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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DEPARTAMENTO DE LETRAS S I N T A X E Prof. Eduardo Kenedy (com base na apostila ROTEIROS DE LINGÜÍSTICA III, do prof. Dr. Humberto Peixoto Menezes, UFRJ) 1 o período de 2008

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

DEPARTAMENTO DE LETRAS

S I N T A X E

Prof. Eduardo Kenedy

(com base na apostila ROTEIROS DE LINGÜÍSTICA III, do prof. Dr. Humberto Peixoto Menezes, UFRJ)

1o período de 2008

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SUMÁRIO I - Programa de Lingüística III 3 II- A NGB nas Gramáticas escolares 4 III - NGB - Texto resumido 5 IV - NGB - termos da oração 6 V - A Gramática Gerativa 7 VI - Gramática Universal e aquisição da linguagem 10 VII - A forma da gramática 16 VIII - O conceito de estrutura 21 IX - A estrutura sintática 24 X - Teoria X-Barra 33 XI - Léxico e Teoria Temática 39 XII - Movimento, Estrutura Profunda e Estrutura Superficial 44 XIII - Teoria do Caso 49 XIV - Teoria da Ligação 54 XV - Pequeno glossário de termos gramaticais 57 XVI - Exercícios 62 XVII - Bibliografia 69

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I - PROGRAMA DE SINTAXE

1- A sintaxe nas gramáticas escolares do português

2- Conceitos básicos de gramática gerativa

1.1- Gramática Universal e Aquisição da Linguagem

1.2- Competência e Desempenho

1.3- Gramaticalidade e Aceitabilidade

1.4- Léxico e Sintaxe

1.5- Teoria Temática e Estrutura Argumental

1.6- Unidades Sintáticas e Teoria X-Barra

2.4- Estrutura Profunda e Estrutura Superficial

2.5- Regência e Teoria do Caso

2.6- Regras de Movimento

2.7- Teoria da Ligação

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II- A NGB NAS GRAMÁTICAS ESCOLARES

A terminologia adotada nas gramáticas escolares do português se baseia na

Nomenclatura Gramatical Brasileira, elaborada por gramáticos e filólogos eminentes e

publicada em 1959. Desde então, o ensino de gramática nas escolas passou a adotá-la, o

que dava aos professores a garantia de que um determinado conceito gramatical passaria

a ser nomeado sempre da mesma maneira, o que não acontecia antes, pois um mesmo

conceito podia receber mais de uma denominação, criando problemas para professores

e alunos. Exemplo típico é o do complemento nominal, que tinha as seguintes

denominações: objeto nominal (Maximino Maciel), complemento restritivo (Carlos

Góis), complemento terminativo (Eduardo Carlos Pereira) e adjunto restritivo (Alfredo

Gomes).

A NGB divide a gramática em fonética, morfologia e sintaxe. Entende que o

estudo sintático deve abranger a sintaxe de concordância, a sintaxe de regência e a

sintaxe de colocação e classifica os termos sintáticos segundo a função exercida na

oração. Assim, a análise de uma determinada sentença leva em conta essencialmente a

função sintática de seus termos (sujeito, predicado, predicativo, complemento verbal,

complemento nominal, adjunto adverbial, etc), desconsiderando quase sempre a

constituição interna de cada um deles. Por isto, pode-se dizer que a doutrina sintática

adotada pela NGB considera as funções sintáticas como a base para o conhecimento da

estrutura da oração e do período. As limitações desta concepção de sintaxe serão

discutidas no decorrer do curso.

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III - NOMENCLATURA GRAMATICAL BRASILEIRA

(Texto resumido)

Divisão da Gramática: Fonética, Morfologia e Sintaxe FONÉTICA I- A Fonética pode ser: Descritiva, Histórica, Sintática II- Fonemas: vogais, consoantes e semivogais MORFOLOGIA A Morfologia trata das palavras: a) quanto a sua estrutura e formação; b) quanto a suas flexões; e c) quanto a sua classificação. I- A estrutura das palavras: raiz, radical, tema afixo (prefixo e sufixo), desinência

(nominal e verbal), vogal temática, vogal e consoante de ligação, e cognato. II- Formação das palavras: derivação, composição e hibridismo. III- Flexão das palavras: quanto a sua flexão, as palavras podem ser variáveis e invariáveis. IV- Classificação das palavras: substantivo, artigo, adjetivo, numeral, pronome, verbo, advérbio, preposição, conjunção e interjeição. SINTAXE I- Divisão da Sintaxe: a) de concordância (nominal e verbal); b) de regência (nominal e verbal); c) de colocação II- Análise Sintática Da oração 1- Termos Essenciais: sujeito e predicado Sujeito: simples, composto, indeterminado, oração sem sujeito Predicado: nominal, verbal, verbo-nominal Predicativo: do sujeito e do objeto Predicação verbal: verbo de ligação, verbo intransitivo e verbo transitivo (direto e indireto) 2- Termos integrantes da oração: complemento nominal, complemento verbal ( objeto direto e indireto) e agente da passiva. 3- Termos acessórios da oração: adjunto adnominal, adjunto adverbial e aposto Vocativo Do Período 1- Tipos de período: simples e composto 2- Composição do período: coordenação e subordinação 3- Classificação das orações: absoluta, principal, coordenada (sindética e assindética) e subordinada (substantiva, adjetiva e adverbial)

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IV - NGB - TERMOS DA ORAÇÃO

1- Termos essenciais Sujeito Paulo saiu Saímos. Derrubaram algumas árvores. Vive-se bem aqui. Predicado Paulo [viu o menino]. Paulo [estava triste]. Paulo [chegou cansado]. __________________________________________ (Predicativo) Joana está [triste]. Joana encontrou-o[ aborrecido]. __________________________________________ 2- Termos integrantes Complemento nominal Inspecionamos a construção [da ponte]. Complemento verbal objeto direto Construíram [a ponte]. objeto indireto Ofereceram rosas [à moça]. A moça gosta [de rosas]. Agente da passiva A armadilha foi preparada [pelo caçador]. 3- Termos acessórios Adjunto adnominal A casa [do juiz] está sendo demolida. Adjunto adverbial O trem partiu [ontem]. Comemos um sanduíche [na praia]. Aposto D. Pedro I, [Imperador do Brasil], proclamou a Independência. Vocativo [Pedro], venha cá!

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V - A GRAMÁTICA GERATIVA

No estruturalismo, a língua era concebida como um sistema de unidades e

relações, cujas características dependiam essencialmente de sua natureza coletiva,

social. Saussure expõe claramente tal concepção no seguinte trecho do Curso de

Lingüística Geral:

“Mas o que é a língua? Para nós, ela não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos.” (Saussure, CLG, p. 17) Além de conceber a língua como um produto social, os estruturalistas não

pretendiam dedicar-se ao estudo da faculdade da linguagem. Assim, Câmara Jr.(1977, p.

24 ) se refere ao campo de estudo da lingüística:

Nem lhe interessa [à lingüística], a rigor, a linguagem em si mesma, considerada como uma faculdade abstrata do homem. O seu objeto (já aqui se frisou antes) é o estudo dos sistemas de linguagem, ou línguas, as quais podemos assim definir: “conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social, a fim de permitir o exercício da linguagem por parte do indivíduo” (Saussure, 1922, p. 25).

Deslocando o centro de interesse do social para o mental, Chomsky (1965)

passou a focalizar a língua como um tipo de conhecimento tácito, específico, o qual

todo ser humano é capaz de dominar desde os primeiros anos da infância. Estes dois

pontos de vista no estudo das línguas e da linguagem estão ilustrados no esquema

abaixo:

Esquema 1 LÍNGUA qp como produto social como conhecimento ? ? Saussure Chomsky

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Desde a publicação dos seus primeiros livros, Chomsky tem-se preocupado com

a elaboração de uma teoria lingüística que explique a natureza das línguas e da

linguagem. Para ele, a teoria lingüística apropriada deve responder às seguintes

perguntas:

a) O que constitui o conhecimento lingüístico de um falante?

b) Como esse conhecimento se desenvolve?

c) Como esse conhecimento é posto em uso?

A resposta à pergunta (a) implica a concepção de um modelo teórico que abranja

os mecanismos especificamente lingüísticos que permitem ao falante de dada língua a

produção e compreensão de todas as sentenças gramaticais da língua. Nos últimos

quarenta anos, a gramática gerativa tem evoluído bastante na sua tentativa de responder

apropriadamente à pergunta (a), tendo desenvolvido, nos anos oitenta, o modelo

conhecido como Teoria da Regência e Ligação, o qual concebe a gramática de uma

língua como um sistema formado por componentes autônomos, ou módulos. Cada um

destes módulos tem funções específicas, mas pode interagir com os demais módulos da

gramática para produzir descrições adequadas dos fatos lingüísticos. Na p. 16 da

apostila, há um esquema representativo desta concepção de gramática, com a definição

de cada um dos seguintes módulos: Teoria X-Barra, Teoria Temática, Teoria do Caso,

Teoria da Ligação, Teoria do Controle e Teoria da Regência.

Além dos módulos contendo os princípios lingüísticos gerais (Critério Temático,

Princípio de Projeção, Filtro de Caso, Princípios de Ligação, etc), este modelo de

gramática apresenta um Léxico e quatro níveis de representação da estrutura das

sentenças: Estrutura Profunda, Estrutura Superficial, Forma Fonética e Forma Lógica.

Na descrição dos fatos lingüísticos, os módulos interagem. Assim é que, para se

descrever a construção passiva, por exemplo, deve-se fazer uso da Teoria do Caso ( o

sintagma nominal fica sem Caso na posição de objeto do verbo, e, por isto, tem de

mover-se para receber caso Nominativo na posição de sujeito), da Teoria Temática (a

posição de sujeito da passiva não recebe papel temático na Estrutura Profunda) e da

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regra de Movimento de SN. A análise da sentença passiva A casa foi assaltada está

esboçada na p. 33.

A resposta à pergunta (b) [como esse conhecimento se desenvolve?] está associada ao

estudo da aquisição da linguagem pela criança. Este processo de aquisição é concebido

pelos gerativistas como dependendo essencialmente de mecanismos lingüísticos

biologicamente determinados, com os quais toda criança conta ao nascer. Assim, ao

entrar em contato com o ambiente lingüístico circundante, a criança ativa tais

mecanismos, e, após um período de tempo relativamente curto, passa a dominar a

gramática de sua língua (Cf. os textos de Pinker e Langacker, bem como o esquema da

p. 14 . Tal concepção de aquisição da linguagem se relaciona à visão de que a mente

humana é composta de módulos, sendo a faculdade da linguagem um destes módulos. O

termo usado pelos gerativistas para designar o conjunto inato de mecanismos

lingüísticos é Gramática Universal (v. Pinker, p. 10).

Resumidamente, pode-se dizer que o processo de aquisição da linguagem, na

visão gerativista, depende mais do organismo (mente/cérebro) do que do ambiente, isto

é, grande parte dos mecanismos lingüísticos é fornecida pelo organismo (hipótese do

inatismo), e o papel do ambiente é, essencialmente, o de ativar estes mecanismos

durante o período em que a criança adquire sua língua materna. No esquema da p. 14,

representa-se o processo de aquisição como concebido pelos gerativistas.

Encerrando este breve comentário sobre a Gramática Gerativa, valho-me das

palavras do próprio Chomsky (1980, edição brasileira, p. 9 ):

Por que estudar a linguagem? Há muitas respostas possíveis e, ao focalizar algumas delas, não pretendo, é claro, depreciar outras ou questionar sua legitimidade. Algumas pessoas, por exemplo, podem simplesmente achar os elementos da linguagem fascinantes em si mesmos e querer descobrir sua ordem e combina;cão, sua origem na história ou no indivíduo, ou os modos de utilização no pensamento, na ciência ou na arte, ou no intercurso social normal. Uma das razões para estudar a linguagem - e para mim, pessoalmente, a mais premente delas - é

a possibilidade instigante de ver a linguagem como um “espelho do espírito”, como diz a expressão tradicional. Com isto não quero apenas dizer que os conceitos expressados e as distinções desenvolvidas no uso normal da linguagem nos revelam os modelos do pensamento e o universo do “senso comum” construídos pela mente humana. Mais instigante ainda, pelo menos para mim, é a possibilidade de descobrir, através do estudo da linguagem, princípios abstratos que governam sua estrutura e uso, princípios que são universais por necessidade biológica e não por simples acidente histórico, e que decorrem de características mentais da espécie.

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VI - GRAMÁTICA UNIVERSAL E AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

Entrevista com o psicolingüista norte-americano Steven Pinker publicada na Folha de São Paulo em 05/01/97 Pergunta - O que o sr. quer dizer com o “instinto” da linguagem? Resposta - É claro que não estou me referindo à capacidade de falar inglês ou francês, mas a capacidade inata da espécie humana de adquirir e utilizar a linguagem. Já se descreveu a linguagem como uma faculdade psicológica, um órgão mental, um sistema neurológico. Prefiro o termo - meio fora de moda - instinto. Quer dizer, as pessoas falam como as aranhas tecem sua teia. A tecedura da teia não foi inventada por um gênio desconhecido e não depende de uma boa educação. As aranhas tecem as teias porque elas têm um cérebro de aranha, que lhes dá a pulsão de tecer e a competência para fazê-lo. Do mesmo modo, uma criança de berçário sabe implicitamente mais sobre a linguagem do que o computador. E é assim com todos os seres humanos, inclusive os jogadores de futebol, célebres por maltratar a sintaxe, e os adolescentes do “e aí ?” O conceito de “instinto” pode parecer chocante para aqueles que pensam que a linguagem é o ápice do intelecto humano e que os instintos são pulsões brutas como as que levam os pássaros a fazer ninhos ou a voar para o sul. Mas ter instinto não quer dizer necessariamente que você vá agir como um autômato. Meu argumento é que a linguagem é como a fome ou o sexo. Como nesses casos, não se compreendem as regras mas não é possível impedir que elas tenham efeitos sobre nós. Quando falo de regras da linguagem não estou me referindo às regras aprendidas na escola, mas a uma espécie de programa para a linguagem, colocado no cérebro. Como explicar que uma criança adquira a linguagem tão rapidamente senão pela hipótese de que o cérebro tem ligações para apreender certas estruturas e realizar certas operações? É o que Chomsky chamou de “gramática universal”. Isso posto, não aceito a oposição entre inato e adquirido. O aprendizado não é mágico, não ocorre no ar, no vazio. É preciso um circuito inato, uma máquina de aprender. Pergunta - Se a linguagem é um instinto, por que as crianças levam mais de dois anos para falar? Resposta - Em primeiro lugar, porque o cérebro não está pronto. Os bebês humanos nascem antes de estarem prontos. Se eles ficassem no útero proporcionalmente tanto tempo como os outros primatas, eles não sairiam antes de 18 meses - a idade com a qual as crianças começam a falar. Em um certo sentido, pode-se dizer que os bebês falam desde o nascimento. Uma grande parte das ligações cerebrais é feita depois do nascimento: o número de conexões entre os neurônios aumenta até a idade de quatro anos. Por outro lado, o aprendizado é essencial à linguagem, pois ela é um código que deve ser partilhado. Esse

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período permite sincronizar a capacidade inata de linguagem com a língua falada ao redor de si. Uma gramática inata que apenas você é capaz de possuir é inutilizável. É um tango que você dança sozinho. Pergunta - Como Chomsky, o sr. diz que existe uma gramática universal. Como o sr. a define? Resposta - É a estrutura subjacente que todas as línguas têm em comum. É também o que a criança tem no espírito e que lhe permite aprender a falar. Imagine que você precisasse criar um programa de computador no qual os dados que entram são uma série de frases dos pais e o resultado é uma série de regras para utilizar a linguagem. Programador algum poderia resolver esse problema antes de alguns anos. Mas todos os bebês se viram para compreender muito rapidamente a lógica da linguagem. É por isso que deve existir um programa muito sofisticado nas suas cabeças, o qual lhes permite converter as frases que eles ouvem em conhecimento inconsciente do funcionamento da linguagem. Quando escutamos uma criança que está aprendendo a falar, pode-se observar que ela não se contenta em repetir o que ouviu - ela procura regras. Quando a criança fala de acordo com as regras da gramática não se percebe que ela faz uma análise, salta aos olhos quando a criança diz: “os pãos” em vez de “os pães”, ou “se eu isse”, em vez de “se eu fosse”. Ela utiliza uma forma não gramatical porque ela tenta aplicar uma regra. Pergunta - Se existe uma gramática universal, porque as línguas são tão diferentes? Resposta - A gramática universal é como a estrutura do corpo que podemos observar em todos os animais da mesma família. Todos os vertebrados, por exemplo, têm uma arquitetura comum: a coluna, quatro membros, um crânio. Mas todas essa partes podem definhar ou ser distorcidas de maneira grotesca. A asa de um morcego é uma mão, o cavalo trota sobre seus dedos do meio e os membros anteriores da baleia se tornaram nadadeiras. As diferenças se devem a mínimas variações na duração do desenvolvimento embrionário. O mesmo ocorre com as línguas. Mesmo quando elas parecem ser radicalmente diferentes podem ser observados os mesmos elementos estruturais - regras de sintaxe e de fonologia e alguns parâmetros cuja variação pode levar a grandes diferenças superficiais. Pergunta - Quais são as características comuns a todas as línguas? Resposta - Um ponto comum é a utilização do canal boca/ouvido. A percepção é um dos milagres biológicos desse instinto, a linguagem. Há vantagens evidentes em utilizar a boca e o ouvido e jamais se soube de grupos de pessoas que prefiram utilizar a linguagem dos sinais, mesmo ela sendo tão expressiva. A palavra não exige nem boa iluminação, nem contato face-a-face, nem monopolização das mãos e dos olhos. É

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possível gritar, para alcançar alguém distante, ou sussurrar para esconder uma mensagem. Entre outros traços comuns: um código simétrico para a produção e a percepção, palavras de sentido estável e ligadas a convenções arbritárias, categorias como os nomes e os verbos, “auxiliares”para indicar um tempo ou negação, mudanças de estrutura que permitem formular perguntas. São coisas que encontramos em todas as línguas, mas não nas linguagens artificiais, como as de computador ou na notação musical. Pergunta - Como são feitas as ligações da linguagem no cérebro? Resposta - Isso é pouco conhecido, ao contrário da visão, pois não é possível estudá-lo nas drosófilas (mosca de frutas) ou em ratos. A maior parte das informações vêm de pessoas que têm lesões neurológicas. Nós sabemos que, nos destros, a linguagem está no hemisfério esquerdo, ao longo da fissura de Sylvius. Aí é possível imaginar grupos de neurônios instalados de maneira inata. O aprendizado corresponde ao reforço de certas sinapses (conexões entre neurônios) para as regras de uma certa linguagem - as outras ficam adormecidas. Pergunta - Já foi encontrado o gene da gramática? Resposta - Há o registro de casos de famílias inteiras que têm gandes dificuldades com a linguagem, pessoas que, apesar de terem uma inteligência normal, enfrentam graves problemas com a gramática em particular. Essas pessoas são incapazes de descobrir o plural de “wug”, uma palavra inventada. Uma criança de quatro anos não tem problemas com isso. A causa dessa deficiência familiar é provavelmente genética. Isso não quer dizer de modo algum que exista UM gene de gramática, das regras da linguagem. Os genes implicados são necessariamente numerosos. Por outro lado, pode haver um gene responsável por um problema de linguagem. Esses genes talvez estruturem partes do cérebro, coordenem informações entre a boca e a memória, organizem os neurônios em redes capazes de extratir as formas gramaticais. Essas conexões nervosas tornam possível um talento extraordinário: a capacidade de transmitir um número infinito de pensamentos precisos de uma cabeça a outra modulando o ar expirado. Entenda a tese do lingüista (do “Libération”) Quando uma língua nasce ela segue as regras da gramática universal inata, segundo as teses do psicolingüista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) Steven Pinker. “A linguagem é para o homem a mesma coisa que a capacidade de fazer a teia é para a aranha. Uma pulsão que se exprime, quaisquer que sejam os obstáculos e as circunstâncias”, afirma o pesquisador. Para sustentar sua tese ele descreve o caso do crioulo (língua nativa deformada a partir da mistura e da reelaboração de outros sistemas lingüísticos) e da linguagem de sinais utilizadas pelos surdos.

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Crioulo Quando pessoas que falam línguas diferentes precisam se comunicar umas com as outras elas inventam, aos pedaços, um jargão (língua alterada ou rompida, conjunto de partes não coordenadas pela mesma estrutura), conhecido na lingüística como “pidgin” (em inglês, jargão resultante da mistura de inglês e chinês). Esse foi o caso da população das Antilhas Francesas, do Caribe inglês e do Havaí. Mas as crianças que nascem nesse ambiente “pidgin”o transformam, no espaço de uma geração, em algo completamente diferente. Ao aplicarem sobre o “pidgin” as regras da gramática universal, elas fazem com que surja um crioulo. Ao contrário do “pidgin”, o crioulo tem todas as características de uma verdadeira língua. No crioulo é possível ver claramente todas as tendências naturais da espécie humana. Iso é interessante cientificamente porque as contribuições dos filhos e dos pais são separadas. Surdos Originalmente inventadas por educadores, as linguagens de sinais são espontaneamente transformadas pelas crianças que a utilizam. Cada comunidade tem sua língua de signos. Aquela utilizada nos Estados Unidos não se assemelha nem ao inglês falado nem à linguagem de sinais britânica. Seu sistema de concordância e de conjugação se aproxima mais do navajo (grupo indígena da América do Norte) e do banto (africano). O exemplo mais recente vem da Nicarágua. Até 1979, os surdos nicaraguenses viviam isolados, sem linguagem de sinais. Com o governo sandinista, as primeiras escolas para crianças surdas foram criadas e uma língua de sinais foi inventada por educadores. “Essa primeira linguagem era, de modo geral, um “pidgin” , que é falado hoje em dia pelos mais velhos. Mas as crianças que chegaram à escola com quatro anos têm uma linguagem diferente: mais fluida, mais compacta, mais expressiva”. Os linguistas que a estudaram encontraram nessa nova linguagem dos surdos reelaborada pelas crianças instrumentos gramaticais que não existiam na linguagem inventada pelos educadores. É um crioulo, criado pelas crianças.

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ENTREVISTA CONCEDIDA POR MARTIN NOWAK

À REVISTA CIÊNCIA HOJE – JUNHO DE 2003

Falemos um pouco sobre a evolução das línguas. Como biologia e matemática podem ajudar a entender a complexidade das línguas humanas? Podemos encarar a linguagem sob diferentes perspectivas – literatura, gramática, filosofia. [O lingüista norte-americano Noam] Chomsky inventou o campo moderno da lingüística, que pretende estudar a linguagem não como material posto sobre a mesa, com sentenças e dados, mas do ponto de vista da capacidade que está no falante. Ou seja, Chomsky quer estudar a competência lingüística de uma pessoa – a língua interna ao invés da externa.Ele propõe que se faça isso matematicamente, o que deu origem a esse campo da lingüística formal. A base do trabalho de Chomsky é a relação entre biologia e linguagem, e o entendimento desta pode ser integrado ao da evolução. Mais recentemente, Chomsky tem enfatizado que sua abordagem da linguagem é biolingüística, e que a gramática universal é um produto da evolução. Chimpanzés, apesar de muito simi,ares aos homens, não têm linguagem humana. Queremos entender e descrever os princípios que diferenciam esses processos. A teoria evolutiva como foi descrita desde o início é, na verdade, uma teoria matemática. É uma descrição matemática de adaptabilidade, seleção e mutação. Queremos usar essa expressão matemática para falar da evolução da linguagem.

Como podemos definir a gramática universal? A gramática universal pode ser resumida como uma descrição de todas as línguas que podem ser aprendidas pelo cérebro humano. É impossível que o cérebro possa aprender todas as línguas que alguém venha a criar. Ele tem um grupo muito restrito de línguas que pode aprender. Uma coisa que as pessoas entendem errado nesse conceito é que as crianças não têm todas aas línguas armazenadas em seu cérebro. O que elas possuem é a capacidade de aprender todas as seis mil línguas do mundo. E essa capacidade só existe na infância? Essa é uma boa pergunta. Existe um período de aquisição da linguagem que termina em uma determinada idade. Se a criança não recebe estímulo lingüístico até essa idade, ela nunca aprenderá direito. Outra questão interessante é por que isso acontece. Não sei o número máximo de línguas que uma criança pode aprender. Mas ela pode aprender centenas facilmente. Não conheço os experimentos, no entanto. Como se pode compreender a aquisição da linguagem? O processo de aprendizado que, nos humanos, resulta na aquisição de linguagem é um processo evolutivo. A gramática universal é a maquinaria biológica que as crianças trazem para o problema de aquisição da linguagem, e se aplica a um grupo restrito de línguas que podem ser aprendidas pelo cérebro humano. Ela é uma consequência da arquitetura do cérebro, que é uma consequência dos genes. Dessa maneira, a gramática universal está relacionada aos genes.

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Uma maneira de entender o processo de aquisição das línguas é entender todas essas línguas que podem ser aprendidas pelo cérebro. Mas é preciso compreender quão importantes são os fatores codificadospelos genes, o que é muito difícil e não está resolvido. Em seguida, é preciso entender como a arquitetura determina o funcionamento. São dois problemas difíceis. A respeito da conexão entre linguagem e mente, eis as palavras do próprio Chomsky: É difícil evitar a conclusão de que uma parte do equipamento

biológico humano é um “órgão de linguagem” especializado: a faculdade

da linguagem (FL). Seu estado inicial é uma expressão dos genes,

comparável ao estado inicial do sistema visual humano.... Assim, uma

criança típica, em condições apropriadas, adquirirá qualquer língua,

mesmo com deficit severo e em “ambientes hostis”. O estado inicial

muda em razão do efeito desencadeador e modelador da experiência, e de

processos de maturação internamente determinados, obtendo estados

posteriores que parecem estabilizar-se em vários estados, alcançando,

finalmente,sua estabilidade na puberdade.

Conforme já se notou, do ponto de vista biolingüístico que me

parece apropriado ....podemos entender uma língua particular L como um

estado de FL. L é um procedimento recursivo que gera uma infinidade de

expressões. Cada expressão pode ser considerada como uma coleção de

informações para outros sistemas da mente/cérebro. A concepção

tradicional, desde Aristóteles, é que a informação se divide em duas

categorias: a fonética e a semântica; informação usada,

respectivamente, pelos sistemas sensório-motores e pelos sistemas

conceptuais-intencionais.... Cada expressão, então, é um objeto

interno consistindo de duas coleções de informações: fonéticas e

semânticas. Estas coleções são chamadas “representações” (fonéticas e

semânticas), mas não há isomorfismo estabelecido entre as

representações e aspectos do ambiente.

(Chomsky (2002)- On nature and language, Cambridge,

Cambridge University Press. Ed. Por Rizzi& Belletti)

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VII - A FORMA DA GRAMÁTICA

1- Aquisição da linguagem e gramática universal O esquema abaixo representa o processo de aquisição de uma língua pela criança. Segundo a hipótese racionalista de aquisição da linguagem, defendida pelos lingüistas gerativistas, toda criança já nasce com um equipamento biológico específico para a linguagem conhecido como faculdade da linguagem ou gramática universal. Esta é composta de princípios (são rígidos e compreendem as características comuns a todas as línguas) e parâmetros (são flexíveis, determinando a variação entre as línguas), os quais vão sendo ativados à medida que o organismo interage com o ambiente. No estágio inicial a criança tem um conhecimento tácito dos princípios e parâmetros da gramática universal. Ao entrar em contato com determinada comunidade de falantes (falantes de português, de turco, de russo, de japonês, etc), ela fixa os parâmetros pertinentes e aprende as idiossincrasias da língua, atingindo, assim, o estágio estacionário, no qual estará dominando plenamente a língua (Cf. Passos & Passos, cap. 1).

Esquema de Aquisição da Linguagem fixação de parâmetros + características de dada língua Estágio Inicial Estágio Estacionário (geneticamente determinado) Gramática Universal Gramática de dada língua (princípios e parâmetros) Princípio de Projeção Parâmetro do Núcleo idiossincrasias, empréstimos Critério Temático Parâmetro do Suj Nulo e vestígios históricos Princípio de Dependência de Estrutura

1.1- PRINCÍPIOS 1.1.1- O princípio da Dependência de Estrutura: As regras lingüísticas são sensíveis às propriedades estruturais das sentenças em que elas operam. A- Anteposição do auxiliar e do verbo to be 1)a. The letter will arrive tomorrow. b. Will the letter arrive tomorrow?

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Hipótese: antecipar o primeiro auxiliar da sentença.

Contra-exemplo: c. [The letter which I will receive] will arrive tomorrow. d. * Will [the letter which I receive] will arrive tomorrow? e. Will [the letter which I will receive] arrive tomorrow? 2)a. John is tall. b. Is John tall? c. [The man who is tall] is John.

Hipótese: antecipar a primeira ocorrência de be na sentença. Contra-exemplo: d. * Is [the man who tall] is John? e. Is [ the man who is tall] John? B- Movimento do objeto na construção passiva 1)a. Os pivetes assaltaram [a velhota]. b. [A velhota] foi assaltada pelos pivetes. 2)a. Os pivetes assaltaram [a velhota que veio de Minas]. b. [A velhota que veio de Minas] foi assaltada pelos pivetes. Obs.: Todo sintagma é uma unidade coerente e significativa da sentença. 1) [João e Pedro] trabalham juntos. 2) Maria viu [João] e [Pedro] encontrou Jorge.

1.1.2- Princípio de Subordinação: uma sentença gramatical pode-se tornar uma sentença subordinada num período composto. .

Ex.: 1) Jonas é inteligente. 2) Paulo disse que Jonas é inteligente.

1.2- PARÂMETROS 1.2.1- Parâmetro do Núcleo Há um grupo de línguas em que o núcleo precede o complemento, e outro grupo em que o complemento precede o núcleo.

Ex.: Línguas VO -- português, inglês, francês, espanhol, italiano Línguas OV -- japonês, coreano tibetano, turco

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1.2.2- Parâmetro do Sujeito Nulo Há línguas, como o português, o italiano e o espanhol, que se caracterizam pela possibilidade da omissão de um pronome na posição de sujeito; e outras, como o inglês e o francês, que têm sempre de expressar o sujeito pronominal. Ex.: 1)a. Eu tomei o sorvete. b. Tomei o sorvete. (pronome nulo na posição de sujeito) 2)a. Io compro um gelato. [italiano] b. Compro um gelato. (pron. nulo na posição de sujeito) 3)a. I buy an ice cream. [inglês] b. *Buy an ice cream.

2- A organização da gramática

O conhecimento lingüístico (competência), ou gramática internalizada, inclui informações lexicais, sintáticas, fonológicas e semânticas. A versão mais recente da Teoria dos Princípios e Parâmetros, denominada Programa Minimalista, propõe o seguinte modelo de gramática: LÉXICO ---> Informações fonológicas semânticas sintáticas (categoriais e de seleção) SINTAXE ( operações: concatenação e movimento) FORMA FONÉTICA FORMA LÓGICA Sistema Sistema articulatório-perceptual conceptual-intencional

2.1- O Léxico “Repositório de todas as propriedades (idiossincráticas) de itens lexicais individuais. Estas propriedades incluem a representação da forma fonológica de cada item, a especificação de sua categoria sintática e suas categorias semânticas”. (Chomsky e Lasnik, 1991) Entradas Lexicais LAVAR [+ V] SORRIR [+V] - informação categorial [ __SN] [ __ ] - subcategorização Jorge [lavou o carro] Jorge [sorriu]

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COMER [+V] DIZER [+V] - informação categorial

[ __ SN] [ __S] - subcategorização Jorge [comeu o sanduíche] Jorge [disse que o livro era estrangeiro] 2.2- Unidades sintáticas e concatenação a) LAVOU + [o carro] b) JORGE + [lavou o carro] a') SV b') S 3 3

V SN SN SV ! ! ! 3

lavou o carro Jorge V SN ! !

c) Jorge lavou o carro. lavou o carro

2.3- Movimento de sintagmas a) Que livro Paulo leu? b) Quem Maria conheceu na festa? c) Aquele livro foi perdido. d) Esse bolo, eu não vou comer.

3- A forma da gramática segundo a Teoria da Regência e Ligação 3.1- O modelo de gramática Representações Restrições Léxico Estrutura P <---------- Teoria-X, Teoria θ <---------------------- Mova α Princípio de Projeção Estrutura S <---------- Teoria do Caso Critério θ PCV Teoria da Ligação Teoria do controle Forma Forma Fonética Lógica Mova α -FL (v. Dillinger, 1991, p. 58)

3.2- Os módulos da gramática

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No modelo da Teoria da Regência e Ligação, a gramática é concebida como um conjunto de módulos, tendo cada um funções específicas, mas interagindo para a formação de sentenças gramaticais. São eles os seguintes: (a) Teoria X-Barra: define as configurações estruturais permissíveis dentro das sentenças. (b) Teoria-θ : trata da especificação das relações temáticas dentro das sentenças e da preservação destas relações no curso de uma derivação. (c) Teoria do Caso: determina as condições de licenciamento para constituintes que em muitas línguas se manifestam por meio da presença de marcação morfológica de caso. (d) Teoria da Ligação: determina quando um constituinte é ligado a um outro constituinte da mesma sentença por uma relação de identidade de referência. (e) Teoria do Controle: determina as relações possíveis de correferência para certos tipos de categorias vazias, especialmente para sujeitos não expressos de sentenças sem tempo. (f)Teoria da Regência: define a relação estrutural entre o núcleo de um constituinte e os constituintes que este inclui.

VIII - O CONCEITO DE ESTRUTURA

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Akmajian (1993) , p. 139-141

Em todas as línguas, as sentenças são estruturadas de modos específicos. O que é

estrutura sintática, e o que significa dizer que as sentenças são estruturadas? Como

muitas outras questões que podem ser formuladas a respeito da linguagem humana, é

difícil responder a esta questão de um modo direto. De fato, é impossível responder à

pergunta O que é estrutura? sem construir, realmente, uma teoria da sintaxe, e, de fato,

uma das preocupações centrais das teorias sintáticas correntes é dar uma resposta a esta

pergunta. Assim, deve-se acentuar que não se pode definir o conceito de estrutura antes

de se estudar sintaxe; deste modo, nosso estudo da sintaxe será uma tentativa de

encontrar uma definição (bem elaborada) deste conceito.

Para começar, adotaremos a seguinte estratégia: vamos assumir que as sentenças

são meras sequências de palavras não estruturadas, isto é, considerando que podemos

reconhecer que as sentenças são formadas de palavras (as quais podemos isolar), parece

que a hipótese que poderíamos formular é que as sentenças não passam de palavras

ordenadas linearmente, umas depois das outras. Se examinarmos algumas das

propriedades formais das sentenças à luz desta estratégia, descobriremos rapidamente se

nossa hipótes da sequência não estruturada pode-se manter, ou se seremos forçados a

adotar uma hipótese que atribui maior complexidade às sentenças, isto é, nós não

queremos assumir simplesmente que as sentenças são estruturadas, mas sim verificar se

esta hipótese é sustentada por evidências.

Se adotarmos a hipótese de que as sentenças são sequências não estruturadas de

palavras, então, quase imediatamente, devemos acrescentar uma qualificação

importante. Uma das primeiras coisas qque percebemos sobre as sentenças das línguas

humanas é que as palavras ocorrem numa certa ordem linear. Embora algumas línguas

apresentem uma considerável liberdade na ordem vocabular ( o latim, o russo e algumas

línguas indígenas australianas são os exemplos mais conhecidos), em nenhuma língua as

palavras podem ocorrer numa ordem aleatória. Não importa quão livre uma língua é em

termos de ordem vocabular, pois ela terá inevitavelmente que obedecer a algumas

restrições sobre a ordem de palavras. Além disso, em muitas línguas a ordem linear das

palavras assume um papel crucial na determinação do significados das sentenças: em

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português, O cavalo feriu o cachorro significa algo bem diferente de O cachorro feriu o

cavalo, apesar de as mesmas palavras terem sido empregadas em ambas. Portanto, nós

poderíamos dizer que as sentenças são sequências não estruturadas de palavras, mas

devemos assegurar que é necessário especificar, pelo menos, uma ordem linear para

aquelas palavras.

AMBIGÜIDADE ESTRUTURAL

Mesmo com a importante qualificação já feita sobre a ordem vocabular, nossa

hipótese da seqüência não estruturada se desfaz diante de um interessante quebra-

cabeças. Considere a seguinte sentença:

(1) A empresa contratou homens e mulheres fortes.

Esta sentença é ambígua, isto é, ela tem mais de um significado: ela fala sobre o

conjunto de homens e mulheres fortes ou sobre dois conjuntos, um de homens, e outro

de mulheres fortes. A característica interessante desta sentença é que sua ambigüidade

não pode ser atribuída à ambigüidade de algumas de suas palavras, isto é, não é possível

atribuir a ambigüidade da sentença à ambigüidade de empresa, homens ou mulheres. Em

contrapartida, considere a sentença:

(2) Esta pena é muito grande.

Ela também é ambígüa, mas , neste caso, a ambigüidade se deve ao fato de a palavra

pena ser ambígua, a qual pode significar "punição" ou "cada uma das peças que

revestem o corpo das aves". Para a sentença (1), no entanto, não podemos dar uma

explicação deste tipo.

Neste ponto, então, estamos diante de um quebra-cabeças: como é que uma

sentença formada inteiramente de palavras não ambíguas pode ser ambígua? Nossa

hipótese da seqüência não estruturada não nos faz esperar este tipo de ambigüidade, nem

fornece mecanismos para explicar o fenômeno. Se abandonarmos a hipótese da

seqüência não estruturada, teremos se assumir que as palavras em (1) são agrupadas e

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que podem ser agrupadas de mais de uma forma. Se formularmos esta hipótese, a qual é

motivada pelo nosso exemplo, poderemos dar conta do tipo de ambigüidade presente em

sentenças como (1), dizendo simplesmente que, embora, a sentença consista de um

conjunto de palavras não ambíguas, tais palavras podem , de fato, ser agrupadas de duas

maneiras:

(3)a. A empresa contratou ((homens e mulheres) fortes).

b. A empresa contratou (homens) e (mulheres fortes).

Quando homens e mulheres fortes se agrupam como em (3a), entendemos que a

sentença significa que tanto os homens quanto as mulheres são fortes. Quando, por

outro lado, o agrupamento é feito como em (3b), entendemos que apenas as mulheres

são fortes. Assim, dependendo de como as palavras são agrupadas (como elas são

estruturadas), apenas uma das duas interpretações é possível. Uma seqüência de

palavras pode ter mais do que um agrupamento bem formado, criando um tipo de

ambigüidade que se distingue totalmente da abigüidade lexical (vocabular).

Por afirmar que as palavras de uma sentença podem ser agrupadas, nós

começamos a definir o conceito de estrutura de sentença. Deve-se notar que, apelando

para a noção de agrupamento, nós estamos, mesmo com este exemplo simples, indo

além das observações superficiais sobre as propriedades das sentenças, chegando a

postular propriedades abstratas ou teóricas. Embora a ordem linear das palavras seja

algo que podemos verificar por meio da observação direta de uma sentença, o

agrupamento de palavras naquela sentença não é diretamente observável. Ao invés

disso, o agrupamento de palavras é uma propriedade teórica à qual recorremos a fim de

explicar as características abstratas das sentenças, como a ambigüidade estrutural.

Considerando o que foi dito até aqui, parece que, ao especificar a estrutura de

uma sentença, nós especificamos (a) a ordem linear das palavras e (b) os possíveis

sgrupamentos de palavras. De fato, estas são duas importantes propriedades da estrutura

das sentenças, mas não são suas únicas propriedades importantes.

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IX - A ESTRUTURA SINTÁTICA

1- FUNÇÕES, CLASSES E SINTAGMAS A gramática tradicional considera as funções sintáticas como elementos primitivos da gramática. No entanto, para definirmos a função de sujeito (termo com o qual o verbo concorda), temos de nos valer de noções mais básica, como as de verbo e de concordância. Por causa disto, os lingüistas gerativistas formularam uma teoria sintática incluindo apenas as classes gramaticais (Nome, Verbo, Adjetivo, Preposição, Advérbio) nas representações sintáticas (árvores) das sentenças. FUNÇÕES CLASSES SINTAGMAS LEXICAIS SUJEITO NOME → SINTAGMA NOMINAL PREDICADO VERBO → SINTAGMA VERBAL OBJETO DIRETO ADJETIVO → SINTAGMA ADJETIVAL OBJETO INDIRETO PREPOSIÇÃO → SINTAGMA PREPOSICIONAL PREDICATIVO ADVÉRBIO → SINTAGMA ADVERBIAL

1.1- Funções

Perini (1985) faz um comentário crítico sobre as descrições das gramáticas escolares tradicionais, mostrando que há, em tais gramáticas, uma doutrina gramatical explícita (DGEx.), a que é exposta na gramática e que, por exemplo, “conceitua o sujeito como otermo sobre o qual se faz uma declaração” (p. 16), e uma doutrina gramatical implícita (DGImp.), “que não é nunca explicitada, nem reconhecida como existente, mas que na verdade guia nossas decisões dentro da prática da análise gramatical” (p.17). Para desqualificar a definição de sujeito da DGEx, Perini faz a seguinte análise:

(1) “O sujeito é o termo sobre o qual se faz uma declaração.” Digamos que se peça a uma pessoa gramaticalmente treinada para identificar os sujeitos das orações abaixo: (2) Carlinhos corre como um louco (3) Carlinhos machucou Camilo (4) esse bolo eu não vou comer (5) em Belo Horizonte chove um bocado

Ela dirá que o sujeito de (2) e de (2) é Carlinhos; o de (4) é eu; e 5) não tem sujeito. Essas análises estão de acordo com a prática corrente, e creio que são de aceitação universal. Mas até que ponto se harmonizam com a definição (I), também geralmente aceita? É surpreendente verificar como são numerosos os choques entre a

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definição e a análise. Em (2) pode-se dizer sem problemas que a oração veicula uma declaração sobre Carlinhos, e sobre ninguém mais. Já em (3) isso não fica assim tão evidente: não haverá aí também uma declaração sobre Camilo? Quando chegamos a (4) a situação se torna ainda mais desconfortável: como defender a tese de que (4) é uma afirmação acerca de mim, e não acerca do bolo? Finalmente, (4), que é uma oração sem sujeito, necessariamente (segundo a definição) não deveria estar declarando nada sobre coisa alguma; no entanto, (5) exprime claramente uma declaração sobre Belo Horizonte.

Feita a desqualificação da definição (1), pertencente à DGEx., Perini propõe a

definição abaixo para sujeito: (7) Sujeito é o termo com o qual o verbo concorda.

E comenta: A prática gramatical observada sugere que (7) seja, pelo menos, parte da definição de sujeito existente na DGImp. Com efeito, (7) nos permite não só identificar Carlinhos como sujeito de (2) e de 3), mas também, inequivocamente, eu como sujeito de (4). Já (5) não tem sujeito porque o verbo não concorda com nenhum dos termos da oração. A definição (7) abrange qualquer ocorrência de sujeito, mesmo que este termo esteja em outra posição na sentença que não seja a usual, como nos exemplos abaixo: (a) Chegaram de São Paulo ontem de manhã aqueles três estudantes italianos. (b) Apareceu lá em casa no sábado o cachorrinho pequinês da Maria. Estas sentenças revelam que se deve levar em conta, também, no estudo do sujeito, a sua posição canônica de ocorrência (como muitas outras línguas, o português é uma língua SVO). Chomsky (1965) foi o primeiro lingüista a formalizar apropriadamente as estruturas sintáticas, indicando que as funções derivam das relações entre os sintagmas (unidades sintáticas construídas em torno de um núcleo). Segundo este modelo, o sujeito é o sintagma nominal que, juntamente com o sintagma verbal, compõe a sentença. Analisando a sentença (c) abaixo num diagrama em árvore, temos (d): (c) O aluno fez o exercício. (d) S 3 SN SV ! 3 o aluno V SN ! ! fez o exercício A sentença (c) tem dois sintagmas nominais, mas apenas o SN o aluno está diretamente ligado à sentença (S). O outro sintagma nominal, contido no SV, é o objeto

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direto. Na seção X, formalizaremos apropriadamente as estruturas sintáticas, usando os recursos da Teoria X-Barra.

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1.2 - Classes e sintagmas Classes como nomes, verbos, adjetivos, preposições e advérbios são chamadas lexicais, porque se referem a elementos do mundo objetivo, extralingüístico. Assim, os nomes se referem a entidades, os verbos denotam eventos, os adjetivos referem-se a estados, os advérbios correspondem a circunstâncias e as preposições representam relações. Como vimos no texto de Akmajian, a estrutura sintática deriva dos agrupamentos de palavras hierarquicamente combinados. Estes agrupamentos formam as unidades sintáticas básicas, também conhecidas como sintagmas,.os quais são construídos em torno de núcleos lexicais, como os mencionados acima, ou em torno de núcleos funcionais, como flexão, complementador e determinante. Estes últimos serão analisados mais detalhadamente na seção X. 1- Exemplos de sintagmas nominais: 1) [O estudante de Física] comprou [aquele computador]. 2) [Aquele computador] enguiçou. 3) Eu encontrei [o estudante de Física]. 2- Exemplos de sintagmas verbais: 4) Paulinho [comprou aquele computador]. 5) Jonas [encontrou Paulinho]. 6) Jonas [ofereceu os doces ao menino]. 3- Exemplos de sintagmas preposicionais: 7) Joana correu [no calçadão] [com o surfista]. 8) Joana colocou o livro [sobre a mesa]. 9) Joana comeu os biscoitos [com alegria]. 10) Joana quebrou uma xícara [de porcelana]. 4- Exemplos de sintagmas adjetivais: 11) Almino está [muito triste]. 12) O deputado é [favorável ao emendão]. 13) Ele está [consciente da situação]. 2- A ESTRUTURA INTERNA DOS SINTAGMAS

Nesta seção, apresentam-se exemplos dos diferentes sintagmas, com expansões à esquerda e à direita, ou compostos apenas pelos respectivos núcleos. Estes últimos estão grafados em negrito.

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SINTAGMA NOMINAL (SN) a) Carminha a Carminha b) os porquinhos os três porquinhos os três rechonchudos porquinhos c) contratação de empregados apresentação da peça entrega do prêmio ao estudante fornecimento de água à população d) aquela moça do terceiro andar uma funcionária da Universidade que eu encontrei SINTAGMA VERBAL (SV) [Dormíamos]. [Compramos um apartamento]. [Entregamos o prêmio ao estudante]. [Encontramos o rapaz no botequim às três horas]. [Comíamos bolachas com imenso prazer]. SINTAGMA ADJETIVAL (SA) Rapunzel ficou [triste]. Rapunzel ficou [muito triste]. Ele está [consciente da situação]. Ele está [muito consciente da situação]. SINTAGMA PREPOSICIONAL (SP) Ele agiu [com rapidez]. Rapunzel ficou presa [no castelo]. A livraria vende livros [sobre a China]. O livro estava [sobre a mesa]. O prefeito contava [com os vereadores]. É preciso interromper a mortandade [de peixes]. SINTAGMA ADVERBIAL Paulo corria [cedo]. Ele chegou [muito tarde]. Jonas correu na praia [ontem].

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3- FUNÇÕES SINTÁTICAS DOS SINTAGMAS Um mesmo sintagma pode ter diversas funções sintáticas, dependendo de sua distribuição na sentença. Assim, por exemplo, um SN pode ser sujeito, objeto direto, predicativo do sujeito, predicativo do objeto, etc. Veja, a seguir, exemplos com sintagmas nominais e sintagmas preposicionais exercendo diferentes funções sintáticas.

3.1- SN SUJEITO 1- Minha secretária corre no Ibirapuera. 2- O torcedor do Flamengo corre no calçadão. 3- Aquele atleta que encontramos no botequim ganhou uma medalha de ouro. 4- A construção da casa durou três meses. OBJETO DIRETO 5- Jonas encontrou minha secretária no Ibirapuera. 6- O ministro viu o torcedor do Flamengo no calçadão. 7- Jonas admira aquele atleta que encontramos no botequim. 8- O banqueiro financiou a construção da casa. PREDICATIVO DO SUJEITO 9- Paulo é um estudante inteligente. 10- A Terra é um planeta.

PREDICATIVO DO OBJETO 11- Eu considero Paulo um atleta. 12- Maria julga Paulo um rapaz moderno. 13- Maria julga-o um rapaz moderno. 3.2- SP OBJETO INDIRETO 15- Jonas entregou o livro ao bibliotecário. 16- Josefina deu presentes aos meninos de rua. 17- Paulinho ofereceu bombons ao irmão. 18- Joaquim gostava de balas de hortelã.

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4- A SENTENÇA E SUA ESTRUTURA 4.1- Toda sentença é formada por sintagmas (unidades sintáticas) estruturados hierarquicamente. 4.2- SINTAGMA- unidade sintática organizada em torno de um núcleo. SN (sintagma nominal) > N

SV (sintagma verbal) > V SA (sintagma adjetival) > A

SP (sintagma preposicional) > P

4.3- Testes para a determinação das unidades sintáticas (sintagmas): 4.3.1- Antecipação (1)a. Eu não vou comer essa torta. b. Essa torta, eu não vou comer. (2)a. Paulo enviou flores à namorada. b. À namorada, Paulo enviou flores. (3)a. Chove muito em Manaus. b. Em Manaus chove muito. 4.3.2- Interrogação (4)a. Jonas comeu o sanduíche na cantina. b. O que Jonas comeu na cantina? c. Quem comeu o sanduíche na cantina? d. Onde Jonas comeu o sanduíche?

4.3.3- Substituição por pronome (5)a. O escritor carioca escreveu um romance sobre crianças abandonadas. b. Ele escreveu um romance sobre crianças abandonadas. c. O escritor carioca escreveu-o . 4.4- Teste para a determinação da estrutura hierárquica do SV 4.4.1- Elipse (6) a. Jonas escreveu a carta no escritório e Helena [ ], na varanda. b. Jorge consertou o carro na garagem e Jonas [ ], na oficina. Estruturas subentendidas: em (6a): escreveu a carta em (6b): consertou o carro

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Estrutura hierárquica do SV: escreveu a carta na varanda 3333 escreveu a carta na varanda 3333 escreveu a carta 4.5- A formação de estruturas sintáticas 4.5.1- Complementos formam estruturas com os núcleos que os selecionam: Ex.: Jonas escreveu a carta.

Jorge consertou o carro. A construção da igreja levou muitos anos. Os deputados são favoráveis ao projeto. Eu coloquei o livro sobre a mesa.

__ V 3 V SN ! 6 Jonas escreveu a carta __

V 3 V SN ! 6 Jorge consertou o carro

__

N 3 N SP ! 6 a construção da igreja levou muitos anos __

A 3 A SP ! 6 os deputados são favoráveis ao projeto __

P 3 P SN ! 6 eu coloquei os livros sobre a mesa

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Usa-se uma barra sobre a letra que abrevia a classe gramatical do núcleo do sintagma, para indicar-se que se trata de estrutura formada a partir da concatenação deste núcleo com seu complemento (V+SN = V). Assim, nos exemplos dados, temos estruturas formadas, respectivamente, de verbo + SN ( V = escreveu a carta), de nome + SP (N = construção da igreja), de adjetivo + SP ( A = favoráveis ao projeto) e de preposição + SN ( P = sobre a mesa). O mesmo processo de concatenação pode ser usado para acrescentarmos adjuntos à estrutura formada por núcleo + complemento. Neste caso, também, a estrutura resultante é marcada com uma barra: ([V SN] + SP = V ):

Ex.: Jorge consertou o carro na oficina. A construção da igreja pelos operários levou muitos anos

__ V

__ qp V SP 3 6 V SN na oficina ! 6 Jorge consertou o carro __ N __ qp N SP 3 6 N SP pelos operários levou muitos anos ! 6 a construção da igreja Quando um núcleo atinge sua expansão máxima, dizemos que ele forma um

sintagma. Sendo assim, podemos afirmar que todo sintagma é a expansão (projeção) máxima de um dado núcleo.

Ex.: SV = Projeção Máxima ! __ V __ qp V SP 3 6 V SN na oficina ! 6 Jorge consertou o carro

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SN = Projeção Máxima

qp __

D N ! __ qp a N SP 3 6 N SP pelos operários levou muitos anos ! 6 construção da igreja

Na seção seguinte, formalizaremos a estrutura das sentenças usando a Teoria X-Barra,

um dos módulos da gramática segundo a concepção gerativista.

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X - TEORIA X-BARRA

1- Definição: “é a parte da gramática que regula a estrutura dos sintagmas”. (Cf. Haegeman, 1992)

2- Categorias lexicais e funcionais Classes como nomes, verbos, adjetivos, preposições e advérbios são chamadas lexicais, porque se referem a elementos do mundo objetivo, extralingüístico. Assim, os nomes se referem a entidades, os verbos denotam eventos, os adjetivos referem-se a estados, os advérbios correspondem a circunstâncias e as preposições representam relações. Além destas classes, ou categorias lexicais, existem as categorias funcionais, as quais referem-se unicamente a elementos do sistema gramatical, como a flexão e o complementador. Veremos, a seguir, que a Teoria X-Barra dá um tratamento unificado às categorias lexicais e funcionais.

3- Regras 1- SX ----> ESP X` 2- X` ----> X` ADJUNTO 3- X` ----> X COMPLEMENTO

4- Estrutura básica dos sintagmas SX 3 Esp X ' 3 X ' Adjunto 3 X Complemento

Princípio de Endocentricidade Todo sintagma deve ser estruturado em torno de um núcleo da mesma classe. Assim, temos: SN >N, SV > V, SA > A, SP > P, SF > F, SC > C.

5- Estrutura dos sintagmas lexicais

a) V`` = SV b) N`` = SN c) A`` = SA d) P`` = SP 2 2 2 2

ESP V` ESP N` ESP A` ESP P` 2 2 2 2

V` ADJUNTO N` ADJUNTO A` COMPL P COMPL 2 2 V COMPL N COMPL Obs.: X`` (SX) = projeção máxima X` = projeção intermediária X = núcleo

6- Estrutura dos sintagmas funcionais

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SF SC 3 3 Esp F' Esp C' 3 3 F SV C SF a) O detetive quase investigou o crime EX. b) O detetive [quase investigou o crime após o jantar] c) a investigação do crime após o jantar a) S qp SN SV 6 qp

o detetive ESP V` ! 3 quase V SN ! 6 investigou o crime b) S 3

SN SV c) SN ! 3 3 o detetive ESP V` ESP N` ! 3 ! 3 quase V` SP a N` SP 3 ! 3 !

V SN após o jantar N SP após o jantar ! ! ! ! investigou o crime investigação do crime Construções endocêntricas (com núcleo): Construção exocêntrica (sem núcleo) SN SV SA SP S ! ! ! ! qp N` V` A` P` SN SV ! ! ! !

N V A P Se a sentença for diagramada em árvore, conforme se vê acima, tendo SN e SV como componentes, não haverá meios de analisá-la dentro da Teoria X-Barra, já que esta se pauta pelo Princípio de Endocentricidade, isto é, exige que todo sintagma tenha um núcleo lexical ou funcional. Neste diagrama , S é uma unidade sem núcleo, violando este princípio. Para resolver tal problema, é necessário levar em conta o papel das categorias funcionais na estrutura da sentença.

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7- As informações lexicais e funcionais na sentença Toda sentença contém três tipos de informações; as lexicais – representadas pelas categorias lexicais, como nome, verbo, etc. --, as gramaticais, contidas nas desinências verbais, e as discursivas, associadas à força ilocucionária. As informações lexicais ocorrem no domínio do SV, as gramaticais no domínio do SF, e as discursivas, no domínio do SC. Assim, a estrutura de uma sentença pode ser diagramada da seguinte forma: (1) SC informações discursivas 6 SF informações gramaticais 6 SV informações lexicais 6

7.1- Informações discursivas Nas sentenças subordinadas os complementadores que e se ( as conjuncões integrantes das gramáticas escolares) são selecionados pelo verbo da oração principal e se associam à força ilocucionária (interrogação, declaração) da sentença subordinada. Desse modo, o complementador que introduz sentença declarativa, e o complementador se, sentença interrogativa indireta. Considerem-se os exemplos abaixo: (2) Pedrinho afirmou [que Paulo tinha cortado a grama]. (3) Pedrinho perguntou [se Paulo tinha cortado a grama]. Em (2), a força ilocucionária declarativa da sentença subordinada se associa ao complementador que, enquanto em (3), a força ilocucionária interrogativa da S subordinada está associada a se. Se trocarmos os complementadores, os resultados são agramaticais: (2)a. *Pedrinho afirmou [se Paulo tinha cortado a grama]. (3)a. * Pedrinho perguntou [que Paulo tinha cortado a grama].

Considerando as propriedades ilocucionárias dos complementadores, pode-se associá-los a um sintagma indepentente dentro da sentença, o sintagma complementador (SC), cuja estrutura é a seguinte: (a) SC 3 ESP C’ 3 C [+QU-] SF 6

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A informação ilocucionária está representada pelo traço QU- ( +QU- = interrogação; -QU- = declaração). Exemplos: Pedrinho disse SC 3 ESP C’ 3 C [-QU] SF ! 6 que Paulo tinha cortado a grama Pedrinho perguntou SC 3 ESP C’ 3 C [+QU] SF ! 6 se Paulo tinha cortado a grama 7.2 – Informações gramaticais 7.2.1- O sintagma flexional

(1)a. *Nós lavar o carro. b. *Nós lavarmos o carro.

As sentenças (1a) e (1b) são agramaticais porque não estão completas com respeito às informações gramaticais de Tempo e Concordância (pessoa e número): em (1 a) faltam estas duas informações, e, em (1 b), embora o verbo tenha a desinência número-pessoal, falta-lhe a informação sobre o tempo da ação verbal. Numa sentença simples, então, as noções de tempo e concordância têm de estar presentes para que as informaçoes gramaticais estejam completas. Estas informações, por sua vez, podem manifestar-se de maneiras diferentes, conforme se vê nas sentenças abaixo:

(2) Nós lavaremos o carro. (3) Nós vamos lavar o carro.

Em (2) a noçáo de futuro é transmitida pela desinência verbal –re-, e a de concordância pela desinência número-pessoal –mos. Em (3), contudo, estas mesmas informações estão presentes no verbo auxiliar e não no principal. Tendo em vista, pois, que toda sentença simples só se completa se for dotada das informações de tempo e concordância, e, também, que tais informações podem estar presentes nos auxiliares, é

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possível propor que a sentença tenha como núcleo uma categoria funcional, a qual denominaremos Flexão, formando um sintagma flexional (SF) com um especificador e um complemento, como no esquema abaixo: (4) SF 3 Esp F’ 3 F SV Com base nesta proposta, as sentenças (3) e (4) podem ser representadas pelas seguintes árvores: (5) SF 3 SN F’ qp F SV [+T, + CONC] 6 Nós vamos lavar o carro (6) SF 3 SN F’ 3 F SV [+T, + CONC] 6 Nós lavaremos o carro

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8- Exemplos de estruturas de sentenças . a) Os deputados são favoráveis ao projeto. b) Paulo encontrou o colega no supermercado. c) O governo patrocinou a construção da escola a) SC b) SC 2 2 ESP C` ESP C` 2 2 C SF C SF 3 3 SN F` SN F` ! 3 ! 3 os deputados F SV Paulo F SV ! ! V` V` 2 3 V SA V` SP ! ! 3 6 são A` V SN no supermercado 2 ! 6 A SP encontrou o amigo ! 6 favoráveis ao projeto c) SC 3 ESP C` 3 C SF 3 SN F` 6 3 o governo F SV ! V` 3 V SN ! 3 patrocinou DET N` ! 3 a N SP ! ! construção P` 3 P SN ! 3

de DET N` ! ! a N escola

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XI - LÉXICO E TEORIA TEMÁTICA

1- Léxico - " Todo falante de uma língua tem acesso a informações detalhadas sobre as palavras da língua. Qualquer teoria da linguagem deve refletir este fato; assim, qualquer teoria da linguagem deve incluir algum tipo de léxico, o repositório de todas as propriedades (idiossincráticas) de itens lexicais particulares. Estas propriedades incluem a representação da forma fonológica de cada item, a especificação de sua categoria sintática, e suas características semânticas." (Chomsky e Lasnik (1991) 2- Teoria temática - módulo da gramática que trata da atribuição de papel temático aos argumentos sintáticos. 3- Argumentos sintáticos - "são os participantes minimamente envolvidos na atividade ou estado que o predicado expressa." (Haegeman, 1991, p. 36)

Ex.: a) Joana desmaiou. b) Pedro tropeçou. c) Marilda sorriu. d) Jonas admira Marilda. e) Pedro encontrou Joana. f) O operário construiu a casa. g) Jonas deu a rosa a Marilda. h) Paulo entregou a carta a Joana. DESMAIAR VERBO 1 SN TROPEÇAR VERBO 1 SN SORRIR VERBO 1 SN ADMIRAR VERBO 1 2 SN SN ENCONTRAR VERBO 1 2 SN SN CONSTRUIR VERBO 1 2 SN SN DAR VERBO 1 2 3 SN SN SP ENTREGAR VERBO 1 2 3 SN SN SP OBS.: O sujeito é o argumento externo e os objetos são os argumentos internos. f) [O operário] [construiu [a casa]]. SN SV SN 1 2 A externo A interno

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OBS.: Os argumentos internos são selecionados categorialmente (c-selecionados) pelo verbo (informação lexical). Ex.: DAR V [ _ SN SP] CONSTRUIR V [ _ SN] SORRIR V [ _ ] 4 - Eventos e participantes a) Romário lançou a bola para Ronaldinho.. E P1 P2 P3 Agente Tema Alvo 5 - Papéis temáticos São as relações semânticas específicas entre os verbos e seus argumentos: AGENTE, PACIENTE, TEMA, ORIGEM, ALVO, EXPERIENCIADOR, LOCATIVO, BENEFICIÁRIO e INSTRUMENTO. 5.1- Definições dos papéis temáticos AGENTE - aquele que intencionalmente inicia a ação expressa pelo predicado. PACIENTE - a pessoa ou coisa que sofre a ação expressa pelo predicado. TEMA - a pessoa ou coisa deslocada pela ação expressa pelo predicado. EXPERIENCIADOR - a entidade que experimenta algum estado (psicológico) expresso pelo predicado. BENEFICIÁRIO - a entidade que se beneficia da ação expressa pelo predicado. ALVO - a entidade em cuja direção a atividade expressa pelo verbo aponta. ORIGEM - a entidade da qual algo é movido como resultado da atividade expressa pelo predicado. LOCATIVO - o lugar em que se situa a ação ou estado expresso pelo predicado. (Haegeman, 1994, p. 41) INSTRUMENTO - objeto com o qual se pratica uma ação.

5. 2- Exemplos de papéis temáticos AGENTE 1- Paulo atirou a bola. 2- Paulo escondeu o lápis. 3- Paulo guardou o balde de tinta. 4- O eletricista subiu na escada.

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EXPERIENCIADOR 5- Jorge enxergou os números pequenos. 6- Pedro sentiu dor de cabeça. 7- Asdrúbal ouviu ruídos de passos. 8- Nós não entendemos o problema. TEMA BENEFICIÁRIO 9- A bola caiu no lago. 24- Joana fez a torta para Paulo. 10- A bola de golfe atingiu o jogador. 25- Jorge comprou o presente para a moça. 11- O jarro bateu na parede. 12- A porta abriu. INSTRUMENTO 13- Paulo abriu a porta. 26- Os bombeiros quebraram a porta com o machado. PACIENTE 27- Cortaram a árvore com a serra elétrica. 14- O gato arranhou o menino. 15- A seta feriu Aquiles. LOCATIVO 16- Paulinho abraçou Maria. 28- Paulo colocou os livros na estante. 17- A multidão pisoteou várias pessoas. 29- Jorge lavou o carro na garagem. ALVO 18- Paulo entregou a carta ao diretor. 19- Paulo enviou flores à namorada. 20- O trem vai de Santos a São Paulo. ORIGEM 21- Joaquim trouxe livros da Europa. 22- Os criminosos vieram do interior. 23- O navio vai de Salvador até o Rio. 5.3 - Funções sintáticas e papéis temáticos 1- O pivete feriu a velhota 2- A velhota foi ferida pelo pivete. 3- O gato arranhou a secretária. 4- A secretária foi arranhada pelo gato. 5- O servente empurrou a cadeira. 6- A cadeira foi empurrada pelo servente. 7- A xícara caiu. 8- O trem foi de S. Paulo para Belo Horizonte. 6- Seleção categorial e seleção semântica Verbos podem selecionar complementos (seleção categorial) e atribuem papel temático a seus argumentos (seleção semântica). Por causa da primeira propriedade, os verbos podem ser subclassificados (subcategorizados). Assim, os que selecionam complementos são chamados de transitivos, e os que não os selecionam, de

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intransitivos. A seleção semântica, por sua vez, pode ser representada por uma grade temática, a qual especifica os papéis temáticos atribuídos pelos verbos (cf. 6.1). Exemplos: a) A bola caiu. b) Paulo correu. c) Paulo empurrou a cadeira. d) O pivete feriu a velhota. e) O tubarão devorou a sardinha f) Jorge entregou o livro ao colega. seleção categorial seleção semântica CAIR [ _ ] <TEMA> CORRER [ _ ] <AGENTE> EMPURRAR [ _SN] <AGENTE, TEMA> FERIR [ _SN] <AGENTE, PACIENTE> DEVORAR [ _SN] <AGENTE, PACIENTE> ENTREGAR [ _SN SP] <AGENTE, TEMA, ALVO> OBS.: Os papéis temáticos são atribuídos a posições argumentais (posições-A), isto é, às que podem ser ocupadas por argumentos. As principais posições argumentais são as de sujeito e objeto. No caso dos verbos transitivos diretos, p. ex., o sujeito é o argumento externo e o objeto, o argumento interno.

7- Princípios 7.1- Princípio de Projeção A estrutura argumental deve ser representada em todos os níveis de representação. 7.2- Critério temático Cada argumento tem um e somente um papel temático; e cada papel temático é atribuído a um e somente um argumento. Ex.: 1- O tubarão devorou o peixinho. 2- * O tubarão devorou. 3- A água parecia ferver. 4- Paulo encontrou o amigo. 5- Quem Paulo encontrou no botequim? 6- * Quem Paulo encontrou Jorge no botequim? 7.3- Princípio de Projeção Estendido Toda sentença tem de ter um sujeito.

7.3.1- Verbos Auxiliares e Principais

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Os verbos auxiliares, ao contrário dos principais, não atribuem papel temático. Ex.: 1- O detetive tinha matado o ladrão. 2- O detetive vai matar o ladrão. 3- O detetive estava matando o ladrão. Obs.: O verbo ser também não atribui papel temático. Ex. : 4- O motorista é inocente. 5- O delegado julga [que o motorista é inocente]. 6- O delegado julga [o motorista inocente]. 7.3.2 - Expletivos

São assim chamados os elementos pronominais que não recebem papel temático (it e pro nos exemplos abaixo). 1) It seems that John is a liar. 2 ) a. Parece que João é mentiroso. b. [pro parece [que João é mentiroso]].

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XII- MOVIMENTO, ESTRUTURA PROFUNDA E ESTRUTURA SUPERFICIAL

Nas línguas naturais, é muito comum o deslocamento de sintagmas nas

sentenças. Eis alguns exemplos do português:

(1) Esse livro eu não vou ler. (2) Chegaram a São Paulo alguns estudantes italianos. (3) O banco da esquina foi assaltado. (4) Aquele estudante foi reprovado em latim. (5) Que livro você leu nas férias? (6) A quem Maria entregou os presentes? (7) Em que armário o advogado guardou os processos? (8) Os moradores parecem estar apavorados com os bandidos. (9) Os atletas pareciam gostar de tênis importados. Percebe-se claramente que os sintagmas sublinhados em (1) e (2) se moveram de

sua posição original nas sentenças. Assim, em (1), o SN esse livro deslocou-se de sua

posição de objeto, à direita do verbo ler, para a posição de tópico da sentença. Em (2), o

SN alguns estudantes italianos deslocou-se, da posição de sujeito, para o final da

sentença.

Também nas sentenças interrogativas (5), (6) e (7), os sintagmas interrogados

movem-se para o início de cada sentença. Já nas sentenças passivas ((3) e (4)) e

naquelas com o verbo parecer ( (8) e (9)), ocorreu o deslocamento de um SN para a

posição de sujeito.

A propriedade do deslocamento, ilustrada acima, é considerada por Chomsky

como uma aparente imperfeição dos sistemas lingüísticos:

Na computação sintática, parece existir uma segunda imperfeição, mais dramática, no design da língua, ou ao menos uma aparente imperfeição: a propriedade do deslocamento, que é um aspecto pervasivo da língua: unidades sintáticas são interpretadas como se se encontrassem numa posição diferente daquela em que de fato se encontram na expressão, sendo esta uma posição em que elementos semelhantes às vezes são encontrados, e interpretadas em termos de relações locais naturais. Tomem a sentença Clinton parece ter sido eleito. Nosso entendimento da relação entre eleger e Clinton é idêntico ao que temos quando estes dois termos estão localmente relacionados como na sentença Parece que elegeram Clinton: na terminologia tradicional da gramática , Clinton é o objeto direto de elegeram, embora "deslocado" para a posição de sujeito de parece: o sujeito e o verbo concordam em traços flexionais neste caso, mas não têm relação semântica alguma; a relação semântica do sujeito da frase é a que se dá com o longínquo verbo "elegeram". ( Chomsky (1998), p. 33)

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Na Teoria da Regência e Ligação, as regras de movimento relacionam a

Estrutura Profunda (EP) com a Estrutura Superficial (ES) das sentenças. Duas dessas

regras foram bem estudadas pelos gerativistas: a de Movimento de SN, exemplificada

acima nas sentenças passivas e naquelas com o verbo parecer, e a de Movimento de

QU-, a qual opera em sentenças interrogativas como (5), (6) e (7). Informalmente,

apresentamos abaixo as estruturas profundas e superficiais das sentenças (3) e (5):

EP de (3): ∆ foi assaltado o banco da esquina.

ES de (3): o banco da esquina foi assaltado t .

EP de (5): você leu que livro nas férias?

ES de (5): que livro você leu t nas férias?

Ao deslocar-se, todo sintagma deixa um vestígio (t) na posição de origem.

Assim, em (5), por exemplo, o Movimento de QU- desloca o SN que livro para o início

da sentença, deixando um vestígio na posição de objeto. É importante assinalar que, na

posição ocupada pelo vestígio, não é possível inserir outro sintagma, como o demonstra

a agramaticalidade dos exemplos abaixo:

(10) * A quem Maria entregou os presentes a Pedro?

(11) * O banco da esquina foi assaltado o armazém.

______________________________________________________________________________

Características da regra de Movimento de SN:

1- O SN é movido para uma posição argumental e atemática. 2- O SN deslocado deixa um vestígio na posição argumental de origem. Características da regra de Movimento de QU-:

1- O sintagma QU- é deslocado para a posição não argumental de Especificador de SC. 2- O sintagma QU- deixa um vestígio na posição de origem.

______________________________________________________________________________

Árvores representativas de estruturas profundas e superficiais de sentenças, com a indicação da aplicação das regras de Movimento de SN e de Movimento de QU-.

1) A casa foi assaltada.

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Estrutura profunda: 2) SC ! C` 3 C SF 3 SN F` ! 3 POSIÇÃO ATEMÁTICA > 4 F SV ! ! foi V` qp V SN ! ! assaltada a casa < TEMA > OBS.: Na construção passiva não há atribuição de papel temático à posição de sujeito, ficando esta, portanto, como posição atemática. Isto permite que o SN objeto (a casa) se mova para a posição de sujeito. Estrutura superficial: 3) SC ! C` 3 C SF 3 POSIÇÃO ARGUMENTAL > SN F` ! 3 a casai F SV ! ! foi V` qp V SN ! ! assaltada ti ----------------m Movimento de SN 4) Quem Jonas admira?

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Estrutura profunda: 5) SC 3 POSIÇÃO NÃO-ARGUMENTAL > ESP C` 3 C SF 3 SN F` ! 3 Jonas F SV <EXP> ! ! V` qp V SN ! ! admira quem <TEMA> Estrutura superficial: 6) ) SC 3 POSIÇÃO NÃO-ARGUMENTAL > ESP C` ! 3 quemi C SF <TEMA> 3 SN F` ! 3 Jonas F SV <EXP> ! ! V` qp V SN ! ! admira ti

MOVIMENTO DE SN - desloca um SN para uma posição argumental atemática. MOVIMENTO DE QU- - desloca um sintagma QU- para uma posição não-argumental. . ESTRUTURA PROFUNDA - nível de representação que contém informações sobre as

relações entre argumentos e predicados e sobre as propriedades temáticas das sentenças. ESTRUTURA SUPERFICIAL - nível de representação que dá conta da ordem superficial dos constituintes.

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ESTRUTURA PROFUNDA ! Movimento de QU-

MOVA αααα ! Movimento de SN

ESTRUTURA SUPERFICIAL 1) Quem Jonas admira?. Estrutura profunda de (1) Estrutura superficial de (1) SC SC 3 3

ESP C` ESP C` 3 ! 3

C SF quemi C SF [+QU] 3 [+QU] 3

SN F` SN F` ! 2 ! 3

Jonas F SV Jonas F SV ! !

V` V` 2 2 V SN V SN ! ! ! ! admira quem admira ti ----------------m Movimento de QU- 2) O tesouro foi encontrado. Estrutura profunda de (2 ) Estrutura superficial de (2 ) SC SC ! !

C` C` 3 3

C SF C SF 3 3

SN F` SN F` ! 2 ! 3

4 F SV o tesouroi F SV ! ! ! !

foi V` foi V` 2 2 V SN V SN ! ! ! ! encontrado o tesouro encontrado ti ----------- -m Movimento de SN

XIII - TEORIA DO CASO

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1- MOTIVAÇÃO

Na gramática gerativa, “A teoria do Caso encontra sua motivação inicial na sintaxe das construções infinitivas. A proposição de Vergnaud é que a posição de sujeito das orações infinitivas é um local que, na situação não marcada, não recebe nenhum caso. Os SNs lexicais se acham excluídos dessa posição, pois devem receber Caso”. (Rouveret, p. 17)

Exemplos: (1) Eu quero [que Paulo estude latim]. (2) *Eu quero [Paulo estudar latim]. (3) Jonas quer [PRO estudar latim]. (4) *É importante [os deputados assinar a declaração]. (5) É importante [os deputados assinarem a declaração]. (6) É importante [PRO assinar a declaração]. FILTRO DE CASO *SN com matriz fonológica e sem caso 2- CASO MORFOLÓGICO E CASO ABSTRATO Nas gramáticas tradicionais, a noção de caso está associada à manifestação morfológica das funções sintáticas. Assim, em latim, por exemplo, o caso nominativo indica o sujeito, o acusativo indica o objeto, etc. Nos exemplos abaixo, as terminações de caso estão em itálico: LATIM

(7) Caesar belgas vincit. “César venceu os belgas”.

(8) Belgae Caesarem timent. “Os belgas temem César”.

(9) Paulus puellae bellae rosam dat. “Paulo dá a rosa à moça bonita”.

Enquanto o latim e o grego apresentavam marcas morfológicas de caso nos nomes, nos adjetivos e nos pronomes, o português só manifesta caso morfológico no sistema pronominal. Ex.: NOMINATIVO ACUSATIVO OBLÍQUO (sujeito) (objeto direto) (outras funções) eu me mim tu te ti OBSERVAÇÃO: “O Caso abstrato é uma propriedade universal, enquanto a realização explícita de caso abstrato por meio de caso morfológico varia de língua para língua”. (Haegeman, p. 155)

3-ATRIBUIDORES DE CASO

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a- FLEXÃO (+ Conc) atribui Nominativo. b- VERBO atribui Acusativo ao SN complemento. c- PREPOSIÇÃO atribui Caso Oblíquo (em ptg.)

Exemplo: 10) Mariana fez a torta para mim. [Nom] [Ac] [Obl] SF SN F` !

Mariana F SV V` 3 V' SP 3 ! V SN P' ! ! 3 fez a torta P SN ! ! para mim OBS.: Em português, o traço [+Conc] é responsável pela atribuição de Caso Nominativo ao sujeito. Aliás, o nominativo é atribuído por F ([+Conc]) ao sujeito numa relação Especificador/Núcleo. Ex.:

(4) É importante [os deputados assinarem a declaração]. Nom [+Conc] (5) É importante [PRO assinar a declaração]. [-Conc] 4- REGÊNCIA E ATRIBUIÇÃO DE CASO Na visão tradicional, a noção de regência está associada à relação entre núcleos e complementos. Assim, verbos e preposições são chamados termos regentes, enquanto seus complementos são tidos como termos regidos. A teoria da Regência e Ligação ampliou esta noção para dar conta, também, da atribuição de caso Nominativo, a qual se dá através da relação entre Núcleo e Especificador, e não entre Núcleo e Complemento. Considerando que somente núcleos atribuem Caso, Raposo (1991) formaliza a relação de regência do seguinte modo:

REGÊNCIA NUCLEAR M-COMANDO A N-rege B sse Um nó A m-comanda um nó B sse: (1) A = {N, V, A, P, Flex [+ Conc]} 1- A não domina B e B não domina A; (2) A m-comanda B 2- A 1a. projeção máxima que domina A domina igualmente B.

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Nesta formulação da regência, a relação de m-comando é crucial para abranger tanto a atribuição de acusativo e oblíquo, quanto a de nominativo, pois coloca termo regente ( verbo, preposição e Flexão (+Conc)) e termo regido sob o domínio da mesma projeção máxima (SV, SP e SF). A árvore abaixo ilustra a atribuição destes três casos: (11) Ela fez a torta para mim. SF 3 SN F` ! 3 ela F SV [NOM] [+T, +CONC] ! V` qp V` SP 3 ! V SN P` ! ! 3 fez a torta P SN [AC] ! ! para mim [OBL]

4.1- MARCAÇÃO EXCEPCIONAL DE CASO (12) John believes [him to be a liar]. SF F não atribui Caso ao SN Especificador de SF, por ser [-Conc]. SN F` John F SV -s V SF believe SN F` him F SV to V` V SN be a liar

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Obs.: Em geral, uma projeção máxima constitui barreira para a atribuição de Caso. Como SF é projeção máxima, mas, por ser exceção, não constitui barreira, o pronome him pode receber Acusativo do verbo believe, na sentença (12) acima. Este é, então, um exemplo de marcação excepcional de caso. Outro exemplo semelhante ocorre nas chamadas pequenas orações (orações sem verbo). Observe-se que, em (13) abaixo, o SN Chico recebe acusativo do verbo considerar, mas ocorre na posição de sujeito da pequena oração [Chico inocente]. (13) O juiz considerou [Chico inocente]. SF PEQUENA ORAÇÃO SN F` F SV o juiz V` V SA considerou SN SA Chico A` A inocente 4.2- PASSIVA E ATRIBUIÇÃO DE CASO (14) O banco foi assaltado. (15) O cadeado foi quebrado. (16) cv foi assaltado o banco. (estrutura profunda) O verbo no particípio perde a capacidade de atribuir caso acusativo (“Segundo Chomsky (1981), a forma verbal de particípio passivo é neutralizada quanto ao traço [N], sendo caracterizada apenas por [+V]” (v. Raposo, 1992, p. 365) ). Por esta razão, o SN objeto se desloca para a posição de sujeito para receber Caso Nominativo. A posição de sujeito, na construção passiva, é atemática. (17) cv foi assaltado o banco. (18) o banco foi assaltado vi . O SN o banco tem papel temático, mas não tem Caso. Movimento de SN 4.3- AS CONSTRUÇÕES COM PARECER

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(19) Joana parece estar distraída. (20) cv parece [Joana estar distraída]. (estrutura profunda) O SN Joana não recebe Caso Nominativo na posição de sujeito da sentença subordinada, porque o verbo está no infinitivo impessoal. Para receber Caso, o SN se desloca, por Mova SN, para a posição de sujeito de parecer, posição esta atemática. 4.4- AS CONSTRUÇÕES MEDIAIS (21) O livreiro vendeu aqueles livros. (22) A empregada passou esta camisa. (23) Aqueles livros vendem bem. (24) Esta camisa passa bem. (25) cv passa esta camisa bem. (estrutura profunda) [TEMA]

(26) Esta camisa passa vi bem. [TEMA]

MOVIMENTO DE SN

4.5- CADEIA TEMÁTICA (27) O banco foi assaltado ti . TEMA CADEIA TEMÁTICA (o banco, ti )

O vestígio ( t ) recebe papel temático do verbo assaltar e o transmite ao SN o banco, o qual se deslocou para a posição de sujeito por Mova SN.

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XIV - TEORIA DA LIGAÇÃO 1- Módulo da gramática que trata da distribuição das expressões referenciais (SNs como João, o gato, isto é, aqueles que denotam os seres do mundo objetivo), dos pronomes e dos elementos anafóricos (reflexivos e recíprocos). 2- PRINCÍPIOS DE LIGAÇÃO A- Um elemento anafórico (anáfora) deve estar ligado num domínio local; B- Um pronome deve estar livre num domínio local; C- Uma expressão referencial deve estar livre. Ex.: (1) Pauloi banhou-sei. (2) *Pauloi banhou-oi. (3) Pauloi banhou-oj. (4) [A filha de Joana]i banhou-sei. (5) *A filha de [Joana]i banhou a si própriai. (4a) SC (5a) SC 3 3

ESP C` ESP C` 3 3

C SF C SF qp qp

SNi F` SN F` 3 3 3 3

DET N` F SV DET N` F SV ! 3 ! ! 3 !

a N SP V` a N SP V` ! 3 3 ! 3 3 filha P SN V SN filha P SNi V SP ! 5 ! ! ! 5 ! 5 de Joana banhou sei de Joana banhou a si própriai

3- LIGAÇÃO E C-COMANDO C-COMANDO A c-comanda B se e somente se (a) A não domina B e B não domina A; (b) O primeiro nó ramificante que domina A também domina B. (8)

Intuitivamente, a condição de c-comando se refere a duas unidades sintáticas que se encontram, na árvore, ou numa relação de igualdade, ou numa relação de superioridade, isto é, ou são nós irmãos (como um verbo e seu complemento), ou a primeira unidade (A) está numa posição mais alta que a segunda (B) (como um sujeito e um objeto da mesma sentença).

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(4a) SC 3 ESP C` 3 C SF qp SNi F` 3 3 DET N` F SV ! 3 ! a N SP V` ! 3 3 filha P SN V SN ! 5 ! ! de Joana banhou sei O SN sujeito (a filha de Joana) c-comanda o SN objeto (o reflexivo se ). 4- LIGAÇÃO E REGÊNCIA (9) Poirot believes himself to be the best detective. (10) SF SN F` Poiroti F SV V` V SF believes SN F` himselfi

to be the best detective

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(11) *Poiroti believes [NP Miss Marple`s description of himselfi]. (12) SF SN F` Poiroti F SV V` qp

V SN believes Miss Marple`s description of himselfi

(13) Pequena oração: SF 3

SN F` F SV o juiz V` V SA regente > considera

SN SA Chico A` A inocente 14)a. Chico se considera inocente. b. Chicoi considera - [sei inocente]. z---m

5- LIGAÇÃO E SUJEITOS (15) Poiroti believes [NP any description of himselfi]. z--------------------m

(16) Miss Marple believes [NP poiroti`s description of himselfi]. z------------m

(17) Pauloi acredita em [NP qualquer descrição de si próprioi]. z------------------___-----m

(18) *Pauloi não acreditou na [NP minha descrição de si próprioi]. z--------------_-----------------m

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PEQUENO GLOSSÁRIO DE TERMOS GRAMATICAIS (TRADUZIDO DE RADFORD (1997))

ADJUNTO

Este termo é usado para denotar um constituinte opcional, usado tipicamente para especificar, p. ex., o tempo, o lugar ou o modo de ocorrência de um evento (p. ex., no bar é adjunto numa sentença como Nós tomamos uma cerveja no bar).

ARGUMENTO

Este termo os linguistas tomaram emprestado da filosofia (mais especificamente do cálculo de predicados), para descrever o papel desempenhado por determinados tipos de expressão na estrutura semântica das sentenças. Numa sentença como João machucou Frederico, considera-se que a sentença inteira é uma proposição (termo usado para descrever o conteúdo semântico de uma sentença), e consiste do predicado machucou e de seus dois argumentos João e Frederico. Os dois argumentos representam os dois participantes do ato de machucar, e o predicado é a espressão (neste caso o verbo machucar) que descreve a atividade em que eles estão engajados. Por extensão, numa sentença como João disse que Pedro detesta sintaxe, o predicado é a forma verbal disse, e seus dois argumentos são João e a oração subordinada que Pedro detesta sintaxe.

CATEGORIA VAZIA

Uma categoria encoberta (i.e., que é nula e não tem, portanto, forma fonética explícita ). As categorias vazias incluem os vestígios e os pronomes nulos PRO e pro.

COMPLEMENTO

É o termo usado para denotar uma função gramatical específica (do mesmo modo que o termo sujeito denota uma função gramatical específica). Todo complemento é uma expressão que combina com um núcleo para projetá-lo numa estrutura mais ampla do mesmo tipo. Em fechou a porta, a porta é o complemento de fechou; em até o fim, o fim é o complemento de até; em construção da casa, da casa, é o complemento de construção; em favorável ao projeto, ao projeto é o complemento de favorável. Como estes exemplos ilustram, todo complemento, em português, ocorre depois do seu núcleo. A escolha do complemento (e sua forma morfológica) é determinada pelas propriedades do núcleo: por exemplo, um auxiliar como estar exige como complemento uma expressão encabeçada por um verbo no gerúndio (cf. Ele está indo/*ido/*ir para casa). Além disto, complementos estabelecem uma estreita relação semântica com seus núcleos (p.ex., em matar-nos, nos é o complemento do verbo matar e desempenha o papel temático de paciente na ação expressa por este verbo).

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ESPECIFICADOR A função gramatical exercida por certos tipos de constituintes que, em português, precedem o núcleo do seu sintagma. Por exemplo, numa sentença como João está trabalhando, João é o especificador de está trabalhando.

FACULDADE DA LINGUAGEM

Chomsky argumentou que os seres humanos têm uma faculdade da linguagem inata (i.e., como um módulo cerebral) que lhes fornece um algoritmo (i.e., um conjunto de procedimentos ou programa) para desenvolver a gramática de sua língua materna.

FUNÇÃO

Espressões, como sujeito, especificador, complemento, objeto, núcleo e adjunto, denotam a função gramatical que um determinado termo exerce numa estrutura particular (que também se relaciona à posição ocupada pelo termo e a algumas de suas propriedades morfológicas, como caso e concordância).

GRAMÁTICA

Em termos tradicionais, a palavra gramática está associada ao estudo da morfologia e da sintaxe. Num sentido chomskiano mais amplo, gramática inclui o estudo da fonologia e de aspectos estruturais da semântica: isto é, a gramática de uma língua é um sistema computacional que deriva a forma fonética e a forma lógica dos sintagmas e sentenças.

GRAMÁTICA UNIVERSAL

O estudo das propriedades gramaticais comuns compartilhadas por todas as línguas naturais (e dos parâmetros de variação entre as línguas).

LEXICAL/LÉXICO

A palavra lexical é usada de diferentes maneiras. Visto que um léxico é um dicionário (i.e., uma lista de todas as palavras da lingua e de suas propriedades lingüísticas), a exprressão item lexical significa “palavra”, a expressão entrada lexical significa “a entrada no dicionário para uma dada palavra”, o termo propriedade lexical significa “propriedade associada a alguma palavra”. Contudo, a palavra lexical é usada também num segundo sentido, em contraste com funcional (significando, pois, não-funcional). Neste segundo sentido, uma categoria lexical é aquela cujos membros são nocionais (i.e., itens com conteúdo descritivo idiossincrático); por conseguinte, categorias como nome, verbo, adjetivo ou preposição são categorias lexicais neste sentido.

MÓDULO

Um componente individual e autônomo de um sistema mais amplo. Por exemplo, poder-se-ia dizer que uma gramática contém um módulo de caso – i.e., um componente que estabelece as propriedades casuais dos constituintes relevantes.

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MOVIMENTO Uma operação por meio da qual uma palavra, um sintagma ou um conjunto de traços é movido, de uma posição para outra, numa dada estrutura.

NÚCLEO

Este termo tem dois usos principais. O núcleo de um sintagma é a palavra-chave que determina as propriedades do sintagma. Assim, num sintagma como prejudicial à saúde, o núcleo é o adjetivo prejudicial, e, conseqüentemente, o sintagma é um sintagma adjetival (e, portanto, pode ocupar posições tipicamente ocupadas por expressões adjetivais, como a de complemento do verbo ser em sentenças do tipo O fumo é prejudicial à saúde.

PAPEL TEMÁTICO

O papel semântico desempenhado por um argumento em relação a seu predicado (ex. AGENTE, TEMA, EXPERIENCIADOR, etc ).

PARÂMETRO

Uma dimensão da variação gramatical entre línguas diferentes ou entre diferentes variedades da mesma língua (p. ex., o parâmetro do núcleo e o parâmetro do sujeito nulo).

PRINCÍPIOS

Os princípios descrevem propriedades potencialmente universais de estruturas ou operações gramaticais: os termos condição e restrição também são usados praticamente com o mesmo sentido. Os princípios potenciais da Gramática Universal incluem o Princípio da Dependência de Estrutura, a Restrição ao Movimento de Núcleo, o Princípio da Interpretação Plena, etc).

PROJEÇÃO

Uma projeção é um constituinte que é a expansão de um núcleo. Por exemplo, um sintagma nominal como estudantes de lingüística é a projeção de seu núcleo nominal estudantes ( de modo equivalente, pode-se dizer que o nome estudantes aqui se projeta no sintagma nominal estudantes de lingüística). Uma projeção mínima é um constituinte que não é projeção de nenhum outro constituinte: portanto, núcleos (i.e., palavras) são projeções mínimas. Uma projeção intermediária é um constituinte que é maior que uma palavra, mas é menor que um sintagma. Uma projeção máxima é um constituinte que não está contido num constituinte maior com o mesmo núcleo. Assim, por exemplo, numa sentença como Ele é favorável ao projeto, o sintagma adjetival favorável ao projeto é uma projeção máxima, visto que é uma projeção do adjetivo favorável, mas não está contido em nenhuma projeção mais ampla do mesmo adjetivo.

PROPOSIÇÃO

Termo usado para descrever o conteúdo semântico (i.e., o significado) de uma sentença. Por exemplo, poderíamos dizer que a sentença João fuma? questiona a verdade da proposição “João fuma”.

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PRO/pro PRO designa um pronome encoberto de caso nulo (conhecido informalmente como PROzão, porque é grafado com maiúsculas) que representa o sujeito subentendido de um infinitivo num predicado de controle; ex.: João resolveu PRO sair. Em contraste, pro é um pronome encoberto de caso nominativo (conhecido informalmente como prozinho, por ser escrito com letras minúsculas) que representa o sujeito subentendido de uma sentença de modo finito, como no exemplo Compraremos um apartamento.

SUJEITO

O sujeito é um dos principais constituintes de uma sentença, visto que o menor tipo de sentença que podemos construir compreende um sujeito e um predicado (o predicado, na maioria das vezes, é um verbo). Assim, numa sentença como João sorri, o sujeito é João e o predicado é a forma verbal sorri. Em termos semânticos, o sujeito de uma sentença é tipicamente a entidade que pratica a ação descrita pelo verbo. Em termos gramaticais, o sujeito de uma sentença é tipicamente o termo que concorda com o verbo, que o precede, e que possui caso nominativo: em Ele fuma cigarros, Ele é o sujeito do verbo fumar, em virtude do fato de que ele é nominativo, precede a forma verbal fuma, e com ela concorda (já que ambas as formas estão na terceira pessoa do singular).

SUJEITO NULO

Um sujeito que tem propriedades gramaticais e semânticas, mas não tem forma fonética explícita. Mais especificamente, este termo denota normalmente o sujeito nulo pro, encontrado em orações finitas, declarativas ou interrogativas, em línguas como o italiano, o português e o espanhol. Assim, uma língua de sujeito nulo é aquela que admite que orações finitas, declarativas ou interrogativas, tenham um sujeito nulo pro. Por exemplo, o italiano é uma língua de sujeito nulo, permitindo sentenças como Sei simpatica (literalmente “São simpáticas”, significando “Vocês são simpáticas”).

TEORIA DOS PRINCÍPIOS E PARÂMETROS

Teoria desenvolvida por Chomsky nas duas últimas décadas, a qual sustenta que as propriedades universais das gramáticas das línguas naturais refletem a atuação de um conjunto de princípios gramaticais universais, e que as diferenças gramaticais entre as línguas podem ser caracterizadas em termos de um conjunto restrito de parâmetros.

VARIAÇÃO PARAMÉTRICA

Variação de uma língua para outra com respeito a algum parâmetro particular. Por exemplo, há variação paramétrica entre o inglês e o italiano com relação ao parâmetro do sujeito nulo, isto é, o italiano é uma língua de sujeito nulo, ao passo que o inglês não o é.

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VESTÍGIO Um vestígio é uma categoria vazia deixada (como resultado de movimento) em cada posição da qual um constituinte se move. A teoria do vestígio é uma teoria que postula que os constituintes movidos deixam atrás de si um vestígio em cada posição de onde se movem. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA RADFORD, Andrew. Syntactic theory and the structure of English; a minimalist approach. Cambridge, Cambridge University Press, 1997a.

__________. Syntax; a minimalist introduction. Cambridge, Cambridge University Press, 1997b.

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XV - EXERCÍCIOS

EXERCÍCIO I 1) Identifique, nos exemplos que se seguem, os seguintes termos da oração: a) SUJEITO g) OBJETO DIRETO b) PREDICADO VERBAL h) OBJETO INDIRETO c) PREDICADO NOMINAL i) ADJUNTO ADNOMINAL d) PREDICADO VERBO-NOMINAL j) COMPLEMENTO NOMINAL e) PREDICATIVO l) AGENTE DA PASSIVA 1- Aqueles três rapazes compraram um carro novo. 2- Chegaram à floresta os três porquinhos. 3- Entramos em casa muito cansados. 4- Chegamos ao clube aborrecidos. 5- Vive-se extremamente bem aqui. 6- Meu tio ofereceu rosas à esposa. 7- Precisamos todos de salários justos. 8- A construção da casa durou muito tempo. 9- A derrubada da floresta angustiou-nos. 10- A invenção do avião foi um grande avanço. 11- São tolas as pessoas que são enganadas por vigaristas. 12- Contaram-me ontem diversas histórias. 13- Não se precisa aqui de gente incompetente. 14- Paulinho anda cansado ultimamente. 15- Aquele rapaz com cabelo curto estava alheio ao burburinho da festa. 16- Os livros raros pertenciam aos estudantes estrangeiros. 17- Eu sempre o considerei um tolo. 18- Eu achei o empregado bastante idiota. 19- Aumentou-se o salário dos trabalhadores. 20- Vendem-se apartamentos novos. 2) Identifique, nos períodos abaixo, os seguintes tipos de orações subordinadas substantivas: a) SUBJETIVAS b) PREDICATIVAS c) OBJETIVAS DIRETAS d) OBJETIVAS INDIRETAS e) COMPLETIVAS NOMINAIS 1- É necessário que venhas rápido. 2- Convém que arrumes as malas. 3- Parece que o rapaz se interessou pelo jogo. 4- Consta que os garotos sofreram uma decepção. 5- Pedro e João disseram que Jovino passou nos exames. 6- Ninguém esperava que viesses logo. 7- Não sei se você concordaria comigo. 8- A verdade é que não gostamos mesmo de chocolate.

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9- Minha esperança é que voltes rapidamente. 10- Não me esqueço de que os impostos são sempre caros. 11- Pedro estava receoso de que tu não viesses. 12- Sou favorável a que todos estudem muito. 13- Paulo convenceu-me de que era fácil a tarefa. 14- Tinha certeza de que serias aprovado. 15- Dizem por aí que ele chegará no próximo trem. EXERCÍCIO II 1- Responda: a- Em que consiste a ordenaçäo linear dos elementos lingüísticos? b- O princípio de linearidade se aplica apenas à ordenaçäo das palavras para formar sentenças? 2- Identifique os constituintes das sentenças abaixo: a- Meu tio comprou um novo carro. b- Meus primos e primas säo todos muito bonitos. c- As mulheres choram muito 3- De acordo com o modelo dado no texto Linearidade e Estrutura Hierárquica, mostre que a estrutura de constituintes das sentenças acima é hierárquica.

EXERCÍCIO III

Texto: Gramática Universal e Aquisição da Linguagem (Steven Pinker)

1- Por que se pode dizer que a linguagem é um instinto? 2- O que são regras da linguagem para Pinker? 3- Como Pinker define Gramática Universal? 4- Explique brevemente a tese do inatismo no estudo da aquisição da linguagem

Texto: Sobre a Natureza da Aquisição da Linguagem (Langacker, p. 243-250)

1- Quando se pode dizer que uma criança domina sua língua nativa? 2- Discorra brevemente sobre a hipótese racionalista de aquisição da linguagem. 3- Comente duas evidências em favor da hipótese de que a linguagem é uma capacidade inata do ser humano.

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4- Comente a seguinte afirmação: “A reivindicação empirista, no entanto, afirma que todo o sistema lingüístico é realmente construído a partir do nada, com base na capacidade intelectual da criança. A criança deve descobrir, não apenas alguns detalhes estruturais, mas também todo o esquema da organização lingüística.”

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EXERCÍCIO IV

1) Use a Teoria X-Barra e faça árvores analíticas para as seguintes sentenças:

1- O aprendiz consertou o carro. 2- Aquele artista comprou um piano. 3- Paulo comeu o sanduíche. 4- O rapaz sorriu. 5- Paulo sorriu. 6- O rapaz comeu o sanduíche na cantina. 7- O estudante leu o livro na varanda. 8- O estudante de matemática perdeu um livro. 9- O estudante com cabelos longos perdeu um livro. 10- O deputado é favorável ao projeto. 11- Paulo correu no parque. 12- Os policiais estão conscientes da situação. 13- Paulo quer que Jonas compre um livro. 14- Paulo disse que Jonas tinha comprado um livro. 2) Nas sentenças abaixo, assinale os sintagmas que sofreram as regras de Movimento de SN e Movimento de QU-: 1- Que livro Paulo leu? 2- Quem Jonas admira? 3- Em que prédio você trabalha? 4-Este computador foi consertado pelo técnico. 5- A casa foi comprada ontem. EXERCÍCIO V

1- Indique os papéis temáticos dos sintagmas sublinhados:

1) Joana fez um bolo para Paulo. 2) O garoto derrubou a cadeira. 3) Paulo ouvia música clássica. 4) O trem foi de São Paulo para Belo Horizonte. 5) A cadeira foi empurrada por Jonas. 6) Aquele baú contém um tesouro valiosíssimo. 7) O operário enlatou as sardinhas. 8) O funcionário engavetou o processo. 9) O rapaz destampou a garrafa de vinho. 10) Jorge ouve aquele barulho todo dia. 11) Ponciano percebeu o perigo. 12) O barulho irritou o motorista. 13) A lua sumiu. 14) Jorge fechou a porta com a chave.

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2- Indique, através de árvores, as estruturas profundas e as estruturas superficiais das seguintes sentenças: 1) O dinheiro foi roubado. 2) Jorge parecia amar Joana. 3) Jorge disse que Pedro amava Joana. 4) Quem Jorge admira? 5) Que livro Jorge comprou? 3- Indique, nas árvores feitas para a questão 2, as posições sintáticas em que se localizam os vestígios de SN e os vestígios de QU-; indique, também, as posições atemáticas. 4- Explique por que as sentenças abaixo são agramaticais:

1) * Quem Jonas admira Márcia?

2) * O banco foi assaltado o bar.

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EXERCÍCIO VI

ESTRUTURA PROFUNDA ! Movimento de SN

MOVA α ! Movimento de QU-

ESTRUTURA SUPERFICIAL 1) Paulo parecia admirar Joana. 2) O gato parecia miar. 3) O cão parecia latir. 4) A água parecia ferver. Estrutura Profunda de (1) Estrutura Superficial de (1) a) SC !

C` 3

C SF 3

SN F` ! 3

4 F SV !

V` 3

V SF ! 3

parecia SN F` ! 3

Paulo F SV !

V` 3

V SN ! ! admirar Joana 1`) 4 parecia [Paulo admirar Joana] 1``) Paulo parecia [ t admirar Joana]

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EXERCÍCIO VII 1) Faça árvores que representem as estruturas superficiais das seguintes sentenças: 1- A casa foi roubada. 2- O banco foi assaltado pela quadrilha 3- A casa foi construída. 4- A casa foi construída pelos operários. 5- Pedro disse que Paulo admira Joana. 6- Pedro perguntou se Paulo admira Joana. 7- Jorge parece admirar Juliana. 8- A água parecia estar fervendo. 9- Quem Jonas admira? 10- Quem Pedro conheceu? 11- Quem Pedro disse que Paulo conheceu? 12- Quem Pedro afirma que Paulo admira? 2) Indique, nas árvores desenhadas para as sentenças acima, se os sintagmas movidos foram para posições argumentais ou para posições não-argumentais. Justifique a resposta. 3) Estabeleça, através de árvores, as estruturas profundas das sentenças (1), (7), (10) e (12). 4) Modelos: Estrutura profunda de (9) Estrutura superficial de (9) SC SC 3 3

ESP C` ESP C` 3 ! 3

C SF quem C SF [+QU] 3 [+QU] 3

SN F` SN F` ! 2 ! 3

Jonas F SV Jonas F SV ! !

V` V` 2 2 V SN V SN ! ! ! ! admira quem admira t ---------------- -m Movimento de QU-

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EXERCÍCIO VIII 1) a) Que carro Jonas lavou? b) Que livro Alberto leu? c) Quando Alberto leu aquele livro? d) Jonas foi ferido pelos pivetes. e) O rapaz parece estar triste. A - Estabeleça, através de árvores, as estruturas superfiiciais das sentenças acima. B - Indique, em cada uma das árvores, se o vestígio (t) do sintagma movido se localiza numa posição argumental ou numa posição não-argumental. Justifique a resposta. 2) a) É importante os deputados assinarem a declaração. b) Paulinho entregou-a a mim. Indique os Casos atribuídos aos sintagmas sublinhados acima, bem como os seus atribuidores. 3) Explique por que as sentenças abaixo são agramaticais: a) *Parece Jonas admirar Cláudia. b) *Paulo parece que Jonas admira Cláudia. 4) Na árvore abaixo, representativa da estrutura profunda da sentença (a) A água parecia ferver, indique: a) o núcleo que atribui papel temático ao SN a água. b) por que o SN a água não pode receber Caso na posição de sujeito de ferver. EP de (a): SC ! C` 2 C SF 3 SN F` 4 3 F SV 2 !

+T +CONC V` 3 V SF ! 3 parecia SN F` ! 2 a água F SV 2 ! -T - CONC V ! ferver

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.XVI - BIBLIOGRAFIA 1- AKMAJIAN, Adrian et alii. Linguistics; an introduction to language and communication. Cambridge, MIT Press, 1995. 2- AZEREDO, José Carlos de. Iniciação à sintaxe do português. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1990. 3- CHOMSKY , Noam & LASNIK, E. The theory of Principles and Parameters. In: CHOMSKY, Noam. The Minimalist Program. Cambridge, The MIT Press, 1995. 4- --------------. Reflexões sobre a linguagem. São Paulo, Cultrix, 1980. 5- --------------. Novos horizontes no estudo da linguagem. IN: Noam Chomsky na UFRJ. Coord. de Luiz Pinguelli Rosa e Miriam Lemle. Rio, UFRJ, 1998. 6- DILLINGER, Mike. Princípios e parâmetros; lingüística gerativa sob novo enfoque. Tese para concurso de Titular na UFMG. Belo Horizonte, 1991, ms. 7- HAEGEMAN, Liliane. Introduction to Government and Binding Theory. Oxford, Blackwell, 1994, 2. ed. 8- LANGACKER, Ronald. A linguagem e sua estrutura. Petrópolis, Vozes, 1972. 9- MIOTO, Carlos et alii. Manual de sintaxe. Florianópolis, Insular, 1999. 10- PASSOS, Claiz e PASSOS, Maria Emiliana. Princípios de uma gramática modular. São Paulo, Contexto, 1990. 11- PEARCE, Elizabeth. Parameters in Old French syntax: infinitivals complements. Dordrecht, Kluwer, 1990. 12- PERINI, Mário A. Para uma nova gramática do português. São Paulo, Ática, 1985. 13- RAPOSO, Eduardo Paiva. Teoria da gramática; a faculdade da linguagem. Lisboa, Caminho, 1992. 14- RIEMSDIJK, Henk Van & WILLIAMS, E. Introdução à teoria da gramática. São Paulo, Martins Fontes, 1991. Tradução de Miriam Lemle, Maria Angela Botelho Pereira e Marta Coelho.

15- ROUVERET, Alain. Syntaxe des dependances lexicales. Paris, Université de Paris VII. Tese de Doutorado inédita.

16- SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. São Paulo, Cultrix, s/d