PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP)
Nanci Elisa Baptistella
Arte nas empresas: Pesquisa exploratória da utilização da arte como meio de comunicação
com os funcionários nas empresas
Mestrado em Comunicação e Semiótica
São Paulo/SP 2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP)
Nanci Elisa Baptistella
Arte nas empresas: Pesquisa exploratória da utilização da arte como meio de comunicação
com os funcionários nas empresas
Mestrado em Comunicação e Semiótica
São Paulo/SP 2011
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
(PUC-SP)
Nanci Elisa Baptistella
Arte nas empresas: Pesquisa exploratória da utilização da arte como meio de comunicação
com os funcionários nas empresas
Mestrado em Comunicação e Semiótica Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica, sob a orientação do Prof. Dr. Amálio Pinheiro.
São Paulo/SP 2011
3
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________
________________________________________
________________________________________
4
Para Luisa e Carlos.
Ou melhor: Fifi e K.
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AGRADECIMENTOS Ao meu orientador Prof. Dr. Amálio Pinheiro, primeiramente por me fazer sentir mestiça, por mostrar outras formas críticas de observar o mundo e, principalmente, por me fazer adentrar no recorte cultural da América Latina, permitindo-me sentir, ser, além do querer saber. Ao Prof. Dr. Ivo Assad Ibri, que me possibilitou ver a abertura para a materialização do mundo das ideias. Ao Prof. Dr. Rogério Costa, que me mostrou e me impulsionou ao aprofundamento da pesquisa, interagindo com minhas crenças e desejos, e me possibilitou a concretização de mais esta etapa acadêmica em minha vida. À Profa. Dra. Jerusa Pires Ferreira, com quem aprendi a importância da memória na história, sempre com aproximação e afeto. Aos amigos mestiços com os quais as trocas são sempre intensas, provocativas, prazerosas, incômodas, abertas e alimentadoras. A quem sempre me provocou a curiosidade, meu mais que irmão K, à minha mãe, por seu entusiasmo pela vida, ao meu pai, por sua garra, e à minha filha Luisa, pela doçura.
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O conhecimento é assim:
ri de si mesmo
e de suas certezas.
É meta da forma
metamorfose
movimento
fluir do tempo
que tanto cria como arrasa
a nos mostrar que para o voo
é preciso tanto o casulo
como a asa.
(Mauro Luis Iasi)
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RESUMO
O uso da arte como ferramenta de comunicação é uma nova estratégia utilizada pelas organizações corporativas para atingir seus funcionários, em seus aspectos cognitivos e em suas interações com o coletivo. Seu intuito é melhorar a comunicação interna, para gerar novas ideias e soluções para problemas inesperados que interferem no planejamento linear de uma organização empresarial. Esta pesquisa teve como objetivo investigar algumas corporações que incluíram em suas disciplinas organizacionais a intervenção do “fazer artístico”, aquele em que o funcionário é o próprio protagonista da experiência. Para a contextualização do objeto desta pesquisa, trabalhamos com teóricos da cultura latino-americana (Néstor García Canclini e Severo Sarduy), da mestiçagem (Amálio Pinheiro), da sociologia do conhecimento e comunicação (Boaventura de Souza Santos, Eduardo Viveiros de Castro e Jesús Martín-Barbero), da arte (Marilena Chauí e Jorge Coli) e da administração (Marlene Marchiori, Antonio Cesar Amaru Maximiano e Gareth Morgan), chegando aos dias atuais com Maurizio Lazzarato. Realizou-se, em três corporações de grande porte, uma pesquisa de campo exploratória, com a utilização de questionários elaborados exclusivamente para este trabalho. Utilizamos a possibilidade da existência de outras políticas direcionadas para a estrutura organizacional de uma corporação do ponto de vista da comunicação empresarial, por meio da linguagem artística. Parece paradoxal a existência da arte em um ambiente corporativo; a arte, por pertencer ao campo aberto e irrestrito das subjetividades, e as estruturas corporativas, por integrarem um pensamento rígido. Foi possível observar em nossa pesquisa exploratória que as corporações receptivas ao “fazer artístico” melhoram o ambiente de trabalho em aspectos como comunicação e sociabilidade, relação facilitada pela incorporação própria da nossa cultura mestiça, que nos faz uma sociedade veloz. No entanto, foi impossível quantificar seu alcance, pois é da natureza da arte transbordar qualquer possibilidade de racionalizar seu resultado, pois é vasta a abrangência dos seus sentidos, já que ela é polissêmica.
Palavras-chave: comunicação empresarial, cultura organizacional, arte, mestiçagem.
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ABSTRACT
The use of art as a communication tool is a new strategy used by corporations to affect their employees in their cognitive aspects and their interactions with the collective. The goal is to improve internal communication in order to develop new ideas and solutions for unpredictable problems that interfere with the linear planning of a business organization. The objective of this research was to investigate some corporations that included the intervention of “artistic doing” in their organizational disciplines, in which the employee is the main character of the experience. In order to contextualize the object of this research we worked with theoreticians of Latin-American culture (Néstor García Canclini and Severo Sarduy), miscegenation (Amálio Pinheiro), knowledge and communication sociology (Boaventura de Souza Santos, Eduardo Viveiros de Castro, and Jesús Martín-Barbero), art (Marilena Chauí and Jorge Coli) and administration (Marlene Marchiori, Antonio Cesar Amaru Maximiano and Gareth Morgan), reaching the current days with Maurizio Lazzarato. Using a specially prepared questionnaire for this work, an exploratory field research was carried out in three major companies. We considered the possibility of existence of other policies aiming the organizational structure of a company, from the corporative communication point of view, by means of using the artistic language. The presence of art in a corporative environment seems to be a paradox since the arts belong to subjective fields that are open and unrestricted and the corporate structures belong to a rigid way of thinking. It was possible to observe in our exploratory research that corporations which are receptive to the “artistic doing” improve working environment in aspects such as communication and sociability. We also observed that the “artistic doing” is easily incorporated due to our cultural miscegenation, which makes us a fast moving society. However, it was impossible to measure its reach, since art overruns any attempt of a rational approach to its results and because the reach of art is vast, once it is polissemic. Keywords: corporative communication, organizational culture, art, miscegenation.
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SUMÁRIO
Introdução ........................................ .................................................................... 15 1. A cultura organizacional das corporações ....... ............................................ 19
Artesanato e tecnologia ................................................................................ 19 Mudanças de comportamento: aspectos mecânico e humano .................... 22 As intempéries corporativas e o coletivo ...................................................... 26 A administração de comportamento ............................................................. 29 Sistemas abertos e fechados ....................................................................... 36 A importância dos grupos informais ............................................................. 39 Comunicação como processo social e a pretensa dominação social .......... 42 A comunicação através da arte .................................................................... 45 A possibilidade da arte nos sistemas abertos .............................................. 49 Uma experiência: Playback Theatre ............................................................. 54
2. Algumas considerações sobre arte e mestiçagem na América Latina ..... 57
Processo inacabado de mestiçagem ........................................................... 57 A não resistência ao diferente ...................................................................... 58 A natureza que não se isola ......................................................................... 60 O pensamento cartesiano em nossa cultura ................................................ 62 Sociedades de traduções ............................................................................. 64
3. Arte nas empresas .............................. ............................................................ 67
Aspectos da arte na cultura mestiça ............................................................ 67 A polissemia da arte .................................................................................... 69 O fazer artístico ........................................................................................... 72 A complexidade da arte ............................................................................... 74 Arte e coletividade ....................................................................................... 78
4. Pesquisa exploratória .......................... .......................................................... 81 Considerações finais .............................. ........................................................... 87 Referências ....................................... .................................................................. 93 ANEXO A – Carta de apresentação às empresas ....... ..................................... 97 ANEXO B – Roteiro de entrevista para o setor de Rec ursos Humanos ........ 99 ANEXO C – Roteiro de entrevista para o produtor cul tural ............................ 103 ANEXO D – Questionário de pesquisa para o funcionár io da empresa ........ 105
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Introdução
[...] só investigamos de verdade o que nos afeta e afetar vem de afeto.
(Antonio Gramsci)
O afeto se deu em uma experiência ocorrida em uma pequena empresa que
eu administrava, com apenas 40 funcionários, e que atuava em uma área técnica e
burocrática, o ramo de contabilidade, na cidade de Sorocaba/SP. Na ocasião,
experimentamos a conexão entre corporação e arte, não a arte de contemplação,
mas a arte de fazer-se comunicar, a arte participativa de uma expressão artística.
O pretenso interesse era melhorar a integração entre os funcionários, com a
crença de que a comunicação interna poderia ser o foco mais certeiro com a
aplicação da experiência.
Foi então que, em 2006, convidei alguns amigos para realizarem encontros de
contação de histórias, histórias de cada um de nós, de nossas vidas, de nosso
cotidiano e que integravam o imaginário popular.
A conexão entre esses dois mundos que conotavam distantes um do outro
aconteceu e foi imediata. As relações se intensificaram, e a liberdade de
comunicação sentida pelos funcionários aumentou. Daí nasceu meu interesse em
conhecer o mundo pragmático das corporações interligando-se primeiramente com o
mundo da expressão, da fala, da comunicação e, por que não dizer, com o mundo
da arte. Ou seja, dois mundos aparentemente diferentes que se convergem.
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Apresentou-se uma oportunidade de imaginar esse deslocamento tanto nos
pensamentos diversos da nossa cultura mestiça como nas congruências entre as
ciências, ou seja, entre a arte e as instituições burocráticas, pois, quando voltamos
nossa atenção ao território mestiço no qual vivemos, as faíscas de nosso território
de diversidades intensificam-se. Nas palavras de Canclini:
Precisamos de ciências nômades, capazes de circular pelas escadas que ligam esses pavimentos. Ou melhor: que redesenhem esses planos e comuniquem aos níveis horizontalmente [...] Encontramos no estudo da heterogeneidade cultural uma das vias para explicar os poderes oblíquos que misturam instituições liberais e hábitos autoritários, movimentos sociais democráticos e regimes paternalistas, e as transações de uns com outros. (1986, p. 19)
Partindo desse pressuposto, esta pesquisa propõe-se a observar as ações
das empresas e a intenção do alcance delas. Para explorar essas possibilidades, é
relevante destacar a importância da seguinte questão: como as misturas de sentidos
e propósitos de trabalho são encaradas e recebidas pelos trabalhadores, que, no
geral, nunca participaram de uma experiência artística?
Parte-se para o aprofundamento da questão, observando-se as várias
comunicações midiáticas que se dão por meio de manifestações artísticas oferecidas
em um ambiente corporativo e o possível reflexo dessas intervenções na vida
cotidiana desses trabalhadores e na própria empresa.
O foco deste trabalho incide sobre a experiência artística e sua comunicação
em um sistema de organização racional – as corporações –, com ênfase na
possibilidade de incorporação da arte apresentada à vida cotidiana do trabalhador,
dentro e fora da empresa.
No que tange à preocupação da administração empresarial, percebemos que
está intimamente ligada ao aperfeiçoamento das habilidades de seus funcionários,
mais precisamente com relação à criatividade. Algumas empresas contratam corais
para, por meio da música, melhorar a integração social e a concentração de suas
equipes. Há no mercado instituições que promovem, por exemplo, exibições de
filmes dentro do estabelecimento da empresa, algumas levam os trabalhadores para
museus e outras até realizam concursos de poesia para melhorar a escrita de seus
empregados. Nosso recorte se deu na forma de uma pesquisa exploratória em
17
algumas indústrias, na região de Sorocaba/SP, que oferecem coral e teatro aos seus
funcionários. Optamos por essas duas formas de arte, pois, além de serem as mais
utilizadas pelas empresas, são fazeres artísticos nos quais é imprescindível a
participação do funcionário, ou seja, nas empresas que escolhemos não se propõe a
arte de contemplação, e sim a arte que requer participação ativa.
No capítulo 1, abordamos a tendência de as organizações utilizarem a arte
como meio de comunicação interna e externamente. Essas empresas incorporam
tanto características de permanência quanto de mudança, fazendo uso da linguagem
artística para melhoria das habilidades dos seus funcionários.
Analisamos as formas de organização interna das corporações e as
mudanças no contexto histórico da administração, tendo como base para o nosso
ponto de vista teórico os autores Marlene Marchiori, Antonio Cesar Amaru
Maximiano e Gareth Morgan, chegando aos dias atuais com Maurizio Lazzarato,
considerando a vivência das empresas ainda dependente da tecnologia e sua
velocidade.
É possível pensar que um sistema como o corporativo – em cujo cerne se
encontra a falta de liberdade, a intolerância ao erro e a presença do medo de uma
possível repressão por parte das lideranças, que se comportam de forma linear e
positivista – possa acolher a arte, que pode incorporar naturalmente aspectos não
toleráveis a uma empresa?
Para dar sequência a este estudo, fez-se a necessidade de recorrermos a
teóricos da cultura latino-americana como Boaventura de Sousa Santos, Jesús
Martín-Barbero e Néstor García Canclini, para observarmos os aspectos inerentes
ao pensamento binário no mundo corporativo e as distorções da amplitude de
discurso e definição do pensamento moderno.
No capítulo 2, além dos autores citados anteriormente, que abordam os
caminhos contínuos da formação da América Latina, embasamos nosso texto nos
teóricos Serge Gruzinski, Eduardo Viveiros de Castro, Amálio Pinheiro e Octavio
Paz. Esses autores contextualizam o pensamento mestiço, sua complexidade e a
facilidade de incorporação do outro, já que nascemos das diferenças. Além disso,
18
investigamos a relação da natureza em nossa estrutura de pensamento, assim como
a variedade de aspectos materiais e imateriais adentrando nosso cotidiano.
No capítulo 3, abordamos o aspecto entrópico inerente ao signo da arte, sua
complexidade e coletividade, assim como a polissemia dos sentidos provocados
pela arte, com fundamento nos estudos dos teóricos Jorge Coli – quanto à
possibilidade do conhecimento trazido por ela, seja na contemplação de uma obra
de arte ou na participação de alguma forma artística – e Néstor García Canclini.
Especificamente, abordamos a arte participativa como referência de trabalho,
isto é, aquela em que se utiliza o fazer artístico. Conforme a historiadora Marilena
Chauí (2000), a arte há tempos se desprendeu do belo, e hoje o que chamamos de
arte pode também se denominar “fazer artístico”. Contextualizamos o conceito “fazer
artístico” como definiu Aristóteles (apud CHAUÍ, 2000, p. 314) afirmando que arte
poética é a arte de quem fala, escreve, canta, dança e/ou encena.
Percorremos algumas indústrias da região de Sorocaba/SP, utilizando-nos de
métodos como entrevistas, gravações, leituras, observação presencial, entre outros.
E no capítulo 4, em forma de pesquisa exploratória, apresentamos os resultados
dessas visitas. Tencionamos, assim, averiguar as relações, ou seja, a comunicação,
entre a arte e as corporações, as experiências vividas nesse processo e a
possibilidade de que o funcionário participante incorpore essa experiência ao seu
cotidiano, dentro e fora do ambiente de trabalho. As análises apresentadas neste
trabalho não deixam de observar o contexto territorial da América Latina, com sua
consequente complexa mestiçagem.
19
1. A cultura organizacional das corporações
Como se a máquina da racionalização modernizadora – que separa e especializa –, impossível de ser detida, estivesse girando, patinando, em círculos, a cultura escapa a toda compartimentalização, irrigando a vida social por inteiro.
(Jesús Martín-Barbero)
Artesanato e tecnologia
Para adentrarmos no mundo dos negócios, do ponto de vista de sua
velocidade, e entendermos a importância da comunicação como ferramenta
estratégica de superação permanente, faz-se necessário contextualizar os caminhos
percorridos, desde as formas manuais de produção até a produção industrial,
visando melhor compreender a cultura organizacional.
Tomemos como ponto de partida a Revolução Industrial, que teve início no
século XVIII, na Inglaterra, com a mecanização dos sistemas de produção e que,
mais tarde, chegou a outros países da Europa, alcançando também a América,
porém em tempos e conjecturas diferentes, até mesmo quanto aos modos como
operam e ao uso de tal invasão mecanicista.
Na Idade Média, dentre outras formas de produção, a artesanal era a mais
utilizada, mas na Idade Moderna o panorama mudou. A burguesia industrial, ávida
20
por maiores lucros, menores custos e produção acelerada, buscou alternativas para
melhorar o desempenho da produção de mercadorias. Para isso, modificou
intensamente as estruturas econômica, política e social. Uma imensa contribuição
para as mudanças nessas estruturas foi o surgimento das máquinas. Isso fez com
que os trabalhadores, que antes estavam concentrados nas áreas rurais utilizando
ferramentas simples em suas produções artesanais, se deslocassem para as
fábricas. A produção em grande escala exigia muita concentração de mão de obra e,
dessa forma, o artesão passou a assalariado.
Esse foi apenas o pontapé inicial para uma constante avalanche de mudanças
que têm impactado diretamente o curso das economias mundiais, em que se
incluem, é fato, as empresas. Em consequência disso, a relação capital-trabalho tem
se alterado de forma significativa no decorrer da história.
A incessante fabricação de objetos para incontáveis finalidades tem se
amparado na tecnologia para a solução de todos os anseios humanos. O interesse
pelas possíveis certezas produzidas pela tecnologia se insere no campo da ciência,
no qual não há espaço para posições divergentes e o pensamento deve ir ao
encontro do certeiro, do linear e do pontual, não havendo dúvidas, então, quanto à
eficácia da técnica, originada e entremeada pela tecnologia.
Com isso, as empresas depositam na tecnologia o caráter estruturador para
alcançar seu objeto-fim – o lucro –, consequentemente enraizadas em sua missão,
visão e objetivo. A tecnologia é essencial para as empresas, principalmente nestes
novos tempos, e elas correm o risco de não mais se manterem competitivas sem o
uso de atributos tecnológicos e até de serem eliminadas pela concorrência. Canclini
(2000, p. 31) considera que: “no capitalismo, a expansão está motivada
preferencialmente pelo incremento do lucro [...]”. E para que esse intuito seja
alcançado, é necessário que as empresas sejam competitivas e tenham velocidade
em suas informações via tecnologia. As corporações estão sempre à procura da
perfeição, do maior e do melhor; elas são motores de renovação e consumo
constantes, tão necessários para o capitalismo.
A tecnologia, no entanto, transcende ao mundo empresarial, racionalizada e
legitimada por ele mesmo como um avanço social, sem negar suas vantagens.
21
Pode-se perceber um exagero no discurso quando diz que a modernização
tecnológica pode ser um organizador da sociedade em seu conjunto. Martín-Barbero
questiona o fanatismo, a generalização de soluções tecnológicas e os discursos
modernizantes como solução de comunicação para a sociedade em geral:
[...] sem ceder ao realismo do inevitável produzido pela fascinação tecnológica, e sem deixar-se apanhar na cumplicidade discursiva da modernização neoliberal – racionalizadora do mercado como único princípio organizador da sociedade em seu conjunto – com o saber tecnológico, segundo o qual, esgotado o motor da luta de classes, a história teria encontrado seu substituto nos avatares da informação e comunicação? (2006, p. 12)
A crítica vai se contrapondo à ideia de que a tecnologia é a razão ou a
solução de mediação da sociedade – ela pode ser o motor das corporações, porém
não como totalizadora de soluções sociais:
O mercado não pode criar vínculos societários, isto é, entre sujeitos, pois estes se constituem nos processos de comunicação de sentido, e o mercado opera anonimamente mediante lógicas de valor que implicam trocas puramente formais, associações e promessas evanescentes que somente engendram satisfação ou frustrações, nunca, porém, sentidos. (MARTÍN-BARBERO, 2006, p. 15)
Indo de encontro ao pensamento único e mercadológico da valorização
tecnológica, Martín-Barbero (2006, p. 20) expõe seu pensamento contrário à lógica
de querer transformar as relações sociais em mercado: “[...] o que a tecnologia
medeia hoje, de modo mais intenso e acelerado, é a transformação da sociedade
em mercado, e deste em principal agenciador da mundialização (em seus muitos e
contrapostos sentidos)”.
Não faz parte dos objetivos deste trabalho classificar ou denominar o estágio
atual de nossa sociedade como moderna ou pós-moderna, ou ainda pós-colonial,
entre outras, mas apenas observar que há um pensamento e um discurso
generalizantes engendrados pela tecnologia corporativa que impregnam toda a
sociedade.
Na América Latina, houve um diferencial de colonização decorrente das
inovações de culturas híbridas e, conforme Canclini (2000, p. 25), é ainda mais
inadequado tentar enquadrá-la como se estivéssemos na modernidade, e esta “[...] é
vista então como uma máscara”. Em outras palavras:
22
Para que vamos ficar nos preocupando com pós-modernidade se, no nosso continente, os avanços modernos não chegaram de todo nem a todos? Não tivemos uma industrialização sólida, nem uma tecnificação generalizada da produção agrária, nem uma organização sociopolítica baseada na racionalidade formal e material [...]. (CANCLINI, 2000, p. 24)
Diversos fatores são levantados para a inadequação de classificação de
modernidade para nosso continente. A respeito disso, Santos (2008, p. 15) indaga:
Daí a minha caracterização do tempo de transição que vivemos: confrontamos problemas modernos (igualdade, liberdade, fraternidade, paz) para os quais não há soluções modernas, dadas as inadequações reveladas pelo liberalismo, o progresso [...].
Partimos com algumas reflexões entre tecnologia, corporação e sociedade
para contextualizar o mundo empresarial, com suas transições necessárias até
mesmo para um estágio mais avançado de capitalismo.
Mudanças de comportamento: aspectos mecânico e humano
O futuro será das empresas que pensarem mais nas pessoas do que em si mesmas.
(Ben van Schaik – ex-presidente da Mercedes-Benz
do Brasil)
A tecnologia é o motor para a máquina corporativa, tornando distante ou até
mesmo inexistente a preocupação com o fator humano no trabalho. O trabalhador
operacional é encarado como peça de máquina ou mercadoria, descartável e
substituível.
A falta de consideração com o aspecto humano do trabalhador é pontuada no
exemplo destacado da história por Maximiano (1997, p. 152): “Em 1926, por
exemplo, um sindicato patronal brasileiro manifestou-se contra a promulgação da lei
que instituía férias para os operários, com o argumento de que eles não cansavam o
cérebro e, portanto, não precisavam de um período anual para descansar”.
23
Cientistas e filósofos sociais têm como principal interesse as pessoas e sua
situação no trabalho; já no campo da administração empresarial, entre os teóricos
que investigam a importância do comportamento humano nas corporações, estão
Mary Parker Follett e Hugo Munsterberg, que adotam uma perspectiva humanista e
criticam o modelo mecanicista que vem desde a Revolução Industrial. Esse modelo
humanista é defendido por muitos cientistas e autores que valorizam o fator humano
no trabalho. Nas palavras de Maximiano, as empresas necessitam ser
compreendidas como um corpo em movimento e: “[...] encaram as organizações
como sistemas sociais, e não como sistemas técnicos, feitos de regras impessoais”
(1997, p. 51).
Tendências a mudanças nesse modelo mecânico ocorreram no início do
século XIX, devidas em parte ao surgimento dos sindicatos, que, ao defenderem os
direitos dos trabalhadores, procuravam mostrar que o enfoque técnico,
exclusivamente, revelava-se insuficiente como técnica de organização, sendo
necessário dar atenção aos aspectos humanos. Juntamente com o avanço da
industrialização, foi ficando evidente que a ênfase na eficiência das tarefas e do
processo produtivo era muito importante.
As corporações observaram que, com o desenvolvimento tecnológico, a
necessidade de mão de obra diminuía e, em consequência, aumentava a
responsabilidade do trabalhador como parte do processo de produção, no qual
qualquer erro poderia comprometer a continuidade da cadeia produtiva.
Dessa maneira, surgiu um setor estratégico nas empresas denominado de
Recursos Humanos, proveniente da escola das relações humanas no trabalho.
Ainda de acordo com Maximiano, em seus estudos sistemáticos sobre organização
informal, o objetivo dos experimentos na área de Recursos Humanos é justamente:
“[...] explicar a influência do ambiente de trabalho sobre a produtividade dos
trabalhadores” (1997, p. 155).
A partir do surgimento desse enfoque comportamental como estratégia
administrativa, a comunicação ganha um espaço valioso, pois entra como pilar na
transição para transportar o homem do mundo mecânico para o intelectual. Nas
palavras de Marchiori (2006, p. 23):
24
A comunicação adquiriu notoriedade no campo da gestão organizacional, graças a seu caráter estratégico que vem sendo reconhecido especialmente pelas empresas que se propõem a acompanhar as transformações e a abrir suas portas para os diferentes públicos com os quais se relaciona.
Martín-Barbero também destaca a importância da comunicação, preocupado
com o desenvolvimento social e econômico: “A comunicação torna-se a medida do
desenvolvimento: sem comunicação não há desenvolvimento” (2004, p. 197).
O capitalismo sempre foi pautado pela relação entre a tecnologia, o saber e
os lucros gerados pelo próprio capital. No entanto, o que muda de corporação para
corporação é o tipo de tecnologia e de saber envolvido na relação capital-trabalho.
As mudanças são radicais entre as formas de produção, acumulação e organização
social que as novas tecnologias constantemente promovem.
Novamente, é possível questionar a imposição das mudanças e do
desenvolvimento tecnológico no discurso de modernidade, que Martín-Barbero
afirma ser esquizofrênica em nossa América, bem como que essa busca incessante
de adequação soa como imposição:
Vistas desde os países que as desenham e produzem, essas tecnologias representam a nova etapa de um processo contínuo de aceleração da modernidade que agora realizaria um salto qualitativo do qual nenhum país pode estar ausente sob pena de morte econômica e cultural. Minha hipótese é que na América Latina a imposição acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a máscara de modernização que a pressão dos interesses transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriação e identificação cultural. (2004, p. 179)
A suposta modernidade imposta a todos os países capitalistas e seu conjunto
de aspectos modificantes, tais como a tecnologia e o fortalecimento do aspecto
humano no trabalho, evidenciam a importância da comunicação empresarial como
estratégia de negócio.
O desdobramento do capitalismo avançado torna constante a necessidade de
inovação e renovação. E a busca da flexibilidade para proporcionar transformação e
adoção de novas ideias e conceitos é hoje um aspecto essencial para a conquista do
objetivo organizacional corporativo, trazendo à tona a comunicação como importante
campo de atuação. Para Marchiori (2006, p. 24): “Percebemos um despertar da
25
comunicação para aprofundamento de estudos nessa área, encontrando autores
americanos que afirmam ser Relações Públicas uma atividade de cogerenciamento
de mudanças e de cultura”. E continua: “O trabalho de Relações Públicas está na
criação de um processo de gestão de relacionamento que estimula a empresa a
evoluir do ponto de vista de sua cultura organizacional” (MARCHIORI, 2006, p. 28).
O quadro de Tarsila do Amaral, “Operários”, de 1933, uma das mais
importantes obras da artista modernista, pode ser relacionado com a ideia de
afastamento das máquinas e o início de uma preocupação em sistematizar o
conhecimento coletivo no mundo do trabalho. Trata-se de um exemplo raro de
reunião da etnia brasileira e proporciona reflexões sobre o diálogo intercultural, do
desenvolvimento humano e do pluralismo de ideias.
26
As intempéries corporativas e o coletivo
As corporações vivem em processos de transição de modelos administrativos,
em incessantes buscas pelo novo, não somente pela pressão do mercado, mas
também pelos acontecimentos inesperados e inevitáveis – os acasos –, seja pela
quebra de uma máquina, do atraso no recebimento de alguma matéria para
produção ou em decorrência de problemas socioambientais, incompetência,
problemas técnicos, entre outros.
Seguindo esse pensamento, Lazzarato (2004) utiliza a palavra “evento”, que
se torna propícia no enquadramento de nosso estudo sobre a disciplina
organizacional do trabalho:
Instabilidade, incerteza, a necessidade de se enfrentar mudanças em tempo real, tudo penetra profundamente a organização do trabalho. O trabalho torna-se [...] um conjunto de eventos, “de coisas que acontecem de maneiras imprevisíveis, excedendo o que poderia ser considerado normal”.1 (tradução nossa)
Com as intempéries presentes na organização do trabalho, o dinossauro
corporativo, burocrático, pesado e extremamente hierarquizado dá lugar a um novo
modelo de administração: mais ágil, rápido, menos autoritário, com poucos níveis
hierárquicos, focado no cliente, com a revisão permanente dos processos gerais de
produção e com melhorias tecnológicas contínuas. E na tentativa de diminuir os
indesejáveis eventos, que geralmente são complexos, ou mesmo na resolução
criativa deles, as organizações internas vão de encontro à sistematização dos
trabalhadores, tanto no sentido cognitivo quanto no seu conjunto, ou seja, no sentido
do conhecimento coletivo do grupo formal.
1 Disponível em: <http://www.ephemeraweb.org/journal/4-3/4-3lazzarato.pdf>.
27
Em meio a toda essa turbulência, o ser humano – que, desde os estudos na
escola de administração na área de Recursos Humanos, é considerado o principal
fator capaz de tornar a empresa permanentemente competitiva –, com seu
conhecimento individual e coletivo, passa a ser o centro das atenções. A
administração organizacional passa a se interessar somente por seres humanos
competentes e devidamente qualificados. Os teóricos em administração verificam
que essas pessoas qualificadas poderão produzir ou prestar serviços com qualidade
às corporações na atualidade. Chester Barnard, destaca, além da qualificação
individual, o fator da cooperação entre as pessoas como ponto importante para as
organizações e defende a coletividade como competência:
[...] as organizações são por natureza essencialmente sistemas cooperativos. [...] A organização é um “sistema de atividades ou forças de duas ou mais pessoas coordenadas conscientemente”. (BARNARD apud MAXIMIANO, 1997, p. 51).
A colaboração passa a ter mais importância que a competição, e o foco agora
passa a incidir sobre o comportamento. O ambiente corporativo procura, então,
investir em redes sociais para seus funcionários, almejando a questão do coletivo e
suas relações. Pretende-se assim que a ocorrência de eventos, ou melhor, os
frequentes acontecimentos inesperados no trabalho, obrigue o funcionário a um
novo comportamento, cada vez mais flexível a adaptável a cada nova situação.
Lazzarato (2004) expõe uma forma de administrar e sugere a necessidade de redes
sociais para movimentar as relações, efervescendo a comunicação, para confrontar
com o acaso cotidiano e inesperado de uma organização, pois a corporação: “[...]
exige aprendizado com as incertezas e as mutações, significa tornar-se ativo em
face à instabilidade, e colaborar em ‘redes de comunicação’”2 (tradução nossa).
As mudanças sociais, principalmente na América Latina, são observadas por
Martín-Barbero como um movimento que inclui desde formas políticas e sociais até a
flexibilização do trabalho como alguns dos fatores ocorridos no capitalismo
avançado: “[...] como o de suas formas políticas e sociais: desvalorizações do
Estado, ingovernabilidades políticas, flexibilizações laborais, des - socializações
institucionais, descentramentos culturais” (2004, p. 14).
2 Disponível em: <http://www.ephemeraweb.org/journal/4-3/4-3lazzarato.pdf>.
28
As corporações, flexibilizando-se por vários processos, entre eles, a
substituição da mão de obra braçal pela tecnologia, procuram estratégias de
comunicação para aprimorar o conhecimento e a rede de relacionamento
empresarial. Veja-se a citação de Marchiori (2006, p. 238):
Para mim, essa é a função primordial da comunicação estratégica: a produção de conhecimento para que se possa consolidar o futuro de uma empresa, fazendo valer suas atitudes em nível interno e externo, trabalhando de maneira integrada sua identidade, imagem e reputação organizacionais. É preciso legitimar o conhecimento nesta sociedade pós-moderna.
A busca pelo valor do intelecto, pela criatividade e pelas ideias expande-se
cada vez mais nos dias atuais. A atividade criativa nunca esteve separada de
nenhuma outra atividade humana, porém, agora, podem-se vender somente ideias
criativas. Lazzarato (2004) afirma que há uma tendência de uma nova forma de
produção, um afastamento institucional e político do mundo da produção do mundo
das ideias, isto é, existem instituições que criam e recriam formas de produtividade
ou ideias, seja de bens tangíveis ou intangíveis, depois as vendem, sem se
preocuparem com sua implantação, produção ou resultado final.
De acordo com o autor, há no mercado corporações que desenvolvem a ideia,
a informação e o conhecimento do negócio e terceirizam sua produtividade,
ampliando a discussão para o campo social e político da relação trabalho-capital.
A empresa e a relação de trabalho-capital determinam uma rígida e não reversível distribuição das forças de invenção e repetição, atribuindo-as a diferentes sujeitos de uma forma normativa. A propriedade intelectual tem, portanto, função política: determina quem tem direito a criar e quem tem a responsabilidade de reproduzir. A empresa e a relação de trabalho-capital não só nos impedem de ver a dimensão social da produção de riqueza, mas determinam as novas formas de exploração e subjugação.3 (tradução nossa)
3 Disponível em: <http://www.ephemeraweb.org/journal/4-3/4-3lazzarato.pdf>.
29
Essa concepção de Lazzarato (2004) sobre as mudanças de visão entre
capital-trabalho procura construir uma nova forma de confrontar a ideia de
acumulação capitalista, já citada acima. Trata-se de algo além das teorias de
dominação, pois sua base não está mais somente na exploração dos corpos no
trabalho, no campo industrial, mas também na exploração do conhecimento, das
mentes, e vai mais além, percorrendo também a exploração da vida, da saúde, e se
é que é possível, da cultura. Para Lazzarato (2004):
É a esse preço que o “trabalho” é realizado. E essa é uma faca de dois gumes. Por um lado, afirma a autonomia dos trabalhadores, independência e singularidade (substância individual), por outro lado, que os trabalhadores pertençam ao mundo organizacional, pois “esse mundo é interno à situação e conduta dos sujeitos”.4 (tradução nossa)
Após discutirmos sobre a tendência de inovação do mundo corporativo,
vamos agora adentrar mais especificamente nas corporações de grande porte, ou
seja, nas instituições industriais que têm um capital maior para seu desenvolvimento
e investimento, que operam tanto dentro como fora do país, constituídas por bens
tangíveis (meios físicos, tecnológicos etc.) e intangíveis (pessoas e conhecimentos).
A administração de comportamento
A dinâmica organizacional somente é possível quando a organização assegura que todos os seus membros estejam devidamente conectados e integrados. É exatamente por essa razão que uma das finalidades mais importantes do desenho organizacional é assegurar e facilitar o processo de comunicação e de tomada de decisão.
(Idalberto Chiavenaro)
4 Disponível em: <http://www.ephemeraweb.org/journal/4-3/4-3lazzarato.pdf>.
30
O papel da administração é o de procurar definir metas, decidir ações e
recursos para atingir os lucros da corporação. Maximiano (1997, p. 82) define
administração como “[...] o processo que procura aumentar e garantir a qualidade
das decisões sobre objetivos e recursos”.
Os estudos da teoria de administração nos mostram que a administração no
passado e a administração no presente têm-se modificado constantemente.
Podemos observá-la na relação capital-trabalho, que vai além da visão homem-
máquina e inclui também a tecnologia, o cognitivo do trabalhador e do coletivo, o
acaso e a comunicação, trazendo, assim, novas fronteiras para dentro da
organização interna corporativa.
Dentre as várias escolas de teoria da administração, a escola moderna é a
última vertente praticada pelas organizações e responsável pelo início da
administração participativa, isso no início do século XIX na França, com o
movimento de administração científica, que abrange o campo teórico da organização
racional do trabalho e o comportamento humano nas organizações, mais
precisamente em 1920 nos EUA. Segundo Maximiano (1997, p. 82):
As primeiras ideias para a moderna administração das organizações surgiram devido à necessidade de fazer as organizações funcionar com eficiência. Foi essa necessidade que fez nascer, na passagem para o século XX, o movimento da administração científica e, nos anos 50, o Sistema Toyota de Produção.
No que diz respeito à eficiência e ao comportamento humano, Max Weber foi
um dos cientistas sociais mais influentes da escola humanista, estudando o alicerce
formal e legal sobre a qual as organizações atuais ainda se assentam. Conforme
Maximiano, Weber pontuou a análise de processos de interligação entre dominação
e obediência: “Weber pintou a burocracia como máquina completamente impessoal,
que funciona de acordo com regras, enquanto as pessoas ficam em plano
secundário ou nem são consideradas” (1997, p. 34).
31
A influência de Weber segue a teoria da psicologia social e coloca as
organizações como sistemas de normas, de condutas e estruturados
mecanicamente. Porém, por trás dessas estruturas organizacionais diversas, existe
o comportamento humano, sendo impossível enquadrar as organizações, segundo
Weber, que descreve o difícil papel na procura por uma visão única das
organizações, já que cada uma é um corpo com suas peculiaridades em situações
específicas (MAXIMIANO, 1997). “As organizações reais são tão cheias de defeitos
ou disfunções que seu tipo ideal é impraticável, uma ‘abstração muito abstrata’”,
explica Maximiano (1997, p. 39).
Mesmo valorizando o trabalhador e seu cognitivo, o aspecto entre dominação
e obediência exposto por Weber ganha força e é observado por Maximiano como
uma organização interligada diretamente com fatores do poder: “Cada tipo de
organização é definido pelo tipo de poder exercido sobre as pessoas. Cada tipo de
poder dá origem a um tipo de obediência” (1997, p. 39).
Esse caráter mecanizado de pensar o poder e de sobrepô-lo ao fator humano
da organização foi observado por Morgan (2009, p. 26): “A nova tecnologia foi,
assim, acompanhada e reforçada pela mecanização do pensamento e ação humana.
As organizações que usaram máquinas tornaram-se cada vez mais e mais parecidas
com as máquinas”. Criticando o enfoque burocrático como bloqueador da
capacidade criativa da vida humana, Morgan (2009, p. 27) novamente expõe: “o
enfoque burocrático tinha potencial para rotinizar e mecanizar quase cada aspecto
da vida humana, corroendo o espírito humano e a capacidade de ação espontânea”.
Como se pode observar, a escola humanista compreende os cientistas e
autores que encaram as organizações como sistemas sociais, e não somente como
sistemas técnicos, que não perdem de vista a já conceituada necessidade de
dominação e poder, porém a cooperação começa a ser vista como essencial para a
eficácia do processo.
Nas palavras de Maximiano (1997, p. 51): “As pessoas cooperam pelo
objetivo da organização. A organização é um sistema de atividades ou forças de
duas ou mais pessoas coordenadas conscientemente”. E completa, verificando um
propósito ainda maior para o administrador: “As organizações sempre têm um
32
propósito moral. Inocular este propósito moral em todas as partes da organização é
a única tarefa significativa do executivo” (MAXIMIANO, 1997, p. 51).
A partir de então, o enfoque da administração moderna, mais precisamente do
administrador, inclui a preocupação com a eficiência via sistema social para inocular
o objeto da organização, e a imaginação passa a ser vista como importante
ferramenta estratégica.
Nos anos 1930, o propósito nos estudos das relações humanas alcança o
aspecto de educação formal e informal dos trabalhadores, assim como suas redes
de relacionamentos. Maximiano escreve sobre o envolvimento com o enfoque
comportamental:
O sistema social tem tanta ou mais influência sobre o desempenho da organização do que seu sistema técnico, formado pelas máquinas, métodos de trabalho, tecnologia, estrutura organizacional, normas e procedimentos. Portanto, no centro do processo administrativo está o ser humano e não o sistema técnico. (1997, p. 153)
O sistema técnico não deixa de ser importante, mas a estratégia empresarial
amplia-se para o fator humano e, em consequência, o sistema social e coletivo é
evidenciado, e Maximiano (1997, p. 157) segue: “Portanto, o tema central da escola
das relações humanas no trabalho é o comportamento coletivo nas organizações, ou
seja, o entendimento e administração dos indivíduos como integrantes de grupos de
trabalho”.
Administrar é um processo de tomada de decisões que procura assegurar a
realização dos objetivos institucionais por meio da correta utilização dos recursos. Já
vimos que há necessidade constante de mudanças no processo, porém geralmente
existem dificuldades para realizar as adequações, pois as formas de organização
internas em uso são sempre burocráticas e acabam enraizadas culturalmente.
É comum, na tentativa de implantar uma mudança na forma de administrar,
chocar-se com a visão simplista, autoritária, excludente, dominante e, por que não
dizer, oportunista. René Descartes, no século XVII, defendia a possibilidade de
alcançar uma “verdade absoluta”, e esse pensamento racionalista está presente nas
corporações. Contrapondo-se ao pensamento cartesiano, surge no século XX o
33
pensamento sistêmico5, que não nega a racionalidade científica, mas amplia a visão
incluindo as subjetividades humanas.
A partir do momento em que o homem não é mais considerado como o braço
de uma máquina, mas é visto como um ser pensante, com suas subjetividades, isso
passa a refletir em todas as atividades de produção. Assim, Lazzarato (2004) aponta
para uma transformação:
O corpo paradigmático de nossas sociedades não é mais um corpo moldado por disciplinas, agora o corpo e a alma são marcados por sinais e imagens (logotipos de empresas), registrados em nós da mesma maneira como a máquina da “colônia penal” de Kafka imprime seus comandos na pele dos condenados.6 (tradução nossa)
Na cultura corporativa, predomina a visão mecanicista de organização – com
seus departamentos, processos produtivos, regras, partes isoladas do todo – como
resultado das centenas de anos de pensamento cartesiano, movido por relações de
causa e efeito. Lazzarato (2004) mostra dificuldades por parte das corporações em
aceitar as mudanças e os eventos, tão presentes no mundo corporativo atual. O
“evento” seria como o acaso, o inevitável e indesejável para os negócios, aqueles
acontecimentos imprevistos na organização, algo que não deveria existir, enfim,
como um perturbador de planejamentos, principalmente nas organizações mais
rígidas e fechadas. Segundo Lazzarato (2004):
A lógica disciplinar encarna em uma tradição de pensamento e um conjunto de práticas que “consideram eventos como sendo negativos: eles não deveriam acontecer, tudo deveria se desdobrar de acordo com o que foi previsto e planejado, e servir a normalização do trabalho”.7 (tradução nossa)
5 Pensamento sistêmico é uma forma de abordagem que surgiu no século XX, em contraposição ao pensamento cartesiano, que não nega a racionalidade científica, mas acredita que deve ser desenvolvida conjuntamente com a subjetividade das artes e das diversas tradições espirituais. 6 Disponível em: <http://www.ephemeraweb.org/journal/4-3/4-3lazzarato.pdf>. 7 Disponível em: <http://www.ephemeraweb.org/journal/4-3/4-3lazzarato.pdf>.
34
Todas as corporações mercantis, em sua ideologia e política, já se encontram
em um ambiente de enquadramento. Quando se pensa em empresa, logo vem à
mente uma organização fechada, com padrões e normas preestabelecidas.
Entretanto, se os trabalhadores são considerados pela administração pessoas
rígidas como uma máquina e que pensam mecanicamente, como seria possível
resolver os problemas gerados pelos eventos? Há empresas que buscam pensar em
uma abertura, mas, apesar de sua tentativa, a rigidez está presente, em decorrência
do pensamento cartesiano, ou seja, simétrico, linear.
A maioria das corporações, portanto, organiza-se de forma definida, numa
tentativa de prevenir possíveis surpresas. Gerida por pessoas, a administração é
ciente de seus percalços, mas geralmente não os aceita e não concebe a liberdade,
o erro, o medo, tendendo à linearidade e excluindo o que não é homogêneo, ou seja,
o que é evento. Lazzarato (2004) acredita que as organizações tendem a ser
estáticas e inesperadas para os dias atuais, mas, com a velocidade na atualidade,
os eventos são inevitáveis, assim como a desordem, que também é recusada em um
ambiente corporativo:
A visão disciplinar da organização do trabalho é “antievento, anticriativo”, pois, como sabemos, tem que subordinar evento e invenção à reprodução. Mas a atividade das empresas que estão sintonizadas com os seus clientes não é mais exclusivamente organizada por previsão e planejamento.8 (tradução nossa)
Observa-se aqui que, institucionalmente, as corporações são permeadas pelo
pensamento positivista no mundo dos negócios, ou seja, a busca incessante por ser
melhor, maior e com crescimento constante e linear. Contudo, Lazzarato (2004)
mostra a necessidade de mudança no processo e sugere transformar a linearidade
do planejamento em algo mais flexível, abrindo-se a novas formas de se comunicar,
e sugere as atividades em redes para as mudanças incessantes que estão
presentes na atualidade:
Ela exige a aprendizagem da incerteza e das mutações, que significa tornar-se ativo em face da instabilidade e colaborar em redes comunicacionais. [...] podemos dizer que já passamos da operação para a ação e do trabalho em equipe para a atividade em redes.9 (tradução nossa)
8 Disponível em: <http://www.ephemeraweb.org/journal/4-3/4-3lazzarato.pdf>. 9 Disponível em: <http://www.ephemeraweb.org/journal/4-3/4-3lazzarato.pdf>.
35
As corporações são os engates do pensamento capitalista – pensa-se com
cabeça de vencedor –, que se estrutura no pensamento cartesiano, em cujo cerne
está a busca incessante pelo uno, pelo melhor, pelo maior, pelo primeiro.
Geralmente, esse tipo de pensamento, no que tange a valores culturais, dá lugar a
visões de oposição tais como identidade-diversidade, eu-outro, espírito-matéria,
vencedor-perdedor, essência-existência, mente-corpo, ordem-desordem, mundo
elevado-mundo baixo. Essa rigidez de pensamento tenta mesclar-se com uma
possível e limitada abertura no sistema organizacional das corporações. Para
Morgan (2009, p. 17): “Um dos problemas mais básicos da administração moderna é
que a forma mecânica de pensar está tão arraigada nas nossas concepções diárias
de organização que é frequentemente muito difícil organizá-la de outra forma”.
Nessa órbita, o processo de valorização do trabalhador surge nos horizontes
das organizações pela própria necessidade mercadológica. Ocorre, porém, uma
pressão de adequação nas organizações, com abertura e modificação na forma de
administração interna das empresas, pressionadas pelo próprio capitalismo
avançado, que necessita de novas tecnologias e novas formas de produção e,
consequentemente, de novas estratégias. Podemos observar alguns aspectos da
atualidade como pulsantes: o processo de abertura e interligação das economias
nacionais, a tecnologia intensiva, a preocupação com a ecologia e a qualidade de
vida, a pressão dos sindicatos, a defesa do consumidor, assim como uma redução
da hierarquia na administração.
Esse processo de abertura, de acordo com Maximiano, se faz necessário
também pela ineficiência e pela falta de técnicas para lidar com fatores
incessantemente novos no mercado, e é dessa forma que a questão social ganha
mais espaço: “À medida que as proposições técnicas se revelaram insuficientes para
lidar com as questões complexas da eficiência e do desempenho das organizações,
o sistema social começou a ganhar reconhecimento dentro da administração” (1997,
p. 155).
36
Sistemas abertos e fechados
Mesmo com a resistência cultural administrativa, devida ao pensamento
cartesiano e mecanicista, não é possível o retorno a métodos ultrapassados, a
adaptação é inevitável e o foco da administração corporativa valoriza o ambiente de
trabalho. Os sistemas fechados que se repetem correm o risco de necrosarem. Nas
palavras de Morgan (2009, p. 49):
Trataram a organização como um sistema mecânico “fechado” e se preocuparam com os princípios de planejamento interno. A visão dos sistemas abertos modificou tudo isso, sugerindo que se deveria sempre efetuar o processo de organização tendo-se em mente o ambiente.
A mudança de postura se faz de maneira pontual e lenta, porém em contínua
adequação. Sendo assim, os sistemas em evidência e necessários a partir de agora
são os denominados sistemas orgânicos, sistemas vivos ou sistemas abertos,
aqueles em há certa liberdade e flexibilidade, em que se valoriza quem pertence a
grupos ou departamentos, o que resulta no processo de alimentar o outro, tornando
passível de receber ideias e novas formas de organização. Morgan (2009, p. 49)
coloca:
Essa troca é crucial para manutenção da vida e forma do sistema, uma vez que a interação com o ambiente é fundamental à automanutenção. Assim, é dito frequentemente que os sistemas vivos são “sistemas abertos”, caracterizados por um contínuo de entrada, de transformação interna, saída e retroalimentação [...].
Considera-se uma tendência sem retorno a procura por um sistema mais
aberto nas organizações, em que a presença do outro se faz necessária como
estratégia mercadológica. O enfoque comportamental, agora no campo da
administração nas corporações, dialoga com o conhecimento do trabalhador e se
respalda na psicologia para interação, como aponta Marchiori (2006, p. 227):
Os ambientes de trabalho estão ficando marcados pelas rápidas mudanças, pela conquista de diferentes mercados quase que instantaneamente, e pelas alterações de espaço e tempo. É a busca contínua do conhecimento, da capacidade tecnológica, do acesso à informação e da alta habilidade humana.
37
Na teoria da administração, os comportamentos dos trabalhadores estão
sendo observados, pois segundo Maximiano (1997), a organização deseja tomar
ciência das crenças e dos ideais dos trabalhadores para saber se estão a favor ou
contra a ideologia empresarial. Isso ocorre:
[...] porque é extremamente importante compreender os mecanismos que movimentam as pessoas, para os comportamentos de alto desempenho, indiferença ou improdutividade, a favor ou contra os interesses das organizações e da administração. (MAXIMIANO, 1997, p. 204)
Além da criatividade e do conhecimento da equipe de trabalho, as crenças
também são fundamentais para as organizações lidarem com as novas mudanças.
Isso não significa que os fatores clássicos de produção desaparecem, eles apenas
tornam-se secundários.
Na era industrial, as organizações seguiam o pensamento exposto por Ford,
de que o “cérebro do trabalhador ficava em casa”, mas agora, segundo Morgan, as
corporações se preocupam em entender o funcionamento do cérebro para suprir as
suas necessidades, pois ele é um sistema de processamento de informações:
O cérebro é um sistema que dá início à ação inteligente, permanecendo supremo entre todos os sistemas naturais e feitos pelo homem dos quais se tem conhecimento. [...] a organização necessita de um cérebro ou uma função semelhante a de um cérebro. (2009, p. 83)
O cérebro torna-se fonte de pesquisa na exploração de possíveis ideias e
planejamento das organizações, mas nesse cérebro há mundos e mundos
subjetivos, com suas experiências, medos etc., que transcendem a compreensão
dos estudos de comportamento, principalmente no espaço físico de uma
organização corporativa que, agora com a necessidade de sistemas mais abertos,
também enfrenta sua complexidade. Segundo Morgan (2009, p. 86): “Grande parte
desse trabalho focalizou como as organizações lidam com a complexidade e
incerteza apresentadas pelo ambiente”.
Sobre o limite e a irracionalidade nos cérebros de seus membros, Morgan
(2009, p. 85) afirma que “[...] as organizações nunca podem ser perfeitamente
racionais, porque os seus membros têm habilidades limitadas de processamento de
informação”.
38
Em 1995, a equipe da empresa Royal Dutch Shell, liderada por Ariel de Geus,
realizou uma pesquisa, publicada no livro A Empresa Viva (1998), com o objetivo de
verificar se havia algo diferente na administração das empresas com muito tempo de
vida, as duradouras. A pesquisa analisou 30 organizações da América do Norte,
Europa e Japão com mais de 100 anos de atuação no mercado, consideradas pela
revista Fortil (1985) como as maiores e mais longevas companhias. Porém, em
1995, passados 10 anos, a pesquisa observou que, das 30 maiores corporações
existentes, apenas 5% se mantinham no mercado. E uma pergunta se impôs: O que
havia em comum entre elas? Revelou-se, então, que havia quatro fatores: o primeiro
fator é que as organizações tinham uma visão sistêmica, isto é, integrada; o
segundo é que o propósito delas não era somente o lucro; o terceiro é que se tratava
de empresas tolerantes com seus funcionários; e por último, o setor financeiro era
considerado conservador. Percebe-se que nessas empresas havia uma visão de
sistema mais aberto, mais complexo e, por que não dizer, mais dinâmico.
Podem ser citadas algumas empresas com sede nos EUA que conduzem a
organização interna de forma mais aberta, como é o caso da W. L. Gore e da
Google, que baseiam sua administração em um modelo de gestão que consegue
conciliar liberdade e disciplina, senso de missão com foco em resultados. A
descentralização é tão grande que até as contratações são decididas coletivamente.
A W. L. Gore, gigante nas áreas têxtil, eletrônica e de equipamentos médicos, com
145 fábricas pelo mundo, cujo produto mais conhecido é a fibra Gore-Tex®, é uma
empresa em que não há definição com relação a chefes, cargos, organograma e
foco. São as pessoas que escolhem os projetos em que querem trabalhar. Essa
aparente anarquia também é característica da empresa Google, em que metade dos
funcionários trabalha em pequenos times quase autônomos, com liberdade de
criação.
A Semco, de Ricardo Semler, é um exemplo brasileiro de empresa mais
aberta. Seus empregados, inclusive os operários de linha de produção, escolhem o
horário de trabalho. A maioria estabelece também o próprio salário, com base em
dados internos e do mercado. Não há auditoria nem se conferem relatórios de
despesas, porque a base do modelo é a confiança.
39
Pretende-se com este trabalho mostrar diferentes tipos de organizações
internas no mercado, sem delimitá-las ou classificá-las como corporações que atuam
em sistemas abertos ou sistemas fechados, pois há momentos em que são mais
abertas e outros em que são mais fechadas, dependendo da situação em que se
encontram.
A importância dos grupos informais
Não existe comunicação sem cultura, nem cultura sem comunicação
(Jesús Martín-Barbero)
Para a continuidade da contextualização do objeto desta pesquisa, é
necessário abordar a importância de grupos informais e verificar como se dá o
surgimento do enfoque social nas corporações.
A escola humanista da teoria de administração nasceu com o enfoque social
sobre as organizações e envolve estudos sobre o conhecimento individual e coletivo,
com a preocupação em desenvolver a criatividade e promover interações com o
coletivo.
Morgan vê as organizações como culturas e as denomina de cérebro: “É
possível que, usando o cérebro como uma metáfora para a organização, seja viável
desenvolver a habilidade para realizar o processo de organização de uma maneira
que promova a ação flexível e criativa” (2009, p. 82). Ele diz ainda: “A divisão das
características de trabalho das sociedades industriais cria um problema de
integração, ou, como pode ser mais precisamente descrito, um problema de
‘administração da cultura’” (MORGAN, 2009, p. 117).
O cerne da preocupação com o enfoque social se expandiu nos anos 1970,
quando o mercado se surpreendeu com a cultura do Japão, que surgiu como líder
do poder industrial, assumindo o comando do mercado internacional depois das
40
cinzas da Segunda Guerra Mundial. Quanto a isso, Morgan (2009, p. 115) declara:
“Embora diferentes teóricos tenham discutido as razões desta transformação, a
maior parte deles concorda que a cultura e a forma de vida em geral deste
misterioso país oriental tiveram papel central”.
Nos estudos sobre comportamento humano, observou-se que, nas culturas
tradicionais em que a produção artesanal representava a base da economia, o
trabalho era visto de forma diferente, isto é, havia maior interesse, rapidez e
envolvimento com o processo produtivo em geral. Assim como no Japão, as
comunidades tradicionais estavam enraizadas em ideais e crenças comuns. Para
Morgan (2009, p. 117): “As distinções delineadas entre os meios e os fins, entre as
atividades ocupacionais, econômicas em geral e sociais das organizações tendem a
ser muito mais obscuras e sistemas de atitudes e crenças muito mais coesos”.
As organizações são vistas como fenômeno cultural e a preocupação é
compreender esses fenômenos, que também são sociais. Maximiano (1997) expõe
dois grupos na cultura organizacional: o formal e o informal. Os grupos formais são
determinados administrativamente, institucionalmente regidos com seus setores,
equipes, gerência, enfim grupos de trabalhos com suas responsabilidades e grupos
já predeterminados pela organização interna. Segundo Maximiano (1997, p. 158):
“Compreender o sistema social (ou organização informal) da empresa é um dos
objetivos principais do enfoque comportamental na administração moderna”. Os
grupos informais são a junção de maneira aleatória de pessoas dentro da
organização ou de fora dela desconsiderando a hierarquia estabelecida na
organização formal da empresa e são criados pelos próprios membros da
organização, com diversos interesses pessoais, conforme Maximiano (1997, p. 159)
destaca:
Os grupos informais desenvolvem-se para realizar objetivos tão diversos como organizar competições esportivas, encontrar-se nos fins de semana, comemorar o fim de ano, fazer uma reivindicação salarial, brigar com outros grupos pela posse de espaço físico ou apenas conviver socialmente.
Esses elementos, os valores dos grupos informais, são de interesse e
preocupação da organização interna, pois eles ditarão as relações e valores que,
para os administradores, não poderão ser contraditórios com os fins corporativos.
41
Marchiori (2006, p. 235) expõe essa preocupação: “Não há mais como imaginar uma
empresa onde administradores exijam determinados comportamentos e as pessoas
ajam da forma determinada simplesmente por estarem ‘obedecendo’ as regras”.
Esse despertar recente para as relações sociais dos trabalhadores em uma
organização é descrito por Marchiori como importante para o desempenho das
corporações, pretendendo a sistematização das relações coletivas dos integrantes
da instituição:
[...] entendo que cada gesto é interpretado de uma maneira e adquire sentido diferente em função dos indivíduos e grupos que ali se relacionam. Tudo depende do estado e – por que não afirmar? – do espírito e do emocional da organização, ou seja, dos relacionamentos. (2006, p. 226)
Mas como administrar relações sociais, principalmente na América Latina,
onde reina soberana uma intensa diversidade cultural? Para Marchiori (2006, p.
241):
Ainda não há uma única visão de relacionamento entre organização e públicos, pois a multiplicidade de identidade também ocorre com os indivíduos, o que demonstra, mais uma vez, a necessidade de gerenciar relacionamentos, e isso necessariamente exige uma mudança cultural para sua efetividade.
A vida externa, ou melhor, a vida fora das corporações é mais complexa de se
viver, e as corporações têm relação direta com a sociedade, realizando-se nela e
alimentando-se dela. Marchiori expõe essa complexidade:
Uma organização não é um ser isolado à medida que pertence a uma sociedade. As sociedades são criadas pela interação de conflitos que revelam uma determinada estrutura social. Essa estrutura engloba relações de produção, consumo, experiências, poder, nas quais os significados são gerados e reproduzidos numa relação direta com a produção da cultura. (2006, p. 227)
Sociedade, grupos sociais e organizações se integram e se desintegram
constantemente, em trocas profundas e, segundo Marchiori, instituindo a
responsabilidade das corporações perante a vida social do trabalhador para além da
corporação:
42
Assim como indivíduos trazem determinados aspectos para a organização, é tempo de pensarmos que também podem levar determinados comportamentos para suas comunidades, o que implica diretamente a ampliação da responsabilidade social, não só na condução dos assuntos relativos à comunicação organizacional, mas, também, da própria empresa, gerando um processo de educação. (2006, p. 236)
Mesmo com uma realidade fragmentada da sociedade e, em consequência,
uma cultura complexa, as corporações pensam no processo de educação, porém no
momento não vamos nos ater aos domínios da ética e da pretensa educação
empresarial. Tencionamos apenas contextualizar a difícil arte de conectar-se com a
subjetividade e com os diferentes interesses dos grupos informais, com o respaldo
de Marchiori (2006, p. 239):
Por mais que uma organização conviva com uma realidade fragmentada, devem existir coerência e integração em determinados pontos-chave para que um empreendimento possa ser interpretado como uma comunidade e tenha sua identidade.
Comunicação como processo social e a pretensa dominação social
Uma das melhores formas para se ter garantia do retorno de investimento e conhecer o potencial de crescimento de uma empresa é através de pesquisas que indicam a forma de pensar dos seus funcionários.
(George Soros)
Ainda no tocante às mudanças das organizações quanto aos interesses no
comportamento humano, destacamos agora os estudos das comunicações, que
entram em cena na arena da organização e vão além da racionalidade técnica.
Marchiori fala dessa questão:
43
A organização é um fenômeno social e, portanto, um processo humano, no qual as questões hoje se concentram em comunicar e se relacionar; organização, por conseguinte, não significa mais simples recipientes, nos quais as atividades de comunicação ocorrem. (2006, p. 229)
É possível compreender como se dá a comunicação dos processos culturais,
porém é bastante difícil enquadrá-la e interpretá-la, considerando sua complexidade,
caso haja desejo das corporações de intervir nesse processo. Marchiori expõe o
processo de comunicação em uma organização:
É preciso ter em mente que são as pessoas que tornam um processo viável por meio da comunicação. É em função da cultura e da comunicação que as pessoas dão sentido ao mundo em que vivem. Observar a produção de cultura é perceber como as pessoas se relacionam, de que maneira pensam, sentem e interpretam diferentes realidades no interior de uma organização. (2006, p. 230)
As relações sociais na construção de relacionamentos nas organizações
implicam vários fatores, tais como estrutura social, conhecimento, flexibilidade,
função da comunicação, informação, entre tantas outras concepções que objetivam
a construção social de uma realidade, segundo Marchiori, que reforça:
Para mim, essa é a função primordial da comunicação estratégica: a produção de conhecimento para que se possa consolidar o futuro de uma empresa, fazendo valer suas atitudes em nível interno e externo, trabalhando de maneira integrada sua identidade, imagem e reputação organizacionais. É preciso legitimar o conhecimento nesta sociedade pós-moderna. (2006, p. 238)
Os sistemas sociais constroem as organizações e são sistemas
comunicacionais segundo Morgan (2009, p. 85): “as organizações são sistemas de
informações. São sistemas de comunicação, sendo também sistemas de tomada de
decisão”. A ideologia e a política desses sistemas só podem ser alcançadas quando
se conhece sua comunicação, no entanto, de acordo com Marchiori, o capital não
pode comprá-las: “[...] a comunicação interna também não se estabelecerá apenas
com o poder do capital. Para bem produzi-la é necessário mais e mais
conhecimento” (2006, p. 11).
44
Como se pode observar, as instituições estão preocupadas em administrar a
forma de organização da sociedade que as cerca, não somente de funcionários, mas
também de clientes, fornecedores, enfim, de sua rede de relações. O enfoque deste
trabalho é sobre as organizações internas, sendo importante observar que as
corporações têm o interesse em se comunicar tanto com o grupo informal como com
seus funcionários individualmente.
O aspecto organizacional das corporações se amplia cada vez mais para
adentrar na vida do trabalhador, dentro e fora das organizações, abrindo redes de
comunicação, entre elas as chamadas redes sociais, com pretensão de garantir a
ideologia das corporações. Para Lazzarato (2004):
Nos países ocidentais o controle não é realizado somente através da modulação de cérebros, mas também através da moldagem de corpos (prisões, escolas, hospitais) e do gerenciamento da vida (Welfare State). Seria generoso demais para com as nossas sociedades capitalistas pensar que tudo acontece por meio da variação contínua de temas e objetos, da modulação do cérebro e da captura de memória e atenção.10 (tradução nossa)
Como já exposto, as organizações desejam interferir nos aspectos subjetivos
do trabalhador para que ele se envolva com os desejos e crenças das corporações.
Lazzarato (2004) explica o que se espera nas organizações:
Trabalhar dentro de uma organização contemporânea significa pertencer, aderir ao seu mundo, seus desejos e crenças. Para ter certeza, essa é a ideologia das organizações contemporâneas, mas representa uma mudança radical na “subjetividade” da organização e na subjetividade do trabalhador. É a esse preço que o “trabalho” é realizado.11 (tradução nossa)
10 Disponível em: <http://www.ephemeraweb.org/journal/4-3/4-3lazzarato.pdf>. 11 Disponível em: <http://www.ephemeraweb.org/journal/4-3/4-3lazzarato.pdf>.
45
A comunicação através da arte
“Ela é tão livre que um dia será presa.” “Presa por quê?” “Por excesso de liberdade.” “Mas essa liberdade é inocente?” “É.” “Até mesmo ingênua.” “Então por que a prisão?” “Porque a liberdade ofende.”
(Clarice Lispector)
A comunicação nos processos sociais faz com que as corporações
modifiquem seus investimentos para penetrar na vida do trabalhador de forma mais
generalizada, incluindo adentrar no desenvolvimento da capacidade cognitiva do
indivíduo e também nos grupos sociais informais para envolvê-los em sua ideologia.
Antes, porém, as instituições investiam mais incessantemente no suporte físico e no
treinamento técnico, como mostra a história com o lendário empreendedor Henry
Ford, que inaugurou a primeira linha de produção de automóveis há mais de 100
anos e que não via nenhuma necessidade de dar autonomia a seus empregados,
tendo a visão mecanizada do negócio.
Muitas décadas depois, o fundador da Sony, Akio Morita, viu-se às voltas com
um desafio inverso: “Posso obrigar um operário a chegar à fábrica às 7 horas para
trabalhar, mas não posso forçá-lo a ter uma boa ideia”12, dizia. A cultura corporativa
inicia-se com a preocupação e a valorização no aspecto do conhecimento humano
dos trabalhadores, quando percebe que no atual momento os neurônios começaram
a se tornar mais importantes do que os músculos.
12 Disponível em: <http://blog.scripti.com.br/2007/11/26/e-preciso-mais-que-uma-formula-baseada-em-cortes-de-custos-e-meritocracia-para-revolucionar-a-gestao/>.
46
Ao perceberem a mudança de paradigma e tendo a necessidade de
adequação, os teóricos expõem a complexidade do momento, principalmente porque
as instituições estão enraizadas no pensamento cartesiano e teriam se tornado
prisioneiras de seus próprios dogmas administrativos, dificultando uma abertura para
o diferente. Mariotti (2010) baseia-se no chamado pensamento complexo de Edgar
Morin e dispõe sobre a necessidade de uma dinâmica e abertura para o fim
proposto:
A administração tradicional baseia-se no modelo cartesiano, sequencial, repetitivo, mas, pelo pensamento linear, é impossível compreender o mundo globalizado. Somos vulneráveis a sentimentos avassaladores de erro e incerteza e não sabemos lidar com isso. Como psiquiatra, atendi nos anos 80 executivos incapazes de entender que processos fogem ao controle e não chegam aos resultados previstos nas planilhas, porque interagimos com pessoas e outros sistemas vivos. Não posso negar o humano, como se fazia na era industrial e na modernidade.13
A preocupação com a vida do trabalhador vai desde o bem-estar biológico
técnico até o fator psicológico, que leva a perceber um interesse paternal das
instituições. Muitas empresas investem em vários temas para o desenvolvimento
organizacional, tais como esporte, massagem, cursos técnicos e motivacionais,
instalação de grêmio, segurança no trabalho, atividades de prevenção de acidentes
e antiestresse, conscientização sobre alcoolismo e sobre drogas, vales para usar em
salão de beleza, sorteio de automóveis no final do ano, entre outros.
A arte também é uma estratégia de aprimoramento, um novo paradigma
mercadológico, vindo das ciências do comportamento e cunhado de cognitivista, que
penetra nas diversas áreas do conhecimento humano e quer se comunicar com a
subjetividade do trabalhador. A necessidade de ampliar seus tentáculos para abarcar
as mentes dos trabalhadores e conseguir que eles “vistam a camisa” da empresa
surge, então, como uma dicotomia, pois o trabalhador não é mais um “objeto” do
início da era da industrialização, e sim um interlocutor da atual configuração do
mundo do trabalho.
13 Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/cultura/nem-oito-nem-oitenta>.
47
A comunicação se torna um importante aliado para as corporações que
procuram sistematizar sua organização e diversificar sua linguagem. A utilização da
arte como ferramenta comunicacional é uma tendência recente. Em 1973 nos EUA,
houve o desenvolvimento de uma técnica de teatro de improviso denominada
Playback Theatre, que chegou ao Brasil em 1998.
A busca das organizações em utilizar a arte como meio de comunicação,
segundo Lazzarato (2004), está ligada a uma tendência das instituições de participar
tanto interna como externamente da vida do trabalhador, ou melhor, em todos os
aspectos da vida dele:
O que as organizações produzem e vendem não só inclui bens materiais ou bens imateriais, mas também as formas de comunicação, padrões dessocialização, percepção, educação, habitação, transportes etc. A explosão de serviços está diretamente ligada a essa evolução, e isso envolve não somente serviços industriais, mas também os mecanismos que organizam e controlam os modos de vida.14 (tradução nossa)
Por causa da tendência estruturadora das instituições, elas não podem fazer
o papel paternalista, sedimentar tradições ou entrar no mundo dos sentidos, e para
ilustrar esse pensamento escolhemos a seguinte frase de Martín-Barbero (2006, p.
15): “O mercado não pode engendrar inovação social, pois esta pressupõe
diferenças e solidariedades não funcionais, resistências e dissidências, quando
aquele trabalha unicamente com rentabilidade”.
Os investimentos em arte pelas empresas são justificados, entre outros, por
estimular a criatividade no ambiente corporativo e promover o improviso na
resolução de problemas-eventos e a integração de funcionários. Muitas companhias,
principalmente as de grande porte, estão se voltando para ações que envolvem a
arte como ponto de partida para alcançar melhores resultados: a capacidade de
improviso de uma banda de jazz, a percepção e a sincronia de uma orquestra, o
equilíbrio emocional trazido por uma aula de dança e o uso de um trio musical como
ferramenta-chave para o envolvimento de seus empregados.
14 Disponível em: <http://www.ephemeraweb.org/journal/4-3/4-3lazzarato.pdf>.
48
Há empresas que estimulam a escrita por meio de concurso de poesias, que
pode ser finalizado com a publicação de um livro; outras estimulam visitas periódicas
dos empregados a museus, exposições culturais e monumentos históricos, eventos
em que eles têm a possibilidade de conhecer um pouco mais sobre arte.
Assim como o jogo do xadrez desenvolve o raciocínio, a arte pode nos
aproximar do desconhecido, pois se comunica com diversos simbolismos e amplia a
capacidade de receber ideias. O mercado exige cada vez mais talentos
comunicativos, e a arte estimula os signos, e quando estes são acionadas, podem
dar a agilidade necessária para fazer acontecer o que as empresas desejam. Para
Marchiori (2006, p. 237):
Os meios incluem a construção retórica da comunicação, o uso persuasivo da linguagem para influenciar o receptor no seu quadro de referência, o simbolismo, a metáfora e o mito. Vejo que os aspectos cognitivos e interpretativos começam a ter evidência na condução dos relacionamentos empresariais.
Pode-se dizer que as empresas sem diversidade de estratégia acabam
ficando cinza em um mercado que exige cada vez mais as cores diversificadas da
miscigenação de talentos e de capacidades. Talvez a arte possa trazer essa
dinâmica, pois ela não conversa diretamente com o intelecto, ela se comunica
primeiramente com os sentidos, e esses sentidos podem refletir na cognição do
trabalhador.
O pensamento cartesiano, ainda resistente nas corporações, quando
interligado com a arte, pode mostrar sentidos diferentes, já que na arte não cabe o
pensamento de vencedor, de melhor, de positivista e de linear, o qual está enraizado
no contexto empresarial e cartesiano.
49
A possibilidade da arte nos sistemas abertos
Ao longo do tempo em que iam se profissionalizando, as formas de
administração das corporações eram vistas como estruturas piramidais rígidas, nas
quais os ambientes interno e externo eram sistemas distintos e independentes, não
relacionados. Hoje, esse conceito sofreu transformações, pois ante as mudanças
oriundas do processo do capitalismo avançado, as empresas precisam responder
efetivamente e com rapidez a essa nova dinâmica mercadológica. A administração
tradicional, com os chamados sistemas fechados, é baseada no modelo cartesiano,
sequencial, repetitivo e linear, que dificulta o diálogo com os funcionários e a
resolução de problemas, que se tornaram complexos e não cabem mais nessa
estreita e simplista forma de ver as coisas. Não se pode negar que as corporações
não perdem de vista os momentos específicos e mais indicados para repetir
procedimentos mecânicos, quando lhes favorecem. Entretanto, neste momento,
nosso foco incide sobre o comportamento dos trabalhadores quanto a processos
dinâmicos.
Observa-se uma mudança no campo de estudos e experiências para uma
administração mais aberta. Essa abertura na forma de administrar as corporações
mostra sistemas de organização interna geralmente não imbuídos da arrogância do
poder, os quais, na medida do possível, trazem para dentro deles o que há de mais
fundamental em todo ser vivo: a possibilidade de errar. São denominados pela
administração de sistemas abertos.
Os sistemas abertos se apresentam como uma rede, uma malha, em que
ocorrem interações simultâneas com outros sistemas buscando ampliar as
possibilidades de coesão por meio das redes sociais, de investimentos em arte ou
de outras sistematizações. A criatividade é imprescindível para as mudanças atuais
no mercado, e os sistemas abertos podem ser um alicerce para tão necessária
adequação.
50
Uma pesquisa feita em 2009 com empresas localizadas em São Paulo e no
Rio de Janeiro, intitulada Direitos Humanos nas Empresas15, realizada pelo instituto
Norberto Bobbio – Cultura, Democracia e Diretos Humanos, revelou que 61,5% das
indústrias entrevistadas com mais de 500 funcionários promovem regularmente
atividades culturais para seu público interno. Porém, ainda há 43% das empresas
brasileiras que se encaixam no perfil que adota um estilo de gestão rígido, com
pouca participação do funcionário, sem critérios claros de promoção e com a
ocorrência de desrespeito e até de maus-tratos.
Observa-se, então, uma abertura na forma de administrar as corporações,
que inclui o fator cognição na discussão comportamental e utiliza a arte como
ferramenta estratégia, entre outros investimentos. Apropriando-nos da reflexão de
Canclini, afirmamos que a arte e a empresa devem ser levadas como uma relação
que se desdobra: “A modernização diminui o papel do culto e do popular tradicionais
no conjunto do mercado simbólico, mas não os suprime. Redimensiona a arte e o
folclore, o saber acadêmico e a cultura industrializada, sob condições relativamente
semelhantes” (2000, p. 22).
A arte comporta uma variação enorme de signos, tais como a desordem, a
liberdade, o erro, entre outros, por isso pode ser interessante para as empresas, pois
produz dinamismo mercadológico. Hoje, a tendência é criar uma estrutura
organizacional que seja capaz de aprender constantemente, gerando
questionamentos: Como dar atenção à gestão do conhecimento? É possível
desenvolver um programa sistemático que responda à complexidade de nossa
mestiçagem? Como abandonar o pensamento binário dominante para adotar um
pensamento mais sistêmico e integrador? O “fazer artístico” pode ser uma
alternativa? Essas questões são contextualizadas no decorrer deste trabalho.
Interessa-nos neste momento nos aproximar das práticas empíricas que utilizam a
linguagem artística no mundo das corporações.
Em momentos diversos da história, alguns poetas e artistas de esquerda,
preocupados com as circunstâncias sociais, econômicas e políticas de sua época,
utilizaram a arte como meio para atingir determinados fins. Um exemplo disso foi o
15 Disponível em: <http://norbertobobbio.files.wordpress.com/2010/10/pesquisa-dh-e-empresas-bobbio-e-bmf.pdf>.
51
artista futurista Maiakovski, que fazia uso político da arte declamando seus famosos
poemas em circos e palanques e veiculando-os pela rádio, além de produzir peças
de teatro e cartazes tipográficos. Sobre isso, Chauí (2000, p. 326) afirma: “[...] o
valor da obra de arte decorre de seu compromisso crítico diante das circunstâncias
presentes” – é o que se denomina “arte engajada”. Esse exemplo mostra que a
comunicação por meio da arte não é uma prática nova, porém hoje, certamente,
estamos vivendo outros tempos, diante de outro contexto histórico.
Para atingir diversos objetivos, sejam eles individuais ou coletivos – melhorar
a criatividade, a integração, a comunicação, a liderança, a concentração, a
autoestima, entre outros –, as corporações utilizam a arte em suas diversas formas,
tais como teatro, música, coral, contação de histórias, artes plásticas. Além disso,
são realizadas exposições na sede da empresa, assim como são promovidas visitas
de funcionários a exposições. Os funcionários também são estimulados a participar
de sessões de cinema e a escrever poesias.
A empresa Nívea, no ramo de cosméticos com 270 funcionários, há cerca de
cinco anos investe em teatro de improviso e música buscando promover a
criatividade e a integração no ambiente de trabalho. O diretor Antônio Grandini, da
Nívea, declara que prefere a linguagem artística a um discurso:
Já trouxemos os Doutores da Alegria e investimos em teatro corporativo, pois é muito importante que o indivíduo seja sensibilizado pela ação, se identifique, e, para isso, em muitos casos a arte funciona bem mais do que um simples discurso.16
Para resolver os problemas-eventos, as corporações necessitam do
improviso, da criatividade e, por isso, utilizam a linguagem artística teatral, conforme
cita novamente Antônio Grandini: “Com a experiência transmitida por esses
profissionais, a nossa equipe pôde ver que cada indivíduo tem papel fundamental
em um processo produtivo, mas cabe a ele estar preparado para as ações de
improviso do cotidiano corporativo”17. E computa resultados quando diz: “Três meses
depois do primeiro treinamento, os resultados já são visíveis e os executivos chegam
16 Disponível em: <http://www.administradores.com.br/informe-se/informativo/arte-auxilia-empresa-a-estimular-criatividade/5580/>. 17 Disponível em: <http://www.administradores.com.br/informe-se/informativo/arte-auxilia-empresa-a-estimular-criatividade/5580/>.
52
até a apresentar seus resultados mensais em forma de shows musicais”18.
A empresa Energisa, fornecedora de energia elétrica no estado da Paraíba,
investiu em 2008 no projeto intitulado “Arte na Empresa” para realizar
permanentemente exposições de artistas plásticos no Hall de Exposições do edifício-
sede da Usina Cultural Energisa, visando promover a aproximação dos funcionários
com o público que diariamente circula pelo edifício: “Por intermédio da arte e com a
mediação do artista e de sua obra, desenvolve-se a sensibilidade e amplia-se a
percepção das coisas do mundo que nos cercam”19, declara o diretor-presidente da
empresa, Marcelo Silveira da Rocha.
A DASA – Diagnósticos da América S.A. apostou na dinâmica de uma banda
de jazz para capacitar sua equipe, que inclui profissionais de áreas diferentes como
enfermeiras, supervisores técnicos e gerentes de vendas. A diretora executiva da
empresa, Soraya Dacal, declara.
Estamos em fase de levantamento dos resultados anuais do programas, mas afirmo que o barco tem de navegar e a arte, principalmente a música, se encaixou neste contexto, pois o ritmo do jazz envolveu a equipe. Sem falar na dinâmica dos músicos, que conseguiram mostrar que é no trabalho em equipe que surgem os grandes resultados.20
18 Disponível em: <http://www.administradores.com.br/informe-se/informativo/arte-auxilia-empresa-a-estimular-criatividade/5580/>. 19 Disponível em: <http://www.db.com.br/noticia/83695.html>. 20 Disponível em: <http://www.administradores.com.br/informe-se/informativo/arte-auxilia-empresa-a-estimular-criatividade/5580/>.
53
Já Sérgio Pellegrino, gerente de recursos humanos da Livraria Cultura,
necessita treinar os vendedores para que sejam envolventes na hora da venda e
desenvolve programa de música: “Como os vendedores atendem um público
diferenciado, eu precisava estimular o processo criativo para o momento da
venda”21. As empresas Nestlé, General Motors e Oracle apostaram no uso da
orquestra corporativa para desenvolver seus programas de liderança: “O grande
objetivo é mostrar para as pessoas que a figura do maestro não é centralizadora,
mas, sim, que ele atua como um condutor das atividades, permitindo que a sua
equipe desenvolva as competências para o sucesso das metas corporativas”22,
comenta o maestro Wagner Lourenção, que desenvolve projetos em empresas há
mais de 15 anos, contratado sempre com o intuito de treinar lideranças.
No Cine Reflexão, como era chamado o projeto da indústria brasileira
Biosintética Farmacêutica23, os funcionários tinham a oportunidade de assistir, uma
vez por semana, a filmes fora do circuito comercial, com o objetivo de ampliar seu
repertório cultural e profissional, além de contarem com uma biblioteca na sede da
empresa.
Outra empresa brasileira que tem um sistema aberto de gestão e se utiliza de
várias ferramentas de sistematização com relação aos seus funcionários é a
Microsiga, com 2 mil funcionários. Nessa empresa, há flexibilidade de horário de
entrada, contato direto com o presidente, convênios com academias de ginástica,
serviço de lavanderia, banda de música, coral e, às sextas-feiras, os funcionários
assistem a uma sessão de cinema na hora do almoço. A justificativa para tudo isso,
segundo a coordenadora de Recursos Humanos, Ursula Longo, é a seguinte: “Nós
prezamos a qualidade de vida mais do que estruturas e práticas convencionais. Não
adianta a empresa desejar ser moderna, mas continuar se balizando por antigas
práticas. Todos percebem que nada mudou”24.
21 Disponível em: <http://www.administradores.com.br/informe-se/informativo/arte-auxilia-empresa-a-estimular-criatividade/5580/>. 22 Disponível em: <http://www.administradores.com.br/informe-se/informativo/arte-auxilia-empresa-a-estimular-criatividade/5580/>. 23 Disponível em: <http://aprendiz.uol.com.br/content/thekoreclu.mmp>. 24 Disponível em: <http://www.manager.com.br/reportagem/reportagem.php?id_reportagem=413>.
54
Para estimular o intercâmbio cultural, a difusão, a integração e o
desenvolvimento entre os coros nacionais, foi criado o Fenace – Festival Nacional
de Corais de Empresas, regionais e nacionais, que a cada ano se realiza em um
estado com a participação de diversas grandes empresas, entre elas a Nestlé
Waters do Brasil, a Petrobras, a TOTVS S/A, a Unimed, a Astra S/A, entre outras.
Uma experiência: Playback Theatre
Uma experiência que vem dando certo há nove anos no Brasil é a introdução
do Playback Theatre, uma vertente do Teatro de Improviso adaptada para o universo
corporativo. Trata-se de um espetáculo teatral em que a plateia conta uma
experiência que tenha vivido em seu cotidiano e os atores contratados a
transformam em uma peça de teatro, tudo na forma de improviso. Antes disso,
porém, o produtor cultural vai à empresa para verificar quais são as principais
competências que cada organização precisa trabalhar com seus recursos humanos.
O espetáculo torna-se, portanto, uma construção grupal, e o espectador pode
vivenciar o processo de transformação, que gera mudanças em seu comportamento.
Podem ser utilizados nesse trabalho exercícios que explorem a criatividade, a
inovação, a percepção rápida de situações novas, o raciocínio sistêmico e a
habilidade para a tomada de decisões, competências fundamentais ao modelo de
funcionário buscado pelas empresas atualmente.
Essa técnica de improviso foi descoberta nos EUA, quando Jonathan Fox e
sua equipe, em 1973, foram realizar um trabalho com o povo Maori, na Nova
Zelândia, e perceberam que os aborígines do local contavam histórias uns para os
outros para transmitir o conhecimento25.
25 Disponível em: <http://blog.scripti.com.br/category/arte-na-empresa/>.
55
Há inúmeras empresas de produção cultural focadas em oferecer formas
artísticas para as corporações se comunicarem com seus funcionários. Algumas
delas procuram assuntos específicos, como é o caso do Departamento de Recursos
Humanos da empresa Amcham – Câmara Americana de Comércio, que contratou a
empresa do grupo teatral Scripti para desenvolver um espetáculo de Playback
Theatre e celebrar o Dia do Meio Ambiente. A condutora do grupo, Magda Miranda,
declara que, em dez anos de experiências com aplicação no meio corporativo, as
questões mais abordadas foram competências, transformações por conta de fusões,
aquisições e superação de desafios: “Hoje, sustentabilidade, criatividade e inovação
são os temas principais. A tecnologia está em nossas mãos, mas como criar e
inovar?”26
Uma empresa reconhecida na região de São Paulo e que oferece o
espetáculo do improviso por meio do teatro é o grupo teatral Jogando no Quintal,
que é contratado por empresas que muitas vezes direcionam os temas que desejam
abordar. O grupo é formado por 12 integrantes vestidos de palhaço, que em um
cenário de campo de futebol interagem com os funcionários de maneira lúdica, com
muita brincadeira, improviso, erros e risos. Para o grupo, tanto a criatividade como o
erro são aproveitados o tempo todo na improvisação criativa: “Ao contrário do que se
pensa, todos são criativos. O homem moderno foi perdendo sua percepção de que é
criativo”27.
26 Disponível em: <http://blog.scripti.com.br/category/arte-na-empresa/>. 27 Disponível em: <http://www.jogandonoquintal.com.br/objetivos.asp>.
56
2. Algumas considerações sobre arte e mestiçagem na América Latina
Sou um tupi tangendo um alaúde.
(Mário de Andrade)
Processo inacabado de mestiçagem
Considerando essa ambivalência da arte no mundo corporativo, é possível
questionar as relações entre a mestiçagem em nossa cultura e o pensamento
cartesiano intrínseco das organizações, confluindo em uma imensa trama social.
O processo de mestiçagem ocorrido na América Latina, a partir da península
Ibérica, começou há cerca de sete séculos, com forte presença de africanos e
mouros, que chegaram aqui e deixaram suas marcas culturais. Toda essa
diversidade de tons culturais faz com que, na América Latina, a cultura tenha um
valor de incorporação e nela se mesclem outras culturas como a portuguesa, a
espanhola e a indígena.
57
Para Paz (1991), é maior do que se pensa o fator pluralidade em nossa
cultura, em seus tempos históricos. Ele cita como exemplo a Espanha, onde houve a
confluência de vários povos – celta, romano, fenício, visigodo, árabe, judeu – e
afirma que essa herança cultural está viva no “subsolo psíquico espanhol”. O autor
também diz que tal complexidade seria ainda maior no México, “[...] porque à rica
herança espanhola se deve acrescentar a não menos rica e viva herança índia, com
sua pluralidade de culturas, nações e línguas: maias, zapotecas, totonacas,
mixtecas, nahuas” (PAZ, 1991, p. 121).
Olhando para a colonização americana, com as invasões culturais de todo o
mundo, há um pensar sobre o “diferente” sem diferenças, constituindo-se em uma
sociedade de fragmentos de culturas vivas e plurais. A diversidade nessa formação
cultural é contínua e aumenta a proximidade com a alteridade, provocando conexões
de linguagem, de signos, de gestos e comportamento mesclado.
Principalmente na América Latina, os processos culturais, em razão de tantas
redescobertas, fazem surgir aglutinações e transmutações que chegam “via
mestiçagem de formas, barroca de partida, realizada em materiais de novas
proporções topográficas e geológicas”, segundo Pinheiro (2006, p. 9).
A chamada mestiçagem não é somente a mistura de raças segundo
Gruzinski, que buscou outras denominações para pensar um diferente modo de
estruturação de pensamento, ela engloba termos como:
Misturar, mesclar, amalgamar, cruzar, interpenetrar, superpor, justapor, interpor, imbricar, colar, fundir, etc., são muitas as palavras que se aplicam à mestiçagem [...] (2001, p. 42)
Pinheiro também explana nossa forma de pensar e afirma:
O termo mestiço aqui não remete a cor, mas a modos de estruturação barroco-mestiços que acarretam, pela confluência de materiais em mosaico, bordado e labirinto, outros métodos e modos de organização do pensamento. (2006, p. 10)
A não resistência ao diferente
58
Na América Latina, além das invasões ibéricas e sua complexidade, observa-
se um acentuado interesse pelas diferenças, já que se convive desde sempre em
um contexto em que predomina o “diferente”, seja em relação à cor da pele, ao
gestual, à indumentária, à fala, aos costumes, às crenças, enfim, a toda diversidade
cultural e em contínua mescla.
Nos estudos de Viveiros de Castro, de forma empírica, há exemplos da
herança trazida pela cultura indígena. Em seu ensaio “O mármore e a murta”, ele
escreve sobre a dificuldade dos missionários do século XVI em tentar catequizar os
povos indígenas do Brasil, pois estes escutavam o que os missionários tinham a
trazer de novo, sem resistência ou estranheza; não havia rejeição ao diferente, mas
nem por isso o obedeciam, simplesmente internalizavam, aprendiam com o
“inimigo”, não preocupados em receber verdades absolutas. Segundo Viveiros de
Castro:
No Brasil, em troca, a palavra de Deus era acolhida alacremente por um ouvido e ignorada com displicência pelo outro. O inimigo aqui não era um dogma diferente, mas uma indiferença ao dogma, uma recusa de escolher. (2006, p. 185)
Pode-se pensar em nossa formação como intercultural, já que há uma
facilidade de incorporação do outro na cultura existente, também observada nos
estudos de Viveiros de Castro (2006, p. 190) como proveniente de uma herança
indígena:
Pois, repita-se, o que exasperava os padres não era nenhuma resistência ativa que os “brasis” oferecessem ao Evangelho em nome de uma outra crença, mas sim o fato de que sua relação com a crença era intrigante: dispostos a tudo engolir, quando se os tinha por ganhos, eis que recalcitravam, voltando ao “vómito dos antigos costumes” (ANCHIETA 1555:11, 194).
Assim, as diferenças e a complexidade fazem um ir e vir, um efervescente
convívio com a crise, e esta se relaciona com o conhecimento. E esse viver e
conviver dos modos de ser prolifera um olhar para os lados, e não somente para
frente e para trás.
Ao ter como referência a formação da pluralidade de raças que se
incorporaram ao cotidiano como costumes, trajetórias, falares, indumentárias,
59
crenças, práticas, ideias, pode-se notar que estes se refazem constantemente na
sociedade. A presença dessa incorporação se mostra na convivência diária com o
estranho, o diferente, o qual sempre é visto como comum sob o ponto de vista latino-
americano, gerando aceitação e abertura ao diferente, ao novo, ao alter.
A natureza que não se isola
América do Sul América do Sol América do Sal
(Oswald de Andrade)
Outro facilitador e provedor da interculturalidade nesta América continental é a
constante incorporação da natureza solar, a proliferação de luzes e selvas
proporcionando um olhar para fora, para o externo, onde a natureza e a cultura se
integram sem resistência.
Em um país “barroco e solar”, segundo Pinheiro, há necessidade de
pesquisar a cultura das ruas: “a produção de conhecimento se dá na relação da
mente com o objeto e imagens cotidianas” (2006, p. 23). É verdadeiro pensar,
conforme esse pesquisador, que desde tempos imemoriais o saber está nas práticas
a que se dedicam os seres humanos e que esse “saber não se encontra apenas
arquivado em escolas, museus e bibliotecas” (PINHEIRO, 2006, p. 23).
Pinheiro (2006), ao comentar uma espécie de cartografia básica como roteiro
móvel, incompleto e complexo da mestiçagem, diz que já nas obras dos primeiros
padres e viajantes se percebiam “os sinais de uma nova equação entre paisagem
cultural e modos de conhecimento, não mais determinada pela separação entre
palavra e coisa ou entre cabeça e corpo”. Ainda segundo ele, alguns poetas e
pensadores, “conquanto herdeiros da tradição ocidentalizante, davam-se conta
dessa nova relação entre corpo e paisagem a partir de uma condição mestiça”
60
(PINHEIRO, 2006, p. 11).
A natureza se expressa no cotidiano, assim como a primitividade, que está
presente nessa cultura, seja na religião, na dança, na música, no amor, extrapolando
para o coletivo, e novamente o outro se faz presente, sem oposição. Essa
mestiçagem é vista por Martín-Barbero como uma comunicação em questão de
mediação, e não de meios, em que a primitividade e a modernidade se confluem
inevitavelmente:
[...] a mestiçagem, que não é só aquele fato racial do qual viemos, mas a trama hoje de modernidade e descontinuidades culturais, deformações sociais e estrutura do sentimento, de memórias e imaginários que misturam o indígena com o rural, o rural com o urbano, o folclore com o popular e o popular com o massivo. (2006, p. 27)
A oposição ao outro não se isola, e se incorpora, vendo-se “o outro” presente
e indiferente também aos olhos dos indígenas, mais precisamente ainda nos olhos
dos índios no Xingu. Viveiros de Castro (1998) declara em uma entrevista:
Em suma, ficava claro que não havia distinção entre o corporal e o social: o corporal era social e o social era corporal. Portanto, tratava-se de algo diferente da oposição entre natureza e cultura, centro e periferia, interior e exterior, ego e inimigo.28
Irlemar Chiampi, comentando Lezama Lima (1988) em A expressão
americana, reacende o tema, evidenciando uma visão histórica da forma em devir de
uma “paisagem”, que inclui a natureza, a geografia da América, a largueza do
espaço americano, conceituando-o como “espaço gnóstico”. Em suas palavras:
[...] pode passar por uma alusão à novidade geográfica da América, propícia à transculturação. Aqui, estamos diante de uma abstração, identificável pela construção relacional dos conceitos. O “espaço gnóstico” é a natureza espiritualizada, plena de dons em si, que aguarda para expressar-se a mirada do homem para iniciar o imediato diálogo (de espíritos, o humano e o natural) que impulsiona a cultura. (LEZAMA LIMA, 1988, p. 23)
Se a formação da América Latina se deu em processos contínuos de invasões
culturais externas, somando-se com a mescla cultural dos pensamentos ameríndios,
61
sem separação da natureza e cultura, os processos tendem a tornar-se complexos,
pois a riqueza natural invade o cotidiano e se enraíza nele sem a exclusão do outro
em conexão, pelo contrário, com a incorporação dele.
28 Disponível em: www.psicorreio.com.br/emailmarketing/2009/marco/EduardoViveiros/entrevista.pdf>.
62
O pensamento cartesiano em nossa cultura
[...] deixar aos bancos de dados [...] a responsabilidade de organizar essa memória coletiva para se contentar com sua utilização equivale a aceitar uma completa alienação cultural.
(Jesús Martín-Barbero)
Vislumbramos que o pensamento dualista perdeu sua força já na Idade Média
com a visão da arte barroca, que deslizou para a cultura; com isso, o pensamento
cartesiano foi ignorado também, por razões históricas, ou melhor, por nossa
posterior colonização. O fato é que “a América já nasce barroca” historicamente,
mesclando-se indireta e congruentemente com o pensamento ameríndio e com a
tendência a um processo de tradução que ignora a binariedade, esta por sua vez
fortemente presente em outras culturas.
Segundo Pinheiro (2006, p. 12), “o caráter multiplicante, ramificante e
fragmentário da cultura se dá aqui por uma proliferação dos processos civilizatórios
fronteiriços junto a um grande enfraquecimento das noções binárias de centro e
periferia”.
O excesso de conexão em movimento faz com que se esqueça o pensamento
absoluto da dualidade, que se dá nas relações opressor-oprimido, casa-rua,
identidade-oposição, colonizador-colonizado, oralidade-escritura, entre outras. E se
aceita a estranheza e a complexidade oscilante que depende da relação e do lugar
considerado, aproxima-se e se afasta constantemente, sem tirar o poder de conexão
e incorporação fluente no continente.
Gruzinski compara tais conexões a uma cadeia de espirais: “A biologia
molecular também mostra que os limites que separam o vivo do inerte, o morto do
vivo, o vivo humano do vivo não humano, são altamente problemáticos” (2001, p.
50).
63
A diversidade cultural em intenso movimento faz com que a cultura latino-
americana despreze o caráter dualista do pensamento, isto é, os modos de
conhecimento binários, excludentes e absolutos, que se unem à cultura eclesiástica,
capitalista e clássica. Encontramos com facilidade valores extremistas e com pouca
flexibilidade nas instituições que constituem a base do capitalismo: igreja, escolas ou
mesmo corporações, e estas últimas mais precisamente nos interessam por serem
objeto desta pesquisa.
Volta-se a pensar em mestiçagem na América Latina, quando encontramos
em Viveiros de Castro (1998) a ideia de que o dualismo não se encontra em nossa
pluricultura. Preocupado em como descrever esse mosaico de traduções, em
entrevista ele afirma:
Uma preocupação que me acompanha desde então tem sido a de como descrever uma forma social que não tem como esqueleto institucional qualquer espécie de dispositivo dualista, considerando que minha imagem básica de sociedade indígena era a de uma sociedade com metades etc. Aquele era um tempo em que as oposições binárias eram consideradas a grande chave de abertura de qualquer sistema de pensamento e ação indígenas. Ficou claro para mim que o que acontecia no Xingu não podia ser reduzido à oposição entre físico e o moral, o natural e o cultural, o orgânico e o sociológico. Ao contrário, havia uma espécie de interação entre essas dimensões muito mais complexa do que os nossos dualismos.29
O novo e o velho até hoje se mostram presentes e se confluem naturalmente
em nossa cultura, não funcionando a oposição abrupta entre os extremos, entre o
tradicional e o moderno, o culto e o massivo. Para Canclini, na América Latina, “[...]
as tradições ainda não se foram e a modernidade não terminou de chegar [...]”
(2000, p. 17).
Martín-Barbero afirma que talvez nos EUA e na Europa haja dissidência
contracultural, porém na América Latina a diferença cultural não tem o mesmo
significado, e sim “a vigência, a densidade e a pluralidade das culturas populares, o
espaço de um conflito profundo e uma dinâmica cultural incontornável”, e que o
popular não viria somente das culturas indígenas ou camponesas, mas também de
uma “trama espessa de mestiçagens e das deformações do urbano, do massivo”
(2006, p. 28).
29 Disponível em: www.psicorreio.com.br/emailmarketing/2009/marco/EduardoViveiros/entrevista.pdf>.
64
Se o tradicional e o moderno se confluem normalmente em nossa América,
conforme citado anteriormente, pode-se supor também que não existam as
oposições entre as formas de produção artesanal e industrial em nossa cultura, ou
seja, não se percebem as diferenças entre os valores cartesianos da tecnociência,
neste caso das corporações, e os valores entrópicos da arte.
Sociedades de traduções
[...] todo-o-mundo neste mundo é mensageiro.
(Guimarães Rosa)
Esta sociedade de fragmentos e metonímias, que se interessa pelo que está
ao lado, que inclui sem substituir, carrega um processo inacabado e contínuo de
tradução. A capacidade tradutória inscrita na cultura latino-americana transpõe o
pensamento binário e o conceito de interno-externo, cultura-natureza, cabeça-corpo,
novo-velho, industrial-artesanal etc., facilitando a visão não repetitiva, vendo o novo
e o velho sem exclusão.
Lotman (1996) menciona a complexidade, mais especificamente na
linguagem, valorizando a importância pela troca de códigos entre os envolvidos, e
isso é natural na cultura analisada; daqui se sai com trocas intensas de códigos. Ele
afirma, ainda, que o desenvolvimento da cultura se dá igual ao ato da consciência
criadora – “es un acto de intercambio y supone constantemente a ‘otro’: a un
partenaire en la realización de ese acto” (LOTMAN, 1996, p. 71).
A intensa troca de códigos se traduz sem se ater à separação de valores
absolutos. Os códigos ficam em movimento, sendo a tradução não o objeto em si,
mas sim a possibilidade de mover uma coisa de lugar, mesmo que esse lugar se
mova novamente nessa coisa. Traduzir não no sentido de espelhar, de fidelizar, e
sim na capacidade do tradutor de revelar, de se manifestar, de se colocar em
movimento contínuo. Esta será, então, sempre inacabada, imperfeita e introduzida,
podendo perder algumas coisas e ganhar outras, mas nunca voltando a ser como
65
era antes. Bastide já afirmara, há muito, a respeito do Brasil: “descobrir noções de
certo modo líquidas, capazes de descrever fenômenos de fusão, de interpenetração;
noções que se modelariam conforme uma realidade viva, em perpétua
transformação” (BASTIDE apud PINHEIRO, 2009, p. 13).
Sarduy (1989, p. 13) relaciona a América Latina com uma “metamorfose
contínua”. Para Pinheiro, é como um processo combinatório, pois toda a
heterogeneidade desses elementos, em processos contínuos de interação, segue
flutuante, recriando-se, refazendo-se intra e interculturalmente, em outros processos
inacabados e encadeados:
[...] especialmente aquele onde outra espécie de velocidade/mobilidade expressiva e cognitiva era desdobrada, apesar dos sistemas binários de oposição e exclusão organizados em totalidades abstratas homogêneas. Estes são os lugares não ortogonais lentos (mas de grande rapidez combinatória). (PINHEIRO, 2009, p. 13)
A mestiçagem traz em si a complexidade, isso é certo, e não necessariamente
na procura para o alto, mas a complexidade em si. Essa interculturalidade se dá em
um aglomerado relacional de imagens e memória desordenada, que vem de uma
colonização periférica.
A habilidade que caracteriza as relações e o caráter externo intenso nessa
interculturalidade exige uma prática empírica externa, uma formação de
conhecimento de traduções diversificadas com necessidade de alimentar e buscar
novas teorias para argumentação da complexidade colocada, e isso se faz presente
porque na América Latina a diversidade tem sua intencionalidade e multiplicidade
com maior fruição.
Pode-se afirmar que a diversidade tradutória na América Latina é uma
variedade de diferenças e oposições que se mesclam, se incorporam, se incluem
naturalmente no movimento, se articulam, dentro e fora delas, com elementos de
alta cultura e cultura popular, termos em contínuo vaivém, conforme Paz (1991).
Esse mesmo autor segue dizendo que essa relação, como todas as relações, pode
opor-se ou afinar-se: “Às vezes há contradição entre esses dois extremos; às vezes,
fusão. Isso é que torna criadora uma sociedade: a contradição complementar” (PAZ,
1991, p. 123).
66
Talvez possamos afirmar que, como a cultura na América Latina é de
desdobramento e tradução, o pensamente cartesiano ainda presente nas
corporações se dilui e a arte pode ter um papel importante, pois está sempre em
movimento, podendo se relacionar com a necessidade atual do mercado, que
também vive em movimento constante. Pinheiro (2006) expõe que nossa cultura
mestiça está além e aquém do mundo corporativo, e este, se não confluir
naturalmente, pode necrosar. Sobre a cultura mestiça, ele diz:
Tais modos não binários desconhecem o dilema entre identidade e oposição: a mestiçagem se constitui como uma trama relacional, conectiva, cujos componentes não remontam saudosa e solitariamente a instâncias autorais perdidas, mas sim festejam o gozo sintático dessa tensão relacional que se mantém como ligação móvel em suspensão. (PINHEIRO, 2006, p.10)
67
3. Arte nas empresas
[...] quando os operários reformulam sua cultura de trabalho frente às novas tecnologias de produção sem abandonar crenças antigas [...]
(Néstor García Canclini)
Aspectos da arte na cultura mestiça
A dificuldade que se apresenta ao tentar definir a arte é imensa. Quando
questionado sobre o assunto, o cineasta Júlio Bressane30, resumindo toda a arte,
costumava definir, de forma muito simples, que ela se configura caso ocorra a
transmissão de uma emoção. Mas há uma vasta variedade de pequenas e aleatórias
“classificações” para a arte, não há e nem deve haver unanimidade quanto a esse
tema, há incontáveis contradições não somente em relação ao seu objeto, como
também quanto à cultura em que ela está inserida, já que cada cultura possui sua
arte e a concebe de maneira muito específica.
30 Disponível em: <http://gpesc.wordpress.com/2010/09/06/ficha-de-leitura-alguns-de-julio-bressane/>. Acesso em: 30 jan. 2011.
68
Para Coli (1995), a tentativa de procurar um conceito para definir a natureza
da arte é uma tarefa vã, o que se pode observar é sua receptividade, ou seja,
compreender o que ela proporciona, saber como se comporta. No que diz respeito
ao conceito de estéticas, ele afirma que “[...] são divergentes, contraditórias, além de
frequentemente se pretenderem exclusivas, propondo-se como solução única”
(COLI, 1995, p. 10).
Em outras palavras: há um entendimento de que somos nós que enunciamos
o “em si” da arte, aquilo que nos “objeta”, que nos tem como referência, que tem o
poder de nos fazer sentir, buscando proximidade não da arte em si ou em sua obra,
ou ainda em seu artista, mas em sua comunicação, no sentimento de recepção da
mensagem, ou seja, em sua receptividade. Essa simultaneidade ou indeterminação
a que estamos nos referindo tem seu respaldo em Coli (1995, p. 8):
[...] arte são certas manifestações da atividade humana diante das quais nosso sentimento é admirativo, isto é: nossa cultura possui uma noção que denomina solidamente algumas de suas atividades e as privilegia.
O discurso classificatório que confere a denominação de arte, geralmente, é
de competência do crítico, do historiador de arte ou do conservador de museus. São
esses profissionais que ordenam hierarquicamente os objetos artísticos,
qualificando-os como melhores ou piores, tendo uma visão binária e reguladora
quanto àquilo que faz com que ele seja ou não um objeto artístico. Coli ressalta que:
Os discursos que determinam o estatuto da arte e o valor de um objeto artístico são de outra natureza, mais completa, mais arbitrária que o julgamento puramente técnico. São tantos os fatores em jogo e tão diversos que cada discurso pode tomar seu caminho. (1995, p. 18)
As invasões culturais do final do século XVIII para cá trazem imensa
concepção sobre arte, ou melhor, trazem um alargamento que conquista cada vez
mais terrenos novos, fragmentados, sem abandonar o tradicional, porém
incorporando-a e transformando-a em outra coisa, em algo que não se fecha. Na
América Latina descobrem-se e se entrelaçam as artes hispânica, italiana, egípcia,
indígena, africana, popular, industrial, urbana, entre outras, o que leva a pensar
também na arte da vida cotidiana, no antigo e no novo entrelaçados. Segundo
Lotman:
69
toda obra inovadora é elaborada com um material tradicional. Se um texto não lembra uma construção tradicional, o seu caráter inovador deixa de ser percebido. (1978, p. 57)
A polissemia da arte
Tudo na arte [...] é mutável e complexo, ambíguo e polissêmico.
(Jorge Coli)
Faz-se necessário reconhecer a envergadura da formação do povo latino-
americano, este que é novo, diverso, mestiço, mesclado, em contínua hibridização,
que se intensifica no aproveitamento do outro e convive naturalmente com a
natureza exuberante da arte nela contida. Depara-se constantemente com
possibilidades de oposição em toda cultura, ou seja, com as oposições e os
binarismos dos tripés de instituições colonizadoras, como a cultura eclesiástica, a
capitalista e a clássica, porém não se intimida por não reconhecê-la.
Essa quase ausência de binarismo na cultura geral, não mais com o foco no
ambiente empresarial fechado, nos faz um povo sem fronteiras, e a confluência com
a arte, esta que é polissêmica, engrandece nossa cultura de conexões. Nas palavras
de Canclini (1986, p. 8), “uma linguagem sem fronteiras”. A facilidade de abertura
presente em nossa formação cultural faz com que incorporemos a arte
experimentada sem resistência. Novamente, Canclini (1986, p. 8) afirma:
Supõe-se que as obras de arte transcendem as transformações históricas e as diferenças culturais e, por isso, estão sempre disponíveis para serem desfrutadas – como “uma linguagem sem fronteiras” – para homens de qualquer época, nação ou classe social [...]
Essa linguagem ou linguagens sem fronteiras traz a mistura de culturas,
sejam elas sociais ou econômicas, que se entrelaçam formando faíscas que refletem
na vida cotidiana engendrando a ordem e a desordem, assim como o útil e o inútil. A
70
habilidade latina barroca se relaciona com a abrangência incomensurável da arte
que faz escorrer em nosso cotidiano naturalmente, já que na arte se pode observar,
entre outros, os objetos de nossa complexa herança cultural: “[...] já perfeitamente
dominados só pode acrescentar, complicar, reelaborar: é o esplendor luxuriante das
formas, o desequilíbrio, o excesso. É o barroco” (COLI, 1995, p. 61).
Os valores, crenças e ideais navegam em função dos interesses da cultura à
qual se está exposto. Neste caso, a cultura corporativa e sua oposição também
estão presentes, assim como o pensamento histórico linear das organizações
capitalistas, e elas se mesclam, principalmente na América Latina, formando
mosaicos vivos. Para Gruzinski (2001, p. 59), “não surpreende que a complexidade
e a mobilidade das misturas e a interpenetração das temporalidades lembrem a
imagem da desordem”. Ele afirma também que:
[...] os historiadores tenderam a ler as épocas passadas como fruto de um movimento linear, de uma evolução [...] as mestiçagens quebram essa linearidade [...] a irrupção das misturas abala a representação de uma evolução única do devir histórico e projeta luz nas bifurcações, nos entraves e nos impasses que somos obrigados a levar em conta. (GRUZINSKI, 2001, p. 58).
Assim, sem perder a tensão relacional, é possível haver relações entre os
elementos rígidos das empresas e os elementos flexíveis da arte, assim como existe
a possibilidade de que eles conversem, se conectem e se fundam constantemente,
ora se afastando, ora se alimentando do outro, resultando em uma sociedade
criadora de contradições coletivas intercomplementares. Para Paz (1991, p. 122):
Em todas as sociedades há um saber especializado e, portanto, técnicas e linguagens especializadas. Esse saber e essas linguagens de caráter minoritário coexistem com as crenças e ideias coletivas.
No campo da arte, novamente o pensamento dual não se condiz, já que
também se valoriza a produção artística local não como um troféu, mas como uma
possibilidade criativa, pontuando a ideia de criação que pode vir tanto do centro
quanto da periferia, independentemente de materiais, formas de produção,
linguagem e local de manifestação. A arte mestiça mostra o poder criativo e a
transformação da relação com o meio e é aberta a outras misturas, a outras
inclusões no processo, como se dá historicamente nossa mestiçagem.
71
O texto de Canclini é bastante oportuno para ilustrar esse pensamento:
Todas as artes se desenvolvem em relação com outras artes: o artesanato migra do campo para a cidade; os filmes, os vídeos e canções que narram acontecimentos de um povo são intercambiados com outros. Assim, as culturas perdem a relação exclusiva com seu território, mas ganham em comunicação e conhecimento. (2000, p. 348)
A comunicação extravasa. Há um vazamento de signos porque a arte em si é
baseada e formada por construções cuja matéria são as metáforas. É a troca de
signos geralmente complexos que estimula a circulação semântica, e esse
descontrole dos signos vai além de sua intencionalidade.
Esse caráter polissêmico da arte faz explodir toda intencionalidade, incorpora-
se com facilidade em nossa formação diversa e interculturalista. Logo, observa-se o
quanto essa abertura e aceitação das diferenças em nossa mestiçagem podem
facilitar em muitos aspectos a incorporação dos signos da arte, tanto nas afinidades
complexas que se fazem presentes na cultura viva quanto em todo e qualquer objeto
artístico. Coli (1995, p. 118) enfatiza: “tudo na arte – e nunca estaremos insistindo
bastante sobre esse ponto – é mutável e complexo, ambíguo e polissêmico”,
tendendo a uma maior fruição espontânea, sem resistência de sua complexidade, já
que elementos culturais complexos estão em nossa cultura, assim como a
indimensionável e alegórica linguagem artística, criando um mosaico cultural
artístico mestiço. E esse mesmo autor completa: “o objeto artístico mantém uma
relação tão complexa com a cultura que se mostra inesgotável e inapreensível”
(COLI, 1995, p. 122).
A complexidade se encontra na linguagem artística, tanto em sua estrutura
quanto na direta complexidade da informação transmitida, sem que com isso se
possa limitar seu alcance. Nesse sentido, Lotman (1978, p. 38) afirma: “A
complexificação do caráter da informação arrasta inevitavelmente a complexificação
do sistema semiótico utilizado para transmitir”.
A arte é complexa e quanto mais complexa for a escolha, maior será a
informação que traz. Em vista disso, a vida da obra artística está na sua tensão
recíproca (LOTMAN, 1978, p. 476). No caso de textos artísticos, é possível ter
diferentes informações para diversos leitores, e para cada uma haverá um
72
entendimento diferente, sem se ater à temporalidade, que também se mostra a outra
memória e em outro momento, reverberando outras informações. Sobre isso,
Lotman (1978, p. 59) afirma: “Comporta-se como um organismo vivo que se
encontra numa ligação inversa com o leitor e que o esclarece”.
O “fazer artístico”
Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.
(Cecília Meireles)
A arte perdeu há tempos a “solenidade” e se deslocou para outros lugares,
não precisa mais de um espaço específico para ela, ou seja, não necessita de um
palco, das galerias, das salas de concerto ou do museu. Houve uma dissolução de
fronteiras e, então, a arte ganhou as ruas, entrou no cotidiano, e o cotidiano invadiu
a arte. Até os utensílios domésticos integram o belo com as suas formas, criações e
cores, tornam-se objetos de contemplação além da utilidade
Na América Latina, a arte se deslocou ainda mais de seu lugar, pois
historicamente ela foi trazida de diferentes lugares como Oriente Médio, Espanha,
Portugal, entre outros, e, por conseguinte, os códigos de troca são ainda maiores,
não se separando o novo do velho nem o requintado do simples. Isso facilita a
mescla, levando a não se valorizarem separadamente o criador e a criação, o que
faz surgir nossa arte mestiça, se assim podemos denominá-la. Conforme Canclini
expõe em seus estudos sobre arte na América Latina, aqui há um olhar para fora,
para o outro, descentralizado da beleza idealizada, afastando-se da obra e partindo
para analisá-la também como processo social e comunicacional: “Isso equivale a
incluir no fenômeno artístico o autor, a obra, os difusores e o público” (1986, p. 3).
Logo, importam todos os fatores do processo, e não particular e isoladamente o
artista ou a obra.
A arte na América Latina já chega incorporada, e nela a distinção entre melhor
e pior ou alto e baixo é sutilmente ignorada, esquecida, absorve-se toda arte
73
presente sem resistência. No que diz respeito à arte, não propriamente à arte de
elite, mas à arte popular, o que importa não é a origem do poder criador de grandes
obras de artes, mas o processo artístico, o qual podemos denominar “fazer artístico”,
conforme define Chauí (2000, p. 326): “[...] mudanças em relação ao fazer artístico ,
diferenciando-se em escolas de arte ou estilos artísticos – clássico, gótico,
renascentista, barroco, rococó, romântico, impressionista, realista, expressionista,
abstrato, construtivista, surrealista, etc.” (grifos do autor). Desse processo criativo,
todos podem participar, ignorando-se o rótulo que o conceitua como “arte” e sem a
preocupação de que essa “arte” seja ou não aprovada pelos críticos.
Há tempos, muitos autores se colocam contra a postura contemplativa da
arte, pois perceberam a nova formação popular, a formação das multidões das
grandes cidades. Um desses autores é Walter Benjamin, que discorre de modo
provocador, em seu texto “Nervos sadios”, sobre a possibilidade de participação da
já reconhecida arte popular:
[...] e todas elas são agrupadas em torno desta sabedoria: impedir, a todo preço e a todos, a postura contemplativa, a observação passiva e indiferente. Por isso, não há espetáculo sem carrosséis, barracas de tiro, medidores de músculos, termômetros de amor, cartomantes e loterias. (1995, p. 180).
A arte livre, participativa e popular na América Latina se desenvolveu com
experiências espontâneas para aproximar-se do povo e também se deu em virtude
das condições econômicas, sociais e culturais. Nem por isso, no entanto, ficou
dependente da representação ideológica, transformando-se em manifestação
artística reverberando em outros sistemas de signos, conforme Canclini (1986, p. 40)
declara:
[...] com o aparecimento de obras abertas que reclamam a participação ativa do espectador ou do leitor. A polissemia, deliberadamente procurada nos poetas [...], a estrutura aberta que permite múltiplas combinações de seus elementos, [...] ao suscitar diversas leituras, criaram as primeiras condições para que os leitores saiam de sua função contemplativa e intervenham na produção da obra.
74
Com o “fazer artístico” (Chauí, 2000) ou a “estética liberal” (Canclini, 1986),
busca-se o desenvolvimento da participação popular e da criação coletiva, ignorando
a visão de fruto excepcional do artista como gênio e colocando-o como produto de
condições culturais de cada sociedade. Canclini (1986, p. 36) afirma:
Diferentemente das concepções “teológicas” da arte, que imaginaram os “criadores” como sujeitos todo-poderosos, deuses que tiravam do nada obras inéditas, o conceito de produção permite considerar as obras de arte como trabalhos, compreendê-los pelo estudo das condições sociais, e das técnicas e dos procedimentos que tornaram possível transformar tais condições.
E para Martín-Barbero, o “fazer artístico” é visto como processo e resistência
para não separar a arte da vida, valorizando, assim, as experiências de homens
simples:
[...] uma estética anarquista, e na qual o traço primordial será, por sua vez, e por paradoxal que possa soar, popular e nietzschiano: a continuidade da arte com a vida, encarnada no projeto de lutar contra tudo o que separe a arte da vida, visto que, mais do que nas obras, a arte reside é na experiência. E não na experiência de alguns homens especiais, os artistas-gênios, mas mesmo na do homem mais humilde que sabe narrar ou cantar ou entalhar a madeira. Os anarquistas são contra a obra-prima e os museus, mas não por serem “terroristas”, ou por um “insano amor pela destruição”, como pensam seus críticos, mas por militarem em favor de uma arte em situação, concepção decorrente da transposição para o espaço estético do seu conceito político de “ação direta”. […] o que faz autêntica uma arte é sua capacidade de expressar a voz coletiva. (2006, p. 44 e 45) (grifos do autor)
A complexidade da arte
Seguindo essa linha de raciocínio, tanto Martín-Barbero quanto Chauí ou
Canclini ressaltam a continuidade das experiências da arte pela e para a vida
provocando, como contextualizado, o caráter coletivo da manifestação artística,
estando a complexidade, consequentemente, inserida nessa troca coletiva.
75
Independentemente, porém, da forma como as culturas fazem e pensam a
arte, não se pode negar que ela é expressão e construção de conhecimento, assim
como não é possível negar a necessidade da arte pelo homem, conforme citação de
Chauí (2000, p. 323):
[...] e a dos que afirmam o caráter lúdico das artes, como Nietzsche, para quem a arte é jogo, liberdade criadora, embriaguez e delírio, vontade de potência afirmativa da vida: é um estado de vigor animal, uma exaltação do sentimento da vida e um estimulante da vida.
A arte é elemento fundamental da vida espiritual de todos os povos, em todas
as épocas, e é congênita ao homem ao longo da sua história. O homem, mesmo em
sua constante luta pela preservação da vida, sempre encontra tempo para a
atividade artística, pois sente essa necessidade. Mas quão difícil é entender a
motivação dessa necessidade, dada a sua subjetividade. Lotman (1978, p. 26)
afirma que “[...] é bem mais difícil explicar por que é que não pode existir uma
sociedade sem arte”. A arte, para Nietzsche, corresponderia a uma necessidade
vital, assumindo uma dimensão epistemológica, e no seu entender trata-se de “um
estado de vigor animal, uma exaltação do sentimento da vida e um estimulante da
vida” (CHAUÍ, 2000, p. 323).
As corporações estão sendo pressionadas a mudarem sua relação capital-
trabalho, na qual se valoriza o cognitivo do trabalhador e se investe na comunicação
via arte para dialogar com o conhecimento. Canclini reflete que a arte deve ser
democratizada, principalmente em nosso território e com canais de comunicação
não convencionais:
Supõe-se que as obras de arte transcendem as transformações históricas e as diferenças culturais e, por isso, estão sempre disponíveis para serem desfrutadas – como “uma linguagem sem fronteiras” – para homens de qualquer época, nação ou classe social. (1986, p. 8)
A democracia possível no mundo da arte ocorre na América Latina, com a rica
diversificação de corpos, linguagens, costumes, numa cultura aberta, numa
sociedade de tradução (conforme abordado no capítulo anterior). Com essa imensa
troca de códigos, talvez se possa incorporar a arte realizada nas empresas sem
76
resistência e, principalmente, atingir a todos que a ela se conectam. A comunicação
entre a arte e as corporações talvez possa interessar até ao desinteressado,
impulsionado pelo novo imerso na arte, como Lotman expõe (1978, p. 58):
A arte é o meio mais econômico e mais denso para conversar e para transmitir uma informação. Mas a arte possui ainda outras qualidades, que são perfeitamente dignas de atrair a atenção de um cibernético e, talvez com o tempo, de um engenheiro civil.
Nessa visão contemporânea, vislumbramos que o novo proporcionado pela
arte é também uma necessidade do homem, que não existe sem as trocas, como
explicitou Lotman.
O mundo dos negócios, como já vimos, procura inovar-se e, principalmente,
inovar a forma de administrar comportamentos. E é com base nisso que o setor de
recursos humanos investe em novos territórios, um deles, objeto desta pesquisa, é a
comunicação através da linguagem artística, esta que dialoga constantemente com o
novo.
Vale frisar que um quesito importantíssimo no mundo das corporações é a
velocidade da informação – que pode se dar pela via virtual ou por muitas outras – e
outro ponto é a assimilação dessa informação, justificando que há comunicantes
possivelmente inseridos em experiências com a arte, que possibilita um novo olhar
sobre a tecnociência do capitalismo avançado.
Em todas as artes, é provável encontrar o novo, não no sentido de ineditismo,
mas pelo fato de a arte não ter um caminho linear, uma mensagem fechada e única,
porque a cada contato novas traduções se fazem, e Chauí expõe (2000, p. 325):
O mesmo poderia ser mostrado em cada uma das artes, pois em todas elas o momento fundamental, o instante expressivo, é instituinte do novo. [...] É assim que se diz que a arte faz ver a visão, faz falar a linguagem, faz ouvir a audição, faz sentir as mãos e o corpo, faz emergir o natural da Natureza, o cultural da Cultura.
Sabemos que a repetição se torna decadente, pois o cérebro tende a expulsar
o que já escutou. Cérebros são “máquinas” complexas de produção de significados,
são processadores de conexão e podem querer estender as possibilidades para o
77
corpo. Novamente, a necessidade do novo, por meio arte, transpõe o mundo
corporativo, para o qual, enraizado por objetivos e racionalidade, um corpo é um
corpo e um vaso é um vaso. E a arte pode fornecer meios para transpor uma visão
fragmentada, importantes também para o mundo corporativo.
Nesse caso, a arte pode conferir formas às ideias e descrições do mundo,
algo que apresenta dificuldades quando se utiliza a linguagem racionalizada pelas
empresas. Sobre a ligação da comunicação entre o receptor e o emissor, Lotman
(1978, p. 33) afirma: “A arte é um dos meios de comunicação. Ela realiza
incontestavelmente uma ligação entre um emissor e um receptor”.
A ligação possível por meio da arte problematiza o pensamento conservador,
aquele único, do qual tratamos anteriormente, porque ela coloca em movimento
sensações novas, faz perguntas, é um alimentador cultural, uma tradução
inacabada, imperfeita e introduzida; ela não tem perda; ela põe em movimento.
Novas descobertas frequentemente aparecem quando se observa uma
situação de novos ângulos. Pelo viés da arte, pode-se criar uma gama também mais
ampla e variada de possibilidades de ação, pois ela mexe com o sensível, e a
experiência sensível e a abstrata não se separam, enriquecendo a estrutura
cognitivo-cultural. Para Lotman, a complexidade se comunica: “Uma abordagem
análoga da comunicação artística revela a sua grande complexidade” (1978, p. 60).
A arte pode ser considerada como domínio da potência para a vida, pois ela
traz o inusitado, a estranheza, ao mesmo tempo que desconcerta, já que ela quebra
o modelo presente e possibilita olhar as coisas de um outro ângulo, como se
houvesse um desdobramento do olhar. E talvez seja isso que as corporações
necessitam neste momento.
O sistema corporativo, como se disse anteriormente, já em seu cerne não
concebe a liberdade, o erro, o medo, pois é linear, positivista, excluindo o que não é
homogêneo. Entretanto, todos esses fatores podem ser flexibilizados, dependendo
do interesse mercadológico e do estatuto da instituição, mas é impossível ignorar
sua formação capitalista.
78
Arte e coletividade
Neste trabalho, observamos o mundo corporativo em relação ao vasto mundo
das artes e as consequências geradas pela busca sensível de querer ser mais, além
de si mesmo, com o toque da arte na vida. E recorremos ao pensamento da filósofa
Marilena Chauí para conceituar essa abrangência dos sentidos. Também abordamos
os conflitos gerados pelos interesses ou “fins” das corporações, independentemente
das diferenças que lhes são intrínsecas. E o assunto principal que nos motivou é a
comunicação das instituições que almejam adentrar no cognitivo do trabalhador,
utilizando-se da arte para fazer essa conexão. Marchiori destaca essa mudança de
visão administrativa:
Hoje, as questões concentram-se em comunicar e se relacionar, uma extraordinária mudança de visão do empreendimento na qual, na realidade, as habilidades técnicas passaram a ser substituídas pelas habilidades humanas. (2006, p. 86)
Mas a arte também mudou de foco, descentralizou-se, afastou-se da beleza
idealizada, e agora inclui todos os participantes. Conforme Canclini, deve-se: “[...]
passar a analisar a arte como um processo social e comunicacional. Isso equivale a
incluir no fenômeno artístico o autor, a obra, os difusores e o público” (1986, p. 3).
Esse interesse pelo cognitivo do trabalhador, assim como pelo coletivo, se
deu porque, quando a tecnologia passou a disputar espaço com o homem, que em
partes o substituiu, o trabalhador deixou de ser visto como máquina. Para enfatizar
as mudanças e interesses nos aspectos da cultura artística e da cultura corporativa,
Chauí reforça a contextualização dos textos:
[...] o estatuto da técnica modificou-se quando esta se tornou tecnologia, portanto, uma forma de conhecimento e não simples ação fabricadora de acordo com regras e receita. Por outro lado, as artes passaram a ser concebidas menos como criação genial misteriosa e mais como expressão criadora [...]. (2000, p. 318)
As empresas já são corpos sociais e querem pensar também no coletivo, nos
grupos informais, no grupo social de forma geral, pois já perceberam que o
conhecimento coletivo é também um potencial de produtividade, de novas ideias, de
soluções de problemas/eventos modernos. O conhecimento isolado, fechado,
79
individualizado, focado, é importante, mas o pensamento estratégico corporativo
quer mais. Para Pinheiro, o coletivo é valorizado em sua abertura, não interessa o
protagonista, e sim o processo como um todo, o outro, o coletivo, a participação, a
troca:
Uma transformação lenta e importante nas tendências do conhecimento artístico é aquela que desloca as leituras das formas fechadas, feitas para fruição mental solitária, às formas abertas, próprias à invenção coletiva. (2006, p. 26)
O conhecimento é um estado de curiosidade, de interesse pela troca, só há
conhecimentos novos quando conectamos elementos ainda não completamente
tramados. A arte pode ser um agregador coletivo, um transbordar de elementos
novos, já que ela já nasce sociável e necessita do outro para se manifestar.
A tecnologia é a base do mundo corporativo, no entanto ela não constrói
processos, ela trabalha com acúmulo de memória, mas não a memória qualitativa,
que faz parte do processo cultural. Logo, a tecnologia é somente uma mera
ferramenta, impondo-se, então, a necessidade de criar redes e relações.
A arte não conversa com o intelecto, ela transborda os sentidos, e nas
corporações há um pretenso interesse em dialogar com os sentidos e com os
aspectos afetivos, em fazer a comunicação alcançar até os grupos informais,
aqueles que se relacionam por afinidades emocionais. São os quereres
interpessoais, ou outros interesses sociais, como Marchiori (2006, p. 141) expõe:
“esses grupos estabelecem, impõem, perpetuam as normas e valores sociais e
culturais essenciais aos membros do grupo”. E acrescenta: “A coesão do grupo
informal é que estimula a comunicação efetiva e dinâmica [...]” (MARCHIORI, 2006,
p. 141).
80
Pensando na relação da coesão de grupos informais e sua coletividade,
Santos amplia a contextualização sugerindo uma reinvenção de transformação
social:
Em vez de renúncia a projectos colectivos, proponho a pluralidade de projectos colectivos articulados de modo não hierárquico por procedimentos de tradução que se substituem à formulação de uma teoria geral de transformação social! (2008, p. 29)
81
4. Pesquisa exploratória
Para mim foi muito proveitoso. Senti mais liberdade para me expressar; fizeram com que eu enxergasse muitas coisas que até então para mim não tinham importância. Influenciou muito na minha rotina no trabalho, até mesmo em casa.
(Relato de um trabalhador sobre a experiência com o
“fazer artístico”)
Entendemos que, quando possível, o pensamento teórico não deve se
distanciar do empírico, pelo contrário, deve se alimentar dele. A proposta então é de
uma pesquisa de campo de cunho exploratório realizada dentro das corporações,
feita com entrevistas e informações obtidas por meio de formulários e
questionamentos com as pessoas que fazem parte do processo. Entre estas se
incluem o setor de Recursos Humanos, os funcionários e o agente realizador
cultural. Houve exigência por parte das empresas de um compromisso de sigilo tanto
sobre as pessoas jurídicas quanto as pessoas físicas envolvidas.
Por meio da pesquisa empírica qualitativa, foi possível observar três
corporações de capital nacional, na região de Sorocaba/SP, que oferecem o “fazer
artístico” para seus funcionários. Pudemos perceber que a arte ou o “fazer artístico”
proposto pelas empresas não é de natureza pedagógica – formal-educacional –, não
sendo possível pensar em uma metodologia imposta e muito menos em um objetivo
claro, pontual e quantitativo. Tanto na pesquisa exploratória como nas pesquisas de
mídia virtual e impressa, o propósito mais esperado pelas corporações para esse
82
investimento é a melhora nas inter-relações, multiplicando-se, como consequência, a
comunicação.
Expomos o que nos foi permitido, pois a dificuldade de comunicação com as
empresas é grande e não houve tempo suficiente para que os funcionários tanto do
setor administrativo como da produção se comunicassem com o externo, mais
especificamente com uma pesquisadora acadêmica.
No início da pesquisa, na empresa A31 foi possível uma proximidade maior,
além das entrevistas. Os encontros dos funcionários que formavam um grupo de
teatro puderam ser observados. Nesse momento, a proposta era exercitar a arte –
liberta, polissêmica e provocadora –, o corpo, a voz, as ideias, havendo abertura
para sugestões, diálogos, risos e erros, bem diferente do ambiente de trabalho
cotidiano. Relatamos a seguir a experiência da pesquisa.
Os funcionários da empresa A, que fabrica baterias, descobriram uma forma
de reduzir em 90% os resíduos de sucata de lixo tóxico. Eles aceitaram um projeto,
oferecido pela corporação, para, de forma teatral, apresentar a invenção para as
outras sedes da empresa no Brasil e em outros países como Austrália, EUA e África
do Sul.
Esses funcionários, geralmente rústicos, secos e fechados para o campo da
arte, que nunca haviam tido contato com nenhuma encenação e que trabalhavam no
setor produtivo, um ambiente em que se busca a perfeição, a ordem e a hierarquia,
tiveram de superar seus medos para vivenciar essa experiência. O desafio maior foi
para um grupo de dez pessoas que necessitou estudar inglês em poucos dias, pois
somente dois participantes dominavam esse idioma.
Com isso, a direção do espetáculo gravou para cada participante a sua fala
em português e uma versão em inglês, para que eles pudessem decorá-la, para
apresentar a todos os funcionários da rede empresarial a inovação relativa ao
descarte do resíduo da produção industrial. Optou-se pela encenação em um
contexto diferente daquele do ambiente empresarial, em um cenário com churrasco
e futebol.
31 A pedido das empresas, não divulgamos suas denominações, optando pelo uso de letras para indicá-las.
83
A empresa disponibilizou duas horas por semana para os 28 funcionários-
atores participantes, no período de 12 meses. A arte foi trazida pelo setor de
Recursos Humanos, que acredita que esse “fazer artístico” oferecido para os
funcionários pode trazer um elemento multiplicador, isto é, que a arte pode envolver
até aquele aparente desinteressado, melhorando a criatividade, o equilíbrio
emocional, o trabalho em equipe, o entretenimento e a possibilidade de formação de
grupos informais.
Os relatos de 22 funcionários, dos quais obtivemos resposta, abrangem um
maior reflexo com a experiência. Eles afirmam que, além de prazerosa, essa
experiência traz concentração, autoconfiança e abertura para o diferente. É quase
unânime o interesse em continuar a participar do “fazer artístico” fora do ambiente de
trabalho, não somente como protagonista, mas também como consumidor de
espetáculos teatrais.
A esse respeito, podem ser vistos os seguintes relatos de funcionários: “Eu
vejo toda arte como uma das melhores formas de integrar e aproximar as pessoas;
isso faz com que o relacionamento tanto profissional quanto pessoal melhore muito,
além de você passar a ver a vida de forma muito mais positiva.”; “Participar do teatro
foi muito bom no sentido de ter mais autoconfiança, melhoria no relacionamento com
colegas de trabalho de outros setores, desenvolver o trabalho em equipe, diminuiu a
timidez de falar em público.”.
A indústria B, do segmento de energia e baterias para indústrias e
submarinos, está há 80 anos no mercado e conta com 200 funcionários. Ela
incorporou a música, mais precisamente o coral, como um “fazer artístico” para seus
funcionários. O projeto acontece desde 2008, por sugestão de um diretor da
empresa apaixonado por arte. Segundo o responsável pelo setor de Recursos
Humanos, o principal objetivo é melhorar a comunicação e a integração entre os
funcionários da produção e os funcionários dos setores administrativos. São cedidas
duas horas por semana do horário de trabalho para que os funcionários possam
participar dos ensaios.
84
Em entrevista, o produtor cultural, neste caso o maestro, relatou que a
incorporação de uma língua cantada e, ainda, em coletividade, envolve não somente
aspectos como colocar a voz para fora, para o outro, mas também receber do outro,
escutar, e isso é interação, é comunicação. Ele diz também que o canto pode
despertar a autoconfiança, pois também apresenta um aspecto terapêutico.
A empresa oferece essa atividade, de forma espontânea, para todos os
funcionários, porém em 2010 houve somente oito adesões, das quais foi possível
obter o registro de apenas quatro questionários. Aqui o objetivo da empresa se
confirma com os relatos dos funcionários, entre eles um de um funcionário do setor
produtivo: “Foi muito importante, pois a relação entre as áreas aumentou
exponencialmente. O trabalho flui melhor porque há maior comunicação e melhor
acesso às pessoas.”.
A empresa C, uma indústria de grande porte, com mais de mil funcionários na
sede pesquisada, que explora o ramo da construção civil, foi a última que nos
concedeu acesso para a realização da pesquisa. Ela promove um coral com a
participação de seus funcionários, também em horário de trabalho. Essa arte foi
trazida pelo próprio diretor da empresa com o intuito de responder socialmente à
comunidade na qual a empresa está inserida.
O maestro declara que trabalha constantemente com o erro e esse “fazer
artístico” alcança o cognitivo, pois estimula o coletivo, a saúde, a disciplina, a
comunicação, a integração social, entre outros. Ele afirma também que, por
solicitação da diretoria, trabalha predominantemente com músicas nacionais
Como ocorre nas outras empresas, os relatos dos funcionários mostram que
sua relação com o “fazer artístico” vai além do que esperam as empresas e de
maneiras mais diversas possíveis, o que comprova a individualidade cultural, sua
memória, enfim seu universo. Dos 24 participantes, somente 20 responderam às
questões. A seguir, os relatos de dois trabalhadores da produção: “Mudei totalmente
o meu modo de ser.”; “A música me trouxe mais sensibilidade e maior
concentração.”.
85
Alguns aspectos foram observados de forma semelhante nas três
corporações pesquisadas. Percebemos que há muitas idas e vindas dos projetos
citados, isto é, não existe linearidade quanto à continuidade das experiências não
somente por parte da empresa, mas também por parte dos funcionários, que não
sabem se haverá tempo e energia para as atividades sugeridas.
Por outro lado, quando as empresas disponibilizam horas trabalhadas para a
participação dos funcionários, a frequência é sempre maior. O período também é um
fator importante levantado pelo setor de Recursos Humanos, que opta por ser a
longo prazo, pois percebe que os funcionários respondem melhor e mais
efetivamente ao objetivo proposto.
Não podemos deixar de mencionar a importância da comunicação relatada
pelos participantes das empresas quanto à exposição dos fazeres artísticos: eles se
sentem valorizados e respeitados pelos colegas de trabalho, pelos encarregados e
pela família.
As empresas proporcionam a apresentação tanto para o público interno
quanto para o público externo, que participam de festivais de corais ou de
festividades comemorativas. Outro fator quase unânime entre os entrevistados é a
possibilidade de incorporar à vida cotidiana a experiência, considerando suas
respostas afirmativas de que houve uma procura pela arte fora do ambiente de
trabalho.
86
Considerações finais
Após discorrer sobre dois universos aparentemente diferentes – o mundo da
arte e o mundo corporativo –, tomamos conhecimento da forma como acontece a
mistura de territórios. Tratando-se de América Latina, talvez isso ocorra de forma
mais efervescente e visceral, por causa do caldeirão de culturas que se convergem.
Assim, a tarefa a que nos propusemos foi consideravelmente delicada e
complexa. Esta pesquisa teve a intenção de apontar apenas as congruências
experimentadas nos estudos da Administração de Recursos Humanos, área
estratégica nas empresas, com atuação direta na produtividade da corporação, pois
está ligada à formação e à capacitação do indivíduo. Não partimos da premissa de
que a arte não combina com o ambiente das corporações, pois não é possível
separar a arte de nossas vidas – ela está inserida em nosso trabalho, em nosso
cotidiano, nos eventos sociais e culturais.
O território mercadológico, com sua racionalidade mais latente, consegue
fazer uso da arte, mesmo com seus contornos mais subjetivos. Apesar da correlação
de um e outro, a arte – utilizada como ferramenta de trabalho, ou seja, para um fim,
como o de colher resultados plausíveis para as corporações – é considerada uma
ação apropriada das empresas, no tocante à administração. É o que mostra nossa
pesquisa exploratória com empresas na cidade de Sorocaba, interior de São Paulo,
um município em desenvolvimento, com 570 mil habitantes, conforme o Censo de
2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e com 1.820 indústrias
de transformação e 0,48% de participação no PIB32.
Vale enfatizar que, por meio de nossa pesquisa em sindicatos e associações
de Recursos Humanos, tomamos conhecimento de que somente seis empresas
trabalham a comunicação com seus funcionários por intermédio da arte.
32Disponível em: <http://www2.sorocaba.sp.gov.br/PortalGOV/do/download?op=initDownload&nomeArquivo= Indicadores Sócio Econômicos Município Sorocaba.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2011.
87
Essa quantia é ínfima se considerarmos que Sorocaba está entre as 100
maiores cidades do Brasil em desenvolvimento33. Escolhemos, então, três
corporações que ofereceram em 2010 a experiência do “fazer artístico” [termo
utilizado por Chauí (2000) para melhor explicar o afastamento existente na arte de
contemplação, assim como a aproximação na arte participativa], isto é, a arte como
processo, na qual o trabalhador é o próprio protagonista do movimento. Dentre os
ramos das artes, o teatro e o coral são os mais encontrados nas corporações e a
eles os funcionários se entregam de corpo e alma, levando-nos a perceber que
necessitam dessa criação materializada em forma, por meio do embate corporal.
Neste trabalho, confirmou-se nossa hipótese de que a arte é uma nova
linguagem de comunicação empregada pelas corporações para fazer interlocução
com o cognitivo individual e coletivo dos funcionários. Promovem-se, assim,
melhorias na comunicação integrada, nos relacionamentos e, em consequência, na
geração de ideias novas e na solução de conflitos e “eventos”, tidos como problemas
(aqueles que transgridem o planejamento linear empresarial, conforme citamos no
primeiro capítulo).
Trabalhamos também com a hipótese de que a arte como signo comunicante
dialoga expansivamente nos horizontes das subjetividades e, com isso, pode tornar
o trabalhador mais criativo no seu dia a dia. Esse despertar cognitivo, proveniente do
“fazer artístico”, vai além das possibilidades esperadas pelo setor de Recursos
Humanos, como mostra nossa pesquisa exploratória feita com indústrias de grande
porte. De 46 funcionários entrevistados, 38 responderam que essa intervenção
artística foi abrangente e importante para a sua vida, tanto dentro como fora do
ambiente de trabalho. Os relatos do capítulo 4 também apontam para a diversidade
de conexões, aberturas e sensações, concordando com o pensamento de Canclini
(1986) de que a arte transborda qualquer possibilidade de racionalizar seu resultado,
sendo ela complexa por natureza. Além disso, movimenta as subjetividades de cada
indivíduo, com sua memória, suas crenças e ideais. Ainda conforme o autor, “[...] as
artes transcendem as transformações históricas e as diferenças culturais e, por isso,
estão sempre disponíveis para serem desfrutadas – como ‘uma linguagem sem
33 Disponível em: <http://www2.sorocaba.sp.gov.br/PortalGOV/do/download?op=initDownload&nomeArquivo= Indicadores Sócio Econômicos Município Sorocaba.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2011.
88
fronteiras’” (CANCLINI, 1986, p. 8).
Percebemos que a experiência com o “fazer artístico” em coletividade, neste
caso em organizações empresariais, pode provocar a coesão tão procurada pelas
corporações, já que a arte é a explosão constante de novos sentidos. Porém, não é
possível mensurar esse alcance, dada a vitalidade e a polissemia da arte e
considerando que essa mesma ressonância toca cada indivíduo de maneira
diferente, conforme sua bagagem cultural e experiência de vida.
Nas pesquisas teóricas, pontuamos que as empresas procuram adentrar no
cotidiano do trabalhador, e isso ocorre porque elas não só produzem bens materiais
e bens imateriais, “mas também as formas de comunicação, padrões de
sociabilização”34, conforme expõe Lazzarato (2004). Elas procuram no “fazer
artístico” esses padrões de sociabilização, assim como em redes sociais, com o
objetivo de fomentar grupos informais, ou seja, grupos entre os quais as relações
aconteçam também fora do ambiente de trabalho, em ambientes mais livres, com
possibilidades de erros e risos. Dessa forma, possibilita-se aflorar a criatividade, tão
desejada e necessária no mundo dos negócios.
Por esse motivo, as corporações observam esses grupos informais que vão
se constituindo, com suas crenças e ideias, e desejam que estas sejam semelhantes
às suas, para, assim, observarem “também os mecanismos que organizam e
controlam os modos de vida”35 (Lazzarato, 2004).
Esse pretenso interesse das organizações em adentrar nos modos de vida,
no mundo cognitivo do trabalhador e em suas crenças pode ser justificado pela
busca de resultados imediatos no desenvolvimento dos funcionários, mas, por outro
lado, pode ser visto como uma afronta ao universo individual e social do trabalhador.
Para Martín-Barbero: “O mercado não pode criar vínculos societários, isto é, entre
sujeitos, pois estes se constituem nos processos de comunicação de sentidos, e o
mercado opera anonimamente mediante lógicas de valor que implicam trocas
puramente formais [...]” (2006, p. 15).
34 Disponível em: <http://www.ephemeraweb.org/journal/4-3/4-3lazzarato.pdf>. (tradução nossa) 35 Disponível em: <http://www.ephemeraweb.org/journal/4-3/4-3lazzarato.pdf>. (tradução nossa)
89
Por meio das análises realizadas, pudemos observar a resistência do
pensamento cartesiano no cerne das organizações, mas dicotomicamente elas
procuram uma abertura, levando em consideração os processos culturais que elas
experimentam atualmente, e um exemplo disso é essa proposta do “fazer artístico”
para seus funcionários.
Essa mudança do parâmetro empresarial pela busca da coesão nos
relacionamentos, incluindo o trabalhador e seu poder cognitivo, mostra a
descentralização da rede fria, isto é, uma abertura das redes formais, de seus
setores técnicos e de sua hierarquia, a partir de relações entre os setores de uma
organização que se mesclam, já não tão racionais e fechados. Essas corporações
mais abertas valorizam a importância da rede quente, aquela em que também estão
presentes a informalidade, a liberdade e o afeto.
Não é mais possível pensar de forma dicotômica – amigo-inimigo, poderio
cognitivo-poderio material, chefe-funcionário, administração-produção, indivíduo-
coletividade, bem-mal. A tendência não é mais se organizar administrativamente nos
sistemas fechados, pois estes não mais respondem às práticas do capitalismo
avançado. As novas configurações das empresas deixam de lado o pensamento
enraizado de poder, visto que a empresa não precisa exclusivamente de disciplina.
Em nosso estudo, fez-se necessária também a contextualização da cultura na
América Latina, com sua diversidade cultural, proporcionando um maior aglutinar
dos signos, favorecendo a incorporação da arte – trazida de um ambiente em geral
rígido – com intensidade, provocando uma multiconfluência, pois somos uma
sociedade veloz, pelo próprio processo de mestiçagem.
Para problematizar um pouco mais sobre essa nova linguagem de
comunicação das empresas – nova pela forma que vem sendo utilizada a
experiência –, podemos dizer que a arte pode ser uma tentativa de diversificação da
comunicação, principalmente porque nossa cultura supera a visão cartesiana das
corporações, podendo se comunicar com as visões complexas e mais livres da
comunicação formal. Não obstante, é impossível controlar a complexidade da
situação, conforme o pretenso interesse corporativo.
90
Sugerimos, então, que algo está se deslocando, e um ambiente de
mestiçagens não pode ser analisado a partir das teorias e modos de conhecimento
binários. Estamos ausentes da rigidez, como ressalta Pinheiro (2006), por causa de
nossa cultura mestiça e da rapidez de traduções. Contudo, esse deslocamento não
necessariamente deve ser para frente, pode ser um deslocamento pelas laterais,
como um anel rizomático, resultando em um rico processo de articulações que está
além e aquém do pensamento cartesiano das corporações. Assim Lazzarato (2004)
expõe nosso mundo: “[...] os mundos são quase sempre através da variação
contínua e modulação. [...] estamos aqui muito além das várias teorias de
dominação”36.
Mestiços, como somos, faz-se importante a reflexão de Coli contra um
pensamento único e generalizador da abrangência da arte: “[...] são divergentes,
contraditórias, além de frequentemente se pretenderem exclusivas, propondo-se
como solução única” (1995, p. 23).
Entendemos que não há como fornecer conclusões fechadas, visto o campo
aberto tanto da comunicação quanto da arte no qual trabalhamos, mas pontuamos
fatos fundamentais para a compreensão de um processo de transformação que está
em andamento no campo comunicacional.
Seguimos propondo novas perguntas de acordo com Canclini, citado por
Martín-Barbero (2006, p. 25): “[...] caminhos para passarmos das respostas que
fracassaram às perguntas que renovam as ciências sociais e as políticas
libertadoras”. Se a arte não pode ser aprisionada em um mundo específico, a não
ser no mundo do outro, podemos ir às novas perguntas, conforme proposta de
Martín-Barbero (2006): Até onde podem chegar os tentáculos das corporações, na
busca do que pode trazer os grupos informais e o investimento com o fazer artístico,
se sua expansão é seu objetivo?
É importante salientar, entretanto, que não houve como confirmar na pesquisa
exploratória o interesse da administração interna pelos grupos informais, mas
confirmamos essa pretensa busca em nossa pesquisa teórica, conforme
contextualizado.
36 Disponível em: <http://www.ephemeraweb.org/journal/4-3/4-3lazzarato.pdf>. (tradução nossa)
91
Para exemplificar a questão a que nos colocamos, fechamos com Martín-
Barbero no que diz respeito a não separar a arte da vida, que se realizam por meio
da experiência e da coletividade:
[...] a continuidade da arte com a vida, encarnada no projeto de lutar contra tudo o que separe a arte da vida, visto que mais do que nas obras, a arte reside é na experiência. E não na experiência de alguns homens especiais, os artistas-gênios, mas mesmo na do homem mais humilde que sabe narrar ou cantar ou entalhar a madeira. [...] o que faz autêntica uma arte é sua capacidade de expressar a voz coletiva. (2006, p. 45) (grifo do autor).
92
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94
LONGO, Ursula. Microsiga valoriza a qualidade de vida. Manager Online. Entrevista concedida a Wagner Belmonte. Disponível em: <http://www.manager.com.br/reportagem/reportagem.php?id_reportagem=413>. Acesso em: 26 jan. 2011.
MARIOTTI, Humberto. Nem oito nem oitenta. Carta Capital, São Paulo, 5 ago. 2010. Entrevista concedida a Denise Ribeiro. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/cultura/nem-oito-nem-oitenta>. Acesso em: 27 jan. 2011.
MIRANDA, Magda. Drama no treinamento – entrevista [13 mar. 2009]. Disponível em: <http://blog.scripti.com.br/category/arte-na-empresa>. Acesso em: 27 jan. 2011.
MOSTRA coletiva reúne Clóvis, Flávio e Dyógenes. [29 maio 2008]. Disponível em: <http://www.db.com.br/noticia/83695.html>. Acesso em: 23 ago. 2010.
O ENCONTRO para celebrar o Dia do Meio Ambiente. [19 jun. 2009]. Disponível em: <http://blog.scripti.com.br/category/arte-na-empresa>. Acesso em: 27 jan. 2011.
PLAYBACK Theatre. Disponível em: <http://www.playbacktheatre.com.br>. Acesso em: 26 jan. 2011.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem: e outros ensaios de antropologia. Rio de Janeiro: Sexta Feira, São Paulo, 21 dez. 1998. Entrevista concedida a Renato Sztutman, Silvana Nascimento e Stélio Marras. Disponível em: <www.psicorreio.com.br/emailmarketing/2009/marco/EduardoViveiros/entrevista.pdf>. Acesso em: 9 jul. 2010.
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ANEXO A – Carta de apresentação às empresas
À Empresa A A/C Setor de Recursos Humanos Ref.: Pesquisa Exploratória: Arte na Empresa
Sou mestranda pela Universidade Pontifícia Católica de São Paulo (PUC-SP), na área de Comunicação e Semiótica. No momento estou elaborando a dissertação Arte nas Empresas, cujo propósito é realizar uma pesquisa exploratória para verificar as possibilidades de conhecimento com o acesso à arte. Tendo ciência de que a empresa A oferece ou já ofereceu aos seus funcionários trabalhos com arte, solicito a oportunidade de executar uma pesquisa de campo nesse sentido, de cunho estritamente sigiloso.
Para conhecimento, segue breve resumo da dissertação:
A pesquisa tentará percorrer os trabalhos nas empresas, no que tange ao acesso e/ou intervenção em várias formas de arte para seus funcionários: teatro, música, contação de histórias, cinema, entre outras. Além disso, investigará qual é a necessidade desse trabalho, o objetivo almejado e seu possível resultado. Compreender tal questão é buscar entender os limites da arte como instrumento comunicador. Sendo a arte um signo comunicante, o trabalho observará as possibilidades de essas linguagens de conhecimento serem imersas no imaginário dos participantes como memória viva.
Assim, solicito um encontro para realizarmos uma entrevista, de caráter
qualitativo. A proposta é que coordenadores das atividades artísticas na empresa, assim como funcionários que vivenciaram essas atividades, participem de entrevistas e respondam a questionários (curtos) já pré-elaborados.
Enfatizo aqui o comprometimento com a confidencialidade relativa às pessoas
envolvidas e agradeço desde já pela atenção.
Nanci Elisa Baptistella Educadora e contabilista E-mail: [email protected]
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ANEXO B – Roteiro de entrevista para o setor de Recursos Humanos
Empresa: _____________________________________________ data: __/__/____
Nome do responsável: _________________________________________________
Cargo: ______________________________________________________________
Nome do projeto cultural: ________________________________________
História da empresa: __________________________________________________
nº de funcionários: ________ Ramo de atividade: ____________________________
Como surgiu a ideia do projeto?
___________________________________________________________________
Há quanto tempo oferece o coral para seus funcionários? _____________________
Há outra arte que oferece para os funcionários? Teatro ( ) Música ( ) Cinema ( )
Dança ( ) Contação de histórias ( ) Exposição ( ) Artes plásticas ( ) Fotografia ( )
Outras? Quais? ______________________________________________________
São cedidas algumas horas trabalhadas para as atividades? ___________________
Local das atividades: __________________________________________________
Observou um aumento na procura pelos funcionários para participar da arte oferecida?
___________________________________________________________________
A empresa tem interesse em aumentar o investimento nessa comunicação?
___________________________________________________________________
De quem foi a iniciativa?
___________________________________________________________________
O que motivou a busca desse tipo de trabalho específico? ___________________________________________________________________
Por que foi escolhida essa arte?
___________________________________________________________________
Houve reuniões até a elaboração? Com quem da empresa? Temas específicos tratados?
___________________________________________________________________
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Houve alguma modificação até a realização?
___________________________________________________________________
Quem teve a ideia para realizar esse trabalho? Por quê?
___________________________________________________________________
Há quanto tempo existe esse projeto? _____________________________________
O que visa conseguir? Objetivo:
Componente organizacional: - disciplina - habilidade organizacional - concentração - liderança - autoconfiança - criatividade - adaptação a alguma mudança corporativa - incentivo à competição - evitar faltas no trabalho - trabalho em equipe - retórica - ética Componentes sociais: - integração dos funcionários - comunicação coorporativa - cooperação - equilíbrio emocional - não resistir às diferenças - qualidade de vida - segurança no trabalho - saúde - meio ambiente - álcool - stress Componentes culturais: - entretenimento - promover maior interesse pelas artes Outros: ____________________________________________________________
Existe uma preocupação da empresa ou dos Recursos Humanos para a formação de grupos informais (aqueles grupos que se encontram fora do local de trabalho)? ___________________________________________________________________ A empresa investe em redes sociais (intranet, Facebook ou outras)? ___________________________________________________________________ Existem fundamentos teóricos e/ou conceitos de referência do trabalho? ___________________________________________________________________ Quantidade de participantes:_____________________________________________ Todos os setores podem participar?_______________________________________ Tempo do projeto: Tempo determinado: ( ) prazo _________ ou indeterminado: ( ) Horas semanais do projeto:_____________________________________________ É facultativa a participação dos funcionários? _______________________________ Existem alguns fatores que inibem e/ou estimulam a participação? Pode explanar? ___________________________________________________________________
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Porcentagem de desistência: ___________________________________________________________________
Como é feita a comunicação dessa atividade para ou outros funcionários? Jornais ( ) Revistas ( ) Painéis ( ) Cartazes ( ) Folhetos ( ) Filmagens ( ) Outros: _________________________________________________________________ Existe apresentação externa para família ( ) festivais ( ) comemoração ( ) não há apresentação ( ) Que setor acompanha o projeto? ___________________________________________________________________ Sistemas corporativos: (fechado/aberto)
A empresa trabalha com muita ou pouca supervisão? ___________________________________________________________________
Exige feedback constante? ___________________________________________________________________
Os erros são considerados experiências normais ou não são admitidos? ___________________________________________________________________
O horário de trabalho é estático? ___________________________________________________________________
A empresa oferece benefícios além das obrigações trabalhistas? O quê? ___________________________________________________________________
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ANEXO C – Roteiro de entrevista para o produtor cultural
Nome do responsável: _________________________________________________ Metodologia: _________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Há dinâmicas que: - estimulam o coletivo? __________________________________________ - estimulam a competição? _______________________________________ Trabalha com o erro?_________________________________________________ Trabalha com o medo?________________________________________________ Procura aguçar algum dos sentidos? Audição ( ) Visão ( ) Tato ( ) Fala ( ) Paladar ( ) Arte engajada: - para promoção de um produto da empresa: _________________________ - para um tema específico: ________________________________________ - para aprimoramento de algo: _____________________________________ Há algum tipo de fechamento no final do trabalho? ___________________________________________________________________
O que esta arte pode proporcionar? Componente organizacional: - disciplina _____________________________________________________ - habilidade organizacional ________________________________________ - concentração __________________________________________________ - liderança _____________________________________________________ - autoconfiança _________________________________________________ - criatividade ___________________________________________________ - adaptação a alguma mudança coorporativa __________________________ - incentivo à competição __________________________________________ - evitar faltas no trabalho__________________________________________ - trabalho em equipe _____________________________________________ - ética _________________________________________________________ - retórica _______________________________________________________ Componentes sociais: - integração dos funcionários _______________________________________ - comunicação corporativa _________________________________________ - cooperação ___________________________________________________ - equilíbrio emocional _____________________________________________ - não resistir às diferenças _________________________________________ - qualidade de vida ______________________________________________ - segurança no trabalho __________________________________________
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- saúde _______________________________________________________ - meio ambiente ________________________________________________ - álcool _______________________________________________________ - stress _______________________________________________________ Componentes culturais: - entretenimento _________________________________________________ - promover maior interesse pelas artes _______________________________ ______________________________________________________________ Outros objetivos: ______________________________________________________________ _____________________________________________________________
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ANEXO D – Questionário de pesquisa para o funcionário da empresa
Pesquisa: Arte nas empresas Solicito que o funcionário/artista responda às questões abaixo sobre sua experiência com a ARTE oferecida pela empresa em que trabalha. Trata-se de uma pesquisa de cunho acadêmico e sigiloso. Data: __/__/____ Setor em que trabalha:__________________________________ As respostas podem conter mais que uma alternativa. De qual arte participa ou participou? Teatro ( ) Música ( ) Coral ( ) Cinema ( ) Dança ( ) Contação de histórias ( ) Exposição ( ) Artes plásticas ( ) Fotografia ( ) Outras formas: _______________________________________________________ PARTICIPAÇÃO Você participava(ou) desta ARTE antes de a empresa apresentar a proposta? ( ) Nunca. ( ) De vez em quando. ( ) Sempre. Você colaborou no desenvolvimento da ARTE de que participa? ( ) Participei no desenvolvimento total da ARTE proposta. ( ) Não participei no desenvolvimento da ARTE; tudo chegou concluído para realizar
a atividade. ( ) Houve participação em partes do desenvolvimento do processo. Quer comentar algo? ___________________________________________________________________ REFLEXÃO O que você acha da ARTE de que participa? ( ) Complicada. ( ) Simples. ( ) Desinteressante. ( ) Prazerosa. Quer comentar algo? ___________________________________________________________________ EMPRESA No setor em que trabalha, você consegue se expor, se comunicar, sugerir ideias, isto é, participar das mudanças, reclamar, opinar etc.? ( ) Nunca. ( ) De vez em quando.
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( ) Sempre. Depois dessa participação, houve mudança em seus hábitos no ambiente de trabalho? ( ) Não. ( ) Sim. Então responda: ( ) minha habilidade organizacional ( ) minha concentração
( ) tomada de decisão ( ) autoconfiança ( ) criatividade ( ) minha relação com os colegas de trabalho ( ) a comunicação na empresa ( ) cooperação ( ) equilíbrio emocional ( ) o aceitar as diferenças ( ) nenhum hábito se alterou ( ) segurança no trabalho ( ) saúde ( ) meio ambiente ( ) menos stress
Outras:______________________________________________________________ Na participação na atividade proposta pela empresa: ( ) É obrigado a participar. ( ) Minha participação é espontânea. Sua relação com os colegas de trabalho: ( ) Melhorou. ( ) Piorou. ( ) Não fez diferença. Quer comentar algo? ___________________________________________________________________ VIDA COTIDIANA Essa atividade teve algum reflexo em sua vida fora da empresa? ( ) Não ( ) Sim, o quê? ___________________________________________________________________ Houve interesse em continuar a cultura artística proposta pela empresa fora do ambiente de trabalho? ( ) Sim, comecei a me interessar e participar fora da empresa. ( ) Sim, um dia irei participar e dar continuidade a essa experiência. ( ) Não há interesse em dar continuidade. ( ) Não, somente reforçou meu gostar pela ARTE apresentada. ( ) Não gostei da ARTE da qual participei. RELACIONAMENTOS Percebeu um maior círculo de amizades? Houve alguma relação com o grupo que se transformou em amizade? ( ) Não, todos já eram amigos. ( ) Sim, fiz novos amigos. ( ) Não fiz amizades com ninguém. Comente um pouco sobre sua experiência com a arte d esenvolvida na empresa. ______________________________________________________________________________________________________________________________________