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A sentença

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ESTADO DE PERNAMBUCOPODER JUDICIÁRIO

8ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA COMARCA DA CAPITAL

PROC. Nº: 0036607-15.2010.8.17.0001AUTOR: OLINDINA LEITE DOS SANTOS RÉU: ESTADO DE PERNAMBUCO

SENTENÇA

Vistos, etc.

OLINDINA LEITE DOS SANTOS, devidamente qualificada na inicial, através de advogada legalmente habilitada, ajuizou a presente AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, em face do ESTADO DE PERNAMBUCO, alegando, em síntese, que seu ex-marido, o Sr. Ivo José dos Santos, foi recolhido à cadeia pública da Comarca de Tabira – PE, em 07/10/1997, ocasião em que foi vítima de espancamento por agentes do Estado réu, no interior da referida cadeia, vindo a óbito, em 09/10/1997, devido à gravidade do traumatismo sofrido na região do tronco.

Acrescenta, ainda, que era casada civilmente com o falecido, com quem teve três filhos, e que na data do óbito o mesmo contava com 57 anos e era o responsável pelo sustento de sua família.

Além disso, foi instaurada, no mesmo ano de 1997, Ação Penal nº 0000003-23.1997.8.17.1420 para fins de apurar o ocorrido, na qual o Ministério Público, em suas alegações finais, pugna pela condenação dos agentes do Estado réu, autores do suposto homicídio. Porém, até o presente ajuizamento desta ação ordinária de indenização, não havia sido proferida sentença no juízo criminal.

A inicial veio instruída com documentos.

Em defesa, o Estado de Pernambuco pugna pela extinção do processo por estar a presente ação proposta prescrita, nos termos do art. 1º, do Decreto nº 20.910/1932; e, na eventualidade de este juízo não entender prescrita a demanda, seja a mesma julgada improcedente, por não estar comprovado o nexo de causalidade que atraia a responsabilidade do Estado de Pernambuco no presente caso.

Apresentada réplica à contestação, arguiu a parte autora a não ocorrência da prescrição com fulcro no art. 200, do Código Civil de 1916, e, no mérito, reitera os argumentos e documentos trazidos na inicial com o fito de comprovar o nexo causal entre a ação do Estado e o resultado morte da vítima.

Manifestação do Ministério Público declinando no feito por não identificar a existência de interesse público ou social, de forma a ensejar a sua atuação no referido processo.

É o relatório.

Decido.

Compulsando os autos, verifico que a alegação do réu quanto a prescrição da presente ação não deve prosperar, haja vista a previsão do art. 200, do Código Civil de 1916: “Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição

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antes da respectiva sentença definitiva.” Assim, conforme documentos acostados no processo, não havia, até o momento da distribuição desta demanda, sentença definitiva proferida no juízo criminal quanto a apuração da morte do Sr. Ivo José dos Santos, fato ensejador desta ação de indenização.

Além disso, verifico que a Ação Penal nº 0000003-23.1997.8.17.1420, ajuizada na Comarca de Tabira, com o fito de apurar o crime de homicídio praticado contra a vítima em tela, teve sentença proferida, em 20 de julho de 2015, decretando a extinção da punibilidade do fato pela prescrição da pretensão punitiva dos agentes do Estado réu.

Assim, diante de não estar comprovado na esfera criminal a negativa de autoria ou a inexistência do fato, mas sim ter sido o processo extinto com base na prescrição da pretensão punitiva estatal, vislumbro a possibilidade de a autora pleitear na esfera cível indenização pelo mesmo fato, haja vista a independência das esferas penal, civil e administrativa, conforme preceitua o art. 935, do Código Civil Brasileiro: “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.”

A alegação da autora de que seu ex-marido foi preso em 07/10/1997 e veio a óbito em 09/10/1997 está fundamentada em prova documental juntada aos autos, conforme denúncia oferecida pelo Ministério Público (fls. 34/37) e certidão de óbito (fls. 20). Ou seja, está claro que o falecido foi recolhido à Cadeia Pública de Tabira – PE, em 07/10/1997, e, no mesmo dia, foi conduzido, por estar se sentindo mal, ao hospital local por agente de polícia e, dois dias após, veio a óbito, vítima de hemorragia interna do tronco produzida por instrumento contundente, atestado por perícia tanatoscópica de fls. 52.

Verifico que havia, neste caso, para o réu o dever legal de garantir a integridade do falecido, haja vista o mesmo ter sido recolhido ao presídio, ficando sob a custódia do Estado. Devendo este responder objetivamente, nos termos do art. 37, § 6º, da Carta Magna: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Além disso, devido a essa situação de garantidor a que o Estado estabeleceu com a vítima, no momento em que a recolheu à prisão, deve responder pelos danos a ele ocasionados, mesmo que não resultado direto da atuação de seus agentes, haja vista no caso em tela estar-se diante da responsabilidade do tipo objetiva, na modalidade risco administrativo. Ou seja, o Estado, nesta situação de garante, tem o dever legal de assegurar a integridade de pessoas ou coisas que esteja a ele vinculadas por alguma condição específica, havendo uma presunção em favor da pessoa que sofreu o dano, de que houve uma omissão culposa do Estado.

A pessoa lesada não precisa, neste caso, provar a culpa administrativa, sendo ônus do Estado comprovar a existência de alguma excludente de sua culpabilidade, de que era impossível evitar o dano à pessoa que estava sob sua custódia, o que não foi verificado, pois o réu não apresentou provas concretas que comprovassem ter sido a atuação dos seus agentes pautadas pelos limites da legalidade, ou de algum caso fortuito ou força maior, capazes de excluir sua responsabilidade.

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Ao contrário, conforme documentos acostados aos autos, há evidências de que houve uma atuação abusiva e arbitrária do Estado, quando da prisão do Sr. Ivo José dos Santos. Pois, ao ser recolhido à cadeia pública local, o mesmo, algumas horas após, foi encaminhado, se sentindo mal, ao hospital de sua cidade e, dois dias após, veio a falecer, constando em sua certidão de óbito como causa mortis hemorragia interna do tronco produzida por instrumento contundente.

Instrumento este, que conforme documentos e provas testemunhais colhidas nos autos da portaria instaurada pelo delegado de polícia e denúncia oferecida pelo Ministério Público e recebida pelo juízo criminal, foi possivelmente utilizado pelos agentes policias, no momento do recolhimento do falecido à cadeia pública, e causado o traumatismo que ocasionou na morte do ex-esposo da autora. Havendo, assim, o nexo causal entre a ação dos agentes estatais e o resultado morte da vítima.

Logo, diante da não comprovação inequívoca pelo requerido de excludente de sua culpa no caso em analise, resta evidente a responsabilidade do tipo objetiva, na modalidade risco administrativo, do Estado de Pernambuco pelos fatos articulados na inicial e documentos acostados no processo, tudo com fundamento no art. 37, §6º, da Constituição Federal de 1988.

Os números estatísticos de mortes produzidas por ação policial no nosso país são assustadores, ultrapassando em algumas oportunidades localidades que estão em estado de guerra. Lamentavelmente uma corporação estatal, cujos integrantes são remunerados pela alta carga tributária suportada pela coletividade, com atribuições constitucionais de prestar total segurança à sociedade, parcela significativa age à margem da lei, com desvios de condutas funcionais, praticando atos arbitrários e violentos contra o cidadão.

O constituinte de 1988, ao elaborar a Carta Magna, denominada de Constituição Cidadã, elegeu a dignidade da pessoa humana como um dos cinco fundamentos da República Federativa Brasileira. No mesmo patamar, a Constituição assegura a inviolabilidade do direito à vida como um dos direitos fundamentais. No caso em espécie, foi o próprio Estado, o principal guardião pelo cumprimento das leis, o responsável pela morte do cidadão, cabendo a este uma digna reparação aos familiares da vítima.

O Estado deve receber uma penalidade pecuniária proporcional ao dano que causou, apesar de ser incomensurável o valor da vida humana, pois, não é o recebimento de uma indenização que vai diminuir a dor, o sofrimento, a angústia e a ausência de um esposo e pai de família. Um Estado que financia, através de emendas parlamentares, uma verdadeira “farra de shows”, como classificou a brilhante e corajosa jornalista Sheila Borges, na coluna pinga-fogo do Jornal do Commercio, do dia 13 de agosto de 2014, em vários municípios do Estado, causando uma sangria nos cofres públicos da ordem de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), tem condições de suportar o pagamento de uma indenização digna aos familiares da vítima.

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido da autora e condeno o Estado de Pernambuco ao pagamento de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) com o fito de indenizar a mesma pelos danos morais sofridos em decorrência da perda do marido.

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Condeno o Estado de Pernambuco ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 10.000,00 (dez mil reais), em obediência art. 20, §4º do Código de Processo Civil Brasileiro.

Ultrapassado o prazo recursal com ou sem manifestação irresignatória, remetam-se os autos à instância ad quem para o reexame necessário, conforme determinação do art. 475, I, do CPC.

P.R.I.

Recife, 17 de dezembro de 2015.

MOZART VALADARES PIRESJuiz de Direito

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