Revista Esquerda Petista 1revisadaFinal

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  • 1ESQUERDA PETISTAMAIO/2014EDIO #1

    Dilma 2015-2018Nem todos os caminhos levam a um segundo mandato superior ao atual

    PGs. 6 a 11

    O axioma das alianas inevitveis

    Luta feminista e luta de classes

    Cartografia da esquerda no Brasil

    PGs. 47 a 51 PGs. 63 a 69

    ESQUERDAPETISTA

    revista

  • www.pagina13.org.br

    Confira as novas publicaes da editora Pgina 13

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    75EDITORA

    EXPEDIENTE

    ESQUERDA PETISTA uma publicao da Editora Pgina 13, sob responsabilidade da direo nacional da Articulao de Esquerda, tendncia do Partido dos Trabalhadores.

    Direo Nacional da AE:

    Adilson Nascimento dos Santos (MS), Adriana Miranda (DF), Adriano Oliveira (RS), Aila Marques (CE), Ana Afonso (RS), Ana Lcia (SE), Ana Rita (ES), Beto Aguiar (RS), Bruno Elias (DF), Damarci Olivi (MS), Daniela Matos (MG), Denise Cerqueira Vieira (TO), Denize Silva de Oliveira (MS), Dionilso Marcon (RS), Edma Walker (SP), Eduardo Loureiro (GO), Emlio Font (ES), Expedito Solaney (PE), Fabiana Malheiros (ES), Fabiana Rocha (ES), Iole Iliada (SP), Iriny Lopes (ES), Isaias Dias (SP), Jandyra Uehara (SP), Janeth Anne de Almeida (SC), Joel Almeida (SE), Jonatas Moreth (DF), Jos Gilderlei (RN), Laudicia Schuaba (ES), Leyse Souza Cruz (ES), Lcio Lobo (SP), Lcia Maria Barroso Vieira (SE), Marcel Frison (RS), Marcelo Mascarenha (PI), Marco Aurlio Moreira Rocha (MG), Mario Candido (PR), Mcio Magalhes (PE), Olavo Carneiro (RJ), Pere Petit (PA), Rafael Tomyama (CE), Raquel Esteves (PE), Rosana Ramos (DF), Rafael Pops (DF), Rubens Alves (MS), Slvia de Lemos Vasques (RS), Sonia Hyplito (DF), Teresinha Fernandes (MA), Ubiratan Flix (BA), Valter Pomar (SP).

    Comisso de tica nacional:Eleandra Raquel Koch (RS), Rodrigo Csar (SP) e Wagner Lino (SP).

    Editor: Valter Pomar ([email protected])

    Colaboraram nesta edio: Adriana Miranda, Cristiano Cabral, Rafael Tomyama e Sergio Bastos (ilustrador)

    Diagramao e projeto grfico: Movimento Web&Artes Grficas/ Cludio Gonzalez

    Secretaria: Edma Walker([email protected] )

    Endereo para correspondncia:R. Silveira Martins, 147 conj. 11,So Paulo (SP), CEP 01019000

    SUMRIOEDITORIALBoa leitura,

    boa luta

    CONJUNTURA

    PROGRAMA

    3

    6

    12

    18

    21

    31

    23

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    Sonia Fardin

    Licio Lobo

    Paulo Denisar Fraga

    Iole Ilada Lopes

    Paulo Fontes

    Leandro Eliel

    Rodrigo Cesar

    Ariely de Castro / Tbata Silveira

    Documento da DNAE

    Cultura e mercado

    Dialogando com a DS: que revoluo democrtica?

    Peridicos marxistas e de esquerda no Brasil

    Geografia, Estados nacionais e Habermas

    O golpe contra os trabalhadores

    Cartografia da esquerda no Brasil

    Debates em torno de um enigma

    Luta feminista e luta de classes

    Diretrizes em debate

    ESQUERDAPETISTA

    revista

    PROGRAMA

    MOVIMENTOS

    PARTIDO

    HISTRIA

    PUBLICAES

    Breno Altman

    Bruno Elias

    Carlos Octvio Ock-Reis

    Pedro Estevam da Rocha Pomar

    Kjeld Jakobsen

    Andr Vieira

    Jonatas Moreth

    Geraldo Abreu / Rafael Tomyama

    Eduardo Nunes Loureiro / Flvio Batista do Nascimento

    Sobre o axioma das alianas inevitveis

    Retomar a luta constituinte

    Renegociar a dvida interna

    Ainda espera das mdias contra-hegemnicas

    Pingos nos is

    Democratizao do Poder Judicirio

    Violncia juvenil expresso de uma sociedade violenta

    O futuro que queremos

    Baixa poltica, altos interesses

  • 4 ESQUERDA PETISTA

    EDITORIAL

    Como sabem os que acompanham a Editora Pgina 13, temos feito um esforo no sentido de especializar nossas publicaes.

    O jornal Pgina 13, editado desde 1998, j est em sua edio de nmero 130 e concentra-se nos temas conjunturais. O boletim Orientao Militante, dedicado a temas internos, circula digitalmente desde 3 de fevereiro de 2014; no momento em que este editorial estava sendo escrito, encontrava-se em fase de produo OM nmero 28. A Editora Pgina 13, alm disso, dispe de quase 20 ttulos em seu catlogo, incluindo a uma histria em quadrinhos.

    J revista Esquerda Petista --cuja primeira edio est em suas mos neste momento-- cabe o debate de maior flego ideolgico, terico, programtico e estratgico.

    Embora seja uma revista editada sob responsabilidade da Articulao de Esquerda, no porta-voz da tendncia. Como em outras de nossas publicaes, cada autor responsvel pelo que escreve, e suas posies no precisam coincidir necessariamente com as posies da tendncia. At porque nossa revista aberta a militantes que, sendo de esquerda, no so integrantes da AE.

    Esquerda Petista buscar circular na intelectualidade de esquerda em geral, especialmente --mas no somente-- aquela vinculada ao PT.

    Editorialmente, nos esforaremos para cobrir o seguinte temrio: o capitalismo do sculo 21, a crise internacional, a integrao regional e nossa poltica externa; a anlise do capitalismo e a luta pelo socialismo no Brasil, a luz das tentativas feitas ao longo do sculo 20; a discusso sobre programa e estratgia, incluindo rumos do desenvolvimento e meio-ambiente, polticas pblicas universais e reformas estruturais; educao, cultura e comunicao na luta por hegemonia; os debates de fundo acerca da conjuntura e ttica; o balano dos governos encabeados pelo PT, em mbito nacional, estadual e municipal; as diferentes manifestaes da luta de classes, incluindo eleies, movimentos e lutas sociais; as questes de gnero, raa e orientao sexual; a anlise crtica do contedo da mdia (TV, rdio, internet, revistas tericas e polticas, livros); resenhas de livros e outras publicaes; e um acompanhamento do debate acerca do PT e do conjunto da esquerda brasileira.

    Agradecemos antecipadamente aos leitores que nos enviem crticas e sugestes, de preferncia a tempo do nmero 2, que pretendemos fazer circular durante o Congresso da Central nica dos Trabalhadores.

    Boa leitura e principalmente uma boa luta, o que desejamos.

    Os editores

    Boa leitura, boa luta

  • 5ESQUERDA PETISTA

    CARTO

    ON

    Srgio Bastos

  • 6 ESQUERDA PETISTA

    CONJUNTURA

    A vitria do marco

    civil da internet, na Cmara dos Depu-tados, embute importante lio. Contra o projeto do governo, do PT e dos movi-mentos vinculados democratizao das comunicaes, reagiram gigantescas cor-poraes de telefonia e um amplo espec-tro de setores conservadores, incluindo partidos do oficialismo, como o caso do PMDB. O primado da correlao de for-as, conceito seminal nos ltimos doze anos, normalmente levaria ao recuo. Mas a presidente Dilma Rousseff resolveu manter a ofensiva, ainda que negociando pontualmente, e venceu a batalha.

    A articulao entre presso social, ao parlamentar e interveno palaciana acantonou um bloco que parecia majori-trio, obrigando-o a capitular sem travar o combate anunciado. A poltica venceu a matemtica. O esforo de mobilizao e disputa dobrou o cretinismo parlamen-tar. Um avano importante foi arrancado alterando-se, dentro e fora das institui-es, situao que parecia empacotada.

    Sobre o axioma das ALIANAS INEVITVEIS

    Breno Altman

    A caracterstica de governo em minoria, sob uma Constituio que concede amplas prerrogativas s casas legisladoras, fez da poltica de alianas um dos componentes mais sensveis da estratgia petista

    A opo pelo enfrentamento, po-rm, no tem sido resposta predominante desde que foi eleito, em 2003, o presidente Lula. Apesar de ter conquistado a chefia de Estado, o PT e a esquerda no conse-guiram fazer maioria na Cmara e no Senado. Ao contrrio: no representam mais que 25% das cadeiras legislativas, in-suficientes at para barrar, isoladamente, eventuais tentativas de impedimento.

    Este cenrio difere profundamente o caso brasileiro dos processos em curso na Venezuela e na Bolvia, por exemplo, onde as foras progressistas consolida-ram supremacia parlamentar e, portanto, capacidade de reformar amplamente o Estado, incluindo o poder judicirio e o sistema poltico-eleitoral. A caracterstica de governo em minoria, assim, sob uma Constituio que concede amplas prerro-gativas s casas legisladoras, fez da polti-ca de alianas um dos componentes mais sensveis da estratgia petista.

    Tornou-se influente a cultura que toma a correlao de foras como teto in-

    transponvel -- ao revs do que se passou com a discusso do marco civil da inter-net. Adotado esse ponto de vista, as posi-es de eventuais aliados ditam os limites da poltica de esquerda. As instituies so encaradas como o espao quase ex-clusivo no qual os interesses so dispu-tados. Os contingenciamentos das corpo-raes empresariais e das casamatas de comunicao da burguesia no podem ser radicalmente afrontados.

    As alianas, nesta lgica, balizam o programa de governo e impem uma esp-cie de mnimo denominador comum, que at permite mudanas de grande impacto social e importantes sucessos administra-tivos, mas paralisa o projeto de reformas estruturais que concretiza uma nova hege-monia sobre o Estado e a sociedade. Esse gnero de aliancismo, por fim, desidrata a mobilizao social, o confronto de ideias e a prpria audcia poltica. Faz da correla-o de foras um libi para a acomodao nos marcos polticos e ideolgicos aceit-veis pelos parceiros mais direita.

  • 7ESQUERDA PETISTA

    O oposto desta opo no a ne-gao das alianas, mas uma outra com-preenso de como encar-las. No se trata apenas de fixar programa comum e eleger formaes poltico-sociais que pos-sam lev-lo a contento. O fundamental entender que os acordos no podem anu-lar os conflitos de classe e perspectiva no interior do arco de sustentao. Caberia, esquerda, travar permanentemente dis-puta pblica de suas posies, mantendo os aliados sempre sobre presso, sem lhes negar a possibilidade de dilogo e com-promisso.

    No essa a postura, alis, dos pr-prios partidos aliados? O PMDB, no de-bate sobre internet, esticou ao mximo a corda. Vocalizou ambies empresariais dos grupos telefnicos. Interveio em todos os fruns possveis para bater o governo. E no , nem de longe, o nico exemplo. Sua atitude tambm resvala para a chan-tagem, apenas citando outro caso, quando se trata de estabelecer a chapa que ser apresentada no pleito de 2014, exigindo sempre mais espaos nos estados.

    O fundamental entender que os acordos no podem anular os conflitos de classe e perspectiva no interior do arco de sustentao. Caberia, esquerda, travar permanentemente disputa pblica de suas posies, mantendo os aliados sempre sobre presso, sem lhes negar a possibilidade de dilogo e compromisso

    CONJUNTURA

    O fato que as foras de centro que compem a base aliada operam, de forma permanente, para fazer o PT refm de quem pode lhe dar maioria parlamen-tar. A ameaa implcita: mudar de lado e compor com a oposio de direita, levan-do o governo instabilidade e ao colapso. Mas no esto a cavalheiro. Dissociadas de uma administrao bastante popular e detentora de potentes instrumentos de poder, estas correntes correm o risco, na virada, de ver seu capital eleitoral dimi-nuir, emparedadas pela polarizao do ce-nrio poltico. Por esses e outros motivos, quando confrontadas, muitas vezes ran-gem os dentes, mas sentam-se mesa. Como na polmica sobre a internet.

    Obviamente que o tema da poltica de alianas no se resume ao mtodo. H questes de fundo que determinam o que pode e deve ser feito. Mudam-se conjun-turas e aliados. Qualquer que seja o cen-rio, porm, o abandono ou a suavizao do esforo por hegemonia no so preos aceitveis, sob o risco da aliana adotada significar ruptura programtica e renn-cia representao de classe.

    a

  • 8 ESQUERDA PETISTA

    Estas apreciaes sobre proce di-men to no so abstraes filosficas, ain-da mais no contexto brasileiro, que miti-gou fronteiras clssicas dos partidos pol-ticos. Resultam em diferentes aproxima-es e provocam consequncias distintas.

    O front parlamentar colocou a es-querda diante de uma escolha: governar sem maioria ou formar uma gesto de coalizo. Os riscos da primeira hiptese seriam imensos, ainda mais se agregados fatores decisivos como, entre outros, o monoplio conservador da mdia e o con-trole oligrquico sobre instncias judiciais. O caminho da coalizo tem se provado o mais prudente e eficaz. Mas preciso ex-trair aprendizados desse modelo.

    Sempre que foi dominante a ten-dncia do PT em atuar como brao par-lamentar do governo, a coalizo ficou ca-penga e o conservadorismo ganhou mais espao para suas ideias e valores. Uma poltica de alianas favorvel hege-monia progressista quando tanto agre-miaes centristas quanto as de esquer-da se lanam a conquistar abertamente a sociedade e o Estado, com o governo buscando arbitrar os termos de conflito e compromisso das correntes coligadas, a partir da correlao de foras na chegada, no na partida.

    A realizao de alianas, neces-srias para a governabilidade, no pode significar abdicao programtica, ainda quando posies finais de governo te-nham que fazer mediao com setores mais atrasados. Tampouco a administra-o federal, comandada pela esquerda, deveria estabelecer suas propostas ao parlamento, de maioria conservadora, sem antes colher todos os frutos de uma estratgia de tenso, que envolva sua base de classe na sustentao das alter-nativas mais avanadas.

    Esta relao, entre disputa e acor-do, eventualmente traria melhor resul-

    CONJUNTURA

  • 9ESQUERDA PETISTA

    tado se houvesse diferenciao analtica e prtica sobre a natureza das alianas. Algumas possuem carter estratgico -- isso , tratam-se de agrupamentos com ampla afinidade poltico-ideolgica, que partilham a vocalizao das camadas po-pulares e defendem projetos semelhantes de transformao social. Outras so es-sencialmente tticas, na maior parte das vezes determinadas por interesses locais ou de sobrevivncia, sem identidade ide-olgica ou de perspectiva histrica.

    O PT e o governo, desde a primeira eleio vitoriosa, decidiram no dar fei-o orgnica a esta interpretao. Poderia ter sido constituda, l atrs, uma frente estratgica, na qual comporia com o PC-doB, o PSB e at o PDT o ncleo duro do

    bloco oficialista, com o propsito de uni-ficar a interveno na administrao e no parlamento, alm de progressivamente caminhar para a unidade nas contendas eleitorais, em todos os nveis.

    Tambm foi seguida, e continua a s-lo, uma toada tradicional no trato destas alianas. Aos partidos progres-sistas, na frente estratgica, poderiam ter sido agregados movimentos sociais e centrais sindicais, estabelecendo um mecanismo permanente de elaborao, dilogo e ao. No resolveria, por si s, o problema da falta de maioria, mas po-deria estabelecer um outro mecanismo para acumular foras e neutralizar a in-fluncia dos segmentos que esto di-reita no campo governista.

    A inexistncia de um instrumen-to com estes contornos explica parte da transfigurao que viria a ocorrer no PDT ps-Brizola e no PSB ps-Arraes. Sem um sistema concntrico que pudesse amplificar sua presena no governo e su-balternos em uma seara dominada pela aritmtica parlamentar, na qual fala mais alto quem tem mais votos, ambos parti-dos acabaram presas fceis de correntes internas e presses externas que os des-locaram para longe da esquerda -- ainda que o PDT continue na base aliada.

    Raciocnio razovel, de curto pra-zo, levou a direo petista e o governo a olhar para o PMDB como o grande parceiro que poderia garantir estabili-dade poltica. Especialmente depois da crise de 2005, quando o presidente Lula teve que enfrentar a perda de controle do parlamento. Passou a ser visto com temor qualquer rudo na edificao des-sa relao, como supostamente seria a constituio de um ncleo progressista dentro da aliana mais ampla. Essa tri-lha permitiu o PMDB agigantar seu peso no Estado, em troca de oferecer maioria provisria ao petismo.

    CONJUNTURA

    Aos partidos progressistas, na frente estratgica, poderiam ter sido agregados movimentos sociais e centrais sindicais, estabelecendo um mecanismo permanente de elaborao, dilogo e ao. No resolveria, por si s, o problema da falta de maioria, mas poderia estabelecer um outro mecanismo para acumular foras e neutralizar a influncia dos segmentos que esto direita no campo governista

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  • 10 ESQUERDA PETISTA

    A verdade que este partido fez bom uso da carta que lhe foi oferecida, concretizada no comando das duas casas legislativas a partir de 2013, alm dos pos-tos ministeriais. Permitiu a aprovao de muitos projetos de interesse governamen-tal e ajudou a travar operaes oposicio-nistas. Nas discrepncias com o PT, perdeu algumas batalhas quando foras sociais mais amplas entraram em campo e o Pa-lcio bateu firme. Quando faltou essa ini-ciativa, no entanto, coube liderana pee-medebista bloquear mudanas decisivas.

    O captulo mais importante da atu-ao regressiva do PMDB provavelmente tenha sido a proposta de Constituinte ex-clusiva para reforma poltica, apresentada pela presidente Dilma Rousseff no auge das manifestaes de junho do ano pas-sado. O comando da legenda, frente Mi-chel Temer, assumiu o papel de enterrar a sada proposta pela chefe de Estado, que havia auferido boa repercusso popular. O governo, naquela oportunidade, acabou por recuar sem luta diante do alarido con-servador estimulado pelo principal aliado.

    Este episdio bastante elucidati-vo, a propsito, do paredo de centro-di-reita contra quaisquer reformas estrutu-rais que venham a ser apresentadas, es-pecialmente quando afeta o sistema que reproduz eleitoralmente a hegemonia conservadora.

    Os benefcios do modelo atual -- assentado sobre voto personalizado para deputado, financiamento empre-sarial de campanhas e desproporo na representao das bancadas estaduais -- possivelmente atendem mais os parti-dos que aglutinam oligarquias regionais e grupos de interesse do que aos emban-deirados da direita moderna, como o caso do PSDB.

    Esta institucionalidade eleitoral, afinal, inibe o choque radical de projetos nacionais, permite a formao de currais

    fisiolgicos e facilita maiorias parlamen-tares desconectadas da competio para a liderana dos executivos. Outra porta que abre para a constituio de bancadas di-retamente vinculadas a corporaes que sustentam a corrida pelos mandatos.

    No h possibilidade de romper o cerco conservador contra a soberania popular nas eleies presidenciais sem a superao desse sistema -- atravs da adoo do voto em lista (pr ou ps-or-denada) e da proibio das doaes de pessoas jurdicas. Tais mudanas, acom-panhadas da regulao dos monoplios de comunicao e da criao de novos mecanismos de participao popular -- como a convocao de plebiscitos impo-sitivos pelo presidente da Repblica ou por um percentual mnimo dos eleitores --, poderiam formar o arcabouo para a radicalizao democrtica que continua detida pelos entulhos autoritrios herda-

    dos da ditadura militar.O n do ciclo vicioso est em

    como forjar alianas capazes de aprovar a Constituinte exclusiva para a reforma poltica, epicentro de qualquer estrat-gia para o aprofundamento e a acelera-o das demais mudanas, quando boa parte dos aliados recusa um caminho que eventualmente esfumaaria seu po-der de barganha.

    Se fosse seguido o mtodo utiliza-do durante a resoluo do marco da in-ternet, Dilma e o PT poderiam fazer da prxima campanha eleitoral uma plata-forma para universalizar esta bandeira, associada realizao do plebiscito con-vocado pelos movimentos sociais sobre a questo. O compromisso da presidente em encaminhar emenda constitucional nesse sentido, como primeira medida de seu novo governo, tambm seria um fa-tor de propulso.

    CONJUNTURA

  • 11ESQUERDA PETISTA

    CONJUNTURA

    Dificilmente haver como enterrar o axioma das alianas inevitveis sem o nascimento de uma nova institucionali-dade. No h como fazer esse parto, no entanto, se o governo e o PT no se em-penharem em organizar ampla mobiliza-o poltica e social de fora para dentro do parlamento.

    O assunto tampouco se resolver com a crtica moral s alianas praticadas, que incapaz de resolver os empecilhos de um governo em minoria. H motivos histricos que as justificam, alm de uma superestrutura poltica que as impem, mesmo que pudesse ser outra a relao entre acordos e hegemonia.

    Quando o PSDB se alinhou bur-guesia financeira e aceitou a funo de reorganizar o bloco de direita, na ltima dcada do sculo passado, retirou essa primazia do velho conservadorismo oli-grquico que servira de brao civil di-tadura.

    As correntes desse campo foram se despedaando e se entrelaando, for-mando ou reforando uma mirade de partidos sem projeto de pas, que sobre-vivem defendendo sua clientela local. O prprio PMDB, no qual ainda persistem lderes de estofo progressista, encontrou espao como principal esteio de oligar-quias regionais ou grupos paroquiais que no expressam um programa nacional-mente unificado.

    Esse processo criou um campo de centro cujo balizamento uma mescla de fisiologia e localismo. Muitos de seus personagens tm histria na direita mais frrea. Outros colaboraram na resistncia democrtica. Trata-se de um amlgama poltico-ideolgico gelatinoso, dividido em muitos partidos. Mas ainda com im-portantes ativos eleitorais.

    O neoliberalismo, na poca de Fer-nando Henrique Cardoso, somente pode governar e compor maioria atraindo esse

    centro. Quando o PT chegou ao governo, deparou-se com a mesma equao. A al-ternativa era ser decepado por um con-glomerado de centro-direita que, no en-saio de sua formao, quase ameaou a sobrevivncia do governo Lula, em 2005.

    A questo, enfim, que no se pode imaginar a ultrapassagem de uma barreira real a partir de uma fantasia principista. Ou passar a enxergar, na ne-cessidade, virtude. Est na reforma po-ltica o principal desafio para retirar os obstculos que constrangem o desenvol-vimento de um bloco histrico favorvel s transformaes de raiz.

    BRENO ALTMAN jornalista e editor do site Opera Mundi

    ANNCIO

  • 12 ESQUERDA PETISTA

    As eleies de 2014 ocorrem 50 anos depois da interveno militar que apeou Joo Goulart no poder e instalou uma ditadura de 21 anos. A primeira eleio direta para a Presidncia da Repblica sob a vigncia da Constitui-o de 1988 aconteceu h 25 anos. Em 2002, 12 anos atrs, tivemos a vitria de um candidato de origem popular, filiado a um partido construdo pela classe tra-balhadora.

    So as primeiras eleies aps as Jornadas de Junho de 2013, maiores ma-nifestaes de massa do pas desde as Diretas J. Trata-se da primeira candida-tura reeleio de um segundo mandato dado a um partido, ou seja, a primeira eleio em que existe a possibilidade de um mesmo partido reeleger dois candi-datos em sequncia, completando, em caso de vitria, 16 anos frente do poder central por via eleitoral.

    A terra arrasada encontrada por Lula em 2003 permitiu melhorias nas condies de vida da classe trabalhadora

    BAIXA POLTICA, altos interesses

    Eduardo Nunes Loureiro Flvio Batista do Nascimento

    sem alterao das estruturas da socieda-de. Foi o que possibilitou a valorizao do salrio mnimo, a poltica de financia-mento s empresas, que gerou empregos e permitiu a reduo do desemprego de 12% a 5% nos ltimos 12 anos, possibili-tando o surgimento de uma nova clas-se trabalhadora.

    Quando Lula deixa o governo, em 2010, sua poltica est no auge: cresci-mento de mais de 7%, renda em alta, de-semprego em baixa, nenhuma convulso social. Reelege sua sucessora, estreante em disputas eleitorais, Dilma Rousseff, ministra durante os oito anos em que o PT comandara o governo central at ali.

    Ao assumir um governo em alta, a cobrana sobre a figura de Dilma, que no tinha o histrico poltico e social de Lula, tambm teve o mesmo nvel. Afi-nal, tratava-se da sucessora de um presi-dente que havia feito dois governos bem avaliados pela populao, num crescen-te, ou seja, segundo sua percepo, o se-gundo melhor que o primeiro.

    Contudo, a ausncia de reformas estruturais, agravada pela crise inter-nacional -- que minava as exportaes -- limitava as movimentaes de Dilma para um mandato melhor que o ltimo de Lula. Comeou seu governo contin-genciando o oramento, cortando verbas sociais, e dando um aumento ao sal-rio mnimo menor que o desejado pelas Centrais Sindicais.

    Se comeou com o p direito, em seguida fez um dos movimentos mais arrojados de sua administrao: com-prou a briga com os rentistas, reduzindo as taxas de juros dos bancos pblicos e a taxa bsica SELIC. Em seu governo, esta atingiu o nvel mais baixo desde o incio do Plano Real -- 8,75%.

    Esta seria a senha para o retor-no dos investimentos produtivos, reto-mando a produo interna e mantendo o crescimento sustentvel por meio do aquecimento do mercado interno, certo?

    Errado. Os investimentos em am-pliao produtiva no foram os deseja-

    A terra arrasada encontrada por Lula em 2003 permitiu melhorias nas condies de vida da classe trabalhadora sem alterao das estruturas da sociedade

    CONJUNTURA

  • 13ESQUERDA PETISTA

    dos com a reduo dos juros. O aumento da renda e a reduo do exrcito de re-serva com a gerao de empregos faz com que as taxas de lucro do empresariado se-jam menores. Portanto, expandir os ne-gcios, mesmo com dinheiro barato, no eleva esta margem.

    A soluo do governo: iseno de impostos, o que tambm no deu muito certo. Os capitalistas repuseram os lucros minorados com o aumento da massa sa-larial, mas tambm se recusaram a inves-tir. Isso fez com que a gerao de empre-gos fosse de baixo valor agregado, ou seja, por mais que os nveis de desemprego estejam em patamares baixos, tambm baixa a qualidade deste emprego, o que no ajuda na expanso do PIB, por exem-plo -- embora existam empregos e estes estejam com a renda crescente.

    As categorias mais organizadas, como os servidores pblicos federais, reivindicam melhores salrios, pois a in-flao -- resultado do aumento do poder aquisitivo e da baixa capacidade produti-va -- comea a comer seus rendimentos

    e a baixar a qualidade de vida que recu-peraram aps oito anos. O governo, pres-sionado pela arrecadao quase estanque devido ao baixo crescimento, reluta em dar aumento de salrios. As categorias comeam a entrar em greve.

    Alm disso, as paralisaes no se-tor privado tambm comeam a pipocar, pelos mesmos motivos. Antes raras, e resguardadas por um enorme contingen-te de desempregados, as greves tornam--se frequentes, mesmo entre aqueles que no se encontram filiados aos sindicatos. No ano de 2012, depois de 15 anos, as greves do setor privado so maiores, em quantidade, que as do setor pblico.

    As grandes corporaes de mdia pressionam pelo aumento de juros como soluo final e nica para o problema in-flacionrio. Por mais que haja luta con-trria da classe trabalhadora, o governo cede e inicia nova srie de aumentos da taxa SELIC.

    Os juros altos, somados poltica de supervit primrio e reduo da ar-recadao por efeito das isenes e redu-

    As grandes corporaes de mdia pressionam pelo aumento de juros como soluo final e nica para o problema inflacionrio. Por mais que haja luta contrria da classe trabalhadora, o governo cede e inicia nova srie de aumentos da taxa SELIC

    CONJUNTURA

  • 14 ESQUERDA PETISTA

    es tributrias de incentivo produo privada, reduzem a capacidade de inves-timento do Estado. O pouco que existe segue no sentido de viabilizar grandes obras de infraestrutura -- tambm como incentivo ao chamado capital produtivo.

    Isso faz com que os servios mais utilizados pela populao no dia a dia --transporte, segurana e sade p-blicos, principalmente -- paream, aos olhos de quem melhora suas condies de consumo, como se piores estivessem. Em muitos casos, a falta de investimen-

    tos do Poder Pblico realmente fez com que eles se deteriorassem, deixando a distncia relativa entre a percepo da populao sobre a qualidade dos servi-os ainda maior.

    As movimentaes organizadas em diversas capitais do pas contra o aumento das passagens do transporte coletivo -- um dos servios mais mal avaliados pela populao -- bem como a violncia com que a Polcia Militar re-primiu os protestos, fez emergir a insa-tisfao latente da populao com este

    conjunto de coisas. Soma-se a elas, a realizao da Copa das Confederaes -- uma amostra do que seria a Copa do Mundo no ano seguinte (investimen-to em estdios, remoo de populaes prximas s obras etc.)

    Esta conjuntura, que gerou uma das maiores mobilizaes populares da histria do pas, e um ascenso da luta de massas -- mesmo que ideologicamente confuso -- , com algumas poucas modi-ficaes, a mesma conjuntura que temos em 2014 para as eleies.

    At o momento, existem nove pr-candidatos a presidente dos seguintes partidos: PT, PSDB, PSB/Rede, PSC, PSOL, PV, PCB, PSDC e PRTB. Tambm devem lanar candidatos o PSTU e o PCO

    CONJUNTURA

  • 15ESQUERDA PETISTA

    Os candidatos

    At o momento, existem nove pr-candidatos a presidente: Dilma Rou-sseff (PT), Acio Neves (PSDB), Eduar-do Campos (PSB/Rede), Pastor Everal-do (PSC), Randolfe Rodrigues (PSOL), Eduardo Jorge (PV), Mauro Iasi (PCB), Jos Maria Eymael (PSDC) e Levy Fid-lix (PRTB). Ainda no se colocaram como candidatos, mas provavelmente partici-paro do pleito, PSTU e PCO.

    DILMA ROUSSEFF enfrenta uma encruzilhada. Seu mandato de conti-nuidade, mas as condies do perodo Lula no existem mais. Dilma no parece mais ter margem de manobra para conti-nuar avanando sem mexer na estrutura tributria, por exemplo. Tampouco con-seguir acabar com o dficit habitacional por meio de programas como o Minha Casa, Minha Vida, sem enfrentar a ciran-da da especulao imobiliria. No vai conseguir ampliar a reforma agrria se no tratar os ruralistas como adversrios. Vai reduzir a capacidade de investimento nos servios pblicos, se no exigir con-trapartidas sociais para cada iseno e re-duo de tributos.

    Seu principal aliado institucional, o PMDB, cada vez mais voraz na busca por espao no governo -- leia-se: cargos e ministrios. Cargos estes que no avan-am um milmetro na direo program-tica por ns almejada. O lder do PMDB na Cmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ), age como lobista de grandes conglomerados, como no caso da votao do Marco Civil da Internet, por exemplo, contrariando os interesses do governo. Ao mesmo tempo, este setor do PMDB no se limita ao fisiologismo: articula um discurso programtico, que o aproxima das candidaturas oposicionistas.

    Dilma tem, sua frente, trs op-es: seguir com a frmula atual, cada vez mais desgastada e mostrando cada vez menos sadas; buscar o apoio popu-lar para implementar as reformas que o Brasil precisa -- a comear pela reforma poltica; ou aprofundar a ligao com o empresariado, abandonando paulatina-mente o programa e as diretrizes do Par-tido dos Trabalhadores.

    Sobre isto, vale a pena analisar o caso do Mais Mdicos: lanado no se-gundo semestre de 2013, contra todo o aparato miditico e boa parte do poder econmico do pas, alm de enfrentar uma das categorias profissionais mais unidas e organizadas do Brasil, o progra-ma aprovado por mais de 80% da po-pulao brasileira. Uma boa pista sobre o caminho a seguir.

    ACIO NEVES, senador mineiro do PSDB, at o momento, segundo to-das as pesquisas de opinio publicadas, o principal candidato de oposio. Um dos poucos a ter diretrizes de programa de governo, sob o ttulo Para mudar de verdade o Brasil Confiana, cidadania e prosperidade.

    Praticamente um libelo contra o atual governo, o documento informa acacianamente que ir continuar com as coisas boas e acabar com as coisas ruins, sempre ressaltando que as benesses so resultados das bases que os tucanos cria-ram entre 1995-2002 e as mazelas so criaes do petismo de 2003 at hoje.

    Batem na tecla do autoritarismo, tentando col-lo ao atual governo, mes-mo sem identificar onde. Buscam tratar a presidente como incompetente e m gestora, atribuindo-se a eles mesmos os exemplos de boa gesto. Buscando alguma identidade com as Jornadas de Junho, as diretrizes tucanas foram a

    mo, tentando transformar as reivin-dicaes em antipetistas e antigoverno, ignorando o sentido antimercado do que se pedia nas ruas (mais Estado e mais democracia), assim como ignorando que houve queda da popularidade de pra-ticamente todos os governantes. Alm disso, o carter antipartidrio das mani-festaes era uma de suas caractersticas mais marcantes.

    As diretrizes tucanas fazem insis-tente comparao do pas com uma em-presa. A palavra eficincia seguida de Estado repetida vrias vezes no do-cumento. Em nova tentativa de dialogar com os manifestantes do ano passado, repete por vrias vezes que necess-rio investimento nos servios pblicos. Ao mesmo tempo, diz que o Estado no deve se meter onde no necessrio, ressaltando trs pontos essenciais: sa-de, educao e segurana. Dos cinco de-dos da campanha de FHC em 1994, trs eram exatamente estes.

    Partindo do princpio que o pro-grama coerente, se ele defende Estado mais enxuto -- chega a propor o corte dos ministrios pela metade, mesmo sem apontar quais -- e maior investi-mento em servios pblicos, alm de menor carga tributria -- diferentemen-te do que o PSDB praticou em seus oito anos de presidncia -- a nica sada para resolver este dilema a oferta de servi-os pblicos por entes privados, em que o cidado arca com o custo do servio. Ou seja: privatizao.

    Por fim: o programa de Acio acu-sa o atual governo de no estar inserido no mundo. Em clara crtica poltica externa, diz que o Brasil deixou de se re-lacionar com pases de primeiro mun-do em detrimento de pases perifri-cos e ditaduras autoritrias, apontando isto como sendo uma das causas da que-

    CONJUNTURA

  • 16 ESQUERDA PETISTA

    da verificada em nossa balana comer-cial. Em nenhum momento lembrado que estamos na pior crise do capitalismo desde 1929. H a defesa velada de um imperialismo verso Amrica Latina, sempre alinhado com os interesses esta-dunidenses.

    EDUARDO CAMPOS, governador de Pernambuco de 2007 ao comeo de abril deste ano, o candidato apresen-tado pelo PSB, partido aliado do PT em 1989, 1994 e 1998, mas que disputou com candidatura prpria a eleio de 2002 e no fez parte da coligao petista no primeiro turno em 2006.

    Campos integra chapa bicfala com Marina Silva. Uma aliana sob cer-tos aspectos surpreendente -- que a todo o momento explicada no programa sistematizado -- atravs da qual PSB e REDE querem ser os herdeiros do legado do governo federal dos ltimos anos.

    Reconhecem as mudanas im-portantes vividas pelo Brasil, mas so categricos: O modelo poltico atual de-monstra seu esgotamento pela profun-da contradio entre a incapacidade de inovao e de renovao das instituies polticas e o interesse geral da sociedade, com seu manifesto desejo de mudanas. Trata-se de um modelo paralisante da energia social..

    As propostas da candidatura se organizam em cinco eixos temticos: Estado e democracia de alta intensida-de, Economia para o desenvolvimento sustentvel, Educao cultura e ino-vao, Poltica social e qualidade de vida e Novo urbanismo e o pacto pela vida. Seu diagnstico pode ser sinteti-zado em dois temas: excluso social e ausncia de sustentabilidade.

    Com base nesses dois grandes problemas apontados, vo busca de so-lues: o Estado mobilizador, um con-

    junto de aes criativas de dilogo para vencer a paralisia do Poder Pblico no cenrio atual; a economia de baixo car-bono como a garantia de uma economia criativa e sustentvel; e, para radicalizar na poltica, uma reforma que acontece-ria com a democracia digital, que, por meio das redes sociais, ampliaria a par-ticipao do cidado no que concerne a poltica pblica.

    A aliana no nega, de modo al-gum, os avanos dos ltimos 12 anos. Tem como ponto de partida a herana do PT -- mais especificamente do lulis-mo. Uma espcie de candidatura tuca-na mais camuflada e ainda menos clara em termos de programa poltico. Afinal, no diz explicitamente o que deseja para o Brasil. Apenas que deseja mudana com renovao, por meio de uma alian-a esquizofrnica, entre uma presunta ecologista e um autodeclarado desenvol-vimentista, repetindo o mesmo modelo pragmtico que tanto criticam da polti-ca tradicional.

    PASTOR EVERALDO se considera como uma das novidades desta eleio e uma pedra no sapato da presidenta Dilma. Ele aparece aps a polmica ges-to do Pastor Marco Feliciano, seu cor-religionrio, frente da Comisso de Di-reitos Humanos e Minorias (CDHM) da Cmara dos Deputados.

    O pastor Everaldo (PSC) se diz assumidamente reacionrio. contra o aborto, a unio homossexual, a favor da reduo da maioridade penal e contra a liberao das drogas. um dos resulta-dos concretos da campanha conservado-ra de 2010, principalmente no segundo turno. Estreia nas pesquisas j em situ-ao de empate tcnico com Eduardo Campos, bem mais badalado e com mais tempo de TV que ele. Tem nos evangli-cos sua principal base eleitoral.

    Cabe ao PT se esforar para que a eleio presidencial

    de 2014, uma das mais emblemticas

    dos ltimos anos, no seja decidida

    com baixa discusso poltica, de forma

    rasa, o que poderia ser desastroso

    para o futuro da classe trabalhadora

    brasileira

    CONJUNTURA

  • 17ESQUERDA PETISTA

    EDUARDO JORGE, ex-petista, ex--secretrio do governo Kassab na cidade de So Paulo, tambm pr-candidato presidncia da Repblica. As diretri-zes do programa de Eduardo Jorge (PV) seguem a linha de tentar o dilogo com aqueles que pretendem votar nulo nas eleies. Propem medidas radicais, que dialogam com o sentimento antipoltico, como reduo do nmero de parlamen-tares e de seus gabinetes e regalias, a legalizao das drogas e do aborto, a implantao de conselhos da cidade no lugar de vereadores, bem como a ex-tino do salrio deles, a implementa-o do voto facultativo distrital misto -- metade dos eleitos em lista, metade por distritos, alm de um novo plebiscito por parlamentarismo. Tambm defende a austeridade fiscal de Itamar Franco, seguida por PSDB e PT, incluindo a res-ponsabilidade ambiental.

    LEVY FIDLIX (PRTB) e JOS MARIA EYMAEL (PSDC) so can-didatos em praticamente todas as elei-es presidenciais, basicamente como forma de manter seus pequenos espa-os, seja qual for o governo.

    RANDOLFE RODRIGUES, um dos mais ferrenhos opositores de Dilma no Senado, acompanhante frequente das oposies de direita nas votaes e nos argumentos, ser o candidato do PSOL, continuando assim na linha inaugurada por Heloisa Helena, em 2006: a crtica moralista e que busca surfar nas matrias contrrias ao go-verno federal que saem na grande im-prensa.

    ESQUERDA DO PT, temos pelo menos trs partidos com possibilidades legais de lanar candidatura prpria ou fazer parte de uma coligao.

    O PCB sustenta, como seu grande contato com a conjuntura atual, o lema No vai ter Copa, apostando que a mo-bilizao popular durante o evento ser grande a ponto de impedi-lo. Centra seu programa nas crticas ao governo federal e na sua incapacidade de se diferenciar daqueles que o antecederam. Seu candi-dato, at o momento, o professor uni-versitrio MAURO IASI.

    Menos radical no discurso, o PSTU carrega o lema Na Copa vai ter luta, como uma espcie de resignao de que o evento vai acontecer, queiram ou no -- mas vo resistir. Carregam um discurso apocalptico, como se Dil-ma fosse uma representante militar que ocupa o posto de presidenta ilegitima-mente e que comanda o pas com total desrespeito s liberdades individuais. Tratam os petistas como traidores e ide-ologicamente de direita.

    O PCO, das Jornadas de Junho at hoje, tem mudado o seu discurso: trata os governos encabeados pelos petistas como traidores, mas reconhecem que o PT um smbolo da classe trabalhadora e que atacado pelas grandes corpora-es de mdia e pelos partidos de opo-sio por ser um partido identificado com a esquerda. Ao contrrio de outros, parece ocupar-se primeiro do combate direita do que do combate ao PT.

    Concluso

    As eleies 2014 so o centro da ttica, mas at o momento no esto no centro das atenes dos eleitores. Se-gundo uma das mais recentes pesquisas IBOPE, 56% dos eleitores tem pouco ou nenhum interesse na eleio, e cerca de 30% declara a inteno de votar branco, nulo ou no sabe em quem votar.

    Para que isto mude, ser necess-rio um debate eleitoral polarizado, pol-

    tica, ideolgica e programaticamente. As diretrizes divulgadas at agora no apon-tam nesse sentido. Noutras palavras: as eleies de 2014 sero decisivas para os rumos do Brasil, mas o debate presiden-cial pode no estar altura disto.

    Acio Neves trata todos os pro-blemas do pas como uma questo de incompetncia e vcio ideolgico, deixando transparecer em seu programa o desejo de um Estado Mnimo subser-viente aos interesses estadunidenses. Eduardo Campos/Marina querem ser os herdeiros de todo mundo, pegando tudo de bom que todos fizeram e acabando com o que ruim -- sem apontar como.

    Quem aposta claramente numa polarizao so candidatos que at agora tm 3% ou menos da inteno de votos, como Pastor Everaldo (conservador), Eduardo Jorge (liberal-progressista) e os de ultra esquerda (Randolfe Rodrigues, Mauro Iasi, PSTU, PCO).

    Cabe ao PT se esforar para que a eleio presidencial de 2014, uma das mais emblemticas dos ltimos anos, no seja decidida com baixa discusso poltica, de forma rasa, o que poderia ser desastroso para o futuro da classe traba-lhadora brasileira.

    EDUARDO NUNES LOUREIRO dirigente do Setorial Nacional de Direitos Humanos do PT

    FLVIO BATISTA DO NASCIMENTO membro do Diretrio Estadual do PT - Gois

    CONJUNTURA

  • 18 ESQUERDA PETISTA

    Nos marcos dos 50 anos do golpe mili-

    tar, vrias heranas do perodo tm sido questionadas em manifestaes de pro-testo e no debate pblico. O desenho do atual sistema poltico, que teve na Cons-tituinte de 1987-1988 um momento deci-sivo, foi um desses legados da transio conservadora que marcou o fim da dita-dura militar no pas.

    Passados mais de 25 anos da pro-mulgao do texto constitucional, mo-vimentos sociais e partidos de esquerda retomam a luta por uma constituinte ex-clusiva e soberana para mudar o sistema poltico e realizaro um plebiscito popular sobre o tema no ano de 2014. Para avan-armos na democratizao do pas e na re-alizao de uma reforma poltica estrutu-ral ser preciso superar obstculos impos-tos desde o processo constituinte anterior.

    Em 2011, a sexta edio da Revista Perseu, do Centro Srgio Buarque de Ho-landa da Fundao Perseu Abramo, reu-niu um conjunto de documentos (O PT e a Constituinte, 1985-1988), relativos atuao do partido no processo consti-

    tuinte. So resolues de encontros parti-drios, boletins, notas da bancada, artigos e entrevistas que permitem uma viso representativa das disputas travadas pelo campo democrtico e popular no perodo.

    Estes documentos indicam que a questo da constituinte, presente nas re-solues do Encontro Nacional Extraor-dinrio do PT (1985), comea a se dese-nhar desde a campanha das Diretas. Des-de o ato de convocao, a Constituinte foi marcada por forte tenso entre as foras polticas que sustentavam uma consti-tuinte tutelada pelos interesses das elites e do regime anterior e a atuao do mo-vimento social, da esquerda e dos setores progressistas por um novo texto constitu-cional que representasse os interesses das maiorias populares.

    Alm disso, o processo constituin-te de 1987-1988 se daria em meio ao en-tulho autoritrio da ditadura, como a manuteno da Lei de Segurana Nacio-nal, as leis e decretos do Pacote de Abril de 1977, a imposio da Lei da Anistia em 1979 e a derrota da emenda das eleies diretas em 1984.

    Na poca, partidos e movimentos sociais do campo democrtico e popu-lar se mobilizavam por uma Assemblia Constituinte livre, democrtica e sobe-rana, com seus membros sendo elei-tos para elaborar a nova constituio e funcionamento separado do Congresso Nacional. No entanto, prevaleceria a pro-posta de emenda constitucional enviada pelo ento presidente Jos Sarney, que concedia aos parlamentares eleitos em 1986 poderes para elaborar a prxima constituio, acumulando a dupla funo de congressistas e constituintes.

    Neste mesmo ano, o PT elegeria 16 deputados e deputadas constituintes. A bancada petista, liderada por Luiz Incio Lula da Silva (SP), era composta ainda por Benedita da Silva (RJ), Eduardo Jor-ge (SP), Florestan Fernandes (SP), Gu-mercindo Milhomem (SP), Irma Passoni (SP), Joo Paulo (MG), Jos Genoino (SP), Luiz Gushiken (SP), Olvio Dutra (RS), Paulo Delgado (MG), Paulo Paim, Plnio de Arruda Sampaio (SP), Virglio Guimares (MG), Vitor Buaiz (ES) e Vla-dimir Palmeira (RJ).

    CONJUNTURA

    Retomar a LUTA CONSTITUINTE Bruno Elias

    Passados mais de 25 anos da promulgao do texto constitucional, movimentos sociais e partidos de esquerda retomam a luta por uma constituinte exclusiva e soberana para mudar o sistema poltico

  • 19ESQUERDA PETISTA

    Reconhecendo desde o incio os li-mites do congresso constituinte, o 4 En-contro Nacional do PT (1986) aprovara um plano de ao poltica para a Cons-tituinte que considera como fundamen-tal a mobilizao de massas no perodo. Num contexto de lutas sociais, a Consti-tuinte abriria espao para temas de inte-resse dos trabalhadores, como os direitos que limitem a propriedade, em especial a pro-priedade da terra rural e urbana; o problema da dvida externa, a partir da reviso da ordem econmica; a questo da prpria democracia, em relao qual se devero propor medidas que tomem real a participao popular no po-der, inclusive atravs da criao de conselhos populares, de medidas que representem uma efetiva descentralizao e desconcentrao do poder poltico, hoje em mos do Executivo.

    Para tanto, o mesmo Encontro rea-firmava a ousada proposta de apresentar um projeto global de constituio, dele-gando Comisso Executiva Nacional a sistematizao de um projeto do PT que levasse em conta as propostas j existen-

    tes, como a elaborada pelo jurista Fabio Konder Comparato (Muda Brasil) e as sugestes da Comisso Constitucional do PT, coordenada por Marco Aurlio Garcia.

    Nos temas relativos ao sistema po-ltico, O Projeto de Constituio da Repblica Federativa Democrtica do Brasil optou pela forma presidencial de governo, pela abo-lio do sistema bicameral com extino do Senado Federal, pela manuteno do sistema eleitoral proporcional e pelo voto em listas partidrias pr-ordenadas. Indi-

    cava ainda a possibilidade de alistamento eleitoral aos 16 anos e a livre organizao poltica e partidria.

    No Congresso, a Constituinte inicia seus trabalhos em 1 de fevereiro de 1987 e durante 583 dias se torna uma signifi-cativa arena da disputa poltica no pas. A mobilizao da sociedade foi uma marca do perodo, presente nas concorridas au-dincias pblicas, na atuao parlamen-tar da esquerda, na participao destaca-da dos fruns Pr-Participao Popular na Constituinte e na coleta de mais de 12 milhes de assinaturas das 122 emendas populares apresentadas.

    Por outro lado, a coalizo de parti-dos e polticos que sustentavam a Nova Repblica articularia durante a Consti-tuinte um bloco poltico que ficou conhe-cido como Centro, que atuou tanto em reao s conquistas da esquerda e dos movimentos sociais como para frear a radicalizao da luta democrtica e das reivindicaes dos trabalhadores.

    Com esta ofensiva das classes do-minantes, mesmo com alguns avanos na rea social, a verso consolidada do texto constitucional do Congresso foi recebida pelo PT como uma proposta conservado-ra, especialmente na ordem econmica e nos temas da reforma agraria, reforma urbana, papel das foras armadas, estru-tura da propriedade e desnacionalizao da economia.

    Diante disso, o PT decide vo-tar contra o texto, exatamente porque entende que, mesmo havendo avanos na Constituinte, a essncia do poder, a essncia da propriedade privada, a essncia do poder dos militares con-tinua intacta nesta Constituinte. Embora te-nha votado contra o projeto, o PT assinou a Constituio promulgada em 5 de ou-tubro de 1988, entendendo este ato como um cumprimento formal da participao do partido na Constituinte.

    CONJUNTURA

    Embora tenha votado contra o projeto, o PT assinou a Constituio promulgada em 5 de outubro de 1988

    a

  • 20 ESQUERDA PETISTA

    A Constituio de 1988 previa en-tre suas disposies transitrias uma revi-so constitucional e um plebiscito sobre o sistema de governo dali a cinco anos. Em 1993, o presidencialismo vence o plebisci-to sobre sistema de governo e no mesmo perodo, o PT e outros partidos e movi-mentos sociais se manifestam contrrios reviso constitucional. Com a derrota da Frente Popular nas eleies presidenciais de 1989 e o avano do neoliberalismo no pas, a Constituio tambm passa a ser alvo do processo de retirada de direitos e dos tempos de Estado Mnimo, por meio de sucessivas emendas.

    Ao longo de todos esses anos, vrias iniciativas de reformas do sistema poltico foram tentadas sem sucesso no mbito do legislativo e do executivo. Com a chegada de Lula presidncia em 2003, renova-ram-se essas expectativas de mudanas. Em 2009, o ex-presidente chegou a pro-por, por meio do Ministrio da Justia, uma reforma poltica ao Congresso que contemplava propostas como a lista fe-chada, o financiamento pblico exclusivo, a proibio de coligaes nas eleies para deputado e a fidelidade partidria.

    Em 2007, durante o seu 3 Congres-so, o PT defende que a reforma poltica no pode ser um debate restrito ao Congresso Nacio-nal, que j demonstrou incapaz de aprovar me-didas que prejudiquem os interesses estabelecidos dos seus integrantes. Ademais, setores conserva-

    dores do Congresso pretendem introduzir medi-das como o voto distrital e o voto facultativo, de sentido claramente conservador. O Partido dos Trabalhadores defende que a reforma poltica deve ser feita por uma Constituinte exclusiva, livre, soberana e democrtica..

    No mesmo documento, o Partido avanava em alguns dos temas conside-rados estratgicos no debate da reforma, como a convocao de plebiscitos para decidir questes de grande alcance nacional; a simpli-ficao das formalidades para proposio de iniciativas populares legislativas; a convocao de consultas, referendos e/ou plebiscitos em te-mas de impacto nacional; o Oramento Parti-cipativo; a correo das distores do pacto fede-rativo na representao parlamentar; a reviso do papel do Senado, considerando o tempo de mandato, a eleio de suplentes e seu carter de cmara revisora; a fidelidade partidria, o fi-nanciamento pblico exclusivo de campanhas eleitorais, o voto em lista pr-ordenada, o fim das coligaes em eleies proporcionais; o fim da reeleio para todos os cargos majoritrios a partir das prximas eleies; e a proibio do exerccio de mais de trs mandatos consecutivos no mesmo cargo.

    Em 2013, a luta por mudanas no sistema poltico ganhou novo flego no contexto das jornadas de junho e julho. Diante das mobilizaes do perodo, a presidenta Dilma Rousseff props a con-vocao de um processo constituinte es-pecfico para a reforma poltica como um

    dos cinco pactos nacionais apresentados populao.

    A reao proposta da presiden-ta provoca no Congresso Nacional a re-tomada de iniciativas conservadoras de reforma do sistema poltico. Dentre estas a PEC 352/2013 que, a despeito da posi-o contrria do Partido dos Trabalhado-res e da sua bancada, tem como relator o deputado Cndido Vaccarezza (PT-SP) e rene retrocessos como a manuteno do financiamento empresarial, do voto nominal e a incluso de uma modalidade de voto distrital. No mesmo perodo, or-ganizaes populares assumiram a reali-zao de um plebiscito popular e a pauta da constituinte do sistema poltico, como parte de uma luta mais ampla por refor-mas democrticas e populares no pas.

    Como se v, a mobilizao social por uma constituinte no comeou por agora e nem se encerrar em setembro, com a realizao do plebiscito popular. Ao enfrentar a privatizao da poltica e lu-tar pela ampliao da democracia direta, da participao popular e da representa-o poltica dos trabalhadores, o campo democrtico e popular enfrenta nos dias de hoje as mesmas foras polticas que resistiram s conquistas populares na constituinte de 1987-1988.

    BRUNO ELIAS da executiva nacio-nal do PT

    CONJUNTURA

    A mobilizao de amplos setores por uma constituinte no comeou por agora e nem se encerrar em setembro, com a realizao do plebiscito popular

  • 21ESQUERDA PETISTA

    No de agora -- a cultura socialista tem histria -- que o debate em torno da transio ao socialismo passa pela aplicao de

    certo capitalismo de Estado, que valorize a solidariedade entre as naes, a funo social da propriedade, o planejamento e o mercado interno, desprivatizando o fun-do pblico e incorporando a sociedade ci-vil no processo decisrio governamental.

    Na atual conjuntura, entretan-to, para superar o subdesenvolvimento e a dependncia herdada da ditadura, fundamental avaliar os impactos da cri-se econmica internacional, bem como entender as contradies que impedem o crescimento da economia brasileira e que retardam a implantao do programa democrtico-popular, no contexto da dis-puta poltica para aprovar a reforma tri-butria (progressiva), a reforma da mdia (democrtica) e a reforma poltica (finan-ciamento pblico das eleies).

    Em particular, considerando o au-mento recente da taxa de juros e os en-cargos financeiros da dvida interna, que acabam reduzindo objetivamente a taxa de investimento, tanto no parque indus-

    trial quanto na infraestrutura, a forma-o bruta de capital fixa (FBCF) se torna uma varivel estratgica para a retomada do desenvolvimento e para o combate da desigualdade.

    Esse indicador mede a produo fsica da indstria de bens de capital, da construo civil e do volume de importa-es de mquinas e equipamentos, indi-cando se a capacidade produtiva do pas est crescendo. Estimada a partir das Contas Nacionais Trimestrais do IBGE, a taxa de investimento (FBCF/PIB) subiu de 15,3% em 2003 para 18,4% em 2013, ndice menor do que aquele alcanado no ano de 2010 (19,5%).

    Apesar desse avano observado no governo Lula e Dilma, segundo o profes-sor Wilson Cano, ns tnhamos a oitava indstria de transformao do mundo, que perfazia 1/3 do PIB. Hoje, entretanto, apesar do alargamento do crdito privado, os dados apontam para uma participao de somente 13%, configurando, para ele, um processo de desindustrializao da economia, danosa para nosso mercado interno e para nossa pauta de exportao.

    Desse modo, sem descuidar da in-flao, para tornar vivel o crescimento do investimento, seria necessrio assegu-rar uma poltica fiscal anticclica, criando,

    RENEGOCIAR a dvida internaCarlos Octvio Ock-Reis

    O Partido dos Trabalhadores deve propor a

    adoo de medidas econmicas

    para fortalecer a capacidade

    produtiva do pas, criando as bases

    institucionais para o governo Dilma continuar

    desconcentrando renda, apostando

    no pleno emprego e universalizando as

    polticas sociais

    PROGRAMA

    O Brasil vai ter de lidar com a dvida interna de outra maneira FHC, Primeira Leitura, julho 2004

  • 22 ESQUERDA PETISTA

    a um s tempo, pr-condies favorveis para o investimento privado associado a um esforo de expanso tambm do lado pblico, onde o Estado (governos, bancos e fundos de penso) assumisse a respon-sabilidade direta por tal deciso.

    Entretanto, alguns fatores ainda dificultam a implantao dessas medi-das, pois, no atual quadro da correlao de foras, elas poderiam ferir pesados interesses dos setores rentistas dentro e fora do Brasil:

    (i) segundo o conceito de dvida l-quida, a dvida representou 33,8% do PIB em dezembro de 2013. Apesar dessa rela-tiva estabilidade e do montante das reser-vas internacionais (US$ 375, 8 bi), o esto-que da dvida no pode ser menospreza-do, em especial porque a dvida externa total alcanou US$ 485,1 bi ano passado;

    (ii) aparentemente as contas ex-ternas esto sob controle, embora tenha havido um aumento do dficit em tran-saes correntes em 2013 (US$ 81,4 bi). Alm de fragilizar a balana de pagamen-tos, para bancar esse dficit, caso o inves-timento estrangeiro direto no o financie, a taxa de juros passa a funcionar como instrumento para atrair capital estrangei-

    ro, estabelecendo um crculo vicioso, pois boa parte dos recursos vem para obter re-tornos financeiros com a alta dos juros na rolagem da dvida interna;

    (iii) a privatizao acelerou o pro-cesso de desnacionalizao da economia brasileira, ampliando os gastos com re-messas de lucros, juros, assistncia tcni-ca e importaes, mecanismo que refora a tendncia do dficit em transaes cor-rentes e por sua vez pressiona a elevao da taxa de juros;

    (iv) as dvidas dos estados e mu-nicpios cresceram significativamente, sofrendo uma pesada restrio fiscal, por meio do seu pagamento e da Lei de Res-ponsabilidade Fiscal.

    Precisamos reduzir a taxa de juros real, mas se os obstculos mencionados acima devem ser enfrentados no plano es-tratgico, uma mediao possvel, visando elevar a taxa de investimento e expandir a demanda agregada, seria alongar o prazo mdio da dvida interna, reduzir os con-tratos em dlar e mudar o indexador do passivo de estados e municpios.

    Com esse objetivo, o governo fede-ral deve renegociar a dvida interna em bloco com o capital financeiro, a partir de um conjunto de aes coordenadas entre o Banco Central e os bancos pblicos, a Procuradoria-Geral da Fazenda, o BN-DES, os fundos de penso institucionais e a prpria Receita Federal do Brasil.

    CARLOS OCTVIO OCK-REIS tcnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da Democracia do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (DIEST/IPEA)

    Sem descuidar da inflao, para tornar vivel o crescimento do investimento, seria necessrio assegurar uma poltica fiscal anticclica

    CONJUNTURA

  • 23ESQUERDA PETISTA

    Poltica e comunicao de massa -- isto , comunicao em es-cala que ultrapassa largamente o pessoal ou coloquial -- andam juntas h sculos.

    Basta lembrar que ao longo da grande Revoluo Francesa, iniciada em 1789, surgiram para disputar a opinio dos cidados centenas de jornais polticos, como relata o historiador Robert Darn-ton. Nas dcadas de 1930 e 1940 o uso intensivo do rdio como arma de seduo poltico-ideolgica caracterizou regimes fascistas, como o de Hitler, ou assemelha-dos, como o Estado Novo de Vargas. Na segunda metade do sculo a TV tornou--se o mais poderoso meio de persuaso poltica, especialmente em pases como o Brasil, midiacentrados1, ou seja, orga-nizados em torno de um vasto sistema nacional de mdia cruzada, que envolve redes nacionais e regionais de TV e rdio.

    As classes dominantes brasileiras tm alternado fases de dominao pela via do Terrorismo de Estado (Repblica Velha, Estado Novo, governo Dutra, Di-tadura Militar) e fases de dominao por consenso fabricado, ou hegemonia, como a vivida desde 1985. Nesta ltima fase, tem sido central o papel desempenhado no Brasil pelos meios de comunicao de massa, para o exerccio dessa hegemo-nia da grande burguesia. Vale mencionar o fogo de artilharia dessas mdias em defesa do Plano Real e de todas as ideias--fora do neoliberalismo. A chegada do Partido dos Trabalhadores ao governo em 2003, com a vitria de Lula (e depois a de Dilma), abalou essa hegemonia, sem destru-la, porm. Os governos de coali-zo diluem o protagonismo do PT e em-baralham as aes contra-hegemnicas da esquerda.

    H uma clara percepo do prota-gonismo poltico dos grandes conglome-rados de mdia. Eles prprios assumem

    ostensivamente tal papel, ao criticar abertamente as debilidades dos partidos polticos de direita (em especial as do PSDB) e os erros por estes cometidos no exerccio da oposio aos governos petistas. No campo da esquerda, h uma tendncia a subestimar a influncia atual desses conglomerados, derrotados tanto nas trs ltimas eleies presidenciais (2002, 2006, 2010) como, pontualmente, em diferentes disputas entre esquerda e direita. O caso do programa federal Mais Mdicos emblemtico. Por outro lado, parte da esquerda considera que a demo-cratizao propiciada pela Internet, na qual brotaram milhares de dispositivos contra-hegemnicos (blogues e portais) e redes sociais que servem como plata-formas de mobilizao para movimentos, feriu de morte o oligoplio miditico ca-pitaneado pelo imprio Globo.

    bom lembrar, contudo, que esse oligoplio se funda na propriedade cruza-da, o que lhe d grande poder econmico

    Ainda espera das MDIAS CONTRA-HEGEMNICAS

    Pedro Estevam da Rocha Pomar

    PROGRAMA

    O Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP) da Mdia Democrtica o instrumento que unifica, neste momento, a maior parte dos setores que lutam pela democratizao dos meios de comunicao, o que inclui o maior partido governista, que o PT

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    e poltico. Vale dizer, os grupos empresa-riais de mdia se fazem presentes nos di-ferentes segmentos do setor: TV aberta, TV por assinatura, emissoras de rdio, jornais, revistas, Internet, agncias de notcias, distribuidoras etc. (No caso da Globo, estamos falando de um conglo-merado que envolve tambm a produo de filmes, discos e livros, bem como a participao em empresas de telecomu-nicao -- e que faturou R$ 14,6 bilhes em 2013, com lucro lquido de R$ 2,5 bilhes). Alm disso, os conglomerados que constituem o oligoplio aliam-se a monoplios regionais e locais, de manei-ra que possuem expressiva capilaridade.

    O modo como a mdia hegemnica agendou e dirigiu por controle remoto o julgamento da AP 470 no Supremo Tri-bunal Federal, transformando o episdio, fraudulentamente, no maior escndalo de corrupo da histria do pas, conquis-tando condenaes exemplares e depois comemorando-as sem disfarce, bem como a campanha udenista que vem conduzin-do com algum sucesso, destinada a con-vencer a sociedade de que -- contra todas as evidncias -- a corrupo alcanou n-veis epidmicos nas ltimas gestes fe-derais, repem a necessidade urgente de pensar a questo da comunicao no pro-jeto nacional da esquerda combativa.

    Nas ltimas eleies o PT celebrou alianas imediatistas e sem princpios com foras conservadoras, como o PP de Maluf, apenas para ganhar um ou dois minutos a mais de exposio no horrio eleitoral gratuito. No se preocupou em tomar iniciativas de desconstruo da hegemonia exercida cotidianamente pelo oligoplio miditico, o qual no apenas procura solapar qualquer avano polti-co, social e cultural expressivo em nosso pas, como atua continuamente para re-produzir a ideologia e os valores culturais do capitalismo.

    Neste texto procuraremos rese-nhar os movimentos mais recentes do governo e do PT no setor de mdia, com a finalidade de contribuir com o deba-te do tema e com a eventual elabora-o de iniciativas contra-hegemnicas.

    Centro-esquerda. J tivemos oportunidade de discorrer, ainda que en passant, sobre os efeitos da estratgia de centro-esquerda na poltica de comuni-cao do Partido dos Trabalhadores. No mbito mais geral dessa concepo pol-tica -- que afinal de contas uma estra-tgia de conciliao de classes -- prevale-ceu a viso de que seria sempre possvel negociar espaos e linhas de abordagem com os donos dos aparatos miditicos. De que seria sempre possvel contar com o esprito democrtico e a boa vontade des-se patronato esclarecido, civilizado pela prpria natureza desse setor econmico2. Por que, ento, declarar-lhes guerra, criando meios prprios de comunicao capazes de lhes fazer frente?

    Ao assumirem ao governo central em 2003, Lula e o PT carregavam consi-go essa viso. Ainda no primeiro ano do mandato, o Presidente da Repblica de-cretou trs dias de luto nacional por oca-sio da morte de Roberto Marinho, o todo--poderoso senhor do imprio Globo, alia-do e beneficirio da Ditadura Militar, bem como dos governos Sarney, Collor e FHC, e inimigo figadal da classe trabalhadora. A crise de 2005-2006, derivada do escnda-lo do mensalo, quase resultou em um golpe de Estado branco contra Lula, mas no foi suficiente para arrancar do torpor em matria de comunicao nem o gover-no, nem a maioria moderada que dirige o partido. Como agravante, o governo con-tinuou financiando -- por meio de farta publicidade e propaganda -- os meios de comunicao de massa hegemnicos, o imprio Globo frente. Mais ainda: o go-verno no se disps sequer a fiscalizar o poderoso setor da radiodifuso (TV e r-dio), onde sempre grassaram diversas ir-regularidades, visveis a olho nu.

    PROGRAMA

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    Em 2007, contudo, algo comeou a mudar. Lula criou a Secretaria de Co-municao Social (SCS) da Presidncia da Repblica, com status ministerial, para conduzir a comunicao do governo e en-carregar-se da criao de um aparato p-blico de TV. Em seguida, convidou o jor-nalista Franklin Martins, que trabalhava na TV Bandeirantes depois de haver sido demitido da TV Globo (onde dirigia, com independncia profissional intolervel para os patres, a importante sucursal de jornalismo de Braslia), nomeando-o mi-nistro da SCS. Logo seriam criadas, por meio da lei 11.652/2008, a Empresa Bra-sileira de Comunicao (EBC, que incor-porou a antiga estatal Radiobrs) e a TV Brasil, primeira emissora pblica nacio-nal de televiso.

    Um gesto notvel, sem dvida. Histrico, certamente, embora anuncia-do com todas as reservas, quase acom-panhado por um pedido de desculpas aos senhores do oligoplio, o que no evitou os ataques criao da TV Brasil. Editorial da Folha de S. Paulo, por exem-plo, considerou o projeto uma fantasia, definindo a nascente emissora como TV manipulvel, paga com impostos, mas sem controle pblico sobre contedo e gastos, e que nasce com pouco de BBC e muito do velho Brasil3.

    De qualquer modo, a TV Brasil vi-ria a enfrentar brutais limitaes. Em So Paulo, estado mais populoso e industriali-zado do pas, sede das principais empresas de mdia, a recm-nascida emissora dis-pe to-somente do longnquo espectro situado nas faixas 62 analgica e 63.1 di-gital4. Os melhores canais estavam e esto em mos privadas -- e o governo no se disps a rever as concesses para garan-tir um canal melhor para a TV Brasil. Em diversas outras regies do pas o alcance do sinal da emissora apresenta problemas, como relatado pela Ouvidoria da EBC5.

    O financiamento da TV Brasil e de-mais mdias do grupo pblico tambm se mostrou problemtico. A lei 11.652/2008 definiu 12 diferentes fontes de receitas para a EBC (dotaes oramentrias, prestao de servios, publicidade insti-tucional etc.), instituindo, entre elas, a Contribuio para o Fomento da Radio-difuso Pblica, e destinando EBC no mnimo, 75% da arrecadao correspon-dente. Mas at o incio de 2014 a EBC vi-nha deixando de receber os recursos da Contribuio, porque as operadoras de telecomunicao (as teles) questiona-ram judicialmente o recolhimento e de-positam os valores em juzo desde 2009. O montante j de cerca de R$ 1,4 bilho nominais6.

    Uma das teles, a TIM, decidiu finalmente deixar de depositar em juzo e passou a recolher a Contribuio para o Tesouro Nacional e a Agncia Nacional de Telecomunicaes (Anatel). A EBC, um ente federal, viu-se na situao ka-fkiana de ter de negociar com outros entes federais, o Tesouro e a Anatel, a liberao de valores que lhe pertencem. Em abril de 2014, o presidente da EBC admitiu publicamente que, dos R$ 321

    milhes repassados pela TIM, somente R$ 40 milhes deveriam entrar no caixa da empresa pblica7.

    So caractersticas tpicas da condio que o jornalista e pesquisa-dor Jonas Valente designa como com-plementaridade marginal, explicando que o governo federal oscilou entre duas tendncias: a de coordenar as aes das emissoras educativas estadu-ais e a de manter um aparato prprio centralizado, e que a criao da EBC e de seu principal veculo, a TV Brasil, marcam a retomada de um projeto de TV Pblica que responde tendncia de operao de um aparato centralizado experimentado anteriormente na figu-ra da Radiobrs e absorve a lgica de rede patrocinada tendo como vrtice a TVE do Rio de Janeiro. Ainda segun-do Valente, trata-se de um projeto de cunho nacionalizante e com intenes de constituir um espao mais equilibra-do, embora no assumidamente con-tra-hegemnico. Portanto, a TV Brasil desafia a complementaridade margi-nal da TV Pblica no Brasil, mas per-manece limitada por esta condio no que tange s possibilidades de insero na concorrncia com as redes nacionais de televiso8.

    Note-se ainda que o governo re-crutou, para os postos de direo e prin-cipais chefias da TV Brasil, majoritaria-mente quadros de jornalismo formados pelo mercado e com ele sintonizados. Assim, apesar dos esforos e do entu-siasmo do jovem reportariado contra-tado por concurso pblico, em muitos aspectos a mquina e o jornalismo da TV Brasil reproduzem as prticas das redes privadas de TV. Um diferen-cial importante o Conselho Curador da EBC, o qual tem procurado dialogar com a sociedade civil e os movimentos sociais, apontando e corrigindo desvios.

    PROGRAMA

    Apesar dos esforos do jovem reportariado, em muitos aspectos a mquina e o jornalismo da TV Brasil reproduzem as prticas das redes privadas de TV

    a

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    Confecom. De qualquer modo, iniciara-se a um enfrentamento entre a gesto Lula e o oligoplio miditico. O governo continuaria a sinalizar seu in-cmodo, um tanto contraditrio e amb-guo, com o status quo. Nesse contexto se d a convocao da Conferncia Nacio-nal de Comunicao (Confecom), uma iniciativa oficial da Unio, a ser prece-dida por conferncias setoriais, munici-pais e estaduais, com a finalidade de re-pensar o modelo de comunicao social vigente no Brasil. pice de um processo

    que envolveu centenas de movimentos e grupos da sociedade civil, mobilizan-do milhares de pessoas no pas todo, a Confecom realizou-se em Braslia em dezembro de 2009, com quase 900 de-legados de trs segmentos (sociedade civil, empresariado e poder pblico), os quais aprovaram 672 propostas.

    A maior parte dos grandes con-glomerados de mdia -- Globo, Record, SBT, RBS, Abril, Folha -- boicotou a Confecom, apesar das vrias concesses feitas pelo governo quanto ao formato e ao regulamento. Mas as teles, a TV Bandeirantes e a Rede TV! participaram da conferncia e disputaram palmo a palmo com a sociedade civil. Donos de pequenos jornais do interior tambm estiveram presentes. Por imposio do governo, os trs segmentos contaram com idntico nmero de delegados, e propostas relativas a temas declara-dos sensveis exigiam aprovao por maioria qualificada de votos (o que des-cartou a validao de diversas propostas majoritrias)9. Os resultados finais da Confecom foram apreciveis, diante das dificuldades, no apenas por seu sim-bolismo, mas pela qualidade das deli-beraes. Mas de 2009 aos dias de hoje a nica das propostas aprovadas enca-minhada pelo governo foi o Marco Civil da Internet, aprovado pela Cmara dos Deputados em maro de 2014.

    Permanecem no limbo propostas como a 417, de criao do servio de Internet Banda Larga, a ser prestado em regime pblico, por meio de diver-sas tecnologias, com metas de universa-lizao do acesso, metas de qualidade, controle de tarifa e garantia de continui-dade, acesso esse previsto na proposta 421 como um direito fundamental e garantido pelo Estado, o qual deve as-segurar a gratuidade do servio sempre que necessrio.

    Agncia Nacional de Telecomuni-caes (Anatel), Ministrio das Comuni-caes (Minicom) e Polcia Federal conti-nuam a ignorar solenemente a proposta 788, que prev a reparao ou anistia para os comunicadores processados e ou punidos por operarem rdios comunit-rias sem outorga.

    Igualmente deixou-se de se avan-ar na formulao de um Marco Regu-latrio das Comunicaes, que inclua as medidas democratizantes e disciplinado-ras do processo de outorgas de emissoras de rdio e TV previstas na proposta 79, ou a criao de mecanismos de fiscalizao, inclusive com aes punitivas, para emis-soras de rdio e TV que veiculem conte-dos que desvalorizem, depreciem ou estigmatizem crianas e minorias histori-camente discriminadas e marginalizadas (negros, LGBTs, comunidades de terreiro, mulheres, pessoas com deficincia, ido-sos, indgenas), preconizados pela pro-posta 199. Etctera.

    No governo Dilma, a SCS passou a ser dirigida por Helena Chagas, muito prxima da TV Globo, o que escancarou as contradies do governo no setor. Aps sua entrada, a Unio e suas estatais redu-ziram as verbas publicitrias destinadas a pequenas publicaes independentes, ao mesmo tempo em que foi reforado o financiamento da mdia hegemnica. A exonerao da ministra, no incio de 2014, foi recebida pelo oligpolio com fortes sinais de descontentamento, acu-sando assim o golpe sofrido.

    Porm, na captura do Minicom por interesses privados que se localiza a chave do bloqueio de eventuais aes contra-hegemnicas do governo fede-ral. Dilma chegou a anunciar um Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) digno desse nome, mas em seguida o ministro Paulo Bernardo, com aval da presidenta, reconfigurou o projeto, premiando as te-

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    les com bilionrias desoneraes e isen-es fiscais, alm de lhes garantir merca-do cativo e mnimas obrigaes. No ape-nas isso: o ministro brecou a reativao da Telebrs -- estatal desativada por FHC e reavivada por Lula com a finalidade de dotar o setor pblico de infraestrutura no setor das telecomunicaes -- e demitiu seu presidente, Rogrio Santanna. Desse modo foi enterrado o PNBL10.

    No tocante ao tratamento concedi-do pelo Minicom ao oligoplio miditico passou-se algo semelhante. Desde 2011, quando assumiu a pasta, Paulo Bernardo concedeu diversas entrevistas nas quais defendia, confusamente, o marco regula-trio da radiodifuso, definindo-o como mera modernizao da lei11. Com o passar do tempo, os movimentos sociais e o prprio PT, na medida em que exigiam a implantao do marco regulatrio, de-ram-se conta de que o Minicom limita-va-se a protelar a questo. Em fevereiro de 2013, o secretrio-geral do Minicom, Csar Alvarez, declarou que seria invi-vel aprovar o novo marco regulatrio no prazo deste mandato, ou seja, da pre-sidenta Dilma Rousseff, porque temos apenas um ano e meio, acrescentou, re-ferindo-se ao perodo eleitoral de 201412.

    Em maro de 2013, o Diretrio Na-cional do PT aprovou sua mais avanada resoluo sobre o tema, intitulada De-mocratizao da mdia urgente e inadi-vel13, na qual criticava a conduta do mi-nistro frente s teles e ao oligoplio mi-ditico, e pedia mudanas nas polticas do Minicom. Paulo Bernardo no se limitou a responder ao partido: em junho, decla-rou nas pginas amarelas da revista Veja, a propsito do marco regulatrio, que a militncia extrapola, e eu posso dizer que est errada. Prosseguiu: Se ela no gos-ta da capa da revista, da manchete de jor-nal, quer que eu faa a regulao. No vai ter regulao para isso14.

    Apesar da saraivada de crticas que partiram do movimento social, da Cen-tral nica dos Trabalhadores e do prprio PT ao qual Paulo Bernardo filiado, nada mudou desde ento, o que demonstra que, no essencial, a linha poltica do Mi-nicom tinha respaldo da Presidncia da Repblica. A recente aprovao do Mar-co Civil da Internet foi a nica emprei-tada poltica vitoriosa em que governo, PT e movimento pela democratizao da mdia convergiram. Enquanto na Ar-gentina o grupo Clarn teve de depor as armas, colocando venda parte de suas empresas para enquadrar-se na Ley de Medios, e na Inglaterra, bero do capita-lismo, entra em vigor um marco regula-trio para evitar abusos e manipulao do noticirio15, por aqui restam por im-plantar 671 deliberaes da Confecom. Concluso. O Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP) da Mdia Democrtica o instrumento que unifica, neste momen-to, a maior parte dos setores que lutam pela democratizao dos meios de comu-nicao, o que inclui o maior partido go-vernista, que o PT. Persiste, todavia, o antigo divrcio entre PT e comunicao de massa contra-hegemnica. Parece que ser preciso esperar pelas fortes emoes prometidas pela campanha eleitoral de 2014, para s ento presenciar alguma novidade digna desse nome. Por exem-plo, a singela aplicao do artigo 220, 5, da Constituio Federal: Os meios de comunicao social no podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monoplio ou oligoplio.

    PEDRO ESTEVAM DA ROCHA POMAR jornalista e doutor em Cincias da Comunicao. Participou da Confecom como delegado eleito pela sociedade civil de SP. militante do PT

    PROGRAMA

    Agradecimentos. A formulao deste artigo contou com a valiosa colaborao do jornalista Nelson Lin que corrigiu um equvoco pre-sente na redao original e sugeriu acrscimos enriquecedores e da jornalista Adriana Mi-randa, cujo parecer dirimiu dvidas do autor. Tambm sou grato a todos os reprteres e pes-quisadores aqui citados revelia, sem o traba-lho dos quais este artigo no seria possvel.

    NOTAS

    1 Expresso utilizada pelo pesquisador Vencio Lima.

    2 Pomar, Pedro: Os aparatos de comunicao de massa e a luta pela hegemonia no Brasil. Lutas Sociais, 19/20: http://goo.gl/mRZP0u

    3 EBC, BBC e TV Brasil, Folha de S. Paulo, 2/12/2007.

    4 Vide http://goo.gl/evhP4f.

    5 Relatrio Anual 2013, p. 24. Vide tambm recla-maes dos telespectadores sobre interrupes bruscas da programao e a fragilidade do conceito de rede da TV Brasil: http://goo.gl/XJrGNq

    6 Craide, Sabina: EBC dever receber parte dos re-cursos do Fistel retidos desde 2009. Agncia Brasil, 2/12/13: http://goo.gl/RgAA95

    7 Reportado pela jornalista Michele da Costa em sua pgina no Facebook, a propsito da participao de Nelson Breve no Congresso Nacional dos Jornalistas, em Macei.

    8 Valente, Jonas: TV Pblica no Brasil. A criao da TV Brasil e sua insero no modo de regulao setorial da televiso brasileira. Dissertao de Mestrado. UnB, 2009.

    9 Pomar, Pedro: Camaradas, eu vi, Pgina 13, 2010: http://goo.gl/GTRfsQ

    10 Gomes, Rodrigo: Ex-presidente da Telebrs: Bernardo acabou com o PNBL.Viomundo, 7/9/13: http://goo.gl/6vLZDe

    11 Sacchitiello, Barbara: Marco regulatrio no censura. Meio&Mensagem, 20/6/12: http://goo.gl/zmg86b

    12 Secretrio acha que marco regulatrio das co-municaes ter dificuldades para avanar. Portal EBC, 20/2/13: http://goo.gl/7j25cx

    13 http://goo.gl/bo23Lm

    14 Eugnio Bucci, ex-presidente da Radiobrs, saiu em defesa do ministro. Pomar, Pedro: Bucci e Paulo Bernardo, almas gmeas? no Escrevinhador, 25/3/13: http://goo.gl/jzXIOz

    15 Imposto por governo e parlamento na esteira dos crimes cometidos por jornais do grupo de Ru-pert Murdoch.

  • 28 ESQUERDA PETISTA

    A rtigos e reportagens recentes tm criticado a Poltica Externa Brasileira (PEB) de-senvolvida pelo governo Dilma Rousseff, em parte mo-vidos pela campanha eleitoral deste ano, que extra-ofi-cialmente j se iniciou, pelo menos para a mdia, e em parte para pressionar o governo a adotar uma agenda neoliberal no tocante ao comrcio exterior.

    Neste aspecto, os crticos, muitos ligados opo-sio ao governo, defendem o abandono do Mercosul enquanto Unio Aduaneira, substituindo-a por uma zona de livre comrcio, alm de pressionarem pela assi-natura de tratados bilaterais de livre comrcio, primei-ro com a Unio Europeia, para em seguida retomar as negociaes de uma nova Alca com os Estados Unidos. O artigo na revista The Economist de 22 de maro de 2014, sobre a PEB do governo Dilma, explcito neste sentido e tem havido vrios pronunciamentos empre-sariais que corroboram estas posies, como o artigo do ex-embaixador e hoje assessor da FIESP, Rubens Bar-bosa, no jornal O Estado de So Paulo, em 25 de maro de 2014. O interessante que alguns crticos da PEB atual, como o prprio ex-embaixador, a comparam com a poltica externa altiva e ativa do governo Lula que outrora criticavam duramente e agora elogiam para ar-gumentar que a PEB da presidenta Dilma inerte.

    Por outro lado, h a percepo de pessoas de outros setores sociais que teria havido uma inflexo na poltica externa do atual governo, em comparao

    PINGOS NOS ISKjeld Jakobsen

    Aprofundar a integrao do continente fundamental, assim como retomar a presso pela reforma dos organismos do sistema internacional

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  • 29ESQUERDA PETISTA

    com a poltica dinmica dos dois mandatos do presidente Lula. No entanto, ao darmos a devida dimenso a esta comparao, verificamos que h continuidade da poltica e com muitos aspectos positivos no governo Dilma.

    Em primeiro lugar, no correto comparar-mos uma poltica desenvolvida durante oito anos com a atual, que foi implementada durante pouco mais de trs. Em segundo lugar, a poltica exter-na altiva e ativa de Lula destacou-se e contrastou sobremaneira com a poltica dos governos que o antecederam, particularmente Collor e FHC, que possuam concepes de insero subordinada na globalizao. Ao governo Dilma coube dar segui-mento e consolidar as iniciativas adotadas entre 2003 e 2010 e no necessariamente abrir novas frentes. Terceiro, o governo atual promoveu cortes no oramento para lidar com as conseqncias da crise econmica mundial, particularmente a guer-ra cambial, o que afetou todos os ministrios, in-clusive o Itamaraty. E, por fim, no menos impor-tante, os dois governantes em questo tm estilos diferentes de atuao poltica, tanto internamente quanto no exterior.

    Isto posto, podemos registrar vrios movi-mentos e resultados importantes da PEB atual, a comear pela atitude firme com que o governo brasileiro e demais pases do Mercosul reagiram ao golpe que destituiu o presidente Fernando Lugo do governo do Paraguai e lidaram com o ingresso da Venezuela como membro permanente do blo-

    co, caminho a ser seguido agora pela Bolvia, cuja adeso j foi aprovada pelo Senado uruguaio. No tocante integrao continental e formao de blocos internacionais, o governo Dilma tem forta-lecido a UNASUL, CELAC e os BRICS e por meio deles tem se posicionado de forma altiva frente a questes cruciais da conjuntura internacional, como as intervenes externas na Lbia, Sria e Ucrnia, bem como em relao recente tentativa golpista na Venezuela.

    No tocante s relaes bilaterais no conti-nente destacam-se a ateno dada Argentina, Uruguai e Cuba no continente latino-americano, alm da participao da presidenta em pratica-mente todas as cpulas dos BRICS, CELAC, UNA-SUL e Mercosul.

    Quando foi revelada a espionagem contra o governo brasileiro pela Agncia de Segurana Na-cional (NSA) americana, a presidenta no hesitou em cancelar a visita oficial aos EUA e denunciar o ocorrido nos diversos fruns nos quais partici-pou posteriormente como, por exemplo, na aber-tura da Assembleia Geral da ONU, em 2013. Por iniciativa brasileira realizar-se- uma Conferncia Internacional sobre a Governana da Internet em abril prximo e a lei, de iniciativa do governo, que a Cmara dos Deputados acaba de aprovar sobre este tema, poder se tornar uma referncia para este debate.

    Nas disputas pelo preenchimento de car-gos relevantes nas Organizaes Internacionais, o

    A poltica externa altiva e ativa de Lula destacou-se e contrastou sobremaneira com a poltica dos governos que o antecederam, particularmente Collor e FHC, que possuam concepes de insero subordinada na globalizao

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  • 30 ESQUERDA PETISTA

    governo tambm tem se sado bem com as eleies de: Jos Graziano para Diretor Geral da FAO, Roberto Azevedo para Dire-tor Geral da OMC e Paulo Vannuchi para a Comisso Interamericana de Direitos Humanos, alm de ter apoiado a candi-datura vitoriosa de um sindicalista ingls, Guy Ryder, para Diretor Geral da OIT. No h dvida que estas vitrias decorrem das polticas e relaes construdas des-de 2003, mas o atual governo conduziu as campanhas eleitorais dos candidatos brasileiros com eficincia.

    Na Conferncia Rio + 20 sobre De-senvolvimento Sustentvel, que tendia a no aprovar nada de relevante, alm de uma polmica posio sobre economia verde que no final no passou, o governo brasileiro assegurou que houvesse uma re-soluo que gerasse algumas aes concre-tas e que permitisse levar o debate adiante, alm de ter facilitado a realizao da Cpu-la dos Povos e de ter adotado um proces-so de dilogo correto com as organizaes

    sociais, coordenado na poca pelo embai-xador Luis Alberto Figueiredo, atual mi-nistro de relaes exteriores. Alis, o atual ministro agora tambm abriu um dilogo com vrias organizaes da sociedade civil para discutir a criao de um mecanismo de relacionamento permanente com a so-ciedade sobre a poltica externa. Mecanis-mo este que o Grupo de Reflexo sobre Relaes Internacionais (GR-RI) reivindica que seja um Conselho de Poltica Externa Brasileira e no um foro.

    Enfim, a PEB continua altiva e ati-va e deu continuidade s iniciativas de Lula, embora seja necessrio reconhecer que ainda h muito que fazer diante da atual conjuntura que tambm mudou, em comparao com o perodo 2003 - 2010. A ofensiva neoliberal hoje mais forte haja vista a poltica de austeridade defendida pelos europeus e a chantagem das agn-cias de rating contra o Brasil que, como bem disse o professor Luiz Gonzaga Be-luzzo, so meras estelionatrias, mas que

    querem determinar nossos nveis de infla-o, de impostos, de crescimento econ-mico e de gastos pblicos a favor do inte-resse das corporaes internacionais.

    Aprofundar a integrao do conti-nente fundamental, assim como retomar a presso pela reforma dos organismos do sistema internacional. O Itamaraty neces-sita continuar se equipando e preencher as vagas existentes em diversos postos di-plomticos no exterior. E o governo deve resistir presso dos livre cambistas que querem fechar acordos de livre comrcio a qualquer custo, como o do Mercosul, com a Unio Europeia, que inclui itens como investimentos, propriedade intelectual e compras governamentais que no tm nada a ver com comrcio.

    De qualquer modo no temos por-que temer este debate na campanha elei-toral.

    KJELD JAKOBSEN diretor da Fundao Perseu Abramo

    PROGRAMA

    RELAES BILATERAIS: destacam-se a ateno dada a Argentina, Uruguai e Cuba no continente latino-americano, alm da participao da presidenta em praticamente todas as cpulas dos BRICS, CELAC, UNASUL e Mercosul

  • 31ESQUERDA PETISTA

    N as escolas se ensina

    que a estrutura do Estado dividida em trs poderes -- Executivo, Legislativo e Judicirio--, cabendo ao Poder Judici-rio fazer Justia, palavra carregada de conotaes positivas. Todos conhecem, alis, a esttua da deusa grega Tmis representando a Justia, carregando uma balana e com os olhos venda-dos. Mas a experincia demonstra que a Justia no cega nem equilibrada. Seja porque as leis so favorveis aos interesses de uma minoria, seja porque o processo judicirio caro e cheio de meandros inacessveis ao cidado co-mum, seja porque os que julgam tm interesse de classe, o fato que a jus-tia realmente existente uma justia de classe, inclusive quando se autopro-clama a guardi do Estado Democrti-co de Direito.

    Num Estado fortemente constitu-do segundo os interesses da classe eco-nomicamente dominante, o Poder Judici-rio coloca-se geralmente como um legi-timador das desigualdades reais, quando sob o manto de uma suposta atuao im-parcial, assegura uma igualdade que s existe formalmente, na letra da lei.

    Assim, o Judicirio assume o as-pecto de defesa dos interesses burgueses, na medida que a burguesia exerce o poder poltico do Estado diretamente, atravs do governo ou parlamentos, ou indiretamen-te, atravs da presso exercida pelas estru-turas econmicas (finanas, mdia etc.).

    A prevalncia dos interesses do poder econmico nas decises judiciais se d pelo prprio ordenamento jurdico, pela estrutura do Estado e do Poder Ju-dicirio, pela composio elitista de seus membros e pela corrupo.

    O ordenamento jurdico, resultado do processo poltico, consolida o estado de desigualdade social, ao garantir o di-reito de propriedade da minoria benefi-ciria da acumulao histrica, ao passo que mantm o estado de excluso de grande parte da populao.

    A estrutura do Poder Judicirio, historicamente moldada de forma a aten-der os interesses econmica e politica-mente dominantes da sociedade, perma-nece, no presente, com as caractersticas fundamentais de uma Justia distante e de difcil acesso para a populao desfa-vorecida.

    O alto custo do processo, o difcil acesso Justia gratuita, a insuficiente estrutura da defensoria pblica e o des-conhecimento jurdico da populao so entraves fundamentais ao acesso da po-pulao Justia. Permanecem tambm

    Democratizao do PODER JUDICIRIO

    Andr Vieira

    PROGRAMA

    A prevalncia dos interesses do poder econmico nas decises judiciais se d pelo prprio ordenamento jurdico, pela estrutura do Estado e do Poder Judicirio, pela composio elitista de seus membros e pela corrupo

  • 32 ESQUERDA PETISTA

    as caractersticas aristocrticas do Judici-rio, como a linguagem excessivamente rebuscada, os formalismos desnecess-rios e a opulncia opressora dos fruns e tribunais. A adoo de smbolos religio-sos nas dependncias do Poder Judicirio tambm incompatvel com a pluralida-de e o carter laico do Estado.

    A composio do Judicirio, bem como o processo de constituio de suas cpulas diretivas e administrativas, tam-bm se caracteriza por um perfil elitista e segregador, por razes histricas. Embo-ra constitudo, em seu quadro funcional, pela magistratura (juzes) e demais servi-dores da rea jurdica e tcnico-adminis-trativa, to somente uma pequena par-