Artigo Alergia Ao Leite

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    308  J Health Sci Inst. 2014;32(3):308-13 

    Alergia alimentar: uma abordagem sobre as proteínas lácteas e osprincipais tratamentos físico-químicos e enzimáticos aplicados parareduzir a antigenicidade: revisão da literatura

    Food allergy: an approach about milk proteins and the use of physicochemical or enzymatic treatments applied to reduce its antigenicity: literature review 

    Mariana Bataglin Villas Boas, Hellen Daniela de Souza Coelho, Milena Baptista Bueno, Célia Regina de ÁvilaOliveira, Flávia Maria Netto1Curso de Nutrição da Universidade Paulista, Sorocaba-SP, Brasil; 2Departamento de Alimentos e Nutrição da Faculdade de Engenhariae Alimentos da Universidade Estadual de Campinas-SP, Brasil.

    ResumoO processo alérgico às proteínas alimentares é um importante problema de saúde pública, afetando de 1 a 2% da população adultae até 8% das crianças com idade abaixo de três anos. Na infância, o leite de vaca está no topo da lista dos alimentos considerados po-tencialmente alergênicos, sendo que as proteínas β-lactoglobulina (β-Lg) e α-Lactalbumina (α-La) presentes na fração do soro de leitesão aquelas consideradas as mais antigênicas. Tratamento térmico, alta pressão ou hidrólise enzimática, utilizados em conjunto ou se-paradamente, podem alterar determinantes antigênicos (epítopos) presentes nas proteínas, e têm sido estudados como estratégia paraobtenção de produtos com menor potencial alergênico, porém ainda com sucesso limitado. A enzima transglutaminase (TG), que ca-talisa a reação de ligação cruzada inter ou intramolecular em diversas proteínas, também tem sido utilizada com este propósito. A as-sociação da hidrólise enzimática com a polimerização por TG é uma estratégia ainda pouco explorada, mas que oferece boasperspectivas em relação à redução da antigenicidade de proteínas. Diante disso, o presente estudo tem como objetivo reunir as prin-cipais pesquisas realizadas em relação à caracterização de proteínas alergênicas, as reações imunológicas comumente envolvidas,bem como a utilização de tratamentos físico-químicos e enzimáticos aplicados com a finalidade de reduzir o potencial alergênico deproteínas alimentares, em especial aquelas presentes no leite.

    Descritores: Polimerização; Hidrólise; Tratamento térmico

    AbstractFood allergy is an important public health problem, affecting 1-2% of adults and up to 8% of children under three years old. In child-hood, cow’s milk is one of the most important allergenic products, being the whey fractions corresponding to β-lactoglobulin (β-Lg)and α-Lactalbumin (α-La) considered more antigenic. Heat treatment, high pressure and enzymatic hyudrolysis have been studied ai-ming at obtaining products with low allergenic potential since they can alter antigenic determinants (epitopes) in the protein. The trans-glutaminase (TG), an enzyme that catalyzes inter or intramolecular cross-link in different proteins has also been used to reduce theprotein antigenicity. The association of enzymatic hydrolysis and plymerization by TG is another strategy for reducing the antigenicityof food proteins, promising that needs further research. Therefore, the present study aimed to present the main researches related to thecharacterization of allergenic proteins, the most commonly reactions involved in immunologic response, as well as the physicochemicalor enzymatic treatments applied in order to reduce the allergenic potential of food proteins, in particular those present in milk.

    Descriptors: Polymerization; Hydrolysis; Heat treatment

    IntroduçãoA alergia alimentar é uma doença cada vez mais fre-

    quente nos países ocidentais e permanece um campoa ser explorado e compreendido pela ciência1. Trata-sede um importante problema de saúde pública, afetandode 1 a 2% da população adulta e até 8% das criançascom idade abaixo de três anos. Na infância, o leite bo-vino está no topo da lista dos alimentos consideradospotencialmente alergênicos2.

    As alergias alimentares são normalmente mediadaspor imunoglobulinas do tipo E (IgE) produzidas no sis-tema imune pelos linfócitos B. As reações envolvidasna resposta são do tipo cutâneas (dermatite atópica,urticária), respiratórias (rinite, asma) ou gastrointestinais(vômito, diarréia, cólica, refluxo gastroesofágico), sendoque, em casos extremos, pode haver choque anafiláticodo indivíduo alérgico3.

    A β-Lactoglubulina (β-Lg) é uma das principais pro-teínas do leite bovino que causa reação alérgica. Nãoestá presente no leite humano, apresenta estrutura hi-drofóbica e estável em pH ácido o que a torna resis-tente à digestão, principalmente à ação da pepsina4.Essa resistência resulta na não fragmentação de se-quências específicas de aminoácidos, que podem sen-

    sibilizar indivíduos e desencadear o processo alérgico,mesmo quando a proteína é administrada em baixasconcentrações5.

    A alteração na conformação dos determinantes anti-gênicos – epítopos – como resultado da perda da estru-tura terciária, pode reduzir o potencial antigênico daproteína3. Vários estudos têm focado a utilização de di-ferentes processos físicos, químicos ou enzimáticos pararedução do potencial antigênico das proteínas do sorode leite. Diante do exposto, a presente revisão tem como

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    objetivo reunir as principais pesquisas realizadas emrelação à caracterização de proteínas alergênicas, asreações imunológias comumente envolvidas, bem comoa utilização de tratamentos físico-químicos e enzimáticosaplicados com a finalidade de reduzir o potencial aler-gênico de proteínas alimentares. O enfoque desta revi-são foi nas proteínas lácteas, já que a alergia ao leite devaca (ALV) é uma das alergias alimentares mais comuns

    principalmente em crianças e continua em ascendência.O tema é um desafio em dois principais âmbitos: naárea as saúde visando um tratamento eficaz, e na áreatecnológica visando a formulação de produtos hipo-alergênicos.

    Revisão da LiteraturaO leite de vaca tem aproximadamente 3,5% de pro-

    teínas, sendo 2,9% caseína e 0,6% proteínas de soro.Caseína pode ser definida como a proteína precipitadapor acidificação do leite desnatado a pH 4,6/20‚C. O lí-quido remanescente é o soro, que contém cerca de 20%das proteínas do leite. A α-La e β-Lg perfazem 70-80%

    das proteínas totais do soro. As subfrações presentes empequenas concentrações no soro do leite, são compostaspor: lactoferrina, lactoperoxidase, lisozima, lactolina,lactofano, fatores de crescimento IGF-1 e IGF-2, proteo-ses-peptonas e aminoácidos livres6.

    O soro de leite pode ser obtido em laboratório ou naindústria por três processos principais: coagulação en-zimática, resultando no coágulo de caseína; precipitaçãoácida no pH isoelétrico, resultando na caseína isoelé-trica, que é transformada em caseinatos e no soro ácido;separação física das micelas de caseína por microfiltra-ção, obtendo-se concentrado de micelas e as proteínasdo soro, na forma de concentrado ou isolado protéico7.

    Na indústria de alimentos as proteínas do soro de

    leite têm sido utilizadas em diversas aplicações, poisapresentam importantes características tecnofuncionaistais como formação de gel, espumas e capacidadeemulsificante8. Nutricionalmente, devido ao seu con-teúdo de aminoácidos8 essenciais, o valor biológicodas proteínas do soro é alto se comparado ao de outrasproteínas, com alta concentração de aminoácidos decadeia ramificada (Leu, lIe, Val), que estão envolvidosna síntese muscular e, diferente das proteínas de origemvegetal, apresentam os aminoácidos essenciais Lys, Met,Thr e Ile em excesso, podendo ser utilizado em carátersuplementar9.

    Quando utilizadas como suplementos, as proteínasdo soro de leite podem estar na forma íntegra ou hi-drolisada. Na forma hidrolisada estão presentes emformulações para pacientes com síndromes de máabsorção intestinal e com intolerância às proteínasdo leite, também para idosos e atletas8. Os hidrolisa-dos ao atingirem o intestino delgado são rapidamentedigeridos e absorvidos, elevando rapidamente a con-centração aminoacídica do plasma e estimulando asíntese de proteínas nos tecidos. Além disso, após hi-drólise, pode haver a formação de peptídeos bioativoscapazes de modular respostas fisiológicas no orga-

    nismo, como imunológica, opióide e ergogênica8-9.A β-Lg é a principal proteína do soro de leite em ru-

    minantes, perfaz 50% do total das proteínas que consti-tuem esta fração3. É uma proteína globular, constituídapor 162 aminoácidos, massa molecular (MM) ~ 18,3kDa contém um grupo sulfidrila livre (-SH) e duas pontesdissulfeto intramolecular (-S-S-), ligando a CyS66 - CyS160e CyS106 - CyS119. A estrutura secundária consiste de fo-

    lhas-B antiparalelas formadas por nove cordas-β (β-strands). A estrutura cristalina mostra que o monômerode MM ..., 18,3 kDa, consiste predominantemente defolhas-B (50%) e uma pequena porção de α-hélice (15%),estruturas ao acaso (15%) e estruturas em volta ou turns(20%). A β-Lg apresenta polimorfismo genético, sendoque as variantes A e B são mais comuns6.

    Da mesma forma que as demais proteínas do soro deleite, a β-Lg desnatura a temperaturas superiores a 60°C.A 95°C há completa desnaturação, com extensa trans-formação conformacional, exposição de grupos nucleo-fílicos altamente reativos e de áreas8.

    A α-La é uma proteína monomérica globular, com

    MM 14,2 kDa, e representa aproximadamente 25% dasproteínas do soro de leite. Caracteriza-se pela tendênciaa formar associações em pH abaixo do seu ponto isoe-létrico, além de apresentar alta afinidade de ligação comíons cálcio, o que leva à maior estabilidade da estruturasecundária desta proteína3.

    A BSA, com MM 66,4 kDa, é responsável por aproxi-madamente 5% do total das proteínas do soro de leite.Apresenta um grupo sulfidrila livre na posição 34 (N-terminal) e 17 pontes dissulfeto. Muitas das ligações dis-sulfeto são protegidas no núcleo da proteína e, conse-quentemente, não são facilmente acessíveis10.

    Alergia ao leite de vaca é uma das alergias alimentaresmais comuns em crianças, com uma incidência esti-

    mada de 2-3% para crianças com idade até 4 anos. Sin-tomas de ALV podem surgir imediatamente, horas oumesmo dias após a ingestão de quantidades moderadasde leite ou de formulações a base de suas proteínas. Asreações envolvidas na ALV normalmente são mediadaspor anticorpos IgE, e o aparecimento dos sinais e sinto-mas após a ingestão geralmente é agudo ativando prin-cipalmente os mastócitos teciduais e basófilos sanguí-neos, conforme ilustrado na Figura 1. Quando osantígenos se ligam às moléculas de IgE específicas ocorrea liberação de mediadores que causam os sintomas,que podem ser do tipo cutâneos (urticária, angioedema),gastrointestinais (vômitos e diarreia), respiratórios comoprurido ocular e lacrimejamento, congestão nasal ebroncoespasmo ou então as reações sistêmicas como aanafilaxia com hipotensão e, em casos extremos, o cho-que anafilático11.

    O leite é o principal alimento do recém-nascido e suacomposição varia de acordo com a espécie animal. Oleite não só fornece nutrientes necessários para o cresci-mento, como também funciona como meio de transfe-rência de anticorpos de defesa do organismo12. A Tabela1 mostra a composição centesimal das proteínas do leitebovino em comparação ao leite humano.

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    310  Redução da antigenicidade com o uso de diferentes tratamentos  J Health Sci Inst. 2014;32(3):308-13 

    Figura 1. Classificação das reações adversas ao leite bovino

    Tabela 1. Composição centesimal média do leite humano ebovino

      Parâmetros   Leite

      determinados (%)  Humano Bovino

      Proteínas 1,85 3,70

      Lipídeos 1,84 3,68  Carboidratos 7,80 4,90  Cinzas 0,30 0,70  Umidade 87,82 87,02

    Comparado ao leite humano, o leite bovino apresentamaior teor de compostos nitrogenados, em grande partedevido ao maior conteúdo de caseína e também de β-Lg e albumina sérica bovina, proteínas ausentes no leitehumano. No leite bovino, as quatro frações da caseínaαS1-, αS2-, β- e K- caseína e as proteínas do soro β-lac-toglobulina, α-Iactalbumina são considerados os princi-pais responsáveis por desencadear a resposta alérgica3.

    Tratamentos físico-químicosA desnaturação térmica pode alterar a conformação

    dos epítopos como resultado da perda da estrutura ter-

    ciária, consequentemente reduzindo o potencial antigê-nico da proteína3,13. As proteínas do leite diferem quantoà estabilidade durante o tratamento térmico. Enquanto aα-caseína é a mais termicamente estável, a β-Lg é mo-derada e a BSA é termolábil. Portanto, os agregados for-mados após desnaturação térmica podem apresentar ca-racterísticas estruturais distintas quando diferentescondições de aquecimento são utilizadas, resultando em

    diferentes graus de antigenicidade14.Tratamento térmico a 120°C por 15 minutos não afetou

    a antigenicidade da caseína, no entanto a BSA e Imuno-globulinas presentes no leite apresentaram redução daantigenicidade após tratamento térmico> 700C15. Mier-zejewska & Kubicka16 verificaram que os animais imu-nizados com a forma nativa apresentaram níveis séricosde IgE anti- β-Lg superiores àqueles imunizados com aforma tratada.

    Entretanto, Kleber et aI.17 observaram aumento da an-tigenicidade da β-Lg tratada termicamente entre 75 e90°C, sendo que o tempo de aquecimento foi determi-nante na indução da resposta antigênica, que foi mais

    elevada após 35 min de tratamento. Spiegelet al.14

    tam-bém observaram aumento da antigenicidade da β-Lgcom o prolongamento do tempo de aquecimento a 90°C.Nesses casos, o aumento da antigenicidade está asso-ciado à maior exposição de epítopos intramolecularesdevido ao desdobramento da cadeia polipeptídica, oumesmo à formação de novos sítios antigênicos17. Por ou-tro lado, o tratamento sob temperatura mais elevada(148°C) resultou na redução da antigenicidade da β-Lg,o que foi associado ao processo de agregação com rear-ranjo inter e intramolecular, e ocultamento de váriosepítopos17.

    O leite bovino contém lactose e outros açúcares redu-tores e, portanto está sujeito à reação de Maillard ou gli-

    cação durante o tratamento térmico. A glicação é umadas modificações químicas mais frequentemente obser-vadas no processamento industrial. O processo resulta

    Polimerizaçãotransglutaminase

    R-GIm(CH2)2-CO-NH2 + NH2-(CH2)4-Lis-R R-GIn-(CH2)2-CO-NH-(CH2)4-Lis-R + NH3

      resíduo glutamina resíduo lisina -(γ-glutamil)lisil________________________________________________________________________________________________Incorporação de animais

    transglutaminase

    R-GIn-(CH2)2-CO-NH

    2+ NH

    2-R |R-GIn (CH

    2)2-CO-NH-R + NH

    3  resíduo glutamina amina________________________________________________________________________________________________Desaminação

    transglutaminase

    R-GIn-(CH2)2-CO-NH2 + H2O R-GIn- (CH2)2-CO-OH + NH3

      resíduo glutamina

    Figura 2. Reações catalisadas pela transglutaminase

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    na formação de compostos intermediários, denominadosprodutos de Amadori os quais podem tanto aumentar aatividade de ligação de IgE, como reduzir ou não afetaro seu reconhecimento18-19.

    Tratamentos enzimáticos

    Enzimas proteolíticas ou proteases catalisam a quebradas ligações peptídicas em proteínas. A hidrólise enzi-mática de proteínas é utilizada para melhorar proprie-dades físicas, químicas e funcionais dos alimentos, semprejudicar seu valor nutritivo20. Pode melhorar em parti-cular as características de absorção das proteínas, reu-nindo as seguintes propriedades: nutricionalmente ade-quado, osmoticamente equilibrado e hipoalergênico21.Concernente à questão hipoalergênica, embora as for-mulações elaboradas com hidrolisados protéicos do sorode leite tem sido um grande avanço na terapia de invidí-duos alérgicos, estas podem apresentar atividade anti-gênica decorrente de material não hidrolisado, prove-niente principalmente da β-Lg22. Até então, somente ahidrólise extensa das proteínas, até que maioria dos pep-

    tídeos formados atinja MM entre 2 e 5kDa, pode anularalergenicidade das proteínas do soro de leite23.A especificidade da enzima é um dos fatores determi-

    nantes na redução da alergenicidade das proteínas24. Ka-nanen et aI.23 mostraram que a hidrólise da fração preci-pitada das proteínas do soro de leite com pepsina por 3horas, seguido pela tripsina por 30 minutos resultou empeptídeos com MM < 5 kDa e praticamente anulou aantigenicidade destas proteínas. Para o mesmo substrato,Svenning et aI.24 obtiveram redução da antigenicidadeda amostra após hidrólise exaustiva com Corolase PP.Processos envolvendo a alta pressão, utilizada previa-mente ao tratamento enzimático, podem falicitar a açãodas enzimas na clivagem de epítopos na proteína.

    A reação com a enzima transglutaminase (TG) tambémpode alterar a antigenicidade das proteínas. A Figura 2ilustra as reações catalisadas pela TG, que modifica asproteínas por meio de incorporação de aminas, ligaçõescruzadas ε-(y-glutamil) lisil ou desaminação25. Essas rea-ções levam às mudanças nas propriedades funcionaisde proteínas vegetais e animais e conferem a possibili-dade da formação de produtos com melhores proprie-dades reológicas e sensoriais13.

    Villas-Boas et aI.26 e posteriormente Villas-Boas et aI.27

    concluíram que a utilização do aminoácido cisteína(Cys) facilitou a reação de polimerização por TG e me-lhorou, digestibilidade proteica e reduziu potencial an-tigênico, observado por testes in vivo e in vitro . Estes re-sultados são promissores, em especial para o tratamentocom agente redutor Cys, uma vez que este poderia serutilizado em produtos alimentares.

    Recentemente tem sido estudado o processo tecnoló-gico de hidrólise enzimática associada à polimerizaçãocom a TG, já que o mesmo pode modificar algumas im-portantes propriedades tecnológicas e funcionais de pro-teínas alimentares e ter impacto no potencial alergênicodo produto28. Wróblewska et aI.29 e Sabadin et aI.30 ob-servaram redução da antigenicidade das proteínas de

    soro de leite ao combinar hidrólise com alcalase e poli-merização com TG em diferentes condições.

    DiscussãoAs proteínas do leite bovino são um dos principais

    alérgenos alimentares que causam reações imunológi-cas mediadas por IgE, isto devido à alta resistência des-tas proteínas ao processo de digestão pelas enzimasgastrointestinais 31 ou ainda aos devido os peptídeosprovenientes da digestão apresentarem sequencias ami-noacídicas com capacidade de se ligar à IgE e estimularas células T de resposta alérgica. Vários processos tec-nológicos têm sido utilizados na tentativa de reduzirao máximo a alergenicidade das proteínas do leite32.Dentre eles, o processo enzimático é um dos métodosmais estudados e aplicados para este fim, principal-mente na elaboração de fórmulas infantis hipoalergê-nicas32,22. A hidrólise extensa das proteínas, até quemaioria dos peptídeos formados atinja MM entre 2 e 5kDa, é citado como o tratamento mais eficaz na redu-ção da alergenicidade das proteínas do soro de leite32.

    Entretanto, os produtos provenientes da hidrólise podemapresentar algumas características indesejáveis, comopor exemplo, a presença de proteína antigênica residualna sua forma intacta, resistente à hidrólise, ou na libe-ração de determinantes antigênicos após clivagem daproteína32,22. Além disso, a formação de peptídeos me-nores que 6 kDa e liberação de alguns aminoácidoscomo a Leu, Ala, Phe e Tyr após a hidrólise, podemconferir sabor indesejável ao alimento, relativo ao amar-gor, fator negativo quando se pensa em aplicação in-dustrial destes produtos32.

    O tratamento com TG também tem sido relatadocomo meio de modificar as propriedades antigênicasde proteínas alimentares26,28-29. Além das diferenças

    quanto às características dos produtos formados, o tra-tamento de polimerização pode também alterar a sus-ceptibilidade da proteína à digestão gastrointestinal, econsequentemente seu potencial alergênico. Este tra-tamento também pode modificar algumas importantespropriedades tecnológicas e funcionais de proteínasalimentares. Hidrolisados da soja tratados com TG apre-sentaram géis mais resistentes, termicamente estáveis ecom maior capacidade emulsificante33. Estas proprie-dades também foram melhoradas em hidrolisados decaseinato de sódio28 e hidrolisados do glúten34 tratadoscom a TG. Portanto, além de hipoalêrgenico, há indi-cativos de que o produto resultante do processo de po-limerização poderia apresentar importantes proprieda-

    des tecnofuncionais, devendo ser levado emconsideração na formulação de produtos.

    ConclusãoO presente estudo relata as principais características

    de proteínas lácteas, as reações e componentes envol-vidos no processo alérgico, bem como os tratamentosfísico-químicos e enzimáticos que vêm sendo utilizadospara atenuar a antigenicidade destas proteínas. A utili-zação de proteínas lácteas, em especial aquelas pre-

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    sentes no soro de leite, auxilia no entendimento sobrecomo um processo pode alterar a conformação proteicae resultar na modificação do seu reconhecimento pelasimunoglobulinas do tipo E, envolvidas no processo alér-gico. Utilizar as proteínas lácteas como modelo de es-tudo tem sido comum, já que as mesmas apresentaminúmeras propriedades físico-químicas, nutricionais etecnológicas. Com os resultados reportados, outras pro-

    teínas alimentares, também alergênicas, podem ser es-tudadas e modificadas, por exemplo, as proteínas dasoja, do glúten e aquelas presentes no ovo. Com istoaumentam-se as chances de se fornecer um produtocada vez mais seguro aos portadores de alergia alimen-tar, sem a necessidade de excluí-Ios da alimentação.

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    Endereço para correspondência:

    Profª Dra. Mariana Battaglin Villas BoasUniversidade Paulista – Campus Sorocaba

    Av. Independência, 210 – ÉdenSorocaba-SP, CEP 18087-101

    Brasil

    E-mail: [email protected]

    Recebido em 5 de agosto de 2014Aceito em 11 de setembro de 2014