Museus e democratização do consumo cultural:
O papel do design na loja do museu
Catarina Ferreira Carreto
Rui Carreto
Catarina Ferreira Carreto, Rui Carreto
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Museus e democratização do consumo cultural: O papel do design na loja do museu
Catarina Ferreira Carreto
Faculdade de Arquitectura – Universidade de Lisboa; designer de interiores e equipamento.
Concluiu em 2011 o curso de Estudos Avançados em Design na Faculdade de Arquitectura da
Universidade Técnica de Lisboa, onde se encontra também a desenvolver o doutoramento na área
do Design e da Museologia, com o tema da dissertação “Design para a democratização do
consumo cultural: Loja do Museu”. Tem apresentado comunicações e publicado artigos científicos
na sua área de investigação. [email protected]
Rui Carreto
Faculdade de Arquitectura e Artes - Universidade Lusíada de V.N. Famalicão; designer de
interiores. É doutorado em Design pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de
Lisboa com a tese “Design para a mobilidade expositiva: O museu móvel como museu reutilizável”.
Tem apresentado comunicações e publicado artigos científicos na sua área de investigação. Foi
docente no curso de Design de Interiores e Equipamento na Esart-IPCB e actualmente lecciona na
Universidade Lusíada e no Instituto Superior Miguel Torga. [email protected]
Resumo
Com o desenvolvimento da vida urbana e da sociedade contemporânea a cultura do
conhecimento e do lazer ganhou preponderância. A loja do museu tem hoje o seu lugar de
destaque no acesso a recursos e bens culturais. Como lugar de extensão cultural do próprio
museu é um espaço de conhecimento e cidadania que promove o direito à fruição e
consumo de bens culturais. Esse consumo, através da fruição e da aquisição permite
prolongar a continuidade da visita do museu e reforçar a relação dos públicos com a
instituição. Com este enquadramento, a loja do museu desempenha um papel cada vez
mais importante, no qual o design tem um contributo próprio a desempenhar , tanto no que
diz respeito à inserção da loja no percurso museológico como no que se refere aos
conteúdos nela disponibilizados. Este estudo tem como finalidade compreender e
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referenciar o papel do design na loja do museu, fundamentando conceitos de forma a
contribuir para a democratização do consumo de bens culturais.
Palavras-chave: Museus, loja do museu, democratização, consumo cultural, design
Abstract
With the development of urban life and contemporary society’s culture and leisure
knowledge gained dominance. The museum shop today has its place in the access to cultural
resources and assets. As a place of cultural extension of the museum, it is a place of knowledge
and citizenship that promotes the right to the enjoyment and consumption of cultural goods. This
consumption, through enjoyment and acquisition, allows the continuity of the museum visit and
strengthen the relationship with the public institution. With this framework, the museum shop plays
an increasingly important role, in which the design have their own contribution to play both with
regard to the insertion shop in the museum route as in regard to the content available on it. This
study aims to understand and reference the role of design in the museum shop, basing concepts to
contribute to the democratization of consumption of cultural goods.
Keywords: Museums, museum shop, democratization, cultural consumption, design.
Com o desenvolvimento da vida urbana e da sociedade contemporânea a cultura do
conhecimento e do lazer ganhou preponderância. Se na génese do museu apenas uma
pequena minoria tinha acesso ao coleccionismo, como uma actividade privilegiada
representativa de poder socioeconómico associado à riqueza, conhecimento e poder dos seus
proprietários, no século XVIII consolidou-se enquanto instituição pública, rompendo com as
anteriores práticas coleccionistas e transpondo conceitos da esfera privada para o paradigma
de museu público. Esta época de transição, entre o coleccionismo tradicional privado e os
museus institucionais abertos ao público, foi um marco importante e trouxe grandes mudanças
ao nível da democratização do consumo cultural, transformando-o em lugar de afluência
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maciça característico de uma sociedade contemporânea1. “(…) Con el propósito de convertir el
nuevo museo en una realidad dinámica, abierta y democrática, encargada de concienciar a la
población de que el museo ha de estar al servicio de la sociedad y ha de contribuir a su
desarrollo integral”2 (3).
A dimensão social que os museus adquiriram teve reflexo no número e variedade de
tipologias, pois foram utilizadas estratégias de difusão e de transmissão de conhecimentos
científicos e culturais, que associavam cultura e lazer. No século XX, a implementação de vários
museus por todo o mundo, como reflexo da dinâmica cultural de uma sociedade em constante
evolução, surge com a responsabilidade de conservar e educar, contribuindo para a evolução da
própria sociedade. Como instituição, o museu sempre acompanhou as necessidades evolutivas de
uma sociedade em constante mudança, assim como a evolução da arte, criando uma relação
directa entre ambas. A própria evolução do conceito de arte, a partir das vanguardas modernistas,
veio romper com as formas expositivas e funções tradicionais, muito centralizadas nas colecções45.
A abertura da museologia para uma nova museologia veio permitir uma ampliação do
conceito de museu e a aplicação de “novas museografias”, originando novas formas e contextos
expositivos6. O museu passa a ter uma dupla responsabilidade, a de conservação do objecto como
um elemento do nosso património e a de qualificação da sociedade através da sua missão
educativa. Segundo Marc Maure, o novo museu consiste num:
“(…) sistema abierto e interactivo – escribe – supone la utilización de un nuevo
modelo de trabajo museístico. No se trata ya de un proceso donde las operaciones de
1 FERNÁNDEZ, Luís Alonso. Museología y Museografía. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2010.; León, Aurora. El museo:
Teoría, Praxis e Utopía. Madrid: Ediciones Cátedra, 1995.
2 T. L. “Com o propósito de converter o novo museu numa realidade dinâmica, aberta e democrática, encarregada de
consciencializar a população de que o museu está ao serviço da sociedade e deve contribuir para o seu
desenvolvimento”.
3 HERNÁNDEZ, Francisca. Planteamientos Teóricos de la Museología. Gijón: Ediciones Trea, 2006. p.167
4 CARRETO, Rui. Design para a mobilidade expositiva: O museu móvel como museu reutilizável. Tese de doutoramento,
Universidade Técnica de Lisboa, 2013.
5 CARRETO, Rui. Design para a mobilidade expositiva: O museu móvel como museu reutilizável. Tese de doutoramento,
Universidade Técnica de Lisboa, 2013.
6 CARRETO, Rui; CARRETO, Catarina; CALADO, Maria. Design Como Instrumento Museográfico / Design as a
Museographic tool. In Actas do Congresso Internacional de Pesquisa em Design, VI, Lisboa, 10-12 Outubro, 2011.
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recolección, preservación y difusión son efectuadas en el museo, constituyendo un
mundo en parte aislado de la sociedad” 7 (
8).
Fernández 9 completa esta posição, salientando que o funcionamento do novo museu é
baseado na participação activa da comunidade, através do diálogo com os profissionais envolvidos.
O museu passa a estar ao serviço da sociedade para educar e comunicar sem esquecer a
incumbência de preservar os objectos culturais. Do “(…) «templo de las musas»”, a convertirse en
un lugar de encuentro y un punto de referencia cultural propio de los «mass- media» (…)” 10 (11).
“O aumento progressivo do índice de escolarização, a democratização de acesso à
cultura e a noção de que o desenvolvimento pressupõe a articulação de várias
valências – económica, social e cultural – são factores que se reflectem na procura e
no crescimento dos museus” 12
.
Segundo Gant13, os museus converteram-se em elementos dinamizadores da sociedade,
localizados, muitas vezes, em territórios marginais, funcionando como regeneradores para
qualificar e atrair visitantes. Passaram por transformações conceptuais e ganharam lugar de
destaque e de afluência, “(…) destinado ao consumo visual e hedonista do grande público” 14.
Também a arquitectura iconográfica dos seus edifícios, se tornou uma estratégia adoptada pelos
museus. Agora os conteúdos expositivos não são apenas a colecção que possui no interior, mas
também o edifício se torna parte integrante da colecção, sendo vital para alguns museus, tal como
7 T. L. “(…) um sistema aberto e interactivo – escreve – envolve a utilização de um novo modelo de trabalho museístico.
Já não é um processo onde as operações de recolha, preservação e divulgação são realizadas no museu, em parte, para
ser um mundo isolado da sociedade”.
8 MAURE apud FERNÁNDEZ, Luís Alonso. Introducción a la nueva museología. Madrid: Alianza Editorial, 2002. p.107
9 FERNÁNDEZ, op.cit., 2002.
10 T.L. “ (…) «templo das musas» a converter-se num lugar de encontro e um ponto de referência cultural próprio dos
“mass-media” (…)”.
11 HERNÁNDEZ, Francisca. Manual de Museología. Madrid: Editorial Síntesis, 2008. p.81
12 SILVA, Isabel. Apresentação. In A cultura em acção: Impactos sociais e território, orgs. Álvaro Domingues et al., Porto:
Edições Afrontamento, 2003. p.9
13 GANT, Maria Luísa B. Arte, Museos y Nuevas Tecnologías. Gijón: Ediciones Trea, 2001.
14 LIPOVETSKY, Gilles; Serroy, Jean. A Cultura-Mundo: Resposta a uma sociedade desorientada. Lisboa: Edições 70,
2003. p.111
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6
é o caso do Guggenheim de Bilbao desenhado por Frank Gehry ou Museu de Arte Contemporânea
de Niterói de Oscar Niemeyer, entre muitos outros.
“(…) um pouco por todo o lado, a construção dos novos museus dá resposta às
exigências de as cidades gerirem a sua imagem, de se dotarem de edifícios
“publicitários” para construírem a sua imagem de marca e atraírem os turistas com
lugares emblemáticos imediatamente reconhecíveis” 15
.
As funções dos museus ultrapassam os limites arquitectónicos e os limites das colecções,
tornaram-se não só um espaço de cultura e de conhecimento, mas também de lazer, com oferta de
livrarias, bibliotecas, restaurantes e lojas especializadas. Estes equipamentos actuam, ainda, como
espaços de convívio, de descanso e de relação entre os visitantes com a própria instituição. “No
seu interior, o museu transformou-se em lugar destinado à afluência maciça de um público activo,
aos estímulos, à interacção e também ao consumo no seu sentido mais amplo (cafetarias,
restaurantes, lojas, livrarias, etc.)” 16.
“La implementación de estos servicios debemos vincularla con la planificación
empresarial, que se ha aplicado también a los museos orientada a conseguir la eficaz
gestión de los fundos y de las relaciones con el público para rentabilizar la institución
(…), se pretenden crear espacios no expositivos en los que el visitante pueda asimilar
al museo la lectura y el ocio”17
(18
).
Segundo Gant19, a subsistência das colecções apoia-se cada vez mais nas estratégias
comerciais e culturais, pois uma boa programação e plano museográfico requerem um alto
financiamento. “Al fin y al cabo, el arte contemporáneo auspiciaba la unión entre arte e vida, y el
consumo forma parte de hoy de este binomio. Por ello, vivir el museo se ha convertido en buena
15
LIPOVETSKY, Gilles; Serroy, Jean, op.cit., 2003, p.112.
16 MONTANER, Josep María. Museos para el siglo XXI. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2003. p.148
17 T. L. "Devemos vincular a implementação destes serviços com a planificação empresarial, que também foi aplicado aos
museus voltados para alcançar a gestão eficaz dos fundos e das relações com o público para rentabilizar a instituição (...)
pretendem-se criar espaços não expositivos onde o visitante pode aproveitar a leitura e o lazer no museu”.
18 GANT, op.cit., 2001, p.203-204.
19 GANT, op.cit., 2001.
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medida en una opción económica”20 (21). Deste modo, têm-se verificado novas estratégias na
tentativa de levar a arte mais próximo das comunidades. Não só o museu criou espaços de lazer e
de consumo como forma de atrair visitantes, como também inverteu a sua estratégia, levando a
arte e o conhecimento a locais de consumo e de ócio, conseguindo assim alcançar um diferente
núcleo de visitantes, não habituados a visitar museus ou exposições, ou ainda incentivar a visita à
própria instituição.
Em resposta a esta cultura de consumo, os museus modernizaram-se, desenvolveram e
divulgaram-se através da publicidade das suas colecções e actividades educativas, ampliando,
deste modo, os públicos e os motivos de visita22. Neste sentido, face à democratização do
consumo cultural, a loja do museu tem hoje o seu lugar de destaque no acesso a recursos e bens
culturais. Como lugar de extensão cultural do próprio museu é um espaço de conhecimento e de
cidadania que promove o direito à fruição e consumo de bens culturais. Esse consumo, através da
fruição e da aquisição permite prolongar a continuidade da visita do museu e reforçar a relação dos
públicos com a instituição. Entendemos a democratização da cultura, tal como Lopes (2007) a
entende, fundamentada na “Conceptualização descendente da transmissão cultural, próxima dos
dispositivos da difusão (…) levando o espírito dos grandes templos culturais às mais anódinas e
descentralizadas casas da cultura” e ainda na “Conceptualização paternalista da política cultural,
assente (…) na ideia de que urge «elevar o nível cultural das massas» (…)” 23.
Quando se fala em democratização da cultura, também não podemos deixar de evidenciar a
importância da reprodutibilidade técnica, que Walter Benjamin (1892-1940) refere no seu ensaio, A
Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica. Benjamin salienta o comércio massificado
de conteúdos culturais a partir de réplicas, deixando salvaguardado o valor áureo ao original que
por si só não gera valor económico, mas que, no entanto, poderá gerar indirectamente24. Neste
sentido, a aura será sempre propriedade da obra única, mas, no caso da reprodutibilidade, esfuma-
se na proporção da independência do objecto no seu enquadramento tradicional, ganhando
20
T. L. "Ao fim e ao cabo, a arte contemporânea auspiciava a união entre arte e vida, e hoje o consumo é parte deste
binómio. Então viver o museu tornou-se em grande parte uma opção económica”.
21 GANT, op.cit., 2001, p.205
22 SILVA, Raquel Henriques da. Museus em acção: os Desafios necessários. In A cultura em acção: Impactos sociais e
território, orgs. Álvaro Domingues et al., Porto: Edições Afrontamento, 2003.
23 LOPES, João Teixeira. Da democratização à democracia cultural: uma reflexão sobre políticas culturais e espaço
público. Porto: Profedições, 2007. p.80
24 BENJAMIN, Walter. Sobre a Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa: Relógio D’Água, 1992.
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capacidades de se multiplicar e de se aproximar a novos interlocutores no processo de
percepção/aprendizagem. Nesta fase industrial, a cultura de massas ganha expressão e assume
um carácter preponderante na aceitação de uma reprodução técnica exímia, de modo a criar um
objecto/imagem mais próximo do original, retirando assim o “invólucro” à sua aura.
Neste contexto de consumo cultural híper-estimulado e de grande afluência do público,
museus e centros culturais trabalham para transformar as suas lojas num produto específico.
Oferecem linhas próprias de produtos relacionados com a colecção do museu, reproduções,
produtos novos, exclusivos, artesanato, peças de arte, design, utilitários e acessórios produzidos
por organizações comunitárias.
No que reporta ao consumo cultural, é de referir “O que caracteriza a sociedade de
consumo é a universalidade da fait-divers na comunicação de massa. Toda a informação política,
histórica e cultural é acolhida sob a mesma forma, simultaneamente anódina e miraculosa, do fait-
divers” 25. Para o sociólogo Featherstone,
“Usar a expressão «cultura de consumo» significa enfatizar que o mundo das
mercadorias e seus princípios de estruturação são centrais para a compreensão da
sociedade contemporânea. Isso envolve um foco duplo: em primeiro lugar, na
dimensão cultural da economia, a simbolização e o uso de bens materiais como
«comunicadores», ano apenas como utilidades, em segundo lugar, na economia dos
bens culturais, os princípios de mercado (…) que operam dentro da esfera dos estilos
de vida, bens culturais e mercadorias” 26
(Featherstone 1995, 121).
No entanto, para Slater “(…) a cultura de consumo (…) está ligada a valores, práticas,
e instituições fundamentais que definem a modernidade ocidental, como opção, o
individualismo e as relações de mercado” 27. Neste contexto, o sociólogo Bauman refere que
“(…) a sociedade pós-moderna envolve os seus membros primariamente em sua condição de
consumidores, e não de produtores (…)” 28. Enquanto a produção de cultura segue normas
25
BENJAMIN, op.cit., 1992, p.25
26FEATHERSTONE, Mike. Cultura do consumo e Pós-Modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995. p.121
27 SLATER, Don. Consumer Culture and Modernity. Cambridge: Polity Press, 1997. p.17
28 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Liquida. São Paulo: Jorge Zahar, 2001. p.90
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9
estritas, a vida organizada em torno do consumo “(…) é orientada pela sedução, por desejos
sempre crescentes e queres voláteis (…)” 29.
Dentro desta abordagem, chamamos a atenção para o carácter do consumo “(…) como
um processo autodirigido e criativo, em que os ideais culturais estão necessariamente
implicados” 30. Campbell considera que se o consumismo moderno se caracteriza pela
importância que o desejo e a emoção têm na constituição das subjectividades e pelo seu
carácter individualista, isso ocorreu devido a uma mudança na concepção das fontes de
prazer, onde o hedonismo tradicional cedeu espaço ao hedonismo moderno, com o papel
decisivo que o romantismo desempenhou neste processo.
Consumir é uma actividade que se constitui parte da nossa vida quotidiana e os
lugares onde decidimos fazê-lo reflectem o nosso estilo de vida, a nossa cultura e os nossos
interesses. Deste modo, estabelecemos uma relação com aquilo que nos identifica e o
ambiente ou contextualização dos espaços de consumo cultural. Cada vez mais, a ida à loja
do museu faz parte integrante do percurso cultural. A situação actual apresenta-nos um
cenário ecléctico e segmentado. As lojas de museus têm vindo a introduzir inovações nos
projectos com novas tecnologias de comunicação que revalorizam o significado dos materiais
e dos conteúdos disponibilizados, criando espaços de cultura e lazer, mas, acima de tudo, de
aprendizagem e interacção.
A loja do museu tem vindo a ganhar importância e dimensão social, onde o museu se
prolonga, através de criações directa ou indirectamente relacionadas com colecções e actividades.
Indispensável na organização das instituições museológicas, depende, em muitos aspectos, da
intervenção disciplinar do design, desde a sua organização espacial interna e ao modo de
apresentação expositiva, passando pela criação de objectos culturais de design e pelas estratégias
de gestão do design. A tendência para fazer intervir o design é cada vez mais frequente, em que a
loja do museu se transforma e especializa, recorrendo às práticas do design para agregar valor aos
seus produtos e espaço, auxiliando-se, também, nas lógicas das museografias contemporâneas.
Neste campo de trabalho, o design intervém por meio de diferentes práticas no processo de
concepção do espaço e do produto, nos quais salientam os domínios do design de interiores,
design de equipamento, design de comunicação, design de produto e gestão do design. Sendo
que, cada área intervém com as suas especificidades em resposta a um conceito comum de loja.
29
BAUMAN, op.cit., 2001, p.90
30 CAMPBELL, Colin. A ética romântica e o espírito do capitalismo moderno. São Paulo: Rocco, 2001.p.285
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10
O design destes espaços comerciais encontra-se em contínua evolução, seguindo as
tendências e as aspirações dos consumidores. Para Mesher31, estes espaços estão na vanguarda
do design de interiores contemporâneo e estão em constante actualização e transformação, de
forma a atrair os consumidores.
“Diseñar interiores comerciales es un proceso complejo, que comienza con el análisis
de una marca y de su identidad. El objetivo del interiorista es atraer, entusiasmar y
seducir al consumidor mediante la creación de una experiencia con la que se pueda
identificar”32
(33
).
Para apresentação e exposição de conteúdos culturais, os designers têm de satisfazer as
necessidades intelectuais e físicas dos seus clientes/visitantes. Estas directrizes conceptuais, são
traduzidas e aplicadas pelas técnicas projectuais do design de interiores e, consequentemente, do
merchandising e do visual merchandising. Os designers devem trabalhar de forma coordenada de
modo a criar uma envolvência estimulante, que incentive ao consumo cultural, nomeadamente à
fruição de conteúdos e à compra, recorrendo a princípios do design.
Em suma, a abertura a novos públicos, a diversificação de diferentes tipos de museus,
assim como a evolução do paradigma museológico e museográfico permitiu que o design
interviesse nos diferentes campos. O museu ganha lugar de destaque, de identidade e de afluência
na sociedade contemporânea. A arquitectura e o design dos museus dinamizam os locais onde se
encontram localizados, transformando-se em pontos de referência para várias cidades do mundo
com importante impacto económico. O design tem um papel preponderante e fundamental na
democratização do consumo cultural na loja do museu. O carácter multidisciplinar e holístico que
possui, permite ao design actuar nas várias especificidades inerentes à concepção e
funcionamento de uma loja de museu. Deve contribuir para criação de um espaço cultural inclusivo
ao acesso de todos, disponibilizando o contacto directo a objectos e conteúdos culturais a um
público vasto. O design tem de contribuir para a criação de uma nova sociedade cultural através
das suas práticas, estabelecendo diferentes valores e hábitos de consumo culturais. Fidelizar
clientes e motivar posteriores visitas, de forma a agregar receitas na loja para usufruto do museu
nas suas actividades museológicas, museográficas, educativas, entre outras. Desta forma, o
31
MESHER, Lynne. Diseño de espacios comerciales. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2011.
32 T. L. “ Desenhar interiores comerciais é um processo complexo, que começa com a análise de uma marca e sua
identidade. O objectivo de designer de interiores é atrair, entusiasmar e seduzir o consumidor mediante a criação de uma
experiência com a qual ele se possa identificar”.
33 MESHER, op.cit., 2011, p.7.
Museus e democratização do consumo cultural: O papel do design na loja do museu
11
design pode contribuir para a democratização do consumo cultural através da loja do museu, que
pode ser um local de memória, de sensações e de contacto com a cultura.
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