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Jurisprudência da Quinta Turma
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
HABEAS CORPUS N. 15.563 - AL (Registro n. 2000.0147252-6)
Relator: Ministro Jorge Scartezzini
Impetrante: José Oliveira Costa
451
Impetrado: Desembargador-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado
de Alagoas
Paciente: Adalberon de Morais Barros Júnior (preso)
EMENTA: Processo Penal - Homicídio - Absolvição - Réu solto
Decisão modificada pelo Tribunal a quo - Restabelecimento da prisão preventiva - Ausência de fundamentação.
- No caso sub judice, o acusado foi preso em flagrante delito e
nessa condição permaneceu durante toda a instrução processual.
Após o julgamento pelo Júri, oportunidade em que foi absolvido, o
mesmo foi posto em liberdade. Tal decisão ocorreu em 11 de novembro de 1998. O v. aresto proferido pelo Tribunal de Justiça, anulando o veredicto popular, porque manifestamente contrário à prova dos
autos, somente foi prolatado em 5 de outubro de 2000, quase dois
anos, portanto, da soltura do réu.
- O restabelecimento da prisão preventiva deveu-se a dois fa
tores, quais sejam: 1) o fato do paciente ser visto sempre armado, e
2) ter possivelmente aliciado jurados. Destarte, a meu sentir, tais
circunstâncias não ensejam a restauração da preventiva. Tratam-se
de fatos abstratos que, efetivamente, não justificam o restabele
cimento da custódia do acusado. Observa-se que entre a sentença
que absolveu o paciente, oportunidade em que foi solto, ,e a decisão
proferida em sede de apelação, determinando-se a realização de
novo júri, transcorreram-se quase dois anos, não havendo notícia de
quaisquer atos que prejudicassem o bom andamento do feito ou comprometessem a ordem pública.
- Nesta esteira, seguindo o firme entendimento esposado pelo
colendo Supremo Tribunal Federal, a concessão da ordem é medida que se impõe.
- Ordem concedida para que o paciente aguarde em liberdade
o julgamento pelo Júri acerca destes fatos, ressalvada a necessidade de decretação de sua custódia por motivo superveniente.
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
452 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem para que o paciente aguarde em liberdade o julgamento pelo Júri acerca destes fatos, ressalvada a necessidade de decretação de sua custódia, por motivo superveniente. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Edson Vidigal, José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer e Gilson Dipp.
Brasília-DF, 22 de maio de 2001 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro Jorge Scartezzini, Relator.
Publicado no DI de 25.2.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Jorge Scartezzini: Cuida-se de habeas corpus impetrado por José Oliveira Costa, em benefício de Adalberon de Morais Barros Júnior, contra v. acórdão proferido pela colenda Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, que deu provimento ao recurso de apelação interposto pelo Ministério Público, nos termos da seguinte ementa: (fi. 75), verbis:
"Apelação criminal.
Tribunal do Júri.
Alegada, em preliminar, nulidade do julgamento por defeito de quesitação.
Inocorrência.
Casus fortuitus não configurado.
A conduta dolosa do Réu foi causa do crime, não havendo falar em ausência de nexo causal.
Culpabilidade evidenciada.
Absolvição manifestamente contrária à prova dos autos.
Decretação de prisão do Réu que se impõe, como garantia da or-dem pública e também por conveniência da instrução criminal.
Apelo conhecido e provido, à unanimidade."
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 453
Consta dos autos que o Paciente foi preso em flagrante porque no dia 19.5.1997, no interior de um automóvel Fiat (Tempra), que se encontrava estacionado nas imediações de uma casa noturna do bairro de Jatiúca-AL, matou Isabelle Gondim Lima, com um tiro de revólver, tendo sido denunciado perante o Juízo Criminal da Comarca de Maceió-AL, pela prática do crime previsto no art. 121, § 22
, II e IV, do Código Penal.
Devidamente processado, o acusado foi pronunciado, oportunidade em que o MM. Juiz deixou de relaxar sua prisão, recomendando sua manutenção em cárcere.
Submetido a julgamento perante o 3.Q. Tribunal do Júri de Maceió o mesmo foi absolvido, em acolhimento da tese de caso fortuito esposada pela defesa, tendo sido expedido o alvará de soltura. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação perante o Tribunal de Justiça de Alagoas, que lhe deu provimento para anular a sentença absolutória, por considerá-la manifestamente contrária à prova dos autos, a fim de submeter o Paciente a um novo julgamento, decretando sua prisão preventiva, sob o fundamento de garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal.
Daí o presente habeas corpus, onde se requer a revogação da custódia cautelar, para que este possa aguardar em liberdade o novo julgamento pelo Tribunal do Júri, sob a alegação de carência na fundamentação da decisão. Aduz-se, ainda, que o acusado é primário e não registra maus antecedentes, tem residência fixa e profissão definida, tendo comparecido a todos os atos do processo.
Liminar indeferida à fl. 62.
Informações apresentadas à fl. 69.
A douta Subprocuradoria Geral da República, em seu parecer às fls. 93/96, opina pela denegação da ordem, entendendo que a gravidade do crime recomenda o confinamento do Paciente para a garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal. Acrescenta que se impõe a custódia como cautela em face da iminência de novo julgamento do Réu pelo Júri Popular. Lembra, ainda, que as condições pessoais do Paciente não impedem a manutenção da sua custódia.
Após, vieram-me conclusos os autos.
É o relatório.
VOTO
o Sr. Ministro Jorge Scartezzini (Relator): Sr. Presidente, o
RST], Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
454 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Impetrante pleiteia, com o presente writ, a revogação da prisão preventiva do Paciente, restabelecida em decorrência do v. aresto atacado que, ao dar provimento à apelação ministerial, anulou a sentença absolutória para que o Paciente fosse submetido a novo julgamento perante o Tribunal do Júri.
Como relatado, este foi preso em flagrante, denunciado e pronunciado perante o Juízo Criminal da Comarca de Maceió-AL, pela prática do crime de homicídio qualificado (art. 121, § 2ll., II e IV, do Código Penal).
A prisão preventiva, consoante uníssona doutrina e jurisprudência, deve ser calcada em sua extrema necessidade, fazendo-se mister, além da materialidade e indícios de autoria, a presença concreta de circunstâncias que a recomendem, lastreada nas hipóteses do art. 312 do Código de Processo Penal. Hélio Tornaghi, com extrema precisão, afirma que o uso da prisão preventiva" ... deve ser restringido aos casos de absoluta necessidade. Chega-se, pela experiência, ao mesmo ponto a que a razão já havia levado: a regra neste assunto tem que ser esta: só prender quando estritamente necessário". (cf. Compêndio de Processo Penal, Tomo III, p. 1. 079) - destaquei.
No caso sub judice, o acusado foi preso em flagrante delito e, nessa condição, permaneceu durante toda a instrução processual. Após o julgamento pelo Júri, oportunidade em que foi absolvido, o mesmo foi posto em liberdade. Tal decisão ocorreu em 11 de novembro de 1998. O v. aresto proferido pelo Tribunal de Justiça, anulando o veredicto popular, porque manifestamente contrário à prova dos autos, somente foi prolatado em 5 de outubro de 2000, quase dois anos, portanto, da soltura do Réu.
Ao determinar o restabelecimento da medida segregativa, a Corte a quo salientou que (fl. 32):
"Entendeu o Colegiado Togado, também, decretar a prisão do Réu, haja vista que nos autos há provas que o mesmo é pessoa que sempre é vista portando uma arma de fogo engatilhada (fl. 41v.), assumiu um cargo no gabinete de um Deputado Federal em Brasília e que ficou, conseqüentemente, à decisão absolutória do Júri, evidenciado o aliciamento dos jurados para favorecê-lo ...
Então, a medida constritiva ainda se impõe, como garantia da ordem pública, como e também por conveniência da instrução criminal, considerando que sendo o processo do Júri bifásico, nova instrução será levada a efeito por ocasião do julgamento do Júri, para não falar do clamor da comunidade, decorrente das graves circunstâncias do crime."
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 455
o restabelecimento, portanto, da prisão preventiva, como se observa, deveu-se a dois fatores, quais sejam: 1) o fato do Paciente ser visto sempre
armado, e 2) ter possivelmente aliciado jurados. Destarte, a meu sentir, tais circunstâncias não ensejam a restauração da preventiva. Tratam-se de fatos abstratos que, efetivamente, não justificam o restabelecimento da custódia do acusado. Observa-se que entre a sentença que absolveu o Paciente, oportunidade em que foi solto, e a decisão proferida em sede de apelação, determinan
do-se a realização de novo júri, transcorreram-se quase dois anos, não havendo notícia de quaisquer atos que prejudicassem o bom andamento do feito ou
comprometessem a ordem pública.
Nesta esteira, seguindo o firme entendimento esposado pelo co lendo Supremo Tribunal Federal, a concessão da ordem é medida que se impõe. O eminente Ministro Néri da Silveira, por ocasião do julgamento do HC n. 61.177 -MG, salientou:
" ... (oIllissis) Posto em liberdade o Réu, após a absolvição pelo Tribunal do Júri, o fato de a decisão ser anulada, pelo Tribunal de Justiça, para que o denunciado seja submetido a novo julgamento, não implica o efeito de sua imediata custódia, apenas porque, antes, estivera preso preventivamente, mantida a situação na sentença de pronúncia. Os fundamentos dessas decisões cessaram com a posterior absolvição do Réu, sendo posto em liberdade. Nova prisão, para aguardar o segundo julgamento, pelo Júri, não pode prescindir de fundamentação adequada, não cabendo prevalecer a ordem decretada pelo Tribunal de Justiça ... "
No mesmo diapasão, entre outros, os precedentes contidos nos julgados relatados pelos ilustres Ministros Soares Munoz, HC n. 56.506-SP; Maurício Corrêa, HC n. 72.675-RJ, e Sydney Sanches, HC n. 64.671-RJ.
Este, também, tem sido o entendimento desta Turma, do qual cito como exemplo o aresto proferido por ocasião do julgamento do HC n. 11.464-PE, de relatoria do eminente Ministro José Arnaldo, verbis:
"Habeas corpus originário. Recurso de apelação do Ministério
Público contra decisão absolutória do Tribunal do Júri, à alegação de ser esta manifestamente contrária à prova dos autos. Provimento do
recurso pelo Tribunal de Justiça, determinando-se a submissão do réu a
novo julgamento, com o restabelecimento automático de prisão preventi
va. Falta de demonstração da necessidade da custódia, dois anos após o
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456 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
réu ter sido posto em liberdade. Constrangimento ilegal configurado. Deferimento do writ. Precedentes do STF. Co-réu. Identidade de situações. Extensão da ordem." (destaquei).
Por tais fundamentos, concedo a ordem para que o Paciente aguarde em
liberdade o julgamento pelo Júri acerca destes fatos, ressalvada a necessidade de decretação de sua custódia por motivo superveniente.
É como voto.
PETIÇÃO N. 1.301 - MS (Registro n. 2000.0063352-6)
Relator: Ministro José Arnaldo da Fonseca
Requerente: José Rodrigues de Souza
Advogados: João Santana de Melo Filho e outro
Requerido: Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul
Assist. MP: Município de Água Clara
Advogado: José Rizkallah Júnior
EMENTA: Petição - Recurso ordinário contra acórdão proferido por Tribunal de Justiça em sede de competência originária - Ex-prefeito municipal - Condenação por crime de responsabilidade - Desvio de bens públicos - Decreto-Lei n. 201/1967 - Súplica conhecida como habeas corpus originário.
Súmula n. 164-STJ: "O prefeito municipal, após a extinção do mandato, continua sujeito a processo por crime previsto no art. I!! do Decreto-Lei n. 201, de 27.2.1967".
Inaplicabilidade do princípio da insignificância, seja pela impropriedade da via eleita, seja porque não se pode ter como insig
nificante o desvio de bens públicos levado a cabo por prefeito municipal, que, no exercício de suas funções, deve obediência aos mandamentos legais e constitucionais, notadamente ao princípio da moralidade pública.
Legitimidade da imposição da suspensão dos direitos políticos,
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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 457
eis que, a teor do art. 12 do Código Penal, o art. 1 Q. do Decreto-Lei
n. 201/1967 (lei de cunho especial) não foi revogado pela Lei n. 7.209/
1984, que aboliu as penas acessórias.
OrdeIll denegada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos
e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Vo
taram com o Relator os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Jorge
Scartezzini. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Edson Vidigal.
Brasília-DF, 6 de fevereiro de 2001 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro José Arnaldo da Fonseca, Relator.
Publicado no DI de 19.3.2001.
RELATÓRIO
Trata-se de recurso ordinário constitucional, com pretenso amparo no
art. 105 da Carta Magna, autuado nesta Corte sob a forma de petição, in
surgindo-se contra acórdão de fls. 206/216, proferido pelo egrégio Tribu
nal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, que, em sede de ação pe
nal originária movida contra o ora paciente José Rodrigues de Souza - ex
Prefeito Municipal de Água Clara-MS - por desvio de bens públicos, con
denou-o à pena de dois anos de reclusão, sendo concedido o benefício da
suspensão condicional da pena, e ainda declarou-o inabilitado, pelo prazo
de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública.
Em suas razões de fls. 231/242, sustenta que não poderia ter sido de
nunciado como incurso nas penas previstas no Decreto-Lei n. 201/1967, eis
que, na ocasião do oferecimento da denúncia, já não mais ocupava o cargo
de Prefeito Municipal, donde incabível a aplicação do Decreto-Lei n. 2011
1967, que define os crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores no
exercício do mandato. Sustenta, ainda, que os autos carecem de perícia, ne
cessária para comprovar que os móveis descritos em nota fiscal e reconhe
cidos como patrimônio municipal são, efetivamente, aqueles tidos como
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458 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
desaparecidos. Aponta a entrega de três mesas e um jogo de estofados à Po
lícia, que, todavia, não se prontificou a confrontá-los com os móveis discriminados na nota fiscal, a fim de positivar a alegada devolução dos bens
desviados. Dizendo-se vítima de manobras políticas, o acusado José
Rodrigues de Souza invoca a aplicação do princípio da insignificância ao
caso concreto, tendo em vista o pequeno valor dos bens públicos extravia
dos. Aduz, outrossim, que a Lei n. 7.209/1984 aboliu as penas acessórias,
sendo ilegítima a suspensão dos seus direitos políticos, imposta pelo Tri
bunal a quo, alegando, por fim, cerceamento de defesa ao longo da instru
ção criminal.
Ouvido, o Ministério Público Federal, em parecer subscrito pela Dra.
Maria das Mercês de C. Gordilho Aras, opina no sentido de conhecer-se do
presente pedido como habeas corpus originário, denegando-se, porém, a
ordem.
É o relatório.
VOTO
A presente irresignação, apelidada pelo peticionário de recurso ordi
nário constitucional, com pretenso amparo no art. 105 da Carta Magna,
volta-se contra acórdão de Tribunal de Justiça proferido em sede de com
petência originária, que deveria ser, na verdade, impugnado pelos recursos
nobres, quais sejam, o extraordinário ou o especial.
Todavia, tendo em vista que as razões apontam, ainda que indiretamen
te, afronta ao direito de locomoção do peticionário, acolho a sugestão do Parquet Federal e conheço da súplica como habeas corpus originário (art.
105, I, c, da CF).
N o mérito, a súplica não merece acolhida.
Quanto ao primeiro fundamento da impetração, qual seja, a impossi
bilidade de o Paciente, ex-prefeito municipal, responder pelos crimes de responsabilidade definidos no Decreto-Lei n. 20111967, não encontra o
mínimo apoio na jurisprudência pátria, tendo esta Corte, inclusive, edita
do a Súmula de n. 164-STJ, que encerra este enunciado:
"O prefeito municipal, após a extinção do mandato, continua su
jeito a processo por crime previsto no art. p. do Decreto-Lei n. 201,
de 27.2.1967."
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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 459
No que concerne às demais alegações da impetração, foram rechaçadas
com muita propriedade no parecer da ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Maria das Mercês de C. Gordilho Aras, por manifestamente improcedentes. Colhem-se do parecer ministerial estas considerações, com remissão à jurisprudência desta Corte e do colendo Supremo Tribunal Fe
deral, verbis (fls. 274/281):
"Por outro lado, não tem procedência a alegativa de falta de exame pericial, apontado como necessário para verificar se os móveis des
critos em nota fiscal e indicados como integrantes do patrimônio municipal são, efetivamente, aqueles considerados como desaparecidos.
Cumpre destacar, neste ponto, inclusive, que a Defesa não levantou tal questão perante a Corte Estadual, na oportunidade em que lhe era dado fazê-lo, ao apresentar suas alegações finais. Sendo assim, forçoso é reconhecer que a matéria se acha atingida pelos efeitos da preclusão, afigurando-se sua tardia argüição, a esta altura, mera tentativa de fragilizar o acervo probatório colhido nos autos, cujo
reexame, na via do writ, é vedado proceder.
Também não merece guarida a assertiva de que a Polícia teria
deixado de confrontar os móveis entregues pela Defesa com aqueles descritos em nota fiscal, a fim de positivar a eventual devolução dos bens desviados. A tese, na mesma linha de argumentação anterior, não mereceu exame pela Corte a quo, eis que não fora suscitada, ali, pela
Defesa, no momento processual adequado. Os efeitos da preclusão são,
pois, inexoráveis.
Pleiteia o Requerente, também, em face da pequena monta dos bens públicos extraviados, seja aplicado o princípio da insignificância.
Todavia, o reconhecimento da diminuta importância da ofensa implica em sua valoração pelo julgador, tanto mediante o exame dos elementos de prova existentes no processo, quanto através da análise global da ordem jurídica. Por isso, esse Tribunal Superior já se manifestou no sentido da inidoneidade da via writ para a apreciação da aplicabilidade do aludido princípio, que deve ser avaliada na ampli
tude própria da instrução probatória. É o que informa o julgado que adiante se traz à baila:
'Ementa: Processual Penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Trancamento de ação penal. Lesão corporal culposa -
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460 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
§ 611. do art. 129 do Código Penal. Aplicação do princípio da in
significância. Impropriedade na via escolhida.
I - Em sede de habeas corpus, via inidônea a exame aprofundado de provas, é inaplicável o invocado princípio da insignificância, segundo o qual o Direito Penal só deve aplicar-se onde seja necessário à proteção de bens jurídicos, para o trancamento prematuro de ação penal iniciada.
II - A insignificância deve ser aferida durante o desenrolar da instrução criminal, sob o manto do contraditório e da ampla defesa.
Na ação penal será lícito ao juiz, ante a análise de todo o quadro probatório, interrogatório da acusada, inquirição das testemunhas de acusação e de defesa e alegações finais das partes, sopesar a aplicabilidade do aludido princípio, não na via estreita do aludido princípio, não na via estreita do habeas corpus.
III - Recurso improvido.' CSTJ, RHC n. 2. 919-SP, reI. Min. Pedro Acioli, Sexta Turma, unânime, decisão de 27.9.1993, DJ de 18.10.1993, p. 21.889).
C·· .) Saliente-se, ademais, que, pelo referido princípio da insignificân
cia, somente são excluídas as condutas de mínima perturbação social, levando à impunidade comportamentos socialmente tolerados como adequados, embora ajustados, formalmente, a algum tipo penal. Por outra parte, sua aplicação não pode prescindir da valoração do resultado produzido pela conduta delitiva, verificando-se, sob o prisma do sujeito passivo do crime, a dimensão do dano ao bem jurídico de que é titular.
No caso em apreço, a lesão decorrente do desvio de um conjun
to de estofados e um grupo de mesas tubulares que ornamentavam o gabinete da Prefeitura Municipal de Água Clara-MS, não pode ser mensurada em razão do prejuízo patrimonial, mas, sim, tomando-se em consideração a quebra do dever de fidelidade que tem o Alcaide para com a Administração Pública Municipal sob seu comando e levando-se em conta, aqui, particularmente, o descumprimento do dever de zelar pelos bens daquela pessoa jurídica de direito público interno. Nesse
diapasão, não se pode ter como insignificante o desvio de bens públicos em proveito próprio ou alheio, levado a cabo pelo próprio Prefeito
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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 461
Municipal, que, no exercício de suas atividades funcionais, deve obediência aos mandamentos legais, inclusive ao princípio da moralidade pública, essencial à legitimidade de seus atos.
c·· .) Tal entendimento não discrepa da posição adotada, a respeito do
tema, por esse Superior Tribunal de Justiça, consoante julgado adiante sintetizado:
'Ementa: Processual Penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Trancamento da ação penal.
l-Se a im.putatio facti, insculpida na inicial acusatória, amparada em indícios, descreve conduta típica, não há, em regra, que se reconhecer a ausência de justa causa.
I! - O princípio da insignificância se refere à hipótese de ofensa mínima ao bem jurídico que não deve ser confundida com a proporção de dano em relação ao patrimônio do sujeito passivo.
Recurso conhecido e desprovido.' eSTJ, RHC n. 6.319-PR, reI. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, unânime, decisão de 20.5.1997, DJ de 23.6.1997, p. 29.166).
c·· .) Por fim, assinale-se que a alegada ilegitimidade da suspensão dos
direitos políticos do Réu, ao fundamento de que a Lei n. 7.209/1984 aboliu as penas acessórias, também não pode ser acolhida.
O Código Penal de 1940, em seu art. 67, regulava as penas acessórias, aplicáveis juntamente com a pena principal, dentre elas prevista a perda da função pública, eletiva ou de nomeação. Com a reforma de 1984, introduzida naquele Codex pela Lei n. 7.209/1984, a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo veio a ser regulada no art. 92, inciso l, do estatuto repressivo, como efeito específico da condenação, nos casos de crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública.
Na linha do parágrafo único do pré-falado art. 92, tais efeitos não são automáticos, nem imediatos, devendo ser motivadamente declarados na sentença. Daí o argumento do Requerente e inaplicabilidade ao seu caso, da perda da função pública, em decorrência da reforma penal de 1984.
Sua conduta, no entanto, foi enquadrada no art. 1 Q, inciso l, do
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462 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Decreto-Lei n. 201/1967, que dispõe sobre a responsabilidade dos prefeitos e vereadores. Não obstante tenha a nova parte geral do Código Penal definido a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo como efeito da condenação, é de se destacar que aquele decreto-lei constitui legislação especial, que refoge ao comando das disposições de ordem geral. Nesse sentido, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal, nos termos da ementa adiante transcrita, tendo em vista o que estabelece ao art. 12 do Código Penal:
'Ementa: Habeas corpus.
Em decorrência do disposto no artigo 12 do Código Penal, não foi revogado o § 211. do artigo 111. do Decreto-Lei n. 201/1967 (perda do cargo e inabilitação temporária para o exercício de cargo ou função pública, efetivo ou de nomeação) pela Lei n. 7.209/1984, que aboliu as penas acessórias.
Improcedência da alegação de desproporção entre o reconhecimento da pequena monta do prejuízo ao Erário Público Municipal e a pena de dois anos de reclusão e a inabilitação impostas.
Habeas corpus indeferido.' (STF, HC n. 7.432-GO, Primeira Turma, DJ de 21.3.1997, p. 8.507).
É que a limitação de pena mínima prevista pela Lei n. 7.209/ 1984 para imposição da perda do cargo, função pública ou mandato eletivo não encontra eco no Decreto-Lei n. 201/1967, o qual, ao regular de forma especial a responsabilidade dos prefeitos e vereadores, impõe tal sanção como decorrência da própria condenação. Esse é o entendimento externado por Wolgran Junqueira Ferreira, em Responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, ao comentar o Decreto-Lei n. 20111967, verbis:
'Estabelece o § 211. do artigo 1ll. as penas acessórias que incidirão, como decorrência da condenação definitiva.
( ... )
A perda da função pública eletiva ou de nomeação já decorre da própria essência da sentença condenatória.' (in obra e autor citados, Editora Edipro, 511. ed., p. 102)."
Com esses fundamentos, denego a ordem.
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
RECURSO EM HABEAS CORPUS N. 10.974 - SP (Registro n. 2001.0003996-0)
Relator: Ministro Felix Fischer
Recorrente: Ordem dos Advogados do Brasil - Secção de São Paulo
Advogado: Vagner da Costa
Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Paciente: Nélson Latif Fakhouri
463
EMENTA: Penal e Processual Penal - Recurso ordinário em habeas corpus - Estelionato - Patrocínio infiel - Denunciação caluniosa - Quadrilha - Ministério Público - Investigação - Denúncia - Inépcia - Provas ilícitas - Nulidade.
I - A prática diretamente de atos investigatórios isolados por membro do Ministério Público, tais como a oitiva de testemunhas ou pedido de interceptação telefônica ao juízo, não gera, por si só, nulidade da ação penal.
II - Se a exordial acusatória apresenta narrativa que se ajusta ao modelo típico de conduta proibida, não há como reconhecê-la como inepta.
lU - Conquanto não se admitam, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, assim, como as delas derivadas, não se tem como nulo o processo se não restou caracterizado um nexo de desdobramento entre a prova ilícita e o oferecimento da denúncia, mormente se há outros elementos probatórios, obtidos licitamente, que podem, em tese, dar sustentação ao decreto condenatório.
Recurso desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribu
nal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini e José Arnaldo da Fonseca votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Edson Vidigal.
Brasília-DF, 26 de fevereiro de 2002 (data do julgamento).
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
464 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ministro Felix Fischer, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 18.3.2002.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de recurso ordinário interpos
to contra v. acórdão da egrégia Quarta Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, que denegou o habeas corpus impetrado
em favor de Nélson Latif Fakhouri, no qual se alegavam nulidades (inép
cia da denúncia, ausência de poderes investigatórios por parte de membros
do Parquet e acusação baseada em provas ilícitas) no processo em que o
Paciente é acusado, juntamente com outros nove co-réus, da prática dos cri
mes dos arts. 171, caput, inclusive em sua combinação com o art. 14, II (três
vezes); 339, caput; 288, caput, 355, caput, e 69, caput, todos do Código
Penal (denúncia às fls. 31/36).
A fundamentação apresentada pelo v. acórdão reprochado foi a se
guinte:
"Penetrando-se o conteúdo da impetração, é de se concluir, des
de logo, pela suficiente descrição na denúncia, de personagens, data e
locais de fatos praticados pelo Paciente, que configurariam os delitos
a ele imputados, tais elementos indiciários estando suficientemente
contidos na documentação de fls. 39/154, trazida com a exordial.
Qualquer outra consideração, a respeito, se faz ociosa, para quem
se disponha a ler a denúncia com olhos de entender, motivo pelo qual
se dispensam maiores considerações, pois atendidos se acham, em sua
finalidade, os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.
Mesmo assim, explicite-se, com referência aos estelionatos, que
estão bastante descritos na exordial, inclusive quanto aos prejuízos
deles decorrentes, cujo efetivo importe poderá ser eventualmente apu
rado no correr da instrução, se necessário à integração típica.
No tocante à denunciação caluniosa, encontra-se descrita ao fi
nal do item e da mencionada denúncia, a vítima dessa infração sendo,
obviamente, aquela referida na alegada falsa atribuição de comissão de
crime, conforme ali mencionado.
Da mesma forma quanto ao delito de quadrilha ou bando, ante a
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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 465
expressa referência ao conluio entre o Paciente e os demais denuncia
dos, para sua comissão, nas circunstâncias e ocasiões ali narradas.
A propósito, a alegada falta de indicação de vítimas e testemunhas, na denúncia, é de candente ingenuidade, ao se ter em conta que
tais condições não derivam de sua qualificação, como tais, no rol de
pessoas a serem inquiridas na instrução, mas de sua efetiva caracterização, em função dos fatos, ou seja, se destinatários da ação delituosa
ou se meios de prova dos fatos tidos como delituosos.
Quanto ao argumento de que a falta de prévia instauração de inquérito policial e a coleta direta, pelo Ministério Público, das peças instrutórias da denúncia, por não ter o órgão acusatório atribuição
para a realização de atividades investigatórias, com isto se comprometendo a higidez da denúncia ofertada contra o Paciente, é de se obser
var que, além das atribuições contidas no art. 104 da Lei Orgânica do
Ministério Público Estadual - cujos dispositivos cobrem hipóteses que não haviam ficado bem definidas na legislação anteriormente editada
-, não fica ele desobrigado de atuar, em função de imperativos decor
rentes da legislação preexistente, quando tem conhecimento direto da
prática de crime, com o registro escrito das informações relevantes,
conforme já se depreende do art. 27 do Código de Processo Penal, a
exigibilidade de instauração de inquérito policial somente se fazendo
necessária quando tais elementos, diretamente obtidos, não sejam suficientes ao embasamento da ação penal, conforme se depreende do estatuído no art. 12 do referido diploma processual penal.
Não se encontra, aqui, portanto, qualquer eiva a comprometer a
viabilidade da denúncia apresentada contra o Paciente.
De outra parte, a insurgência contra a prova resultante de interceptação telefônica não admite o exame pretendido pela impetração.
A propósito, tenha-se em conta - conforme admitido pela
Impetrante - que parte dessa escuta telefônica fora judicialmente au
torizada. No atinente à outra parte, não se sabe se tal escuta resulta
ria da interceptação de ligações telefônicas entre o Paciente e tercei
ros ou se de ligações entre o Paciente e as vítimas, quando estas te
riam - ao menos em tese, - direito de gravá-las e utilizá-las.
Ademais, tais interceptações, se ilegais, poderiam não ter maior
significado processual, se os fatos vierem de ser comprovados por outros meios de demonstração.
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
466 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
De qualquer forma, tal assunto não admite exame mais aprofundado, pela presente via, ante à limitação dos dados trazidos com a inicial e pela implicação de penetração ampla aprofundada da prova, com eventual possibilidade de pré-julgamento da lide subjacente e supressão de instância." (fls. 867/870).
Nas razões do recurso, a Impetrante alega a inconstitucionalidade do procedimento investigatório, sustentando que o Ministério Público não tem competência para realizar inquéritos e investigações, pois essa atribuição, nos termos do art. 144, § p., I e IV, da CF, é exclusiva da polícia judiciána.
Além disso, aduz que a denúncia é inepta, pois "Se o próprio órgão acusador reconhece o cerceamento de defesa pela não-identificação de vítimas e testemunhas reportando-se à técnica utilizada pelo promotor-autor do procedimento investigatório e da denúncia, como se pode negar sua inépcia, inépcia esta que advém, também, da nulidade do procedimento investigatório?" (fl. 884).
A douta Subprocuradoria Geral da República se pronunciou pelo provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): Inicialmente, quanto à alegada nulidade em face das diligências investigatórias efetuadas pelo Parquet Estadual, a irresignação da Recorrente não deve ser acolhida.
Não obstante o disposto no art. 144, § 4l1., da CF ("Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares."), o Parquet não é absolutamente proibido de praticar atos investigatórios.
Não faria sentido, sendo essa instituição a responsável, exclusivamente, pela ação penal pública (art. 129, I, da CF), que não pudesse praticar qualquer ato tendente à elucidação dos fatos. Se, para o oferecimento da denúncia se exige um embasamento concreto quanto à materialidade e autoria do delito, isso significa que a atividade do órgão acusador depende diretamente de uma reconstituição bem feita do quadro fático. Sendo assim, não se pode negar sua competência para a prática de atos investigatórios, embora não lhe
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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 467
seja permitido instaurar, formalmente, inquérito policial, pois esta é a atividade atribuída à polícia judiciária. Não por acaso, a Súmula n. 234-STJ
dispõe que "A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia".
In casu, busca-se o reconhecimento de nulidade em face do órgão ministerial, integrante do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado, ter requerido ao juízo autorização para efetuar "interceptação de comunicação telefônica", nos termos da Lei n. 9.296/1996, a ser executada pela autoridade policial (fls. 39 e segs.), bem como ter ouvido alguns dos envolvidos diretamente na Promotoria (fls. 71, 74, 78, 85 e 89).
Tal atuação, no entanto, não é vedada ao Ministério Público. Como dom.inus litis, depende de um conhecimento aprofundado sobre os fatos para exercer suas funções constitucionais. Se teve notícia diretamente sobre a prática de determinada conduta ilícita, e constatando a necessidade de se efetuar interceptação de linha telefônica para melhor elucidação dos acontecimentos, mostra-se correto o procedimento de se dirigir à autoridade judiciária e requerer tal diligência, a ser efetuada pela autoridade policial.
Sobre o tema, vale citar Júlio Fabbrini Mirabete (Código de Processo Penal Interpretado, Atlas, 811. ed., 2001, p. 560):
"Nos termos do Código, cabe ao Ministério Público promover e fiscalizar a execução da lei e, pela Constituição Federal, é função institucional promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei (art. 129, I). É ele, portanto, o titular da pretensão punitiva do Estado quando esta é levada a juízo. O Estado-Administração, como sujeito ativo da pretensão punitiva tem no Ministério Público o órgão a que delega as funções destinadas a tornar efetivo o direito de punir, como dispõe, aliás, o art. 24 do CPP. Cumprindo-lhe provocar a atividade jurisdicional, para que seja apreciada e decidida uma pretensão punitiva deduzida na acusação que é objeto da denúncia, o Ministério Público tem, no processo, a função e o papel de parte. Sendo parte, é inquestionável sua legitimidade ad causam. e a capacidade postulatória, como representante do interesse público, estando credenciado a todos os atos destinados à efetivação do jus puniendi, inclusive o de impetrar mandado de segurança contra ato judicial perante os Tribunais, requisitar diligências, ser intimado das audiências e das sentenças, inclusive das concessivas de habeas corpus, das quais pode recorrer, etc. Como titular do ius puniendi, nada impede que o
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468 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA
Ministério Público, além de requisitar informações e documentos para instruir procedimentos, promova atos de investigação para apuração de ilícitos penais, pois, nos termos da Constituição Federal, 'pode exercer outras funções que lhe sejam conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade' (art. 129, IX). É nulo o ato processual realizado sem a presença do representante do Ministério Público quando deva estar presente como parte."
Também nesse sentido há diversos precedentes.
No colendo Supremo Tribunal Federal:
"- Regular participação do órgão do Ministério Público em fase investigatória e falta de oportuna argüição de suposta suspeição do magistrado.
Pedido indeferido." (HC n. 75.769-MG, Primeira Turma, reI. Min. Octávio Gallotti, DJU de 28.11.1997).
Nesta Corte:
"Criminal. RHC. Abuso de autoridade. Trancamento de ação penal. Colheita de elementos pelo Ministério Público. Constrangimento ilegal não configurado. Liminar cassada. Recurso desprovido.
Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento da peça acusatória.
A simples participação na fase investigatória, coletando elementos para o oferecimento da denúncia, não incompatibiliza o representante do Parquet para a proposição da ação penal.
A atuação do órgão ministerial não é vinculada à existência do procedimento investigatório policial - o qual pode ser eventualmente dispensado para a proposição da acusação.
Recurso desprovido, cassando-se a liminar deferida." (RHC n. 8.106-DF, Quinta Turma, reI. Min. Gilson Dipp, DJU de 4.6.2001).
"Recurso em habeas corpus. Inépcia da denúncia. Vários acusados. Crimes diversos. Individualização. Laudo pericial assinado por um só perito. Impedimento de Promotor de Justiça que participou de di
ligências. Inexistência.
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 469
- A natureza do crime e de suas circunstâncias nem sempre per
mitem particularizar a participação dos acusados; nesse caso, não é
inepta a denúncia se permite o exercício da ampla defesa.
- A exigência de um número mínimo de assinaturas de dois pe
ritos no laudo, apenas é aplicável à hipótese de a perícia ser elabora
da por peritos leigos.
- A intervenção do Ministério Público em inquérito policial com
o propósito de apurar os fatos ou obter provas que os elucidem constitui regular exercício da função de custos legis, que não o impede
de oferecer denúncia, a posteriori, sobre os fatos apurados.
- Recurso conhecido e desprovido." eRRC n. 6.815-PR, Quinta
Turma, reI. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 17.8.1998).
"Criminal. HC. Tráfico. Trancamento da ação penal. Atos
investigatórios realizados pelo Ministério Público. Legalidade. Inqué
rito policial. Dispensabilidade. Inépcia da denúncia. Inocorrência. Pri
são preventiva. Decisão condenatória anulada. Custódia mantida.
Inexistência de constrangimento ilegal. Ordem denegada.
Não há ilegalidade nos atos investigatórios realizados pelo Mi
nistério Público, que pode requisitar informações e documentos a fim
de instruir seus procedimentos administrativos, visando ao oferecimen
to da denúncia.
A atuação do órgão ministerial não é vinculada à existência do
inquérito policial - o qual pode ser eventualmente dispensado para a proposição da ação penal.
Eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando de
monstrada inequívoca deficiência, a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa do acusado, ou na ocorrência de
qualquer das falhas apontadas no art. 43 do CPP - o que não se vis
lumbra in casu.
A anulação da decisão condenatória não enseja, por si só, a revo
gação da custódia preventiva de réu que já se encontrava preso durante
a instrução - se os autos não evidenciam a existência de outros ele
mentos hábeis à concessão da pretendida soltura.
Entendendo como persistentes os motivos que embasaram o
confinamento do paciente, não há ilegalidade na decisão que, anulando a condenação, mantém o recolhimento do réu na prisão.
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
470 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ordem denegada." (RC n. 12.685-MA, Quinta Turma, reI. Min. Gilson Dipp, DJU de 11.6.2001).
"Constitucional. Processual Penal. Habeas corpus. Ministério Público. Funções institucionais. Investigação criminal suplementar. Notificação. Constrangimento ilegal. Inexistência.
- Segundo a moldura do art. 129 da Carta Magna, dentre as diversas funções institucionais do Ministério Público destaca-se aquela de promover, privativamente, a ação penal e exercer o controle externo da atividade policial, podendo, para tanto, expedir notificações, requisitar diligências investigatórias e exercer outras funções, desde que compatíveis com sua finalidade.
- Não constitui constrangimento ilegal a expedição de notificação pelo Ministério Público para ser o paciente ouvido em procedimento investigatório onde se apura conduta que, em tese, configura abuso de autoridade.
- Recurso ordinário desprovido." (RRC n. 10.225-DF, Sexta Turma, reI. Min. Vicente Leal, DJU de 24.9.2001).
"Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Ação penal. Trancamento. Ministério Público. Princípio da unidade e indivisibilidade. Vinculação de pronunciamento de seus agentes. Denúncia. Inépcia. Não-configuração. Descrição em tese de crime.
O princípio da unidade e da indivisibilidade do Ministério Público não implica vinculação de pronunciamentos de seus agentes no processo, de modo a obrigar que um promotor que substitui outro observe obrigatoriamente a linha de pensamento de seu antecessor.
Para a propositura da ação penal pública, o Ministério Público pode efetuar diligências, colher depoimentos e investigar os fatos, para o fim de poder oferecer denúncia pelo verdadeiramente ocorrido.
O trancamento de ação penal por falta de justa causa, postulada na via estreita do habeas corpus, somente se viabiliza quando, pela mera exposição dos fatos na denúncia, se constata que há imputação de fato penalmente atípico ou que inexiste qualquer elemento indiciário demonstrativo da autoria do delito pelo paciente.
Não é inepta a denúncia que descreve fatos que, em tese, apresentam a feição de crime e oferece condições plenas para o exercício de defesa.
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002..
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 471
Recurso ordinário desprovido." (RRC n. 8.025-PR, Sexta Tur
ma, reI. Min. Vicente Leal, DJU de 18.12.1998).
"Penal. Processual Penal. Concussão. Regime prisional. Requisitos subjetivos. Reexame de provas. Súmula n. 7-STJ. Ministério
Público. Ilegitimidade. Inexistência.
1. Aferir se o recorrente preenche ou não todos os requisitos de ordem subjetiva para obter o regime inicial semi-aberto para cum
primento de sua reprimenda, esbarra na censura da Súmula n. 7-STJ, pois demanda revolvimento de critérios fático-probatórios.
2. Quando o Ministério Público opta por dispensar o inquérito policial, pode ele proceder a investigações com o escopo de for
mar a opinio delicti, não sendo este fato motivo apto a acarretar sua ilegitimidade para eventual denúncia.
3. Recursos especiais não conhecidos." (REsp n. 223.395-RJ,
Sexta Turma, reI. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 12.11.2001).
Em relação à inépcia da denúncia, melhor sorte não merece o recurso.
Diz a exordial acusatória:
"Segundo se apurou no procedimento investigatório incluso, os
denunciados, todos agindo ajustados e com unidade de propósitos, associaram-se em quadrilha para o fim de cometer crimes.
Apurou-se que Adriana Goulart Issa Ibraim, filha de Abrão Pess Issa, comerciantes de imóveis, em razão da necessidade de manutenção de escritório destinado à centralização de seus negócios, no intuito
de manter assessoria jurídica contrataram o advogado Nélson Latif
Fakhouri, no mês de março de 1996, passando a constituí-lo para a
defesa dos interesses relacionados aos negócios.
Entretanto, embora Nélson Latif Fakhouri tivesse procuração de Adriana e/ou dos sócios ou representantes e clientes da empresa para
quase ou a totalidade dos casos do escritório que envolvessem ques
tões jurídicas, tendo conhecimento que Adriana Goulart Issa Ibraim,
Gladson Sales, seu primo e quase a totalidade de seus clientes estavam
em débito para com a Receita Federal, iniciou planificação e passou a executar ações 'jurídicas' contra os mesmos - para em seguida
aconselhá-los a entrarem em acordos desfavoráveis, passando a envolver todos os denunciados, visando a constranger Adriana e os sócios a
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
472 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
desembolsarem elevadas quantias em dinheiro para 'evitar' iminente
autuação por parte da Receita Federal; obtendo e tentando obter, as
sim, para eles, vantagens ilícitas, em prejuízo de seus próprios cons
tituintes, mediante artifícios ardis, uma vez que o dinheiro recebido em
plano dos 'acordos' seria rateado entre os integrantes da quadrilha. O
modus operandi de Nélson Latif Fakhouri era, simulando estar ad
vogando em benefício de Adriana, Abrão e seus parentes e pessoas li
gadas ao escritório para o qual foi contratado, orientava-lhes a fazer
acordos prejudiciais em ações judiciais, orientando o advogado da parte
adversária de 'como agir', primeiramente, Thyrso Manoel Fortes
Romero e, numa segunda etapa, Gilto Antônio Avalone, visando à anu
lação de atos jurídicos de compra e venda com conseqüente anulação
de escrituras; orientando-os, bem como outros integrantes da quadrilha, a ingressarem com 'medidas policiais' contra as vítimas; e valen
do-se, para tanto, da participação previamente ajustada como os demais
denunciados.
Após a prática destes fatos, no afã de querer dar credibilidade aos
seus atos, os denunciados Nélson Latif Fakhouri e seus comparsas, sempre sob o seu comando, passaram, sempre previamente ajustados e
com unidade de propósitos, entre outros repugnantes atos, a aliciar
outras pessoas que haviam negociado com as vítimas, propondo-lhes
a ingressarem com demandas judiciais de 'anulação de atos jurídicos',
a exemplo daquelas que anteriormente realizaram; a ingressarem com
'queixas-crime' contra os advogados das vítimas; sempre utilizando-se
de pretensos - simulados - instrumentos legais de interposições de
ações e medidas policiais e/ou judiciais - querendo utilizar a Justiça
para atingir seus objetivos ilícitos, tentando assim buscar uma forma
de legalizá-los." (fls. 31/35).
A irresignação do Recorrente não deve prosperar. Em primeiro lugar,
porque aponta a inépcia da exordial acusatória como decorrência da pró
pria nulidade advinda da atuação investigativa do Parquet, nulidade essa,
como visto acima, que não se verifica na hipótese em exame. Em segundo
lugar, porque a denúncia (fls. 178/183) narra fatos em que a adequação tí
pica é possível. Sabe-se que a inicial só será inepta se a imputação fática
não permite a adequação típica e a ampla defesa acerca dos fatos narrados.
Entretanto, esse vício não se vislumbra in casu.
RST], Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 473
Finalmente, cabe examinar a questão levantada no pronunciamento da
douta Subprocuradora-Geral da República, Dra. Delza Curvello Rocha, às fls. 911/912. Consta no parecer:
"15. Dos autos, o que se verifica é que esse procedimento administrativo interno, investigatório, iniciou-se no âmbito do Ministério Público, em face de expediente encaminhado àquela instituição por
Adriana Goulart Issa Ibraim, solicitando a apuração de condutas delituosas, conforme se depreende facilmente do documento acostado às fls. 39/41, pedido de interceptação de comunicação telefônica dirigi
do ao Juízo de Direito e subscrito pelo Promotor de Justiça. A descrição, nessa peça, das condutas criminosas concentra-se no parágrafo de
número 3, e no parágrafo 411. alinha-se toda a fundamentação fática que
sustentou o pedido de quebra, parágrafo esse que ora se transcreve:
'Todas essas condutas criminosas estão registradas e eviden
ciadas no expediente que segue em anexo, o qual, além de do
cumentos, trazem degravações que acompanham as respectivas fi
tas-cassete, de conversas telefônicas, obtidas tanto através de grava
ções clandestinas (efetuadas pelo interlocutor), como por interceptações
telefônicas realizadas por pessoa não identificada e enviadas à ví
tima por correio. Entre a documentação constante no expediente, foram juntadas as partes das caixas de papelão com os respectivos selos do Correio, bem como os bilhetes anônimos (sob o nome
de 'João da Silva') escritos com letras impressas recortadas de
material de revistas.'
De outro lado, do despacho autorizador da quebra (fl. 43), veri
fica-se que a autorização foi concedida, em face das informações con
tidas nas escutas clandestinas, cujas degravações foram, inclusive, e
posteriormente, rechaçadas pelo Instituto de Criminalística, fazendo
que permanecessem como prova efetiva apenas as informações obtidas
na escuta 'autorizada', que, sem dúvida alguma, derivou da clandestina."
De fato, o Ministério Público, ao apresentar em juízo pedido para efe
tuar interceptação de comunicação telefônica, nos termos da Lei n. 9.296/ 1996, fez expressa referência a documentos e degravações de conversas telefônicas, "obtidas tanto através (sic) gravações clandestinas (efetuadas pelo
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
474 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
interlocutor), como por interceptações telefônicas realizadas por pessoa não identificada e enviadas à vítima por correio" (fi. 40).
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5"\ LVI, diz serem inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, ou seja, aque
las contrárias aos requisitos de validade exigidos pelo ordenamento jurídi
co, no dizer de Uadi LaIllIllêgo Bulos (Constituição Federal Anotada, Saraiva, 2000, p. 244). Da mesma forma, também não se admitem as chama
das provas derivadas das provas ilícitas, como informa Alexandre de Moraes (Direito Constitucional, Atlas, 9J.l. ed., 2001, pp. 1211123), trazendo diversos precedentes do colendo Supremo Tribunal Federal.
É preciso certa cautela, no entanto, ao se reconhecer a nulidade em face da existência de provas ilícitas. Nem sempre a existência de uma pro
va ilícita acarretará, necessariamente, a nulidade de todo o processo a partir da sua produção. A regra comporta certa mitigação. Assim, por exemplo,
se há outras provas, lícitas, a ensejar um decreto condenatório, não há razão para se anular o processo, apenas porque há uma prova ilícita irrelevante
a compor o espectro probatório. Em outras palavras, é indispensável que
exista um nexo entre a prova ilícita (ou derivada) e a condenação do Réu, até como decorrência do princípio da instrumentalidade das formas.
Sobre o tema, anotou Uadi LaIllIllêgo Bulos (obra citada, p. 245):
"Embora o Supremo Tribunal Federal não admita as provas ilícitas, isto não significa que todo o feito seja nulo, pois o dispositivo
constitucional que estamos anotando não afirma que os processos em que exista prova obtida por meios ilícitos deverá ser nulificado, completamente (STF, HC n. 69.912-0-RS, reI. Min. Moreira Alves, DJU de 13.3.1994).
Mas o Supremo Tribunal Federal tem afastado a nulidade proces
sual quando, apesar da prova ilícita ter facilitado as investigações, elas não terem sido indispensáveis para o contexto probatório (STF, HC n. 74.152-SP, reI. Min. Sydney Sanches, decisão: 20.8.1996). Assim, há casos em que a doutrina dos 'frutos da árvore envenenada' (fruits
of the poisonous tree) não se aplica, prevalecendo a incomunicabilidade da ilicitude das provas (STF, Plenário, AP n. 307-3-DF, reI. Min. Ilmar Galvão, DJU de 25.3.1994)."
In casu, não há razão para se anular o processo, tal como postula o Parquet, tendo em vista que não se estabeleceu um nexo de desdobramento
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 475
entre as provas tidas como ilícitas e a instauração da ação penal contra o
Paciente, ou seja, não se pode afirmar que o oferecimento da denúncia se baseou fundamentalmente nas provas ilícitas e derivadas. Com efeito, não se pode olvidar que o Ministério Público fez também referência a documentos obtidos pela vítima (os quais, em princípio, não se pode ter como ilícitos), e esses documentos podem, em tese, dar sustentação à instauração do processo criminal. Em suma, não restou devidamente caracterizado que sem as provas ilícitas não seria possível denunciar o Paciente.
Nesse sentido, aliás, há precedentes desta Corte:
"HC. Constitucional. Processual Penal. Prova ilícita. O conjunto probatório precisa ser analisado organicamente. A prova ilícita, sem dúvida, é vedada pelo Direito e não pode fundamentar restrição ao exercício do direito de liberdade. Em havendo, contudo, outros elementos, sem vício jurídico, legal a decisão do juiz que os considerou para explicitar a decisão." (HC n. 9.128-RO, Sexta Turma, reI. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU de 2.8.1999).
"HC. Nulidades. Oitiva de testemunha sem a presença do réu. Não-conhecimento. Supressão de instância. Dosimetria. Exacerbação justificada. Interceptação telefônica ilícita. Ilegalidade da condenação não reconhecida. Ordem denegada.
I - Não se conhece de alegação de nulidade por oitiva de testemunha sem a presença do réu, se a mesma sequer foi ventilada perante o egrégio Tribunal a quo, sob pena de indevida supressão de instân
cia.
H - É descabido o reconhecimento de nulidade na dosimetria da reprimenda, se devidamente justificada a exacerbação procedida, sendo que a presença de condições pessoais favoráveis - como primariedade, bons antecedentes e residência fixa - não são garantidoras de eventual direito à pena mínima. Precedente do STF.
IH - Não se tem como ilegal a condenação, se a interceptação telefônica impugnada, inobstante possa ter sido colhida sem observância ao devido processo legal, não serviu de elemento de convicção para
o decreto condenatório.
IV - Ordem parcialmente conhecida e denegada." (HC n. 11. 781-
RS, Quinta Turma, reI. Min. Gilson Dipp, DJU de 17.4.2000).
Além disso, como bem observou o v. acórdão recorrido, o quadro
RSTI, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
476 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
fático não se mostra bem definido, fazendo-se mister, para melhor esclarecê-lo, um minucioso cotejo do material probatório, o que, no entanto, é inviável em sede de habeas corpus.
Por outro lado, é preciso se ponderar que a discussão se cinge ainda ao trancamento da ação penal, e não à nulidade da condenação. É possível,
por isso, que o decreto condenatório tome por base apenas as provas obti
das licitamente, desconsiderando as tidas como ilícitas, e nesse caso não haverá nulidade a ser sanada, conforme já afirmado acima. A anulação do
processo antes da prolação da sentença é medida que se mostra, por ora, precipitada.
Pelo exposto, nego provimento ao recurso.
É o voto.
RECURSO EM HABEAS CORPUS N. 12.107 - SP (Registro n. 2001.0169818-6)
Relator:
Recorrente:
Advogado:
Recorrido:
Paciente:
Ministro Edson Vidigal
Anderson Farias da Silva
Silvino Guida de Souza
Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo
Anderson Farias da Silva (preso)
EMENTA: Processo Penal - Pena-base fixada no mínimo legal -
Circunstância atenuante - Causa de aumento - Compensação - Re
gime inicial do cumprimento da pena - CP, art. 33, § 32 •
1. A menoridade não permite que a pena seja aplicada abaixo
do mínimo legal, tampouco impede a aplicação de acréscimo relativo à causa especial de aumento.
2. A gravidade genérica do delito, por si só, não justifica a im
posição do regime inicial fechado, sendo de rigor a observância dos
critérios previstos no Código Penal, art. 59.
3. Configura constrangimento ilegal a fixação do regime inicial fechado, quando a dosagem da pena permite a aplicação do regime
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 477
menos gravoso, tendo sido consideradas todas as circunstâncias judiciais (CP, art. 59), no momento da fixação da-pena base, favoráveis ao réu.
4. Ordem de habeas corpus parcialmente deferida, para fixar o regime semi-aberto.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem, para anular a imposição do regime prisional inicial fechado, fixando o regime semi-aberto para o cumprimento da pena. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Jorge Scartezzini votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca.
Brasília-DF, 5 de março de 2002 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro Edson Vidigal, Relator.
Publicado no DJ de 8.4.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Edson Vidigal: Sob a acusação de roubo qualificado por emprego de arma de fogo, Anderson Farias da Silva foi condenado a cinco anos e quatro meses de reclusão, em regime inicial fechado.
Nesta impetração, pede-se a aplicação da minorante relativa à menoridade e sustenta-se a impossibilidade da aplicação do regime mais gravoso com base exclusiva na gravidade do delito, quando todas as circunstâncias judiciais do CP, art. 59, são consideradas favoráveis ao Réu.
Informações prestadas às fls. 15/68.
Manifesta-se o Ministério Público Federal pela concessão da ordem (fls. 70/72).
Relatei.
VOTO
O Sr. Ministro Edson Vidigal (Relator): Sr. Presidente, conforme determina o Código Penal, em seu art. 68, na fixação da pena, primeiramente
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
478 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
deve ser fixada a pena-base segundo os critérios do art. 59, em seguida con
sideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes e, somente no final, as
causas de diminuição e de aumento, necessariamente nessa ordem.
Portanto, como foi fixada pena-base de Anderson no mínimo legal, tor
nou-se inviável a aplicação da atenuante da menoridade, vez que a pena já
se encontrava no limite mínimo permitido em lei, sendo indiferente que, em
momento posterior, tenha sido aplicada causa especial de aumento.
Segundo a tradição do nosso Direito, a menoridade tem maior peso do
que qualquer outra circunstância.
Não obstante, o fato do Réu ser menor de vinte e um anos não per
mite que a pena seja aplicada abaixo do mínimo legal, tampouco impede a
aplicação de acréscimos relativos a causas especiais de aumento.
Por oportuno, Ministros Vicente Leal e Gilson Dipp:
"Penal. Apelação. Pena. Individualização. Circunstância atenuante.
Incidência obrigatória. Fixação abaixo do mínimo legal.
1. No processo de individualização da pena, deve o juiz observar
os cânones inscritos nos arts. 59 e 68 do Código Penal, fixando a pena
-base dentro das balizas delimitadas pelo legislador, observando para
tanto as circunstâncias legais - atenuantes ou agravantes - e comple
mentar a operação com a aplicação das especiais de aumento ou de
diminuição de pena.
2. Fixada a pena-base no mínimo legal, descabe a redução por
força do reconhecimento de circunstâncias atenuantes, que, de outra
parte, não se compensam com causas especiais de aumento de pena."
(REsp n. 223.360-SP, DJ de 3.4.2000).
"Penal. Tentativa de roubo qualificado. Pena-base fixada no míni
mo legal. Redução aquém do mínimo pela incidência da atenuante da
menoridade. Impossibilidade. Aplicação da Súmula n. 231-ST}. Recurso
desprovido.
1. Fixada a pena em seu mínimo legal, descabe reduzi-la aquém
do mínimo, mesmo em face à existência de circunstância atenuante.
Aplicação da Súmula n. 231-ST}.
2. Recurso desprovido." (REsp n. 225. 726-SP, DJ de
15.10.2001).
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 479
Quanto ao regime prisional, assim consignou a Corte a quo (fl. 254):
"( ... ) Tratando-se de roubo, ainda sendo o réu menor e primário, o mais adequado é o fechado."
Como se vê, o regime inicial fechado foi aplicado com base exclusivamente na gravidade do delito perpetrado.
O Código Penal, em seu art. 33, § 311., determina que, na fixação do regime inicial do cumprimento da pena, também sejam observados os critérios previstos no artigo 59.
Por conseguinte, se a pena-base foi fixada no mínimo legal, porque as circunstâncias judiciais do artigo 59 eram favoráveis ao acusado, impõe-se o mesmo favorecimento na determinação do regime de pena a ser cumprido inicialmente.
Nesse sentido:
"Penal e Processual Penal. Habeas corpus. Roubo. Regime ini-ciaI.
I - Na determinação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, deve-se ter em consideração, além da quantidade de pena aplicada (§ 211. do art. 33 do CP), também as condições pessoais do réu (§ 311. do art. 33 c.c. art. 59 do CP), sendo vedado, em regra, considerar apenas a gravidade do crime em si e a genérica, e não fundamentada, periculosidade do agente.
II - Incompatibilidade da fixação do regime inicial fechado se a quantidade da pena imposta permite seja estabelecido o semi-aberto e as circunstâncias judiciais, na determinação da pena-base, foram consideradas na r. sentença condenatória como favoráveis aos réus. (Precedentes).
Writ deferido, com extensão, de ofício, para os co-réus." (HC n. 11.946, reI. Min. Felix Fischer, DI de 19.6.2000).
"Habeas corpus. Regime carcerário fechado. Início. Necessidade de motivação, se o crime não é legalmente apostrofado com a qualificação de hediondo.
Não se tratando de crimes hediondos, a sentença condenatória que fixa, para cumprimento inicial da reprimenda, regime prisional mais severo do que aquele que o condenado teria, em tese, direito, exige fundamentação adequada, sob pena de nulidade.
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
480 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA
A gravidade do delito, por si só, não pode servir de justificativa para a imposição de regime mais grave.
Ordem concedida." (HC n. 12.345, reI. Min. José Arnaldo, DJ de 22.5.2000).
"Habeas corpus. Roubo. Execução. Regime prisional mais gravoso estabelecido sem fundamentação. Condenado primário. Direito ao regime aberto. Ordem concedida.
1. Se o condenado preenche os requisitos para o cumprimento da pena em regime aberto, tendo em vista a quantidade de pena imposta e diante da reconhecida primariedade na própria do simetria da reprimenda, não cabe a imposição de regime mais gravoso com fundamentação exclusiva na gravidade do delito.
2. Tratando-se de nulidade prontamente verificada, deve ser permitido o devido saneamento via habeas corpus.
3. Ordem concedida para fixar o regime aberto para o cumprimento da pena." (HC n. 12.013-SP, DJ de 1.8.2000, reI. Min. Gilson Dipp).
Assim, tendo em vista que tão-somente a gravidade do crime praticado não justifica a imposição do regime mais gravoso, concedo a ordem parcialmente, para anular a imposição do regime prisional inicial fechado, fixando o regime semi-aberto para o cumprimento da pena.
É o voto.
Relator:
Recorrentes:
Advogado:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 10.853 - SP
(Registro n. 99.0038430-0)
Ministro Edson Vidigal
Darci Salvadego Corniani e outros
Roberto Carlos Martins
Tribunal de origem: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo
Impetrado: Juízo de Direito da 1ll. Vara Criminal de São José do Rio Preto
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 481
EMENTA: Penal - Processual - Estelionato - Administradora telefônica - Bloqueio de transferências de linhas - Mandado de se
gurança - Recurso.
1. Ausente prova pré-constituída do negócio realizado entre a
empresa e os proprietários das linhas telefônicas bloqueadas, não se
concede a segurança.
2. O direito reclamado, para ser amparado, há de vir expresso em norma legal, e trazer em si todos os requisitos e condições para sua exata aplicação ao caso em exame. Não se admite, em mandado de segurança, o exame interpretativo das provas produzidas.
3. Recurso em mandado de segurança não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Jorge Scartezzini votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Minis
tro José Arnaldo da Fonseca.
Brasília-DF, 5 de março de 2002 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro Edson Vidigal, Relator.
Publicado no DJ de 8.4.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Edson Vidigal: O mandado de segurança, impetrado por Darci Salvadego Corniani e outros, buscava garantir suposto direito à trans
ferência de linhas telefônicas, bloqueadas em razão de inquérito policial, instaurado para apuração de suposto crime de estelionato, em tese, come
tido por representantes da empresa que as administrava.
Denegada a segurança, vêm com este recurso, sustentando, em sínte
se, serem legítimos proprietários das linhas telefônicas em debate, disponibilizadas para locação pela empresa Só Telefones Oliveira. Afirmam que eventual irregularidade teria ocorrido "entre esta empresa e os usuários
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
482 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNALDE}uSTIÇA
das linhas telefônicas", porém, "desde 4 de agosto de 1998 os Recorrentes
não mais puderam dispor do que lhes pertence, pois a ordem judicial determinou o bloqueio de todos os telefones que eram administrados pela Empresa-ré, incluindo, neles, os de propriedade dos ora recorrentes" (fi. 139).
Alegam patente o prejuízo sofrido, na medida em que não mais lhes foi dado perceber os valores referentes ao referido aluguel; ainda, que as
linhas telefônicas "foram obrigadas, pela mesma ordem abusiva, a permanecerem em nome dos Impetrantes, mas em uso por terceiros, o que leva a questionar sobre a responsabilidade pelo pagamento das contas mensais" (fi.
140).
Pedem seja concedida a segurança, para que "se retire a restrição que
pesa sobre tais linhas, oriunda da 1"- Vara Criminal" (fi. 6).
O Ministério Público, nesta Instância, é pelo não-provimento.
Relatei.
VOTO
O Sr. Ministro Edson Vidigal (Relator): Sr. Presidente, não há como conceder a segurança requerida. É certo que, como bem consignou a deci
são recorrida, "uma análise dos documentos que acompanham a impetração e dos fatos que foram juntados com as informações deixa claro que a empresa Só Telefones Oliveira, dentre outras atividades, atuava, no que inte
ressa para o caso, com a locação e venda em sistemas de consórcio (com
locação enquanto não terminassem os pagamentos), de linhas telefônicas e,
também, emprestava dinheiro, recebendo linhas telefônicas como garantia" (fi. 130). Não obstante, não há, nos autos, prova pré-constituída do negó
cio supostamente realizado entre os Recorrentes e a empresa em questão: nada se juntou, de forma a demonstrar que as mencionadas linhas telefôni
cas efetivamente estariam na posse de terceiros em razão de eventual con
trato de locação, não havendo como, em mandado de segurança, proceder
à dilação probatória demandada pela pretensão.
O direito reclamado, para ser amparado, há de vir expresso em norma legal, e trazer em si todos os requisitos e condições para sua exata apli
cação ao caso em exame. Necessário o exame de fatos e provas, correta a
decisão atacada.
Assim, nego provimento ao recurso.
É o voto.
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
Relator:
Recorrente:
Advogados:
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 11.133 - RS
(Registro n. 99.0078128-7)
Ministro Jorge Scartezzini
Paulo Roberto Claro Rodrigues
Ruy Armando Gessinger e outros
Tribunal de origem: Tribunal Regional Federal da 4.0. Região
483
Impetrado: Juiz-Presidente do Tribunal Regional Federal da 411
Região
EMENTA: Administrativo - Recurso em mandado de seguran
ça - Servidor público do Poder Judiciário - Omissão, na declaração
de posse, quanto à condenação penal (crime de peculato) -
Improbidade administrativa caracterizada - Ausência de direito lí
quido e certo.
1. Não há que se falar em ilegalidade da pena administrativa
de demissão, porquanto o recorrente, servidor público do Poder Ju
diciário, omitiu em sua declaração de antecedentes a existência de
processo criminal ao qual respondia, pela prática de peculato. O art.
11 da Lei n. 8.429/1992 é claro ao normatizar que constitui ato de
improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Ad
ministração Pública, qualquer ação ou omissão que viole os deveres
de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.
Ausência de direito líquido e certo a ser amparado pela via manda
mental.
2. Recurso conhecido, porém, desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça em, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento
ao recurso. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Edson
Vidigal, José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer e Gilson Dipp.
Brasília-DF, 11 de dezembro de 2001 (data do julgamento).
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
484 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro Jorge Scartezzini, Relator.
Publicado no DI de 8.4.2002.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Jorge Scartezzini: Cuida-se de recurso ordinário em
mandado de segurança interposto por Paulo Roberto Claro Rodrigues, com
fundamento no art. 105,11, b, da Constituição Federal, contra o v. acórdão
de fi. 614, proferido pelo Plenário do Tribunal Regional Federal da 411. Re
gião que, à unanimidade, denegou a segurança. A ementa do julgado encon
tra-se expressa nos seguintes termos, verbis:
"Mandado de segurança. Demissão. Processo administrativo. Ar
tigo 132, inciso IV, da Lei n. 8.112/1990. Improbidade administrati
va. 1. Inocorrência de nulidade, uma vez que os fatos que ensejaram
a demissão estão cabalmente provados através da prova documental
consubstanciada na declaração de não ter sofrido pena de demissão ou
destituição de cargo em comissão assinada pelo Impetrante e certidão
positiva de antecedentes criminais. 2. Hipótese em que o processo ad
ministrativo que culminou na demissão do funcionário, forte no dis
posto no inciso IV do artigo 132 da Lei n. 8.112/1990 se deu em es
trita observância aos preceitos que devem nortear a Administração PÚ
blica. 3. Segurança denegada."
Alega o Recorrente, nas suas razões, em síntese, que o ato que o de
mitiu é ilegal "a) quanto à forma, pois alij ou do processo sagrados princí
pios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do due process of law;
b) quanto ao tempo, vez que pretende afastar do serviço público funcioná
rio por ato praticado enquanto ainda não tinha tomado posse; e c) quanto
ao conteúdo, já que o Impetrante exercia com a máxima excelência e leal
dade as suas atividades". Requer, ao final, a reforma do v. aresto recorrido
e a conseqüente concessão da segurança (fIs. 618/646).
Não foram apresentadas contra-razões (fi. 652).
Devidamente preparado o recurso (fi. 647) e estando este tempestivo,
subiu o presente a esta Corte.
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 485
A douta Subprocuradoria Geral da República opina pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 656/664).
É o relatório.
VOTO
o Sr. Ministro Jorge Scartezzini (Relator): Sr. Presidente, o recurso merece ser conhecido, porquanto preparado e tempestivo, porém, desprovido.
Adoto como razões de decidir, o parecer ministerial do Dr. Moacir Guimarães Morais Filho, que bem abordou a questão ao assim asseverar, verbis (fls. 656/664):
"O recorrente, Paulo Roberto Rodrigues, exercia o cargo de Técnico Judiciário, reenquadrado como Analista Judiciário do TRF da 4 li
Região (Gabinete do MM. Juiz Jardim de Camargo), quando foi preso em virtude de sentença penal condenatória, cumprida por mandado de prisão expedido pelo Juiz de Direito da Comarca de CacequiRS.
o decreto condenatório é fruto de processo penal estadual apurado após inspeção da Corregedoria realizada em 1991. O Recorrente exercia o cargo de funcionário da Justiça Estadual, como Distribuidor-Contador à época dos fatos na Comarca de Cacequi, quando praticou o crime de peculato (art. 312 do Código Penal) pelo qual foi condenado à pena de dois anos e dois meses de reclusão. Em 6.9.1994 foi demitido do serviço público.
Após aprovação posterior em concurso público, o Recorrente omitiu declaração positiva de antecedentes criminais da Comarca de Cacequi-RS e apresentou perante o TRF da 4li Região alvará de folha corrida da Comarca de Porto Alegre (documento necessário para habilitação ao cargo), documento onde nenhuma condenação constava e mais a declaração de não ter sofrido pena de demissão ou destituição de cargo em comissão no serviço público.
A partir desses fatos narrados foi instaurado o Processo Administrativo-Disciplinar n. 96.40.00622-0-DRH, através da Portaria n. 365,
de 22.7.1956 (sic), designando comissão para apurar ilícito administrativo.
A Comissão, inicialmente nomeada, considerou insuficientes os
RST], Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
486 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
elementos colhidos e concluiu pelo não-indiciamento do Recorrente e
pelo arquivamento dos autos (fls. 532/545). Entretanto, o relatório da Comissão foi declarado nulo (fls. 546/549), porque não oportunizado ao acusado o oferecimento de defesa.
Designada nova Comissão, através da Portaria n. 110, de 19.3.1997, esta concluiu com o seguinte entendimento (fls. 550/565):
'Em face de todo o processado, concluiu a Comissão de Processo Disciplinar que, inobstante haver elementos que indiquem a possibilidade de exoneração do servidor, justificada por conveniência da Administração, uma vez que ainda não adquiriu a estabilidade, por inconcluso o estágio probatório (PA n. 95.40.02554-0-DRH-Dirsap, em apenso), a conduta comissiva do indiciado consubstancia ato de improbidade administrativa, ao qual é cominada pena de demissão, consoante o disposto no artigo 132, inciso IV, da Lei n. 8.112/1990.'
o Recorrente impetrou mandado de segurança (fls. 2/11) argumentando violação ao princípio da ampla defesa pelo indeferimento da realização de prova testemunhal. Alegou, também, terem sido violados os princípios da irretroatividade e legalidade, pois a Lei n. 8.112/1990 não pode ser aplicada a fato praticado em 28.6.1990 e nenhuma falta fora cometida no exercício do cargo. Assevera o Recorrente ser presumidamente inocente à época da abertura do concurso, porque este só ocorreu em março de 1993 e o acórdão condenatório é de maio de 1995. Aduz ter assinado a 'declaração de não ter sofrido pena de demissão ou destituição de cargo em comissão' por acreditar que a única pena de demissão impeditiva da posse em serviço público seria aquela realizada em órgão federal.
A Procuradoria Regional da República da 4l1. Região opinou pela denegação da segurança às fls. 568/575.
Às fls. 595/615 foi denegada a segurança, à unanimidade, pelo Tribunal Regional da 4l1. Região, cujo voto do Relator se transcreve:
'Igualmente incabível é a alegação de que foi aplicada
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 487
retroativamente a Lei n. 8.112/1990 por ter o crime sido prati
cado em 26.6.1990, uma vez que a acusação é de improbidade ad
ministrativa consistente na omissão de informações e não a um instituto de direito penal.'
'Mister consignar ainda que o edital publicado no DOU de 15.3.1993 referente ao concurso prestado pelo Impetrante exige como condição da inscrição 'não registrar antecedentes criminais, achando-se no pleno gozo dos direitos civis e políticos'. Logo, não aproveita ao candidato a alegação de que dele foi exigida
apenas declaração negativa do seu domicílio e que seu último
domicílio era Lajeado, onde não constavam condenações crimi
nais.'
Irresignado, o Recorrente interpôs recurso ordinário com fundamento no artigo 105, 11, b, da CF11988, aduzindo os mesmos funda
mentos jurídicos expostos na inicial.
É o relatório; segue o parecer do Ministério Público Federal.
O recorrente omitiu informação relevante sobre sua pessoa,
apresentando declaração diversa da que realmente interessava e assim ocultando dolosamente o processo, que respondia por peculato na Comarca de Cacequi-RS. Esta atitude consubstanciou má-fé por par
te do recorrente Paulo Roberto Rodrigues, eis que violou o dever de
honestidade para com os órgãos administrativos do Poder Judiciário da 411. Região. Destaca-se o art. 11 da Lei n. 8.429/1992:
'Constitui ato de improbidade administrativa que atenta con
tra os princípios da Administração Pública, qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, le
galidade e lealdade às instituições.'
Inexiste a alegada plausibilidade do direito quanto ao princípio
da irretroatividade porque a omissão relativa à condenação criminal ocorreu já na vigência da Lei n. 8.112/1990.
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
488 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A absolvição do Recorrente no juízo penal não interfere na esfera administrativa, pois a sentença absolutória baseou-se no inciso IH
do artigo 386 do Código de Processo Penal (ausência de tipicidade),
e não em negativa de autoria e inexistência material do fato (art. 126
da Lei n. 8.112/1990).
A questão sobre a ausência de tipicidade não se confunde com a
hipótese de inexistência material do fato e ignorância da autoria, por
que os elementos normativos do fato típico envolve para caracteriza
ção do delito a tipicidade e a culpabilidade.
Não repercute, nas esferas cível e administrativa a sentença cri
minal que reconhece a ausência de tipicidade na ação do Recorrente,
tipicidade que pode encerrar-se unicamente nos elementos normativos
da infração penal, cuja conclusão sob a culpabilidade não é capaz so
zinha de fazer coisa julgada nas esferas cível e administrativa.
Somente a inexistência material do fato e a inexistência da au
toria fazem coisa julgada na esfera cível, sem prejuízo da falta residual
que enseja a punição na esfera administrativa-disciplinar.
Assim sendo, nenhuma censura há de ser feita ao acórdão recor
rido que, considerando o disposto no art. 132, inciso IV, da Lei n. 8.112/1990, reconheceu a prática da infração administrativa (ato de
improbidade) para justificar a aplicação da pena demissória.
Vale ressaltar que o servidor ainda não havia adquirido a estabi
lidade no serviço público quando a Comissão concluiu pela pena expulsória, face à omissão do Recorrente para com os órgãos adminis
trativos do Poder Judiciário a se evidenciar que nenhuma causa de
exculpação foi reconhecida em favor do Recorrente, pois necessária
para a inscrição ao concurso a inexistência de antecedentes criminais
e não apenas aqueles relativos ao seu último domicílio."
Anoto, ainda, na esteira do parecer supra e de inúmeros precedentes desta Corte, que, durante o estágio probatório, o candidato, embora apro
vado em concurso público para o provimento do cargo, caso demonstre
inaptidão ou ineficiência no exercício das suas funções, pode ser exonera
do justificadamente, independentemente de inquérito administrativo-disci
plinar. Motivo maior aquele que ingressou no serviço público omitindo
dados sobre sua vida funcional. Não estando estabilizado, pode ser demi
tido ad nutum.
RST], Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 489
Outrossim, registro, também, que, no tocante à independência de es
feras, assim já decidi:
"Administrativo. Recurso em mandado de segurança. Servidor
público militar. Absolvição criminal por ausência de provas. Demis
são na esfera administrativa. Legalidade. Independência entre as ins
tâncias administrativa e criminal. Inexistência de nulidade da sessão
de julgamento do Conselho Superior de Polícia. Ausência de direito líquido e certo.
1. Não há que se falar em ilegalidade da pena administrativa de
demissão, em virtude da existência de absolvição na esfera criminal, por
insuficiência ou ausência de provas, pois são instâncias independentes e
autônomas. Outrossim, a doutrina e a jurisprudência dos Tribunais têm
sido unânimes ao afirmarem que somente excetua-se a esta regra a hipó
tese de absolvição criminal fundamentada na inexistência do fato crimi
noso ou na negativa de autoria, o que não é o caso dos presentes autos.
2.0missis.
3. Recurso conhecido, porém, desprovido." (RMS n. 11.216-MT,
de minha relatoria, DJU de 23.4.2001) - grifei.
Mais não há que se perquirir.
Por tais fundamentos, conheço e nego provimento ao recurso.
É como voto.
Relator:
Recorrente:
Advogado:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 11.605 - MA
(Registro n. 2000.0017618-4)
Ministro Edson Vidigal
Haroldo Olympio Lisboa Tavares
Lino Rodrigues C. Branco Sobrinho
Tribunal de origem: Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
490 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Impetrados: Governador do Estado do Maranhão e Secretário de Administração, Recursos Humanos e Previdência do Estado do Maranhão
Recorrido: Estado do Maranhão
Procuradores: Raimundo Soares de Carvalho e outros
EMENTA: Administrativo - Servidor público estadual - Gratificação de representação - Vantagem pessoal - Teto remuneratório.
1. Com a vigência da Lei Estadual n. 6.524/1995, transformaram-se em vantagem pessoal as parcelas da gratificação de representação.
2. Consoante o entendimento firmado deste STJ, as vantagens ditas pessoais não devem ser incluídas no teto-limite de remuneração previsto na CF, art. 37, XI.
3. Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Jorge Scartezzini votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca.
Brasília-DF, 5 de março de 2002 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro Edson Vidigal, Relator.
Publicado no DI de 8.4.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Edson Vidigal: Em mandado de segurança requer
Haroldo Olympio Lisboa Tavares, servidor público estadual, seja-lhe concedido direito à percepção de parcela referente à gratificação de represen
tação de cargo em comissão de Secretário de Estado, assegurado pelo Es
tatuto dos Servidores Civis do Estado do Maranhão - Lei n. 6.107/1994.
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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 491
Concedendo parcialmente a ordem, o Tribunal de Justiça Estadual assim ementou seu acórdão:
"Situações como a presente são resolvidas por opção: o funcio
nário, quando reúne as condições, opta, obviamente, por aposentar-se no cargo que lhe é mais vantajoso." (fl. 72).
Desta decisão foram interpostos embargos declaratórios que restaram rejeitados (fls. 110/118).
Recorre, então, o servidor, a esta Corte, com base na CF, art. 105, II, b, alegando ter direito à parcela da remuneração subtraída de seu contracheque, porquanto vantagem de caráter pessoal - vantagem individual - recebida em razão de exercício de cargo de Secretário de Estado, tendo acumulado quintos, antes de sua aposentadoria. Alega que essas vantagens não podiam ser incluídas para fixação do teto remuneratório.
O Estado do Maranhão, por sua vez, alega que, em razão da CF, art. 37, XI; ADCT, art. 17, e da Constituição Estadual, art. 19, XI, a Administração vem deduzindo dos proventos do Impetrante o valor que ultrapassa o teto remuneratório, excluindo apenas o Adicional por Tempo de Serviço, enquadrado como vantagem pessoal. Alega, ainda, que a Gratificação de Representação do Cargo Comissionado de Secretário de Estado não pode ser considerada como vantagem pessoal, como quer o Impetrante, uma vez que
a Lei n. 6.107/1994, que a instituiu, assim considera apenas 20% de seu valor.
O Ministério Público Federal, nesta Instância, opina pelo provimento do recurso ordinário (fls. 154/160).
Relatei.
VOTO
O Sr. Ministro Edson Vidigal (Relator): Sr. Presidente, o Impetrante
aposentou-se como professor universitário do Estado do Maranhão, em 1998, constando, de seu decreto de aposentadoria, a parcela de gratificação
de representação do cargo em comissão de Secretário de Estado, o qual havia exercido antes de passar à inatividade.
Em posterior revisão desses proventos, a Administração Estadual deduziu do contracheque do Impetrante a referida gratificação de representação, conquanto considerou não enquadrada como vantagem pessoal,
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492 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
inc1uindo-a para fixação do teto remuneratório. Eis a razão da impetração.
Tenho que mereça prosperar o recurso.
O Impetrante exerceu o cargo comissionado de Secretário de Estado
enquanto ainda vigente o Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do Maranhão - Lei n. 6.107/1994 -, que assim dispunha em relação à
gratificação de representação:
"Art. 75. Pelo exercício de cargo em comissão que o servidor te
nha exercido ou venha a exercer, é devida uma gratificação de repre
sentação em valores fixados em lei.
§ 1 Q. A gratificação prevista neste artigo incorpora-se à remune
ração do servidor na proporção de 1/5 (um quinto) por ano de exer
cício de cargo em comissão até o limite de 5 (cinco) quintos."
Com a vigência da nova Lei Estadual n. 6.524/1995, esse dispositivo
foi revogado, transformando-se em vantagem pessoal as parcelas de grati
ficação de representação, conforme estabelecido no art. 1 Q:
"Art. 1 Q. Ficam transformadas em vantagem pessoal as parcelas
da gratificação de representação referentes aos quintos já incorporados
à remuneração do servidor, com base no § p. do art. 75 da Lei n. 6.107, de 27 de julho de 1994."
Assim, consoante o entendimento firmado deste STJ, as vantagens ditas
pessoais não devem ser incluídas no teto-limite de remuneração previsto na
CF, art. 37, XI.
Na verdade, somente as parcelas percebidas no exercício das funções
inerentes ao cargo público sujeitam-se ao referido limite, já que o regime de remuneração dos servidores públicos não é imutável, sendo passível de
redução quando percebido em desacordo com a ordem constitucional (ADCT, art. 17).
Nesse sentido, a propósito, transcrevo parte do voto do Ministro Jor
ge Scartezzini, relator do RMS n. 9.450-ES: "Portanto, a gratificação conce
dida aos Recorridos, oriunda do exercício do cargo em comissão por certo
lapso temporal, tem natureza nitidamente individual. Constitui, a mesma,
vantagem pessoal, e não vencimento. A chamada incorporação ao vencimento
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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 493
de parcela correspondente a este cargo exercido anteriormente não tem o
efeito de alterar-lhe a natureza originária, transmudando-a em vencimento
-base, posto que não o é. São verbas pessoais constitucionalmente assegu
radas, uma vez que representam uma contraprestação a um serviço já rea
lizado e, por isso mesmo, incorporado aos vencimentos. Logo, não pode ser
incluída no cômputo para efeitos de limites do teto remuneratório consti
tucional" .
É esse o entendimento firmado por esta Corte. Ressalto alguns prece
dentes:
"Constitucional. Administrativo. Servidores públicos federais apo
sentados. Remuneração. Teto-limite. Vantagens pessoais. Desconto.
- Em tema de limite máximo de remuneração de servidores pú
blicos, a jurisprudência do STF, com os olhos na garantia constitucio
nal do respeito ao direito adquirido, consagrou o entendimento de que
as vantagens de natureza pessoal, definitivamente incorporadas aos
vencimentos ou proventos, devem ser excluídas do somatório a que se
refere o art. 37, XI, da Carta Magna.
- Recurso especial não conhecido." (REsp n. 173. 955-AL, reI.
Min. Vicente Leal, DJ de 21.9.1998).
"Administrativo. Servidor público federal. Quintos. Vantagens
pessoais. Exclusão do teto.
- Entende-se por vantagens pessoais aquelas que não são
deferidas ao conjunto dos servidores como um todo, estando excluídas
do teto de remuneração previsto no art. 37, XI, e art. 39, § P, da
Constituição Federal.
- Considera-se a verba denominada 'quintos' como vantagem pes
soal que integra a remuneração permanente do servidor público, de
vendo ser excluída do teto remuneratório.
- Precedentes.
- Recurso não conhecido." (REsp n. 143.490-SE, reI. Min. Felix
Fischer, DJ de 3.8.1998).
Assim, conheço do recurso e dou-lhe provimento.
É o voto.
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494
Relator:
Recorrente:
Advogados:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 12.808 - MT
(Registro n. 2001.0002159-0)
Ministro Jorge Scartezzini
Rodrigo Alexandre de Paula Moreira Duarte
Ulysses Ribeiro e outro
Tribunal de origem: Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso
Impetrado: Procurador-Geral de Justiça do Estado do Mato Grosso
EMENTA: Administrativo - Recurso ordinário em mandado de
segurança - Membro do Ministério Público Estadual - Vitalicieda
de - Observância procedimental - Nulidade inexistente - Ampla
defesa comprovada - Afastamento e posterior exoneração - Legali
dade.
1. Se a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n.
8.625/1993), em seu art. 60, § 12·, reservou à lei estadual a normati
zação do procedimento de impugnação ao processo de vitaliciamento
e essa (no caso concreto, Lei Complementar Estadual n. 27/1993),
dentro de seu poder normativo, delegou ao regulamento, não há
qualquer percalço jurídico ensejador de nulidade. Logo, correta foi
a observância procedimental, posto que não se está impugnando a
via normativa escolhida pelo legislador complementar estadual para
regulamentar o tema, mas, sim, a sua inexistência.
2. Ademais, consoante jurisprudência desta Corte, durante o es
tágio probatório, o candidato, embora aprovado em concurso públi
co para o provimento do cargo, caso demonstre inaptidão ou inefi
ciência no exercício das suas funções, pode ser exonerado de forma
justificada, independentemente de inquérito administrativo-discipli
nar. Na hipótese dos autos há, conforme alegado pelo próprio recor
rente, processo disciplinar instaurado, tendo-lhe sido, inclusive,
oportunizado defesa. Ausência de direito líquido e certo. Legalidade
do ato de afastamento e posterior exoneração mantida.
3. Precedente (RMS n. 6.675-MG).
4. Recurso conhecido, porém, desprovido.
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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 495
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça em, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento
ao recurso. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Edson Vidigal, José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer e Gilson Dipp.
Brasília-DF, 6 de dezembro de 2001 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro Jorge Scartezzini, Relator.
Publicado no DJ de 8.4.2002.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Jorge Scartezzini: Cuida-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por Rodrigo Alexandre de Paula Moreira Duarte, com fundamento no art. 105, II, b, da Constituição Federal, contra o v. acórdão de fls. 122/123, proferido pelo Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, que, à unanimidade, rejeitou a preliminar e, no mérito, concedeu parcialmente a segurança tão-somente para devolver ao Impetrante o prazo integral para apresentação de sua defesa. A
ementa do julgado encontra-se expressa nos seguintes termos, verbis:
"Mandado de segurança individual. Vitaliciamento. Impugnação
na fase de estágio probatório. Relatório incompleto. Cerceamento de defesa. Suspensão do prazo para oferecimento de defesa escrita.
Liminar concedida em parte. Permanência no cargo até o último dia do biênio. Inadmissibilidade. Inexistência de direito líquido e certo a
ser protegido pela via mandamental. Decisão unânime. Indeferimento do writ.
1. É imperioso o acesso do Impetrante ao relatório da Correge
doria Geral do Ministério Público em sua íntegra, como garantia de exercer de forma plena sua defesa, de modo que a ausência de pági
nas justifica a suspensão do decurso do prazo para a apresentação de defesa escrita.
2. Havendo, no transcorrer do estágio probatório, impugnação ao
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496 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
vitaliciamento do Promotor de Justiça em observação, viável o afasta
mento automático do exercício de suas funções até julgamento defini
tivo, em respeito ao interesse público visado pelo referido período de
prova.
3. Não há se falar, portanto, em direito subjetivo à permanência
no cargo até o último dia do biênio se, antes, deu ensejo o Impetrante
a sua exclusão dos quadros do Ministério Público.
4. A exclusão de servidor que, segundo critério discricionário da
instituição, revelou-se inconveniente durante o período de estágio
probatório, se perfaz por procedimento meramente administrativo, res
peitado o que concerne à ampla defesa."
Alega o Recorrente, nas suas razões, em síntese, ser nulo o procedi
mento administrativo que concluiu pelo seu não-vitaliciamento com base na
Resolução n. 5/1994 - Regimento Interno do Conselho Superior do Minis
tério Público - dado pretender reger matéria reservada à lei, conforme pre
coniza a Lei n. 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional). Aduz, ainda, não es
tar tal ato amparado por regular processo administrativo, lesionando garan
tia constitucional (fls. 135/143).
Contra-razões apresentadas às fls. 207/218, em que a autoridade-im
petrada requer, preliminarmente, a extinção do processo conforme a previ
são contida no art. 267, VI, do CPC, por encontrar-se "sustentando inusi
tado e fútil 'mandado de segurança declaratório'''. No mérito, que seja jul
gado improcedente, vez que "o Recorrente invoca um pretenso motivo de
nulidade sem, no entanto, demonstrar o prejuízo. Reclama e esperneia contra
a Resolução n. 5/1994, quando deveria ser-lhe grato por oportunizar-lhe
uma manifestação que, por todos os ângulos, se revela completamente des
necessária" .
Devidamente preparado o recurso (fl. 196) e estando tempestivo, su
biu o presente a esta Corte.
A douta Subprocuradoria Geral da República opina pelo desprovi
mento do recurso (fls. 233/235), vindo-me os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Jorge Scartezzini (Relator): Sr. Presidente, o recurso
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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 497
merece ser conhecido, porquanto preparado e tempestivo, porém, desprovido.
Insurge-se o Impetrante, ora recorrente, contra ato que o afastou do
cargo de Promotor de Justiça, exercido na Comarca de Araputanga-MT, quando em estágio probatório, não o vitaliciando, após sindicância e crivo do egrégio Conselho Superior do Ministério Público Estadual, por aplicação automática do art. 41 da Lei Complementar n. 27/1993.
Aduz que é nulo o procedimento administrativo que concluiu pelo seu não-vitaliciamento com base na Resolução n. 5/1994 - Regimento Interno do Conselho Superior do Ministério Público - dado pretender reger matéria reservada à lei, consoante preconiza a Lei n. 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional). Sustenta, ainda, não estar tal ato amparado por regular processo administrativo, lesionando garantia constitucional.
Razão não assiste ao Recorrente.
Inicialmente, ressalto que na via mandamental apenas se examina a
legalidade ou não do ato acoimado de coator, não podendo se analisar seus fundamentos, já que pertencentes à seara de discricionariedade da Administração. A assertiva do Recorrente de que o procedimento administrativo é nulo, porquanto foi instaurado com base na Resolução n. 5/1994, improcede, já que há naquele Estado Federativo a Lei Complementar n. 27/1993, que regula a matéria (estágio probatório) em seus artigos 40 e 41. Desta forma, registro que entendo, como a Corte de origem, sem aprofundar-me no tema, que respeitada foi a previsão contida no art. 60, § 1"\ da Lei n. 8.625/ 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público), que normatiza, verbis:
"A lei orgânica disciplinará o procedimento de impugnação, cabendo ao Conselho Superior ... "
Ora, se a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público reservou à lei estadual a normatização do procedimento de impugnação, e essa, dentro de seu poder normativo, delegou ao regulamento, não vejo, prima facie, qualquer percalço jurídico ensejador de nulidade. Afirmo isso porque não se está impugnando a via normativa escolhida pelo legislador complementar estadual para regulamentar o tema, mas, sim, a sua inexistência. Isto é inverídico, razão pela qual afasto tal alegação.
Destarte, durante o estágio probatório, o candidato, embora aprovado em concurso público para o provimento do cargo, caso demonstre inaptidão ou ineficiência no exercício de suas funções, pode ser exonerado
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498 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
justificadamente, independentemente de inquérito administrativo-disciplinar. Claro que tal exoneração não pode ser arbitrária ou imotivada, devendo se embasar em motivos e fatos reais que revelem a inaptidão ou desídia do ser
vidor, no caso concreto, membro do Parquet Estadual, apuráveis através de
sindicância. O processo disciplinar, como alegado pelo próprio Recorrente, existe e está comprovado (fls. 2/11), tendo havido, inclusive, oportuni
dade de defesa.
Nesta esteira, o seguinte precedente desta Corte:
"Administrativo. Magistrado. Estágio probatório. Falta grave. Pro
cesso de vitaliciamento. Defesa prévia. Exoneração. Legalidade.
- A exoneração de servidor público em estágio probatório não cons
titui penalidade, mas mera dispensa, por não convir à Administração a
sua permanência no serviço público, por não se revelarem satisfatórias as
condições do seu trabalho. (cf. Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, 14Jl. ed., pp. 381/382).
- Durante o estágio probatório, o magistrado não está sob o abrigo
da garantia constitucional da vitaliciedade, podendo ser exonerado des
de que não demonstrados os requisitos próprios para o exercício da função jurisdicional, tais como idoneidade moral, aptidão, disciplina, assiduidade, eficiência e outros, circunstância aferível por processo es
pecial de vitaliciamento, assegurado o direito de defesa prévia.
- As disposições do art. 27 da Loman são aplicáveis tão-somen
te aos magistrados possuidores da garantia de vitaliciedade.
- Recurso ordinário desprovido." (RMS n. 6.675-MG, reI. Minis
tro Vicente Leal, DJU de 1. 9 .1997) - grifei.
No mesmo sentido, o parecer do ilustre representante do Parquet Fe
deral, verbis (fls. 234/235):
" ... A exoneração, nessas circunstâncias, é um instrumento colo
cado à disposição da Administração Pública, não se revestindo de ar
bitrariedade.
Ademais, desprovida de caráter punitivo, basta que seja concre
tizada mediante ato justificado, prescindindo do grau de formalidade
que acompanha a dispensa de funcionários estáveis.
Na espécie, tal foi observado, instaurando-se, previamente,
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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 499
sindicância. Esta, sendo meio sumário de investigação de irregularidades funcionais, não tem o grau de complexidade do processo administrativo e não exige, conceitualmente, o contraditório, a descrição pormenorizada dos fatos apurados ou a publicação do procedimento.
Observa-se, todavia, que o Impetrante foi favorecido com a oportunidade de manifestar sua defesa - benefício reforçado pela segurança - concedida parcialmente com a finalidade específica de afastar eventual burla ao devido processo legal. Portanto, nesta oportunidade, sem nulidades extrínsecas a sanar, não é possível anular a exoneração do Impetrante, até porque, inicialmente, não era objeto do writ.
Quanto à eventual injustiça da decisão administrativa confrontada, os estreitos lindes mandamentais não se mostram adequados a aferi-la, eis que, tendo caráter especial - em que não cabe a dilação probatória ou contraditório -, inviabiliza o reexame do contexto fático."
Concluindo, entendo inexistente o direito aventado, porquanto ilíquido e incerto. Nas lições de Hely Lopes Meirelles, in Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, etc., RT, 13a ed., p. 13:
"Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se a sua existência for duvidosa; se a sua extensão ainda não estiver delimitada; se o seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais." - grifamos.
Por tais fundamentos, conheço e nego provimento ao recurso.
É como voto.
Relator:
RECURSO ESPECIAL N. 234.185 - PE (Registro n. 99.0092549-1)
Ministro José Arnaldo da Fonseca
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
500 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recorrente: Ministério Público Federal
Recorrida: Lenira de Souza Paz
Advogado: Norman Saint John Fellows
Recorrido: Maximinio Pereira de Lima
Advogada: Nildete Tavares
EMENTA: Recurso especial - Penal - Estelionato qualificado:
obtenção, mediante fraude, de benefício previdenciário - Art. 171,
§ 32., do Código Penal - Art. 95, alínea j, da Lei n. 8.212/1991 -
Enquadramento típico - Recurso provido - Prescrição da pretensão
punitiva - Ocorrência - Habeas corpus de ofício.
O crime de obtenção fraudulenta de benefício previdenciário tem enquadramento típico no art. 171, § 32., do Código Penal.
A multa cominada por infração ao art. 95, letra j, da Lei n.
8.212/1991 tem natureza meramente administrativa: nullum crimen,
nulla poena sine lege.
Logo, se a Lei n. 8.212/1991 descreveu conduta que se subsume
perfeitamente ao tipo penal de estelionato qualificado (art. 171, § 32., do CP), sem fixar a pena respectiva, é exatamente porque já se en
contra ela prevista no referido preceito do Código Penal, o qual deve
incidir na espécie.
Inteligência do enunciado de n. 24 da Súmula desta Corte.
Hipótese dos autos em que, mesmo se tratando de crime permanente - cujo lapso prescricional conta-se a partir da data da ces
sação da atividade ilícita -, restou configurada a prescrição.
Recurso conhecido e provido. Habeas corpus concedido de ofí
cio para decretar a extinção da punibilidade dos recorridos, nos ter
mos dos arts. 109,111; 107, IV, e 117, todos do Código Penal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos
e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e
dar-lhe provimento para, reformando o acórdão recorrido, reconhecer a
tipificação do delito do art. 171, § 3'\ CP, e conceder habeas corpus de
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 501
ofício, para decretar a extinção da punibilidade dos recorridos, em face da prescrição da pretensão punitiva, nos termos dos arts. 109, lU; 107, IV, e 117, todos do CP. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Jorge Scartezzini. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Edson Vidigal.
Brasília-DF, 6 de fevereiro de 2001 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro José Arnaldo da Fonseca, Relator.
Publicado no DJ de 19.3.2001.
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal, com fundamento no art. 105, inciso UI, alínea a, da Constituição Federal, contra acórdão não-unânime da Segunda Turma do egrégio Tribunal Regional Federal da 511. Região, assim ementado (fi. 241):
"Penal. Recurso criminal em sentido estrito. Benefício previdenciário fraudulento. Art. 171, § 3Jl., do CP. Nova tipificação legal com o advento da Lei n. 8.212/1991. Art. 95, j, c.c. o art. 92 da referida lei. Decreto n. 2.173/1997 (Regulamento da Organização do Custeio da Seguridade Social). Aplicabilidade. Extinção da punibilidade pela prescrição. Ocorrência. Recurso improvido."
Com essa decisão, o Tribunal a quo confirmou a decisão monocrática de fi. 103, que rejeitou a denúncia por considerar extinta a punibilidade dos Recorridos em face da prescrição, sob o fundamento de que a conduta delituosa a eles imputada - obtenção fraudulenta de beneficio previdenciário - deveria se enquadrar no art. 95, letra j, da Lei n. 8.212/1991, e não no art. 171, § 3Jl., do Código Penal.
Alega o Parquet-recorrente que o acórdão hostilizado violou o art. 171, § 3Jl., do Código Penal. Para tanto, sustenta que o delito cometido pelos
Recorridos não se enquadra no art. 95, letra j, da Lei n. 8.212/1991, uma vez que essa disposição não sancionou penalmente a conduta incriminada. Ainda segundo o Recorrente, a circunstância de a lei mencionada prever, em
seu art. 92, multa para o caso de infringência ao art. 95, j, não significa afirmar que essa imposição tenha caráter penal. Logo, deve ser aplicado à espécie o citado dispositivo do Código Penal.
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
502 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sem contra-razões, o recurso foi admitido por decisão de fi. 256.
Neste grau de jurisdição, a Subprocuradoria Geral da República, em
parecer subscrito pelo Dr. Wagner Gonçalves, opina no sentido de que seja
declarada extinta a punibilidade (fis. 261/263).
É o relatório.
VOTO
Presentes todos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
No mérito, merece prosperar a irresignação.
No julgamento do Recurso Especial n. 249.351-PE, interposto pelo
Ministério Público Federal contra acórdão do mesmo Tribunal prolator do
julgado ora recorrido (TRF da 511. Região), e versando hipótese em tudo semelhante à presente, esta Quinta Turma, por mim conduzida, concluiu pela
ofensa ao art. 171, § 3Q, do CP, e deu provimento ao recurso do Parquet, em
acórdão assim ementado:
"Recurso especial. Penal. Estelionato qualificado: obtenção, me
diante fraude, de benefício previdenciário. Art. 171, § 3Q, do Código
Penal. Art. 95, alínea j, da Lei n. 8.212/1991. Enquadramento típico.
O crime de obtenção fraudulenta de benefício previdenciário tem
enquadramento típico no art. 171, § 3Q, do Código Penal.
A multa cominada por infração ao art. 95, letra j, da Lei n.
8.212/1991 tem natureza meramente administrativa: nuUum crimen, nuUa poena sine lege.
Logo, se a Lei n. 8.212/1991 descreveu conduta que se subsume perfeitamente ao tipo penal de estelionato qualificado (art. 171, § 3Q
,
do CP), sem fixar a pena respectiva, é exatamente porque já se encon
tra ela prevista no referido preceito do Código Penal, o qual deve
incidir na espécie.
Inteligência do enunciado de n. 24 da Súmula desta Corte.
Recurso conhecido e provido." (julgado em 14.11.2000, acórdão
aguardando publicação).
Do voto que proferi, transcrevo:
"A controvérsia aqui versada consiste em definir se o crime de
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 503
obtenção fraudulenta de benefício previdenciário tem enquadramento típico no art. 95, letra j, da Lei n. 8.212/1991, ou no art. 171, § 3'\ do Código Penal.
No particular, com razão o Dr. Arx Tourinho, ilustre Subpro
curador-Geral da República, ao optar pela segunda alternativa, verbis (fls. 1.879/1.881):
'No mérito, assiste razão ao Recorrente.
A matéria há de ser solvida à luz de princípios jurídico-pe-
nais.
A Lei n. 8.212/1991, em seu artigo 95, letra j, descreveu, efetivamente, um tipo penal, que, em essência, é a figura que re
cebe o nOIllen juris de estelionato.
Não houve fixação de pena, de caráter penal, e não se pode admitir, em nossa ordem jurídica, crime sem a respectiva penalização.
O magistério de Frederico Marques é taxativo:
'Como resultado desse fato típico, antijurídico e culposo, que é o delito, surge a punibilidade, ou direito de punir do Estado, que não constitui elemento integral do delito, mas tão-só conseqüência ou resultado deste. A punibilidade, como ensina acertadamente Nélson Hungria,
constitui 'a nota específica do crime'. Somente ela assinala inconfundivelmente o ilícito penal, em cotejo com o ilícito
civil e o ilícito administrativo. Não se trata, como se tem pretendido, de um elemento componente do crime: é a particularidade que este apresenta, de estar sob ameaça da
pena. Advirta-se para logo, entretanto, que se o nulluIll criIllen sine poena não sofre exceções no tocante ao momento da cominação legal, pode ser abstraído no momento da imposição da pena. Um fato pode ser típico, antijurídico,
culpado e ameaçado com pena, isto é criminoso, e, no entanto, anormalmente, deixar de acarretar a efetiva imposição da pena.' (Tratado de Direito Penal, Ed. Saraiva, 2Jl. ed.,
1965, voI. II, p. 9).
Não se argumente com a circunstância de que existe a pena
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504 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL
de multa, prevista no artigo 92 da referida lei, porque tal não pode ser entendida como de caráter penal. A razão é simples.
O mencionado dispositivo comete ao Poder Executivo a tarefa de regulamentar a multa.
O poder regulamentar do Executivo não vai ao ponto de alcançar disciplina de multa de caráter penal.
Conceituando regulamento, assim se expressa Celso Bandeira de Mello: 'ato geral e (de regra) abstrato, de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução de lei cuja aplicação demanda atuação da Administração Pública'. (Curso de Direito Administrativo, Malheiros Ed., 611. ed., p. 170).
Ora, não é razoável se supor que multa de caráter penal seja regulamentada pelo Poder Executivo, impondo ao Poder Judiciário sua observância.
Outro aspecto há de se ressaltar.
O princípio penal, formulado por Feuerbach, do nullum. crim.en, nulla poena sine lege, incorporado no inciso XXXIX do artigo 5Q da Lei Maior, exige que não só crime seja tipificado em lei, mas, também, em lei seja estabelecida a pena. Deixar ao poder regulamentar do Executivo essa tarefa significa violar a norma constitucional. Admitir-se fixação de multa penal pelo Executivo é se fazer tabula rasa do princípio constitucional e se aceitar interferência indevida em matéria reservada à lei formal.
Ora, se a multa, prevista no artigo 92 da aludida lei, não tem caráter penal, e se a tese, aqui desenvolvida, tem supedâneo jurídico, resulta claro que a disposição tipificadora do estelionato, elencada no Código Penal, não sofreu derrogação.'
De inteira procedência esse posicionamento. Consoante demonstrou com propriedade o Ministério Público Federal, a multa prevista no art. 92 da Lei n. 8.212/1991 tem caráter meramente administrativo. Por outro lado, se a Lei n. 8.212/1991 descreveu conduta que se subsume perfeitamente ao tipo penal de estelionato qualificado (art. 171, § 3Q
, do CP), sem fixar a pena respectiva, é exatamente porque já se encontra ela prevista no referido preceito do Código Penal, o qual deve incidir na espécie dos autos.
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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 505
A propósito, a matéria já foi objeto de apreciação pelo colendo Supremo Tribunal Federal, em julgado que, embora se referindo à antiga Lei de Organização da Previdência Social (Lops), proclamou en
tendimento semelhante ao aqui adotado, qual seja, o de que o art. 171, § 3Jl
, do Código Penal não foi revogado. Confira-se:
'STF: Tendo-se que o Decreto-Lei n. 66/1966, pelo seu art. 155 da Lops, não criou tipificação penal nova, mas, apenas, ca
racterizou conduta que se subsume ao tipo penal de estelionato qualificado, eis que cometido contra autarquia, cabe a aplicação
da pena prevista no art. 171, § 3Jl, do CP, que exatamente prevê
a reprimenda para tal tipo de ilícito. É que, se a Lops, ao caracterizar o crime, que se ajusta com perfeição à hipótese do § 3Jl do art. 171 do CP, não fixou a pena respectiva, é exatamente por já
se encontrar ela prevista no aludido preceito da lei penal.' (RT
645/383).
Aliás, se assim não fosse, não teria sentido o Enunciado Sumular de n. 24 desta Corte, que tem esta redação:
'Aplica-se ao crime de estelionato, em que figura como ví
tima entidade autárquica da Previdência Social, a qualificadora do § 3Jl do art. 171 do Código Penal.'
Como se vê, ao ratificar o entendimento do juiz monocrático, se
gundo o qual a conduta delituosa imputada aos Recorridos deveria se enquadrar no art. 95, letra j, da Lei n. 8.212/1991, o Tribunal a quo
negou vigência ao art. 171, § 3Jl, do Código Penal."
Sendo essa a hipótese dos autos, merece provimento o recurso ministerial, devendo ser reconhecida a tipificação do art. 171, § 3Jl, do Código Penal. Não obstante, deve-se declarar extinta a punibilidade dos Recorridos em face da prescrição da pretensão punitiva estatal. Vejamos.
Trata-se, na espécie dos autos, de crime permanente, em que a ação é
contínua, indivisível, cuja consumação pode protrair-se no tempo. No caso, revela-se o caráter permanente da infração até quando cessou a prática
delituosa. Desse modo, consoante a dicção do art. 111, IIl, do CP, o ter
mo inicial da prescrição é o dia em que cessou a conduta ilícita. Nesse sentido, a pacífica orientação jurisprudencial desta Corte:
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506 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Penal e Pro
cesso Penal. Estelionato praticado contra a Previdência Social. Pres
crição. Inocorrência. Dosimetria da pena. Grau de reprobabilidade da
conduta.
'Tratando-se de estelionato de rendas mensais, que dura no tem
po, há permanência na consumação (delito eventualmente permanen
te), devendo o termo inicial da prescrição contar-se da cessação da
permanência (art. 111, IH, do CP).'
Ordem denegada." (HC n. 12.914-SC, reI. Min. José Arnaldo da
Fonseca, DJ de 7.8.2000).
"Penal. Estelionato. Benefício previdenciário. Crime permanente.
A prática da fraude para obtenção de benefício previdenciário de
forma sucessiva, com recebimento de prestações periódicas, indica na
tureza permanente de ação delituosa, e, como conseqüência, aplica-se
o inciso IH do art. 111 do Código Penal, no tocante à contagem do
prazo prescricional. Recurso especial conhecido." (REsp n. 457, reI.
Min. William Patterson, DJ de 18.6.1991).
No caso, mesmo considerando-se como termo inicial do lapso
prescricional a data da cessação da permanência (art. 111, IH, do CP), restou
configurada a prescrição, consoante demonstra com propriedade o Minis
tério Público Federal, à fl. 263, verbis:
"Verifica-se pelo relatório do INSS (fl. 22), que o pagamento
indevido do benefício começou em 11.10 .19 7 9, tendo sido sustado em
3l.5.1987.
Extingue-se a pretensão punitiva em 12 anos, se o máximo da
pena cominada é de 6 anos e 7 meses, como na hipótese. Assim, ocor
reu a prescrição, tomando-se como base a data da sustação do benefí
cio, porquanto o estelionato, no caso, é crime de natureza permanente.
De fato, com a rejeição da denúncia, à fI. 103, o prazo
prescricional continuou a fluir e a interposição do recurso em senti
do estrito (fls. 104/110), bem como do REsp (fls. 244/251) - este da
tado de 8.10.1998 -, não interromperam a prescrição, visto ser
taxativa a enumeração do art. 117 do Código Penal.
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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 507
Assim, s.m.j., o lapso prescricional, que atingiu a própria preten
são punitiva, encontrou seu termo ad quenl em maio de 1999, quan
do transcorridos doze (12) anos - art. 109, IH, do CP -, razão pela
qual o Ministério Público Federal manifesta-se, com base no art. 107,
IV, do Código Penal, pela declaração da extinção da punibilidade, dada
a ocorrência da prescrição."
Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para, refor
mando o acórdão recorrido, reconhecer a tipificação do delito do art. 171,
§ 3.Q., do Código Penal. Todavia, concedo habeas corpus de ofício e decreto
extinta a punibilidade dos Recorridos em face da prescrição da pretensão
punitiva, nos termos dos arts. 109, IH; 107, IV; e 117, todos do Código Pe
nal.
RECURSO ESPECIAL N. 257.656 - SP (Registro n. 2000.0042731-4)
Relator: Ministro Felix Fischer
Recorrente: Alfredo Kobs Filho
Advogada: Marína Hamud Morato de Andrade (Defensora Pública)
Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo
EMENTA: Processual Penal - Recurso especial - Suspensão do
processo (art. 366 do CPP) - Revelia - Produção de prova pessoal.
I - Se, fundamentadamente, sem qualquer arbitrariedade, o juiz
entender que não é hipótese de produção antecipada da prova pes
soal, incabível asseverar ofensa a direito líquido e certo.
H - O art. 366 deve ser interpretado considerando-se o dispos
to no art. 225 do CPP. A hipótese do art. 92 do CPP, totalmente di
versa da suspensão, por não trazer, em regra, probabilidade de pre
juízo para o réu, de regra presente, não pode ser tomada como refe
rencial.
Recurso provido.
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
508 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima
indicadas, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribu
nal de Justiça na retificação de proclamação de resultado de julgamento,
por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Gilson Dipp e José Arnaldo
da Fonseca votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausentes, justificadamente,
os Srs. Ministros Jorge Scartezzini e Edson Vidigal.
Brasília-DF, 13 de março de 2002 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente e Relator.
Publicado no DI de 8.4.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de recurso especial interposto com fulcro no art. 105, inciso IH, alíneas a e c, da Carta Magna contra v. julgado do egrégio Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo que
concedeu mandamus para a produção de prova testemunhal requerida pelo
Parquet, tudo isto, em feito suspenso nos termos do art. 366 do CPP. A par
do dissídio pretoriano, alega-se ofensa ao acima referido artigo, pleiteando-se a verificação e desentranhamento da eventual prova testemunhal co
lhida.
O recurso foi admitido pelo permissivo da letra a.
A douta Subprocuradoria Geral da República se pronunciou pelo não
-conhecimento da súplica.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): A produção antecipada de pro
va testemunhal não é obrigatória em se tratando de suspensão estabelecida
no art. 366 do CPP. Não é automática. Ela deve ser - conforme o caso -
avaliada fundamentadamente.
A decisão prevista no art. 366 do CPP, acerca da prova, deve ser, por
tanto, motivada. E, in casu, ela o foi. Na verdade, o art. 366 se coaduna
RST}, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 509
melhor com o art. 225 do que com o art. 92, todos do CPP. Esta última hipótese, acerca da inquirição antecipada de testemunhas, não traz, em princípio, nenhum gravame para o Réu, em regra, presente. Justamente o sistema é que recomenda o tratamento diferenciado porquanto distintas - e, totalmente distintas - as situações. Nas prejudiciais, o Réu não é, necessariamente, revel (ex vi art. 92 do CPP).
Já na revelia, a possibilidade de prejuízo para o acusado pode ser, na
prática, de grande monta. Aliás, igualando-se as hipóteses, a suspensão do
art. 366 do CPP não teria nenhuma razão de ser (v.g., suspender para as alegações finais ... ).
Os autos, enfim, exteriorizam situação onde não se vislumbra direito líquido e certo do Impetrante, razão pela qual procede o reclamo.
Nestes termos, o seguinte julgado:
"Processual Penal. Recurso ordinário em mandado de segurança.
Suspensão do processo. Revelia. Produção de prova pessoal (art. 366 do CPP).
I - Se, fundamentadamente, sem qualquer arbitrariedade, o juiz
entender que não é hipótese de produção antecipada da prova, incabível, na via eleita, asseverar ofensa a direito líquido e certo.
II - O art. 366 deve ser interpretado considerando-se o disposto no art. 225 do CPP. A hipótese do art. 92 do CPP, por não trazer, em regra, probabilidade de prejuízo para o réu, não pode ser tomada como
referencial para a suspensão.
Recurso desprovido." (RMS n. 8.876-SP, Quinta Turma, DJU de
3.8.1998).
Voto, pois, pelo provimento do recurso.
RECURSO ESPECIAL N. 345.891 - RS (Registro n. 2001.0119773-2)
Relator: Ministro Gilson Dipp
Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
510 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Procuradores: Luiz Cláudio Portinho Dias e outros
Recorrido: José Pedro Corrêa da Silva
Advogado: José Francisco Rodrigues da Silva
EMENTA: Processual Civil e Previdenciário - Elllbargos à exe
cução - Liquidação - Constatação de valores a COlllpensar - Ade
quação da via dos elllbargos.
I - A via dos elllbargos à execução é adequada à suscitação de
pagalllentos feitos pelas partes, a llleSlllO título, COlll vistas à COlllpensação de valores.
11 - Constatados, na fase de liquidação, pagalllentos a lllaior e a lllenor, develll ser cOlllpensados, ainda que a sentença exeqüenda
seja olllissa, dado que é vedado o enriquecilllento selll causa.
111 - Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima
indicadas, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribu
nal de Justiça. A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e deu-lhe
provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros
José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Jorge Scartezzini e Ed
son Vidigal.
Brasília-DF, 19 de fevereiro de 2002 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro Gilson Dipp, Relator.
Publicado no DJ de 18.3.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilson Dipp: Cuida-se de recurso especial fundado nas
alíneas a e c do permissivo constitucional, interposto contra acórdão que,
em embargos à execução, negou a compensação de valores, estando assim
ementado:
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 511
"Processual Civil e Previdenciário. Embargos à execução. Compensação de valores. Correção monetária. Súmula n. 37-TRF-4ll. Re
gião.
1. Se não prevista na sentença, descabe a compensação de valores a títulos diversos.
2. Súmula n. 37: 'Na liquidação de débito resultante de decisão judicial, incluem-se os índices relativos ao IPC de março, abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991'." (fi. 37).
Alega o INSS contrariedade aos arts. 1.009 e 1.010 do CCb, além de divergência jurisprudencial com acórdãos, segundo a qual é possível, na liquidação, a compensação de pagamentos feitos consoante articulação nos embargos à execução.
Inadmitido o recurso especial na origem, dei provimento ao agravo para sua subida, com vistas a melhor exame.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Gilson Dipp (Relator): De início, tenho como preques
tionada a matéria, atendendo aos termos da Súmula n. 282-STF, visto que ventilada pelo acórdão, ainda que sem se referir aos arts. 1.009 e 1.010 do CCb. Também o dissídio resulta satisfeito pela transcrição das ementas em confronto, dada a singeleza do caso.
Assiste razão à Autarquia, quanto à compensação das quantias pagas a maior constatadas na fase de liquidação e objeto dos seus embargos.
Os arts. 1.009 e 1.010 do Código Civil asseguram o direito de compensação de dívidas líquidas e certas e o art. 741, inciso VI, do CPC, indi
ca a via dos embargos como adequada à suscitação de pagamentos a mesmo título com vistas à compensação.
Ora, tendo sido constatados na liquidação pagamentos de parcelas a maior em certos meses e a menor em outros, feitos pelo INSS, nada mais
justo que sejam compensados, dada a certeza e liquidez verificadas na liquidação, ainda que omissa a sentença exeqüenda, mesmo porque a lei veda o enriquecimento sem causa por parte do beneficiário.
Nesse sentido a jurisprudência desta egrégia Corte conforme seguintes julgados:
RSTJ, Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
512 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Processo Civil. Execução. Compensação. Pressupostos.
I A compensação pode ser invocada nos embargos à execução) desde
que posterior ao processo de cognição; se anterior, preclusa está a possibilidade de invocá-la, em obediência aos limites objetivos da coisa julgada.
II - Pressupostos objetivos. Os títulos a compensar devem revestir-se das mesmas características de liquidez e certeza do título executivo, cabendo o ônus da prova ao credor.
III - Pressupostos subjetivos. Necessária a unidade subjetiva entre devedor e credor. Ausência do requisito, no caso, pois, em nosso ordenamento jurídico, as pessoas jurídicas se constituem pelos seus estatutos, sendo irrelevante a participação no capital social, relativamente a essa questão.
IV - Recurso não conhecido." (REsp n. 172.028, DJ de 19.10.1998, reI. Min. Adhemar Maciel).
"Civil. Alimentos. Execução.
Alimentos. Execução. Compensação de quantia levantada pela alimentada." (REsp n. 24.047, DJ de 25.10.1993, reI. Min. Cláudio Santos).
Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento, para determinar a compensação das obrigações.
É como voto.
RST], Brasília, a. 14, (158): 449-512, outubro 2002.
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