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OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO TRABALHO COMO REFERNCIA PARA PESQUISAS SOBRE O DESEMPENHO
SOCIAL E TRABALHISTA DE EMPRESAS NO BRASIL
MAIO/2004
INSTITUTO OBSERVATRIO SOCIAL R. So Bento, 365, 18 andar Centro - Cep: 01011-100 So Paulo, SP, Brasil Fone/Fax: 55 11 3105-0884 E-mail: [email protected] Site: www.os.org.br
INSTITUTO OBSERVATRIO SOCIAL
OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO TRABALHO COMO
REFERNCIA PARA PESQUISAS SOBRE O DESEMPENHO SOCIAL
E TRABALHISTA DE EMPRESAS NO BRASIL
MAIO/2004
INSTITUTO OBSERVATRIO SOCIAL
CONSELHO DIRETOR Antonio Carlos Spis (Secretaria de Comunicao, CUT) Artur Henrique dos Santos (Secretaria de Organizao, CUT) Francisco Mazzeu (Unitrabalho) Gilda Almeida de Souza (Secretaria de Polticas Sociais, CUT) Joo Vaccari Neto (Secretaria de Relaes Internacionais, CUT) Jos Celestino Loureno (Secretaria Nacional de Formao, CUT) Kjeld A. Jakobsen, Presidente (CUT) Mara Luzia Feltes (Dieese) Maria Ednalva B. de Lima (Secretaria da Mulher Trabalhadora, CUT) Maria Ins Barreto (Cedec) Rosane da Silva (Secretaria de Polticas Sindicais, CUT) Silvia Arajo (Unitrabalho) Tullo Vigevani (Cedec) Wagner Firmino Santana (Dieese)
DIRETORIA EXECUTIVA Ari Aloraldo do Nascimento (CUT) Artur Henrique dos Santos (SNO/CUT) Carlos Roberto Horta (UNITRABALHO) Clemente Ganz Lcio (DIEESE) Kjeld A. Jakobsen Presidente Maria Ednalva B. de Lima (SNMT/CUT) Maria Ins Barreto (CEDEC) Rosane da Silva (Secretaria de Polticas Sindicais, CUT)
SUPERVISO TCNICA Amarildo Dudu Bolito: Supervisor Institucional Joo Paulo Veiga: Supervisor Tcnico Marques Casara: Supervisor de Comunicao Mnica Corra Alves: Supervisora Administrativo-financeira Ronaldo Baltar: Supervisor do Sistema de Informao
Reviso gramatical e ortogrfica: Jane Maria Viana Cardoso
Este conjunto de textos foi produzido com a colaborao de toda a equipe de pesquisadores e consultores do Instituto Observatrio Social, bem como de sindicalistas e convidados especiais, atravs da discusso de verses preliminares em oficinas tcnicas realizadas nos anos de 2002 e 2003.
iii
SUMRIO
APRESENTAO VII
CAPTULO 1 - INTRODUO 1
1.1 A OIT e as Normas Internacionais do Trabalho...............................................................................4
1.2 A OCDE e as Diretrizes para Empresas Multinacionais..................................................................7
1.3 O Global Compact...............................................................................................................................9
1.4 Instrumentos pactuados: o Cdigo da CIOSL e os Acordos Marco .............................................11
1.5 Iniciativas Voluntrias: cdigos de conduta....................................................................................12
1.6 Certificao Social: a SA 8000..........................................................................................................14
CAPTULO 2 - LIBERDADE SINDICAL 17
2.1 Evoluo Mundial..............................................................................................................................17
2.2 Evoluo no Brasil .............................................................................................................................20
2.3 Centralidade.......................................................................................................................................33
2.4 Referncias Internacionais................................................................................................................34
2.5 Referncias Nacionais........................................................................................................................48
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 56
CAPTULO 3 - NEGOCIAO COLETIVA 59
3.1 Centralidade.......................................................................................................................................59
3.2 Referncias Internacionais................................................................................................................61
3.3 Referncias Nacionais........................................................................................................................85
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 93
CAPTULO 4 - GENERO 95
iv
4.1 A OIT e os direitos das mulheres .....................................................................................................95
4.2 Referncias histricas da igualdade salarial....................................................................................98
4.3 Aportes metodolgicos disponveis da igualdade salarial ............................................................103
4.4 Como definir um salrio igual? Alguns critrios ..........................................................................109
4.5 Um passo frente na globalizao dos direitos a igualdade de oportunidades.......................113
4.6 A legislao brasileira e a igualdade de tratamento e oportunidades .........................................117
4.7 Foco de observao e diagnsticos disponveis..............................................................................123
CAPTULO 5 - RAA 131
5.1 Histrico Sobre o Tema...................................................................................................................132
5.2 Principais Referncias.....................................................................................................................160
5.3 Prticas Discriminatrias no Trabalho..........................................................................................162
5.4 Posicionamento do Observatrio Social ........................................................................................174
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 176
CAPTULO 6 - A ERRADICAO DO TRABALHO INFANTIL 177
6.1.1 As Estatsticas Internacionais......................................................................................................179
6.2 Referncias Internacionais..............................................................................................................188
6.3 Referncias Nacionais......................................................................................................................195
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 214
CAPTULO 7 - ABOLIO DO TRABALHO FORADO 215
7.1 Histrico ...........................................................................................................................................218
7.2 Retrato Atual do Trabalho Escravo no Brasil ..............................................................................223
7.3 Principais Referncias Legais.........................................................................................................234
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 245
v
ANEXOS 248
Anexo 1 ...................................................................................................................................................248
Anexo 2 ...................................................................................................................................................250
CAPTULO 8 - SEGURANA E SADE NO TRABALHO 253
8.1 Globalizao, reestruturao produtiva e sade do trabalhador................................................265
8.2 Globalizao, Segurana e Sade no Trabalho e Empresas Multinacionais ..............................272
8.5. Concluses .......................................................................................................................................295
CAPTULO 9 - MEIO AMBIENTE 299
9.1 Evoluo da Preocupao com o Meio Ambiente .........................................................................299
9.2 A evoluo no Brasil ........................................................................................................................307
9.3 Movimento Sindical e Meio Ambiente ...........................................................................................312
9.4 empresas e Meio Ambiente .............................................................................................................319
9.4 Principais Referncias Internacionais ...........................................................................................324
vi
vii
APRESENTAO
O Instituto Observatrio Social uma iniciativa da Central nica dos
Trabalhadores (CUT) em parceria com Centro de Estudos de Cultura Contempornea
(CEDEC), o Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos SocioEconmicos
(DIEESE) e a Rede Interuniversitria de Estudos do Trabalho (Unitrabalho). Sua meta
gerar e organizar informaes consistentes sobre o desempenho social e trabalhista
de empresas no contexto da globalizao econmica e da liberalizao dos mercados,
em funo de acordos de comrcio internacional.
Para o Observatrio Social, o desempenho social e trabalhista das empresas
deve ser avaliado de modo a abranger as seguintes reas temticas: liberdade sindical,
negociao coletiva, trabalho infantil, trabalho forado, discriminao contra gnero e
raa, meio ambiente, sade e segurana no trabalho. E a referncia de tal avaliao
precisa estar baseada nos direitos fundamentais do trabalho definidos pela OIT
(Organizao Internacional do Trabalho), em consensos envolvendo governos,
empregadores e trabalhadores. Na rea ambiental, cabe complementar as referncias
da OIT com outros tratados e documentos internacionais gerados, principalmente, pelo
sistema ONU ao longo das ltimas dcadas.
Tomando as Convenes como referncia, o Observatrio Social buscou a
ajuda de especialistas para interpretar e contextualizar as normas internacionais luz
da realidade brasileira, bem como complement-las com as normas e padres
nacionais de conduta empresarial. O esforo resultou neste livro, em que a viso dos
autores foi enriquecida pela contribuio de muitas outras pessoas ao longo de dois
anos de discusses. O texto pretende auxiliar no conhecimento sobre os temas tratados
nos estudos, sobre o trabalho no Brasil e sobre a conduta de empresas multinacionais.
Para chegarmos aqui foi indispensvel o apoio da central sindical holandesa Federatie
Nederlandse Vakbeweging (FNV).
viii
1
CAPTULO 1 - INTRODUO
O processo de globalizao da economia est sendo acompanhado por
desigualdade crescente, entre os pases, entre regies e entre classes sociais dentro de
cada nao. Mais que inaceitvel, esta situao se afigura como insustentvel para o
futuro da humanidade.
Esta constatao impe uma reviso do processo de globalizao a fim de
que ele deixe de ser restrito aos mercados e aos lucros das empresas, para se estender
ao mbito dos direitos trabalhistas, dos direitos sociais e das aes de preservao do
meioambiente, construindo um desenvolvimento harmnico e sustentvel.
Pensando assim, a CUT Brasil, em parceria com Cedec, Dieese e
Unitrabalho criaram o Instituto Observatrio Social, afirmando-se como "Uma
iniciativa pela globalizao dos direitos". Sua meta gerar e organizar informaes
consistentes sobre o desempenho social e trabalhista de empresas. Com isto, quer
contribuir na discusso sobre o desenvolvimento social e ambiental do planeta,
interagindo com propostas de responsabilidade social empresarial e da adoo de
clusulas sociais e ambientais, nos tratados internacionais de comrcio e
investimentos, sempre tomando como ponto de partida os interesses dos trabalhadores.
Com esta meta em vista, definiu-se uma pauta de temas a serem tratados:
liberdade sindical, negociao coletiva, trabalho infantil, trabalho forado,
discriminao contra gnero e raa, meio ambiente, sade e segurana no trabalho. Se
no esgotam a agenda de debates sobre o desenvolvimento contemporneo do planeta
e do Brasil, abrangem os pontos mais sensveis e, muitas vezes, pouco lembrados.
Para fundamentar suas anlises, o Observatrio escolheu os Direitos
Fundamentais do Trabalho, definidos pela OIT (Organizao Internacional do
Trabalho)1 e a Declarao da ECO-922. A Declarao da OIT tem uma legitimidade
1 OIT. Declaracion de La OIT Relativa a los Principios e Derechos Fundamentales en el Trabajo. Ver URL:
2
inquestionvel, pois foi aprovada pelas trs partes representadas na estrutura da
Organizao, onde governos, empregadores e trabalhadores esto reunidos para
trabalhar pela promoo da justiasocial e melhores condies de vida e de trabalho
em todo o mundo.
O Instituto Observatrio Social realiza um trabalho de monitoramento do
comportamento social, trabalhista e ambiental das empresas instaladas no Brasil,
atravs de pesquisas participativas envolvendo sindicatos, trabalhadores e as prprias
empresas. As prticas empresariais so confrontadas com padres extrados,
principalmente, das Convenes e Recomendaes da OIT.
As Convenes da OIT, consideradas nas pesquisas do IOS, com a
respectiva data de ratificao pelo Brasil, so as seguintes:
http://www.ilo.org/dyn/declaris/DECLARATIONWEB.INDEXPAGE?var_language=SP, visitado em 06/07/04.
2 PNUMA. Rio Declaration on Environment and Development. Ver URL: http://www.unep.org/Documents/Default.asp?DocumentID=78&ArticleID=1163,visitado em 06/07/04.
3
QUADRO 1 CONVENES DA OIT E RATIFICAO PELO BRASIL Tema Adoo pela
OIT Ratificao Pelo
Brasil LIBERDADE SINDICAL C87 - Liberdade Sindical e Proteo ao Direito de Sindicalizao 1948 NO RATIFICADA C135 - Representantes dos Trabalhadores 1971 18/05/1990 NEGOCIAO COLETIVA C98 - Direito de Sindicalizao e Negociao Coletiva 1949 18/11/1952 C151 - Relaes de Trabalho na Administrao Pblica 1978 NO RATIFICADA DISCRIMINAO NO TRABALHO C100 - Igualdade de Remunerao (Homens e Mulheres) 1951 25/04/1957 C111 - Discriminao no Emprego e na Ocupao 1958 26/11/1965 TRABALHO INFANTIL C138 - Idade Mnima 1973 28/06/2001 C182 - Proibio das piores formas de trabalho infantil e a ao imediata para sua eliminao
1999 02/02/2000
TRABALHO FORADO C29 - Sobre o Trabalho Forado 1930 25/04/1956 C105 - Abolio do Trabalho Forado 1957 18/06/1965 SADE E SEGURANA NO TRABALHO C148 - Meio Ambiente de Trabalho (contaminao do ar, rudo e vibraes)
1977 14/01/1982
C155 - Segurana e Sade dos trabalhadores 1981 18/05/1992 C170 - Produtos Qumicos 1990 23/12/1996 C174 - Preveno de acidentes industriais maiores 1993 02/08/2001
Fonte: OIT. url: http://webfusion.ilo.org/public/db/standards/normes/appl/index.cfm?lang=ES, visitado em 06/07/2004. Elaborao Observatrio Social, 2004
As Convenes da OIT dirigem-se s naes, tornando-se obrigatrias para
todos os agentes polticos e econmicos. Muitas vezes, para avaliar a conduta de
empresas preciso traduzir essas normas internacionais em requisitos especficos a
serem verificados na prtica empresarial. Alm disso, preciso interpretar os
princpios de cada Conveno luz da realidade brasileira, e adapt-los aos objetivos
de uma avaliao de empresas. Para tanto, o Observatrio Social considerou uma srie
de referncias nacionais e internacionais que dialogam com o tema da
responsabilidade social empresarial.
Este livro apresenta as referncias tericas gerais e especficas para essa
avaliao das empresas, contextualiza a luta pelos direitos trabalhistas, sociais, bem
como avana para sugestes sobre metodologia de observao. Cada captulo est
dedicado a um dos temas dos direitos fundamentais no trabalho. As referncias
nacionais e internacionais, especificamente voltadas para o tema do meio ambiente, tal
4
como a Agenda 21, sero tratadas nos Captulos 8 e 9 deste livro.
Nas sees seguintes, se apresentam sinteticamente as caractersticas gerais
das normas internacionais, que constituem essas referncias para as discusses
temticas, contidas nos outros captulos deste livro. Esta sntese introdutria permite
ao leitor uma base de informaes suficiente para o entendimento das reflexes
especficas que viro mais adiante.
1.1 A OIT e as Normas Internacionais do Trabalho
A importncia adquirida pelas normas internacionais da OIT na ltima
dcada refletiu, especialmente, o movimento interno e as articulaes externas dessa
organizao as quais lhe atriburam reconhecimento e valorizao. Colocaram-se em
contraposio a um movimento, particularmente forte nos anos 80 e 90, que defendia a
desregulamentao do trabalho e apregoava a reduo do papel regulador da OIT e at
mesmo sua possvel extino.
A OIT adotou, em 1999, um princpio geral que ocasionou uma reviso
completa de suas estratgias e formas de atuao, que : Em um mundo cheio de
incertezas, uma organizao deve ter uma viso clara dos seus objetivos e estratgias.
Pode ser necessrio ajustar rapidamente a ttica e determinadas atividades s novas
circunstncias, mas somente depois de haver fixado uma meta clara.
Essa meta objetivo principal da OIT - o Trabalho Decente, definido a
seguir:
O objetivo principal da OIT nesse perodo de transio global assegurar trabalho decente para homens e mulheres aonde quer que eles estejam. Essa a necessidade mais ampla, compartilhada por pessoas, famlias e comunidades em todas as sociedades, e em todos os nveis de desenvolvimento. Trabalho Decente uma demanda global atual, confrontando lideranas polticas e empresariais em todo o mundo. Muito do nosso futuro comum depende de como ns vamos juntos enfrentar esse desafio.
5
1.1.1 A Declarao de Princpios e Direitos Fundamentais no Trabalho
A Declarao da OIT sobre os Princpios e os Direitos Fundamentais no
Trabalho, lanada em outubro de 1998, estabelece os pilares desse novo papel,
desenvolvido pela OIT:
A mundializao a integrao econmica caracterizada por um comrcio internacional aberto, o investimento e os fluxos de capital requer um pilar social universal que sustente a democracia, a transparncia, a eqidade e o desenvolvimento. Cada vez h um consenso maior de que, a menos que a comunidade mundial aborde sistematicamente as questes da injustia e a igualdade, aumentar o nmero de pases e pessoas que rechaam o processo de integrao internacional propriamente dito. [....] Atualmente h um acordo universal acerca do dever que corresponde a todos os pases, independentemente de seu desenvolvimento econmico, valores culturais ou nmero de Convenes da OIT que hajam ratificado, de respeitar, promover e fazer efetivos os princpios e deveres fundamentais seguintes:
A liberdade de associao e a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociao coletiva;
A eliminao de todas as formas de trabalho foroso ou obrigatrio;
A abolio efetiva do trabalho infantil;
A eliminao da discriminao em matria de emprego ou ocupao.
Os direitos fundamentais passaram a ser considerados direitos
humanos e, no apenas, direitos trabalhistas, dando-lhes um status mais
elevado.
Algumas normas foram eleitas como a expresso mxima desses princpios e
deveres fundamentais, induzindo estados a ratific-las e empresas multinacionais a
respeit-las, independente se o pas em que atuam haja feito ou no a ratificao das
mesmas.
O contedo de cada conveno que forma a Declarao ser exposto e
comentado nos captulos seguintes deste texto.
6
As Convenes da OIT definem obrigaes para os pases que as ratificam,
que devem incorpor-las legislao e prtica nacional. As empresas tambm esto
obrigadas a incorpor-las em decorrncia daqueles compromissos, mas essa relao
sempre indireta. Para reforar o compromisso das empresas, especialmente o das
multinacionais, aos princpios das convenes, foram aprovados alguns instrumentos
de adeso voluntria que traduzem os direitos em prtica empresarial.
1.1.2 A Declarao Tripartite sobre Empresas Multinacionais e Poltica Social da OIT
A Declarao Tripartite3, alm de ser especialmente importante por sua
origem na OIT, , entre as normas voluntrias, aquela que se destaca pelo
detalhamento no tema das relaes de trabalho. A origem desta Declarao remonta ao
ano final dos anos 60, enquanto uma iniciativa da seo governamental da OIT e, s
no se tornou uma Conveno, devido negativa inflexvel da seo empresarial, em
meados de 1976, que aceitava apenas uma Declarao de carter no vinculativo.
A Declarao Tripartite vai alm dos direitos fundamentais, tratando,
tambm, de promoo do emprego, formao profissional, segurana no emprego,
remunerao, segurana e sade, consultas, reclamao e soluo de conflitos.
Desta maneira, a Declarao um instrumento voluntrio de natureza
promotora, passvel de ser requerida apenas em relao a sua interpretao e aplicao.
Para o recebimento e aceitao de requerimentos de interpretao, existe um
procedimento interno que envolve todas as partes constituintes da OIT. Podem
apresentar esse requerimento apenas os governos dos pases membros, organizaes
nacionais de trabalhadores ou empresrios e organizaes internacionais de
trabalhadores e empregadores, em nome de seu afiliado nacional. O resultado final da
3 OIT. Declaracin tripartita de principios sobre las empresas multinacionales y la politica social. Ver URL: http://www.ilo.org/ilolex/cgi-lex/pdconvs.pl?host=status01&textbase=ilospa&document=2&chapter=28&query=declaracion&querytype=bool, visitado em 04/06/2004.
7
consulta publicado nos principais instrumentos de comunicao da OIT, expondo o
nome e a imagem da empresa frente aos acionistas e consumidores.
E, a cada quatro anos, um instrumento de avaliao faz um balano geral da
prtica das empresas frente a tais princpios, com base em consultas aos governos,
trabalhadores e empresrios.
Em maro de 2002, foi realizado, em Genebra, um Frum Tripartite sobre a
Promoo da Declarao, o qual reconheceu o valor das experincias compartilhadas
entre empresas multinacionais, governos e organizaes de trabalhadores.
1.2 A OCDE E AS DIRETRIZES PARA EMPRESAS MULTINACIONAIS
A Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE)
agrupa 30 pases, na sua maioria com economias industriais desenvolvidas, e se
constitui num frum de debate para questes do desenvolvimento econmico e social
internacional. As concluses e recomendaes da OCDE servem de baliza para a
atuao dos pases mais ricos e poderosos do planeta.
As Diretrizes para Empresas Multinacionais4 foram elaboradas em meados
da dcada de 70 e anexadas Declarao da OCDE sobre Investimento Internacional
e Empresas Multinacionais, adotada em junho de 1976. Seu surgimento foi uma
resposta s crticas feitas atuao das multinacionais norte-americanas e europias
nos pases em desenvolvimento.
Posteriormente, essas Diretrizes foram revisadas, atualizando seu contedo.
A atual verso, que contou com a participao do governo brasileiro, foi aprovada pelo
Conselho da OCDE em junho de 2000. As Diretrizes se aplicam aos pases membros
da OCDE e Argentina, ao Brasil e ao Chile que aderiram a elas voluntariamente.
4 BRASIL. DECLARAO SOBRE INVESTIMENTO INTERNACIONAL E EMPRESAS MULTINACIONAIS. URL: http://www.fazenda.gov.br/sain/pcnmulti/, visitado em 06/07/2004.
8
O documento contm recomendaes dirigidas pelos governos s empresas
multinacionais de seus pases ou que neles operam, e devem ser seguidas por essas
empresas em qualquer pas em que atuem. Seu contedo guarda uma forte ligao com
as Convenes fundamentais da OIT, quando se trata de temas relacionados ao
trabalho. No geral, elas estabelecem princpios e padres de cumprimento voluntrio,
consistentes com a legislao aplicvel, com vistas a uma conduta empresarial
responsvel.
Os objetivos das Diretrizes so:
[...]harmonizar as operaes das empresas com as polticas governamentais, fortalecer a base da confiana mtua entre as empresas e as sociedades onde operam, melhorar o clima de investimento estrangeiro e aumentar a contribuio das empresas multinacionais para o desenvolvimento sustentado.5
O capital social pode ser pblico, privado ou misto. As Diretrizes dirigem-se a todas as unidades dentro de cada empresa multinacional (matrizes e/ou unidades locais)6
As empresas devem plenamente ter em conta as polticas em vigor nos pases onde desenvolvem as respectivas atividades, tendo em considerao os pontos de vista de outros agentes envolvidos. A este respeito, as empresas devero: 01- Contribuir para o progresso econmico, social e ambiental, de forma a assegurar um desenvolvimento sustentvel.[....] 05- Abster-se de procurar ou aceitar excees no previstas no quadro legal ou regulamentar, em domnios como o meioambiente, a sade, a segurana, o trabalho, a tributao, os incentivos financeiros, ou outros.7
As empresas devero garantir a divulgao regular e oportuna de informao confivel e pertinente a respeito das suas atividades, estrutura, situao financeira e resultados.[...] As empresas so encorajadas a fornecer informaes suplementares, entre as quais: a) Declaraes dirigidas ao pblico enunciando princpios ou regras de conduta, incluindo informaes sobre a poltica social, tica e ambiental da empresa e outros cdigos de conduta por ela subscritos.[....] b) Informaes sobre sistemas de gesto de risco e mtodos de cumprimento das leis, bem como sobre as declaraes de princpios ou cdigos de conduta.8
5 Prefcio, das Diretrizes da OCDE.
6 Parte I - Conceitos e Princpios, das Diretrizes da OCDE.
7 Parte II Princpios Gerais, das Diretrizes da OCDE.
8 Parte III- Divulgao, das Diretrizes da OCDE.
9
Sua aplicao independe do endosso das empresas, que no podem fazer um
uso seletivo das mesmas, nem tampouco interpret-las a sua maneira e interesse. A
responsabilidade pelo seu cumprimento recai sobre os governos aderentes. Ou seja,
apesar das Diretrizes serem de cumprimento voluntrio pelas empresas, os governos
so obrigados a estimular que esse cumprimento ocorra.
Um dos aspectos importantes das Diretrizes que elas dispem de um
mecanismo de soluo de controvrsias e possuem carter obrigatrio para os
governos dos pases que aderem a elas. Uma empresa que viole um dispositivo das
Diretrizes pode ser questionada por qualquer parte interessada atravs dos Pontos de
Contato Nacional do pas sede ou do pas hospedeiro, quando existir. O PCN deve, em
face de uma denncia, abrir um processo de consultao, visando solucionar
voluntariamente o problema.
O Brasil aderiu s Diretrizes da OCDE em 1997 e, aps uma longa demora,
em maio de 2003, criou o PCN no Ministrio da Fazenda.
Uma das discusses mais polmicas em torno da implementao das
Diretrizes quanto extenso de suas recomendaes cadeia produtiva e aos
servios terceirizados que, a rigor, no so explicitamente mencionados no texto. Os
sindicatos e as ONGs defendem que as empresas possam ser questionadas sobre a
violao das Diretrizes, constatada em suas cadeias produtivas e em empresas
terceirizadas.
1.3 O GLOBAL COMPACT
O Global Compact9, lanado pelo Secretrio Geral da ONU Kofi Annan,
outro instrumento de adeso voluntria dirigido s empresas. Estruturado em nove
princpios que versam sobre direitos humanos, trabalho e meio ambiente, o GC
9 ONU. Global Compact. URL: http://www.unglobalcompact.org/Portal/Default.asp, visitado em 06/07/2004.
10
incorpora as principais referncias internacionais da ONU e da OIT. Alm disso, o
documento detalha as aes que materializariam o comprometimento empresarial.
Em julho de 2000, o Secretrio Geral da ONU reuniu, na sede da entidade
em Nova York, um seleto grupo de empresrios e representantes de grupos sociais,
entre os quais os sindicatos, para propor o compromisso formal com o GC. Essa
reunio foi a seqncia de um chamado do Secretrio Geral no Frum Econmico
Mundial de Davos, em janeiro de 1999, onde ele lanou a proposta para a platia de
lderes mundiais dos negcios.
Odesenvolvimento econmico, ambiental e social, como os trs diferentes
pilares do Desenvolvimento Sustentado, esto refletidos nos nove princpios:
Direitos Humanos
Empresas mundiais devem apoiar e respeitar a proteo dos, internacionalmente proclamados, direitos humanos, dentro de sua
esfera de influncia;
Devem tambm assegurar que elas[as empresas] no sero cmplices de abusos dos direitos humanos.
Trabalho
As empresas devem promover a:
liberdade de associao e o efetivo reconhecimento do direito de negociao coletiva;
eliminao de todas as formas de trabalho forado e compulsrio; efetiva abolio do trabalho infantil; e eliminao da discriminao em respeito ao emprego e ocupao.
Meio Ambiente
As empresas devem:
apoiar o princpio da precauo frente aos desafios ambientais; adotar iniciativas para promover maior responsabilidade ambiental; e encorajar o desenvolvimento e a difuso de tecnologias
ambientalmente limpas.
11
Como outros mecanismos de adeso voluntria j citados, o Global Compact
no possui uma estrutura de penalidades para aqueles que no o cumprirem, mas
certo que os sistemas de informao (auto-declarao) e verificao externa, que esto
se estruturando para acompanh-lo, constituir-se-o em uma referncia mpar para o
mundo dos negcios e os acionistas. Trs compromissos formais para todos os
membros, so definidos para garantir o devido progresso do projeto:
Primeiro, os membros devem expressar um compromisso pblico e promover os princpios e objetivos do Global Compact;
Segundo, eles devem publicar, no mnimo,um exemplo concreto de suas melhores prticas no website da ONU, ao menos uma vez por ano; e,
Terceiro, eles devem procurar se juntar com uma organizao especializada das Naes Unidas em um projeto de parceria.
(BLTHNER, 2001)10
1.4 INSTRUMENTOS PACTUADOS: O CDIGO DA CIOSL E OS ACORDOS
MARCO
A referncia internacional de natureza sindical mais importante na discusso
da conduta empresarial o Cdigo Bsico de Conduta cobrindo as Relaes de
Trabalho11, redigido pela Confederao Internacional das Organizaes Sindicais
Livres, a CIOSL. A esta Confederao esto filiadas as maiores centrais sindicais
brasileiras, como a CUT e a Fora Sindical.
10 Blthner, A., Assessor de Legislao de Mercado, Departamento de Assuntos Econmicos Internacionais, BASF AG, Ludwigshafen. Participante na reunio inicial sobre Global Compact em Nova Yorque como delegado da BASF.
11 CIOSL. El cdigo bsico de prcticas laborales de la CIOSL/SPI. URL: http://www.icftu.org/displaydocument.asp?DocType=Subpages&Index=991210344&Language=ES, visitado em 06/07/2004.
12
Os propsitos do Cdigo Bsico so promover a primazia das normas
internacionais e a incluso dos direitos sindicais nos cdigos de conduta, estimulando
a adoo de conceitos consistentes na estratgia de promoo de uma referncia
internacional para os direitos dos trabalhadores. Segundo a CIOSL, o Cdigo foi
pensado para apoiar as organizaes sindicais em suas negociaes com empresas e na
atuao em campanhas de ONGs envolvendo cdigos de conduta. Recomenda-se que
este Cdigo seja usado como benchmark para avaliar cdigos unilaterais sobre
relaes de trabalho.
O Cdigo Bsico da CIOSL, de sada, j responsabiliza a empresa pelas
condies de trabalho, nas suas unidades, de seus subcontratados, fornecedores,
franqueados, provedores de servios etc. Para tanto, a empresa deve exercer um papel
no s de influncia, mas de exigncia.
O Cdigo prev que informaes relevantes estejam disponveis e que seja
permitida a inspeo, por pessoas devidamente indicadas, possibilitando a auditoria
independente do seu cumprimento. Como um guia para o estabelecimento de cdigos
negociados, as condies de execuo de auditorias devem ser, tambm, firmadas em
comum acordo.
As Federaes Sindicais Globais, antigos Secretariados Profissionais
Internacionais (ICEM, ISP, FITIM, FITCM, UNI etc) vm negociando, com sucesso,
os chamados Acordos-Marco Globais (Global framework agreements) com empresas
multinacionais. At o momento, foram assinados 25 acordos, dos quais 19 com
empresas instaladas no Brasil. Por exemplo, h acordos com a Volkswagen, Bosch,
Carrefour, Telefnica, Endesa, entre outros.
1.5 INICIATIVAS VOLUNTRIAS: CDIGOS DE CONDUTA
Os cdigos de conduta, unilateralmente adotados pelas empresas, foram um
dos instrumentos de "regulao" que mais se desenvolveram na ltima dcada em todo
o mundo, impulsionados pela experincia exitosa da poltica da qualidade e pela
13
globalizao. O setor empresarial foi um dos precursores da iniciativa, adotada, na
maior parte das vezes, no exatamente como uma iniciativa voluntria, mas sim
como uma resposta organizada a determinados tipos de presso, geralmente de cunho
ambiental e fomentadas por ONGs, grupos comunitrios e mesmo sindicatos e
governos. Em relao a estes dois ltimos atores, o mecanismo de auto-regulao
buscava evitar a adoo de mecanismos vinculativos e compartilhados, como so os
tradicionais acordos e convenes coletivas de trabalho e a legislao.
Outro fator impulsionador da adoo de mecanismos de auto-regulao foi o
prprio comrcio internacional de produtos e servios, que atribuiu valor de mercado
ou mecanismo de barreira comercial - conduta de empresas fornecedoras e clientes,
em assuntos como a gesto ambiental, a segurana e sade no trabalho, as relaes de
trabalho etc.O fato que, por um motivo ou outro, esses mecanismos se
desenvolveram com grande velocidade e variedade em diversos campos das relaes
comerciais e industriais, cativando consumidores e ganhando em competitividade.
Vrias ferramentas e iniciativas foram desenvolvidas nesse contexto, como a
certificao de sistemas de gesto, de produtos e processos industriais ou extrativos, de
formas seguras de transporte de produtos e materiais, de tecnologias ambientalmente
corretas, de formas humanitrias de contratao de mo-de-obra e servio de terceiros
(sem trabalho infantil, forado ou escravo, ou sem expropriar bens e culturas indgenas
etc.).
Para os sindicatos12, os Acordos e as Iniciativas Voluntrias podem fazer
parte de um conjunto de solues incluindo regulamentos e normas de verificao
que tm como objetivo alcanar e fortalecer o processo de desenvolvimento
sustentvel e seus objetivos, devendo, em particular:
complementar ou fortalecer a legislao e a normalizao existentes, ou
12 Opinio expressa pela CIOSL na Sesso de Dilogo Especial sobre Comrcio e Indstria da CDS/ONU de 1998, em Nova Iorque e, na Sesso de Multi-stakeholder Consultation sobre Acordos e Iniciativas Voluntrias, organizada pela CDS/ONU em maro de 1999 na cidade de Toronto, Canad.
14
suprir a ausncia dessas, deixando claro esse propsito;
incorporar todas as dimenses do desenvolvimento sustentvel, especialmente, a dimenso social, econmica e ambiental;
incluir a participao de trabalhadores e seus sindicatos, para o desenvolvimento conjunto da proposta, dando-lhes o direito de monitorar
sua aplicao e produzir relatrios sobre a mesma, alm de garantir que o
sistema de inspeo governamental pode reforar esse processo;
jamais ultrapassar padres mnimos, baseados em indicadores sociais, econmicos e ambientais acordados, particularmente aqueles internacionais,
os quais devem promover igualdade, desencorajar a discriminao e
assegurar o cumprimento das normas fundamentais do trabalho;
garantir a formao e a capacitao voltadas para o monitoramento no local de trabalho, a observncia dos limites e a compreenso dos
mecanismos do acordo, especialmente, onde essa capacidade no existe;
utilizar-se dos acordos j existentes para extrair lies e aprendizagem, especialmente, em relao participao e capacitao dos trabalhadores e
seus representantes. (FREITAS & GERELUK, 2002)13
1.6 CERTIFICAO SOCIAL: A SA 8000
Entre as vrias normas internacionais de certificao social, a SA800014
baseia-se nos direitos fundamentais no trabalho e adota um mecanismo de auditoria
independente. A SA 8000 mantida pela Social Accountability International (SAI),
em cujo Conselho Consultivo tomam assento representantes de ONGs, de
13 FREITAS, N.B.B. & GERELUK, W..A National Tripartite Agreement on Benzene in Brazil. In Voluntary Environmental Agreements: Process, Practice and Future Use. Contributing Editor: Patrik ten Brink, Institute for European Environmental Policy (IEEP), Belgium. Greenleaf Publishing, 2002.
14 SAI. SA8000. URL: http://www.sa-intl.org/SA8000/SA8000.htm, visitado em 07/06/2004.
15
organizaes de trabalhadores e de empresrios. O website da SAI contm uma lista
das unidades empresariais certificadas (URL: http://www.sa-intl.org/certification.htm).
Em relao aos documentos anteriores, a SA 8000 se destaca por oferecer
uma proposta de sistema de gesto, que normatiza os procedimentos para a avaliao
do desempenho social das empresas. Outro ponto importante da norma que a
empresa certificada deve ser transparente aos empregados e comunicar regularmente
as partes interessadas sobre o desempenho frente aos requisitos.
Os fornecedores devem ser avaliados e selecionados pela empresa, com base
na capacidade de atender os requisitos da norma, e deles deve ser exigido o
comprometimento com a empresa. Isso implica na capacidade de realizao de
auditorias na cadeia de produo e nas empresas terceirizadas, sempre com
transparncia para as partes interessadas.
16
17
CAPTULO 2 - LIBERDADE SINDICAL
Prudente Jos Silveira Melo Advogado, Instituto Declatra
A luta pelo reconhecimento ao direito de organizao dos trabalhadores
remonta de vrios sculos. Para a liberdade sindical ser reconhecida e adquirir o status
de liberdade pblica, fazendo parte dos textos constitucionais, foi percorrido um longo
caminho. Mas, a despeito da evoluo e do reconhecimento, que observa uma
dinmica poltica prpria de cada pas, o movimento sindical perdeu fora nas ltimas
dcadas, fruto do processo de reestruturao produtiva que reduziu os postos de
trabalho, das polticas neoliberais que implementaram reformas trabalhistas com a
flexibilizao de direitos, do esvaziamento do Estado e da concentrao econmica
atravs das grandes empresas transnacionais. Em razo de tais aspectos, ganha
importncia o respeito liberdade sindical, merecendo ateno os princpios
internacionalmente reconhecidos e inseridos em instrumentos internacionais.
2.1 EVOLUO MUNDIAL
A organizao dos trabalhadores tem como incio, ou marco histrico, as
corporaes de ofcio15, existentes na idade mdia. Este modelo de organizao foi
abolido com a Revoluo Francesa de 1789, pois, foi entendido como incompatvel
com o conceito de liberdade individual. O pressuposto de igualdade jurdica, emitido
poca, era de que todos os cidados so iguais perante a lei, assim, a organizao em
corporaes contrastava com o princpio de liberdade contratual consagrado neste
15 As corporaes de ofcio constituam na reunio de pessoas com um mesmo ofcio, merecendo registro como antecedentes histricos os evidenciados nas principais cidades europias na idade mdia. No sculo XII e XIII, as corporaes j apresentavam sinais de organizao na Itlia, Frana e Espanha. At o sculo XIV eram reconhecidos dois graus nas Corporaes, a dos mestres e a dos aprendizes, e a partir desta data surgiu a do "companheiro". (Cf. CABANELLAS, Guillermo, "Derecho Sindical & Corporativo", Buenos Aires, Edtl. Bibl. Argentina, 1959, pgs. 46/47 e 58).
18
perodo, onde a premissa era a no interveno do Estado nas relaes contratuais16,
pois a participao em associao era entendida como supresso da livre manifestao,
estando o indivduo submetido ao predomnio dos interesses e vontade do coletivo
que participava. Esta restrio foi seguida por outros pases europeus e nos Estados
Unidos, criando um vazio no processo de organizao coletiva.17 Porm, a despeito das
limitaes impostas nos vrios pases, os operrios passaram a unir-se dentro do
possvel, atravs de cooperativas, entidades de socorro mtuo, sociedades recreativas e
de resistncia, sendo consideradas os embries sindicais. O advento da Revoluo
Industrial do sculo XVIII e a constatao do desequilbrio nas relaes jurdicas e
econmicas com uma classe de explorados, submetida a jornadas extenuantes, em
condies desumanas, com expressiva participao de crianas e mulheres na
produo serviram como fatores determinantes na reao na luta pela melhoria da
qualidade de vida e do trabalho18, substituindo a concepo de igualdade pura pela de
igualdade jurdica. Inicia-se uma nova fase, na qual da proibio absoluta passa para
16 Prevalecendo a mxima laissez faire, laissez passer, como salienta Beltran. (BELTRAN, Ari Possidonio. A Autotutela nas Relaes de Trabalho, So Paulo, 1996, LTr Edit., p. 115).
17 Na Frana, a Lei Chapelier, de 17 de junho de 1791, proibia o direito de reunio e de associao. Na Inglaterra, nos anos de 1799 e 1800, (Combination Acts) proibiram as coalizes. Com a promulgao do Cdigo Penal da Frana, passaram a ser definidas como delito as coalizes tanto de trabalhadores como dos representantes do patronato. Outros pases tambm vieram a proibir como Blgica, Holanda, Luxemburgo, Dinamarca, Sua, Espanha, Itlia e Confederao Germnica. (SSSEKIND, Arnaldo, "Direito Internacional do Trabalho", So Paulo, LTr Ed. p. 82).
18 "Octavio Bueno Magano e Estvo Mallet dizem que o liberalismo passou a sofrer contestaes em trs planos: ideolgico, poltico e legislativo. No plano Ideolgico, os ataques foram dirigidos por Owen, Saint-Simon, Fourier, socialistas, e por comunistas liderados por Marx e Engels. No plano poltico, segundo os autores, a Revoluo de 1848, na Frana, foi o marco do primeiro ensaio de reformas sociais, sendo seguida pela criao da Comisso de Luxemburgo e das Oficinas Nacionais, com o objetivo de dar ocupao a todos que estavam sem trabalho. No plano Legislativo, a interveno do Estado iniciou-se de forma lenta mas progressiva. As mais relevantes foram: na Inglaterra os Factory Acts, de 1864, 1867 e 1901 e a edio do Trade Union Act, de 1871, este tornando lcita a atuao dos sindicatos; na Frana, a Lei Waldeck-Rousseau, de 21 de maro de 1884; na Alemanha as Leis ns. 1883, 1884 e 1889, tendo respectivamente, criado os seguros contra enfermidade, os seguros contra acidentes de trabalho e os referentes invalidez e velhice. (BELTRAN, Ari Possidonio. A Autotutela nas Relaes de Trabalho, So Paulo, 1996, LTr Ed., pgs. 117-118).
19
uma fase de tolerncia, com abrandamento das leis penais em relao ao direito de
reunio. Pases como Frana (1864) deixaram de reconhec-lo como delito, e surge
neste mesmo ano o sindicato dos sapateiros de Paris. Outros alteraram tambm as suas
legislaes como Itlia (1890), Holanda (1872) e Alemanha (1869), para no mais
considerar a associao dos trabalhadores como uma ao conspiratria. A Inglaterra
revogou as leis sobre coalizes (Combination Acts), nos anos de 1824 e 1825 e em
1871, a Lei Sindical deixava de considerar as entidades sindicais como organizaes
criminosas, possibilitando o reconhecimento jurdico do direito de organizao das
entidades sindicais. Na Frana, a Lei Chapelier e o art. 416 do Cdigo Penal so
substitudos pela Lei Waldeck-Rousseau (1884). Mas esta evoluo se aprimora, com
a incorporao nos textos constitucionais do reconhecimento jurdico dos sindicatos.19
Com a criao da OIT (Organizao Internacional do Trabalho), em 1919, os
princpios de liberdade sindical passam a ser internacionalizados constando no
prembulo de sua Constituio, e reafirmados na Declarao de Filadlfia (1944), pois
segundo a OIT a liberdade de associao condio indispensvel para um progresso
sustentvel e tambm para uma paz universal e duradoura.
Com o final da 2a. Grande Guerra Mundial, a liberdade sindical alcana um
status de universalizao, com a aprovao da Declarao Universal dos Direitos do
Homem, que em seu art. 23, item 4 estabeleceu que "toda pessoa tem direito a fundar
sindicatos e a sindicalizar-se para a defesa de seus interesses". O consenso resta ?
demonstrado com a aprovao da Conveno sobre Liberdade Sindical e Proteo do
Direito de Sindicalizao (Conveno de n 87), no mesmo ano de l948, e em 1949 a de n 98, sobre o Direito de Sindicalizao e de Negociao Coletiva. Nasciam Convenes imprescindveis para a concretizao dos Direitos Humanos.
19 Constituio do Mxico (1917); Constituio da Alemanha (1919) a de Weimar; a da Frana de 1958, que resgata o j disposto no prembulo da Constituio de 1946; o da Itlia de 1947, Portugal 1976 etc. (Cf.BELTRAN, Ari Possidonio. A Autotutela nas Relaes de Trabalho, So Paulo, 1996, LTr Ed., p. 122).
20
2.2 EVOLUO NO BRASIL
2.2.1 Surgimento das aes sindicais no Brasil
As primeiras organizaes sindicais surgem aps a abolio da escravatura
no Brasil, acompanhando o incio da industrializao e a chegada dos imigrantes
europeus (italianos, portugueses e espanhis), que vieram para trabalhar e que tinham
inspirao anarco-sindicalista.20 As duas primeiras dcadas do sculo XX registraram
intensas lutas trabalhistas por normas de proteo ao trabalho (aumento salarial,
reduo da jornada de trabalho, frias...), at ento inexistentes. A caracterstica deste
perodo a independncia dos sindicatos em relao ao Estado, prevista inclusive
atravs do Decreto 1.637, de 1907.21
As conquistas foram limitadas, fruto da orientao ideolgica que prevalecia
no seio do movimento operrio, que era de inspirao anarco-sindical e que levava
uma luta imediatista, por reivindicaes que se esgotavam com o prprio movimento.22
20 Teve larga divulgao no Brasil, no incio do movimento sindical, desde 1890, desaparecendo por volta de 1920. Para Sheldon Leslie Maram, foi a fora ideolgica mais influente no movimento operrio brasileiro... A Unio Geral da Construo Civil e o Centro Cosmopolita, dois importantes sindicatos, foram movidos pelos anarcossindicalistas. Assim tambm o 1 Congresso Operrio (1906), do qual resultou a criao da Confederao Operria Brasileira - COB, que no chegou a funcionar seno por perodo pouco superior a um ms. Seu declnio foi vertiginoso, no s pela reao contrria, culminando com a expulso dos estrangeiros de 1907 a 1921, mas porque o anarco-sindicalismo sofreu esvaziamento, devido a conflitos tnicos. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito Sindical. Ed. Saraiva, So Paulo, 1989. p. 56/57
21 Os sindicatos profissionais constituem-se livremente sem autorizao prvia do governo, bastando, para obterem os favores da lei, depositarem, no cartrio do registro das hipotecas do distrito respectivo, trs exemplares dos estatutos, da ata de instalao e da lista nominativa dos membros da diretoria, do conselho e de qualquer corpo encarregado da direo da sociedade ou da gesto de seus bens, com a indicao da nacionalidade, da idade, da residncia, da profisso e da qualidade de membro efetivo ou honorrio. MORAES, F., Evaristo. O Problema do Sindicato nico no Brasil, So Paulo, Ed. Alfa-Omega, 1979, p. 187
22 No h dvida que outras muitas das reivindicaes pelas quais lutavam as massas trabalhadoras, nessa poca, foram alcanadas, total ou parcialmente. Mas um fato que a natureza e o volume das vitrias alcanadas no estavam em proporo com o vulto e a extenso do movimento
21
Ricardo Antunes destaca: Esta orientao ideolgica negligenciava o momento
explicitamente poltico de luta pelo poder estatal, e ao fazer isso drenava todo seu
potencial numa luta imediata e no direcionada para a efetiva superao do
capitalismo.23 Esta orientao poltica acabou fragilizando-se, cedendo espao para os
comunistas.24
Com a Reforma Constitucional de 1926, conforme Evaristo de Moraes Filho,
ocorreria um fato importante na histria do Direito do Trabalho do Brasil: pela
primeira vez passava a constar na Constituio, como assunto expresso a referncia
legislao do trabalho, que se tornava, ento, matria constitucional. Com a aprovao
da emenda 22, ficou assim redigido o art. 34, n 29 da Constituio de 1891: Compete privativamente ao Congresso Nacional: legislar sobre o trabalho.25
2.2.2 A fase intervencionista e as bases do sistema corporativo
Com a ascenso de Getlio Vargas, na Revoluo de 30, o pas inicia um
processo de transio de uma economia agrrio-exportadora para uma economia
geral. Mais ainda - as reivindicaes formuladas, por aumento de salrios, por melhores condies de trabalho, etc., constituam como que um fim em si mesmo, e no um ponto de partida para reivindicaes crescentes de nvel superior. que na realidade se tratava de lutas mais ou menos espontneas, isoladas umas das outras, sucedendo-se por fora de um estado de esprito extremamente combativo que se generalizava entre as massas PEREIRA, A., A Formao do PCB, Rio de Janeiro, Editora Vitria, 1962, p.32.
23 ANTUNES, Ricardo, Classe Operria, Sindicatos e Partido no Brasil, So Paulo, Editora Cortez, 3a. Ed. 1990, p. 63/64.
24 ANTUNES, Ricardo, destaca que: "A criao do P.C.B., em 1922 foi, na verdade, uma opo de ex-militantes anarquistas que percebendo a inviabilidade do projeto libertrio, optaram por uma nova concepo de mundo, cuja implementao carecia da constituio de uma organizao poltico-partidria que alm de organizar a massa operria, atravs da constituio de um bloco hegemnico alternativo que englobasse o proletariado urbano e os demais setores subalternos, especialmente aqueles do campo, visava luta pelo controle do Estado, dando uma dimenso nitidamente poltica luta operria, rompendo com o vis economicista dado pela ao direta. Ibid., p. 65
25 MORAES, F., Evaristo, Temas Atuais de Trabalho e Previdncia, So Paulo, Ed. LTr, 1976, pp. 111/112
22
industrializante,26 implementando uma ampla legislao reguladora das relaes de
trabalho27 e da forma de organizao das entidades sindicais. A legislao sindical
aprovada tinha como fim controlar as entidades, implantando os pilares do
sindicalismo atrelado e corporativo, o qual definia o sindicato como rgo de
colaborao e cooperao com o Estado.
Em 1930, Vargas cria o Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio
atravs do Decreto 19.433; e, em 19.03.31, tendo j como Ministro do Trabalho,
Lindolfo Collor, editado o Decreto 19.770, que estabeleceu as bases da estrutura
sindical brasileira, com traos corporativos.28
O Decreto 19.770 subordinava os sindicatos ao Estado, vinculando seu
reconhecimento aprovao dos estatutos pelo Ministrio do Trabalho, assim como a
possibilidade de participao nas Assemblias sindicais de delegados ministeriais;
fiscalizao das contas do rgo sindical; destituio da diretoria ou at mesmo
fechamento da entidade.
26 A Revoluo de 1930 significou, inegavelmente, o fim de um ciclo, o agrrio-exportador, e o incio de outro, que gradativamente criou as bases para a acumulao capitalista industrial no Brasil. Porm essa transio no se deu de forma superadora, radical e abrupta. Pelo contrrio, deu-se, como j dissemos lembrando Lenin, de forma conciliadora, quando os interesses agrrios, expressando o velho, mesclaram-se com os interesses urbanos e industriais emergentes, num rearranjo do bloco de poder onde nenhuma frao dominante na fase anterior foi absolutamente excluda. Essa forma reacionria de transio, se de um lado no tocou na estrutura latifundiria e ainda permitiu o crescimento da emergente burguesia industrial, no comportou qualquer forma efetiva de participao das classes populares. Ao contrrio, o reformismo pelo alto marcou uma excluso absoluta das classes populares da direo econmica, social e poltica do pas... Na verdade, o trao fundamental naquele momento foi a excluso das classes populares de qualquer participao efetiva e a represso poltica e ideolgica desencadeada pelo Estado, atravs da poltica sindical controladora e da legislao trabalhista manipulatria. ANTUNES, R., op. cit., pp.72/73.
27 A paz social era procurada atravs de concesses e benefcios concretos, a que no era insensvel a massa dos assalariados. A possibilidade do controle operrio incluir necessariamente uma legislao minimamente protetora do trabalho". VIANA, Luiz W., Liberalismo e Sindicalismo no Brasil, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1976, p. 150.
28 Exposio de Motivos do Decreto 19770, de 19 de maro de 1931, em Louzada, A.J., Legislao Social e Trabalhista, D.N.T., 1933, pp. 402/3.
23
O movimento sindical mais organizado poca resistiu s iniciativas
adotadas pelo Estado de limitar a independncia de organizao e funcionamento, no
solicitando o reconhecimento das mesmas junto ao Ministrio do Trabalho. Nas reas
de maior industrializao, com uma intensa trajetria de luta, a resistncia foi maior, j
nos centros de menor industrializao ocorreu o contrrio, com maior adeso.
Os patres por sua vez, aderiram prontamente, solicitando o registro de suas
entidades ao Ministrio do Trabalho, como registram os boletins do Ministrio do
Trabalho, Indstria e Comrcio, n 11 de julho de 1935, e de n 31, de maro de 1937. O decreto 21.761, de 23/08/1932, instituiu a conveno coletiva de trabalho; o decreto
22.132, de 25/11/1932, criou as Juntas de Conciliao e Julgamento, que julgavam
apenas os processos dos trabalhadores sindicalizados em sindicatos reconhecidos pelo
Estado. O decreto 23.768, de 18/01/1934, que regulamentou o direito s frias, trazia
idntico vcio, limitando somente aos sindicalizados, dos sindicatos registrados no
Ministrio do Trabalho. Tarso Genro comenta que a literatura jurdica,
contraditoriamente, registra que os direitos sociais no seriam frutos decorrentes da
luta da classe operria, mas mera concesso do Estado. Contraponde-se a tal
entendimento, aduz:
Criou-se o mito, em nossa literatura jurdica, que as leis sociais no Brasil so puro resultado de um paternalismo estatal que, independentemente das mobilizaes reivindicatrias por parte dos trabalhadores, concedia direitos sociais conquistados duramente em outras naes. A chamada legislao outorgada, expressa de forma organizada na CLT, fruto de processo combinado das lutas operrias internas com as presses internacionais, dos pases capitalistas avanados, que por seu turno, dobram-se s lutas dos seus trabalhadores. Toda a legislao social, em regra, surgiu de duros combates de classe, de violncias contra a classe operria, momento em que o Estado sempre revelou sua essncia de instrumento de dominao burguesa.29
Mas o avano do movimento operrio preocupou o governo, que reagiu com
a Lei de Segurana Nacional (de 1935). As medidas do Estado Novo eram sentidas no
seio do sindicalismo, que em dezembro de 1935, reprimiu duramente o movimento
29 GENRO, Tarso Fernando. Direito Individual do Trabalho. Editora LTr, 1985 pp. 30/31.
24
com prises, destituio de dirigentes e nomeaes de juntas governativas, entre
outras.30
A Constituio de 1937, que implantou o sindicalismo de Estado, sofreu
influncia dos regimes polticos de direita vigentes poca e em especial da legislao
da Itlia fascista.31Apesar de mencionar que era livre a associao profissional ou
sindical, curiosamente dispunha em seu artigo 138:
[...] somente o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representao legal dos que participarem da categoria de produo para a qual foi constitudo, e de defender-lhes os direitos perante o Estado e as outras associaes profissionais estipular contratos coletivos de trabalho obrigatrios para todos os seus associados, impor-lhes contribuies e exercer em relao a eles funes delegadas do poder pblico.
Estabelecia tambm a condio da criao de um nico sindicato na mesma
base territorial, impedindo a liberdade de criao de sindicatos (Decreto-Lei 1402, de
05/07/1939).32
30 A ordem dominante, diante da crescente vitalidade do movimento dos trabalhadores, preocupou-se e reagiu, retrucando com a Lei de Segurana Nacional. Aps o levante comunista de novembro de 1935, o decreto legislativo n 6, de 18/12/1935, equiparou com o Estado de guerra as comoes intestinas graves. Os sindicatos foram ameaados de interveno e as lideranas foram presas, torturadas e algumas mortas. A Federao dos Bancrios foi reprimida e desapareceu. A SUB foi fechada. Houve interveno no Sindicato dos Bancrios do Rio de Janeiro e no de Santos. O sindicato de So Paulo conseguiu evitar a interveno, elegendo, ele mesmo, uma junta governativa, interessada em garantir as conquistas dos bancrios. A represso, acompanhada da Lei de Segurana Nacional, liquidou com qualquer possibilidade de sindicalismo autnomo, mesmo reformista. As medidas tomadas nesta ocasio, tais como o fechamento de partidos e sindicatos, a decapitao das lideranas da esquerda brasileira, alm de poderes extraordinrios obtidos pelo governo ao Congresso, prepararam o caminho para o golpe do Estado Novo. O enfraquecimento Legislativo, em benefcio do Executivo, favoreceu as correntes polticas interessadas num governo forte. Assim, para a classe trabalhadora, o Estado Novo teve seu incio antecipado para dezembro de 1935. CANDO, L. B., op. cit. pp 28/29.
31 Em 1937, o Estado restabeleceu as diretrizes de 1931, liquidou o modelo do pluralismo de 1934 e aumentou o dirigismo na ordem sindical. Acentuaram-se as influncias que o Brasil sofreu do regime poltico imperante na Itlia e outros pases que tinham uma ditadura de direita. Foi, realmente, muito grande a transposio da figura do corporativismo peninsular para o nosso pas. NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Direito Sindical, Editora Saraiva, 1989, p. 67.
32 O modelo sindical desenhado ps os sindicatos, federaes e confederaes como degraus de uma escada que desembocaria na corporao, para que pudesse exercer um poder
25
Em 2 de maio de 1939, o governo regulamentou a Justia do Trabalho
(atravs do Decreto-Lei 1.237), dotando-lhe de competncia para arbitrar os conflitos
entre capital e trabalho e, ainda, estabeleceu que caberia ao Ministrio do Trabalho
delimitar, atravs do Plano de Enquadramento Sindical, as categorias e a base
territorial de cada sindicato, federao ou confederao, o que foi realizado atravs da
lei de enquadramento sindical (Decreto-Lei n 1.402), complementado atravs do quadro das atividades e profisses, previsto no decreto 2.381.33
O decreto 1.402,
cancelou o registro de todos os sindicatos oficializados. Exigindo novo registro, no qual era obrigatria a aceitao das novas regras fixadas pela lei: mandato mximo para as diretorias de dois anos; processo eleitoral dirigido por um presidente escolhido pelo Ministrio do Trabalho; oramento submetido ao Ministrio; apresentao de relatrio anual, onde deveria constar o balano financeiro; estipulao da base sindical; suspenso das fundaes de sindicatos no interior; aprovao do Ministrio do Trabalho para a instaurao de dissdio coletivo; e criao do imposto sindical, implantado definitivamente no ano seguinte (atravs do Decreto-Lei 2.377). 34
A portaria 339, de 31/07/1940, imps aos sindicatos como deveriam ser
gerenciadas as finanas; a de n 354, de 22/08/1940, impunha o estatuto padro, ou seja, as normas internas eram impostas pelo Estado, no havendo liberdade para
escolher as regras de funcionamento; a de n 843, que regulamentava as eleies regulamentar sobre toda a categoria, ditando normas de trabalho aplicveis a todos os seus integrantes, associados ou no dos sindicatos, tal como se fazia na Itlia. Com essas medidas, procurou, o Estado, ter em suas mos o controle da economia nacional, para melhor desenvolver os seus programas. Para esse fim julgou imprescindvel evitar a luta de classes; da a integrao das foras produtivas: os trabalhadores, empresrios e profissionais liberais, numa unidade monoltica e no em grupos fracionados, como possibilidades estruturais conflitivas. NASCIMENTO, Amauri, Mascaro, op. cit., p. 68.
33 Com a lei de enquadramento sindical (Decreto-Lei nmero 1.402, 1939) os mecanismos de controle do Estado s entidades classistas foram ativados e todo o modo de funcionamento da organizao sindical passou a ser determinado pelo Ministrio do Trabalho. Posteriormente, em 1943, este decreto foi incorporado Consolidao das Leis do Trabalho, consagrando o autoritarismo estatal no domnio das relaes de trabalho. Uma obra duradoura, pois continua sobrevivendo a amplas e variadas mudanas da sociedade brasileira. CANDO, L. B, op. cit. p. 31.
34 KAREPOVS, Dainis. A histria dos bancrios: lutas e conquistas, 1923-1993, So Paulo, 1994, pp. 43/44.
26
sindicais, ditava todos os procedimentos e exigncias a cumprir.
Com a aprovao do imposto sindical em 1940, os sindicatos passaram a
gerir grandes recursos financeiros, utilizados estritamente nos termos previstos em lei.
Assim, os sindicatos constituram-se em instrumentos de colaborao com o poder
pblico, deixando de ser organizaes de luta e transformao. 35
Tal concepo foi forjada a partir da necessidade de o Estado implementar
um processo acelerado de desenvolvimento industrial, combinado com a cooptao e o
atrelamento dos agrupamentos sociais, desideologizando os conflitos coletivos,
impedindo a contestao ao projeto poltico levado a cabo por Getlio.36
35 possvel concluir que esse conjunto de normas jurdicas atingiu o eplogo de um processo de dirigismo estatal sobre a organizao sindical, no se afastando dessa diretriz a proibio, pela Constituio de 1937, da ao direta, ao declarar a greve e o lock-out recursos anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatveis com os superiores interesses de produo. Para a soluo dos conflitos entre o capital e o trabalho, o sistema previsto foi o da criao da Justia do Trabalho para dirimir os conflitos oriundos das relaes entre empregadores e empregados reguladas na legislao social, tudo com o propsito claro de dar cumprimento idia integrativa dos grupos sociais. NASCIMENTO, Amauri, Mascaro, op. cit., p. 70.
36. [...] e com a organizao da Justia do Trabalho pelo Decreto-lei n. 1.237, de 1939, regulamentada pelo Decreto n. 6.596, de 1940, esta estrutura judicial conseguiu atravessar dcadas amortecendo os conflitos de classe, desideologizandoo antagonismo capital x trabalho. A virtude do projeto getulista, com a criao de uma organizao sindical concebida como pea estratgica para permitir ao Estado cooptar os mais variados grupos sociais, seja com o propsito de atrelar ao Estado as foras do trabalho, impedindo-as de ser livremente reivindicatrias ou mesmo contestatrias, seja com a finalidade de compor uma slida base de sustentao governamental, mediante o atendimento cartorial dos interesses particulares. Ainda destaca o autor: Concebida para viabilizar a industrializao acelerada mediante o controle simultneo das demandas salariais, polticas e mesmo jurdicas do operariado industrial, ento emergente, toda a estratgia do projeto getulista foi desenvolvida a partir de mecanismos fortemente regulatrios e disciplinadores do associacionismo sindical. Ao Ministrio do Trabalho, cabiam, entre outras prerrogativas, os poderes de reconhecer formalmente os sindicatos, dando-lhes assim vida legal, de recolher e redistribuir as contribuies sindicais, de fiscalizar a aplicao desses recursos e de intervir na estrutura sindical quando julgar de interesse pblico. Paralelamente imposio desses mecanismos regulatrios, o Estado tambm oferecia uma srie de concesses patrimoniais e polticas s lideranas trabalhistas, como os recursos da contribuio sindical obrigatria e a criao da figura do juiz classista (embora jamais efetivamente aplicada, a Constituio de 37 previa, at mesmo, a assuno das lideranas sindicais ao Legislativo). Essa conjugao entre mecanismos regulatrios e disciplinadores e concesses patrimoniais e polticas tinha por objetivo bsico (a) cooptar para desarmar oposies, (b) dividir para melhor controlar, (c) normatizar para retirar dos conflitos coletivos toda a sua carga ideolgica e (d) utilizar o reconhecimento oficial dos sindicatos para manter o domnio do sistema sindical pela
27
O decreto 1.402 incorporado Consolidao das Leis do Trabalho em
1943, mantendo assim a mesma estrutura sindical.
2.2.3 O impacto da Constituio de 1946 sobre as relaes de trabalho
A Constituio de 1946, apesar de conter avanos democrticos, mantm
intacto o sistema corporativo sindical institudo. Com o fim da 2a Guerra Mundial,
inicia a perseguio ao Partido Comunista Brasileiro e seus militantes, que tinham
expressiva representao em sindicatos. Vrios so os sindicatos que sofreram
interveno. S no ano de 1947, foram em torno de 400 sindicatos que tiveram
interveno decretada, sob o pretexto de manterem filiao com a Confederao dos
Trabalhadores do Brasil - CTB, fechada pelo governo.
Com o retorno de Vargas ao poder, em 1951, o movimento sindical revigora-
se. A estratgia de atrelamento e de soluo dos conflitos pelo aparato corporativo
estatal funcionou com relativo sucesso at 1964, tendo o Judicirio Trabalhista se
firmado, porm "as lideranas trabalhistas acabaram assumindo uma dupla identidade
funcional: pois atuavam como representantes do operariado junto ao Estado e
representantes deste Estado em relao aos operrios, num curioso papel de cadeia de
transmisso que, de certo modo, minava a vitalidade, viciava a autenticidade e
comprometia a legitimidade do movimento sindical..." ,como registra Farias.37
2.2.4 O perodo da Ditadura Militar e a redemocratizao do pas
A partir de 1964, tornam-se evidentes os problemas decorrentes da estrutura
autoritria corporativa. O regime militar adotou polticas salariais recessivas, via
burocracia governamental, livrando-o da necessidade de forjar razes efetivas com as bases, como condio de sua sobrevivncia. Esta a essncia dessa estratgia: tornar o sindicato totalmente dependente do Estado, nele nascendo, com ele crescendo, ao lado dele se desenvolvendo e nele se extinguindo. FARIAS, Jos Eduardo. In Os novos desafios da Justia do Trabalho, Ed. LTr, 1995, pp. 28/30
37 Farias. op. cit. 31.
28
Decretos-leis e de legislao restritiva. Estes fatores contriburam para agudizar ainda
mais as contradies j existentes, ampliando o conflito com os segmentos sociais que
antes mantinha sob controle,38 rompendo os canais de interlocuo que existiam. O
judicirio trabalhista j no encontrar espao para solues conciliatrias - no
mbito estritamente jurdico, as nicas solues possveis limitavam-se aos reiterados
julgamentos de ilegalidade das greves, como registra Farias.
Com o golpe militar em maro de 1964, acontece a interveno nas entidades
sindicais,39 utilizando a legislao sindical vigente.40
Debaixo de uma violenta represso, instalado o terrorismo de Estado,41 o
movimento sindical s encontrar espao poltico para se manifestar a partir da
38 FARIAS, registra tal fato: Essa estratgia funcionou sem maiores problemas at o advento do regime burocrtico-militar, em maro de 64, que tomou algumas decises bsicas em matria de aumento salarial, de arbitragem nas disputas entre patres e empregados, de flexibilizao do livre contrato e distrato do trabalho e de gesto dos benefcios previdencirios. Uma dessas decises foi a imposio da Lei de Greve (n. 4.330), em julho do mesmo ano, neutralizando parcialmente as competncias da Justia do Trabalho. Este poder dispunha, at ento, da prerrogativa de conhecer, em ltima instncia, os dissdios salariais; j segundo esse texto, passa a ser nula de pleno direito a disposio de conveno ou acordo que, direta ou indiretamente, contrarie proibio ou norma disciplinadora da poltica econmica do governo ou concernente poltica salarial vigente. op. cit. p. 31.
39 Entre 1964 e 1970, 483 sindicatos, 49 federaes trabalhistas e 4 confederaes foram postos sob interveno, com a maioria de seus dirigentes sendo detida sem prvia autorizao judicial. FARIAS, Jos Eduardo. op. cit. p. 33
40 O movimento de 1964 no s utilizou amplamente os dispositivos vigentes na legislao sindical, que no chegou a ser modificada, como tambm procurou aperfeioar as tcnicas da legislao para melhor controlar os trabalhadores... O direito de greve foi regulamentado, tornando ilegal e impossvel qualquer greve, exceto para cobrar salrios atrasados. CANDO, Letcia, B. op. cit. pp. 170/171
41 [...] 1968 o ano do fechamento completo do regime militar[...] no final do ano a ditadura decreta o Ato Institucional n 5: o Congresso Nacional, as Assemblias Estaduais e as Cmaras Municipais so fechados; parlamentares, intelectuais e lideranas populares tm seus direitos polticos cassados; abolido o habeas corpus para enquadrados na Lei de Segurana Nacional, entre outras medidas. A represso se intensifica e instala-se o terrorismo de Estado no Brasil, atravs de organismos como o DOI-CODI (organismos do servio secreto do Exrcito voltados para represso direta e tortura) e a OBAN (organizao de represso violenta, criada em So Paulo em 1969, vinculada ao Exrcito, e financiada por industriais brasileiros e multinacionais. KAREPOVS, Dainis. A histria dos bancrios: lutas e conquistas 1923-1933, op. cit. pp. 84/85.
29
segunda metade da dcada de 70, com o ressurgimento das grandes greves que
iniciaram no ABC paulista e que ganharam fora em todo o pas, e que faz brotar um
novo sindicalismo.
Esse novo sindicalismo questionar frontalmente o sistema corporativo, aps
longos anos de sua introduo e vigncia, conforme registra Lencio Martins
Rodrigues:
No s o direito de interveno do Ministrio do Trabalho nos assuntos internos dos sindicatos foi desafiado abertamente, mas tambm as faces mais militantes e radicais do movimento sindical chegaram mesmo a levantar a idia da substituio da CLT por um cdigo do Trabalho, da abolio do imposto sindical etc... propugnando por negociaes diretas com as empresas e por um maior afastamento do Estado nas questes concernentes s relaes entre Capital e o Trabalho.42
Dois aspectos merecem destaque em relao forma de organizao poltica
poca, a orientao de atuar por dentro da estrutura sindical, buscando a sua
transformao, e a organizao macia de oposies sindicais. Esta estratgia tem
sucesso, e h uma renovao do quadro sindical existente.
No bojo deste processo de renovao criada, em 1983, a Central nica
dos Trabalhadores.43 A CUT nasce com uma proposta de um sindicalismo classista,
independente, autnomo e democrtico, a base de sua formao foi a luta contra a
ditadura e o arrocho salarial.44
42 RODRIGUES, Lencio Martins. Partidos e Sindicatos - Escritos de sociologia poltica, Ed. tica, 1990, p. 70.
43 As foras representativas sindicais, mais vinculadas a um exerccio de relao autntica e direta com os trabalhadores desde o local de trabalho, conseguiram desenvolver um trabalho intenso de enfrentamento do sistema sindical corporativista vigente desde 1931. O ncleo desse debate consistiu na determinao de organizar-se sindicalmente em Central Sindical, que naquele momento representava no s a resistncia ao autoritarismo estatal, como tambm ao sindicalismo oficial. SIQUEIRA NETO, Jos Francisco. Direito do Trabalho & Democracia. p. 206.
44 A CUT nasceu, constituindo-se como leito natural das vrias correntes, tendncias, grupamentos e individualidades que atuavam no universo sindical mais combativo. Aglutinou-se desde o sindicalismo independente, isto , sem militncia poltica anterior e sem uma convico ideolgica consolidada, da qual, uma vez mais, a figura de Lula tipifica, qual se somaram amplos contingentes da esquerda catlica, sob influxo da Teologia da Libertao e da opo preferencial pelos pobres. Aglutinou-se, tambm tendncias socialistas e comunistas vrias, dissidentes da esquerda tradicional
30
A Constituio Federal de 1988 foi um marco na histria do pas,
viabilizando a transio de uma sociedade autoritria para a democracia, porm
relativamente ao modelo de relaes coletivas de trabalho, manteve as bases do
sistema corporativo, com unicidade sindical, imposto sindical (para custeio da
estrutura verticalizada), monoplio de representao e negociao, contrastando assim
com os avanos democrticos nela inserida. A matria sindical foi tratada nos artigos
7, XXVI (reconhecimento das convenes e acordos coletivos de trabalho), 8 (formas de organizao, sustentao, das entidades sindicais, prerrogativas dos eleitos,
direito de filiao e voto, prerrogativas da entidade sindical), 9 (direito de greve no setor pblico e privado), 37, VI (direito de sindicalizao de servidores pblicos civis)
e 114, (poder normativo, atravs da Justia do Trabalho, para julgar os dissdios
coletivos). Destaca Nascimento que, no que concerne s organizaes sindicais, a
Constituio adotou figuras contraditrias:
Declara que a organizao sindical livre e probe a livre criao de sindicatos ao vedar, na mesma categoria e base territorial, a organizao de sindicatos quando j existente outro. A Constituio procurou ajustar o princpio da liberdade sindical com o da unicidade sindical imposto por lei. Este ltimo, at agora previsto na legislao ordinria, passou esfera constitucional, com o que no ser fcil compatibilizar a nova Constituio com os parmetros fixados pela Conveno n 87, da Organizao Internacional do Trabalho - OIT, documento maior que consubstancia os ideais de liberdade sindical no plano internacional. (...) quanto contribuio sindical, apesar das propostas visando a sua extino, acabou sendo mantida e, mais que isso, duplicada. As propostas de extino da contribuio sindical respaldaram-se no seu carter corporativista e estatizante, fruto de um
ou vinculados s postulaes de Leon Trotski. Era um iderio diverso, multifacetado dentro das esquerdas, mas com um ponto bsico convergente: estruturar uma central sindical de mbito nacional capaz de constituir-se em um instrumental decisivo para a ao do trabalho em nosso pas... Desde logo a CUT deitou suas razes em quatro expressivas fatias da classe trabalhadora brasileira: no operariado industrial, nos trabalhadores rurais, nos funcionrios pblicos e nos trabalhadores vinculados ao setor de servios. Esta representao heterognea - que expressa o mundo diversificado do trabalho em nosso pas - mas efetiva e real, fez com que em seus poucos anos de vida se constitusse, de longe, na mais expressiva entidade sindical nacional, dentre aquelas aqui existentes... De outro lado, inegvel que a atuao da CUT, nesta dcada de oitenta, teve um papel decisivo na democratizao da estrutura sindical, em especial na luta pelo fim ingerncia do Estado. ANTUNES, Ricardo, op. cit. pp. 30/31.
31
modelo sindical em que o Estado financia o sistema, para em contrapartida, conduzi-lo.45
Porm, aps a Constituio Federal de 1988, diminuram as crticas ao
sistema corporativo, no porque suas bases de sustentao tivessem mudado
profundamente, mas porque um dos aspectos mais criticados, que era a interveno do
Ministrio do Trabalho nos assuntos internos das entidades sindicais, eliminado.46
A CUT sempre lutou por decises, e as ratificou em seus congressos (1984,
1986 e 1988), que reafirmam a ruptura do sistema corporativo e introduo de um
sistema de plena autonomia e liberdade sindical, pregando o fim do imposto sindical e
a ratificao da Conveno 87 da OIT. Ocorre que, caso levada a cabo, tal proposta,
quebraria a maioria das entidades sindicais, que se sustentam com base nesta
contribuio;47 somado ao aspecto da grande pulverizao de entidades existentes no
Pas48. Segundo dados extra-oficiais, temos mais de 15.000 (quinze mil) sindicatos,
45 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do trabalho na constituio de 1988. Ed. Saraiva, 1989, pp. 16/17
46 As faces mais radicais do movimento sindical, que anteriormente se mostravam bastante crticas com relao estrutura sindical corporativa, perderam muito do fervor crtico ao conquistarem direes e posies no sindicalismo oficial. Nesse sentido, a Constituio de 1988, ao limitar drasticamente o poder de interveno do Ministrio do Trabalho nos assuntos internos dos sindicatos, eliminou um dos aspectos que os dirigentes sindicais consideravam mais negativos no modelo corporativo. Conseqentemente, arrefeceu os mpetos mudancistas e aumentou a importncia dos sindicatos oficiais como um instrumento de presso dos trabalhadores, de ascenso social e poltica dos diretores de sindicatos e de emprego para os burocratas das federaes e confederaes. Paradoxalmente, a Constituio reforou as estruturas corporativistas aos lhes conceder autonomia ante o Estado. RODRIGUES, Lencio Martins. Partidos e Sindicatos. op. cit. p. 71
47 Do pontodevista estratgico, defendemos a extino do imposto sindical por consider-lo uma interferncia indevida do Estado e por sustentar o sistema corporativista, que rejeitamos. Entretanto, a organizao sindical brasileira est lastreada na existncia desta forma de contribuio. A CUT apropriou-se da estrutura do sindicalismo oficial. Muitas oposies, ao vencerem eleies em sindicatos no atuantes, ditos pelegos, filiaram central vrios sindicatos com 800, 1.000, ou 1.500 trabalhadores na base; alguns deles com apenas 300 scios. A existncia de sindicatos to pequenos e pouco organizados revela o papel e a fora do corporativismo e do imposto sindical em nosso Pas. BENITES FILHO, Flvio Antonello e BRESCIANI, Lus Paulo. Negociaes Tripartites na Itlia e no Brasil, Ed. LTr, 1995, p. 111.
48 No Brasil no existe a unidade dos trabalhadores em uma nica estrutura e projeto sindical. Os trabalhadores j se organizam em vrias centrais sindicais, e em diferentes confederaes e federaes de trabalhadores, como a FITTEL, FENATEL, FITERT/FENART, CNB/CONTEC,
32
sendo, a grande maioria, criados aps a Constituio Federal de 1988, boa parte
resultante de desdobramentos das entidades j existentes. Assim, deveremos viver
necessariamente um processo de transio, como o ocorrido em outros pases, como a
Espanha e Portugal, para adequar a transformao do modelo existente para o novo,
oriundo da aprovao da Conveno 87.
A CUT reafirmou seus princpios, em sua 8a Plenria Nacional, realizada de
28 a 30 de agosto de 1996, aprovando um texto bsico de discusso com a sociedade,
intitulado O que mudar na estrutura sindical e nas relaes de trabalho. Este texto
prope alteraes na legislao ordinria e constitucional.49
Foi aprovado na Comisso de Constituio, Justia e Cidadania, no Senado,
o Projeto de Decreto Legislativo n 16, de 1984, que trata da Conveno 87. A
aprovao desta Conveno com a sua ratificao produzir mudanas relativas ao
imposto sindical e unicidade, permitindo que os trabalhadores decidam o modelo de
organizao, superando as amarras impostas na legislao e que ainda perduram.
Ressalte-se que est em curso no Brasil a discusso da Reforma Sindical,
sendo realizada no mbito do FORUM NACIONAL DO TRABALHO, processo este
construdo com a participao das representaes de trabalhadores, empregadores e do
CNM/CNTM, e a pulverizao sindical, garantida pela unicidade e o imposto, levou a existncia de mais de 20 mil sindicatos, na sua maioria pequenos sindicatos inviveis poltica e estruturalmente. A unicidade no capaz inclusive de evitar a criao de sindicatos da mesma categoria, na mesma base territorial, com outra denominao.... CUT avana para nova estrutura. Resolues da 8 Plenria Nacional de Canudos, 28, 29 e 30 de Agosto de 1996, So Paulo. Informa CUT, n 262, outubro de 1996, p. 22.
49 Liberdade e autonomia sindical so direitos dos trabalhadores. No ser possvel a construo de sindicatos livres, independentes e autnomos, de uma estrutura orgnica da CUT, do local de trabalho estrutura nacional da Central, sem conquistarmos a plena liberdade e autonomia sindical. Para isso preciso acabar com o imposto sindical, e tambm o poder normativo da Justia do Trabalho.
A luta pelos princpios da Conveno 87 da OIT, pelo direito de organizao no local de trabalho, pelo Contrato Coletivo, por um Sistema Democrtico de Relaes de Trabalho deve estar no centro da atividade poltica da Central no prximo perodo. Esta 8 Plenria aprova a realizao imediata de uma campanha por uma lei de garantias sindicais, segundo a proposta apresentada pelo conselho jurdico da CUT. CUT avana para nova estrutura. Resolues da 8 Plenria Nacional de Canudos, 28, 29 e 30 de Agosto de 1996, So Paulo. Informa CUT, n 262, outubro de 1996, p. 22.
33
governo; encontra-se em fase bastante adiantada, pois foram construdos consensos
que permitem a elaborao de uma proposta de reforma, que altera profundamente as
relaes sindicais, tendo como pressupostos os princpios inseridos nas Convenes da
OIT (87 e 98) cuja anlise caber ao Poder Legislativo, implicando em uma profunda
transformao do Sistema Sindical hoje vigente.
2.3 CENTRALIDADE
A liberdade sindical constitui-se em uma das peas chaves, sendo um dos
princpios fundamentais da OIT. ela que cimenta e garante o trabalho da entidade, o
das atividades exercidas pelas organizaes sindicais e por todos aqueles que lutam
por justia social. Tais princpios foram comunicados ao Conselho da ONU e adotados
pela Assemblia Geral das Naes Unidas, em 1947, atravs da resoluo de que: [..].
a liberdade sindical, direito inalienvel, dentre outras garantias sociais, essencial
melhoria da vida dos trabalhadores e ao bem estar econmico.50
A Conveno 87 dispe sobre a liberdade de associao de empregados ou
de empregadores independentemente de autorizao prvia do Estado, garantindo que
possam criar organizaes, com autonomia na elaborao dos estatutos e regulamentos
que disciplinem o processo diretivo dos sindicatos. Estabelece a proibio de
interveno, dissoluo ou suspenso da entidade sindical, mediante a via
administrativa; consagra o direito de filiao e articulao com organizaes sindicais
internacionais.
Como preceitua Oscar Ermida Uriarte: A Conveno 8751 tem como
finalidade resguardar o exerccio sindical contra as intromisses do Estado,
50 TEIXEIRA, Joo Rgis Fassbender. Introduo ao direito sindical: aspectos de alguns problemas. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 102.
51 A Conveno n 151 tambm disciplina a matria abordando a liberdade de sindicalizao, porm no mbito do servio pblico, no compondo o elenco pela OIT, dos Convnios Fundamentais, assim como o de n 135 que trata da representao dos trabalhadores.
34
estabelecendo garantias para a sua independncia em relao aos poderes pblicos,
dotando de titularidade o trabalhador para o exerccio pleno da liberdade sindical.52
Na apreciao realizada pelo Conselho de Administrao da OIT, em 1981, ela foi
includa entre os instrumentos que dispensavam reviso e que mereciam especial
promoo, sendo um dos objetivos centrais da OIT.
2.4 REFERNCIAS INTERNACIONAIS
2.4.1 Declarao Universal dos Direitos Humanos
O surgimento da ONU constitui-se em marco para a internacionalizao dos
direitos humanos, pois os Estados que dela participam reconheceram a importncia de
superar as atrocidades cometidas nas dcadas que iniciaram o sculo XX. Em 10 de
dezembro de 1948, aprovada a Declarao Universal dos Direitos Humanos,
realando os direitos civis e polticos e os direitos econmicos. Esta Declarao foi
adotada pela Assemblia Geral das Naes Unidas, tendo sido ratificada e assinada
pelo Brasil em 10.12.1948.53
A Declarao em relao aos direitos de associao e de organizao teve a
seguinte redao:
52 ERMIDA URIARTE, Oscar. "Liberdade Sindical: normas internacionais: regulao estatal e autonomia". In.: TEIXEIRA FILHO, Joo de Lima (coord.). Relaes Coletivas de Trabalho.
53 Aprovada por resoluo a Declarao no teria fora de lei, porm h opinies que divergem como a de Flvia Piovesan, que entendem que a Declarao integra o direito costumeiro internacional e ou princpios gerais de direito, tendo por conseqncia fora jurdica vinculante, apesar de no se constituir em um tratado internacional. Salienta a autora, na medida em que constitui a interpretao autorizada da expresso direitos humanos constante dos artigos 1 e 55 da Carta das Naes Unidas. Ressalte-se que, luz da Carta, os Estados assumem o compromisso de assegurar o respeito universal e efetivo aos direitos humanos. Piovesan, Flvia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Editora Max Limonad, 2a Ed. So Paulo, p. 162.
35
Artigo XX 1. Toda pessoa tem direito liberdade de reunio e associao pacficas.
Ningum poder ser obrigado a fazer parte de uma associao.
Artigo XXIII [...]
4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteo de seus interesses.
Estes dois artigos, que compreendem o direito de reunio e associao e de
organizao em sindicatos, entre os 30 inseridos na Declarao Universal de Direitos
Humanos, fazem parte dos direitos humanos de primeira gerao, que asseguram as
liberdades civis e polticas, condio essencial para a consolidao de uma sociedade
democrtica.
2.4.2 Conveno 87 da OIT
A Conveno 87,54 aprovada por unanimidade na 31a reunio, entrou em
vigor em 04 de julho de 1950. Entre os fundamentos que pesaram para sua aprovao
destacam-se "o reconhecimento do princpio de liberdade sindical constitui um meio