ITRACONAZOL
Perspectiva Histórica
Itraconazol (Figura 1) ou [4-[4-[4-[4-[[cis-2-(2,4-diclorofenil)-2-(1H-1,2,4-triazol-1-ilmetil)-1,3-dioxolan-
4-il]-metoxi]fenil]-1-piperazinil]-fenil]-2-[(1RS)-1-metilpropil]-2,4-di-hidro-3H-1,2,4-triazol-3-ona,
segundo a IUPAC (The International Union of Pure and Applied Chemistry), foi sintetizado pela
primeira vez por Jan Heeres e Leo Backx ambos da Janssen Pharmaceutica, submetendo a molécula
a patente em 1980. [1, 2]
Pertence à classe dos antifúngicos, sendo um derivado imidazólico de 3ª geração (anel triazólico)
bastante potente, reservando-se o seu uso para infecções fúngicas da mucosa oral e esófago em
doentes imunodeprimidos. [3] O anel triazol possuí três átomos de azoto num total de cinco átomos
presentes no anel azólico. Isto representa uma inovação relativamente aos derivados imidazólicos de
1ª e 2ª gerações, o que culminou num alargamento do espectro de acção e favoreceu a selectividade
para o citocromo P-450 da célula fúngica.
O itraconazol foi sintetizado em 1980 e começou a ganhar importância devido aos vários estudos
feitos desde então, que comprovaram a sua eficácia. [4]
Características Físico-Químicas
De acordo com a Farmacopeia Portuguesa VII, o itraconazol apresenta um aspecto de pó branco ou
quase branco.
O itraconazol possui as seguintes características: [1, 5]
Fórmula química: C35H38CI2N8O4
Peso molecular: 705,63g/mol
Massa volúmica: 1,4 g/cm3
Ponto de fusão: 166ºC a 170ºC
Solubilidade: Muito pouco solúvel em água
LogP: 5,66
pKa 3,7
Classificação
O itraconazol é um anti-fúngico, ou seja, é um medicamento utilizado para tratar infecções causadas
por fungos. [6]
Métodos de Obtenção
A síntese do itraconazol (Figura 2), proposta por Heeres e Backx, começa pela cetalisação da 2,4-
dicloroacetofenona com glicerina sobre condições acídicas em refluxo com benzeno.
O produto formado é depois brominado a 40ºC. O álcool primário sofre protecção, transformando-se
em benzoato através do uso de cloreto de benzoilo em piridina. A molécula formada é transformada
em sal e sofre posterior tratamento com brometo de sódio em DMSO a 130ºC, formando-se uma
mistura regioisomérica, a qual é saponificada usando-se uma mistura aquosa de hidróxido de sódio e
dioxano. Os isómeros são então separados por cromatografia, em que o produto principal
(aproximadamente 10:1) é o produto desejado, ou seja, o isómero substituído na posição 1.
Segue-se a activação do álcool, através da reacção com cloreto de metanosulfunilo (mesyl chloride)
em piridina (rendimento de 87%), dando-se também um segundo ataque nucleofílico com o sal sódico
de N-acetil-4-hidroxifenilpiperazina a 80ºC, originando um análogo triazólico do cetoconazol.
Posteriormente, procede-se a uma diacetilação finalizada com a introdução do anel fenólico por
substituição aromática nucleofílica usando 4-cloronitrobenzeno em meio básico em DMSO a 120ºC. A
reacção seguinte é uma hidrogenação, catalisada por platina, a 50ºC, originando derivados de anilina
pouco solúveis, o que exige o aquecimento da mistura para evitar a retenção de produto por filtração.
O derivado da anilina reage com fenilcloroformato numa mistura de clorofórmio e piridina, originando
um carbamato activado, que é tratado com hidrazina. Já numa fase final da produção do composto,
ocorre uma condensação da semicarbazida com acetato de formamidina em DMF a 130ºC durante 3h
originando uma triazolona cíclica. A última reacção desta série sintética é uma alquilação com 2-
bromobutano, originando-se itraconazol na forma de sólido cristalino. [7]
Mecanismos de Acção
O itraconazol, um triazol, tem um mecanismo de acção idêntico ao dos imidazois. O azoto não
envolvido na aromaticidade do anel azólico compete com o oxigénio pela ligação ao ferro hémico
catalítico do citocromo P-450. A inibição desta enzima impede a síntese de ergosterol na membrana
celular dos fungos, através da limitação da desmetilação em C14 do lanosterol, que é um precursor
do ergosterol (Figura 3). O défice de ergosterol provoca alterações na fluidez da membrana, nas
relações estéricas de outras enzimas associadas à membrana e resulta também numa acumulação
de fosfolípidos e ácidos gordos insaturados no interior das células fúngicas. O itraconazol liga-se
muito fracamente ao citocromo P-450 dos mamíferos, sendo a sua afinidade muito mais elevada para
o citocromo P-450 dos fungos. [10]
Relação Estrutura-Actividade
O itraconazol só foi sintetizado cerca de 30 anos após a descoberta do cetoconazol. Estávamos na
década de 80 e o desenvolvimento do primeiro antifúngico de largo espectro e de administração oral
foi uma revolução.
Estudos de relação estrutura actividade com análogos do itraconazol não demonstraram resultados
muito concordantes entre as experiências in vitro e in vivo, o que se pode ficar a dever à fraca
solubilidade destes compostos no meio escolhido para os testes. No entanto e apesar do referido
anteriormente, o itraconazol (composto 68 das Tabelas 1 e 2) demonstrou ser, de um modo geral, o
composto mais eficaz, demonstrando a melhor razão cura/infectado para doses mais baixas (Tabela
2). [8]
O anel triazol, embora não indispensável para a acção (podíamos ter um anel imidazol), mostrou-se
fundamental para o alargamento do espectro de acção e para o aumento da selectividade.
Entretanto já passaram mais 30 anos desde a descoberta do itraconazol e muitos estudos de relação
estrutura-actividade (SAR) foram desenvolvidos com vista à descoberta de novos fármacos. Os
principais aspectos que se pretendem ver melhorados são: maior eficácia, menor toxicidade, menor
resistência, melhor farmacocinética e menor ocorrência de interacções com outros fármacos. Para se
atingir todos estes objectivos, equaciona-se o desenvolvimento de novos antifúngicos com
mecanismos de acção diferentes do referido acima [9]
Os estudos mais recentes foram então direccionados para novos alvos, nomeadamente para a N-
myristoyltransferase (Nmt), uma enzima citoplasmática envolvida em processos de transdução de
sinal e apoptose, que se demonstrou ser essencial para a viabilidade de alguns dos mais importantes
agentes patogénicos.
Perfil Farmacocinético
O fármaco deve ser administrado às refeições.[11]
Os antiácidos, antagonistas H2, inibidores da bomba de protões e sucralfato bem como a didanosina
reduzem a absorção de itraconazol em cerca de 50%. A toma do fármaco com bebidas ácidas
recupera os valores normais de absorção.[12, 13] Itraconazol potencia o efeito anticoagulante da
varfarina e de outros cumarínicos bem como os efeitos de muitos outros fármacos que são
metabolizados pelo CYP3A4, com potencial desenvolvimento de toxicidade. São, neste contexto,
clinicamente relevantes as interacções com: alprazolam, midazolam e triazolam; digoxina;
sulfonilureias (com risco importante de ocorrência de hipoglicemia); estatinas, nomeadamente a
lovastatina e sinvastatina; felodipina; ciclosporina e tacrolímus. O itraconazol, também por inibição do
seu metabolismo, aumenta significativamente as concentrações plasmáticas da terfenadina e do
astemizol, com risco de prolongar o intervalo QT e de causar arritmias graves. A co-administração do
itraconazol com os inibidores da protease, indinavir ou ritonavir, afecta as concentrações plasmáticas
de ambos os fármacos.
A carbamazepina, fenitoína e fenobarbital, e a rifampicina e isoniazida induzem o metabolismo do
itraconazol podendo comprometer a sua eficácia terapêutica. [14]
Usos Terapêuticos
O itraconazol pode ser administrado por via oral ou parentérica, e está indicado para o tratamento de
Candidíase vulvovaginal, Candidíase oral, Dermatomicoses (ex.: tinha corporal, tinha nas pernas,
tinha nos pés, tinha nas mãos), Onicomicoses (micoses das unhas), Pitiríase versicolor, Esporotricose
linfocutânea, paracoccidioidomicose, blastomicose (em doentes com imunidade) e Histoplasmose.
O Itraconazol pode ser usado em doentes que sofram de aspergilose invasiva, refractários ou
intolerantes à Anfotericina B.[5]
Estudos recentes efectuados em modelos animais com cancro induzido demonstraram a eficácia
terapêutica dos antifúngicos azólicos no tratamento de diversos cancros. [15]
Métodos de Controlo (Farmacopeia Portuguesa VII) [16]
Definição:
[4-[4-[4-[4-[[cis-2-(2,4-diclorofenil)-2-(1H-1,2,4-triazol-1-ilmetil)-1,3-dioxolan-4-il]-metoxi]fenil]-1-
piperazinil]-fenil]-2-[(1RS)-1-metilpropil]-2,4-di-hidro-3H-1,2,4-triazol-3-ona.
Teor: 98,5 por cento a 101,5 por cento (substância seca).
Identificação:
Primeira série: B
Segunda Série: A, C e D.
A. Ponto de fusão: 166ºC a 170ºC
B. Espectrofotometria de absorção no infravermelho
Preparação: discos.
Comparação: itraconazol SQR.
C. Cromatografia em camada fina
Solução problema. Dissolva 30mg da amostra numa mistura de volumes iguais de cloreto de
metileno R e metanol R e complete 5 ml com a mesma mistura de solventes.
Solução padrão (a). Dissolva 30mg de itraconazol SQR mistura de volumes iguais de cloreto
de metileno R e metanol R e complete 5 ml com a mesma mistura de solventes.
Solução padrão (b). Dissolva 30mg de itraconazol SQR e 30mg de cetoconazol SQR mistura
de volumes iguais de cloreto de metileno R e metanol R e complete 5 ml com a mesma
mistura de solventes.
Fase estacionária: gel de sílica octadecilsililada apropriada.
Fase móvel: solução de acetato de amónio R, dioxano R, metanol R (20:40:40 V/V/V).
Aplicação: 5 µl
Desenvolvimento: percurso de 10 cm, numa câmara não saturada.
Secagem: corrente de ar quente durante 15 min..
Detecção: vapores de iodo. Examine à luz do dia.
Conformidade do sistema: o ensaio só é válido se o cromatograma obtido com a solução
padrão (b) apresentar 2 manchas nitidamente separadas.
Resultado: a mancha principal do cromotograma obtido com solução problema é semelhante,
quanto à posição, coloração e dimensões, à mancha principal do cromotograma obtido com a
solução padrão (a).
D. Num cadinho de porcelana introduza cerca de 30 mg da amostra e junte 0,3 g de carbonato
de sódio anidro R. Aqueça a fogo directo durante 10 min. Deixe arrefecer. Tome o resíduo
com 5 ml de ácido nítrico diluído R e filtre. A 1 ml do filtrado junte 1 ml de água R. A solução
dá a reacção (a) dos cloretos.
Ensaio
Solução S. Dissolva 2,0 g da amostra em cloreto de metileno R e complete 20,0 ml com o mesmo
solvente.
Aspecto da solução. A solução S é límpida e não é mais corada que a solução de referência Ac6.
Substâncias Aparentadas. Cromatografia Líquida.
Solução problema. Dissolva 0,100 g da amostra numa mistura de volumes iguais de metanol R e
tetra-hidrofurano R e complete 10,0 ml com a mesma mistura de solventes.
Solução padrão (a). Dissolva 5,0 mg de itraconazol SQR e5,0 mg de miconazol SQR numa mistura de
volumes iguais de metanol R e tetra-hidrofurano R e complete 100,0 ml com a mesma mistura de
solventes.
Solução Padrão (b). Tome 1,0 ml da solução problema e complete 100,0ml com uma mistura de
volumes iguais de metanol R e tetra-hidrofurano R. Tome 5,0 ml da solução e complete 10,0 ml com a
mesma mistura de solventes.
Branco: Mistura de volumes iguais de metanol R e tetra-hidrofurano R.
Coluna:
Dimensões: l= 0,1 m; Ø=4,0 mm,
Fase estacionária: gel de sílica octadecilsililada para cromatografia, desactivada por tratamento
básico R (3µm).
Fase móvel: gradiente seguinte:(Tabela 3)
Fase móvel A. Solução de hidrogenossulfato de tetrabutilamónio R a 27,2 g/l,
Fase móvel B. Acetonitrilo R.
Débito: 1,5 ml/min.
Detecção: espectrofotómetro em 225nm.
Injecção: 10µl.
Sensibilidade: solução padrão (b).
Conformidade do sistema:
- resolução: no mínimo, 2,0 entre os picos correspondentes ao miconazol e ao itraconazol.
- tempos de retenção: miconazol = 10,5 min, itraconazol = 11 min, no cromatograma obtido com a
solução padrão (a).
Limites:
- qualquer impureza: no máximo, a área do pico principal do cromatograma obtido com a solução
padrão (b) (0,5 por cento),
- total: no máximo, 2,5 vezes a área do pico principal do cromatograma obtido com a solução padrão
(b) (1,25 por cento).
- limite de exclusão: 0,1 vezes a área do pico principal do cromatograma obtido com a solução padrão
(b). Não considere o pico devido ao «branco».
Perda por secagem: no máximo, 0,5 por cento, determinada em 1,000 g da amostra na estufa a 100-
105ºC, durante 4 h.
Cinzas Sulfúricas: no máximo, 0,1 por cento, em 1,00 g amostra.
Doseamento
Titulação potenciométrica.
Dissolva 0,300 g da amostra em 70 ml de uma mistura de 1 volume de ácido acético glacial R e 7
volumes de metiletilcetona R. Titule com ácido perclórico 0,1 M. Determine o ponto de equivalência
no segundo ponto de inflexão.
1ml de ácido perclórico 0,1 M corresponde a 35,3 mg de C35H38Cl2N8O4.
Conservação
Ao abrigo da luz.
Impurezas
(Figura 4)
Referências Bibliográficas
[1] Merck Index, 14th edition, USA
[2] http://www.patents.com/us-4267179.html
[3] Soares, M. A., “Medicamentos Não Prescritos: Aconselhamento Farmacêutico”, 2ª edição,
ANF
[4] Jain, S., Sehgal, V.N., “Itraconazol: un antifúngico oral eficaz frente a la onicomicosis”
International Journal of Dermatology 2001; 40: 1-5
[5] http://www.wolframalpha.com/input/?i=itraconazole
[6] http://www.infarmed.pt/infomed/download_ficheiro.php?med_id=40478&tipo_doc=fi
[7] Bell, A. S., in: Johnson, D. S., Li, J. J., (Eds) “The Art of Drug Synthesis”, John Wiley & Son,
New Jersey, 2007 (Cap. 5 – Triazole Antifungals)
[8] Heeres, J., Backx, J. J., Van Cutsem, J., “Antimycotic Azoles. 7. Synthesis and Antifungal
Properties of a Series of Novel Triazol-3-ones.” Journal of Medicinal Chemistry, 1984, vol. 27,
894-900.
[9] Sheng, C., Zhu, J. et al., “3D-QSAR and molecular docking studies on benzothiazole
derivatives as Candida albicans N-myristoyltransferase inhibitors.” European Journal of Medicinal
Chemistry, 2007, 42(4): 477-486.
[10] Karel, D. B. “Itraconazole: pharmacology, clinical experience and future development.”
International Journal of Antimicrobial Agents, 1996, 6(3): 175-181.
[11] Heykants, J. et al. “The clinical pharmacokinetics of itraconazole: an overview” Mycoses,
1989; 32(1):67-88.
[12] Hardin J. et al. “The effect of a Cola beverage on the bioavailability of itraconazole in the
presence of H2 blockers”, Interscience Conference on Antimicrobial Agents and Chemotherapy,
1994, P39, 34th
[13] http://www.infarmed.pt/prontuario/navegavalores.php?id=89&edcipt=1&flag=1
[14] Infarmed, “Prontuário Terapêutico 9”, Março de 2010, Ministério da Saúde
[15] Korashy, H. M., Brocks, D. R., et al. “Induction of the NAD(P)H:quinone oxidoreductase 1 by
ketoconazole and itraconazole: A mechanism of cancer chemoprotection.” Cancer Letters 2007
258(1): 135-143.
[16] Farmacopeia Portuguesa VII, Infarmed e Ministério da Saúde
Anexos
Figura 1 – Estrutura química do itraconazol
Figura 2 – Esquema das reacções envolvidas na síntese do itraconazol (representado por um 1 na figura).
Figura 3 – Esquema do mecanismo de acção do itraconazol na inibição da síntese de ergosterol, na célula
fúngica. Dada a selectividade do fármaco, a síntese de colesterol, nos mamíferos, quase não é afectada.
Figura 4 – Estrutura das principais impurezas do itraconazol, descritas na Farmacopeia Portuguesa VII.
Tabela 1 – Vários análogos do itraconazol usados num estudo de relação estrutura actividade. O composto 68 corresponde ao itraconazol.
Tabela 2 – Resultados in vitro para diferentes espécies de fungos e resultados in vivo relacionando-se com a dose mínima necessária.
Tabela 3 – Esquema da mistura de eluentes usada no ensaio de substâncias aparentadas. São apresentados os intervalos e as proporções de cada uma das fases móveis.