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DANIELLE BRANT ANDERSON FIGO DE SãO PAULO Assistir a jogos de futebol, fazer lição de casa e brincar com os amigos na escola. A rotina de Luis Felipe Mattiuz- zo, 10, se parece com a de qualquer criança de sua ida- de, com uma exceção: uma vez por mês o menino recebe R$ 1.000 do pai exclusiva- mente para comprar ações. As aplicações começaram há quase três anos, quando o pai, o empresário Gerson Mattiuzzo Júnior, 34, decidiu abrir uma conta em uma cor- retora no nome de Luis, que desde então carrega a alcu- nha de investidor mais jovem da Bolsa brasileira. “Queria ensinar que é pre- ciso gastar menos do que se ganha e investir o que sobra, pensando no futuro. Não se aborda educação financeira na maioria das escolas”, diz Mattiuzzo, que começou a in- vestir em Bolsa aos 17 anos. A escolha por ações con- traria a opção de muitos pais que iniciam uma aplicação para os filhos e que preferem alternativas mais conserva- doras, como a poupança. So- bre a caderneta, Luis é cate- górico: “Nunca tive. Não de- veria ser considerada inves- timento, pois tem perdido pa- ra a inflação.” Como opção conservado- ra, escolheu um título do go- verno, o Tesouro IPCA+ 2035, que paga como remuneração juros mais a variação do ín- dice oficial de preços. O gosto pelo mercado de ações só veio em 2014, quan- do saiu de Mogi das Cruzes (SP), onde mora, para visitar a sede da BM&FBovespa, na capital paulista. O encanta- mento de Luis motivou o pai a enviar uma carta ao presi- dente da Bolsa, Edemir Pin- to, solicitando um encontro, que ocorreu em outubro do ano passado. REI DA BOLSA O menino também pôde conhecer seu maior ídolo: Luiz Barsi Filho, um dos maiores investidores da Bol- sa brasileira, com mais de R$ 1 bilhão aplicado em ações locais. “É minha inspiração, quero ser como ele um dia.” Assim como Barsi, Luis usa os dividendos —parte do lu- cro das empresas distribuída entre os acionistas— para comprar novos papéis. A estratégia de ambos tam- bém consiste em somente comprar ações, e não vender, já que o objetivo é ter retorno no longo prazo. “Não olho preço dos ativos. Tem ações que custam menos de R$ 1 e estão caras e outras custam Aos 10 anos, investidor mais jovem da Bolsa esnoba a poupança e usa estratégias de gente grande para aplicar no mercado de ações BOLSA R$ 40 e estão baratas.” A avaliação das empresas é técnica: “Vejo lucro, mar- gem, caixa, dívida e dividen- dos.” Para se informar, pai e filho consultam sites que in- formam resumidamente o ba- lanço financeiro das compa- nhias e também a variação das ações nos últimos anos. Luis diz que tem retorno po- sitivo, mas não revela o rendi- mento de suas aplicações. A inspiração para investir também vem de seus livros favoritos: “Meu primeiro mi- lhão”, de Charles-Albert Pois- sant e Christian Godefroy, e “Pai rico, pai pobre”, de Ro- bert Kiyosaki. O atual cenário de Bolsa em baixa é visto por ele como uma oportunidade para encontrar barganhas no mercado. As primeiras ações com- pradas foram as do Banco do Brasil, ainda pelo pai. Hoje, ambos decidem juntos quais papéis serão escolhidos, e é DE SãO PAULO Estimular as crianças a investir pode ajudá-las a desenvolver maturidade fi- nanceira, mas é preciso ter cautela com o tipo de inves- timento e evitar alternati- vas de alto risco, segundo especialistas. É indispensável a super- visão dos pais ou algum responsável, afirma Oscar Luiz Malvessi, professor de finanças da FGV. “O risco é inerente. Se os pais não derem limite, as crianças podem fazer bo- bagem, porque elas gos- tam de experimentar e o in- vestimento exige raciona- lidade. Não dá para espe- rar que a criança tenha rea- ções de um adulto”, diz. Para a educadora finan- ceira Nathalia Arcuri, a criança aprende com exemplos. “Desde cedo, os pais devem mostrar que os objetos custam dinheiro”, diz. Isso vale também pa- ra os brinquedos: “É preci- so ensinar que eles não aparecem só por querer.” Segundo ela, aos sete anos já é possível iniciar uma poupança. Quando acumular recursos, é inte- ressante auxiliar os filhos na escolha de outra aplica- ção de renda fixa que pos- sibilite rendimento maior, como um CDB [Certificado de Depósito Bancário] ou LCI [Letra de Crédito Imo- biliário] e LCA [Letra de Cré- dito do Agronegócio], isen- tos de Imposto de Renda. Os pais precisam cola- borar. “Não adianta que- rer que o filho tenha cons- ciência financeira se os pais brigam porque as con- tas não fecham.” Para os pais que consi- deram a Bolsa uma opção muito avançada, os fundos de ações podem ser uma alternativa para investi- mento em renda variável. Na corretora Coinvalo- res, 150 crianças e adoles- centes investem no Fundo Kids. “É uma aplicação programada por boleto to- do mês”, diz a gestora de fundos Jussara Pacheco. Uma opção para crian- ças entenderem o merca- do de ações é o Desafio BM&FBovespa —competi- ção criada em 2006 pela Bolsa com o objetivo de en- sinar na prática como fun- ciona o investimento. Supervisão é indispensável, diz especialista o próprio menino quem ope- ra o home broker —platafor- ma de negociação on-line. A carteira atual de Luis possui ações de nove empre- sas. Entre elas estão Petro- bras, Ambev, Itaú e Cielo. A maior parte do portfólio é composta por papéis da BM&FBovespa. O menino prefere as ações ordinárias, que dão direito a voto em assembleias que de- cidem sobre os planos de ne- gócios das companhias. “Quero um dia ser presi- dente da Bolsa”, diz. Enquan- to isso não acontece, Luis tem planos mais modestos: “Com- prar um carro aos 18 anos, ter uma casa confortável e me aposentar cedo, vivendo do rendimento de minhas apli- cações.” Veja entrevista com o “príncipe da Bolsa” folha.com/no1683918 O que fazer para ensinar conceitos financeiros, segundo especialistas Até 4 anos > Presentear os filhos apenas em ocasiões especiais > Dizer não quando a criança pede algo e não podem dar De 5 a 7 anos > Começar a dar semanadas para que o filho entenda que o dinheiro acaba > Estabelecer prioridades para o uso do dinheiro > Apresentar o cofrinho De 8 a 12 anos > Ajudar o filho a administrar o dinheiro para atingir uma meta, como fazer uma viagem > Ensinar que empréstimos têm de ser pagos em dia EDUCAçãO FINANCEIRA Fotos Karime Xavier/Folhapress Luis Felipe Mattiuzzo, 10, quer ser presidente da Bolsa Gerson Mattiuzzo Júnior, pai de Luis Felipe, incentiva o filho a investir Nunca tive poupança. Não deveria ser considerada investimento, pois tem perdido para a inflação LUIS FELIPE MATTIUZZO Investidor mais jovem da Bolsa Queria ensinar que é preciso gastar menos do que se ganha e investir o que sobra, pensando no futuro. Não se aborda educação financeira na maioria das escolas do Brasil, infelizmente GERSON MATTIUZZO Pai de Luis Felipe SEGUNDA-FEIRA, 21 DE SETEMBRO DE 2015 H H H folhainvest 7 ab O PRíNCIPE DA

opríncipeda bolsa€¦ · “Pai rico, pai pobre”, de Ro-bertKiyosaki. OatualcenáriodeBolsaem baixaévistoporelecomouma oportunidadeparaencontrar barganhasnomercado. As primeiras

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Page 1: opríncipeda bolsa€¦ · “Pai rico, pai pobre”, de Ro-bertKiyosaki. OatualcenáriodeBolsaem baixaévistoporelecomouma oportunidadeparaencontrar barganhasnomercado. As primeiras

danielle brantanderson figode sãopaulo

Assistir a jogos de futebol,fazer lição de casa e brincarcom os amigos na escola. ArotinadeLuisFelipeMattiuz-zo, 10, se parece com a dequalquer criança de sua ida-de, com uma exceção: umavez pormês omenino recebeR$ 1.000 do pai exclusiva-mente para comprar ações.As aplicações começaram

háquase trêsanos, quandoopai, o empresário GersonMattiuzzo Júnior, 34, decidiuabrir umaconta emumacor-retora no nome de Luis, quedesde então carrega a alcu-nhade investidormais jovemda Bolsa brasileira.“Queria ensinar que é pre-

ciso gastar menos do que seganha e investir o que sobra,pensando no futuro. Não seaborda educação financeirana maioria das escolas”, dizMattiuzzo,quecomeçoua in-vestir em Bolsa aos 17 anos.A escolha por ações con-

traria a opçãodemuitos paisque iniciam uma aplicaçãoparaos filhos equepreferemalternativas mais conserva-doras, comoapoupança. So-bre a caderneta, Luis é cate-górico: “Nunca tive. Não de-veria ser considerada inves-timento,pois temperdidopa-ra a inflação.”Como opção conservado-

ra, escolheu um título do go-verno,oTesouro IPCA+2035,quepagacomoremuneraçãojuros mais a variação do ín-dice oficial de preços.O gosto pelo mercado de

ações só veio em2014, quan-do saiu de Mogi das Cruzes(SP), ondemora, para visitara sede da BM&FBovespa, nacapital paulista. O encanta-mento de Luis motivou o paia enviar uma carta ao presi-dente da Bolsa, Edemir Pin-to, solicitando um encontro,que ocorreu em outubro doano passado.

REI DA BOLSAO menino também pôde

conhecer seu maior ídolo:Luiz Barsi Filho, um dosmaiores investidores da Bol-sa brasileira, com mais deR$1bilhãoaplicadoemaçõeslocais. “É minha inspiração,quero ser como ele um dia.”AssimcomoBarsi,Luisusa

os dividendos —parte do lu-crodas empresasdistribuídaentre os acionistas— paracomprar novos papéis.Aestratégiadeambos tam-

bém consiste em somentecomprarações, enãovender,já queoobjetivo é ter retornono longo prazo. “Não olhopreço dos ativos. Tem açõesque custam menos de R$ 1 eestão caras e outras custam

Aos 10 anos, investidormais jovem daBolsa esnoba a poupança eusa estratégias de gente grande para aplicarnomercado de ações

bolsa

R$ 40 e estão baratas.”A avaliação das empresas

é técnica: “Vejo lucro, mar-gem, caixa, dívida edividen-dos.” Para se informar, pai efilho consultam sites que in-formamresumidamenteoba-lanço financeiro das compa-nhias e também a variaçãodas ações nos últimos anos.Luisdizquetemretornopo-

sitivo,masnãorevelaorendi-mento de suas aplicações.A inspiração para investir

também vem de seus livrosfavoritos: “Meu primeiromi-lhão”,deCharles-AlbertPois-sant e Christian Godefroy, e“Pai rico, pai pobre”, de Ro-bert Kiyosaki.OatualcenáriodeBolsaem

baixaévistoporelecomoumaoportunidadeparaencontrarbarganhas nomercado.As primeiras ações com-

pradas foramasdoBancodoBrasil, ainda pelo pai. Hoje,ambos decidem juntos quaispapéis serão escolhidos, e é

de são paulo

Estimular as crianças ainvestir pode ajudá-las adesenvolvermaturidadefi-nanceira,masépreciso tercautelacomotipodeinves-timento e evitar alternati-vas de alto risco, segundoespecialistas.É indispensávelasuper-

visão dos pais ou algumresponsável, afirma OscarLuizMalvessi,professordefinanças da FGV.“Oriscoé inerente.Seos

pais não derem limite, ascrianças podem fazer bo-bagem, porque elas gos-tamdeexperimentareoin-vestimento exige raciona-lidade. Não dá para espe-rarqueacriançatenharea-ções de um adulto”, diz.Paraaeducadora finan-

ceira Nathalia Arcuri, acriança aprende comexemplos. “Desdecedo,ospaisdevemmostrarqueosobjetos custamdinheiro”,diz. Isso vale também pa-raosbrinquedos: “Épreci-so ensinar que eles nãoaparecem só por querer.”Segundo ela, aos sete

anos já é possível iniciaruma poupança. Quandoacumular recursos, é inte-ressante auxiliar os filhosnaescolhadeoutraaplica-ção de renda fixa que pos-sibilite rendimento maior,como umCDB [Certificadode Depósito Bancário] ouLCI [Letra de Crédito Imo-biliário]eLCA[LetradeCré-ditodoAgronegócio], isen-tos de Imposto de Renda.Os pais precisam cola-

borar. “Não adianta que-rer que o filho tenha cons-ciência financeira se ospaisbrigamporqueascon-tas não fecham.”Para os pais que consi-

deram a Bolsa uma opçãomuitoavançada,os fundosde ações podem ser umaalternativa para investi-mento em renda variável.Na corretora Coinvalo-

res, 150 crianças e adoles-centes investemnoFundoKids. “É uma aplicaçãoprogramadaporboleto to-do mês”, diz a gestora defundos Jussara Pacheco.Uma opção para crian-

ças entenderem o merca-do de ações é o DesafioBM&FBovespa—competi-ção criada em 2006 pelaBolsacomoobjetivodeen-sinarnaprática como fun-ciona o investimento.

Supervisão éindispensável,diz especialista

o própriomenino quemope-ra o home broker —platafor-ma de negociação on-line.A carteira atual de Luis

possui ações de nove empre-sas. Entre elas estão Petro-bras, Ambev, Itaú e Cielo. Amaior parte do portfólio écomposta por papéis daBM&FBovespa.Omenino prefere as ações

ordinárias, que dão direito avoto emassembleias que de-cidemsobre os planosdene-gócios das companhias.“Quero um dia ser presi-

dentedaBolsa”,diz.Enquan-to issonãoacontece,Luis templanosmaismodestos:“Com-prarumcarroaos 18anos, teruma casa confortável e meaposentar cedo, vivendo dorendimento de minhas apli-cações.”

Veja entrevista com o“príncipe da Bolsa”folha.com/no1683918

O que fazer para ensinarconceitos financeiros,segundo especialistas

Até 4 anos> Presentear os filhos apenasem ocasiões especiais> Dizer não quando a criançapede algo e não podem dar

De 5 a 7 anos> Começar a dar semanadaspara que o filho entenda queo dinheiro acaba> Estabelecer prioridadespara o uso do dinheiro> Apresentar o cofrinho

De 8 a 12 anos> Ajudar o filho a administraro dinheiro para atingir umameta, como fazer uma viagem> Ensinar que empréstimostêm de ser pagos em dia

educaçãofinanceira

FotosKarimeXavier/Folhapress

luis felipeMattiuzzo, 10, querser presidenteda bolsa

gersonMattiuzzoJúnior, pai de luisfelipe, incentiva o

filho a investir

“ Nunca tivepoupança. Nãodeveria serconsideradainvestimento, poistemperdidoparaa inflaçãoLuis FeLipeMAttiuzzoInvestidor mais jovem da Bolsa

“ Queria ensinarque épreciso gastarmenosdoque seganha e investir oque sobra, pensandono futuro. Não seaborda educaçãofinanceira namaioria das escolasdoBrasil,infelizmenteGeRsoNMAttiuzzoPai de Luis Felipe

Segunda-feira, 21 de Setembro de 2015 H H H folhainvest 7ab

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