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BELO HORIZONTE, OUTUBRO DE 2006, SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA DE MINAS GERAIS.

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GOVERNADOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS AÉCIO NEVES DA CUNHASECRETÁRIA DE ESTADO DE CULTURA ELEONORA SANTA ROSA SECRETÁRIOADJUNTO MARCELO BRAGA DE FREITAS SUPERINTENDENTE CAMILA DINIZFERREIRA PROJETO GRÁFICO E DIREÇÃO DE ARTE MÁRCIA LARICA CONSELHOEDITORIAL ÂNGELA LAGO + CARLOS BRANDÃO + EDUARDO DE JESUS + MELÂNIASILVA DE AGUIAR + RONALD POLITO EQUIPE DE APOIO ANA LÚCIA GAMA +ELIZABETH NEVES + ROSÂNGELA CALDEIRA + WESLEY SILVA QUEIROS +ESTAGIÁRIOS MIMA CARFER + VALBER PALMEIRA + NATÁLIA DUTRA JORNALISTARESPONSÁVEL KÁTIA MARIA MÁSSIMO {REG. PROF. 3196/ M.G.}. TEXTOS ASSI-NADOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DOS AUTORES. AGRADECIMENTOS: IMPRENSAOFICIAL/ FRANCISCO PEDALINO COSTA DIRETOR GERAL, J. PERSICHINI CUNHADIRETOR DE TECNOLOGIA GRÁFICA + LIVRARIA E CAFÉ QUIXOTE + LIVRARIASCRIPTUM. Impresso nas oficinas da Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais.

Suplemento Literário de Minas GeraisAv. João Pinheiro, 342 - Anexo30130-180 Belo Horizonte MGTel/fax: 31 [email protected]: CIDADE, Augusto de Campos

(1963) versão de Erthos Albino deSouza (1972).

Noigandres 1,Augusto de Campos, Décio Pignatari,

Haroldo de Campos.São Paulo, novembro de 1952.

Em 2006 comemoram-se os cinqüenta anos de lança-mento do movimento concretista no Brasil. Trata-se de datasignificativa, já que esse movimento foi fundamental para acultura brasileira, particularmente para a poesia, por suaspropostas estéticas inovadoras e ousadas.

O concretismo teve larga repercussão e influência emnosso país, extrapolando o plano estritamente literário, comressonância ampla que vai dos estudos acadêmicos - com aintrodução e a divulgação de autores e teorias diversas - atéa música popular, com o tropicalismo. As artes plásticas e gráficas, o design, a música erudita contemporânea e as novasproduções audiovisuais também forma influenciadas e impul-sionadas pelas idéias e obras dos concretistas.

Em Minas Gerais, as ressonâncias do concretismo tam-bém se fizeram sentir, principalmente na importante obra deAffonso Ávila, organizador aqui da Semana Nacional de Poesiade Vanguarda, em 1963 - evento que reuniu o grupo paulistade poetas concretos, críticos e ensaístas de várias partes dopaís e os então novos poetas mineiros. É preciso assinalartambém que o Suplemento Literário sempre contou, nas suasvárias fases, com colaborações dos concretistas, sejam poemas,traduções ou ensaios.

Esta bem-vinda edição especial procura não só registrara importância do movimento concretista, mas, também, homena-gear o falecido poeta, tradutor e ensaísta Haroldo de Campos -um dos criadores do concretismo, ao lado de seu irmão Augustoe de Décio Pignatari - que foi um constante colaborador desteSuplemento e um fraterno (e admirado) amigo nosso.

Eleonora Santa Rosa

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.3Outubro 2006

camila diniz ferreira editora

porquetemer apoesiaconcreta?

Nesta edição especial emhomenagem aos cinqüentaanos da Poesia Concreta1,optamos por não apenas re-produzir os poemas de suafase ortodoxa, bastante divul-gados em livros, mas, incitar oleitor, através de reflexões ementrevistas, resenhas, ensaio edocumentos inéditos, a voltarno túnel do tempo, antesmesmo de 1956 e, depois, pro-jetar-se no século XXI, emnosso presente e futuro, parapensar seriamente na revo-lução provocada pela PoesiaConcreta, no âmbito da poesiae da literatura, das artes e dacultura e da comunicação.

Fatos espantosos ainda con-tinuam ocorrer em 2006: aresistência e a rejeição que ospoetas concretos - “ex-con-cretos", como bem disseGonzalo Aguilar em seu livroque se tornou uma referênciadesse movimento, provocamem alguns intelectuais domeio acadêmico, como emdeterminados poetas das ge-rações seguintes até os con-temporâneos.

O julgamento, nesses casos,não passa de um dualismo

sem qualquer substânciacapaz de resistir a umaanálise mais profunda e ri-gorosa desse período. Gostarou não gostar da PoesiaConcreta não é a questão,pois é impossível que elapasse despercebida. Para al-guns, seria melhor que o mo-vimento não tivesse ocorri-do. (In) felizmente, a PoesiaConcreta é um fato.

A rejeição nasce de umtemor. Entre todas as mu-danças propostas pela PoesiaConcreta em sua fase radicalreunidas em Teoria da PoesiaConcreta, Textos críticos eManifestos 1950-1960 - ofim do verso “poesia concre-ta: produto de uma evoluçãocrítica de formas, dando porencerrado o ciclo histórico doverso (unidade rítmico-for-mal)" a dimensão espacialdos poemas - “tensão depalavras-coisa no espaço-tempo" ao “conflito entrefundo-e-forma" que culmi-nam no projeto verbivoco-visual, ou seja, a poesiaassumindo também suascaracterísticas visuais e so-noras, subjaz aquela que,embora não explicitada, é a

responsável pela rejeição etemor provocados pela PoesiaConcreta.

Quando se lê no manifestoque a “poesia concreta temuma responsabilidade inte-gral perante a linguagem",não se está falando de língua,mas de linguagem: um con-junto de signos verbais e nãoverbais que representam dediversas maneiras um objeto.

A linguagem verbal escrita,utilizando-se da língua, umadas muitas formas de lin-guagem, tem como caracte-rística principal a linearidadediscursiva e a representaçãodos objetos através daspalavras. De forma absolu-tamente radical, a PoesiaConcreta rompe com a sin-taxe - e não apenas com oléxico ou o nível semântico -da língua e faz a passagemdesta para a linguagem.

Essa ruptura põe à mostra olado icônico das palavras atéentão velado pelo poder dapalavra escrita e coloca emigualdade as linguagens ver-bais e não verbais, mudançasque já vinham ocorrendo

especial poesia concreta

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.4Outubro 2006

Life, Décio Pignatari

com a explosão dos meiostécnico-tecnológicos. E comoé compreensível, toda mu-dança radical é ameaçadora,pois abala os alicerces do sta-tus quo.

A Poesia Concreta nada maisé do que uma radicalização dapalavra escrita. Quando DécioPignatari faz seu poema“LIFE", a palavra “LIFE" quepara nós significa “VIDA"não é o que importa. A pa-lavra em si torna-se insigni-ficante diante do processo deformação do poema. É a vidaque vai se formando concre-tamente através da letra Icuja forma está presente emtodas as outras. Enquanto nalíngua gramatical, os fone-mas e as letras são destituí-dos de significado, em “LIFE"dá-se exatamente o inverso:é o I responsável por todo osignificado do poema.

É nesse movimento de for-mação que “LIFE" transfor-ma-se no ideograma chinês“Sol". Não há dúvida de que oconhecimento dos tipos gráfi-cos e de sua montagem, bemcomo da formação dos ideo-gramas é indispensável para a

criação-construção desse poe-ma antológico da fase concre-ta. É a vida que nasce e setransforma. Um sentimento-pensamento e não uma au-sência de sentimento.

A palavra deixa de represen-tar para se aproximar doobjeto - simplesmente apre-senta-se em sua dimensãoverbal-icônica com todovigor e potência. O mesmoocorre com “Forma", deHaroldo de Campos, “Ten-são", de Augusto de Campos,“Zen", de Pedro Xisto,“Velocidade", de RonaldoAzeredo e tantos outros dafase ortodoxa da PoesiaConcreta.

Mallarmé foi o primeiro a le-var às últimas conseqüênciasas possibilidades e impossibili-dades da escrita, em seu “Uncoup de dés jamais habolira lehasard." Com ele, os concretoscomeçaram a constituir seupaideuma a partir de poetasinteressados na análise da“evolução histórica da poesia".Como bem percebe Santaellaem “A poesia concreta comoprecursora da ciberpoesia",“os poetas concretos com-

preenderam como poucos queo Lance de Dados transpôs olimiar da escrita ocidentalcomo mero desenho do sompara uma indagação aberta noseio do possível e impossívelda escritura (...). Uma sintaxeque não pode mais ser toma-da de um ponto de vista lin-güístico gramatical, mas soba ótica das relações, todas asrelações sobre a página". Estaé justamente a revoluçãooperada pela poesia concretacapaz de mudar os rumos dacultura do século XX e per-manecer viva nas formasartísticas e literárias do séculoXXI inseridas na “paisagemeletrônica".2

1. Embora a poesia concreta não se restrin-ja ao grupo formado por Augusto de Campos,Décio Pignatari, Haroldo de Campos, JoséLino Grünewald, Ronaldo Azeredo, WladimirDias Pino e Ferreira Gullar, optamos porhomenagear, nesta edição, apenas os parti-cipantes da Exposição Nacional de ArteConcreta, realizada no Museu de ArteModerna, de São Paulo, em 1956, localonde foi lançada a Poesia Concreta. Os fru-tos que ainda colhemos, passados cinqüen-ta anos, deve-se a todos os poetas que sejuntaram aos primeiros e deram continui-dade ao processo de transformações poéticasque se iniciava.2. Agradecemos de forma muito especial àcolaboração de Carlos Ávila na organizaçãodesta edição especial e pela generosidadeem ceder o material inédito seguido das devi-das contextualizações.

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Em dezembro de 1956, ouseja, há exatos 50 anos,era lançada no Brasil apoesia concreta, no âmbitoda “Exposição Nacional deArte Concreta" realizadano Museu de ArteModerna de São Paulo. Em fevereiro de 1957, a mesma exposição foitransferida para o Rio deJaneiro e realizada, destavez, no saguão doMinistério da Educação eCultura. Ao lado de pin-tores e escultores concretos,o público via pela primeiravez uma nova forma depoesia, exposta em car-tazes e chamando atençãopelo aspecto visual comoas palavras eram organi-zadas no espaço branco.Os poetas concretos pro-punham a superação doverso e o uso de novosrecursos expressivosconectados com o mundocontemporâneo. Iniciava-se assim o movimento

concretista que influen-ciaria, nacional e interna-cionalmente, a produçãopoética a partir dos anos50.

Os idealizadores do movi-mento concreto foram ospoetas do chamado GrupoNoigandres, os paulistasAugusto de Campos, DécioPignatari e Haroldo deCampos – responsáveispela elaboração teórica eprática da nova poesia. Os três se reuniram emtorno da revista-livro“Noigandres", a partir de1952 (foram publicadoscinco números). Logo outros poetas integraram-se ao movimento, como os cariocas José LinoGrünewald, RonaldoAzeredo e Wlademir DiasPino e o maranhenseFerreira Gullar.

A denominação poesiaconcreta surgiu do encontro

.5Outubro 2006

Noigandres 4, Capa de Hermelindo Fiaminghi, São Paulo, março de 1958.Foto: Inês Gomes.a

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pági

na

especial poesia concreta

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.6Outubro 2006

na Europa de Pignataricom o poeta suíço-boli-viano Eugen Gomringer,então secretário do artistaplástico Max Bill.Gomringer também pro-duzia poemas visuais epermutacionais, que elechamava de constelações.Em sintonia comPignatari, logo em seguidao termo poesia concretaseria encampado porGomringer e por outrospoetas de várias naciona-lidades: Henri Chopin,Pierre Garnier, IanHamilton Finlay, VaclavHavel, Ernest Jandl,Kitasono Katue,Hansjorgen Mayer, FranzMon, Edwin Morgan, MaryEllen Solt, AdrianoSpatola, Emmett Williamsetc. O movimento seespalhou por todo omundo, levando à explo-ração de recursos “ver-bivocovisuais" na poesiapor diversos criadores.

Os concretos identifica-vam como precursores oMallarmé do “Un Coup de Dés" (Lance de Dados),os caligramas deApollinaire, o futurismoe o dadaismo, o método de montagem ideogrâmicada poesia de Ezra Pound, a sintaxe visual de e. e.cummings e a prosa revolucionária de Joyce(“Ulisses" e “FinnegansWake") com suas palavras-montagem; no Brasil,destacavam a poesia sintética de Oswald deAndrade e a arquiteturafuncional do verso deJoão Cabral de Melo Neto.Foram estabelecidasconexões com a músicadodecafônica e serial, ecom as artes plásticas decaráter abstrato-construtivo.Cinema, linguagem publi-citária, televisão equadrinhos tambémestavam dentro do campode interesse dos concretos.

Juntamente com sua prática poética, os concre-tos teorizaram bastante,publicando diversos livrosde ensaios (inclusive ovolume “Teoria da poesiaconcreta"), e desenvolve-ram um grande projeto detradução, incluindo poetasde diversas línguas e países, em geral, aquelesque foram decisivos para a evolução da arte poética:Mallarmé, Pound,Cummings, Maiakóvski etoda a poesia russa moder-na etc. Recuperaram tam-bém criticamente, atravésde “revisões", poetasbrasileiros inovadores queestavam esquecidos comoSousândrade, PedroKilkerry, Oswald e Pagu(Patrícia Galvão), LuísAranha etc.

Em razão de discordânciasteóricas, Ferreira Gullardesligou-se do projetooriginal, criando o neo-

concretismo, fundamentalprincipalmente para aevolução das artes plásti-cas no Brasil, com nomescomo Lígia Clark, Amilcarde Castro, Hélio Oiticica,

Lígia Pape etc. WlademirDias Pino também seguiuuma trilha própria, enfatizando o uso derecursos não-verbais,derivando para uma

Teoria da Poesia Concreta. Textos Críticos e Manifestos, 1950-1960. Augusto deCampos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos. São Paulo, Livraria Duas Cidades,1975

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.7Outubro 2006

posição independente quelevou à criação do poema-processo.

Poetas de linguagensdiferentes, mas que tam-bém entendiam a poesiacomo uma experiênciacriativa ou de vanguarda,aproximaram-se e dialoga-ram com o grupo concreto.Edgard Braga e PedroXisto, poetas mais velhos,aderiram ao movimento.Mário Faustino, mantendosempre uma posição individual e sem abrir mão do verso, apoiou edivulgou o concretismo na sua página Poesia-Experiência, no “Jornal doBrasil", reconhecendo suaimportância. Em MinasGerais, os poetas AffonsoÁvila e Laís Corrêa deAraújo, sem abrir mão deum trabalho próprio ediferenciado, sempreestiveram em contato comos concretistas, dialogando

com eles e mantendo umarelação de afinidade eamizade. Em 1963, Ávilacoordenou a “SemanaNacional de Poesia deVanguarda", em BeloHorizonte, integrandonovos poetas e críticoscom os concretos paulis-tas, procurando estabelecerassim uma perspectivacrítica e participante paraa poesia do momento. JoséPaulo Paes aproximou-sedo movimento a partir dolivro “Anatomias", publi-cado em 1967, com umapoesia sintética que con-ciliava humor e críticasocial. O mineiro ErthosAlbino de Souza, radicadona Bahia, criou mais tardeuma “ponte" com os con-cretos, realizando asprimeiras e pioneirasexperiências poéticas uti-lizando o computador noBrasil - como o poemavisual “Le Tombeau deMallarmé" - e editando a

revista de poesia experi-mental “Código", emSalvador.

Poetas de gerações maisjovens também se apro-ximaram dos concretos. Omais conhecido deles é oparanaense Paulo Leminskique participou da “Sema-na" em BH, onde conheceu Augusto eHaroldo de Campos, epublicou seus primeirospoemas na revista“Invenção" – porta-voz domovimento a partir de1962 (foram publicadoscinco números). No finaldos anos 1960, o movi-mento tropicalista namúsica popular (CaetanoVeloso, Gilberto Gil,Torquato Neto, Tomzé, Os Mutantes, Gal Costa,Rogério Duprat e outros)estabeleceu um diálogocom os concretos queresultou em discos ecanções com alto teor

criativo. Mais recente-mente, Walter Franco eArnaldo Antunes (estetambém através de poemase livros) deram conti-nuidade a experiênciassonoro-poéticas que sereferenciam ao universoda poesia concreta.Paralelamente, no âmbitoda música erudita, GilbertoMendes e Willy Corrêa deOliveira já vinham musi-cando diversos poemasdos concretos.

Com o passar do tempo, os principais criadores dapoesia concreta – Augusto,Décio e Haroldo –seguiram caminhos pes-soais, desenvolvendo projetos individuais, massempre se orientando peloexperimentalismo e pelainvenção: Augusto deuênfase à visualidade, aosom e à cor nos seus poe-mas, utilizando os novosrecursos tecnológicos pos-

sibilitados pelo computa-dor, nos livros “Despoesia"e “Não" - também oralizouseus poemas no CD“Poesia é risco" (em colabo-ração com Cid Campos);Décio enveredou por umaprosa criativa e inquieta,com influxos semióticos,em “O Rosto da Memória",“Panteros", “Errâncias" epor processos de experi-mentação de novas lingua-gens; e Haroldo acentuousua versatilidade verbal,algo barroca, nas“Galáxias" e em poemasonde, muitas vezes, retomae revivifica o verso, comoem “A educação dos cincosentidos". SegundoPignatari, “antes da poesia concreta: versossão versos. Com a poesiaconcreta: versos não sãoversos. Depois da poesiaconcreta: versos são ver-sos. Só que a dois dedosda página, do olho e doouvido. E da história".

especial poesia concreta

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Cristal, Haroldo de Campos.

Luxo/Lixo, Augusto de Campos.

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.9Outubro 2006

Velocidade, Ronaldo Azeredo.Coca-cola, Décio Pignatari.

especial poesia concreta

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.10Outubro 2006

De que forma a poesia concreta

influenciou os rumos do seu

trabalho antes e depois dos

Titãs?

Considero não apenas a poesia

concreta (especificamente a

da fase do movimento coleti-

vo), mas principalmente a

produção posterior, mais

individualizada, das obras de

Augusto de Campos, Haroldo

de Campos e Décio Pignatari

uma das coisas mais

potentes que a poesia

brasileira produziu nesse

século. É natural que, não só

eu, como inúmeros outros

poetas e compositores

tenham sido influenciados

por essa produção de alguma

forma. Isso não significa que

se possa falar em concre-

tismo, como movimento,

nos dias de hoje. Na minha

produção verbal (cantada ou

escrita), a poesia desses

autores convive com outras

fontes de influência, como

Drummond, João Cabral de

Melo Neto, Manuel

Bandeira, Guimarães Rosa

(para ficar só nos mais con-

temporâneos), a cultura do

rock (Bob Dylan, Beatles,

Stones etc.), o cinema

(Glauber, Bressane,

Sganzerla) e a sofisticadíssima

tradição textual da canção

popular brasileira (de Noel,

Lamartine, Lupicínio,

Vinicius, Caetano, Gil, Jorge

Benjor, Chico Buarque e

muitos outros).

A poesia concreta cruza

crítica e criação, forma e

expressão. Você acha que a

cultura tecnológica de hoje

acolhe melhor as formulações

feitas há 40 anos?

Não sei se a cultura tecno-

lógica de hoje acolhe melhor

aquelas formulações mas,

sem dúvida, a produção dos

poetas concretos acolheu

muito bem as novas tecnolo-

gias, como mostram suas

produções mais recentes,

arnaldo antunesfala sobre suarelacao com omovimentoconcreto ea tropicalia.

entrevista paulo roberto pires

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que já se utilizaram da holo-

grafia, do vídeo, da projeção

a laser, da produção gráfica

e/ou animação em computa-

dor, das gravações sonoras

utilizando criativamente o

arsenal técnico dos estúdios.

Alguns poemas daquela fase

(como por exemplo o “orga-

nismo” do Décio, que inseria

um zoom vertiginoso na

palavra impressa, produzindo

um movimento seqüencial

entre as páginas) pareciam

já apontar antecipadamente

para alguns recursos e

procedimentos apropriados

à linguagem tecnológica de

hoje. Com os computadores,

por exemplo, áreas de pro-

dução anteriormente distin-

tas, passaram a se realizar

conjuntamente. No mesmo

instrumento você pode

trabalhar com música, texto,

vídeo, produção gráfica etc.

“Verbivocovisual”, como eles

queriam, agora podendo se

realizar materialmente com

um repertório de recursos

muito maior.

Num artigo de 1994, você

aponta um preconceito contra

os irmãos Campos na raiz

das críticas ao concretismo.

Em sua opinião, porque

persiste a resistência ao

movimento?

Como disse anteriormente,

não creio ser possível pensar

em poesia concreta, como

movimento, nos dias de

hoje, em que a diversidade

de caminhos já se tornou

realidade cultural. Assisto a

uma certa resistência à pro-

dução atual desses poetas,

sem entender muito bem os

motivos que talvez remontem

a um certo trauma

causado pelo movimento

nas décadas de 50 e 60.

Acredito que para a minha

geração essa poesia foi

recebida com muito mais

naturalidade.

O concretismo se aproximou

da Tropicália. Haroldo e

Augusto gravaram CDs com

leituras de poemas e estão

sempre dialogando com

artistas de outras gerações,

como você. O que no

concretismo interessa a

uma cultura pop e vice-versa?

Interessa-me cada vez mais

desfazer a diferenciação

entre culturas ditas de “alto”

e “baixo repertório”. Creio

que essa espécie de sepa-

ração remonta a resquícios

de uma mentalidade do

século passado, quando a

cultura erudita raramente

se aproximava da popular.

Tivemos uma boa amostra

da resistência desse tipo

de pensamento quando,

há pouco tempo, ocuparam-

se páginas de jornal para

debater se as letras

de música poderiam se

equiparar à poesia impressa

nos livros. A modernidade

toda tende a desfazer essas

compartimentações, a mistu-

rar informações de diferentes

códigos e universos cultu-

rais. Portanto me parecem

naturais as aproximações

que você cita. Além disso, a

poesia concreta sempre

trabalhou com o verbal

tendendo para outros códigos

(a música, as artes visuais,

o vídeo) — misturas comuns

à cultura pop. Augusto de

Campos chegou a sugerir

claramente essa relação

quando produziu, em

meados dos anos 60, os

“popcretos” (citados como

referência por Caetano em

seu “rap popcreto”, gravado

em “Tropicália 2”).

Você se considera um

herdeiro do concretismo?

Quem é herdeiro do

concretismo?

Não. Creio que esse tipo

de confusão se deve a um

movimento constante da

mídia em querer catalogar,

classificar, facilitar a com-

preensão de um fenômeno

artístico vinculando-o a um

gênero ou movimento. Sou

um admirador da poesia

concreta. Mas, como afirmo

numa faixa de meu último

CD: “somos o que somos/

inclassificáveis”. Não vejo

sentido em se procurar

herdeiros de qualquer

movimento, nem acho

saudável hoje em dia a

idéia de um movimento

coletivo que aponte para o

futuro numa direção unívoca.

Acho importante frisar

a importância da poesia

concreta, que vem influen-

ciando a produção de várias

gerações de poetas, sem

que isso venha a negar a

autonomia de suas

linguagens.

ARNALDO ANTUNES é músico e poeta. Publi-cou, dentre outros livros, Ou E (edição do autor,1983), Tudos (Ed. Iluminuras,1990), As Coi-sas (Ed. Iluminuras, 1992), 2 ou + corpos nomesmo espaço (Ed. Perspectiva, 1997) e Pa-lavra desordem (Ed. Iluminuras, 2002).

Entrevista feita, originalmente, por escrito, para o Jornal O Globo, em 2002, não chegando a serpublicada.

.11Outubro 2006especial poesia concreta

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.12Outubro 2006

No final dos anos 1960, ogrupo dos poetas concretosreconheceu afinidades esté-ticas com o chamado “grupotropicalista", integrado porCaetano Veloso, Gilberto Gil,Torquato Neto, Gal Costa, OsMutantes, Tomzé, Gal Costa,Rogério Duprat e outros. Um dos elos entre eles era

a obra de Oswald deAndrade, revalorizada pelosconcretos, e o seu conceitode antropofagia; outro elo, asexperiências de linguagem,particularmente nos poemase letras de canções: a formacomo Caetano e seus com-panheiros trabalhavam aspalavras e o som levou

Augusto de Campos a identificar os tropicalistascomo trovadores modernos – evocando a antiga arte de associar palavra e som dospoetas provençais.

Campos publicou váriosensaios e estudos sobre ostropicalistas, depois reunidos

no volume “Balanço daBossa", de 1968 (com reedição ampliada em1974). Anos mais tarde, em 1997, Caetano dedicouum capítulo do seu livro“Verdade Tropical" à importância da poesia concreta e de Augusto nasua trajetória artística.

A reportagem da revista“Veja", de 1968, aqui reproduzida, assinala as afinidades criativas entreos concretos e os tropicalistas, e registra a repercussão na imprensabrasileira desse diálogocriativo.

palavrasom

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.13Outubro 2006especial poesia concreta

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.14Outubro 2006

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.15Outubro 2006

Acaba de ser publicado o livroDo céu do futuro: cinco ensaiossobre Augusto de Campos,organizado por Eduardo Sterzi(São Paulo: Marco, 2006. 136p.), desde já essencial na críti-ca ao autor. Assinam os textosEduardo Sterzi, o organizador,Jerônimo Teixeira, FloraSüssekind, João Cezar de CastroRocha e Marcos Siscar, queanalisam a obra poética deAugusto de Campos a partir,principalmente, da leitura minu-ciosa de alguns poemas. Coisabem rara em reuniões deensaios, todos são excelentes,além de se articularem, mesmomantidas as diferenças naadmiração que a poesia deAugusto de Campos despertanos autores. São também com-plexos, eruditos, exigentes eaudaciosos, tal como o poeta.Se parece muito difícil sinte-tizá-los em poucas linhas, aomenos vão indicados algunsaspectos centrais em cadaabordagem.

Os textos de Eduardo Sterzi(pois ele assina também ovalioso prefácio) devem serconsiderados uma nova etapaa que chegou em sua longaconvivência crítica com a poe-sia de Augusto de Campos,permitindo desdobramentos

futuros. Para Sterzi, o proble-ma crucial diz respeito àcoesão profunda que há, naobra do poeta, entre experi-mentação com a linguagem euma investigação cerrada “dasdimensões política e cósmicado homem". E essa coesãopode ser vista precisamente naarticulação inusual entre ale-goria e angústia (diferente-mente da conexão entre alego-ria e melancolia, como emWalter Benjamin), que trans-borda numa situação críticaiminente para o poeta, o fimda poesia. A escassez depalavras em seus poemas ale-goriza, assim, uma escassezlingüística que é ainda maisabismal, específica da atualcondição humana.

“Ruído de fundo", texto deJerônimo Teixeira, trata deta-lhadamente do poema “GRE-VE", de 1961, esmiuçado versoa verso, palavra a palavra.Dessa análise cerrada, quepassa, inclusive, pela crítica dacrítica a Augusto de Campos,no caso, o conhecido texto deRoberto Schwarz sobre opoema “pós-tudo", surge umaimagem inesperada do poema:não se deveria ler nele umaobrigatória identificação comos oprimidos (ainda que o

poeta, em uma entrevista,afirme que sempre se identifi-cou com os “socialmente mar-ginalizados"), mas “uma grevede um homem só". O poemaexpressaria “mais solidão doque solidariedade". Assim, apalavra de ordem “não é ummarco de seu posicionamentopolítico, mas sim de suaposição negativa na socie-dade".

O ensaio de Flora Süssekind, omais longo do volume, abordao poema “cançãonoturnada-baleia" a partir de diversasestratégias. Podendo articular-se a trabalhos anteriores daautora sobre a fala, a oralidadeno rádio e na leitura de poe-mas no Brasil do século passa-do, contudo, debruça-se sobreum objeto bem recortado, aopensar o poema a partir desuas materializações (“regis-tros diversos de presença"),particularmente no espetáculode multimídia Poesia é risco,de 1996. A leitura ocorredurante uma “quebra" noespetáculo, quando o poetaabandona o palco e 5 poemassão projetados num telão elidos com sua voz em off,criando no palco vazio um“misto de presença e ausênciade fonte vocal", em possívelronald polito

augustodecampos,a poesiae o não

especial poesia concreta

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.16Outubro 2006

diálogo com as pesquisasatuais do teatro. A análisedas dramatizações de enunci-ação (figurações da voz) dos5 poemas, em especial de“cançãonoturnadabaleia", dámargem à percepção dosinterespelhamentos entre osníveis de presença de ummesmo poema, no papel,numa tela ou oralizado. Ecom Melville, Malévitch eRódchenko vão sendo cruza-das as séries da pintura, daliteratura, da imagem em mo-vimento e, sobretudo, da vo-calização.

João Cezar de Castro Rochaaproxima a técnica dos manus-critos medievais, a scriptiocontinua, quer dizer, a escritasem divisão entre palavras,frases e parágrafos, que exigiaa vocalização do texto, dosprocedimentos da poesia con-creta, em particular nos poe-mas de Augusto de Campos.Partindo de Paul Zumthor esuas pesquisas sobre o ato daleitura no Ocidente medieval,o autor entende que a oraliza-ção e a performance passam aser nucleares para a interpre-tação dessa poesia, o que tornavital seu registro em CDs.Porque, nessa linha de raciocí-nio, a poesia concreta teria

reunido inesperadamente osrecursos gráficos modernoscom a técnica de leitura dosmanuscritos, o que “supõeuma poética sincrônica darecepção", e não apenas da“produção", aspecto decisivono avanço que essa abor-dagem propicia.

O último ensaio, de MarcosSiscar, examina o interesse ou“inclinação por aquilo queaparece no horizonte dofuturo" como traço distintivoda poesia de Augusto deCampos, o que reaparece emNão, seu último livro de poe-mas publicado. Se o “não", anegatividade, sempre foi, emAugusto, uma forma de afir-mação poética, haveria outrotraço em sua obra, “quaseprofético, que se abre aofuturo ou se coloca nele",sendo o discurso da crise acontraface do discurso daantecipação. É o que a análisemicroscópica do poema“morituro" busca demonstrar.E indo além, ao avaliar que apoesia de Augusto de Camposvem tornando-se “cada vezmais uma experimentação daspotencialidades das novas téc-nicas e menos uma experi-mentação poética", o autorquer demarcar a força da

interpenetração da relaçãoentre poesia e técnica nessaobra, que hoje aventura-sepela cibernética e projeta-seno futuro concebido como “omomento de realização plenada técnica".

Podem ser notados diálogosevidentes entre os textos. Mashá um objetivo comum a todose que merece ser destacado:chamar a atenção para a poe-sia de Augusto de Camposcomo poesia, sem contudoeliminar sua diferença emrelação à poesia que se querapenas poesia (evidentemente,esse apenas não comportajuízo de valor), como esclareceEduardo Sterzi no prefácio.Uma obra assim exige da críti-ca múltiplos e refinadosinstrumentos, pois um poemade Augusto de Campos, por ser“verbivocovisual", pressupõe asíntese entre música, pintura,linguagem, movimento. Ele,aqui, encontrou intérpretescuidadosos desses planos eseus deslizamentos.

RONALD POLITO (Juiz de Fora, 1961) publi-cou, entre outros livros de poesia, Intervalos(7Letras,1998) e De passagem (NankinEditorial, 2001). Traduziu autores catalãescomo Narcís Comadira, Salvador Espriu eQuim Monzó.

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.17Outubro 2006

As cartas dos poetas Affonso Ávila e Haroldode Campos, aqui reproduzidas, assinalam

um momento da vida cultural (particular-mente, da produção poética) e política doBrasil: o período imediatamente poste-rior ao golpe de 1964, quando as dis-cussões sobre questões estéticasenvolviam também aspectos voltadospara a participação e o posiciona-mento dos criadores diante da realida-de nacional.

Essas questões já vinham sendo discuti-das, desde o final dos anos 50 do século

20, pela revista mineira “Tendência”, daqual Ávila participava. A revista buscava estabe-lecer um conceito de literatura nacional, dentrode uma visão crítica da realidade social do país.O grupo dos poetas concretos paulistas, do qual

Campos era membro, publicava, desde1962, a revista “Invenção” voltada para a

arte de vanguarda.

O número quatro de “Tendência”, de 62,publicou um grande dossiê intitulado“Diálogo Tendência-Concretismo” comtextos de poetas e críticos em tornodo engajamento da arte. Este diálogoe seus desdobramentos - que podem

ser identificados na própria produçãopoética de Ávila e Campos no período

- estão na raiz do conteúdo das duas cartasaqui publicadas.

2 pontos de vista

especial poesia concreta

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.18Outubro 2006

Carta de Haroldo de Campos para Affonso Ávila.

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.19Outubro 2006

Carta de Haroldo de Campos para Affonso Ávila.

especial poesia concreta

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.20Outubro 2006

Resposta de Affonso Ávila para Haroldo de Campos.

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.21Outubro 2006

Resposta de Affonso Ávila para Haroldo de Campos.

especial poesia concreta

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.22Outubro 2006

Resposta de Affonso Ávila para Haroldo de Campos.

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.23Outubro 2006especial poesia concreta

Resposta de Affonso Ávila para Haroldo de Campos.

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.24Outubro 2006

Resposta de Affonso Ávila para Haroldo de Campos.

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.25Outubro 2006inéd

itos

Sálvio melhor juízo doravante,Dessarte, data vênia, por suposto,Por outro lado, maximé, isso posto,Todavia deveras, não obstante

Pelo presente, atenciosamente,Pede deferimento sobretudo,Nestes termos, quiçá, aliás, contudoCordialmente alhures entrementes

Sub-roga ao alvedrio ou outrossimAmiúde nesse ínterim, senãoMediante mormente, Oxalá quão

Via de regra te-lo-ão enfimIpso facto outorgado, mas porémVem substabelecido assim, amém.

1997

soneto burocrático

josé lino grünewald

especial poesia concreta

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.26Outubro 2006inéditos

ET, QVASI CVRSORES, VITAE LAMPADA TRADVNT

erthos albino de souza

1749 johann wolfgang von goethe 1832 joaquim de sousândrade 1902 carlos drummond de andrade

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.27Outubro 2006

Publicado na revista “Artéria” Nº 1,São Paulo, 1975; poema não incluídona antologia “Poesia pois é poesia”(SP, Ateliê Editorial, 2004).

Ai!cai

décio pignatari

signos que ficam - faço!

porém, signo dos signos,

não fico - passo.

inéditos em livro especial poesia concreta

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.28Outubro 2006

poesia concretabrasileira:

campos ainda por se explorar...

Entrevista concedida por GonzaloAguilar, autor do livro Poesia concretabrasileira: as vanguardas na encruzilhadamodernista (São Paulo: Edusp, 2005),a Helton Gonçalves de Souza.

tradução heltongonçalves de souzarevisão gonzalo aguilar

Podemos constatar, de umamaneira geral, que a aceitaçãode seu livro tem sido amplamentefavorável em termos de recepçãocrítica. Vejo nisso o seguinteaspecto: seu objetivo depreencher uma grande lacunasobre o assunto foi plenamenteatingido. Diante disso, pergunto:essa mesma lacuna, quepoderíamos - em princípio -atribuir ao conhecido antagonis-mo “a favor ou contra”, nãoresvala ainda no presente, apon-tando outras “faltas” de nossouniverso crítico literário comrelação à presença inconteste dapoesia concreta nas nossas práti-cas culturais?

Essa lacuna a que você se referenos parece bastante surpreen-

dente, não somente pela notávelprodução dos irmãos Campos ede Décio Pignatari (um aconte-cimento literário que excede aoconcretismo como movimento),mas também pelo fato de que,apesar de todo o lugar proemi-nente que possui a produçãonacional (em geral) na críticaliterária e artística brasileiras,não se tenha dado maisimportância ao concretismo emâmbito acadêmico. Entretanto,como trato de demonstrar emmeu livro, a noção de gosto seantepõe freqüentemente à valo-ração dos textos, como se elanão estivesse ligada ao hábito ecomo se a pudéssemos utilizar,simplesmente, como pretextopara não nos ocuparmos com umfenômeno cultural. Por um lado,

há uma crítica que, ingenua-mente, acredita que, se não sefala do concretismo, ele comisso deixa de existir. Por outro,uma crítica demasiado apegadaaos poetas concretos, repetindoexcessivamente alguns lugarescomuns que, se num primeiromomento possuíam um sentidopolêmico, passaram depois aobstruir a própria trajetória dospoetas paulistas. Haroldo deCampos se obrigou a carregar atéo fim de sua vida o mote de“poeta concretista”, quando jáno início dos anos 60 escreveGaláxias, um poema que sedesprende de muitos dos postu-lados do movimento. Nesse caso– para vergonha da crítica – ospoetas e artistas já estavam emoutro estágio de especulação

teórica da arte, enquanto a críti-ca, no entanto, falava de coisasque tinham sido superadas pelaspróprias práticas criativas. Umcaso exemplar, nesse sentido, éo da relação entre Hélio Oiticicae Haroldo de Campos, os quaistravam um intenso intercâmbiono início dos anos 70, em NovaIorque. Enquanto os críticos, noentanto, continuam endossandoa divisão entre o paulista frio eracionalista e o carioca ardente ecorporal, tornando Oiticica eHaroldo de Campos em doisadversários, eles já se encon-travam avançando pela reflexãosobre o novo sublime que carac-teriza a arte desses anos. Lêemjuntos Sousândrade: Oiticica lhededica um parangolé; Haroldo,uma das galáxias.

Contrariamente, que alguém tra-te de me explicar: onde está oracionalismo e a não-corporali-dade numa obra como asGaláxias de Haroldo de Campos,para não falarmos de DécioPignatari, que nunca deixou defalar do desejo e do corpo, aindaem seus poemas mais concretos(lembremos “Organismo” ou“mallarmé vietcong”)?

Em minha trajetória, além disso,tenho deparado com muitos pro-fessores que desqualificam oumenosprezam o meu trabalhoapenas pelo fato de que eletrata do concretismo. Como se àcrítica não correspondesse umaextração de caráter também cria-tivo, para além do corpus que,como se sabe, nunca é idêntico

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.29Outubro 2006

ao objeto que o crítico constróiem seu trabalho. Nesse sentido,almejei distanciar-me tanto daleitura depreciativa (a não-leitu-ra) como da leitura apologética,que é complementar à anterior.Tratei de considerar o concre-tismo como prática social e demostrar o seu lugar e sua razãode ser na cultura e literaturabrasileiras.

Assinala você em seu livro que a“poesia concreta, que em seu iní-cio era um programa, passou aser um procedimento (como nosPopcretos) e, uma vez terminadoseu ciclo de intervenção van-guardista, um ponto de vista”.

Sobretudo se considerarmos oamplo espectro de influênciasque a poesia concreta exerceu(e, parece-nos, exerce ainda) nouniverso artístico-literáriobrasileiro, a adoção dessecritério de “sucessividade”, semmaiores esclarecimentos, nãopode nos induzir ao equívoco deestancamento (ou isolamento) decada um desses estágios e, con-seqüentemente, à idéia pura esimples de sucessão sem acumu-lação de experiências estéticas?A própria fase atual de Augustode Campos não poderia soar umacontradita, principalmente no quediz respeito aos procedimentos,uma vez que ele os atualiza (e

mesmo potencializa) a partir denovos recursos tecnológicos?

Pretendo ser bem claro quantoaos princípios que orientam omeu trabalho: as continuidadesou as descontinuidades variam,obviamente, de acordo com osmétodos e as hipóteses de quese parte. Se eu tivesse partido daidéia de “poesia experimental”,que é o critério implícito em suapergunta, seguramente não teriaacentuado as descontinuidades,mas sim a permanência de umaprática: Poetamenos, de 1953, eNão, de 2003, dois livros depoemas de Augusto de Campos,caracterizam-se por suas inova-

ções poéticas. Entretanto, eu nãopus o acento nisso, mas sim nanoção de modernidade e moder-nismo que havia se transformadoem hegemônica no Brasil dosanos 50 e que se pode ler, decerta maneira, nos manifestosconcretistas. Se especificamen-te se toma este ponto de partida,e o título do meu livro deixa bemclaro que se trata da “encruzilha-da modernista”, a história doconcretismo adquire um relevo euma fisionomia absolutamentedistintos. Nesse sentido, o des-taque dos cortes foi também es-tratégico, porque, como já lhedisse, fala-se do concretismocomo algo que permaneceuidêntico a si mesmo através dostempos. Não nego a “acumula-ção de experiências estéticas”,ainda que, devo reconhecer, sejaalgo sobre o qual não me detive.

Numa entrevista concedida aCarlos Eduardo Ortolan Miranda,pondera você que a amplitude da influência da poesia concretana América Latina é indiscutivel-mente bastante extensa, constituindo “uma história queainda está por ser escrita”. Seessa tarefa lhe fosse entreguepresentemente, que caminhosvocê percorreria - de imediato -para escrevê-la?

A primeira coisa que faria seriaenfatizar os arquivos de Haroldode Campos, porque neles existeseguramente uma correspon-dência preciosa entre Haroldo evários escritores latino-ameri-canos que foram seus amigos:Cabrera Infante, Julio Cortázar,Severo Sarduy. Sei que o filhodo Haroldo, o Ivan, está se ocu-pando com a organização doarquivo e creio que vai ser muito

importante quando esse traba-lho estiver terminado. Emsegundo lugar, recopilaria todosos ecos do concretismo naAmérica Latina, que não sãopoucos: Cortázar, Paz, CabreraInfante, Nicanor Parra, ArturoCarrera e muitos outros. Em ter-ceiro lugar, recopilaria todos ostextos de Haroldo, Augusto eDécio Pignatari (traduções,poemas, ensaios) com tópicoslatino-americanos. Enfim, vocêpode observar que, como crítico,sou bastante aborrecido e nuncacomeço um trabalho sem antesfazer o poeirento e gris trabalhode arquivo. Com relação àshipóteses, deveria improvisaralgumas possíveis entradas.Ocorrem-me três: primeira-mente, o concretismo apareceriano horizonte literário latino-americano como uma respostaradical à crítica da represen-tação que, em princípios dosanos 60, começou a ser levadaa cabo nos países hispano-americanos. Uma segunda po-deria ser a seguinte: quandocomeça a configurar-se a poéticado neobarroco, Haroldo deCampos desponta como o exem-plo da condensação possível deum estilo barroco e um trabalhovanguardista. Finalmente, e istose demonstraria com o textoque Ángel Rama consagrou aHaroldo e nos escritos deRodríguez Monegal, o concre-tismo aparece como uma mostrade uma modernidade radicalpossível em países subdesen-volvidos ou periféricos. A essashipóteses, provavelmente, have-ria de lhes dar mais precisão eoriginalidade, no entanto aíestão para quem queira desen-volvê-las. Eu, lamentavelmente,não vou poder levar adiante este

Caetano Veloso, Augusto de Campos e Gonzalo Aguilar.

especial poesia concreta

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.30Outubro 2006

trabalho, mas sei que outroscríticos, como Gênese Andrade,propõem-se a fazê-lo.

Na encruzilhada do Modernismocom o Pós-modernismo, tantoAugusto quanto Haroldo deCampos se situaram numa atituderefratária à maneira como o Pós-modernismo, de um modo geral,se veio definindo e, em certamedida, se impondo. Qual é a suaposição a esse respeito?

Este é justamente o trabalho queestou levando a cabo em minhapesquisa atual: de que modo ospróprios poetas paulistas aban-donam os postulados moder-nistas e se introduzem em umasérie de práticas que já não po-dem ser lidas a partir de umaposição modernista total. Nolivro Sobre Augusto de Campos,compilado por Julio Castañon eFlora Süssekind (para mim, diga-se de passagem, a leitora maisaguda da poesia de Augusto e,além disso, a crítica brasileiraque mais admiro), escrevi umensaio no qual assinalo que cer-tos poemas de Augusto podemser lidos no deslocamento geralque se observa no campo artísti-co e literário brasileiro do finaldos anos 60, quando então sepassa uma sensibilidade visualpara outra de tipo háptico, outátil. Os diálogos e os intercâm-bios com Oiticica permitiram-medescobrir que o que ocorredepois da débâcle de 68, noentanto, não foi valorizado emtermos adequados: trata-se,tanto na obra de Haroldo quantona de Augusto, do surgimento deum novo sublime, que não podeser visto meramente como umaevolução ou uma conseqüênciado modernismo. Haroldo mesmo

já compreendia isso quando tra-tou de fazer, em seu ensaio“Poesia e Modernidade: DaMorte do Verso à Constelação. OPoema Pós-Utópico”, uma leitu-ra de Baudelaire como poetamodernista e Mallarmé comopoeta pós-moderno.

Acredito também que énecessário pensar a crise damodernidade em termos con-textuais e pensar em algunsmomentos chaves, para a culturalatino-americana, como o ensaiode Mário Pedrosa, no qual elefala do “pós-moderno” (de1966), ou nas transformaçõesque se produzem na obra deÁngel Rama, no final da década.1968 é o ano em que nossomodernismo latino-americanoentra em uma crise irreversível.No caso de Haroldo e deOiticica, com todas as dife-renças entre eles, há que se pen-sar nessa passagem do moder-nismo ao pós-modernismo emmeados dos anos 60, quandoambos resgatam a obra de KurtSchwitters e sua combinação dedadaísmo e construtivismo (algoque, diga-se de passagem, tam-bém se pode ver nos Popcretosde Augusto).

Relativamente à problemática dosujeito (sua “exoneração”, ouapagamento), tão cara à tradiçãoque se esteia em Mallarmé e noconstrutivismo, você a recoloca,de modo bastante original (énecessário que se diga), quandoanalisa as poéticas de Augusto eHaroldo de Campos. Certamenteque, nota bem você, em ambos oscasos, não se trata de uma sim-ples concessão às “poéticas doeu”. Existe, no entanto, um hori-zonte maior (tal como uma

tendência) em que ela se insirae que, de certa forma,a condicione?

Galáxias é como “A carta furta-da” de Poe: o sujeito é tão evi-dente que ninguém o percebe. Opoemário começa com a palavra“escrevo”. Existe uma afirmaçãomais extrema do sujeito comopresença e evanescência aomesmo tempo? Como podem serlidas as Galáxias a partir do pro-grama concretista? Nesse ponto,cuidei de desapegar-me dasleituras dos próprios poetas, osquais, por motivos de posiciona-mento ou acumulação, incli-naram-se a reciclar seus textosanteriores em uma circunstânciade programa comum ou contí-nuo. Creio que, com Augusto deCampos, ocorre algo muitocurioso, porque são as poéticasdos anos 70 que permitem recu-perar Poetamenos, livro sobre oqual intervieram - é preciso quenão se esqueça - tanto CaetanoVeloso como Hélio Oiticica.Percebo nessa transição umaforte reabertura para a experiên-cia do sujeito como angústia, oque confere à última fase dapoesia de Augusto algo de fasci-nante e absolutamente singular:canções noturnas de alguém queabandona a luz das transparên-cias concretistas e de seuscristais perfeitos e regulares paraentrar na zona espectral do su-blime. Finalmente, em DécioPignatari, de cuja obra não pudeme ocupar em meu livro comodesejara, trata-se do retorno deEros (em Panteros) e do priápico,como essas figuras grotescas esatíricas que atuam por meio desaturações, gargalhadas e trans-bordamentos (um filme do por-tuguês João Cesar Monteiro, que

vi há pouco, A comédia de Deus,me fez despertar para Décio).

Minhas duas hipóteses básicascom relação a esse retorno dosujeito são: por um lado, aclausura da possibilidade de umsujeito coletivo e anônimo,próprio das vanguardas (issoocorre depois de 1968); poroutro lado, o retorno do sujeito,mas de um sujeito compreendi-do como “fingidor”, na linha dePessoa, ou “histrião”, na linhade Mallarmé. A reaparição elo-cutória não é a do sujeito pleno,mas sim a de um espelhismo,um espectro ou um efeito dopoema. E essa continua sendo agrande diferença com o sujeitonaïf de quase toda a poesia mar-ginal, excetuando o caso de AnaCristina César, claro, e é, tam-bém, a lição que continuamPaulo Leminski e WallySalomão.

Extremamente instigante é oanexo intitulado “Construir o passado”, com que você encerrao livro, na verdade abrindo-osutilmente como um convite paraa revisão teórico-crítica da nossahistoriografia literária. Para concluir esta nossa conversa,gostaria que você o comentasseaqui em termos de pretensões doseu desdobramento.

Foram as leituras de JoãoAlexandre Barbosa, JorgeSchwartz e Antonio Arnoni Pradoque me impulsionaram a incluiresse anexo na edição em por-tuguês. Era-me muito arriscadoescrever sobre dois autores comoAntonio Candido e Haroldo deCampos, a quem admiro profun-damente, e intervir em umapolêmica que, para mim, resul-

tava muito interessante, masque terminou derivando em dis-putas pessoais. Novamente,cuidei de me valer de minhamirada de estrangeiro para tratarde compreender a lógica dasposições, antes de me meter emcheio em defesas ou ataques.Cuidei, ainda, de me aproximarcom certa irreverência de duaspersonagens que parecem estardemasiadamente congeladas erespeitadas em um nível que,nalguns casos, chega a pareceruma renúncia ao pensamento.Esse trabalho, além disso, secomplementa com um outro quefiz sobre Antonio Candido eÁngel Rama, numa compilaçãode Raúl Antelo, no qual discutoas supostas vidas paralelas entreambos. Enfim, me alegra que oensaio lhe tenha parecido “insti-gante”, uma vez que ele objeti-vava ser somente uma con-tribuição com o conceito de“momento construtivo”. Esseconceito pretende litigar commeu temperamento historicista easpira a superá-lo, tratando deforjar conceitos que, sem perderhistoricidade, podem ter um fun-cionamento mais generalizado.Isto é o que intento fazer no livroque estou escrevendo (e ao qualaqui já me referi) sobre HélioOiticica e Haroldo de Campos.

GONZALO AGUILAR nasceu em Buenos Aires,Argentina. É doutor em Letras pelaUniversidade de Buenos Aires (UBA).Publicou, dentre outros livros, as antologiasPoemas, de Augusto de Campos, em 1994,e Galaxia Concreta, em 1999.

HELTON GONÇALVES DE SOUZA, é doutor emLetras pela PUC-MG. Publicou, dentre outroslivros, Dialogramas concretos: uma leituracomparativa das poéticas de João Cabral deMelo Neto e Augusto de Campos (2004) e Apoesia crítica de João Cabral de Melo Neto(1999).

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.31Outubro 2006

lucia santaella

a poesiaconcreta

da ciberpoesia

comoprecursora

A inspiração para este artigoprovém do pensamento deWalter Benjamin. SegundoBenjamin, para considerar a historicidade das formasartísticas e literárias, temosde levar em conta ossuportes físicos, os meioscom que elas são produzidas.Além disso, as condições de produção mais atuais seconstituem em ponto devista privilegiado para aleitura das formas de criaçãoprecedentes.

Em função disso, o ponto devista aqui escolhido para aleitura da poesia concreta é aquele que hoje nos é dadopela poética digital que, há mais de uma década, vem crescentemente seimpondo no horizonte dasformas criadoras. Dessa perspectiva, a poesia concre-ta, no contexto da poesiainovadora do século XX, se nos apresenta como precursora na linha evolutivadas forças vivas da criaçãoque vieram contemporanea-mente desembocar na ciberpoesia, esta incluindo

a e-poesia (poesia eletrônica)e a net-poesia (poesia dasredes). Por precursora, querosignificar que os princípiospoéticos que foram perse-guidos e realizados pelospoetas inventores, ao longodo século passado, coincidemcom algumas das questõesmais relevantes da ciberpoesia atual.

Todas as três, ciber-net-e-poesia são partes do território mais amplo daciberarte e net arte, tambémchamada de web arte, isto é,arte das redes. Os termos sereferem à arte que utilizacomo meio as redes de computadores, no sentidoem que a rede existe por simesma e/ou por seus conteúdos técnicos, culturaise sociais como base para o trabalho artístico. Háaqueles que distinguem entre net arte pura e net arte em geral. A primeira só existe on line, não tendoextensões e presença foradesse modo de existência.A segunda inclui os desen-volvimentos e investigações

especial poesia concreta

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da net-cultura que têm a vercom o corpo biológico e comas extensões no mundo real.

Os debates atuais nos per-mitem distinguir a arte nasredes e a arte das redes. Nas redes, a arte utiliza ainternet como meio de distribuição, como são, porexemplo, as galerias ouexposições virtuais. Nestecaso, a internet é apenas umaferramenta de apresentaçãoeficaz, mas substituível. Já aarte das redes está irmanadacom o meio das redes eletrô-nicas, joga com seus proto-colos e suas virtualidadestécnicas, tira partido dosvirus e aproveita o potencialdos softwares e hardwares.Essa arte seria impensávelsem seu meio específico, ainternet1.

Mais amplo do que net ouweb arte, o termo ciberartese refere a toda arte que temsua base na cibercultura. Aciberpoesia e suas variantes,e-poesia e net-poesia per-tencem ao território maisamplo da ciberarte. No

entanto, tendo em vista quea linguagem digital é hiper-midiática, os limites entre aciberarte e a ciberpoesiaficam muitas vezes fluidos eindistinguíveis.

A poesia na paisagemeletrônica

Segundo Glazier, a poesiaatual entrou na paisagemeletrônica2. Essa metáfora depaisagem, originária doespaço e da perspectiva, nãodeve ser vista em associaçãocom um espaço euclidiano etridimensional, pois agora setrata de informação digitalque se envia para todo oplaneta em uma rede, deuma infraestrutura compostapor computadores, cabos etransmissores inalâmbricos.Assim, a paisagem que cons-titui a informação da rede éuma topologia pluridimen-sional em contínua transfor-mação e não uma paisagemcom um horizonte3.

Embora a paisagem eletrônicasugira imagens de video-games ou máquinas sob um

léxico de ciência ficção, ofato é que o universoeletrônico é feito prioritaria-mente de escrituras. Essanatureza escritural é bas-tante eclipsada por seu modode transmissão (e-mails,salas de chat, WWW, Flashetc.). Entretanto, o mundodigital não pode dispensar aescritura, não apenas no sen-tido de que nele escrevemosem palavras, mas no sentidode que, na sua base, essemundo depende da escriturae da política de gramáticas ede códigos (HTML, Javascript etc.). Assim, a Rede éprincipalmente escrita. Ela seapresenta em uma série depáginas que são escritas.Além disso, cada página étambém escritura porqueimplica um código escritosubjacente.

Na mídia digital, quer sejamsimples páginas da web, tex-tos gerados por algoritmosou páginas que se exibemcineticamente, a escrituraexiste dentro de condiçõesespecíficas de textualidade.Essas condições não

envolvem apenas a escri-tura em si, mas dependem fundamentalmente do modocomo a escritura é feita:processadores de texto, programas de manipulaçãoda imagem, ferramentas de animação, geradores HTML e outros recursos teste-munham as implicações das transformações naescritura: ela passou dolatente ao hiperativo, aquela qualidade quechamamos de fazer, oupoiesis 4.

Ao longo da história humana, todas as vezes quehouve mudanças no suporteda escrita, foram os artistase poetas que tomaram adianteira na exploração deseus potenciais para a criação. Na continuidadedessa tradição, hoje, são osartistas e poetas que estãoextraindo das novas mídiascaracterísticas inéditas daescritura, tanto no nível daaparência da escrita quantono nível do seu sistema decodificação interno.Escrever no meio digital

oferece a oportunidade de sereimaginar o que é escritura,oportunidade que é levadaàs últimas conseqüênciaspelo artista-poeta. Por issomesmo, a partir das mídiasdigitais, o sentido de escritaamplifica-se, não se limitan-do mais ao sentido usual decaracteres tipográficosarranjados como transporta-dores de significado, poispode envolver imagens,caracteres que não podemser exibidos, scripts, textoscomentados e outros.Escrever nunca mais será omesmo, agora que seus linksmentais se tornaram mani-festos em um sistema deescrita que permite a inter-dependência dos elementosdentro de um ambiente emconstante fluxo.

Trata-se, pois, de uma escritu-ra com característicaspróprias e distintas do queaté então foi concebido comoescritura: o texto não é físico,mas exibido, semelhante afilmes, vídeos, hologramas, eoutras mídias projetáveis.Além disso, a e-escrita não é

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fixa, não é um arranjo desímbolos estáticos em umapágina estável. A escrita fazalgo. Mas, para agir, eladepende da interação doleitor. Assim, ela pode mudarem tempo real, sob efeito docontrole do leitor, de acordocom a programação. Asobras resultam, portanto, deum programa cujos efeitossão adaptáveis, flexíveis eaptos a comunicar, suspen-dendo a escritura entre vir-tualidades.

Três modos de exploraçãocriativa da cibertextualidade

Baseada na investigação damaterialidade e dos novospotenciais que se abrem paraa escrita, a textualidadeeletrônica apresenta hoje trêsformas principais: o hiper-texto e sua extensão nahipermídia, o texto visualcinético e os trabalhos emmídias programáveis. Todasas três formas são multi-midiáticas na medida emque são semioticamentehíbridas, englobando o textoescrito, a exploração de suas

possibilidades gráficas, asdistintas mídias imagéticas(gráficas, fotográficas evideográficas) e o som. Issose constitui na performativi-dade da escrita, que faz delauma atividade semiótica queusa e está consciente dasvárias espécies de mídias quenela se manifestam.

Dentre as três formas acimaindicadas, a primeira estámais proeminentemente rela-cionada com obras narrati-vas, como, por exemplo, naprosa literária interativa enos games; a segunda dizrespeito à e-poesia, enquantoa terceira localiza-se nafronteira fluida da net arte enet poesia. Para aquilo queeste artigo pretende eviden-ciar, o caráter precursor dapoesia concreta, é o segundomodo de exploração criativada textualidade, ou seja, otexto visual cinético, quevale a pena detalhar.

As possibilidades do cinéticose abrem para a maleabili-dade do corpo da palavra,para a natureza também

imagética desse corpo e suamobilidade no espaço. Estascaracterísticas, que jáestavam insinuadas pelapoesia concreta, são justa-mente aquelas que o meiodigital amplifica e a e-poesiacoloca sob sua mira.

A escritura poética, quer elasirva a outros fins ou não,sempre teve um engajamentocom suas próprias qualidadesformais. No meio digital, osníveis materiais incluem oselementos que são própriosda materialidade eletrônica:o meio magnético, sua re-es-crituralidade, sua compacta-ção e sua transmissibilidade.Algumas das vantagens dapoesia digital estão em suahabilidade para empregarmultimeios, ser interativa eaumentar a circulação.

Nesse ambiente, o poemavive em uma matriz demeios, uma galáxia de signi-ficantes. Compor, limpar,colocar algo e remover,copiar motivos específicos edepois replicá-los no mesmoou em outros arquivos etc.

são recursos que permitemestender, empurrar e experi-mentar de modos que outrasmídias não permitem. Dissoresultam as propriedades dae-poesia: habilidade de criartraços multi-nivelados,reproduzir em cores, habili-dade para dar à composiçãoqualidades cinéticas, umacomposição que se moveenquanto é exibida, sercapaz de programar elemen-tos, eventos e permutaçõesem variações na obra, copiare enviar instantaneamente,deixar o mundo da rigidez eentrar em uma textualidadeque é mais múltipla, variávele vibrante.

Em suma, entre as maispoderosas qualidades da e-poesia estão a intermidiali-dade, a hibridização, a intera-tividade, a permutabilidade ea cinética. Ora, a investi-gação na materialidade dalinguagem, que se constituiem um dos traços mais dis-tintivos da e-poesia, é justa-mente aquilo que caracteri-zou a poesia inovadora doséculo XX. Por isso mesmo,

conforme Glazier, já é maisdo que tempo de mapear apoética que traz os experi-mentos do século XX paraos meios do século XXI,principalmente porque éimportante reconhecer aslinhas de continuidade entrepráticas inovadoras impres-sas e digitais e estar alertaao fato de que muitos con-ceitos introduzidos pelaspráticas da poesia inovadorado século XX oferecem-nosa chance de compreender aatual prática digital muitomais claramente. Isto porqueas práticas inovadoras doséculo XX, no seu núcleo,investigaram as questões-chave relevantes à e-poesia5.

A poesia concreta no contexto da poética precursora da e-poesia

Os poetas e teóricos da e-poesia têm sido unânimes naindicação de seus precursores,entre os quais encontram-seos poetas concretos. O maisdigno de nota, entretanto, éo fato de que a linhagemdesses precursores

especial poesia concreta

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corresponde ponto a pontocom o paideuma que ospróprios poetas concretosbrasileiros elegeram comoseus antecessores na linhaevolutiva da poesia deinvenção, sendo Mallarmé oprimeiro dentre eles.

Ao tomar Mallarmé como ogrande arauto dos novostempos da escritura poética,Benjamin declarava, em1926, que tudo pareciaindicar que o livro, na suaforma tradicional, encami-nhava-se para o seu fim. Seufundamento para uma talpremonição estava no Coupde Dés, no qual, segundoBenjamin, “vislumbrando (...)a vera imagem do vindouro,o poeta reelaborou pelaprimeira vez as tensões gráfi-cas do reclame na figuraçãoda escrita (Schriftbild)".Benjamin lembrou que osdadaístas também haviamempreendido a pesquisa daescrita, “mas o seu ponto departida não era a constru-tividade, e sim, antes, o acu-rado reagir dos nervos dosliteratos”. Por isso, concluiu

o autor, “a pesquisa dadaístaé menos consistente do quea de Mallarmé, oriunda doque havia de mais intrínsecono estilo deste poeta"6.

Em 1924, no Brasil, Oswaldde Andrade, falando de umanova escala poética, chama-va atenção para os cartazespublicitários “produzindoletras maiores do que tor-res". Oswald apontava aípara as novas escritas da eraindustrial que estavam,quase na mesma época, sobo foco de atenção deBenjamin na sua afirmaçãode que “a escrita que tinhaencontrado asilo no livroimpresso, para onde carrearao seu destino autônomo,viu-se inexoravelmentelançada à rua, arrastadapelos reclames, submetida àbrutal heteronomia do caoseconômico"7.

A partir de Mallarmé,Apollinaire e outros ino-vadores modernistas, Poundtambém sentiu que a reno-vação dos recursos da poe-sia, em uma era de repro-

dução mecânica avançada,requeria do poeta trazertodos os aspectos da pro-dução textual sob a égide daimaginação. Nada podia sertomado como pressuposto: apoesia surgia não apenas nonível lingüístico, mas emtodos os aspectos do meiodisponível à imaginaçãoescritural Mallarmé, Pound eoutros anteciparam o fim daera de Gutenberg, a era daimpressão, o que também éverdadeiro para muitosmovimentos experimentais eautores que problematizaramo meio no qual se trabalha.

Exemplo exemplar de pro-blematização do meioencontra-se em Cummings.A profecia de Benjamin deque a máquina de escreverafastaria a caneta da mãodos literatos, quando aexatidão das formas tipográ-ficas fosse introduzida naconcepção dos seus livros,encontra-se magistralmenterealizada na poética deCummings. Apegado àquelaprecisão que cria o movi-mento, Cummings criou um

modo peculiar de fazer poe-sia. Nos seus poemas,segmentos frásicos muitobreves são precisamente cor-tados e distribuídos vertical-mente na página. Essas fra-turas e elipses compõem umpuro movimento de linhas eespaços. Palavras despren-dem-se, deslocam-se esoltam-se no espaço brancoda página. O modo como ocorpo das palavras se com-porta entra em perfeita iso-morfia com o significadoque se quer sensivelmentecomunicar.

Entretanto, o deslocamentode palavras no tempo-espaçonão pareceu suficiente àbusca de Cummings paraflagrar as sutilíssimasoscilações do movimento. Opoeta fissurou, então, apalavra extraindo sentidossonoro-visuais da letra-fone-ma. Se o fonema é, na língua,uma unidade formal elemen-tar, destituída de significado,Cummings realizou a proezade injetar densidade signi-ficativa em todos e em cadaum dos dígitos da linguagem

escrita, desde a letra até ossinais de pontuação. Nessapoesia, o verbo se verticaliza.Letras, sinais, espaçamentose entrelinhas ondulam emmovimentos verticais comofrutos de um trabalho meti-culoso, de amor pelos deta-lhes mais ínfimos que fazemdo poema delicada filigranapara a captura precisa dasminúcias do impreciso.

De fato, esses poetas, quehoje a e-poesia indica comoseus precursores, são muitojustamente aqueles que, pelaforça de suas inovações delinguagem, foram eleitospelos fundadores da poesiaconcreta brasileira, os irmãosCampos e Décio Pignatari,para compor o seu paideu-ma. A partir de um “estudosistemático de formas arri-mado numa tradição históri-ca ativa", os concretosbrasileiros estabeleceram“uma aceitação de herança"que não foi “fruto de umamera inclinação pessoal, masuma observação objetiva(exame + comparação) daevolução histórica da poesia8.

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Conforme já comentei emoutra ocasião9, os poetasconcretos compreenderamcomo poucos que o Lance deDados transpôs o limiar daescrita ocidental como merodesenho do som para umaindagação aberta no seio dopossível e impossível daescritura. Em função disso, oaspecto visual do poema deMallarmé é apenas uma conseqüência superficial deuma revolução mais visceraldo que aquilo que os olhospodem perceber. A questãomallarmaica diz respeito aum outro tipo de visualidade,a visualidade estrutural oudiagramática. Toda grandepoesia, mesmo oral, e principalmente a música (não por acaso foram as sinfonias que inspiraramMallarmé), é portadora dessavisualidade que só pode sersentida na sincronicidade dos sentidos. Trata-se dosdiagramas internos, fluxos erefluxos das analogias, forçade atração e repulsão dassemelhanças e diferenças,energias do tempo no espaço,tudo isso configurado nas

malhas da linguagem, o quetem muito pouco a ver com ovisual meramente ótico.

Por compreender a fundoessa revolução mallarmaica ede outros poetas que levaramà frente a evolução das formas da poesia, para ospoetas concretos do grupoNoigandres no Brasil, opoema existe em um espaçográfico, campo gráfico ouaquilo que Mallarmé chamava de branco da página, campo de atuaçãodos elementos plásticos dacomposição: tipos gráficosem tamanhos e formas variadas, posição de linhastipográficas que fazem do poema uma relação de materiais e criam uma novasintaxe com uma outradinâmica que opera porjustaposição, superposição,intraposição, desmembra-mento ou derivação dopróprio desenho das palavrasou fragmentos de palavras.Uma sintaxe que não podemais ser tomada de um pontode vista lingüístico gramati-cal, mas sob a ótica das

relações, todas as relaçõessobre a página10.

Em suma: os poetas concre-tos souberam extrojetar nasuperfície da página o cernediagramático da linguagempoética: tornar visível seusdiagramas internos multipla-mente direcionados, formasque desenham sentidos. Oresultado desse processo,embora visível, traz à bailaprocessos que estão maispróximos do visual ideogrâ-mico do que do visual ótico.É dentro desse contexto que avisualidade da poesia concretadeve ser pensada, o queimplica necessariamente aconjunção do olho e do ouvido na correlação com as formas da música,invisíveis aos olhos. Não épor acaso que o lema dosconcretos estava no idealverbivocovisual.

Também não deve ser poracaso que a paternidade dospoetas concretos é reconheci-da pela e-poesia atual, umapoesia que foi igualmentepreconizada por Benjamin,

ao afirmar que “presumivel-mente, far-se-ão necessáriosentão novos sistemas, comformas de escritura mais vari-áveis. Eles colocarão a nervurados dedos que comandam no lugar da mão cursiva da escrita habitual". Nada pode-ria ser mais comprovável nae-poesia do que essa premo-nição, tanto quanto é hojecomprovável o caráter precursor da poesia concretanos seus prenúncios doporvir.

LUCIA SANTAELLA é doutora em Teoria Literáriapela PUCSP e Livre-Docente pela USP. Escritorae pesquisadora em diversas áreas de estudo,sobretudo na Semiótica peirceana. Autora deCorpo e comunicação: Sintoma da cultura. SãoPaulo: Paulus, 2004; O método anticartesianode C.S.Peirce. São Paulo: Unesp/ Fapesp, 2004.

especial poesia concreta

1. Broeckmann, Andreas. Estás en linea?Presencia y participación en el arte de lared. Em http://aleph-arts.org/pens/index.htm. Extraído em 13-07-2006.2. Glazier, Loss Pequeno. Digital poetics.The making of e-poetries. Tuscaloosa,Alabama: The University of Alabama Press,2001, p. 31.3. Broeckmann, ibid.4. Glazier, ibid., p. 23.5. Idem, Ibid., p. 20.6. Mallarmé, S. Revisor de livros juramen-tados, Haroldo de Campos e Flávio Kothe(trads.). Em Mallarmé. São Paulo:Perspectiva, 1975, p. 193.7. Idem, ib., p. 194.8. Campos, Augusto de. Poesia, antipoesia,antropofagia. São Paulo: Cortez e Moraes,1978, p. 59.9. Santaella, Lucia. Tendências da poesiavisual. Em Cultura das mídias. São Paulo:Experimento, 4ª. ed. 2004, p. 145-146.10. Idem. Convergências. Poesia concretae tropicalismo. São Paulo: Nobel, 1986, p. 62.

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Carta de Ronaldo Azeredo a Carlos Ávila, 1974 (inédita).

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“Tradução para mim é persona", afirmaAugusto de Campos no prólogo ao livroVerso reverso controverso, de 1988. E completa, evocando Fernando Pessoa: “Équase heterônimo. Entrar dentro da pele do fingidor para refingir tudo de novo, dorpor dor, som por som, cor por cor". Dessaforma, Campos concede ao ato de traduzirpoemas um caráter ficcional, tomando-ocomo uma espécie de simulação criativa do próprio fazer poético.

Essa idéia de tradução como “refingimento" ou “transfingimento" (no dizer de Haroldo deCampos) permite-nos pensar no processo detransposição do texto de uma língua para outratambém enquanto um jogo de justaposição desubjetividades (ou máscaras) poéticas. De quemé o “eu" que fala no poema traduzido? Onde seinscrevem os limites entre a voz do poeta e a

voz do tradutor? Em que medida este dá à sualíngua um poeta inventado? É nesse sentidoque traduzir é também um exercício de “outri-dade": inserir-se no outro e, ao mesmo tempo,atraí-lo para fora de si mesmo; assumir umaidentidade postiça no ato de fazer seu umdizer alheio. Um “solo a duas vozes", comodiria Octavio Paz, que acaba por exigir umarelação intrínseca de afinidade/identificação do tradutor com o poeta traduzido, mesmoestando eles marcados pela diferença.

No que se refere a Augusto de Campos, essa relação intrínseca com os poetas quetraduz não se inscreve apenas no âmbito da afinidade pessoal (traduzir como forma de exercitar uma admiração pelo outro), mas também se vincula a um projeto estético bastante específico, que remonta às própriasbases do movimento da Poesia Concreta.

tradutor,transfingidor

maria esther maciel

Resenha do livro Invenção – de Arnaut e Raimbaut a Dante e Cavalcanti,

de Augusto de Campos.

especial poesia concreta

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Mesmo admitindo que sua maneira de amarum poeta estrangeiro é traduzi-lo, Augustoo faz também com propósitos de estabelecerum paideuma, um catálogo de nomes queconsidera medulares para justificar suaprópria poesia e a linhagem poética em quese insere. Desde meados dos anos 50, quando foram definidas as diretrizes doconcretismo, os adeptos do movimentoderam-se essa tarefa de, em nome da mate-rialidade da linguagem, criar seus precur-sores e traçar um caminho para as geraçõesposteriores através do trabalho de tradução,concebido – à luz dos ensinamentos de EzraPound – como um método de crítica e decriação. E até hoje, após ter sido decretadoo fim dos movimentos artísticos de vanguarda, esse projeto é levado adiantepor Augusto de Campos, com rigor ecoerência impressionantes.

Isso é o que evidencia o livro Invenção – de Arnaut e Raimbaut a Dante eCavalcanti, da editora Arx. Nele, o poetareúne suas traduções dos trovadoresprovençais Arnaut Daniel e Raimbaut d’Aurenga (já publicadas no livro MaisProvençais) e as versões inéditas que fez deseis cantos da Divina Comédia (4 doInferno e 2 do Purgatório), além de poemaslíricos de Guido Cavalcanti e do próprioDante. O volume inclui ainda ensaios críti-cos e biográficos, notas e material icono-gráfico sobre os autores traduzidos, bemcomo excertos dos Cantos de Ezra Pound,que, a título de epígrafes, trazem as referências do poeta norte-americano aos

poetas provençais e iluminam a seleção/organização dos poemas do livro.

Essa pequena constelação de poetas e poe-mas constitui um conjunto rigorosamentepensado pelo tradutor, no que tange tantoàs afinidades que cada poeta mantém como outro no âmbito da textura sonora da linguagem, quanto às relações de ordem“genealógica" entre eles: Raimbaut foi precursor de Arnaut (“o mais ousado, omais moderno" dos poetas da Provença,segundo Augusto), cujo “artesanato furioso"foi admirado/revitalizado por Dante que,por sua vez, manteve com seu contemporâneoCavalcanti uma espécie de cumplicidade nouso de sofisticadas “reverberações vocálicas",as quais “encantaram o ouvido sensibilíssi-mo" de Ezra Pound que, por seu turno, é o mais lídimo precursor, em termos doamálgama tradução/crítica/criação, dopróprio Augusto de Campos. Uma linhagemde poetas construída, portanto, com base nafunção poética da linguagem, no princípiomoderno da invenção e nas preferênciasestéticas do tradutor.

Na escolha, por exemplo, dos cantos dantescos, Augusto conseguiu dar corpo aum Dante que só poderia ser o seu. Atentonão apenas aos rigores da métrica e daterza rima, mas também à imaginação visualdo poeta toscano, explorou tanto as condensações imagéticas dos Cantos I e Vdo Inferno, quanto o “desesperanto inter-lingüístico" que marca o enigmático CantoVII e as cenas do encontro de Virgílio com

poetas provençais, descritas no Canto XXVIIIdo Inferno e nos Cantos VI e XXVI doPurgatório.

Cada texto traduzido traz, em sua novapele, um acento particular do tradutor, vistoque este se empenhou em realizar umaespécie de “operação poética de rejuve-nescimento lingüístico" da poesia dantesca,assumindo todos os riscos dessa aventuratradutória. Marca, dessa maneira, a presençade Dante no seu repertório poético particulare o articula, a partir do signo da invenção,com os demais integrantes desse paideuma.

Assim, sob o constante influxo do lemapoundiano do make it new, Augusto deCampos dá seqüência, nesse livro, ao seuzeloso e percuciente trabalho de reconfigurara tradição segundo as diretrizes de um projeto poético e teórico específico. Aoentrar na pele dos poetas escolhidos, reinventa-os, torna-os seus e outros de simesmos. Converte-os em espécies deheterônimos pela força de um idioma quelhes é estranho e constrói um teatro (nosentido pessoano) de subjetividades fingidas,ou melhor, “transfingidas" pela voz dopoeta-tradutor.

MARIA ESTHER MACIEL é escritora e professora de Teoria Literária naFaculdade de Letras da UFMG. Autora de A memória das coisas – ensaiosde literatura, cinema e artes plásticas ( Lamparina, 2004) e O livro deZenóbia ( Lamparina, 2004), dentre outros livros.

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Affonso Ávila, Haroldo de Campos e Laís Corrêa de Araújo (1993).Foto: Patrícia Azevedo

Décio Pignatari diante de seu poema “Terra” (1993).Foto: Patrícia Azevedo.

Haroldo de Campos, Affonso Ávilae Augusto de Campos (1993).Foto: Patrícia Azevedo.