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    A ILEGALIDADE MATA

    O Partido Comunista e o sistema

    partidrio (1945/64) (*)

    Gildo Maral Brando

    I

    No texto a seguir formulo uma hiptese contrafactual, tendo em vista uma reavaliao do impacto dacassao do registro eleitoral do Partido Comunista Brasileiro sobre a configurao do sistema poltico e asconseqncias da compresso do seu perfil institucional sobre o comportamento do movimento operrio, noperodo da chamada Repblica Liberal. O caso do PCB sabidamente extremo. Desde o seu nascimento, em1922, at sua legalizao definitiva, em 1985, ele teve menos de trs anos e meio de legalidade plena. (1)Mesmo, levando em conta as conhecidas dificuldades que pautaram historicamente a convivncia entre ospartidos anti-sistema, como os comunistas, e os regimes polticos liberal-democrticos, e mesmo que serestrinja a comparao Amrica Latina, regio politicamente instvel que, com raras excees, noconsolidou os sistemas partidrios,(2) ainda assim o caso brasileiro se diferencia dos demais, dada alongevidade da excluso. Tomando esse caso-limite, fao uma instrumental reviso acerca da centralidade da

    questo da (i)legalidade na existncia de partidos polticos ligados s classes cujo acesso ao sistema poltico-eleitoral jamais foi dado de graa. Tendo presente a importncia dos formalismos democrticos, naconhecida expresso de Bolivar Lamounier, polemizo expressamente contra a percepo arraigada e, aindahoje, subjacente historiografia dos partidos de esquerda pouco importa se crtica ou apologtica que,de um lado, toma a relao institucional em termos puramente instrumentais e, de outro, considera, contratoda evidncia histrica, que a legalidade, no a ilegalidade, mata, digamos, qualquer originalidade, eventualgrandeza ou eficcia desse tipo de partido.

    No preciso dizer que est fora do meu quadro analtico a questo arcaica e, de qualquer modo,irrelevante, de saber se tal ou qual partido ou era o representante da classe operria. Tomo como um dado

    o fato de que o Partido Comunista dispunha na poca de liderana, melhor organizao e maiores vnculoscom o movimento dos trabalhadores que os seus competidores, fossem eles da esquerda marxista, socialistaou catlica, ou de partidos como o trabalhista; e examino a questo da representao poltica num registrodistinto da conhecida variante leninista da burkeana representao virtual. Tambm no meu objetivo aquidiscutir as concepes programticas desse partido o artigo se concentra na relao, por assim dizerobjetiva, entre esse ator e o sistema poltico-eleitoral dos anos 1945/64 e aborda apenas de passagem o modopelo qual o primeiro reagiu situao e as estratgias adotadas para enfrent-la.

    II

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    Afora a afirmao da obviedade da excluso, a bibliografia existente sobre o tema da relao entre oPartido Comunista e o sistema poltico-eleitoral brasileiro pobre. A ilegalidade do PCB torna obviamenteimpossvel aferir com rigor sua fora eleitoral, sua representatividade poltica e sua capacidadegovernativa,(3) tudo o que puder ser dito tendo carter alusivo e aproximativo. A prpria configuraono-regular(4) desse partido condenou (o seu estudo) ao medocre mundo da histria das idias, concebidocomo uma caricatura do tribunal hegeliano. Com exceo dos trabalhos de Azis Simo sobre o voto operrioem So Paulo, de Dillon Soares sobre a participao eleitoral e as bases socioeconmicas da poltica brasileira

    e de Lavareda sobre a construo do sistema partidrio em Pernambuco todos eles naturalmente restritos,no que toca ao PC, ao perodo 1945/47 , no h, salvo engano, quem tenha se debruado sobre a situao ea expresso eleitoral do Partido Comunista no perodo subseqente ou, tendo em vista as dificuldadesempricas, sobre suas concepes e seu modo de agir nesse terreno. (5)

    Nessas condies, o caso de afirmar que incompleta toda histria do PC brasileiro que no leve emconta sua relao com o sistema partidrio e com o mundo eleitoral, investigao para a qual existem limitesempricos, mas no insuperveis. Ainda que no estgio atual sejamos obrigados a nos contentar com precriasindicaes empricas, elas so suficientes para permitir a elaborao de uma hiptese terica que pesquisassubseqentes podero falsear.(6)A impossibilidade de utilizar tcnicas desurvey no significa, portanto, quese esteja condenado ao infindvel comentrio sobre as lutas internas a que freqentemente se tem reduzido ahistoriografia sobre os partidos e movimentos de esquerda no Brasil. Evitando tanto a ortodoxiaquantitativista, que despreza qualquer objeto que no consiga enquadrar em seus mtodos, como ahistoriografia leninista, que permanece como uma mentalidade residual nesse campo, formulo o argumento aseguir, com a secreta esperana de que ele provoque no leitor um efeito semelhante ao do conto de EdgarAllan Poe: a revelao de que a carta roubada estava o tempo todo sobre a mesa recompe o tabuleirohistrico e nos obriga a observ-lo sob uma nova perspectiva, plena de conseqncias. (7)

    III

    O Partido Comunista o agrupamento poltico que mais se aproxima pelo menos no perodo da

    Repblica Liberal, e em que pese a sua semilegalidade poltica da definio de Cerroni (1980, p. 13):partido moderno articulao de mquina e programa. Nascido em 1922, na esteira da Revoluo de Outubro,fora do Estado e a partir da juno de reduzido nmero de sindicalistas e intelectuais sem prvia experinciaparlamentar e partidria, o PC um dos raros partido nacionais quase exclusivamente urbano, em um pas depredominncia agrria, agncia que conseguiu dar alguma fundamentao terica ao vasto movimentonacionalista e democrtico que toma corpo a partir dos anos 50.

    semelhana da maioria dos partidos comunistas europeus e dos principais latino-americanos, obrasileiro nunca esteve na primeira diviso do jogo poltico, nem mesmo quando emerge, no final da ltimaguerra, com o prestgio da resistncia ao fascismo e ditadura estadonovista; mas constitui importante fora

    poltica, mesmo nas piores fases de sua histria, sendo o seu papel nas lutas contra as ditaduras e pelodesenvolvimento democrtico do pas maior do que estava disposto a reivindicar na poca, ou do que os seusaliados e inimigos estavam dispostos a lhe conceder subseqentemente. Alm disso, os comunistasinfluenciaram certas decises polticas e econmicas governamentais, ainda que tenham sido geralmenteexcludos do processo formal de tomada de deciso.(8)Em termos eleitorais, seu instvel crescimento entre1958 e 1962, quando chegou a ter 17 deputados dos quais 2 federais e 15 estaduais eleitos por outraslegendas , especialmente em So Paulo (estado onde obtm seus melhores resultados desde 1945/47),Guanabara, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Bahia, permite supor que, apesar de sua frgil incidncia, erauma fora poltica em processo de implantao eleitoral (ver Nota 6), numa situao comparvel daDemocracia Crist, cujo partido teria sido, entre os no-operrios e no-totalitrios, o que se formou em mais

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    estrita conformidade com as exigncias racionais da organizao poltica moderna.(9)

    Sob certos aspectos, e apesar da comum extrao terceiro- internacionalista, o brasileiro constituiuuma espcie distinta dos demais partidos comunistas latino-americanos. Entre eles, apenas o chileno, atuandonuma sociedade mais europia, disps de insero operria e influncia poltica global contnua, econsideravelmente maior que o brasileiro, tendo disputado com candidato prprio ou como parte de frentespolticas formais todas as eleies presidenciais e parlamentares, desde os anos 30. Como ele, o uruguaio

    em outra sociedade com democracia forte e capitalismo dbil tambm participou de frentes popularesformalmente estruturadas e consistentes, de resto uma experincia praticamente indita no Brasil, queconheceu alianas mais frouxas, informais e pragmticas. Mas tanto sua implantao operria como suainfluncia poltica no Uruguai foram intermitentes e, com exceo da participao na Frente Ampla,comparativamente menores. J o argentino de um pas cujos fenmenos polticos tm sido, desde Germanie da historiografia do populismo, comparados aos brasileiros , mesmo dotado de melhor organizao,jamais disps de base operria slida e freqentemente marchou a contrapelo dos principais movimentos demassa do pas. Nenhum deles conheceu uma liderana to carismtica quanto a de Lus Carlos Prestes,nenhum foi to policlassista, nem to marcado por experincias e grupos militares. Todos eles tiveram,provavelmente, um comportamento menos pendular em poltica: mesmo em suas fases mais esquerdistas, ochileno, por exemplo, jamais abdicou da luta eleitoral, da participao em frentes partidrias formais e,mesmo quando ilegal, privilegiou a reintegrao no sistema poltico. tambm provvel que nenhum delestenha ido to longe em sua ortodoxia estalinista como o PCB do Manifesto de Agosto de 1950, nem tenhasido to revisionista quanto o da Declarao de Maro, de 1958.(10)

    A anlise da trajetria desse partido, marginalizado do sistema partidrio regular, mas fazendo partedo sistema poltico mais amplo a ponto de ser, ao lado do Exrcito e da Igreja Catlica, uma das rarasinstituies nacionais que o vulgo reconhecia na poca, pode esclarecer aspectos substantivos,especialmente as dificuldades de construo da identidade poltica da classe operria e, por essa via, doprocesso (inacabado) de constituio da ordem burguesa , que pretendeu com maior ou menor xitorepresentar.

    Nesse contexto, a hiptese a ser investigada se situa na interconexo de dois fenmenos: que acassao e, mais que isso, a no-recuperao do registro eleitoral do PCB e sua permanente ilegalidade noesto apenas entre os mais claros indicadores daquela precria consolidao institucional do sistema partidrioque Sartori (op. cit., p. 18) v como caracterstica do Brasil e da Amrica Latina; e tambm h uma varivelforte e no fraca para a explicao da detectada subalternidade poltica da classe operria durante operodo da Repblica Liberal. A presena legal de um grande partido societrio, de base operria,independente de Estado e dotado de forte liderana popular, no s contrasta fortemente com toda a histriaanterior, como tambm introduz um elemento complicador e, naquela altura, provavelmente incompatvelcom o compromisso ento engendrado entre uma ordem poltica liberal e uma estrutura sindical corporativa.

    No se trata apenas do fato de a elite dominante no pas possuir, na ocasio, uma reduzida experincia decompetio eleitoral democrtica, sem dispor provavelmente de tecnologia suficiente para lidar com umadversrio que trazia para a arena institucional mtodos de ao, organizao e propaganda pouco conhecidos mas de que a preservao daquela forma extra-econmica de controle da fora de trabalho impunha limitesdefinidos liberdade de competio partidria. Nesses termos, a compresso do perfil institucional do PartidoComunista que naquela altura era o mais prximo e parecia o nico instrumento disponvel classeoperria para fazer poltica no foi um fenmeno neutro, nem em relao ao modo de ser e aocomportamento poltico subseqentes dessa classe, nem em relao configurao do sistema poltico comoum todo. O fato de o Partido Comunista ter conseguido eleger cerca de 250 vereadores nas eleiesmunicipais subseqentes cassao do seu registro eleitoral (11)permite relativizar a idia de que a poltica

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    de apertar os cintos foi a responsvel direta pelo abandono do PC pelas massas. Por mais que essaconcepo tenha pesado, mais realista atribuir o esvaziamento do partido aps 1948 perda da legalidade e,complementarmente, poltica isolacionista e sectria que adotou, maximizando os efeitos negativos da novasituao. Do mesmo modo, o deslocamento dos votos potencialmente comunistas para o Partido TrabalhistaBrasileiro, fenmeno que estaria na base do notvel crescimento deste conforme hiptese trabalhada porDillon Soares , no compensou e, em boa parte, reforou os efeitos e as implicaes da cassao do registroeleitoral do PC.

    Do ponto de vista do sistema poltico, a excluso consagra a assimetria entre partidos e movimentossociais uma caracterstica tornada estrutural da poltica brasileira, que desconhece a existncia prolongadade partidos de massa e retira do novo sistema partidrio o principal elemento competitivo interno que, emoutros pases, forou a diferenciao e a institucionalizao. Alm da sempre apontada hipertrofia doExecutivo na causao do raquitismo do sistema partidrio, como mostra Campello de Souza (op. cit.), aausncia de um enfrentamento sistemtico com uma organizao poltica vinculada s classes subalternaspermitiu a sobrevida dos partidos de notveis, isto , aos agrupamentos polticos compostos basicamente deparlamentares e seus crculos eleitorais, cujo locusde ao o Congresso. O sistema poltico da Constituiode 46 no se viu confrontado durante tempo suficiente pelo desafio que teria representado um partido operrioou popular, dotado de viso de mundo alternativa, legal e eleitoralmente competitivo. Como diz Weffort(1979, p. 7, destaques do original):

    Os 9 por cento da votao nacional obtida pelos comunistas em 1946 eram, de fato, muito poucodiante da maioria absoluta obtida por Dutra, apoiado em toda parte pela mquina do Partido Social-Democrtico e, sobretudo nos grandes centros, pelo fascnio popular de Getlio. Talvez seja certo tambm queo prestgio eleitoral de Getlio fosse dominante nos meios do operariado industrial. Contudo, no h dvidas,a partir das pesquisas de Azis Simo sobre O voto operrio em So Paulo, que os comunistasrepresentavam-se a como uma segunda fora, capaz, seno de vencer, pelo menos manter a competio.Nesse sentido, era um partido poltico que, qualquer que fosse a sua prpria orientao e a sua estruturainterna, tenderia, por fora das regras imperiosas da competio eleitoral, a colocar em discusso as

    orientaes do populismo plebiscitrio emergente. No por acaso, nas primeiras eleies municipais doperodo democrtico, os comunistas conseguem eleger a maioria dos vereadores em algumas cidades, como oantigo Distrito Federal, So Paulo, Recife, Santos etc. A ausncia do PC na disputa eleitoral deixar, da emdiante, o espao livre aos populistas. O exemplo mais bvio o de Jnio Quadros, ento um obscuro suplentede vereador que s consegue chegar Cmara Municipal de So Paulo, dando incio sua carreira, depois quea cassao dos representantes comunistas abriu um nmero suficiente de vagas.

    Ora, a historiografia explorou saciedade os papis decisivos que desempenharam tanto a manutenoda estrutura sindical subordinada ao Estado como as opes polticas dos agentes que pretendiam falar em seunome, na reproduo da subalternidade operria sendo compreensvel que o fizesse, dada a visibilidade do

    fenmeno. No concedeu, entretanto, maior significado a fatores to ou mais estratgicos como a coibiodo livre jogo eleitoral e a excluso do PC do processo poltico ,cujos efeitos, no sendo visveis a olho nu,tinham que ser lidos, por assim dizer, em negativo, nas estruturas polticas das relaes entre as classes. Naverdade, tomou como natural dado o carter autocrtico supostamente estrutural da burguesia brasileira edada a essncia autoritria do partido leninista essa circunstncia eminentemente histrica. Talvez noseja excessivo notar que o vis continha uma ponta do velho preconceito antipartido, anti-eleies eanti-instituies existente na cultura poltica brasileira; pois, se os partidos e os sistemas partidrio e eleitoralso to frgeis e inautnticos, nenhum acontecimento ou processo que se d nessa esfera pode ter, pordefinio, um impacto decisivo na evoluo histrica do pas.

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    Os analistas e os protagonistas apenas episodicamente reconheceram a insero de um partidocomunista no sistema poltico realmente existente como uma questo de state building,(12)nem, centrando ofoco no prprio ator poltico, como condio de possibilidade de sua eficcia e da amplitude de sua ao.Reduziram-na, isto sim, a uma questo ttica, de organizao e de forma de luta, de que o ator lanariamo ao sabor das conjunturas. Mesmo a historiografia pr-comunista, supostamente a mais interessada emrealar a questo da ilegalidade, jamais foi alm de trat-la como um libi (das insuficincias do partido) ouem tom de denncia (do autoritarismo congnito das classes dominantes). Uns e outros aceitaram, assim, a

    marginalidade em relao ao sistema poltico como congnita ao partido comunista, condio natural eprova de seu carter combativo e revolucionrio (ou reformista e conciliador, segundo o gosto do fregus),pronto para usar todas as formas de luta, sua relao com as instituies sendo puramente cnica,instrumental. Poucos, entretanto, foram to longamente excludos como o brasileiro, sendo esse o problemareal.

    A insensibilidade verdadeiramente kominterniana para com o tema fica patente na mais importantecausa belli da historiografia do movimento operrio e da esquerda. Na discusso aberta nos anos 70 porFrancisco C. Weffort, Carlos Estevam Martins, Maria Hermnia Tavares de Almeida e muitos outros sobre aconjuntura do ps-guerra e a conduta daquele partido na redemocratizao polmica que constitui at hojeo corpo mais consistente de hipteses sobre o alcance e os limites da democracia regida pela Constituio de46 , a questo da representao da classe (por exemplo) tematizada seja em funo da composio socialdo partido (exgua base operria, peso da pequena burguesia, policlassismo), seja das concepes e opespolticas que desenvolve (iluses democrticas, colaboracionismo de classe, sndrome estatista); jamais,entretanto, em relao a seus aspectos institucionais. Dos anos 70 ao esgotamento da historiografia dopopulismo, uma quantidade enorme de dissertaes, teses e livros sobre a poltica brasileira ps-anos 30 seencarregou de repetir ad nauseam os mesmos juzos e argumentos.(13)

    Nessa bibliografia, e independentemente da posio poltica que adote, tudo se passa como se fosseindiferente para o destino e o modo de ser tanto do Partido Comunista como da classe operria que durantetodo o perodo foi obrigada a escolher entre o trabalhismo e o comunismo ser, ou ter, um partido legal.

    Como se o modo de ser de um partido, mesmo anti-sistema, pudesse ser definido independentemente dasinstituies formais, ou como se fosse lamentvel, mas secundrio, para a possvel transformao da classeoperria numa classe para si mesma, que a nica associao poltica que logrou estabelecer vnculos mais oumenos estveis com ela no fizesse parte permanente do sistema poltico.

    H uma longa discusso a propsito do carter estrutural ou epidrmico da influncia de Vargassobre os trabalhadores, qual o PC deveria ou no se curvar os polemistas se distinguem em funo dacurvatura da espinha admissvel. As concepes programticas dos atores so esquadrinhadas ao limite, masem nenhum momento as circunstncias, tomadas corno estruturais (Martins & Almeida) ou conjunturais(Weffort & Moiss), so analiticamente referidas relao entre a institucionalidade democrtica e as

    possibilidades objetivas de formao de identidades polticas, vale dizer, ao leque de alternativas que a classeoperria teria comou sem um partido operrio legal, qualquer que fosse a orientao e a estrutura internadeste. Ora, a ausncia do PC na disputa eleitoral vir a ser uma das condies para a possibilidade daalternativa que acabar se efetivando (Weffort, 1979), o varguismo se constituindo em democracia, comodireo poltica da classe, exemplarmente expressa seja na mobilizao queremista provavelmente aprimeira evidncia emprica de que a massa do proletariado aderia ativamente industrializao acelerada viasubstituio de importaes, seja na macia votao obtida por Getlio entre o eleitorado operrio em1950, seja no crescimento do Partido Trabalhista nessas eleies, seja, finalmente, na extraordinria reaopopular ao suicdio.

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    A ausncia de um partido ligado classe operria na arena poltica legal tomada, em uma palavra,como um dado, no como um problema. No consta, por exemplo, da longa lista de fatores deespecificidade da classe elaborada por Martins & Almeida (op. cit.):

    A rigor, a especificidade da classe operria brasileira salta aos olhos. No prprio texto de Weffort soapontados muitos dos aspectos que a distinguem: as mudanas de sua composio social decorrentes dosvrios surtos migratrios que a atingiram; o descenso das lutas operrias a partir dos anos 20, coincidindo com

    a crescente gravitao poltica e ideolgica do movimento tenentista; as medidas de controle das organizaessindicais e de desmobilizao do movimento operrio que caracterizam a sistemtica do comportamento doEstado; a incorporao difusa das massas populares mediatizada pela relao paternalista que se estabeleceudesde cedo com Vargas.

    Acrescentam, em seguida, os efeitos desarticuladores e despolitizadores do anarquismo, a ausncia deum partido socialista de alguma expresso, o fato de que s em 1921/22, quando j era tarde demais (sic),tivesse surgido a conscincia da necessidade de uma organizao geral nica e de um sindicato nacional detoda a indstria e, sobretudo, o carter estrutural do prestgio de Vargas junto s massas. Mas o que salta aosolhos nesse debate, obsessivamente centrado na disputa ideolgica sobre a representao poltica virtual, aausncia de qualquer referncia representao poltica formal, institucional. (14) No restante dahistoriografia, tributria em geral daquele debate, o panorama no muito diferente: mesmo quandoconhecido, o problema no reconhecido, o assunto sendo tratado como menor, restrito superestruturajurdica, por assim dizer, uma vez que, fatuamente tal partido existiu e participou ativamente das lutas doperodo, chegando, em certas conjunturas, a exercer grande influncia sobre o movimento operrio e popular.A questo principal no , portanto, a da ilegalidade do partido, mas da linha poltica que ele adotou(Almeida, 1984).

    Ora, por maior que fosse a influncia do PC nesta ou naquela conjuntura, a inexistncia de algumpartido operrio na arena poltica legal tornava ostensivamente lento e difcil o processo de formao de umaconscincia poltica de classe, pela simples e boa razo de que nenhum movimento social chega a construir

    alguma identidade na clandestinidade a no ser que esteja imerso numa guerra ou numa revoluo, quandoa legalidade precedente deixa de existir, ou sob uma ditadura, quando ento aquela situao compulsria.Tanto no plano do partido como no da classe ainda que cada um a seu modo , a inexistncia de discussopblica e a impossibilidade de apresentar em seus prprios nomes propostas, candidaturas e programastornavam complicado o processo de identificao e seleo de amigos e inimigos, objetivos e interesses.Nesses termos, no surpreendente constatar que:

    A minoria sindicalizada da classe aceita, em geral, a liderana dos companheiros mais eficientes na esferasindical, mas isto no significa que aceite a orientao poltica correspondente. Ela distingue entre aosindical e ao poltica, votando, por exemplo, em um comunista para dirigente do sindicato, mas, conforme

    ocorreu com a maioria da classe operria em 1960, em Jnio Quadros para Presidente, embora os comunistasapiem outro candidato (Weffort, 1978, p. 20).(15)

    Ora, esta uma situao objetiva que pode ser minimizada ou reforada, acentuada ou relevada pelapoltica levada a cabo pelo partido que pretende representar a classe, mas de forma alguma pode sersuperada sem plena liberdade de organizao partidria. Fazer valer os interesses da classe no plano polticopassava a depender do grau em que partidos, movimentos e agentes polticos originariamente no-operrios,como o varguismo e o PTB, incorporavam s suas demandas, realizando-as a seu modo. O procedimento quese instaura no s mais indireto e refratado: ele sofre de uma deficincia fundamental numa classe dehistria to cclica e descontnua como a brasileira, produto de sucessivas levas de industrializao, distintas

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    morfologias e precrias institucionalidades: no consolida um organismo capaz de armazenar uma memria,expediente sem o qual no h acumulao de experincia e decantao de formas de agir especificamenteoperrias. Ou, como diz Sartre (Resposta a Claude Lefort, 1976, p. 12):

    Numa classe em perptua agitao e cuja organizao [...] est sempre em atrasoem relao ao patronato, sonecessrios quadros, referncias, caues e experincia. Na medida em que o passado se mantm [...] porqueest conservado por rgos especializados; da mesma maneira que tem necessidade de mediao entre os seus

    membros, a classe operria, longe de estar unificada pela sua memria, necessita de uma mediao entre elaprpria e o seu passado.

    Numa Europa democrtica e na qual os partidos comunistas no podiam ser eliminados do jogoinstitucional em virtude de seu enraizamento e do papel poltico que haviam desempenhado na SegundaGuerra, no lhe ocorria a necessidade de explicitar (pois no constitua problema, mas dado, parte darealidade cotidiana) que, a longo prazo, a legalidade desses organismos especializados condio necessria,ainda que no suficiente, para a superao da fragmentariedade da experincia de classe e para a continuidadee a eficcia de tal mediao. No sendo o caso aqui de indagar por que no houve revoluo e, ao contrrio,considerando que em qualquer democracia o processo de organizao dos operrios como classe se fundecom o processo de mobilizao (eleitoral, GMB) do apoio poltico popular (Przeworski, 1989, p. 97), ento aausncia de uma organizao poltica legal um impedimento estratgico, prvio, formao de uma classeoperria autnoma. Nesse sentido, a raiz da fraqueza poltica e ideolgica do proletariado brasileiro noresidiu essencialmente no retardo da industrializao, na heterogeneidade estrutural da classe operria ou nasingularidade do capitalismo brasileiro (sobretudo quando estes so tomados como condies externas,meros constrangimentos exteriores, no constitutivos, em relao ao sujeito que faz poltica), nem tampouconuma escolha racional, numa orientao persistente por parte de seus pretensos dirigentes em se apoiar nesteatraso para as suas prprias manobras polticas, na irada avaliao de Weffort (1973, p.71). Ainda que seaceite a dose de verdade contida nesses dois modos de pr a questo, entre as tendncias derivadas da situaosocial objetiva e aquelas imputadas s construes polticas subjetivas, preciso introduzir um terceiro termo,desta vez pertencente ao sistema poltico existente e que, ao menos relativamente, independe da orientao eda estrutura interna da militncia partidria: a permanente ilegalidade a que esteve condenado todo equalquer partido que pretendeu representar a classe operria. E, na medida em que essa ilegalidade no ummero produto da dinmica interna do movimento operrio, implica uma hiptese acerca do carter e da formade funcionamento do sistema poltico como um todo, a histria desse partido ou a de quaisquer organizaesda classe operria no podendo ser vistas seno em conexo com as instituies existentes.

    Nesses termos, longe de constituir um epifenmeno, uma das matrizes da debilidade do sistemapartidrio e da reiterao da subalternidade operria no a central, mas nem por isso menos efetiva estava aqui no veto participao poltica formal das classes subalternas, medida esta tornada essencial, e nosimplesmente acessria, no sistema poltico-institucional montado a partir de 1930. Entre as determinantes

    bsicas a centralidade da Presidncia, a legislao eleitoral voltada para reduzir a expresso parlamentar dopas urbano, a estatizao dos sindicatos, a manuteno do exclusivo agrrio e a proibio da representaopoltica das classes subalternas esta era a mais vulnervel ao da conjuntura, s mudanas na correlaode foras e, num regime democrtico, visivelmente a menos legtima. Tratava-se, numa palavra, do elo maisfraco da corrente.

    As principais dificuldades do movimento operrio no se do, assim, no plano sindical ou estritamenteclassista. Tendo em vista os efeitos do corporativismo sindical no plano da representao poltica no perododa Constituio de 46, preciso inverter a hiptese de Weffort em 1981 ela mesma um enorme avano emrelao a seus trabalhos anteriores sobre o populismo e considerar que a luta pela autonomia sindical (e

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    poltica) da classe operria havia sido previamente perdida no terreno da representao partidria dos

    trabalhadores.(16) A conseqncia direta, imediata e permanente do veto representao poltica das classessubalternas foi impedir a constituio de uma expresso regular da corrente socialista de massas existente nopas desde os anos 30, facilitando sua subordinao ao populismo com o qual em seguida se aliar. Aoreforar as caractersticas intensamente elitistas do jogo poltico, a permanente ilegalidade forava o prprioPC ao entrismo, e a se elitizar para sobreviver e alcanar alguma eficcia em sua ao.

    Pondo de lado a questo das concepes programticas do PC, do seu comprometimento subjetivocom uma mudana social radical ou moderada, e tendo em vista a natureza objetiva da sociedade e docontexto poltico onde atuou, no ter sido esta a tragdia especfica do Partido Comunista Brasileiro aimpossibilidade ou a incapacidade, ou ambas as coisas de realizar sua vocao, qual seja, a de constituiro elo clssico entre a ao de classe e a participao institucional, de ser um instrumento da mobilizao daclasse para sua insero no sistema institucional?

    Desse ponto de vista, e apesar do anacronismo histrico da comparao, a experincia coletiva deoutro partido brasileiro de extrao extraparlamentar de base operria pode ser usada como contraprova doargumento, tanto mais interessante quanto mais diferentes so as suas condies de existncia, suas matrizesintelectuais, suas opes polticas e seus estilos de ao. Evidentemente, h uma enorme diferena entre umpartido que nasce fora do sistema poltico e tenta conquist-lo ou destru-lo e outro que se organizaparticipando de eleies, tentando conquistar o poder atravs do voto e exerc-lo em seu prprio nome, comoo Partido dos Trabalhadores.(17)Mais que isso, o fato de que este respira o ar poludo das grandes cidadesindustriais, e no o abafado ar das catacumbas, permite que amadurea, por assim dizer, com maior rapidez ese torne, provavelmente, capaz de retificar a prpria conduta com menos traumas, sobretudo quando ocrescimento eleitoral e partidrio acomoda as tenses internas e abre espao para todos. Nessas condies, opartido se transforma num fator de fortalecimento da ordem poltica democrtica, no s porque atrai para aluta poltica setores que, na sua ausncia, tenderiam a optar por mtodos de ao direta e insurrecionais, comotambm porque sua participao legitima essa prpria ordem e fora seus adversrios e aliados a seideologizar, para competir eleitoralmente.

    No caso do leninista PC, a despeito de sua linha poltica gradualista e frentista, a condenao ilegalidade acabou por ser racionalizada pela compreenso inversa, segundo a qual um ms de experinciarevolucionria ensinaria ao partido e s massas trabalhadoras mais que dez anos de cretinismo parlamentar com isso, o ator fazia da necessidade virtude, no buscava se inserir de forma permanente no processorealmente existente e no se programava para aprender com ele, espera do momento redentor. Ironia dahistria, as conseqncias no foram exclusivamente negativas: superada a reao, irada e ultra-esquerdista,ao sistema que o recusava e derrota poltica que acabaria por antecipar a sua morte, a inevitabilidade dasituao de clandestinidade o obrigou a se diluir em partidos-frentes e, neles, se especializar como funcionriodo universal, funo que cumpriu com zelo, a ponto de se encontrar completamente despreparado para

    redefinir, chegado o momento, a sua prpria particularidade.(18)

    IV

    Com essas observaes, entretanto, deslizo para o que no o meu tema o delicado problema dosgraus de conscincia do ator e das estratgias adotadas para enfrentar a sua circunstncia. Para o argumentocontrafactual aqui desenvolvido suficiente observar que realar a centralidade da questo da legalidade e darepresentao poltica formal no implica reescrever uma histria como deveria ter sido, profetizar que daemergiria uma classe operria autnoma, ou um grande partido democrtico. Ao contrrio, levando em contatanto a existncia de objetivos claramente irrealizveis num determinado momento histrico, como a alta taxa

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    de mortalidade das iniciativas do ator poltico, a hiptese de que as histrias do PC, do movimento operrio edo pas poderiam ter sido diferentes, no exige a suposio completamente arbitrria de que [...] ahistria da sociedade, em especial a histria da economia, teria assumido rumos muito diferentes do que teveat hoje. Envolve simplesmente a suposio de que a esquerda e o movimento operrio poderiam estar numasituao diversa daquela em que se encontram (Weffort, 1974).

    Usando a linguagem de Barrington Moore Jr. (1987), estamos diante de uma alternativa histrica

    suprimida, ou, na linguagem hegeliana-marxista, de um pressuposto que poderia ou no ser reposto pela aodo sujeito e pelo desdobramento da luta poltica. Posto isto, entretanto, consiste em observar, parafraseandoHobsbawm (1991, p. 126), que, se a adoo de uma estratgia legalista no estava condenada ao sucesso, aque acabou por prevalecer estava de antemo condenada ao fracasso.

    Nesse sentido, ao lado das opes polticas que fez e das alianas que buscou, a no-recuperao, maisat do que a perda, do registro eleitoral acabar por definir os limites da implantao e da ao do movimentocomunista durante a Repblica Liberal. Contra-elite com conscincia estatal, em sua maturidade empenhadaem se constituir como fora de governo, mesmo estando fora do governo e desfrutando de semilegalidadeconsentida,(19)sua prolongada clandestinidade ter efeitos catastrficos sobre a identidade, os modos de ser ede agir de toda a esquerda, os quais no foram minimizados, antes potencializados pelo tipo de marxismo, deleitura do desenvolvimento capitalista e de concepo de fazer poltica predominantes na poca.

    NOTAS

    * Este artigo constitui uma reelaborao, relativamente extensa, de uma das trs hipteses trabalhadas em minha tese dedoutoramento:Partido Comunista, capitalismo e democracia (Um estudo sobre a gnese e o papel poltico da esquerda brasileira:1920-1964). Ele se beneficia no s da acesa discusso da banca como tambm das observaes do annimo parecerista da RBCS,aos quais agradeo.

    1. Segundo o levantamento de Dario Canale (1986, p.84), foram trs meses e meio em 1922 (de 7/4/1922 a 5/7/1922 excludo), seis

    meses em 1924 (de 1o/1/1924 a 5/7/1924 excludo), sete meses e meio em 1927 (de 1o/1/1927 a 12/8/1927 excludo) e 25 mesesaps a Segunda Guerra Mundial (de 18/4/1945 a 7/5/1947 excludo). O total d 41 meses (1.247 dias, quase 5 por cento dos seus22.952 dias de vida). No entanto, preciso distinguir ilegalidade com perseguies ocasionais (1922/35, 1947/56, 1979/84),ilegalidade com clandestinidade estrita (1935/45, 1964/79) e perodos de legalidade de fato (1956/64).

    2. Esse conceito e esse juzo foram elaborados, como se sabe, por Giovanni Sartori (1982).

    3. Para esses conceitos, ver a primeira parte de Campello de Souza (1976).

    4. A distino de Pedreira, 1994.

    5. As referncias so: Simo, 1956; Dillon Soares, 1973; e Lavareda, 1980. As concluses de Simo se tornaram lugar-comum na

    literatura, sendo utilizadas por estudiosos como Ferreira, 1960; Bolvar Lamounier, Comportamento poltico eleitoral em SoPaulo: passado e presente, e Fernando Henrique Cardoso, Partidos e deputados em So Paulo: o voto e a representao poltica,in Lamounier & Cardoso, 1975. Alm de So Paulo, Pernambuco o estado mais bem estudado desse ponto de vista; ver Lavareda& S, 1986.

    6. Apoiado basicamente em informaes colhidas em entrevistas e ampliando consideravelmente a lista apresentada por Chilcote(1974), o captulo 5 de minha tese de doutoramento contm um levantamento dos parlamentares comunistas eleitos por outraslegendas (com alguma estimativa devotos) e dos casos mais notrios de direta interferncia da Justia Eleitoral, impedindo acandidatura de nomes conhecidos ou vetando a diplomao dos eleitos. Contm, alm disso, uma anlise das concepes que

    presidiram o comportamento eleitoral do PC.

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    7. Ver The Purloined Letter, in Poe, 1992, pp. 593-607. Agradeo a Luiz Eduardo Soares, do Iuperj,pela analogia.

    8. Transponho literalmente, para o caso brasileiro as comparaes europias de Hobsbawn (1982, pp. 42 e 34), e a observaoChilcote (op. cit., p. 9) sobre o raio de influncia do PC.

    9. Ver Werneck Vianna, 1978, p. 10. Em ambos os casos se trata de partidos de elites urbanas de estados industrializados.Geograficamente, a implantao do PC era mais diversificada que a do PDC, cuja representao se concentrava em So Paulo e noParan.

    10. Ainda est por ser feito um trabalho comparativo dos partidos comunistas da Amrica Latina. So mais comuns as monografiasda Guerra Fria, que pegam os comunistas como um bloco e os comparam com os socialistas, os social-democratas ou osdemocratas cristos, como Alexander, 1964. Trabalhos como os de Darcy Ribeiro (1986), Alain Touraine (1974), e Jos Aric(1988), contm sugestivas indicaes sobre o modo de ser comunista latino-americano em geral. Alm da bibliografia clssica queinclui Marx, Lenin, Rosa de Luxemburgo, Lukcs, Michels, Duverger, Cerroni, Sartori, Przeworski etc., e da imensa bibliografiasobre os partidos nacionais, a relao partido comunista/sistema partidrio explorada em trabalhos como os de Montano (1975),Pohl (1968) e Cnepa (1988). Mas nenhum deles trata especificamente do caso brasileiro.

    11. Ver Danilevitch, (1950, p.18). Esta uma das raras referncias existentes ao nmero de vereadores eleitos em janeiro de 1948 e to confivel quanto costuma ser esse tipo de informao. Um dos meus depoentes considera o valor subestimado, acrescentandoque os timos resultados eleitorais deram um susto na burguesia.

    12. Talvez seja de justia ressaltar o caso de Santiago Dantas, cuja tentativa desesperada de deter a queda do governo Goulartinclua a legalizao do Partido Comunista no programa de sua Frente Ampla.

    13. Sem pretender ser exaustivo, vale lembrar que os textos mais importantes dessa polmica foram os de Weffort (1973) e deMartins & Almeida (1974). Weffort (1974) apresenta sua trplica. Ele voltaria ao tema em um conjunto de trs ensaios publicadosna Revista de Cultura Poltica e na Revista de Cultura Contempornea, publicaes do ento nascente Cedec. As idias de Weffortseriam parcialmente contestadas por Maranho (1979), aplicadas por Alm (1981), radicalizadas por Spindel (1980), generalizadas

    para outros perodos por Rowland (1974), e, sobretudo, por Moiss (1978). Sem participar diretamente, trabalhos como o deLencio Martins Rodrigues (1981), Werneck Vianna (1976), e Almino (1980), contriburam decisivamente para a definio dostermos do debate.

    14. Para esses conceitos, ver Pitkin, 1972, especialmente os captulos 8 e 10.

    15. No mesmo sentido, ver tambm Tavares, 1966, pp. 18-9.

    16. A formulao de Weffort (1981, p. 144) a seguinte: Os efeitos do corporativismo sindical no plano da representao polticados trabalhadores passam ao largo das preocupaes polticas da esquerda. Embora se trate de um caso clssico de uma esquerda declasse mdia e quase sem trabalhadores, s muito raramente lhe ocorre a idia de que sua batalha poltica pela representao

    partidria dos trabalhadores possa ter sido perdida previamente no plano sindical.

    17. Para a continuidade das duas experincias, ver Oliveira, 1986.

    18. Sem entrar no mrito do problema, que escapa ao perodo aqui enfocado e dever ser tema de outro artigo, vale assinalar que,

    segundo uma fonte bem situada, s vsperas de sua legalizao, em 1985, e como fruto da atuao no PMDB e no Congresso, acomisso parlamentar do Partido Comunista reunia dezessete deputados federais, dos quais apenas quatro acreditaram ter condiesde disputar a reeleio pela legenda.

    19. Para uma anlise do curto perodo pr-64 em que esse ator desenvolveu alguma capacidade governativa, e no apenasoposicionista, segundo o modelo postulado por Santiago Dantas, ver meu artigo (Brando, 1995).

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