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Instituto Diocesano de Estudos Pastorais (IDEP) ESPIRITUALIDADE SÉC. XV - XVI Pe. José Carlos A.A. Martins

Sebenta espiritualidade parte iii

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ESPIRITUALIDADE SÉC. XV - XVI

Pe. José Carlos A.A. Martins

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ESCRITORES DA DEVOTIO, “DE IMATATIONE CHRISTI

Os devotos amavam os livros e juntamente com as simples cópias

emergiam aqueles que escreviam livros próprios:

Gerardo Zerbolt (1367-1398), Irmão e Johan Mombaer, último dos

mestres flamengos da Devotio, caracterizam-se por uma excessiva

metodização formalista da vida espiritual, como mostra o “Rosetum exercitorum

spiritualium et sacrarum meditationum (1494) de Mauburnus, que se apresenta

como uma enorme enciclopédia; isto recorda-nos as meditações afectivas e

experiências místicas de que falava Groote.

Assim, a característica mais importante da Devotio consiste no colocar

um método à vida espiritual, em particular à oração mental, à meditação e ao

exame de consciência. Isto praticava-se também antes, mas não de um modo

assim tão claro e central. Mas por outro lado o interesse excessivo pelo

método, trazia uma complicação progressiva de regras, sobejando a

espontaneidade afectiva na relação com Deus.

Certamente o autor de maior influência da Devotio é Tomás Kempes,

pois foi considerado o autor mais provável do livro “De imitatione Christi”. Ele

foi Cónego regular da Congregação de Windesheim; além da sua actividade de

copista, escreveu cerca de quarenta escritos espirituais. Kempes encontrou a

sua inspiração na meditação do Evangelho e com coragem enfrentou uma

nova visão Cristocêntrica da fé no meio de um ambiente metafísico-platónico.

Só partindo de Cristo se pode verificar, segundo Kempes, com a ajuda da

graça, uma verdadeira experiência divina.

O protagonista da “Imitação de Cristo” é uma pessoa que, desiludida

com a vida mundana, se põe no caminho do seguimento de Cristo. O cristão

deve partir do conhecimento de si mesmo, reconhecendo a sua fraqueza, e

para fazer isto volta-se para Jesus.

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O cristão não se deve envolver com as coisas temporais esquecendo as

eternas, mas como Jesus, deve estar disposto a libertar-se destas( sejam as

honras, o saber, ou as coisas materiais) em particular de tudo o que impede de

seguir Jesus. No livro 2º, apresenta de modo mais imediato a iniciação à “vida

interior”: deve descobrir o Reino de Deus que está em nós, colocando-se em

íntimo contacto com Cristo, para que Ele substituía o nosso “eu” pelo seu. No

3º livro, que é o mais longo, a contemplação centra-se sobre a amizade com

Cristo, sobre o seu amor e a sua consolação, em particular diante da dor e da

desolação; o estilo é dialogal. O 4º livro é como que o vértice dos três

precedentes. A mesma ideia guia do terceiro livro são transportadas e

aplicadas a Jesus-eucaristia. União espiritual ou mística com Cristo e união

sacramental, longe de se excluírem, completam-se.

Assim, espiritualidade como apelo à imitação de Cristo, não significa

tomar um modelo imposto, estranho ao homem. Não é uma reprodução

(fotocópia), não substitui o esforço criativo pessoal pedido a cada um. Em

Cristo o homem descobre a verdadeira imagem de Deus à qual foi criado. Por

consequência, imitação de Cristo, quer dizer auto-realização plena do ser

humano: isto aprece particularmente nos santos.

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A DEVOTIO NAS OUTRAS ESPIRITUALIDADES

Contemporaneamente à difusão da Devotio também as ordens religiosas

directamente ou indirectamente, sentem a necessidade de renovar a sua vida

religiosa. Na Ordem Dominicana encontramos um retorno à observância: aqui a

perspectiva da espiritualidade dominicana afasta-se da influência da mística

eckhartiana de impressão neoplatónica, favorecendo uma religiosidade

“devota”, de acordo com a humanidade de Cristo.

Na Ordem da Cartuxa, este repensar a espiritualidade deve-se

particularmente a um cartuxo que antes era dominicano, Ludolfo de Saxónia

(+1378), com a sua monumental obra “Vita Christi”, iniciada quando ainda era

dominicano; imprime-se depois da sua morte em 1472; esta não foi pensada

somente para os monges, mas para todos aqueles que queriam aprofundar a

sua vida espiritual. Ludolfo tem a formação teológica de um dominicano, à qual

junta a espiritualidade contemplativa dos Cartuxos.

Os Cartuxos, foram fundados por S. Bruno, que nasceu em Colónia

(1036) e morreu no sul de Itália (Calábia), têm um papel importante no séc. XV

e XVI, porque aparecem como Ordem na qual a vida religiosa se pode

reencontrar na sua plena autenticidade.

Os cartuxos, seguindo a espiritualidade dos monges do deserto (Egipto,

Síria, Palestina) vivem nos ermos remotos: a solidão-deserto, e o silêncio para

viver plenamente na presença de Deus são um princípio fundamental da sua

forma de vida. A vida monástica é para eles uma oração ininterrupta;

contemplar, amar e empenhar-se na imitação de Cristo, a vida do Verbo unido

ao Pai, vida silenciosa do Filho. Contemplar Jesus na verdade do mistério

trinitário, o Cristo silencioso no divino mistério do Pai no amor do Espírito. Mas

também contemplando-a desde quando estava no seio de sua Mãe, na vida

escondida, na sua pregação, paixão, morte e ressurreição e ascensão.

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Em Itália e Espanha a Devotio foi introduzida através da influência de

Barbo (1382-1443), reformador do mosteiro de Justina de Pádua e depois

bispo de Treviso.

Henrique Herp (+1478), de origem holandesa, adere à Devotio Moderna;

vem de Roma, torna-se franciscano e volta à pátria, onde foi guardião do

convento de Malinnes. Nas sua obras, encontra-se uma união de Devotio e

espiritualidade franciscana. Assim, ele revela-se discípulo de S. Boaventura e

ao mesmo tempo deixa entrever uma influência de alguns outros autores como

Ruusbroeck. Do qual tomou a distinção de vida activa (purgativa e apostólica),

vida contemplativa espiritual (via iluminativa), vida contemplativa (via unitiva).

Os seus escritos espirituais foram recolhidos sob o título: “Theologia

mística”, e tiveram uma forte influência nos Países Baixos, na Alemanha, em

França, Itália e Espanha.

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ESPIRITUALIDADE FEMENINA

A espiritualidade feminina não a encontramos somente nos conventos,

mas também na vida civil, onde se encontram mulheres que trabalham, indo

para além dos próprios países, como Sta. Brígida da Suécia, esposa, mãe,

viúva religiosa e escritora; ou como a já mencionada Sta Catarina de Sena. A

história da espiritualidade mostra, na mulher, um tipo de experiência pessoal da

fé, da qual Sta Teresa de Ávila representa, como veremos, uma das mais

importantes.

RITA DE CÁSSIA(1370-1447)

Nasce em Roccaporena (Umbria); segundo a vontade dos pais casa-se

com um jovem da sua terra, conhecido pelo seu carácter colérico, mas que

depois é assassinado. Os seus dois filhos, que se assemelhavam no carácter

ao pai, procuravam ser vedetas. Rita no entanto rezava dizendo:” Senhor,

melhor estes filhos mortos, que manchados por um crime grave”. Os dois

rapazes foram mortos durante uma luta. Afrontada pela dor, Rita amadureceu a

sua vocação à vida religiosa; torna-se monja agostiniana no convento de

Cássia. A sua intensa devoção a Cristo crucificado valeu-lhe um estigma na

testa, que lhe fez uma chaga para sempre, muito dolorosa. Popularmente foi

invocada muito depressa como “santa dos impossíveis”, porque tinha a

capacidade de superar situações humanamente muito complicadas.

JOANA D’ARC (1447-1431)

A sua vocação é qualquer coisa de surpreendente. Ela ouve “vozes” (S.

Miguel, Sta Catarina e Santa Margarida) que lhe disseram para se dirigir ao rei

de França; vestida com um hábito masculino cavalga até Orleans, que livra em

29 de Abril de 1429 do assédio dos Ingleses. Joana é ferida e presa. Depois de

torturas e ameaças é condenada. Antes de morrer repete muitas vezes o

grito:”Jesus”. A sua missão e o seu martírio mostram a autenticidade do seu

dom incondicional a Deus e ao seu povo, que sucessivamente a declarou

padroeira de França. Por isso é a fé que a move e não a política.

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Teve que resolver o dilema entre a sua escolha pessoal e a autoridade

eclesiástica. Preferiu esta.

CATARINA DE GÉNOVA (1447-1510)

Recebeu uma educação humanista e uma boa formação cristã. Aos

dezasseis anos, por conveniências familiares, casa com um homem violento e

dissipador, que depois de um período de matrimónio, decide conceder a

liberdade e Catarina. Ela consagra-se à oração, à penitência e ao serviço dos

necessitados. O marido, Adorno, vencido pela nova vida de Catarina, converte-

se. Depois de tudo isto, os dois cônjuges trabalham pelo grande hospital de

Génova. Morto o marido, ela dedica-se mais intensamente à vida

contemplativa. O sacerdote Caetano Marabutto, fazendo uso das suas

confidências, redige A Vida e mais dois tratados, o Purgatório e o Dialogo. Aqui

se percebe uma espiritualidade de anulamento do amor próprio, que encontra

na experiência do Purgatório a sua expressão mais intensa.

Constitui um conjunto de colaboradores, religiosos, e leigos à volta de

Catarina e nasce assim a “Companhia do Divino Amor”, mais um entre os

“oratórios” que germinam naquele tempo, dos quais o mais conhecido é o de

Filipe de Neri, como adiante veremos.

ÂNGELA MERICI (1474-1540)

Funda em Brécia em 1535 A “Companhia de Santa Úrsula”, composta

por mulheres sem votos, sem hábito, sem vínculos na vida comum. Elas,

vivendo em família e do seu próprio trabalho, sentiam-se chamadas a ser sinal

de “separação das trevas deste mundo”.