades corresponde a umframe20, isto , um conjunto de tipificaes, que organiza o

    trabalho, a ateno e a realizao de uma ou mais pessoas num contexto (local e social) de

    atuao humana. osistema de atividades que fornece aos agentes sociais pistas sobre que

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    bastante til na teoria de gneros porque pode servir a duas funes: a) comporta um alto

    grau de versatilidade na identificao e descrio do gnero, permitindo que ele seja visto

    em diferentes nveis de generalizao e tornando possvel apontar as principais relaes

    estabelecidas entre supergneros (ou macrogneros22), gneros e subgnero; e b) torna

    possvel relacionar essas subcategorias (os gneros e subgneros) s caractersticas do

    contexto de uso (BHATIA, 2004, p. 57).

    O termo colnia de gneros admite duas conceituaes. A primeira diz respeito a um

    agrupamento de gneros intrinsecamente relacionados que, embora partilhem, em grande

    parte, propsitos comunicativos comuns, podem ser diferenciados em outros aspectos como:

    filiao disciplinar e profissional, contexto de uso e circulao, tipos de relao que se

    estabelecem entre os participantes, restries determinadas pela audincia ou contexto de

    recepo etc. (BHATIA, 2004). A segunda conceituao se refere colonizao de gneros.

    Inspirado no conceito de comodificao de Fairclough (2001[1992]), Bhatia (2004, p. 58)

    define colonizao como um processo que envolve a invaso da integridade de um gnero

    por outro gnero ou outra conveno genrica, levando frequentemente criao de uma

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    (2000) argumentam que os gneros so dinmicos, orgnicos e abertos, podendo ser

    conectados e utilizados de diferentes maneiras (SPINUZZI, 2004, p. 5). Por isso, uma

    perspectiva ecolgica, que representa o dinamismo e a interconectividade dos gneros,

    fundamental para se analisar a variao nas realizaes de um determinado gnero

    (SPINUZZI; ZACHRY, 2000, p. 172-173) ou de um grupo de gneros.

    De acordo com a proposta terica de Spinuzzi e Zachry (2000), trs propriedades

    fundamentais governam o funcionamento dos gneros numa ecologia: contingncia,

    descentralizao e estabilidade.

    a) Contingncia

    A contingncia se refere ao modo como as pessoas coordenam os gneros de forma

    complexa, oportuna e, por vezes, arriscada, quando intencionam realizar certas aes e/ou

    projetos sociais (SPINUZZI; ZACHRY, 2000).

    A partir do conceito de contingncia de Spinuzzi e Zachry (2000), assumo que as

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    b) Descentralizao

    De acordo com Spinuzzi e Zachry (2000, p. 174), a ecologia de gneros tambm

    governada por uma descentralizao. Os gneros nunca so utilizados a partir de um nico

    modelo e de um nico artefato (mdias e/ou instrumentos tcnicos). Diversas mediaes e

    instrumentos podem ser mobilizados na utilizao de um gnero ou de um grupo de gneros,

    s vezes at de forma inovadora e imprevista.

    H certamente um protocolo de uso do gnero recorrente na comunidade, bem como

    uma mdia ou algum artefato tcnico usualmente associado a determinado gnero ou

    ecologia de gneros. Contudo, no se pode dizer que esse gnero ou ecologia ser sempre

    usado de tal modo e em conexo com tal mdia ou artefato.

    O conceito de descentralizao serve para mostrar que os padres de usabilidade de

    um gnero so relativamente abertos. Apesar de cada gnero estar comumente associado a

    determinados protocolos de usabilidade e artefatos (mdia, suporte e outros dispositivos

    tecnolgicos), os agentes sociais podem experimentar certos usos e conexes pouco

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    estabilidade se refere tendncia de os usurios repetirem certas interconexes genricas j

    convencionadas na comunidade e em certa situao sociorretrica.

    Uma ecologia de gneros tende a se tornar mais regularizada ao longo do tempo.

    Spinuzzi (2002) diz que uma conexo ad hoc entre certos gneros, como por exemplo, o uso

    improvisado de uma nota para fazer anotao a respeito de umafatura problemtica, pode,

    ao longo do tempo, se tornar uma ligao regular. Assim, as ecologias de gneros podem

    formar constelaes durveis, isto , agrupamentos e conexes genricas relativamente

    estveis em vez de absolutamente imutveis, dinmicas e no estticas, flexveis e no

    rgidas (SPINUZZI; ZACHRY, 2000, p. 175).

    1.4.6.8 Consideraes sobre as limitaes que cercam uma discusso sobre agrupamento

    genrico

    Busquei nestes subitens que compem a seo 1.4.6 traar um panorama dos

    principais termos e conceitos usados para teorizar o modo como os gneros se agrupam, sem

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    1.5 Resumo do captulo

    Este captulo teve como objetivo apresentar os conceitos, oriundos da Anlise de

    Gneros (AG) e Anlise de Discurso Crtica (ADC), que do sustentao a esta tese. Gnero

    e discurso constituem os objetos tericos fundantes deste trabalho, a partir dos quais ser

    possvel (re)elaborar, sistematizar e analisar a noo de hipergnero. Essas duas categorias

    tericas,gnero e discurso, esto na base da teorizao e anlise das relaes genricas que

    se estabelecem quando os gneros so agrupados numa certa mdia, formando um

    macroenunciado. Da o motivo por que busquei construir uma zona de convergncia terico-

    analtica entre AG e ADC, apontando uma srie de asseres tericas que se localizam num

    ponto de interseco entregnero e discurso.

    A AG uma disciplina recente. Fortaleceu-se a partir do fim dos anos de 1980.

    Contudo, suas razes esto associadas mudana que Bakhtin imprimiu nos estudos de

    gneros, no incio dos anos de 1950, com a publicao do ensaio pioneiro Os gneros do

    discurso. Junto com o surgimento doDialogismo Bakhitiano, houve tambm uma renovao

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    A partir da convergncia entre ADC e AG, apresentei as seguintes asseres tericas:

    a) O gnero funciona numa situao retrica recorrente.

    b) O gnero uma ao social.

    c) O gnero realiza determinado(s) propsito(s) sociodiscursivo(s).

    d) O gnero constitui um evento sociodiscursivo inscrito nas prticas de uma comunidade

    discursiva.

    e) O gnero organizado em unidades e movimentos retricos hierrquicos.

    f) Os gneros funcionam em conjunto, formando um complexo sistema de relaes.

    H, neste captulo, discusso um pouco mais ampla sobre a ltima assero da srie,

    que trata do funcionamento agrupado dos gneros. Em World of written discourse, Bhatia

    (2004) chama a ateno para o aspecto essencialmente dinmico e correlativo dos gneros.

    Na esfera em que atuam, isto , em seu mundo sociodiscursivo real, os gneros existem e

    funcionam de modo essencialmente complexo, dinmico, verstil e imprevisvel (BHATIA,

    2004, p. xiv). Da a necessidade de se levar em conta as interconexes que os gneros

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    CAPTULO 2

    REVISITANDO OS CONCEITOS

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    CAPTULO 2REVISITANDO CONCEITOS DE MDIA, SUPORTE E HIPERGNERO | 76

    As correlaes entregnero-mdia, gnero-suporte e gnero-hipergnero, que sero

    objeto de teorizao e estudo nesta pesquisa, ainda so pouco exploradas no campo da

    Anlise de Gneros, Midiologia e Comunicao Social. Por exemplo, uma breve reviso da

    literatura clssica dessas disciplinas nos mostra que o pargnero-mdia, cujos conceitos,

    considerados individualmente, j esto razoavelmente desenvolvidos, ainda pouco

    explorado.

    No campo da Midiologia e Comunicao social, a abordagem do gnero e mdia

    como categorias correlacionadas no aparece nos estudos de Debray (1993, 1998, 2000,

    2004), Bougnoux (1994), Silverstone (2005), Beltro (1976, 1980), Marques de Melo (1992,

    2003, 2006), Marques de Melo e Assis (2010), Martnez Albertos (1993).

    No campo da AG, os estudos de Swales (1990, 1998, 2002, 2004), Bazerman (1994,

    2005), Bhatia (1993, 1997a, 1997b, 2002) no apresentam propostas tericas que articulem

    a interface gnero-mdia. Bhatia (2004) faz referncia mdia como um componente do

    complexo sistema de funcionamento do gnero, mas sem avanar para uma teorizao mais

    aprofundada.

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    funcionamento, mdia, suporte, hipergnero e gnero se sobrepem em vrios pontos

    (continuidade, sobreposio). Assim, me parece ser mais apropriado pensar numa disposio

    contnua e no discreta, conforme mostra a Figura 1:

    Figura 1Disposio em contnuo: mdia, suporte, hipergnero e gnero.

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    levadas em conta apenas subsidiariamente. Como afirma Charaudeau (2009, p. 22), toda

    abordagem disciplinar, por definio, parcial.

    Figura 2Correlao entre gnero, hipergnero, mdia e suporte

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    2.1.2 Conceito de mdia na midiologia de Debray

    Como o conceito de mdia de Debray (1993, 1998, 2004) no construdo no interior

    das teorias da comunicao, embora parea primeira vista, para ele, a mdia no deve ser

    estudada como um meio de comunicao. Do contrrio, corre-se o risco de afirmar que um

    objeto to complexo, sempre presente na histria cultural do homem e associado a diversas

    revolues, seja equivalente aos meios de comunicao de massa: imprensa, cinema, rdio,

    televiso, internet.

    Para tentar dar conta de toda a complexidade da mdia, Debray coloca no mercado

    das cincias um novo produto: a midiologia, que tem por objeto de investigao o

    fenmeno da transmisso. Os captulos introdutrios do Curso de midiologia geral(1993)

    e deIntroduo mediologia (2004)25 so dedicados construo do objeto da midiologia,

    distanciando-a da Comunicao Social.

    Debray (2004, p. 12) defende que preciso ultrapassar o horizonte do comunicar

    para chegar ao continente do transmitir que no visvel ao olho nu e que, como todos os

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    recorrente) entre isto e aquilo (definio de uma lei objectiva) expor-se- acusao de

    determinismo (primrio) e de reducionismo (simplista). A transmisso simblica constri

    uma relao de causalidade sistmica negativa, assim formulada: A no produz B, mas se

    no h A, no existe B (BOUGNOUX apud DEBRAY, 2004, p. 77). Depreende-se dessa

    frmula que,

    O elo causal entre uma tcnica e uma cultura no nem automtico nem unilateral.No se pode ter certezas sobre os tipos de comportamento que a escrita linear vaidesenvolver ou no numa cultura oral. Em contrapartida, h a certeza de que umacultura que ignora este processo de memorizao no ter este ou aquelecomportamento (DEBRAY, 2004, p. 77).

    O deslocamento de um objeto que est fixado num espao-tempo, a comunicao,

    para um objeto que perpassa vrios espaos-tempos, a transmisso, permite traar uma

    histria dos impactos da mdia no curso da histria humana. A teoria da transmisso fornece

    condies para se proceder a uma arqueologia da mdia (ZIELINSKI, 2006) e mostrar as

    correlaes histricas, culturais, sociais, polticas e tcnicas imbricadas em cada modelo

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    mediao (mdia), ancoragem (suporte) e agrupamento ordenado (hipergnero) de gneros28.

    A transio de um sistema (de mediao, ancoragem e agrupamento) para outro acarreta

    impactos sobre vrios setores da atividade humana: sistemas polticos (formas de governo,

    hierarquizao do poder do estado etc.), sistemas culturais (religio, educao, lngua,

    identidade tnica, identidade nacional etc.) e sistemas sociais (diviso do trabalho, papeis

    sociais, instituies) etc.

    Para ilustrar, vejamos como uma mudana no sistema de mediao, ancoragem e

    agrupamento ordenado de gneros repercute no quadro das instituies sociais, fazendo

    surgir novas instituies e/ou redesenhando as j existentes, com novas formas

    organizacionais e novos postos na hierarquia social. O exemplo das instituies Igreja e

    universidade, na passagem do sculo XV ao XVII, esclarecedor. A transio dosistema de

    mediao manuscrito (tendo o cdice como cone de todo um sistema de mediao,

    ancoragem e agrupamento genrico)para osistemade mediaotipogrfico (que tem o livro

    como manifestao emblemtica) associa-se, tanto em termos de causa quanto de efeito, a

    uma grande reconfigurao poltica e social do papel da Igreja, que deixou de ser a

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    das pretenses em torno do Index librorum prohibitorum29, promulgado incialmente em

    1559 e revisto seguidas vezes, o projeto de censura da Igreja operou com muitas restries,

    obtendo pouco sucesso nessa rea. Os censores e inquisidores podiam atuar apenas sobre

    autores e livros confiscados em seu domnio de jurisdio, pouco podendo fazer para impedir

    a operao de tipografias e a circulao de livros em espaos longnquos. Os editores

    sempre encontravam meios de burlar os censores, e os livros banidos numa cidade ou regio

    eram editados numa outra e contrabandeados por comerciantes e mascates ( THOMPSON,

    2011, p. 89). O certo que a atividade econmica que se construiu em torno das tipografias

    e do transporte de livros se tornou muito grande para que pudesse ser controlada por decretos

    papais, ou at mesmo decretos do rei (THOMPSON, 2011).

    O projeto de censura mexeu ainda mais com a base do poder da Igreja. Para atuar em

    seus prprios domnios, aqueles em que no perdera espao para os movimentos reformistas

    protestantes, a Igreja passou a ter de depender da anuncia e interesse dos estados nacionais.

    Para isso, teve de fazer alianas que diminuram o seu poder, beneficiando de algum modo

    as organizaes e instituies polticas locais.

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    A dicotomia transmisso/comunicao tem um papel decisivo na definio de mdia

    em Debray (1993, 1998, 2000, 2004). Segundo o autor, a midiologia no tem como foco a

    comunicao. Logo, a concepo de mdia como meio de comunicao de massa

    substituda por uma nova concepo, voltada para o fenmeno da transmisso.

    Em midiologia, mdio designa, em primeira abordagem, conjunto, tcnica esocialmente determinado, dos meios de transmisso e circulao. Conjunto queprecede e supera a esfera dos meios de comunicao de massa contemporneosimpressos e eletrnicos, entendidos como meios de difuso macia (imprensa,rdio, televiso, cinema, publicidade, etc.). (DEBRAY, 1993, p. 15).

    Os meios de comunicao de massa fazem parte do processo de transmisso, mas

    constituem apenas um entre os vrios vetores midiolgicos em funcionamento nas

    sociedades urbanas. Como tal, os mass media fazem parte da existncia de determinadas

    relaes midiolgicas, mas no podem constituir mdias autnomas e suficientes nos

    processos de transmisso cultural.

    No Curso de midiologia geral, Debray (1993) apresenta o quadro terico a partir do

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    Considerando todos os tipos de mediao semitica, mdia pode designar

    instituies (a escola), objetos tcnicos (aparelho de rdio, tela de cinema, tubocatdico), suportes materiais (papel, tecido fita magntica, tijolo), cdigos sociais(gramtica, sintaxe), rgos do corpo (laringe, cordas vocais), modos gerais decomunicao (oral, escrito, impresso, audiovisual, informtica) (DEBRAY, 1993,p. 18).

    Considerando apenas a mediao semitica verbal, o termo mdia

    poder aplicar-se tanto linguagem natural utilizada (ingls ou latim), como aorgo fsico de emisso e apreenso (voz que articula, mo que traa sinais, olhoque decifra o texto), aosuporte material dos traos (papel ou tela), ao processotcnico de coleta de dados e reproduo (impresso, eletrnico): ou seja, nomnimo, quatro acepes. Seria, ento, a midiologia a arte de exprimir conceitosimprecisos sobre um objeto impreciso? (DEBRAY, 1993, p. 18).

    Na Introduo mediologia, Debray (2004) apresenta um conceito semelhante ao

    anterior. Mdia pode designar:

    1) um procedimento geral de simbolizao (palavra articulada, sinal grfico,imagem analgica); 2) um cdigo social de comunicao (a lngua utilizada pelo

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    No so mdia, mas entram no campo da m