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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 · RESUMO: O presente artigo ... 5, tendo por base vencer o oceano, dominá-lo e navegá-lo, ... A partir do século XV, com a tomada de posse do

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

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HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA NO BRASIL

Rosimeri Chaia Pedroso1

RESUMO: O presente artigo estabelece uma análise acerca da historiografia no Brasil, contemplando suas características ao longo dos últimos três séculos, considerando o posicionamento de autores e pensadores relevantes no âmbito intelectual brasileiro. Há também um destaque ao posicionamento adotado por historiadores estrangeiros acerca da história do país, principalmente a relativa ao século XVII. A metodologia empregada foi a revisão bibliográfica, permitindo uma análise mais acurada acerca da temática da história do Brasil. Mediante as informações colhidas, é possível identificar que a historiografia no Brasil contempla com profundidade a história brasileira, desenvolvendo sua percepção em conformidade com o período em que é analisada, adotando um discurso mais crítico, sobretudo no século XX, Palavras-Chave: Historiografia; História do Brasil; Consciência Nacional. ABSTRACT: O presente artigo estabelece uma análise acerca da historiografia no Brasil, contemplando suas características ao longo dos últimos três séculos, considerando o posicionamento de autores e pensadores relevantes no âmbito intelectual brasileiro. Há também um destaque ao posicionamento adotado por historiadores estrangeiros acerca da história do país, principalmente a relativa ao século XVII. A metodologia empregada foi a revisão bibliográfica, permitindo uma análise mais acurada acerca da temática da história do Brasil. Mediante as informações colhidas, é possível identificar que a historiografia no Brasil contempla com profundidade a história brasileira, desenvolvendo sua percepção em conformidade com o período em que é analisada, adotando um discurso mais crítico, sobretudo no século XX, Palavras-Chave: Historiografia; História do Brasil; Consciência Nacional. Key Words: Historiography, History of Brazil, National Consciousness.

1. INTRODUÇÃO

O tema em questão envolve duas óticas de análise sobre o Brasil: de um

lado, a história; e a de outro a historiografia. Neste contexto, para se compreender

as fases da historiografia brasileira um olhar deve ser lançado a respeito da história

do Brasil.

1 Professora do Ensino Básico e Ensino Superior da Rede Pública de ensino do Núcleo Regional de Ensino de Guarapuava – PR. Participante do Programa de Desenvolvimento Educacional da Secretaria de Estado da Educação do Paraná de 2010.

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Segundo Rodrigues (1970), a História Geral do Brasil iniciou-se com o

período pré-cabralino até a época contemporânea, tendo por bases abordagens

econômicas, políticas, sociais e ideológicas.

Em outra obra, denominada de “Tempo e Sociedade” (1986), o mesmo autor

faz uma discussão sobre seu trabalho de revisão da história do Brasil com Carlos

Guilherme Mota2. Nesse debate ficou claro que José Honório Rodrigues, na década

de 50, do século XX, era um pesquisador erudito3, da vertente positivista, que se

torna um polemista agressivo com base na idéia de um “nacionalismo”, pois no

Brasil ocorreram as lutas nacionais, desde a época imperial, em defesa dos

interesses brasileiros, mas chegou a conclusão que as lideranças colocaram de lado

o povo, e sempre procuraram soluções na elite política brasileira.

Na segunda parte de sua obra publicada em 1970, José Honório Rodrigues

coloca em destaque estudos sobre algumas das maiores figuras da historiografia

brasileira, além da publicação “História da História do Brasil”, a qual é dividida em

três volumes e refere-se ao Brasil Colonial, o Brasil Nacional e o terceiro,

historiografia e ideologia.

Por outro lado, Nélson Werneck Sodré4 (1987) escreve sobre a “História dos

vencidos”. Segundo o autor, as lutas populares e o conflito de classes quase sempre

foram ignoradas pelo ensino oficial do Brasil.

Essa tendência, após o Golpe Militar de 1964, foi extremada a tal ponto que

acabou por constituir-se numa ideologia, e o ensino da História Oficial, uma

decorrência dessa postura mistificada. Durante o período dos governos

revolucionários de 1964, qualquer análise marxista da história seria considerada um

desvio científico.

Em uma perspectiva mais abrangente e atualizada dos estudos

historiográficos brasileiros, a obra coordenada por Marcos Cezar de Freitas (1998),

cuja historiografia brasileira é dividida em duas partes: “Os olhares sobre as fontes”

2 Carlos Guilherme Mota, livre docente da USP, é autor da Ideologia da Cultura Brasileira, e com José Roberto do Amaral Lapa, exerceu o cargo de coordenador dos Cursos de Mestrado em História da UNICAMP, sendo autor de vários livros, entre eles, “A historiografia brasileira nos últimos quarenta anos: tentativa de avaliação crítica” (1975). 3 José Honório Rodrigues, em 1955, entrou na Escola de Guerra (ESG), a qual na época era aberta e de erudito tornou-se um pesquisador de novas tendências na problemática nacional. 4 Nélson Werneck Sodré foi professor da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, de 1948 a 1950. Diretor do Departamento de História do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) de sua fundação até sua extinção com o Golpe Militar de 1964. Autor de vários livros, dos quais destacam-se: Formação Histórica do Brasil; Síntese da História da Cultura Brasileira; História da Literatura Brasileira; A Ideologia do Colonialismo; Radiografia de um Modelo; História da Imprensa no Brasil; História Militar do Brasil e outros, alguns dos quais editados no exterior, em russo, polonês e espanhol.

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e “Novas fontes para novos olhares”, a qual apresenta os caminhos e os

descaminhos de uma nova historiografia brasileira, mas nem sempre, de ruptura em

relação aos pesquisadores como Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior,

Gilberto Freire, José Honório Rodrigues e outros.

Nesse sentido, os autores de “Historiografia brasileira em perspectiva”

basearam-se em dois critérios: trazer à luz as fontes que têm conduzido a pesquisa

histórica no Brasil; e evidenciar os recursos teórico-metodológicos que vêm

fundamentando o trabalho dos historiadores brasileiros.

Para a última década do século XX, a produção de César Augusto Barcellos

Guazelli e seus colaboradores (2000) refere-se a seis questões básicas da teoria e

metodologia da história no Brasil: reflexão teórico-metodológica nos cursos da

história, a biografia histórica, da “história total” à “história das migalhas”, o livro

didático de história e história no fim do milênio: para quê?

Assim, o estudo dessas considerações iniciais é colocar a abrangência desta

temática, o que inviabiliza uma interpretação bastante exata sobre “História e

Historiografia no Brasil”.

2. OS PRINCÍPIOS ESCRITOS SOBRE HISTÓRIA NO BRASIL DO SÉCULO XVI E

XIX

A história do Brasil iniciou-se com o Infante D. Henrique, quando propiciou à

Portugal a europeização do mundo, pois D. Henrique irradiou o poder europeu a

extremidades desconhecidas, o qual ampliou o horizonte físico e mental da Europa.

As táticas geopolíticas, que D. Henrique imaginou caracterizou um novo período

histórico com a abertura da “Fronteira Mundial”5, tendo por base vencer o oceano,

dominá-lo e navegá-lo, cuja iniciativa é reveladora da tomada de posse das terras do

continente brasileiro.

A partir do século XV, com a tomada de posse do Brasil por Pedro Alvarez

Cabral, em nome da Coroa Portuguesa, o primeiro escrito em terras brasileiras foi a

5 O conceito de fronteira e fronteira mundial é colocada por José Honório Rodrigues segundo a historiografia norte-americana por Frederich Jackson Turner e ampliada esta conceituação por Walter Prescot Webb e segundo W. K. Hancok, da Universidade da Austrália. O conceito de Turner proclamou a significação da fronteira na história dos Estados Unidos; Webb proclamou sua significação na história mundial (1970).

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Carta de Pero Vaz de Caminha, escritor-mor da Armada Portuguesa, na qual

registrou os acontecimentos de abril de 1500.

Conforme José Honório Rodrigues, a literatura de viagens estrangeiras do

século XVI é fundamental para a “construção história” do Brasil, pois esta literatura

exótica brasileira constitui documentação de importância sobre os estrangeiros, que

tão somente estiveram de passagem e escreveram impressões de viagem6.

Assim, segundo Rodolfo Garcia, a história dos viajantes e das suas obras

transformou-se na “História das explorações científicas” (1922), constituindo um

capítulo independente da historiografia, tais como:

- François Pyrard: em 1601 embarcou no navio Corbim, cuja Companhia

Mercantil procurava os caminhos da Índia para realizar explorações comerciais para

a França. O viajante, após passar por inúmeras peripécias chegou ao Brasil e sobre

suas evidências de viagem escreveu “Discours du Voyage des François na Indes

Orientales”, obra publicada em Paris, em 1611, sendo considerado o primeiro

depoimento francês sobre as proezas da navegação ultramarina7;

- Richard Flecknoe (1601-1678): de origem inglesa foi segundo a

historiografia tradicional um poeta medíocre e péssimo escritor de viagens. Chegou

no Brasil em 1648. Escreveu notícias sobre os indígenas de forma insignificante e a

descrição sobre o Rio de Janeiro não atrai o leitor, porém, foi o primeiro viajante

estrangeiro a falar sobre o Rio de Janeiro como “pleasantest place um the world for

natural landscape", e, em sua obra fez uma relação entre a Europa, Ásia, África e

América a respeito dos dias que passou nesses continentes e comparando-os,

constituindo-se em uma das mais raras peças da brasiliana exótica rara;

- Edward Borlow (1663-1664): um simples marinheiro de profissão, de

naturalidade inglesa, que em seu diário8 forneceu curiosas informações, sobre o Rio

de Janeiro da segunda metade do século XVII, e o auxílio inglês à construção de um

enorme galeão, nos estaleiros da Ilha do Governador;

- Gabriel Dellon (1668): médico embarcou no navio La Force, da Companhia

6 É interessante esclarecer que em 1604 a Coroa Portuguesa proibiu a vinda de estrangeiros ao Brasil, razão pela qual de 1604 a 1800 foram rarríssimos os viajantes que passavam, acidentalmente ou não, pelo espaço brasileiro. 7 A obra de François Pyrard contém equívocos sobre os usos, costumes e hábitos sobre os indígenas brasileiros. 8 Charles Bexer publicou em 1934 o "Jornal" ou "Diário de Bordo de Edward Barlow", cujas informações de Barlow dizem respeito a flora e a fauna do Brasil, sendo que este era abundante de açúcar e era no Brasil que melhor o produziam; além do que o Rio, Belém e Recife todos os anos carregavam açúcar, tabaco e pau-brasil para os mercadores de Portugal, destacando que este era a riqueza da Coroa Portuguesa, sem o qual ele seria um pobre reinado.

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Real Francesa em direção ao Oriente, e, após algumas aventuras em várias regiões

orientais foi perseguido pela Inquisição de Lisboa, sendo preso e solto, quando do

retorno da viagem passou pelo Brasil. Escreveu "A Relation d' um Voyage dos Indes

Orientales" descrevendo a Bahia como local muito agradável, o ar bom e temperado

pelas chuvas freqüentes. Fala sobre o açúcar, as drogas e alimento, a pesca

brasileira, trata dos habitantes e seus costumes, dos escravos, e, informa ser a

Bahia, o mais importante e maior porto de todos aqueles que os portugueses

possuíam no Brasil;

- Francisco Coreal (1648-1708): cartaginês. Em 1685 chegou à Bahia onde

permaneceu por cinco anos. Descreveu Salvador e os costumes espúrios de

população: paixão sexual, ociosidade e fanatismo religioso e referindo-se a dura vida

de escravos; na capitania de São Vicente, fala sobre os indígenas, as brasileiras

paulistas, o quinto do ouro e os tributos, como também, a possibilidade de

independência de São Paulo, na qualidade de República;

- François Froger (1676): engenheiro francês. Comenta sobre a Bahia e o Rio

de Janeiro, quando se refere aos traficantes de escravos, a beleza do Rio de

Janeiro, as pastagens, a mandioca, os legumes e as frutas, salientando ser a maior

riqueza o açúcar, além de outras informações;

- Willian Dampier9 (1652-1715): corsário serviu ao almirantado inglês em

navegações de descobrimento e exploração. Em viagem oficial ao Governo de Sua

Majestade Britânica, 1699, chegou à Bahia, Brasil; considerando Salvador, Bahia,

pelas construções, comércio e vendas; porém refere-se a pobreza do mobiliário das

casas e a falta de quadros. Descreveu o açúcar e seu refinamento, o comércio, a

pesca, os costumes e o trabalho servil.

Desta forma, esses 07 (sete), viajantes por meio de seus escritos deixaram as

primeiras informações sobre o Brasil, apesar de jamais se fixarem na Colônia

Brasileira, sob o domínio de Portugal.

Por outro lado, Laima Mesgravis (2000) exemplificando, faz uma crítica sobre

os relatos do século XVII no sentido de que os mesmos:

[...] com suas descrições de plantas, animais e índios se caracterizam por uma constante repetição de estereótipo e imagens consolidadas aos primeiros cronistas-informantes (jesuítas e leigos) que escreveram de 1550

9 As viagens de Dampier foram editadas várias vezes e traduzidas para o francês, porém, nunca para o português.

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a 1580. As variações, por vezes, são só de estilo com maior minúcia ou prolixidade. As deliciosas descrições do mundo natural de Gabriel Soares de Souza já se encontram em Pero de Magalhães Gandavo e de muitas cartas jesuíticas anteriores.

Neste entender, para a autora os estereótipos encontram-se, sempre e

sempre, repetidos nas obras de Simão de Vasconcelos, Ambrósio Fernandes

Brandão, Souza, Gandavo e jesuítas, pois, os temas estavam relacionados com os

indígenas e a escravidão.

Para Pero de Magalhães Gandavo em sua escrita sobre "História da província

de Santa Cruz", publicada talvez em 1576, o autor e os cronistas da época

concordam sobre a submissão ou extermínio dos indígenas do litoral pernambucano

até São Vicente pelos portugueses, com exceção das regiões mais escarpadas e da

Nova Atlântica, onde os Aimorés e Botucudos resistiram até o século XIX; além do

que, a escravização indígena foi a base da sobrevivência e da prosperidade dos

colonos, e, a participação da mão-de-obra escrava africana foi sempre aumentando,

principalmente na produção açucareira.

As cartas dos jesuítas religiosos de 1550 a 1570, por sua vez, diferem dos

escritos dos cronistas leigos.

No caso, da postura dos jesuítas, ocorreu sempre à denúncia da "violência"

no processo da conquista portuguesa com o extermínio e a exploração do índio, que

resultavam na maior parte das vezes, em revolta dos indígenas contra as injustiças

dos colonos; bem como, as cartas jesuíticas são testemunhos sobre o processo de

miscigenação pela exploração sexual à mulher indígena, em curso desde os

primeiros povoadores.

Quanto à crônica leiga Pedro de Magalhães Gandavo, Gabriel Soares de

Souza e Ambrósio Fernandes Brandão10 ao contrário, tratam a questão indígena

como contingência natural da colonização e atribuindo toda a culpa aos próprios

silvícolas por não se submeterem à escravidão. Assim, o indígena foi considerado

pelos cronistas como uma "praga daninha" a ser afastada ou exterminada no sentido

da conquista das terras para a produção e a riqueza de Portugal, pois, segundo

Gandavo os pobres de Portugal poderiam ascender socialmente com a exploração

do trabalho indígena.

10 A obra “Diálogo das Grandezas do Brasil”.

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Gabriel Soares de Souza11, em sua expedição para o sertão outorgou direito

de nobre fidalgo a cem companheiros ricos, cuja base perpetuou-se além do período

colonial, porquanto por meio da aquisição da riqueza, iniciou-se de certa forma, uma

sociedade de classes confirmada por uma institucionalização legal os privilégios

estrangeiros para uma pequena elite.

Essa questão foi o ponto de divergência entre a intenção da nova sociedade

dos colonos e dos jesuítas, "sendo que os primeiros têm o apoio da metrópole, onde

predomina a aristocracia até a segundo metade do século XVIII" (MESGRA VIS,

2000, p. 41).

Ambrósio Fernandes Brandão (1618) é o primeiro e último cronista colonial a

destacar a importância da atividade comercial como fonte de enriquecimento,

embora coloque os senhores de engenho no topo da escala hierárquica da

sociedade colonial; e, além do mais, destaca a existência de oficiais mecânicos e

homens que servem por soldado em número considerável, que exerciam seus

ofícios e trabalhavam como feitores, carreiros e guardas pessoais, mas são como

braços na lavoura.

Para Ambrósio Fernandes Brandão a "mentalidade" da sociedade colonial em

70 (setenta) anos de implantação consolidou-se a partir da ostentação da riqueza

para os fins externos e o descaso pelo bem público (coletivo), porque na realidade o

colono pretendia voltar a Portugal: não havia intenção de "sociedade" diferente e não

havia, portanto contestação ao modelo metropolitano.

Por volta de 1710, esse modelo de sociedade delineada por Brandão vai ser

colocada por João Antonio Andreoni12 (Antonil), o qual consolidou definitivamente a

imagem do senhor de engenho e o complexo microcosmo social do Brasil, pois, a

sociedade açucareira do Nordeste banhou-se, tendo no topo, o senhor do engenho;

abaixo a classe média rural formada pelos lavradores que moem suas canas no

engenho e sujeitos a exploração econômicas; a seguir estavam os lavradores

arrendatários ou independentes, produtores de suprimentos alimentares para o

engenho; e o segmento assalariado era representado por caixeiros, feitores, mestres

de açúcar, banqueiros e artesões livres; e, enfim o capelão de engenho, que figurava

como fiador religioso e ideológico do senhor de engenho.

11 Gabriel Soares de Souza escreveu “Tratado descritivo do Brasil em 1857”. 12 De João Antonio Andreoni também chamado André João Antonil é muito expressiva a obra “Cultura e

opulência do Brasil”.

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No entanto, a questão da economia do tabaco e da mineração não foram

tratados na mesma proposição que a açucareira, porque estas atividades surgem,

na obra de Antonil, como sociedades mais simples e menos definida.

Em 1787, o português Luiz dos Santos Vilhena pesquisou sobre a vida

baiana, cujos resultados foi a publicação sob a forma de 28 cartas a "Regularização

das notícias salvadorenses e brasileiras": sua obra está voltada ao quotidiano

urbano de Salvador, diferenciando-se então dos outros cronistas que trabalhavam o

meio rural.

Em tom crítico Vilhena descreve a sociedade onde não poupa nem os

poderosos e nem os humildes. Dividiu em importância: a classe da nobreza, os

"homens bons"; a dos comerciantes dos mais variados níveis e ramos; os militares

rasos ou de baixa patente, através dos quais a classe dominante exercia o

monopólio da força armada. Ainda, os vícios que geravam a violência, a prostituição,

a degradação do trabalho e a corrupção moral resultante da promiscuidade sexual

precoce dos meninos. Foi um profundo conhecedor do processo de produção do

açúcar e era versado em Economia Política, principalmente, as idéias de Adam

Smith.

Vilhena, em suas cartas, precisamente a 24ª, apresenta a idéia sobre o projeto

de desenvolvimento do Brasil, a partir das seguintes premissas, quais sejam:

- Primeira: a necessidade de uma lei agrária, que seria dividida entre os

milhões de pessoas que não tinham nenhuma terra para trabalhar,;

- Segunda: o encorajamento ao trabalho pela persuasão ou pela força;

- Terceira: a incorporação de índios despojados de suas terras e dos homens

livres sem meios de subsistência;

- Quarta: o estímulo aos casamentos para as famílias gerarem maior

responsabilidade e permanência.

Estas idéias vão colocar em dúvida o sistema de sesmarias implantado no

início da colonização como fator de povoamento; a base é a família na propriedade

como geradora de cidadania.

Colocadas essas idéias o cronista, Luiz dos Santos Vilhena, propõe que, após

a realização de reformas sociais o Brasil teria condições de desenvolvimento, pela

extensão e pelo potencial produtivo de exploração para o mercado mundial

competitivo com as potências da época: o Brasil teria todas as condições de ser um

império.

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Segundo Laima Mesgravis (2000) dezenas de memórias e notícias foram

escritas sobre o potencial econômico do Brasil no contexto da crise colonial, a partir

da década de 1780: esta produção interna de reflexões evidenciou o crescimento da

exígua elite intelectual de burocratas coloniais, muito dos quais participaram do

processo de Independência e da criação do novo Estado e Nação.

No século XIX, por sua vez, os escritos dos viajantes sobre o Brasil iniciaram-

se com a abertura dos portos em 1808, o qual possibilitou a visita de dezenas de

estrangeiros, porém, devido à língua e ao tempo de permanência nos lugares

visitados e a possibilidade de aceitação pela sociedade local, essa literatura quanto

à critica encontra-se eivada de problemas interpretativos sobre sua validade: o

conteúdo histórico.

Entre os autores, homens cultos e de mente aberta, estão o francês L. F.

Tollerane, permanecendo no Brasil durante 02 (dois) anos e o inglês Henry Koster

que ficou entre 1809 a 1820, os quais deixaram transparecer em seus escritos a

rigidez das estruturas sociais com suas desigualdades extremas sobre a sociedade

pernambucana à época da Revolução de 1817: atuaram como mediadores entre

autoridades portuguesas, revolucionários e estrangeiros.

Para Tollerane, os habitantes da zona açucareira de Pemambuco dividiam em

03 (três) classes: senhores de engenho, os lavradores, espécie de rendeiros, os

moradores ou pequenos colonos, cuja insegurança do local era a militarização geral,

toda ela engajada em regimento de Ordenanças e de Milícias, cujos soldados eram

recrutados na idade dos 14 e permaneciam até aos 60 anos.

Henry Koster, ao contrário viveu 11 (onze) anos no Brasil viajando pelo litoral

e sertão pernambucano convivendo com os habitantes locais desde senhores de

engenho até a população escrava. Na oportunidade descreveu o sertanejo

pernambucano, o qual estava preparado para enfrentar todos os perigos e

surpresas: o sertanejo era gentil, solidário e servil. Na estrutura social havia os

potentados como a família Feitosa que vivia no interior do Ceará e do Piauí,

desafiando as leis civis e criminais do país: conclui, ainda, que o "conjunto da

administração no Brasil é militar" revelando, afinal, o desconhecimento sobre a

organização das Câmaras Municipais.

Assim, com Henry Koster ficou claro que as relações que se estabeleceram

entre os povoadores não se limitaram à simples divisão do trabalho, porque a luta

pela ocupação da terra que era posse dos índios exigiu a solidariedade militar para a

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sobrevivência do colono português no Brasil: com este autor encerrou-se a

historiografia referente ao período dos viajantes cronistas.

Por outro lado, autores como Francisco Adolpho Varnhagem, Capistrano de

Abreu e outros ligados ao Instituto História e Geográfico Brasileiro pesquisaram

temas da História do Brasil, utilizando documentos de arquivos nacionais e

estrangeiros. Seguiram o exemplo dos primeiros "brasilianistas" como Robert

Southey, John Armitage, Heunrich Handelrnan e Auguste de Saint' Hilaire13, que nas

primeiras décadas do século XIX anteciparam os brasileiros com suas histórias do

Brasil.

A "História do Brasil" escrita pelo comerciante inglês John Armitage foi

publicada em Londres em 1836 e traduzida no Brasil em 1837. O objetivo da obra foi

divulgar os "negócios políticos e financeiros do Império do Brasil, país com o qual as

relações da Grã-Bretanha eram muito vastas" (OLIVEIRA, 1986). Armitage projetou

uma imagem positiva da monarquia constitucional e a singularidade do Brasil ante a

Europa: cristalizou as tensões e rivalidades, oposição entre brasileiros e

portugueses; moderadores e exaltados; senhores e escravos, cuja historiografia teve

como respaldo as fontes oficiais.

Segundo Maria de Lourdes Mônaco Janotti (2000), no século XIX, a

historiografia foi definida como gênero literário para depois chegar á categoria de

conhecimento científico. O livro de Antonio Candido caracterizou muito bem a

literatura da Independência como "empenhada" na construção de valores nacionais,

da mesma forma, a professora Janotti chama de empenhada a historiografia

brasileira do século XIX, que de certa maneira "nasceu" nesta época, pois, o

"Instituto Historiográfico Brasileiro" congregava a elite intelectual do país no sentido

da construção da memória e da história de um novo país.

A historiografia brasileira do Instituto desenvolveu-se nas lutas da

Regência, com o aparecimento das histórias regionais, e chegou à sua primeira

construção ideológica abrangente com a idéia do Império Brasileiro como fórmula

política da integração nacional, cuja expressão máxima é a de Varnhagem com sua

obra História Geral do Brasil.

Francisco Adolfo Varnhagem sobrepujou, no século XIX, todos os seus

13 Auguste de Saint' Hilaire, botânico francês, viajou pelo Brasil e entre suas obras escreveu "Viagem a Comarca de Curitiba em 1820". Os escritos referem-se a 5" Comarca de São Paulo, que pertencia a Província de São Paulo. Nesta obra Saint' Hilaire fala da população branca, indígena e escrava do litoral e dos Campos Gerais, expressão dada às localidades de Jaguariaíva, Castro e Ponta Grossa, atualmente pertencente ao Paraná.

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contemporâneos14, porque a obra principal, como a "História dos holandeses no

Brasil ou a História da Independência", representou, um novo avanço historiográfico

e uma nova aquisição da consciência nacional: a consciência histórica que inspira e

estimula a consciência nacional. Com base no seu modelo constrói o mundo

espiritual que começa nele de modo indissolúvel e apropria-se de uma força

presente e formadora de futuro: por isso, tomou-se como um modelo de equilíbrio de

todas as exigências da historiografia.

3. O MODERNISMO E A HISTORIOGRAFIA CONTEMPORÂNEA NO BRASIL DO

SÉCULO XX

Até pelo menos a década de 1920 o conhecimento histórico e a historiografia

brasileira são basicamente os mesmos do Século XIX, isto é, guardam as mesmas

limitações tradicionais. Figura predominante foi Capistrano de Abreu, que procurou

sempre estar sincronizado com o pensamento histórico estrangeiro, sem contudo

conseguir na dimensão desejada as "teorias e modelos" que leu e naturalmente

assimilou.

Durante as duas primeiras décadas do Século XX, a obra de maior expressão

foi a de Oliveira Viana, que apresenta como conotação um conhecimento

caracterizado por:

- Revisionismo factual descritivo, numa concepção epistemológica que

procurava o fato histórico no passado, tal como ele se deu (histoire événementielle);

- Ausência de uma contribuição por parte dos demais Ciências Sociais, que

ainda não se haviam desenvolvido no país;

- Em decorrência da limitação anterior a História, que predominava

tradicionalmente, atingia as áreas políticas e administrativas, a biografia (genealogia)

voltada para os heróis e estadistas, chefes de governo e de manobras militares: uma

história, portanto, das camadas dominantes feitas de maneira artesanal e

geralmente reacionária;

- Os temas que recebiam um melhor tratamento científico continuavam sendo

14 Foram seus contemporâneos de menos ou igual valor: Abreu e Lima, MeIo Morais, Pereira da Silva, Joaquim Caetano da Silva, João Francisco Lisboa e Cândido Mendes de Almeida.

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os do período colonial. Geralmente muitos estudos sobre o Império e a 1ª República

até o primeiro quartel do Século XX ficaram ao nível da reportagem, do testemunho

ou da polêmica apaixonada.

Até a década de 1920 o nome tutelar foi Capistrano de Abreu.

Os anos de 1920 vão assinalar um acelerado processo histórico no país, com

mudanças no campo político, social, econômico e cultural. É no campo cultural, que

vão surgir os interesses específicos da História do Brasil, a partir de princípios e

ideologias definidas ao longo do movimento modernista, mas a obra virá

posteriormente.

Primeiro era preciso derrubar o pensamento tradicional e consagrado para

depois abraçar o moderno. A palavra "modernismo" apresenta conotação

determinada com o movimento literário e artístico brasileiro, ou seja, a “Semana da

Arte Moderna de 1922".

Ocorreu assim, uma reflexão maior das possíveis implicações modernistas

para com o conhecimento histórico brasileiro. Capistrano de Abreu, por exemplo,

teve oportunidade de entrar em contato com os modernistas na mansão do

empresário Paulo Prado, mas nenhuma impressão deixou transparecer mesmo em

suas cartas ao próprio Paulo Prado sobre as "reuniões a respeito do modernismo".

Dois foram os pesquisadores deste período:

- O historiador Sérgio Buarque de Holanda, que manteve estreitas

vinculações com o modernismo, inclusive com a "Semana da Arte Moderna";

- O sociólogo e historiador Gilberto Freyre, cuja obra teve tantas implicações

para a História do Brasil, sendo reconhecido como um "autor fundamental" no âmbito

historiográfico brasileiro.

Ao lado desse grupo de historiadores seduzidos pelo processo de

modernização do país, outros estudiosos se destacaram através da "Coleção

Brasiliana"; entre eles:

- Valorização de novas fontes, algumas até então não consideradas históricas

(Alcântara Machado e Gilberto Freyre);

- Utilizando fontes já exploradas e temas já estudados, reinterpretando o

passado, chegando a conclusões diversas das que até então haviam sido

consagradas (Buarque de Holanda, Werneck Sodré);

- Promoção do estudo de novos temas, através de amplas reconstituições

factuais, revelando impressionante massa de informações (Monso Taunay, Alfred

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Ellis Junior);

- A realização do revisionismo factual contribuiu decisivamente para clarear

passagens sem número da história do Brasil (Rodolfo Garcia, Otávio Tarqüínio de

Souza, Edgard Carone);

- A descompartimentação da História do Brasil, desembaraçando-a da

imposição dos limites geográficos no espaço e políticas no tempo;

- A consideração da História global integrada e não apenas setorizada,

aparecendo inclusive uma História Geral do Brasil, elaborada com o concurso de

cientistas de diferentes áreas do conhecimento, como também, de grandes coleções

de livros recolhendo temas de História do Brasil;

- A teorização encontrada em determinadas obras então consideradas até

mesmo como um certo arrojo;

- A revalorização da temática brasileira, descrevendo em termos mais

realistas, o homem brasileiro: o "caráter nacional brasileiro";

- A integração da História do Brasil na História Geral, entrelaçando os fatos,

buscando sincronismos possíveis.

Assim, o transcorrer do Século XX para o conhecimento histórico revelou que:

- Até a década de 1920 a História do Brasil teve uma visão factual

interpretativa - obra principal Capistrano de Abreu;

- Nos anos 20 - inaugurou-se uma visão teórica interpretativa, comprometida

pelo cunho racista e aristocratizante, cuja obra fundamental é de Oliveira Viana,

nome que, aliás, não parece ter influído em Capistrano de Abreu;

- Nos anos 30 houve uma construção da obra anterior com uma nova visão

preocupada com a valorização do mestiço e do negro, agora empática em boa parte,

representada por Gilberto Freyre;

- Nos anos 40 a posição que se adotou, em contestação à obra anterior, foi

de repensar a realidade histórica do negro e do imigrante, inserindo-a num contexto

mais complexo e teórico, num enfoque científico que procurou invalidar a posição

anterior;

- Houve uma certa lacuna dos anos 50 a 74, apesar do desenvolvimento das

ciências sociais nos estudos históricos e da publicação do "O Capital", iniciado em

1968 e publicado na íntegra em 1974, autor Karl Marx. A partir de então, apareceram

obras de história mais bem elaboradas (ideologia-economia);

- A partir dos anos 60, ocorreu a recolocação das teses de autores como

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Florestan Fernandes, Celso Furtado, Octavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso,

com novos dados e interpretações elaboradas (interdisciplinaridade científica).

Enfim, a sociedade foi revista em função dos grupos e classes, dos

movimentos, relações e mudanças sociais, ao que se acrescenta ainda uma análise

não impressionista da política, procurando explicar a formação do Estado nacional e

as suas viscissitudes.

Segundo Carlos Guilherme Mota, a historiografia brasileira de 1933 a 1974

circunscreveu-se em cinco etapas:

a) Redescobrimento do Brasil (1933-1937): Assim como no plano da política,

na seara historiográfica novos estilos surgiram, contrapondo às explicações

autorizadas de Varnhagem, Euclides da Cunha, Capistrano de Abreu e Oliveira

Viana concepções até então praticamente inéditas, e que soariam como

revolucionários para o momento.

A Historiografia da elite oligárquica empenhada na valorização dos heróis da

raça branca, e representada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (fundado

em 1838), vai ser contestada de maneira radical por um conjunto de autores que

representarão os pontos de partida para o estabelecimento de novos parâmetros no

conhecimento do Brasil e de seu passado. Esse momento foi marcado pelo

surgimento das obras de Caio Prado Junior (1933), Gilberto Freyre (1933), Sérgio

Buarque de Holanda (1936) e Roberto Simonsen (1937).

A obra que certamente representou o início do descobrimento do Brasil é a de

Caio Prado Junior "Evolução Política do Brasil" (1933), anunciando "um método

relativamente novo", dado pela interpretação materialista e valorizando os

movimentos sociais como Cabanada, Balaiada e Praieira, e demonstrando que os

heróis e os grandes feitos não são heróis e grandes na medida em que acordam

com os interesses das classes dirigentes em cujo beneficio se faz a história oficial.

Uma crítica vigorosa à historiografia oficial ficou estabelecida de maneira sistemática

e fundamentada, ao mostrar que autores difundidos como Rocha Pombo, em

volumes alentados, dedicavam simples notas de rodapé a movimentos do porte da

Cabanada.

Mais divulgada e comentada, a obra de Gilberto Freyre "Casa Grande &

Senzala" (1933) atingiu ampla popularidade pelo estilo corrente e anticonvencional,

pelas teses veiculadas sobre relações raciais, sexuais e familiares, pela abordagem

inspirada na antropologia cultural norte-americana e pelo uso de fontes até então

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não consideradas. Embora não se possa deixar de considerá-lo um ideólogo da

"cultura brasileira" diga-se a favor do autor de Casa Grande & Senzala, que sua

obra representava uma ruptura com a abordagem cronológica clássica, com as

concepções imobilis da vida social do passado (e do presente).

A terceira grande obra desse momento, "Raízes do Brasil" (1936), de Sérgio

Buarque de Holanda, transformou-se num clássico, embora de menor repercussão

na época. Trazia com essência da obra a crítica15 ao autoritarismo e às perspectivas

hierárquicas sempre presentes nas explicações do Brasil.Nesse processo o Brasil

transitava para o fechamento das críticas nas estruturas do Estado Novo (1937-

1945) e que o debate intelectual estava polarizado por revistas de direita como

Política (de São Paulo), Hierarchia e Revista de Estudos Jurídicos e Sociais (do Rio

de Janeiro).

No plano da historiografia estrangeira concernente ao Brasil registre-se,

nesse primeiro momento, a obra de Alan Krebs Manches "British Preeminence in

Brazil", 1933, de grande significado para o estudo da inserção do Brasil nos

processos de expansão colonialista portuguesa e imperialista inglesa. Consiste

numa obra mestra, praticamente inaugural, para os estudos da independência.

b) Primeiros frutos da Universidade (1948-1951):

No final dos anos 40 é que os resultados do labor universitário se fizeram

sentir.

Até então, a pesquisa histórica das Faculdades de Filosofia, criadas na

década de 30, não pareceu um enriquecimento imediato, mas sim um descaminho.

Em São Paulo, onde se instalou o núcleo mais importante de pesquisa no Brasil,

1934, com a faculdade de Filosofia, Ciências e Letras _ núcleo da Universidade de

São Paulo _ não foi na primeira hora que se sentiram os efeitos da renovação _

notadamente em geografia, sociologia, antropologia e mesmo história geral. As

missões culturais francesas, italianas e outras propiciaram a vinda de mestres do

porte de Femand Braudel, Claude Lévi-Strauss, P. Monbeig, R. Bastude, Ungaretti,

criando uma tradição de raízes profundas e fisionomia marcada pela de pensamento

das escolas européias.

Pode-se afirmar sem exagero, que muitas carreiras universitárias de

15 Na década de 1930 a obra foi, talvez, demasiada erudita e metafórica para o incipiente e abafado ambiente cultural e político da época.

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europeus, principalmente os franceses, tiveram no Brasil seu início. O modelo

francês, que sempre impressionou a aristocracia rural do século XIX, voltava a ser

utilizado e de maneira metódica. De resto, a uma sociedade mais urbanizada deveria

corresponder uma universidade "à Ia page"; a uma universidade nascida no

momento da crise oligárquica: pois, os valores que lhe garantiam permanência ainda

eram os da cultura francesa.

Nos anos de 1950/51 algumas produções vão se delinear _ prenúncios de

uma eclosão que terá lugar dez anos depois, no período do reformismo

desenvolvimentista _ colocando à testa do processo cultural e político alguns de

seus autores, ou elemento que foram discípulos dessa linha de professores e

pesquisadores: foi o caso da ação teórica e prática de Celso Furtado e Darcy

Ribeiro.

Talvez as obras mais expressivas sejam três: as de Vitor Nunes Leal

"Coronelismo, Enxada e Voto" (1948); João Cruz Costa "O Desenvolvimento da

Filosofia no Brasil no Século XIX" e a "Evolução Histórica Nacional" (1950); e, Alice

Piffer Canabrava "O Desenvolvimento da Cultura do Algodão na Província e São

Paulo, 1861-1875" (1951).

A interdisciplinaridade, meta da Faculdade de Filosofia, concretizou-se nesses

anos na Revista que, além de ser a mais importante no Setor de Ciências Sociais,

fora criada sob a inspiração da Revista Annales, sabidamente aberta às diversas

disciplinas que estudam o homem em sociedade.

c) Era da ampliação e revisão reformista (1957-1964):

Os anos cinqüenta correspondem a um período de grande efervescência nos

estudos sociais no Brasil. Iniciou -se sob a égide dos trabalhos acima mencionados,

em que inclui o Manual Bibliográfico de Estudos Brasileiros, 1949, com balanços de

Caio Prado Junior, Alice Canabrava, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda,

Otávio Tarqüínio de Souza, Rubens Borba de Morais e a participação de Odilon

Nogueira de Matos na parte de história, que encontrou sua plena expressão no final

da década, com o surgimento de trabalhos do porte dos de Celso Furtado,

Raimundo Faoro, Sérgio Buarque de Holanda "Visão do Paraíso" (1959).

Entretanto, uma nova abordagem surtiu com o surgimento de produções da

escola de Florestan Femandes com a obra de O!ávio Ianni, "As Metamorfoses do

Escravo", publicada em 1962, e, "Capitalismo e Escravidão" de Fernando Henrique

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Cardoso, na mesma data. Ambos os trabalhos constituíram o prenúncio de uma

nova concepção de ciência social no Brasil. Raramente, aliás, pode-se empregar

com precisão o termo "escola" no estudo das tendências histórico-sociológicas como

neste caso.

Trajetória que merece referência especial é a de José Honório Rodrigues.

Muito de sua produção data dos anos cinqüenta como "A Pesquisa Histórica no

Brasil", que é de 1952, mas, foi nos anos sessenta que Honório Rodrigues

predominou como o pesquisador erudito e de gabinete metamorfoseado em

polemista agressivo e embarcado nos grandes debates do tempo.

Dada à falta de condições, trabalhando à margem das Universidades, não

deixou propriamente uma escola. Isto não significa necessariamente um demérito,

uma vez que muitos catedráticos desse período também não o fizeram, tendo

condições institucionais e financeiras para tanto.

Nos quadros acadêmicos, a escola mais inspirada do pensamento sociológico

e histórico surgiu, com a colaboração por vezes de investigadores estrangeiros como

Charles Wagley e Roger Bastide.

A escola que se criou em tomo de Florestan Femandes e Antonio Cândido,

ambos da Faculdade de Filosofia de São Paulo e ex-assistentes de Femando de

Azevedo, catedrático de Sociologia e autor de "A Cultura Brasileira", representaram

em áreas distintas como sociologia, antropologia e história, as linhas de Florestan;

sociologia, antropologia e teoria literária, seguiram o modelo de Antonio Cândido.

Esses dois principais pesquisadores dão o elo intelectual entre a geração dos

antigos catedráticos (Fernando de Azevedo, Cruz Costa, Sérgio Buarque de

Holanda) e a nova, representada por (Otávio. Ianni, F. H. Cardoso, R. Schwarz,

Maria Sílvia C. Franco, Juarez Lopes, L. A. Costa Pinto, Emília Viotti da Costa).

Centralizada em Antonio Cândido, desenvolveu-se uma constelação com uma

certa concepção de trabalho intelectual que, embora guardando traços da antiga

elite paulistana e mineira, se distancia muito dos parâmetros da vertente populista,

representada na obra de Nelson Werneck Sodré.

Esse grupo, embora propriamente paulistano, possui ramificações

significativas, e não pode ser circunscrito a uma só região e especialidade: em Minas

Gerais, o historiador Francisco Iglésias, especialista da história política de Minas

Gerais no século XIX e autor de "História e Ideologia", 1971, mantinha vínculos com

o conjunto do pensamento de Antonio Cândido pelas afinidades intelectuais.

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A temática central dessas produções estava ligada ao estudo das mudanças

sociais e políticas no Brasil, em perspectiva histórica. Registre-se para o período

considerado (1957-1964), a obra coletiva sob coordenação de Sérgio Buarque de

Holanda denominada "História Geral da Civilização Brasileira", 1960-1964. Obra de

referência fundamental, dada a eficiência de alguns capítulos individuais, não possui,

entretanto, eixo(s) exploratório(s) esboçado (s), tomando não difícil, mas impossível

sua classificação.

E, o estudo que se constitui numa perspectiva marxista ortodoxa e estreita,

mas de grande divulgação às vésperas - e pouco após - 1964 foram às obras de

Nelson Werneck Sodré. A obra "A história da Burguesia Brasileira" é desse ano e a

"Formação Histórica do Brasil" surgiu no começo dos anos 60, resultado de cursos

dados no ISEB. Numa perspectiva claramente ideológica nas obras de Sodré a

história do Brasil surgiu em etapas históricas a serem cumpridas evolutivamente, em

termos de necessidade.

Nesse período encontraram-se ainda representantes do biografismo, cujo

exemplo mais completo é o de Otávio Tarquínio de Sousa, autor da “História dos

Fundadores do Império do Brasil" (1960).

d) Revisões radicais (1964-1969):

Se o período anterior foi marcado por revisão reformista dos estudos

históricos no Brasil, cujas expressões máximas podem ser encontradas em

produções como as de Celso Furtado, José Honório Rodrigues e Faoro, no período

posterior os marcos serão dados pelas posições de Caio Prado Junior "A Revolução

Brasileira" (1966); Otávio Ianni "O Colapso do Populismo” (1966); de alguns

participantes de "Brasil: Tempos Modernos" (1967), representantes das mais

variadas correntes do pensamento progressistas no Brasil, como Celso Furtado,

Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, que preocuparam-se com a

"Sociedade de Classes e Subdensenvolvimento" (1968) e Dante Moreira Leite, autor

de o "Caráter Nacional Brasileiro" (1969).

Os diagnósticos sobre a história social do Brasil e sua dinâmica mereceram

reparos profundos, realizados por analistas que procuravam tirar alguma lição dos

desacertos da ideologia do desenvolvimentismo e da política populista que levaram

à derrocada dos setores progressistas em 1964. Apesar de a produção do período

anterior estar marcada por uma profunda preocupação em investigar aspectos

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estruturais da sociedade, um difuso dualismo ainda impregnava algumas

interpretações da realidade brasileira16.

Otávio Ianni, em análise magnificamente conduzida, utilizando documentação

de primeira linha, mostrou em suas pesquisas o fim da Era Vargas e o fim de certo

estilo populista que envolvia a todos, inclusive, alguns membros da história dos

quadros acadêmicos. Uma revisão das últimas décadas da história do Brasil ficava

esboçada, em traços fortes e com rigor interpretativo, sobre as práticas políticas de

Getúlio Vargas e a sociedade brasileira.

Florestan Fernandes, em "Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento"

(1968), desloca o foco de suas análises para o estudo mais detido da história do

Brasil no processo de expansão do capitalismo internacional, mostrando porque a

estratificação e a dinâmica das classes não pode ser estudada dissociadamente do

quadro em que se processa a dependência. Pontos para uma revisão da história do

Brasil, da crise e do sistema colonial português aos nossos dias, são propostos, bem

como elementos para um resultado de conceitos como classes, estamento e casta

para abordagem da história social do Brasil.

Registre-se que esse momento é de grande abertura, nas ciências sociais,

para a América Latina: Celso Furtado escreverá uma "Formação Econômica da

América Latina" (1969) e, no plano externo estarão surgindo estudos históricos do

porte dos de Stanley e Bárbara Stein "História Contemporânea de América Latina"

(1969). Aponte-se o livro de Richard Graham "Britain and Modernization in

BraziI1850-1914", publicada em Cambridge, em 1968, para o estudo da

dependência do Brasil em relação à Inglaterra: um clássico da historiografia

brasilianista.

Em conjunto, pode-se dizer que há, nesse momento, uma ligeira mudança de

ênfase. Das relações sociais e raciais, das investigações sobre os modos de

produção e sobre as características da vida política do Brasil, passou-se ao estudo

mais sistemático da dependência, seja no plano econômico, seja no plano cultural e

intelectual.

e) Impasses (1969-1974):

16 Outra obra importante foi a de Jacques Lambert "Os dois brasis", 1959, que teve ampla repercussão no Brasil e contou com a colaboração de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Amoroso Lima, L.A. Costa Pinto e José Honório Rodrigues, os quais modificaram suas posições nos anos seguintes, principalmente após 1964.

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Nesse último momento, uma série de impasses parece caracterizar a reflexão

historiográfica no Brasil. Sobre a revisão crítica da situação dos estudos históricos,

pode-se ter boa medida nos "Anais do I Seminário de Estudos Brasileiros" (1971), da

Universidade de São Paulo: algumas posições negaram fortemente o papel das

Faculdades de Filosofia no desenvolvimento dos estudos históricos; outras

indicaram a necessidade de maior cooperação interdisciplinar, quase quarenta anos

após a fundação da Universidade; outras indicaram a falta de organização dos

arquivos e a realização da maior parte de nossa produção historiográfica pelos

chamados brasilianistas, que assumiram papel de relevo nos debates sobre o

conhecimento do passado brasileiro.

Assim, num primeiro momento do Século XX os pensadores brasileiros foram

marcados pela historiografia francesa, e, se ao regime de cátedras correspondeu a

orientação da escola francesa, pode-se dizer, com certo esquematismo, que à nova

ordem do sistema departamental correspondeu o modelo norte-americano. Não é de

estranhar tal presença de modelos, porque em outros níveis, a influência é bem mais

acentuada.

Paralelamente, vale mencionar o problema da demissão do grupo maIS

significativo da Universidade de São Paulo, que se redefiniu com a criação do Centro

Brasileiro de Pesquisas (CEBRAP). Aí era realizada pesquisa interdisciplinar, da

qual participaram vários pesquisadores anteriormente mencionados. Fora da

Universidade, Florestan Femandes continuou sua produção crítica isolada, tendo

publicado "Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina" (1973).

A Universidade permaneceu ativa, a partir dos trabalhos de Boris Fausto "A

Revolução de 1930" (1970) e Alfredo Bosi com sua "História Concisa da Literatura

Brasileira" (1970) ou, José de Souza Martins "Imigração e a Crise do Brasil Agrário"

(1973), bem como, as análises renovadoras de Antonio Cândido sobre literatura e

subdesenvolvimento em "América Latina em su Literatura, Siglo XXI" (1972).

Demonstra a grande quantidade de teses recentemente defendidas, algumas de real

valor.

Por outro lado, Nelson Wemeck Sodré estabeleceu uma crítica de juízo ao

método ou à ausência deste sobre o tratamento dado a historiografia brasileira por

Carlos Guilherme Mota: bastaria constatar o detalhe de sua periodização. De início,

o universo de tempo, entre 1933 e 1974 é estranha a escolha do marco inicial

(1933). Por que não 1930, como já se tomou aceito pelos historiadores? Porque

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explica o autor, em 1933 foram publicados livros que ele considera "marcos". E

1974, por quê? Aceite-se a data, considerando que o autor, defendendo tese ante

uma banca muito amiga - composta, inclusive, de autores convenientemente

elogiados na tese - em 1975, não podia ocupar-se daquilo que aconteceu depois.

Continuando assevera, porém, que onde o critério foi inteiramente arbitrário

foi na discriminação do que ele denomina "cinco momentos decisivos": o do

"redescobrimento do Brasil", entre 1933 e 1937; o dos "primeiros frutos da

Universidade", entre 1937 e 1951; a "era da ampliação e revisão reformista", entre

1957 e 1964; o das "revisões radicais", entre 1964 e 1969; e, por último, o dos

"impasses da dependência", entre 1969 e 1974.

Há um espaço em branco, entre 1951 e 1957; pode derivar de simples erro de

impressão, como pode derivar _ tudo é arbitrário no livro _ de considerar Carlos

Guilherme Mota que o tempo não existiu nesse intervalo. Não é preciso discutir as

datas, muitíssimo discutíveis, aliás; basta verificar que o autor acha possível repartir

o processo histórico como quem parte um bolo, em períodos de quatro, cinco, sete

anos, todos e cada um, apesar de sua curta duração, "momentos decisivos".

Outrossim, os diagnósticos sobre a história social do Brasil e sua dinâmica”

mereceram reparos profundos, realizados por analistas que procuravam tirar alguma

lição dos desacertos da ideologia do desenvolvimentismo e da política populista que

levaram à derrocada dos setores progressistas em 1964", cuja idéia foi amplamente

questionada como relação causal: os desacertos na "ideologia do

desenvolvimentismo" causaram a derrocada dos "setores progressistas", isto é, a

instauração da ditadura.

Do ponto de vista prático, é facílimo perceber o que ele quer e o que ele é,

mas isso não interessa à cultura brasileira, para empregar um conceito por ele

malsinado. Examinemos, por exemplo, o trecho seguinte: "Note-se que não se exclui

da reflexão o pensamento marxista, everedando nos anos 50, e boa parte dos 60,

nas sendas do stalinismo, e projetando nos diagnósticos sobre a realidade brasileira

a visão da "História em etapas" a sem cumpridas necessariamente (daí a

necessidade, previamente, da revolução burguesa) e veiculando na atuação

concreta as premissas do nacionalismo (o que dificultou sobremaneira a abertura

para os problemas comuns à América Latina e ao "Terceiro Mundo”. Creio que

Carlos Guilherme Mota entende por "História em etapas" a sucessão normal dos

Modos de Produção, segundo o que ocorreu no ocidente europeu.

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Neste entender, para Sodré, sua maior crítica é de que Carlos G. Mota não

sabe o que é dialética, não conhece o materialismo histórico e não está informado

sobre o stalinismo. De qualquer forma, não se sabe se ele é contra o materialismo

histórico, contra a concepção deste pelo stalinismo (mas a favor dele sem

stalinismo) ou o que quer que seja E, em seus escritos Carlos G. Mota acusa de

indefinição a Gilberto Freyre.

Adiante, Mota, na apologética de um de seus cooperativados, menciona que

este fugiu aos "desvios do pensamento marxista, que, nos anos 50, aprisionou-se

nas malhas da ortodoxia". Nelson Wemeck Sodré ficou perplexo com as afirmações

de Mota e questionou: elogio ou calúnia?

Ambos os autores, pelo sim, pelo não, colocaram suas impressões sobre a

historiografia ao longo do de 1930 a 1975, os quais espelharam as atitudes dos

historiadores diante da escrita da História do Brasil sob diferentes matizes de

análise.

Por outro lado, a historiografia contemporânea brasileira, a partir

principalmente das últimas décadas do século XX, vem sendo concebida como o

"lócus" de intervenção no qual a política (diluída ou magnificada), manifesta-se nas

práticas discursivas dos historiadores (FREITAS, 2000, p. 9).

O próprio autor, ainda, coloca que, em contraposição, um outro campo de

intervenção teórica-metodológica vem se afirmando enquanto espaço social _ ou

melhor, deixaram de ser avaliadas as produções universitárias fundamentados por

clássicos, que após os anos 30 do Século XX passaram a discutir o Brasil do ponto

de vista político, social e econômico com base na releitura da história do Brasil _

capaz de oferecer à pesquisa histórica novas abordagens sob o paradigma da Nova

História Cultural em várias universidades brasileiras.

Neste entender, a partir da "aquisição" de novas fontes para a produção de

novos olhares sobre o passado: os temas tratam de historiografia da cultura, da

educação, da sociabilidade, de novas histórias no Estado Novo, da História das

mulheres, das cidades, da classe operária e outros.

Para colocar alguns exemplos deve-se visualizar alguns temas como a

formação de uma história da cultura no Brasil como uma produção recente que,

segundo Laura de Mello e Souza (2000), nasceu com a obra de Sérgio Buarque de

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Holanda17 de inigualável trabalho, mas, recentemente, a historiografia vem

apresentando rigor teórico-metodológico a partir do conceito de cultura formulado

por Clifford Geertz: as reflexões giram em tomo da cultura, mentalidade e imaginário

sobre o Brasil Colonial.

No campo político, a problemática da natureza da revolução de 1930 e de um

percurso revolucionário posterior foi desenvolvido por Edgard De Decca e Carlos

Alberto Vesentini18 como, também, uma análise dos "Anos Trinta e Política: história e

historiografia" foi elaborada por Vavy Pacheco Borges (2000).

Com Marta Maria Chagas de Carvalho (2000) visualiza-se a historiografia

educacional com base em redefinições temáticas, conceituais e metodológicas que

colocam em questão a sua forma tradicional. Entre outros, Femando Azevedo, Zaia

Brandão, Clarice Nunes19 discutem a cultura brasileira relacionando educação e

sociedade na perspectiva de investigar os "problemas" da cultura postos pelo

presente.

Assim, ao trabalhar o tradicional e o presente em Educação os autores

debatem: de um lado, a manutenção da tradição e da qual depende a continuidade

do organismo social; e, de outro a introdução de inovações, que podem provocar

desordem e determinar o fim de uma sociedade. Esta discussão se encerra: é pela

educação que a sociedade transmite e mantém-se como organismo social.

Em suma, segundo a nova história cultural a historiografia pode "conceber a

si mesma", enquanto política dos historiadores no enfrentamento de uma questão

que diz respeito a configuração de seus domínios: ou seja, a dimensão política do

historiador quanto aos conteúdos, métodos e práticas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

História e Historiografia Brasileira, inicia-se, aleatoriamente, com os primeiros

escritos de Pero Vaz de Caminha e com os cronistas viajantes ao longo dos séculos

XV ao XIX.

17 Buarque de Holanda escreve Raízes do Brasil. 18 DE DECCA, Edgard em 1977 surgiu com "O silêncio dos vencidos" e Carlos A Vicentini com "A teia do fato: uma proposta de estado sobre a memória histórica", publicada em 1997. 19 Clarice Nunes escreveu sobre "Ensino e historiografia da educação: problematização de uma hipótese" cuja publicação é de 1996.

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A partir das crônicas e dos memorialistas foram registradas as riquezas

vegetais, minerais e naturais do Brasil, além de um discurso em tomo da sociedade

colonial e imperial no campo da política, da cultura, da mentalidade e da economia,

em que os autores ora apóiam a ideologia portuguesa enquanto domínio sobre o

Brasil, ora, fazem críticas severas ao modelo político e econômico português sobre a

população brasileira.

Assim, no início d século XIX existia apenas uma história geral do Brasil de

Sebastião da Rocha Pita, sob a denominação de "História da América Portuguesa",

publicada em 1731: era um poema em prosa ou crônica que exaltava as belezas e a

opulência do Brasil, era filiado à Academia dos Esquecidos.

O valor de Robert Southey na historiografia brasileira, apesar de criticar os

indígenas, buscou associar a história do Brasil às das colônias espanholas limítrofes,

jamais incorrendo no erro de dar como "verdadeiros" alguns fatos por ele colocado

em sua obra "História do Brasil", cujo interesse neste estudo foi a partir da

transmigração da família real portuguesa do Brasil em 1808.

Em 1839, fundou-se no Brasil o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, cujo

movimento "nativista" tomou como linha de ação, não muito longe, o entusiasmo de

Sebastião Rocha Pita; sendo um órgão que centralizou os estudos da história

brasileira durante quase um século.

O pragmatismo, no IHGB trazia como preocupação a idéia "nacional"

buscando modelos para as novas gerações em autores da Antiguidade Clássica.

Outra questão tratada pelo llIGB, além da ordem patriótica circunscreveu-se em

tomo de uma nova maneira de apresentar a história como base de uma pesquisa

respaldada pela documentação.

Entre os pesquisadores do Século XIX estavam Francisco Adolfo Varnhagem,

J. M. Pereira da Silva, Felício dos Santos e Capistrano de Abreu. Este último

introduziu na crítica e na história brasileira o primeiro texto etnográfico aplicando as

idéias européias em assuntos nacionais foi o renovador da intelectual idade

impulsionando a historiografia brasileira.

No século XX com a criação das Faculdades de Filosofia, ano base de 1954,

foram lançadas as bases de uma moderna historiografia brasileira: a disciplina de

História, em São Paulo e Rio de Janeiro, foi orientada por professores franceses

(Escola de Annales); Fernand Braudel, Henry Hauser, Jean Gagé, Eugine Albertini e

Marc Bloch.

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Pela primeira vez no Brasil trabalhou-se metodicamente e ocorrendo,

também, a criação da "Revista da História" por Eurípedes Simões de Paula em

1950.

Publicaram-se trabalhos reveladores de uma renovação da História com Alice

Piffer Canabrava, Olga Panteleão, Myrian Ellis, Florestan Fernandes, Roger Bastide,

Egon Salvador, Roberto Simonsen e Caio Prado Junior, entre outros.

Quanto a etapas historiográficas colocadas por Carlos Guilherme Mota foram

severamente criticadas por Nelson Werneck Sodré em sua obra "História e

materialismo no Brasil".

A partir da década de 1970, buscaram-se novos “sentidos históricos” quanto

ao manuseio das fontes e quanto à uma compreensão multifacetada dos “momentos

decisivos” da história do Brasil. É a fase de novas abordagens com base em novas

fontes: história e oralidade, história e biografia; cultura-setorial e arqueologia

histórica; biografia e gênero; história em migalhas, educação e patrimônio histórico

cultural.

Assim, em tempo de incertezas nos finais dos anos 80 e início dos 90 ocorreu

a necessidade de mudança, de transformação e, já em 1988, novos métodos, novas

escolas de análise, novas alianças, a escrita da história; a prática de uma “micro-

história” num misto de tradição e inovação com a construção da história com base

em novos olhares. Então, os historiadores estão introduzindo questões individuais

como memória, aprendizagem, incertezas, negociação no centro das análises

sociais: em uma pesquisa requer os olhares cruzados do economista, do sociólogo

ou do antropólogo com a História fixando “problemas” que resistem e cuja

elucidação intelectual e política são utilizados para entender os tempos atuais e a

modernidade.

REFERÊNCIAS

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182. CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A configuração da historiografia educacional brasileira. In.: Historiografia brasileira em perspectiva. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2000, p. 329-353. FREITAS, Marcos Cezar (coord.) Historiografia brasileira em perspectiva. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2000. JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. O diálogo convergente: políticos e historiadores no início da República. In: Historiografia brasileira em perspectiva. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2000, p. 119-123. MESGRAVIS , Laima. A sociedade brasileira e a historiografia colonial. In.: Historiografia brasileira em perspectiva. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2000, p. 39-56. OLIVEIRA, C. H. L. de Salles. A astúcia liberal: a relações de mercado no Rio de Janeiro (1820-1823). São Paulo: FFLCH-USP, 1986 (Tese de Doutorado). RODRIGUES, José Honório. História e Historiografia. Petrópolis: Vozes, 1970. SODRÉ, Nelson Werneck. A luta ideológica. In.: História e materialismo histórico. 2. ed. São Paulo: Global, 1987. SOUZA, Lanea de Mello. Aspectos da historiografia da cultura sobre o Brasil Colonial. In.: Historiografia brasileira em perspectiva. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2000, p. 17-38.