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Mestrado Integrado em Medicina Veterinária
Relatório de Estágio
Évora, 2019
ESCOLA DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE MEDICINA VETERINÁRIA
CLÍNICA E CIRURGIA EM ANIMAIS DE
COMPANHIA
Simão Tiago Ferreira Santos
Orientação | Professora Doutora Joana Reis
Dr.ª Cheila Teodoro
Mestrado Integrado em Medicina Veterinária
Relatório de Estágio
Évora, 2019
ESCOLA DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE MEDICINA VETERINÁRIA
CLÍNICA E CIRURGIA EM ANIMAIS DE
COMPANHIA
Simão Tiago Ferreira Santos
Orientação | Professora Doutora Joana Reis
Dr.ª Cheila Teodoro
1
Constituição do júri homologada para as provas requeridas do Mestrado Integrado em
Medicina Veterinária:
Presidente: Rita Payan Carreira
Professora Catedrática – Universidade de Évora
Arguente: Luísa Coelho
Médica Veterinária, especialista em Medicina Felina - The London Cat Clinic e
Hospital do Gato
Orientador: Joana Margarida Ferreira da Costa Reis
Professora Auxiliar – Universidade de Évora
2
Resumo
O presente relatório é o culminar do estágio final em Clínica de Animais de Companhia
realizado no Hospital Veterinário Arco do Cego, entre 5 de setembro de 2016 e 5 de março de
2017. Encontra-se dividido em duas partes, a primeira descreve a casuística e os
procedimentos acompanhados durante o estágio e a segunda parte consiste numa monografia
sobre lipidose hepática em felinos e caso clínico consonante.
A lipidose hepática é a doença hepatobiliar mais comum em gatos e caracteriza-se pela
acumulação excessiva de triglicéridos nos hepatócitos, tendo como consequências colestase
intra-hepática e progressiva disfunção hepática. Os sinais clínicos mais observados são
anorexia, letargia, vómito e perda de peso. O tratamento consiste na reposição do equilíbrio
eletrolítico através de fluidoterapia, assegurando sempre o aporte nutricional. O prognóstico é
favorável com o tratamento adequado da causa primária e na ausência de complicações.
Palavras-chave: lipidose hepática, fígado, gato, clínica de animais de companhia, anorexia
Abstract
Practice and Surgery in Small Animals
The present report reffers to the internship focusing on the small animals clinical
practice, taken by the author at the Arco do Cego Veterinary Hospital, in-between the 5th of
September 2016 and the 5th of March 2017. The report is split in two parts, the first one
describing cases observed and procedures followed during the internship, and the second one
consists in a review on hepatic lipidosis in cats including a relevant clinical case.
Hepatic lipidosis is the hepatobiliary disease more commonly observed in cats,
summarized by an excessive accumulation of triglycerides in hepatocytes, leading to hepatic
cholestasis and progressive loss of liver function. Clinical signs generally reported are anorexia,
lethargy, vomiting and weight loss. Treatment consists in restoring loss electrolytes and
assuring proper nutricional uptake. Prognosis is favorable in primary cases without further
complications.
Keywords: hepatic lipidosis, liver, cat, small animal practice, anorexia
3
Índice de conteúdos
Resumo ............................................................................................................................................... 1
Abstract ............................................................................................................................................... 2
Índice de conteúdos ............................................................................................................................ 3
Índice de gráficos ................................................................................................................................ 6
Índice de tabelas ................................................................................................................................. 6
Índice de figuras .................................................................................................................................. 7
Lista de abreviaturas e siglas .............................................................................................................. 8
Introdução ........................................................................................................................................... 9
I. Relatório de Casuística .................................................................................................................. 10
1. Descrição do Hospital Veterinário Arco do Cego ....................................................................... 10
2. Atividades desenvolvidas .......................................................................................................... 11
2.1. Distribuição dos casos por família .......................................................................................... 12
2.2. Distribuição dos casos por área clínica ................................................................................... 12
2.2.1. Medicina Preventiva ............................................................................................................ 13
2.2.2. Clínica Médica ..................................................................................................................... 17
2.2.2.1. Cardiopneumologia ...................................................................................................... 18
2.2.2.2. Dermatologia e Alergologia .......................................................................................... 23
2.2.2.3. Endocrinologia .............................................................................................................. 25
2.2.2.4. Gastroenterologia e suas glândulas anexas .................................................................. 29
2.2.2.5. Infeciologia e Parasitologia ........................................................................................... 33
2.2.2.6. Nefrologia e Urologia ................................................................................................... 36
2.2.2.7. Neurologia .................................................................................................................... 40
2.2.2.8. Oftalmologia ................................................................................................................. 43
2.2.2.9. Oncologia ..................................................................................................................... 47
2.2.2.10. Ortopedia ................................................................................................................... 49
2.2.2.11. Teriogenologia ............................................................................................................ 51
2.2.2.12. Toxicologia .................................................................................................................. 55
2.2.3. Clínica Cirúrgica ................................................................................................................... 58
2.2.3.1. Cirurgia de Tecidos Moles ............................................................................................ 59
4
2.2.3.2. Cirurgia de Odontológica .............................................................................................. 59
2.2.3.3. Cirurgia Oftálmica ......................................................................................................... 60
2.2.3.4. Cirurgia Ortopédica ...................................................................................................... 60
2.2.3.5. Outros procedimentos cirúrgicos ................................................................................. 61
2.2.4. Outros procedimentos ........................................................................................................ 62
2.2.4.1. Imagiologia e procedimentos ecoguiados .................................................................... 62
2.2.4.2. Meios complementares de diagnóstico ........................................................................ 63
II. Monografia – Lipidose Hepática Felina ......................................................................................... 65
1. Considerações anatómicas e fisiológicas do sistema hepatobiliar do gato ............................... 65
2. Etiopatogenia ............................................................................................................................ 66
3. Epidemiologia ............................................................................................................................ 70
3.1. Fatores predisponentes e grupos de risco .......................................................................... 70
4. Anamnese e sinais clínicos ........................................................................................................ 71
5. Abordagem diagnóstica ............................................................................................................. 71
5.1. Exame de estado geral ....................................................................................................... 71
5.2. Meios complementares de diagnóstico .............................................................................. 72
5.2.1. Análises laboratoriais ...................................................................................................... 72
5.2.1.1. Bioquímicas .................................................................................................................. 72
6.2.1.2. Hemograma .................................................................................................................. 74
6.2.1.3. Urianálise ...................................................................................................................... 74
6.2.1.4. Histopatologia .............................................................................................................. 74
6.2.2. Imagiologia ...................................................................................................................... 76
6.2.2.1. Radiografia ................................................................................................................... 76
6.2.2.2. Ecografia ....................................................................................................................... 76
6.2.2.3. Tomografia computorizada .......................................................................................... 76
7. Tratamento ............................................................................................................................... 77
8. Prognóstico ............................................................................................................................... 82
III. Caso Clínico – Zézinha ................................................................................................................ 84
1. Discussão do caso clínico ........................................................................................................... 93
5
Conclusão ......................................................................................................................................... 96
Bibliografia......................................................................................................................................... 97
ANEXO I .............................................................................................................................................. a
6
Índice de gráficos
Gráfico 1 – Distribuição da casuística por família animal (n=767)………………………………..11
Índice de tabelas
Tabela 1 – Distribuição da casuística pelas áreas médicas (n=767)…………………………......11
Tabela 2 – Distribuição da casuística por procedimento na área de Medicina Preventiva
(n=70)…………………………………………………………………………………………………….12
Tabela 3 – Distribuição da casuística por procedimento na área de Clínica Médica (n=374)…16
Tabela 4 – Distribuição da casuística de cardiopneumologia por família (n=41)……………..…17
Tabela 5 - Pressões arteriais normais (Adaptado de Durham, 20179)…………...……...…….…19
Tabela 6 – Distribuição da casuística de dermatologia e alergologia por família (n=35)…….…22
Tabela 7 – Distribuição da casuística de endocrinologia por família (n=8)……………………....24
Tabela 8 – Distribuição da casuística de gastroenterologia e glândulas anexas por família
(n=67)…………………………………………………………………………………………………….28
Tabela 9 – Distribuição da casuística de infeciologia e parasitologia por família (n=45)……....32
Tabela 10 – Distribuição da casuística de nefrologia e urologia por família (n=62)…………….35
Tabela 11 – Distribuição da casuística de neurologia por família (n=16)………………………...39
Tabela 12 – Distribuição da casuística de oftalmologia por família (n=29)………………………42
Tabela 13 – Distribuição da casuística de oncologia por família (n=19)………………………….46
Tabela 14 – Distribuição da casuística de ortopedia por família (n=26)………………………….48
Tabela 15 – Distribuição da casuística de teriogenologia por família (n=17)…………………….51
Tabela 16 – Distribuição da casuística de toxicologia por família (n=9)………………………….54
Tabela 17 – Distribuição da casuística por procedimento na área da Clínica Cirúrgica
(n=323)…………………………………………………………………………………………………...57
Tabela 18 – Distribuição da casuística por procedimento na cirurgia de tecidos moles
(n=246)…………………………………………………………………………………………………...58
Tabela 19 – Distribuição da casuística por procedimento na cirurgia odontológica (n=15)……59
Tabela 20 – Distribuição da casuística por procedimento na cirurgia de tecidos moles
(n=13)…………………………………………………………………………………………………….59
7
Tabela 21 – Distribuição da casuística por procedimento na cirurgia ortopédica (n=24)………60
Tabela 22 – Distribuição da casuística por procedimento em outros procedimentos cirúrgicos
(n=25)………………………………………………………………………………………………….…61
Tabela 23 – Distribuição da casuística por procedimento relativamente a imagiologia e
procedimentos ecoguiados (n= 293)………………………………………………………………….62
Tabela 24 – Distribuição da casuística por procedimento relativamente aos meios
complementares de diagnóstico (n=
989)……………………………………………………………………………………………………….63
Tabela 25 - Resultados das análises sanguíneas do dia 17 de novembro de 2016……………84
Tabela 26 - Resultados das análises bioquímicas do dia 22 de novembro de 2016……………85
Tabela 27 - Resultados das análises bioquímicas do dia 22 de novembro de 2016……………86
Tabela 28 - Resultados das provas de coagulação do dia 25 de novembro de 2016…………..86
Tabela 29 - Resultados das análises sanguíneas do dia 28 de novembro de 2016……………89
Tabela 30 - Resultados das análises sanguíneas do dia 5 de dezembro de 2016……………..90
Tabela 31 - Resultados das análises sanguíneas do dia 13 de dezembro de 2016……………91
Tabela 32 - Resultados das análises bioquímicas do dia 19 de dezembro de 2016……………91
Tabela 33 - Resultados das análises bioquímicas do dia 12 de abril de 2017…………………..91
Índice de figuras
Figura 1 – Pulmão de felino com pneumonia séptica – imagem de necropsia (Fotografia
original)…………………………………………………………………………………………………...18
Figura 2 – Canídeo com síndrome vestibular geriátrica (Fotografia original)……………………39
Figura 3 – Canídeo com linfoma cutâneo (Fotografia original)……………………...…………….46
Figura 4 – Zézinha (Fotografia original)……………………………………………………………...83
8
Lista de abreviaturas e siglas
ALP - Fosfatase alcalina
ALT - Alanina aminotransferase
TTPA - Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada
AST - Aspartato aminotransferase
BCC - Bloqueadores dos canais de cálcio
BRA - Bloqueadores dos recetores da angiotensina
CAMV - Centro de Atendimento Médico-Veterinário
CCA - Antagonistas dos canais de cálcio
CID - Coagulação intravascular disseminada
CRI – Continuous Rate Infusion
DAPP - Dermatite alérgica à picada de pulga
DRC - Doença Renal Crónica
FCV - Feline calicivírus (Calicivírus felino)
FeLV – Feline leukaemia vírus (Vírus da leucemia felina)
Fi - Frequência absoluta
FIV – Feline immunodeficiency vírus (Vírus da
imunodeficiência felina)
fr - Frequência relativa
GGT - Gamaglutamiltranspeptidase
GH – Hormona de crescimento
HVAC - Hospital Veterinário Arco do Cego
HVF – 1 – Herpesvírus felino 1
IBD - Doença inflamatória intestinal
IECA - Inibidores da enzima de conversão da
angiotensina
IgE - Imunoglobulina E
IGF – 1 - Fator de crescimento semelhante à insulina-1
IgG - Imunoglobulina G
IM – Via intramuscular
IRIS - The Internacional Renal Interest Society
IV – Via intravenosa
LLC – Ligamento cruzado cranial
mmHg – Milímetros de mercúrio
MODS – Multiple organ dysfunction syndrome (Síndrome
de disfunção multiorgânica)
PA - Pressão arterial
PAAF - Punção aspirativa por agulha fina
PCR - Polymerase Chain Reaction (Reação em cadeia da
polimerase)
P.ex. – Por exemplo
PO - Per os (via oral)
Rácio UPC - Rácio proteinúria:creatinúria
RT-PCR – Real Time Polymerase Chain Reaction (reações
em cadeia da polimerase em tempo real)
SC - Via subcutânea
SDMA - Dimetilarginina simétrica
SIRA - Sistema de Recuperação Animal
SIRS - Síndrome de resposta inflamatória sistémica
T3 – triiodotironina
T4 – tiroxina
TFG - Taxa de filtração glomerular
TOD - Dano nos órgãos-alvo
TP - Tempo de Protrombina
TPLO - Tibial Plateau Leveling Osteomtomy
TRH - Thyrotropin-releasing hormone (hormona libertadora
da tirotropina)
TSH – Thyroid-stimulating hormone (hormona estimulante
da tiróide)
VGG - Vaccination Guidelines Group
WSAVA - World Small Animal Veterinary Association
9
Introdução
No presente relatório de estágio encontram-se descritas as atividades desenvolvidas e
acompanhadas pelo autor, que integram o estágio curricular fundamental para a conclusão do
Ciclo de Estudos do Mestrado Integrado em Medicina Veterinária. O estágio decorreu no
Hospital Veterinário Arco do Cego (HVAC) localizado no Arco do Cego em Lisboa, sob a
orientação externa da doutora Cheila Teodoro e teve a duração de seis meses, iniciando-se a 5
de setembro de 2016 e terminado a 5 de março de 2017.
Este estágio teve como objetivo permitir ao aluno contactar com todas as faces da
prática clínica, cirurgia, exames complementares de diagnóstico, e urgência em animais de
companhia (cães e gatos). Assim sendo, foi possível ao aluno uma aplicação prática dos
conhecimentos teóricos adquiridos, competências sociais necessárias para lidar com o cliente
e pacientes, apuramento do raciocínio clínico e contacto com a realidade do mercado laboral.
O presente relatório será dividido em duas partes, sendo a primeira referente ao
tratamento casuístico dos procedimentos realizados durante o estágio curricular, seguindo-se
de uma breve exposição acerca de uma patologia em cada área da casuística. A segunda
parte corresponde à monografia de tema “Lipidose Hepática em Gatos” contendo uma
descrição de um caso clínico observado no decorrer do estágio e discussão do mesmo caso
clínico.
10
I. Relatório de Casuística
1. Descrição do Hospital Veterinário Arco do Cego
O HVAC, localizado no largo do Jardim do Arco do Cego no centro de Lisboa, abriu
portas ao público em 2009.
O espaço consiste das seguintes instalações: duas receções separadas para cães e
gatos, e nas quais os animais e respectivos tutores podem aguardar chamada; três
consultórios, sendo um exclusivo para gatos, outro exclusivo para cães, e um consultório misto;
uma sala de radiografia; um laboratório; quatro salas de internamentos, duas das quais
dedicadas a animais com doenças infectocontagiosas; uma sala de banhos e tosquias, um
bloco operatório e uma sala de tratamentos e preparação pré cirúrgica. Possui ainda áreas
pessoais como um vestiário e uma sala de refeições. O hospital assegura serviço permanente
de urgência, 24 horas por dia e sete dias por semana, fora do horário normal de funcionamento
que ocorre das nove da manhã às nove da noite de segunda a sábado.
Do corpo clínico fazem parte dez médicos-veterinários, sendo que a equipa conta ainda
com a colaboração de uma enfermeira e três auxiliares. O hospital encontra-se preparado para
dar resposta às áreas de medicina preventiva, medicina interna nas suas várias
especialidades, cirurgia de tecidos moles e ainda serviços de urgências. Cirurgias ortopédicas
e oftálmicas que funcionam por meio de marcação prévia, estão a cargo de médicos-
veterinários não integrantes do corpo clínico.
São ainda realizados, quando considerados necessários, os exames complementares
de diagnostico tais como perfil bioquímico, hemograma, exames radiológicos,
eletrocardiográficos, ecográficos e ainda biópsias e citologias. Os exames de tomografia
computorizada e ressonâncias magnéticas são reencaminhados para centros especializados
em Lisboa.
11
2. Atividades desenvolvidas
Os horários delineados para os estagiários seguiram um modelo rotativo de duas
semanas alternantes, em que numa eram contabilizadas 38 horas (consistindo em quatro
turnos das 15h às 24h), enquanto na semana seguinte eram feitas 66 horas (consistindo num
turno das 9h às 21h, quatro turnos das 9h às 18h e mais dois turnos das 10h às 21h no fim-de-
semana). No total foram cumpridas 1300 horas no final dos seis meses de estágio.
Na duração do horário de trabalho o estagiário participou em consultas, anestesias e
cirurgias, exames complementares e de diagnóstico, necropsias, domicílios e internamentos.
O estagiário teve possibilidade de assistir às consultas e sob supervisão do clínico
responsável, realizar o exame físico do paciente bem como ocasionalmente administrar
tratamentos e conduzir a anamnese do paciente com o objetivo prático de exercitar o raciocínio
clínico e saber adaptar o discurso consoante o caso e o tutor.
Na área da cirurgia e anestesiologia o estagiário era frequentemente responsável pela
preparação pré-cirúrgica do animal, administração anestésica, posterior monitorização intra-
cirúrgica e recobro. Por vezes para além de assistir houve a possibilidade de participar em
algumas cirurgias como ajudante de cirurgião ou como instrumentista. O estagiário também
participou no processamento de análises laboratoriais bioquímicas, hemogramas, urianálises e
citologias. Na área da imagiologia foi possível praticar a interpretação quer das radiografias
quer das ecografias. Existiu ainda a oportunidade de seguir o médico veterinário responsável
em consultas ao domicílio.
Para além da oportunidade de consolidar os conhecimentos adquiridos e praticar os
procedimentos médico-cirúrgicos foi para o estagiário uma oportunidade de contactar com o
meio laboral e participar nas passagens de casos e discussão dos mesmos, realçando a
importância de tais competências para a articulação de um corpo clínico competente.
12
2.1. Distribuição dos casos por família
No decorrer do estágio foram observados pelo autor um total de 742 casos. Para o efeito
considera-se caso toda a instância individual em que o animal se apresente ao hospital.
Analisando o gráfico 1 pode retirar-se que houve uma maior frequência de casos observados
da espécie felina (Felis catus), correspondendo a 417 casos (54%), sendo os restantes 350
(46%) respeitantes à espécie canina (Canis lupus familiaris).
Gráfico 1 – Distribuição da casuística por família animal (n=767).
2.2. Distribuição dos casos por área clínica
Com vista a facilitar a análise estatística, os dados foram agrupados em três grupos
nomeados medicina preventiva, clínica médica e clínica cirúrgica. Posteriormente em cada uma
destas áreas serão descriminados os processos realizados. Para cada área clínica estão
indicados os valores de frequência absoluta (Fi) e de frequência relativa [fr(%)] (Tabela 1).
Tabela 1 – Distribuição da casuística pelas áreas médicas (n=767).
Área clínica
Fip (casos)
Fi (casos) fr (%) Canídeos Felídeos
Medicina Preventiva 32 38 70 9,13
Clínica Médica 219 155 374 48,76
Clínica Cirúrgica 99 224 323 42,11
Total 350 417 767 100,00
46%
54%
Canídeos Felídeos
13
Das três áreas clínicas a mais observada foi a clínica médica com 374 casos (48,76%)
seguida pela clínica cirúrgica com 323 casos (42,11%) e finalizando com a medicina preventiva
com 70 casos (9,13%).
2.2.1. Medicina Preventiva
Da medicina preventiva fazem parte os atos de desparasitação interna e externa,
identificação eletrónica e vacinação (imunização ativa).
Para além destes podem ser considerados como fazendo parte da medicina preventiva
o aconselhamento do tutor acerca de aspectos comportamentais, nutricionais e de higiene oral.
De ressalvar que essa vertente da medicina preventiva não foi contabilizada neste relatório
para efeitos estatísticos.
Na tabela 2 encontram-se discriminados os procedimentos acompanhados durante o
estágio referentes à medicina preventiva. Da sua análise podemos retirar que o procedimento
mais observado foi a vacinação com 37,14%, seguindo-se da desparasitação com 22,86% e
finalmente a consulta pré-cirúrgica com 14,29%.
Tabela 2 – Distribuição da casuística por procedimento na área de Medicina Preventiva
(n=70).
Medicina Preventiva Fip (casos)
Fi (casos) fr (%)
Canídeos Felídeos
Check-up 3 0 3 4,29
Consulta pré-cirúrgica 5 5 10 14,29
Desparasitação 6 10 16 22,86
Documentação de viagem 5 4 9 12,86
Grooming 1 1 2 2,86
Identificação eletrónica 3 1 4 5,71
Vacinação 9 17 26 37,14
Total 32 38 70 100,00
A vacinação de cães e gatos rege-se por recomendações escritas pelo Vaccination
Guidelines Group (VGG) da World Small Animal Veterinary Association (WSAVA) datando a
última do ano de 20151.
14
As vacinas em si podem ser divididas em dois tipos, sendo classificadas entre
“infeciosas” e “não infeciosas”. As vacinas infeciosas, também chamadas de atenuadas,
possuem na sua constituição organismos intactos, mas atenuados de modo a reduzir a sua
virulência, permanecendo ainda com a capacidade de se replicarem e induzir resposta
imunitária no animal vacinado, mas com baixo nível de patogenicidade, não se estabelecendo
doença ou sinais clínicos da doença infeciosa1,2
.
Já as vacinas não infeciosas, ou vacinas mortas ou inativadas, contêm o respetivo
organismo ou vírus inativado, ou um antigénio natural ou sintético derivado do organismo, ou
porções de ácido desoxirribonucleico que codificam referidos antigénios. Sendo que as vacinas
inativadas não possuem capacidade de replicação, de infetar ou de causar sintomas da doença
a maior parte destas vacinas necessitam de um adjuvante que incite a resposta imunitária
pretendida uma vez que só por si tem menos eficácia na indução da imunidade1,2
.
O VGG classifica ainda a as vacinas consoante a sua obrigatoriedade de
administração, mais precisamente em vacinas fundamentais, vacinas não fundamentais e
vacinas não recomendadas. As vacinas fundamentais estão recomendadas a todos os animais
independentemente de onde se encontram, as vacinas não fundamentais devem ser
administradas consoante estilo de vida do animal e relativa posição geográfica e as vacinas
não recomendadas são as quais não possuem evidências científicas que justifiquem a sua
administração1.
Nos cães as vacinas fundamentais imunizam contra o vírus da esgana canina, o
adenovírus canino dos tipos 1 e 2 e o parvovírus canino tipo. Nos gatos as vacinas
fundamentais compreendem as que imunizam contra o vírus da panleucopénia felina, o
calicivírus felino (Feline calicivírus, FCV) e o herpervírus felino tipo 11.
Quanto às vacinas non core, nos cães encontram-se as vacinas contra o vírus da
parainfluenza canina, o vírus da gripe canina e as bactérias Bordetella brochiseptica a Borrelia
burgdorferi e Leptospira interrogans. Nos gatos estas são as vacinas contra o vírus da leucose
felina, o vírus da imunodeficiência felina (FIV), Chlamydia felis e Bordetella brochiseptica1.
Relativamente à vacina antirrábica em Portugal pela legislação em vigor do Decreto-Lei
nº313/2003, da Portaria nº 264/2013 e do Despacho nº3799/2015, esta é de caracter
obrigatório a todos os cães com mais de três meses de idade, sendo que nas outras espécies a
vacinação é voluntária. Acrescenta-se que tal vacinação deverá ser precedida obrigatoriamente
de identificação eletrónica do respetivo animal e que o médico veterinário deve registar no
boletim sanitário a data da futura vacinação, dependendo a duração da imunidade conferida
pela vacina administrada3–5
.
Seguindo as recomendações da WSAVA, o protocolo vacinal fundamentais inicia-se no
cachorro entre as seis e as oito semanas de idade, seguidas de novas doses de vacina
intervaladas de três a quatro semanas, até à última dose que é administrada entre as 14 e 16
15
semanas. No caso do cão que só receba a sua primeira vacina após as 16 semanas, uma
única administração basta. A vacinação de reforço ou booster ocorre entre as 26 semanas e
um ano de idade, sendo repetida a cada três anos1.
O HVAC segue o protocolo vacinal da WSAVA e como tal inicia a primovacinação nos
cachorros às 8 semanas contra o vírus da esgana canina, o adenovírus canino tipo 1, o
parvovírus canino, o vírus da parainfluenza canina e o adenovírus canino tipo 2 (Nobivac ®
DHPPi). Reforços são administrados a cada 2 a 4 semanas, sendo administradas até as 16
semanas. Aquando deste reforço é também adicionada uma vacina inativada contra Leptospira
interrogans serogrupo Canicola serovarieadade Canicola, L. interrogans serogrupo
Icterohaemorragiae serovariedade Copenhageni, L. interrogans serogrupo Australis
serovariedade Bratislava e L. kirschneri serogrupo Grippotyphosa serovariedade
Bananal/Lianguang (Nobivac ® L4). No primeiro ano de vida as vacinas são repetidas e
posteriormente segue-se uma aplicação trienal de Nobivac ® DHPPi e anual de Nobivac ® L4.
A vacina antirrábica (Nobivac ® Rabies) é iniciada às 12 semanas, sendo reforçada por
duas administrações separadas por um ano, e posterior reforço anual.
A vacinação contra Bordetella brochiseptica é aconselhada especialmente em animais
durante os períodos de maior risco, como uma estadia em canil/hotel ou até mesmo frequência
de creches caninas1. De acordo com as recomendações da WSAVA, a vacina intranasal pode
também ser utilizada de forma a diminuir a gravidade da sintomatologia de tosse do canil.
Tanto na forma parenteral, como na forma intranasal, a imunidade conferida é de um ano1.
Sendo a Leishmaniose, patologia causada pelo protozoário Leishmania infantum, uma
doença endémica da região de Lisboa, no HVAC os tutores são aconselhados a testarem os
animais aos 6 meses e, no caso de serem negativos, a serem vacinados com Virbac ®
Canileish, reduzindo o risco de infeção clínica. Depois da vacinação primária são aplicadas 3
doses intervaladas em 3 semanas, seguindo-se uma revacinação anual.
No gato o protocolo vacinal é iniciado às 8 semanas com administração da vacina
contra FCV, o vírus da panleucopénia e o herpervírus felino (Nobivac ® Tricat Trio ou Purevax
® RCP). O protocolo é seguido por novas administrações a cada 2 a 4 semanas até o animal
perfazer 16 semanas de idade. As administrações posteriores são de caracter trienal.
Além das vacinas fundamentais, os tutores de gatos que possuam acesso à rua ou
entrem em contacto físico com outros felinos de tutoria desconhecida são aconselhados a
realizarem testagem serológica e, em caso de serem negativos, serem vacinados contra a
leucemia felina (FeLV) (Purevax ® FeLV). Seguindo um outro protocolo vacinal, da Feline
Vaccination Advisory Panel of the American Association of Feline Practitioners, a
primovacinação pode ser feita às 8 semanas, seguindo-se de mais uma administração passada
3 a 4 semanas, com um reforço um ano após a primovacinação e posterior reforço anual para
16
todos os animais em que o risco de infecção se mantanha elevado, ou bienal nos casos em
que esse risco seja baixo6.
Tal como acontece com o protocolo vacinal os tutores dos animais jovens no HVAC
são aconselhados a iniciarem um protocolo de desparasitação.
Em cachorros a desparasitação interna é feita com recurso a administração oral de
praziquantel e milbemicina (Milbemax®, Novartis) de quinze em quinze dias até aos três meses
de idade, e posteriormente a essa data passando a ser de toma mensal até aos seis meses de
idade. Relativamente à desparasitação externa esta é iniciada com aplicação de um spot on de
imidaclopride e permetrina (Advantix ®, Bayer) aos seis meses de idade ou dois quilogramas,
ou administração oral de fluralaner (Bravecto ®, MSD) a cada três meses, e ainda uma coleira
contendo deltametrina (Scalibor ®, MSD). O animal fica assim protegido contra pulgas,
carraças, mosquitos e flebótomos.
Na eventualidade de o animal viver numa zona endémica de dirofilariose os tutores são
aconselhados a colocar coleiras repelentes de mosquitos e a fazer Heartgard 30 Plus ®
mensalmente de forma profilática.
No caso dos gatos, a desparasitação interna inicia-se aos seis meses com
administração oral de milbemicina e praziquantel (Milbemax ®, Novartis) realizada a cada três
meses. A desparasitação externa é realizada com spot on de imidaclopride (Advantage®,
Bayer) ou administração tópica de fluralaner (Bravecto®, MSD) a cada três meses.
O processo de identificação eletrónica passa pela verificação de existência prévia de
identificação, e caso esta não se verifique procede-se então à aplicação subcutânea de um
microchip na superfície esquerda do pescoço do animal. Após a aplicação deve ser realizada
uma leitura para confirmar o funcionamento correto do microchip e pode proceder-se ao registo
dos dados do animal e do tutor no Sistema de Recuperação Animal (SIRA). A identificação
eletrónica possui carácter obrigatório em todos os cães nascidos após 1 de julho de 2008 e em
todos os cães que participem em atos venatórios, exposições, concursos, provas funcionais,
acções publicitárias, com fins comerciais ou lucrativos, em locais de criação ou
estabelecimentos de venda, e cães considerados perigosos ou potencialmente perigosos que
já têm obrigatoriamente de estar identificados desde 1 de julho de 2004.
Em gatos a identificação eletrónica não é de caracter obrigatório, sendo proposta aos
tutores cujo animal possua estilo de vida outdoor3–5
.
17
2.2.2. Clínica Médica
Na clínica médica os casos observados foram divididos pelas várias áreas clínicas e
encontram-se expostos na tabela 3. É possível verificar que a área mais observada foi a
gastroenterologia com uma frequência relativa de 17,91%, seguida da nefrologia e urologia
com uma frequência relativa de 16,58%. As áreas clínicas menos observadas foram a
endocrinologia e a toxicologia com uma frequência relativa de 2,41%. No que diz respeito às
diferenças entre espécies as mais significativas verificaram-se na área da gastroenterologia em
que o número de casos observados em canídeos foi superior, e na área da nefrologia em que o
número de casos observados em felinos foi claramente superior.
Tabela 3 – Distribuição da casuística por procedimento na área de Clínica Médica (n=374).
Clínica Médica
Fip (casos)
Fi (casos) fr (%)
Canídeos Felídeos
Cardiopneumologia 17 3 41 10,96
Dermatologia e Alergologia 24 11 35 9,36
Endocrinologia 4 4 8 2,14
Gastroenterologia 43 24 67 17,91
Infeciologia e Parasitologia 23 22 45 12,03
Nefrologia e Urologia 16 46 62 16,58
Neurologia 10 6 16 4,28
Oftalmologia 19 10 29 7,75
Oncologia 12 7 19 5,08
Ortopedia 21 5 26 6,95
Teriogenologia 14 3 17 4,55
Toxicologia 7 2 9 2,41
Total 219 155 374 100,00
18
2.2.2.1. Cardiopneumologia
A cardiopneumologia foi a quarta especialidade mais acompanhada com 41 casos
(10,96% do total de casos da clínica médica) (Tabela 3). A pneumonia por aspiração foi a
patologia mais vezes observada com cinco casos (12%) (Tabela 4).
Tabela 4 – Distribuição da casuística de cardiopneumologia por família (n=41).
Cardiologia
Fip (casos)
Fi (casos) fr (%)
Canídeos Felídeos
Asma felina 0 2 2 5
Bloqueio atrioventricular 1 0 1 2
Bronquite crónica 1 0 1 2
Cardiomiopatia dilatada 3 0 3 7
Cardiomiopatia hipertrófica 0 1 1 2
Colapso de traqueia 1 0 1 2
Contusão pulmonar 0 2 2 5
Corpo estranho traqueal 1 0 1 2
Doença degenerativa da válvula mitral
2 0 2 5
Edema pulmonar cardiogénico 1 1 2 5
Efusão pericárdica 2 2 4 10
Efusão pleural 1 2 3 7
Estenose aórtica 1 0 1 2
Hipertensão sistémica 4 0 4 10
Insuficiência cardíaca congestiva 4 0 4 10
Pneumonia 2 2 4 10
Pneumonia por aspiração 2 3 5 12
Total 26 15 41 100
19
A hipertensão sistémica é uma afeção
que se define pelo aumento sustentado da
pressão arterial (PA), sistólica ou diastólica,
ou ambas7,8
. A PA é o produto do débito
cardíaco e da resistência vascular sistémica; a
sua regulação está dependente da interação
de mecanismos complexos entre os sistemas
nervosos central e periférico, tecidos renais e
cardíacos e fatores humorais, que afetam
sinergicamente o débito cardíaco e a
resistência vascular8.
Tal como é reconhecido em medicina humana, a hipertensão arterial também é um
fator de risco predisponente fulcral na progressão da doença cardiovascular e da doença renal
7,9. O diagnóstico da hipertensão sistémica torna-se importante, uma vez que aumentos
crónicos sustentados da PA causam danos nos tecidos, o que é apelidado de dano nos órgãos-
alvo (TOD)7,8
.
A determinação dos valores normais de PA em cães e gatos não é exata e varia
consoante o estudo consultado, possivelmente por não haver uma técnica de medição
padronizada na prática veterinária. Aquando da medição, deve ponderar-se a hipótese de ser
uma elevação da PA ser transitória, relacionada com stress associado à medição no centro de
atendimento médico veterinário (CAMV), pelo que devem ser feitas várias medições, tentando-
se assim descartar um falso diagnóstico de hipertensão sistémica7,8
. Deve também ter-se em
conta que a pressão arterial varia de acordo com a raça e tamanho do animal, por exemplo
Sight hounds e cães de raças menores têm por norma pressões arteriais superiores a raças
grandes7,8,10,11
Sempre que possível, é preferível utilizar os valores de referência específicos da
raça7,8,11
.
Na tabela seguinte é possível observar os valores de pressões arteriais propostos como
normais (Tabela 5)10
.
Figura 1 – Pulmão de felino com pneumonia
séptica – imagem de necrópsia (Fotografia
original).
20
Tabela 5 - Pressões arteriais normais (Adaptado de Durham, 201710
)
Pressões arteriais normais
Cães
PA sistólica ~133 mmHg
PA média ~104 mmHg
PA diastólica ~75 mmHg
Gatos
PA sistólica ~120-140 mmHg
PA média ~110 mmHg
PA diastólica ~70-90 mmHg
A IRIS considera pressões arteriais sistólicas <140 mmHg normais11
.
Aproximadamente 80% dos casos de hipertensão sistémica em medicina veterinária
são secundários a uma patologia subjacente (por exemplo, doença renal,
hiperadrenocorticismo, hipertiroidismo ou diabetes mellitus) ou à administração de agentes
terapêuticos hipertensores (por exemplo, glucocorticoides, mineralocorticoides, eritropoietina,
cloreto de sódio, fenilpropanolamina e anti-inflamatórios não-esteroides), sendo esta
denominada de hipertensão secundária7,8,10
.
Apenas nos casos em que não se associa a hipertensão a nenhuma patologia são
utilizados os termos hipertensão primária ou idiopática. Pode estabelecer-se este diagnóstico
sempre que tenham sido realizados, além de várias medições da PA, um hemograma
completo, perfil de bioquímicas séricas e urianálise, e cujo resultado não apresente qualquer
alteração7,8,10
.
Embora a hipertensão secundária seja mais comum, destaca-se que a hipertensão
idiopática possui uma expressão mais frequente do que se pensava, ocorrendo em
aproximadamente 18 a 20% dos gatos diagnosticados7.
Os animais com hipertensão sistémica sofrem principalmente a nível ocular (cegueira
aguda, hemorragia intraocular, pupilas dilatadas, descolamento da retina exsudativo,
tortuosidade da retina, edema perivascular da retina, papiledema, degeneração retinal),
neurológico (depressão, inclinação da cabeça, convulsões, nistagmo, paresia, ataxia, circling,
desorientação), renal (poliúria/polidipsia associada à progressão da doença renal crónica,
hematúria, proteinúria) e cardiovascular (sopro, ritmo de galope, cardiomegália, raramente ICC,
epistaxis)8.
Os sinais clínicos da hipertensão sistémica nas fases iniciais são subtis, levando a que
por vezes não seja diagnosticada precocemente7. Na tentativa de contornar esta falha a
European Society of Hypertension - European Society of Cardiology Guidelines for the
21
Management of Arterial Hypertension refere algumas recomendações7. Existem pelo menos
duas indicações imperativas para a medição da PA num paciente: i) a deteção de anomalias
clínicas compatíveis com TOD hipertensivo. Achados clínicos inexplicáveis, como a
coroidopatia hipertensiva ou retinopatia, hifema, sinais neurológicos intracranianos (por
exemplo, convulsões, alteração da função e défices neurológicos focais), anomalias renais (por
exemplo, proteinúria, microalbuminúria, azotemia) e cardiovasculares (tais como hipertrofia
generalizada do ventrículo esquerdo, ritmo de galope, arritmia, sopro sistólico e epistaxis),
devem levar à medição da PA. ii) a presença de doenças ou condições que estão
frequentemente associadas á hipertensão secundária, bem como de afeções que estejam a
ser tratadas com agentes farmacológicos suscetíveis de causar aumentos na PA7.
Nestas guidelines é ainda aconselhada a obtenção de valores padrão de PA para cada
individuo, permitindo assim ao clínico possuir um valor normal de pressão individual com o qual
comparar em caso de suspeita de doença hipertensiva7,8
. Atendendo também à prevalência
hipertensão secundária geriátrica, a medição da PA deve também ser instituída em cães e
gatos com idade igual ou superior a 10 anos de idade7.
A PA pode ser medida por meio intra-arterial ou indiretamente pelos métodos de
oscilometria ou a técnica Doppler, sendo a forma indireta a mais utilizada clinicamente7,8
. A
medição deve ser realizada num local calmo, estando o animal numa posição confortável
preferencialmente em decúbito ventral ou lateral, mantendo o manguito próximo do nível do
átrio direito do coração. A primeira medição deve ser descartada e devem ser feitas 3 a 7
medições consistentes, mais se necessário, de forma a ser possível alcançar uma média fiável.
Deve ainda ser registada o tamanho e posição do manguito utilizado7.
A monitorização recomendada do paciente varia de acordo com os achados clínicos e
é aconselhada a categorização da hipertensão sistémica com base no risco de desenvolver
TOD ( ver Anexo I, tabela 1) 7.
Em pacientes com PA < 150/95 mmHg é apenas aconselhada a reavaliação em 3 a 6
meses, pois o risco de TOD é mínimo. Já em pacientes com PA ≥ 150/95 mmHg e sem
presença de TOD, a PA deve ser aferida num intervalo de sete dias e aí no caso de se verificar
existência de TOD ou causa para hipertensão secundária deve ser iniciado tratamento anti-
hipertensivo. Caso isto não suceda deve agendar-se seguimento em 1 a 3 meses7.
Em pacientes com pressão sistólica entre 160 e 179 mmHg, ou seja, moderado risco
de TOD são aconselhadas reavaliações a cada um a dois meses11
.
Em pacientes com alto risco de TOD, ou seja, com pressões arteriais sistólicas
superiores a 180 mmHg deve ser iniciado tratamento de imediato e é aconselhada reavaliação
da PA a cada uma a duas semanas 7,11
.
22
Em qualquer etapa sempre que se verificar TOD deve ser iniciada terapêutica
adequada7,11
.
O objetivo da terapia anti-hipertensiva é uma redução gradual e persistente da PA até o
valor obtido estabilizar abaixo dos 160 mmHg7,11
. Ressalvando-se ainda que nos animais de
companhia a hipertensão é geralmente secundária, a terapêutica deve iniciar-se pela resolução
destas condições7.
Relativamente à restrição de sal na dieta, está recomendado apenas que se evite uma
alta ingestão de sal, não ficando demonstrado benefícios na restrição do mesmo7,8,11
. No caso
de a redução de sódio ser tentada, o mesmo deve ser feito de forma gradual e nunca
descurando a terapêutica farmacológica11
.
Os inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) e os bloqueadores dos
canais de cálcio (BCC) são os principais agentes anti-hipertensivos na medicina veterinária,
quer como agentes únicos ou combinados7. A utilização de IECAs e BCC de forma combinada
pode ser especialmente útil em gatos, nos quais foi provado o efeito benéfico dos IECA na
DRC e a eficácia anti-hipertensiva dos BCC7,8
.
Em gatos a amlodipina é o agente farmacológico oral de eleição, a sua dose pode ser
aumentada até um máximo de 2.5 mg/gato caso a dose inicial não seja suficiente para
controlar a pressão arterial.
Sempre que exista hipocalemia associada a hipertensão sistémica deve ser adicionado
um IECA, como a espironolactona, um diurético poupador de potássio. Em casos em que esta
combinação não é suficiente para reduzir a PA abaixo dos 160 mmHg, pode ser adicionada
hidralazina à terapêutica no maneio de emergência em contexto hospitalar, monitorizando
constantemente a pressão arterial 8,11,12
.
Já em cães, os IECA são recomendados como agente farmacológico de primeira linha
devido à frequência de proteinúria subjacente, com adição de amlodipina como segundo
fármaco sempre que necessário7,8,11
.
A combinação de IECAs e BCC aumenta o risco de hipotensão e a hipercalemia pode
resultar da utilização da IECA e espironolactona, especialmente em casos de doença renal,
pelo que os pacientes deve sempre ser monitorizados de perto8.
O prognóstico de pacientes que sofram de hipertensão sistémica é muito variável
dependendo da causa subjacente ou grau de hipertensão, mas geralmente a PA pode ser
controlada através da terapia anti-hipertensiva, ainda que não esteja provado que o mesmo
aumente necessariamente o tempo de sobrevivência8.
23
2.2.2.2. Dermatologia e Alergologia
A dermatologia e alergologia, especialidades que incidem especialmente no
diagnóstico e tratamento das patologias da pele, foram duas especialidades relativamente
frequentes, aparecendo no quinto lugar com um total de 35 casos (9,36% do total de casos da
clínica médica) (Tabela 3).
A principal patologia tratada foi a otite por Malassezia com 20% dos casos, seguida da
dermatite alérgica à picada da pulga (DAPP) com 17,14% dos casos (Tabela 6).
Tabela 6 – Distribuição da casuística de dermatologia e alergologia por família (n=35).
Dermatologia e Alergologia
Fip (casos)
Fi (casos) fr (%)
Canídeos Felídeos
Abcesso subcutâneo 0 2 2 5,71
Celulite juvenil 1 0 1 2,86
Dermatite alérgica à picada da pulga 4 2 6 17,14
Dermatite de contacto 2 0 2 5,71
Dermatite por lambedura acral 1 0 1 2,86
Hipersensibilidade alimentar 2 1 3 8,57
Impactação dos sacos anais 1 1 2 5,71
Laceração cutânea 3 2 5 14,29
Otite externa bacteriana 2 1 3 8,57
Otite externa por Malassezia 5 2 7 20,00
Otohematoma 2 0 2 5,71
Pioderma profunda 1 0 1 2,86
Total 24 11 35 100,00
A DAPP é considerada uma das patologias alérgicas mais importantes nos dias de
hoje, pois é uma das alergias mais frequentes em cães e gatos13,14
. Caracterizando-se por uma
hipersensibilidade à picada da pulga, é na realidade uma reação alérgica a antigénios
presentes na saliva da pulga deixada na derme do animal aquando da picada14
. A saliva das
pulgas contém uma diversidade de compostos semelhantes a histamina - que irritam a pele -,
enzimas, polipéptidos e aminoácidos15,16
. Os compostos da saliva caracterizam-se por induzir
reações de hipersensibilidade tipo I, tipo IV e reações de hipersensibilidade em basófilos. A
24
reação de hipersensibilidade local, do tipo IV, caracterizada pela infiltração de células
mononucleares, ocorre devido a alguns dos compostos da saliva atuarem como haptenos após
a ligação ao colagénio dérmico14–16
.
Por norma os cães com DAPP manifestam uma hipersensibilidade cutânea imediata,
no entanto cerca de 30% podem mostrar uma resposta retardada, 24 a 48 horas após o
contacto com o antigénio14,15,17
. Em alguns animais já sensibilizados para a picada da pulga a
reação do tipo IV é gradualmente substituída por uma reação tipo I ao longo de meses, tal
como os infiltrados de células mononucleares mudam progressivamente para infiltrados de
eosinófilos15
.
A DAPP pode afetar animais de qualquer idade, mas ocorre mais frequentemente em
animais entre os 3 os 6 anos de idade, não sendo comum em animais com menos de 6 meses
de idade. É também sabido que animais que apresentam esta alergia, por vezes ficam mais
sensíveis à medida que envelhecem13,14
.
Num ensaio realizado por Wilkerson et al.15
, cães saudáveis continuamente expostos a
altas infestações de pulgas ou nunca expostos a pulgas, apresentavam níveis baixos de
anticorpos IgE e IgG e testes intradérmicos negativos em comparação com cães com
hipersensibilidade à picada da pulga. Estes achados sugerem que os cães expostos
continuamente adquirirem uma imunotolerância parcial ou completa, que é quebrada quando
os cães são expostos intermitentemente à pulga15
.
O diagnóstico de DAPP geralmente é feito com base na anamnese, distribuição das
lesões e resposta favorável ao controlo de pulgas, devendo ser a primeira doença a considerar
em problemas cutâneos antes de se avançar para outras patologias. Os tutores dos animais
comumente referem que o animal tem prurido, com mordedura e lambedura, esteve exposto a
outros animais e o controlo de pulgas é inexistente ou não consistente14
.
Os achados ao exame físico dependem da severidade da doença, considerando-se
que encontrar pulgas e as suas fezes não é imperativo, mas é um bom indicador da presença
da patologia. Sempre que se encontrem sinais de picada da pulga deve considerar-se a
possibilidade de DAPP e instituir-se o adequado tratamento14,15,17
. Uma vez que a DAPP é uma
doença sem cura, as estratégias de tratamento passam pelo alívio do prurido e controlo da
infestação de pulgas no hospedeiro e no ambiente. A administração de corticosteroides em
doses anti-inflamatórias, via oral ou injetável, por curtos períodos de tempo, é o tratamento
mais adequado para o alívio do prurido, uma vez que os anti-histamínicos parecem ser
ineficazes14
.
25
2.2.2.3. Endocrinologia
Nesta especialidade, a menos acompanhada com oito casos (2,14% do total de casos
da clínica médica) (Tabela 3), o diabetes mellitus foi a entidade clínica mais vezes observada
com quatro casos (50%) (Tabela 7).
Tabela 7 – Distribuição da casuística de endocrinologia por família (n=8).
Dermatologia e Alergologia
Fip (casos)
Fi (casos) fr (%)
Canídeos Felídeos
Diabetes Mellitus 1 3 4 50,0
Hipertiroidismo 0 1 1 12,5
Hipoadrenocorticismo 1 0 1 12,5
Hipotiroidismo 2 0 2 25,0
Total 4 4 8 100,0
O hipotiroidismo é a endocrinopatia mais frequentemente diagnosticada em cães; é
uma doença multissistémica que se caracteriza pela diminuição na produção das hormonas
tiroxina (T4) e triiodotironina (T3) 18–20
. A produção de T3 e T4 ocorre na tiroide, sendo estas
necessárias para o normal metabolismo do corpo, cuja produção é influenciada pela hipófise,
pelo hipotálamo e pela própria tiróide19,20
. Este défice na produção das hormonas T3 e T4 pode
ser congénito ou adquirido19
.
O hipotiroidismo congénito é raro e subdiagnosticado, pois ocorre mais frequentemente
em cachorros até um ano de idade e a maioria deles morrem antes de completarem os três
meses, não chegando a ser diagnosticados19,21
. Qualquer defeito no eixo hipotálamo-hipófise-
tiroide ou no recetor da hormona tiroidiana pode resultar em hipotiroidismo congénito19
.
O hipotiroidismo adquirido pode pertencer a três categorias: primário, secundário e
terciário19
. O hipotiroidismo primário caracteriza-se pela anomalia na glândula tiroide e por isso
diminuição dos níveis de T3 e T4, no hipotiroidismo secundário há uma diminuição da
secreção da hormona estimulante da tiroide (TSH, thyroid-stimulating hormone) pela adeno-
hipófise e no terciário à uma deficiência na produção da hormona libertadora da tirotropina
(TRH, thyrotropin-releasing hormone) pelo hipotálamo19,20
.
O hipotiroidismo primário é responsável por cerca de 95% dos casos, afetando
principalmente cães de meia idade (8 ± 3,39 anos de idade ao diagnóstico)19,20
. As principais
causas de hipotiroidismo primário são a tiroidite linfocítica e atrofia idiopática da tiroide,
26
podendo ainda o défice em iodo, hipotiroidismo congénito, neoplasia, terapia medicamentosa,
tireoidectomia cirúrgica e tratamento com iodo radioativo estar na origem desta doença19
.
Por sua vez o hipotiroidismo secundário é pouco comum correspondendo apenas a 5%
dos casos totais20
. As principais causas do hipotiroidismo secundário incluem malformação
congénita da hipófise, destruição da hipófise (tumores, trauma, hipofisite autoimune) ou a sua
supressão, normalmente causada por hormonas ou fármacos como os glucocorticóides19,20
.
No hipotiroidismo terciário a falta de secreção de TRH causa deficiência de secreção
de TSH e atrofia da glândula tiroide, podendo estar presentes sinais neurológicos e disfunção
adicional da hipófise dependendo da causa19
.
Tal como já foi referido, o hipotiroidismo é uma afeção multissistémica, uma vez que as
hormonas tiroideias influenciam grande número de processos metabólicos no organismo.
Assim sendo, a falta ou diminuição de T4 e T3 leva ao surgimento de sinais clínicos variados e
inespecíficos, a nível dermatológico, metabólico, gastrointestinal, reprodutivo e neurológico19,21
.
Em animais que sofrem de hipotiroidismo congénito são observados sinais clínicos com
sede nos sistemas nervoso e esquelético21
. As hormonas tiroideias são essenciais para o
desenvolvimento após o nascimento, sendo que atuam em sinergia com a hormona de
crescimento (GH) e o fator de crescimento semelhante à insulina-1 (IGF-1) na promoção da
condrogénese20,21
. Geralmente os cachorros nascem com o peso normal, no entanto notam-se
atrasos no crescimento às 3-8 semanas quando comparados com os irmãos. Ao longo dos
meses evidenciam-se sinais de nanismo desproporcional caracterizado por cabeças largas,
encurtamento de orelhas, pescoços curtos e grossos e membros curtos. A nível de estado
mental e atividade cognitiva também se nota algum atraso relativamente aos irmãos de
ninhada. A nível dermatológico os cachorros retêm o pelo juvenil, pele seca e espessa,
hiperpigmentação e ainda alopecias, como a denominada “cauda de rato”21
.
Em cães adultos, os sinais clínicos mais comuns do hipotiroidismo são decorrentes de
uma diminuição do metabolismo celular, destacando-se manifestações de afeção do sistema
neuromuscular, sistema gastrointestinal e sistema reprodutivo. Destacam-se o estado mental
deprimido e letargia, falta de vontade de se exercitar, intolerância ao frio e propensão ao ganho
de peso sem corresponder a um aumento no apetite ou na ingestão de alimentos19
.
Ocorrem alterações dermatológicas em 60 a 80% dos pacientes, sendo os sinais
clínicos mais relatados em cães com esta patologia. As hormonas tiroidianas são essenciais
para iniciar e manter a anagénese no ciclo capilar, sendo que a sua deficiência leva a que os
folículos pilosos entrem em telogenese precocemente, correspondendo ao aparecimento de
alopecias. Com o agravamento de hipotiroidismo as alopecias tornam-se simétricas e
tronculares, evoluindo para o clássico achado cutâneo de alopecia troncular não-prurítica
simétrica bilateral19
. Em animais com hipotiroidismo é também comum observar-se a ausência
27
de pelo na cauda, denominada “cauda de rato”, zonas de hiperpigmentação, hiperqueratose,
seborreia seca e pelo seco19
.
Em casos graves de hipotiroidismo ácido hialurónico pode acumular-se na derme e
ligar-se à água resultando num aumento da espessura e edema não cutâneo da pele,
denominado mixedema cutâneo; surge frequentemente na testa, pálpebras e lábios19
.
Quer o sistema nervoso periférico quer o sistema nervoso central podem ser afetados
pelo hipotiroidismo, originando alterações como neuropatia periférica difusa caracterizada pela
intolerância ao exercício, fraqueza, ataxia, tetraparesia ou paralisia, défices de propriocepção e
diminuição dos reflexos espinhais19
.
A nível reprodutivo os machos demonstram falta de líbido, atrofia testicular,
oligospermia ou azoospermia, resultando muitas vezes em infertilidade. Já nas fêmeas, devido
a uma sobre estimulação da secreção de TRH e consequentemente de prolactina, verificam-se
estros fracos ou silenciosos, sangramento estral prolongado e galactorreia19
.
Também são descritos a nível gastrointestinal sinais clínicos tais como a obstipação e
diarreia19
.
O diagnóstico deve ser feito atendendo à anamnese, exames laboratoriais,
doseamento sérico das hormonas tiroideias, T4 total, TSH e T4 livre, e quando necessário
exames imagiológicos21
. No hemograma verifica-se a presença anemia normocítica e
normocrómica, não regenerativa, em aproximadamente 30% dos cães19,21
. Esta é resultado da
diminuição do estímulo tiroidiano na produção eritropoiética medular21
.
Nas bioquímicas séricas é evidenciado em aproximadamente 75% dos cães um
aumento da concentração sérica de colesterol em jejum e/ou hipertrigliceridémia, resultando da
diminuição do metabolismo hepático e diminuição na excreção fecal de colesterol 19,21
.
Recorrendo à radiografia em animais com hipotiroidismo congénito podem ser
observadas alterações como ossificação epifisária tardia, disgenesia epifisária, crânios largos e
curtos, corpos vertebrais encurtados e maturação atrasada19
.
Dos exames imagiológicos avançados destaca-se a cintilografia da tiroide, que é útil
para avaliar o tamanho, a forma e a localização do tecido tiroideano19
. A cintilografia utilizando
pertecnetato radioativo (99mTcO-4) é um método confiável para o diagnóstico de hipotiroidismo
canino, revelando-se útil na diferenciação entre cães com hipotiroidismo e cães com doença
não tiroidiana. Esta opção de diagnóstico só está disponível em alguns centros de referência,
pois são necessários equipamentos especializados e instalações de isolamento radiológico18
.
A existência de concentrações séricas de T4 total baixas, concentrações séricas de T4
livre e TSH aumentadas conjuntamente com sinais clínicos compatíveis apoia fortemente o
diagnóstico de hipotiroidismo, especialmente na ausência de doença sistémica19
.
28
A concentração sérica de T4 total, T4 ligada a proteínas e T4 livre, é o teste de
diagnóstico para o hipotiroidismo mais comum e mais correto; tem alta sensibilidade, mas baixa
especificidade18,21
. Juntamente com a medição da T4 total deve-se ainda quantificar a TSH
sérica para a avaliação da função da glândula tiroide em cães com suspeita de
hipotiroidismo18,19
.
O tratamento de eleição, independentemente da causa, é a administração de
levotiroxina de sódio sintética aprovada para uso em cães19,20
. A dose inicial recomendada é de
0,02 mg/kg, por via oral, a cada 12 horas19,21
.
A suplementação com levotiroxina sódica deve ser feita durante um período mínimo de
seis a oito semanas, com a monitorização terapêutica através da medição de TSH e T4 total de
forma a ajustar a dose de levotiroxina19,21
.
O tratamento adequado com a levotiroxina sódica preserva a regulação normal de T4 e
T3, o que permite a regulação fisiológica das concentrações de T3 nos tecidos e a remissão
gradual de todos os sinais clínicos e anomalias clínico-patológicas, normalmente entre um a
seis meses após início do tratamento19,21
.
A melhoria do estado mental do paciente bem como o aumento da atividade física
ocorrem geralmente na primeira semana de tratamento. Os défices neurológicos melhoram
rapidamente após início do tratamento, mas a resolução completa pode levar dois a três
meses.
A evolução para resolução dos problemas dermatológicos pode observar-se logo a
partir do primeiro mês, mas por norma leva vários meses, podendo até parecer piorar à medida
que os pelos em telogenese são eliminados.
Nos animais obesos devido ao hipotiroidismo também deve observar uma perda de
peso significante cerca de dois meses após o início da terapêutica, juntamente com a dieta
adequada e exercício. Já a função miocárdica pode levar até 12 meses até se verificar a
recuperação completa19
.
O prognóstico varia consoante o tipo de hipotiroidismo e a causa, o hipotiroidismo
primário pode ser facilmente controlado com sucesso, o prognóstico é excelente quando o
tratamento é feito adequadamente e a expectativa de vida é normal. Em casos de
hipotiroidismo congénito o prognóstico é reservado a pobre20,22
. Em cães com hipotiroidismo
secundário devido a malformação ou destruição da hipófise varia de pobre a reservado, com
menor expectativa de vida para cães com malformação congénita da hipófise devido à eventual
expansão dos quistos associados à malformação20
.
29
2.2.2.4. Gastroenterologia e suas glândulas anexas
A gastroenterologia e glândulas anexas foi a especialidade mais representada. Foram
observados 67 casos (17,91% do total de casos da clínica médica) no decorrer do estágio
(Tabela 3). As entidades clínicas mais comuns foram a gastroenterite aguda com 20,90% dos
casos, a gastrite com 14,93% dos casos e a gastroenterite por indiscrição alimentar (Tabela 8).
Tabela 8 – Distribuição da casuística de gastroenterologia e glândulas anexas por
família (n=67).
Gastroenterologia e glândulas anexas Fip (casos)
Fi (casos)
fr (%)
Canídeos Felídeos
Colangite/colangiohepatite 0 3 3 4,48
Colelitíase 1 0 1 1,49
Ingestão de corpo estranho 3 1 4 5,97
Dilatação torção gástrica 4 0 4 5,97
Fecaloma 1 2 3 4,48
Gastrite 8 2 10 14,93
Gastroenterite aguda 11 3 14 20,90
Gastroenterite crónica 2 0 2 2,99
Gastroenterite por indiscrição alimentar 6 2 8 11,94
Doença inflamatória intestinal (IBD) 0 5 5 7,46
Intussusceção 1 0 1 1,49
Lipidose hepática 0 5 5 7,46
Megaesófago 1 1 2 2,99
Pancreatite 1 0 1 1,49
Peritonite 2 0 2 2,99
Torção esplénica 1 0 1 1,49
Torção mesentérica 1 0 1 1,49
Total 43 24 67 100,00
30
Gastroenterite aguda consiste numa síndrome caracterizada pela ocorrência súbita de
vomito e/ou diarreia que são a consequência de um processo inflamatório na mucosa
gastrointestinal23
.
Grande parte dos casos diagnosticados como sendo gastroenterite aguda a causa
primária não é determinada. A resolução rápida dos sinais clínicos torna desnecessária uma
abordagem diagnostica etiológica mais aprofundada. A observação de alguns sinais clínicos
sugerem a presença de uma ou mais patologias subjacente graves, cujo tratamento não é
coincidente com o de uma gastroenterite aguda simples e que merecem outros meios de
diagnósticos mais aprofundados que sejam considerados os apropriados23
.
Ao exame físico o animal pode apresentar apenas sinais inespecíficos, podendo estes
estarem ausentes por completo. Geralmente os achados consistem em letargia, ptialismo e
desconforto à palpação abdominal.
É de vital importância o cálculo do estado de hidratação do paciente, e achados como
membranas mucosas secas, prolongamento no tempo de repleção capilar e prega de pele
também de retorno prolongado apontam para a existência de desidratação no paciente. Sinais
mais graves como taquicardia, pulso fraco e extremidades frias podendo ser consequência da
emese e diarreia aguda podem também ser causadas por outra patologia que não uma
gastroenterite simples.
A observação de alguns sinais clínicos sugere a presença de uma ou mais patologias
subjacentes graves, cujo tratamento não é coincidente com o de uma gastroenterite aguda
simples e que merecem outros meios de diagnósticos mais aprofundados que sejam
considerados os apropriados. Entre estes encontram-se a observação de icterícia, febre,
linfoadenomegalias, palpação de massas abdominais ou órgãos engorgitados, melena, tosse e
alterações na auscultação cardiopulmonar23
.
Nos casos em que os sinais clínicos apresentados sejam de intensidade fraca a
moderada, com um exame físico que não acrescente mais suspeitas, os exames laboratoriais
podem ser considerados de caracter facultativo. No entanto, sempre que se verifique a
existência de alguma suspeita de causas que não sejam gastrointestinais, tais como: dano
renal agudo, hepatite aguda, pancreatite, doenças sistémicas endócrinas, ou mesmo sinais
clínicos de desequilíbrios acido-base ou eletrolíticos; é considerado importante realizar
hemograma, analises bioquímicas sericás e urianálises. Outras análises que podem ser
consideradas relevantes são a lípase c específica para o diagnóstico de pancreatite,
abdominocentese, ou testes relativos à presença de endocrinopatias.
Caso haja suspeitas de parasitismo é considerada útil a realização de testes de
flutuação fecal, ou através de esfregaço direto23,24
.
31
Relativamente à imagiologia, destacam-se a ecografia abdominal e a radiografia
abdominal, que estão indicadas nos casos em que o paciente apresente dor abdominal
considerável, casos esse que podem requerer intervenção cirúrgica, destacando-se a
existência de corpos estranhos como uma ocorrência comum. Existe sempre a possibilidade da
presença de fluido ou gás dificultar o diagnóstico correto, devendo nesses casos os exames
serem repetidos23
.
O tratamento pode se considerar como sendo sintomático quando diz respeito a
gastroenterite aguda primária, isto é, na ausência de patologias subjacentes que estejam
mimetizando sinais clínicos semelhantes, visto que nesses casos o tratamento recomendado é
para a patologia primária e não para uma gastroenterite secundária. Assim sendo o tratamento
recomendado inclui protetores gástricos, antieméticos, probióticos, e uma dieta adequada a um
sistema digestivo com funcionamento sub-otimo23
.
O tratamento antiemético pode ser feito recorrendo a vários tipos de fármacos, sendo
que em casos refratários a apenas um tipo de antiemético podem merecer o uso combinado de
vários fármacos. Destacam-se pelo seu uso na prática clínica o ondansetron administrado 0.5–
1 mg/kg PO a cada 12-24 horas ou IV na dose de 0,5mg/kg inicialmente, seguida de uma
infusão contínua de 0,5mg/kg/h durante seis horas, o maropitant na dose de 1 mg/kg SC cada
24 horas, e ainda a metoclopramida na dose de 0.25 a 0,5 mg/kg SC, IV, IM ou PO cada 12
horas ou 0,17-0,33 mg/kg IV, IM, SC ou PO a cada oito horas, podendo ainda considerar-se
necessário como CRI (continuous rate infusion) 1–2 mg/kg/dia IV quer em cães quer em
gatos23,25
.
Está contraindicado o tratamento antiemético quando houver suspeita ou confirmação
de corpo estranho, e o tratamento não deve ter duração mais longa do que três dias uma vez
que após essa duração considera-se que o antiemético está apenas a mascarar a existência
de outra patologia subjacente23
.
Relativamente aos protetores gástricos destacam-se: o sucralfato na dose de 250 mg
PO cada 8-12 horas em gatos, podendo esta dose ir até 2g em cães com mais de 20 kg;
famotidina na dose de 0,5 a 1mg/kg PO a cada 12 horas e a ranitidina na dose de 2 mg/kg IV,
SC ou PO a cada 8-12 horas em cães e gatos; e ainda o omeprazol e pantoprazole
respetivamente nas doses de 1 mg/kg PO cada 12 horas e 0,7 a 1 mg/kg IV a cada 24
horas23,25
.
A administração de probióticos é também útil no tratamento de diarreias, uma vez que
a microbiota normal do animal muitas vezes se encontra comprometida, o restabelecimento do
microbioma contribui para a manutenção da homeostase intestinal e absorção de nutrientes,
exercendo efeitos positivos na proteção do epitélio e levando a uma melhoria das funções
imunológicas, modulando a resposta inflamatória26
.
32
Existem várias preparações probióticas comercialmente disponíveis, assinalando-se,
contudo, a distinção entre preparações para cães e para gatos.
A antibioterapia reserva-se para os casos em que haja leucocitose, pirexia, em que
esteja identificado um patógeno específico ou em pacientes imunodeprimidos.
A dieta a administrar em pacientes que sofram desta afeção deve ser indicada para tal,
existindo para esse propósito várias alternativas comerciais disponíveis, sendo que esta deve
ser altamente digestível para contrariar efeitos de má absorção, e possivelmente contendo fibra
fermentescível favorecendo a função colónica23
.
Como já foi referido a fluidoterapia é de elevada importância, sendo que permite repor
as perdas sofridas, estando para tal indicada uma solução de cristaloides como por exemplo
lactato de Ringer, sendo esta aplicada na maioria dos pacientes. Caso o animal sofra de
desequilíbrios eletrolíticos a solução pode ainda ser suplementada nos eletrólitos em
carência23
.
33
2.2.2.5. Infeciologia e Parasitologia
A especialidade de infeciologia e parasitologia foi a terceira mais frequente,
representada por 45 casos (12,3% do total de casos da clínica médica) (Tabela 3). A patologia
mais observada foi a coriza felina com 15,56% dos casos. Em segundo lugar as afeções mais
frequentes foram FeLV com 13,33% dos casos e a leptospirose e traqueobronquite infeciosa
com 11,11% dos casos (Tabela 9).
Tabela 9 – Distribuição da casuística de infeciologia e parasitologia por família (n=45).
Infeciologia e Parasitologia
Fip (casos)
Fi (casos) fr (%) Canídeos Felídeos
Babesiose 1 0 1 2,22
Coriza 0 7 7 15,56
Dermatofitose 0 2 2 4,44
Esgana 1 0 1 2,22
Imunodeficiência felina (FIV) 0 2 2 4,44
Leishmaniose 3 0 3 6,67
Leptospirose 5 0 5 11,11
FeLV 0 6 6 13,33
Micoplasmose 0 1 1 2,22
Panleucopénia 0 4 4 8,89
Parvovirose 4 0 4 8,89
Sarna demodécica 1 0 1 2,22
Sarna otodécica 3 0 3 6,67
Traqueobronquite infeciosa 5 0 5 11,11
Total 23 22 45 100,00
A coriza felina é uma doença infeciosa comum na prática clínica, na grande maioria dos
casos é auto-limitante, mas em alguns animais os sinais clínicos tornam-se crónicos ou
recorrentes. Possui elevada morbilidade, afetando principalmente animais jovens,
imunodeprimidos ou em ambientes cuja densidade populacional é elevada27,28
.
34
Cerca de 90% dos casos de coriza são causados pelo herpesvírus felino – 1 (HVF – 1)
e pelo FCV, apesar de também existirem outros agentes primários como a Bordetella
bronchiseptica ou a Chlamydophila felis, verificando-se com frequência infeções mistas28–31
.
O FCV é um pequeno vírus de RNA não encapsulado. Contudo existem diferenças
antigénicas entre os calicivirus felinos isolados, o que cria dificuldades consideráveis em
maximizar a protecção cruzada das respectivas vacinas32
.
As manifestações clínicas mais comuns da coriza são espirros, febre, corrimento nasal
seroso a mucopurulento, conjuntivite, corrimento ocular, hipersalivação, inapetência e
desidratação devido ao desenvolvimento de rinite, faringite e queratoconjuntivite33
.
Dependendo dos agentes envolvidos e da gravidade da infeção podem ainda surgir úlceras
corneanas, pneumonia, úlceras na cavidade oral e poliartrite27
.
O diagnóstico de coriza baseia-se geralmente nos dados da anamnese e do exame de
estado geral27
. Através dos sinais clínicos pode alcançar-se um diagnóstico etiológico
presuntivo, por exemplo, espirros acompanhados de sinais respiratórios e conjuntivais graves
podem indicar HVF – 1, tal como a existência de úlceras orais sugerem uma infeção por FCV.
Mas, de forma a confirmar o diagnóstico etiológico, é necessário recorrer a métodos
complementares de diagnóstico28
.
O isolamento do vírus através de cultura de células a partir de esfregaços orofaríngeos
ou conjuntivais é tipicamente usado para diagnóstico de infeções por HVF-1 e FCV, tal como a
imunofluorescência, especialmente para o HVF-1. Mais recentemente a reação em cadeia da
polimerase (PRC, Polymerase Chain Reaction) é considerado o método de diagnóstico mais
aconselhado para o diagnóstico de HVF-1, por ser significativamente mais sensível,
principalmente em casos crónicos. O recurso ao PCR também permite que o laboratório
preveja se o HVF-1 é a causa de sinais agudos ou mais crónicos da infeção, através da
estimativa da quantidade viral32
.
Para o diagnóstico de FCV também são utilizadas reações em cadeia da polimerase
em tempo real (RT-PCR, Real Time Polymerase Chain Reaction), mas em alguns casos pode
ser menos sensível que o isolamento em grande parte devido à variabilidade entre as estirpes
e a dificuldade de encontrar primers32
.
O recurso a estes métodos por norma justifica-se em gatis, abrigos e criadores de
gatos, onde o conhecimento do agente etiológico contribui para a elaboração de estratégias de
maneio, e em casos individuais que não respondam à terapêutica sintomática convencional ou
que manifestem episódios recorrentes de coriza34
.
O tratamento primário passa pela a terapia de suporte, ou seja, a remoção de secreção
nasais e oculares de forma a encorajar a alimentação e se necessário uma comida mais
palatável. Em casos de congestão nasal grave é aconselhada a utilização de
35
descongestionantes tópicos como a fenilefrina e a oximetazolina e em manifestações crónicas,
os agentes mucolíticos (como a bromexina) podem ser úteis. Outra forma bastante eficaz de
eliminar secreções em excesso é a realização de nebulizações e flush nasais27
.
Os animais com sintomatologia grave poderão necessitar de ser hospitalizados, de
fluidoterapia, de tratamento ocular adequado e da instituição de antibioterapia de largo
espectro (por exemplo amoxicilina), sempre que uma infeção bacteriana esteja claramente
presente27,28,32
.
As vacinas contra o HVF-1 e o FCV encontram-se disponíveis há vários anos, sendo
que existe ainda uma vacina intranasal para a B. bronchiseptica e uma vacina parenteral contra
C. felis, mas estas apenas se recomendam em situações de risco muito elevado, como é o
caso dos animais que vão para um gatil27,28
.
Além da profilaxia médica, é necessário ter atenção às medidas de profilaxia sanitária,
que são especialmente importantes em locais com uma grande densidade de animais.
Adicionadas à vacinação, a separação dos animais mais jovens, isolamento dos indivíduos
infetados, limpeza e desinfeção corretas das instalações e a ventilação adequada do ambiente
devem ser medidas a adotar27
.
36
2.2.2.6. Nefrologia e Urologia
A nefrologia e urologia foi a segunda especialidade mais observada, com 62 casos
(16,58% do total de casos da clínica médica) (Tabela 3). As patologias mais observadas foram
a doença renal crónica (DRC) (38,71%) e a infeção do trato urinário (22,58%) afeções que
surgem comummente associadas principalmente em felinos (Tabela 10).
Tabela 10 – Distribuição da casuística de nefrologia e urologia por família (n=62).
Nefrologia e Urologia
Fip (casos) Fi
(casos) fr (%)
Canídeos Felídeos
Cistite idiopática felina 0 3 3 4,84
Doença renal aguda 1 4 5 8,06
Doença renal crónica 6 18 24 38,71
Hidronefrose 1 0 1 1,61
Infeção do trato urinário 5 9 14 22,58
Obstrução urinária 0 7 7 11,29
Pielonefrite 2 1 3 4,84
Urolitíase 1 4 5 8,06
Total 16 46 62 100,00
A DRC é uma patologia causadora de morbilidade e mortalidade que é cada vez mais
observada no quotidiano de um CAMV, especialmente em animais mais idosos e em particular
associada à espécie felina11,35
. A DRC é definida como uma diminuição sustentada da função
renal por pelo menos três meses35
.
A The Internacional Renal Interest Society (IRIS) estima que 1-3% de todos os gatos e
0,5% a 1,5% de todos os cães desenvolvem esta patologia. Assim sendo, esta sociedade que
foi criada para auxiliar os médicos veterinários no entendimento, diagnóstico e tratamento da
doença renal em pequenos animais desenvolveu um grupo de guidelines para a classificação e
tratamento da doença renal11
.
Os animais com mais idade, predisposição racial, pacientes com lesão renal aguda
prévia ou pacientes que estiveram ou estejam a fazer medicação nefrotóxica devem ter a sua
função renal avaliada de forma a detetar doença renal precocemente36
.
Após o diagnóstico, o estadiamento da DRC segundo a IRIS baseia-se na
concentração de creatinina sérica, proteinúria renal e PA sistólica, nesta ordem11
.
37
A utilização destes parâmetros em conjunto para deteção da DRC, ao invés de apenas
a creatinina sérica, justifica-se pelo facto de a creatinina sérica ser um marcador da função
renal relativamente insensível, por exemplo, animais no início da DRC que têm a concentração
de creatinina ainda dentro dos valores de referência estabelecidos poderão já ter índices de
filtração glomerular algo reduzidos11,36,37
.
A concentração sérica de creatinina é o primeiro parâmetro a que se deve recorrer para
o estadiamento da DRC devendo realizar-se apenas em animais bem hidratados e com a
doença estabilizada, ou seja animais com variação da creatinina sérica inferior a 20% durante
pelo menos duas semanas11,36
.
Após estadiar a DRC através da concentração da creatinina sérica, a presença ou
ausência de proteinúria renal é próximo parâmetro a considerar11
. A proteinúria renal, que pode
ter origem glomerular e/ou tubular, é um fator de risco importante para o desenvolvimento de
azotemia nos gatos e resultando na diminuição da esperança média de vida do animal. Um
rácio proteinúria:creatinúria (rácio UPC) superior a dois sugere a existência de proteinúria de
origem glomerular, que é rara em gatos comparativamente a cães11
.
A proteinúria renal é considerada persistente quando existe em pelo menos dois testes
positivos com dez a catorze dias de intervalo, associados a sedimento inativo. Uma vez que o
rácio UPC não diferencia proteinúria renal de proteinúria associada a inflamação do trato
urinário inferior é importante observar o sedimento de forma a garantir que o mesmo é inativo e
que estamos na presença de verdadeira proteinúria11,38
.
Em pacientes com proteinuria borderline, por norma é indicativa de desenvolvimento futuro de
DRC com azotémia pelo que estes animais devem ser monitorizados36
.
A PA sistólica é o último parâmetro no qual a classificação da DRC segundo a IRIS se
baseia. O recurso à PA sanguínea para este subestadiamento baseia-se em parte no risco de
dano ocular, cerebral, cardíaco e renal, uma vez que o rim é um dos principais órgãos para o
dano hipertensivo. Desta forma o diagnóstico e controlo da hipertensão sistémica é
fundamental para o maneio da DRC11,36
.
Para a correta medição da PA seria aconselhável a realização de medições de pressão
arterial em dias diferentes, mas é aceitável a medição de duas medições na mesma visita com
um mínimo de duas horas de intervalo11,36
.
Além dos três parâmetros acima descritos, atualmente a IRIS recomenda também a
medição das concentrações de SDMA (dimetilarginina simétrica), uma vez que a interpretação
dos valores de SDMA em conjunto com as concentrações de creatinina, permite aumentar a
sensibilidade na deteção da doença renal11,36
. Esta recomendação acontece, pois estudos
feitos em cães e gatos sugerem que através da medição de SDMA foi possível detetar
anomalias na função renal de animais, nos quais a creatinina sérica ainda se encontrava dentro
dos valores padrão11,36,37
. Este biomarcador parece então ser um teste de diagnóstico superior
38
aos métodos gold standard na determinação da taxa de filtração glomerular (TFG), pois o
SDMA é primariamente eliminado através de excreção renal, sendo portanto um marcador
endógeno da TFG11,36,37
.
Após a identificação e estadiamento da DRC a abordagem diagnóstica concentra-se
em três áreas: caracterização da doença renal primária e/ou complicações do progresso da
doença; caracterização da estabilidade da doença e função renal e caracterização dos
problemas associados à diminuição da função renal (Tabela 11)11
.
Em pacientes nos estadios iniciais a caracterização da doença renal primária e/ou
complicações do processo da doença e a estabilidade da doença são a prioridade uma vez que
nestes estadios da doença o tratamento apropriado tem maior potencialidade para melhorar ou
estabilizar a função renal. Já nos estádios mais tardios da DRC, a caracterização dos
problemas do paciente assume maior importância, pretendendo-se que o paciente tenha a
melhor qualidade de vida possível11
.
Na maioria dos pacientes a terapêutica passa pela proteção contra futuros danos
renais, através da diminuição da ingestão de fósforo na dieta, o que permite a diminuição do
fósforo sérico; recorrendo a IECAs, antagonistas dos canais de cálcio (CCA) e bloqueadores
dos recetores da angiotensina (BRA) para normalizar as pressões sistémicas e
intraglomerulares e reduzir a proteinúria; e potencialmente, suplementação de calcitriol11,38
.
Os pacientes com DRC devem iniciar uma dieta renal e os seus tutores devem
assegurar que os seus animais mantêm uma ingestão contínua de calorias e de todos os
nutrientes necessários, de forma a conservarem a condição corporal e preservarem a massa
muscular38
.
A IRIS aconselha uma transição gradual ao longo de algumas semanas, geralmente
durante um período de uma a duas semanas, da alimentação habitual do paciente para uma
dieta renal de forma a evitar possíveis aversões à nova dieta. A aceitação de mudanças na
dieta é usualmente mais fácil nos estádios iniciais da DRC, pois nesta altura o apetite dos
pacientes ainda está normal. Em pacientes em estádios mais avançados de DRC a transição
para dieta renal deve ser feita durante três a seis semanas11,38
.
A redução da ingestão de fósforo é um dos principais objetivos de tratamento para
animais com DRC estadio 2,3 e 4 e é conseguido primariamente através de dietas renais11,38
.
Em pacientes no estadio 2 da DRC a restrição de fósforo na dieta pode ser o suficiente para
normalizar os níveis de fosfato plasmático, no entanto em pacientes nos estádios 3 e 4
normalmente é necessária a adição de quelantes de fósforo orais38
.
Os quelantes entéricos de fósforo são a segunda linha de ação em animais que mesmo
com a dieta renal, apresentem valores de fósforo sérico> 4,6 mg/dL. Estes quelantes de fósforo
devem ser sempre administrados juntamente com a alimentação com o objetivo de estarem
39
presentes no intestino simultaneamente. A quantidade de quelante de fósforo necessária para
atingir os objetivos delineados pelas IRIS relativamente à concentração de fósforo sérico varia
com a quantidade de fósforo da dieta e com o estadio da DRC11
.
Além da restrição em fósforo a maioria das dietas renais contém ainda quantidades
reduzidas de proteína e sal, sendo suplementadas com omega-3 e alcalinizadas de forma a
compensar a acidose metabólica associada à DRC. As dietas renais felinas são ainda
suplementadas com potássio11,38
.
A quantidade ideal de proteína a administrar em pacientes com DRC é ainda
desconhecida, mas a sua redução é aconselhada, pois acredita-se melhorar os sinais clínicos
associados à uremia em estadios mais avançados e tem um papel de modulação da proteinúria
desde os estádios iniciais da DRC38
.
As dietas renais, especialmente as felinas, são suplementadas com potássio de forma
a prevenir uma hipocalémia significativa, que pode desenvolver-se nos pacientes com DRC
devido ao aumento da sua excreção, redução da ingestão alimentar e ativação do sistema
renina-angiotensina-aldosterona. Nos gatos a hipocalémia pode te rum impacto maior na
qualidade de vida devido à fraqueza muscular associada38
.
Os objetivos finais para tratamento anti-hipertensivo e tratamento anti-proteinúrico são
uma pressão arterial sistólica <160 mm Hg e um rácio UPC <0,4 em gatos e <0,5 em cães.
Com a salvaguarda que uma redução para menos de 50% da UPC da linha de base é uma
resposta aceitável ao tratamento11
.
Em casos de hipertensão e/ou proteinúria refratária ao tratamento com IECAs é
recomendada a duplicação da dose administrada, a combinação com um CCA ou ainda a
substituição do IECA por um BRA. A utilização conjunta de IECAs e CCAs é frequentemente
recomendada devido ao facto dos CCA aparentemente possuírem uma função reguladora no
sistema renina-agiotensina-aldosterona11
.
A suplementação com calcitriol (0,5-1 ng/Kg PO separado das alimentações) em
pacientes no estadio 2 da DRC é um tratamento potencialmente renoprotector em cães, mas
não comprovado em gatos 11,38
.
O seguimento regular do paciente com monitorizações em série após o início do
tratamento permite aos clínicos modificar o tratamento com base na resposta do animal11
.
40
2.2.2.7. Neurologia
A neurologia foi uma das especialidades com menor ocorrência no decurso do estágio
curricular, sendo a décima, com apenas 16 casos (4,28% do total de casos da clínica médica)
(Tabela 3).
Tabela 11 – Distribuição da casuística de neurologia por família (n=16).
Neurologia
Fip (casos) Fi
(casos) fr (%)
Canídeos Felídeos
Automutilação de membro posterior devido a hiperalgesia
1 0 1 6,25
Convulsões de causa indeterminada 1 0 1 6,25
Encefalopatia hepática 1 0 1 6,25
Epilepsia primária 1 2 3 18,75
Hérnia discal 1 0 1 6,25
Meningoencefalite responsiva a corticosteroides 1 0 1 6,25
Síndrome de Horner 0 1 1 6,25
Síndrome vestibular 3 1 4 25,00
Síndrome vestibular geriátrica idiopática 1 0 1 6,25
Traumatismo crânio-encefálico 0 2 2 12,50
Total 10 6 16 100,00
Atendendo a que a esperança média de
vida dos animais aumentou ao longo dos anos, é
cada vez mais comum a visita de animais geriátricos
aos CAMV e observação de patologias típicas de
idade avançada. A doença vestibular idiopática,
também conhecida como síndrome vestibular, é
uma das patologias características dos animais
idosos, e define-se por uma perturbação não
progressiva, de início agudo, do sistema vestibular
periférico39
.
O sistema vestibular é o principal
componente do sistema nervoso responsável pela
orientação espacial bem como no que respeita à gravidade, controlando assim o equilíbrio,
Figura 2 – Canídeo com síndrome
vestibular geriátrica (Fotografia original)
41
coordenando também os movimentos da cabeça, do tronco e dos membros40–42
. As porções
centrais do sistema vestibular localizam-se nos núcleos vestibulares da medula oblonga e nas
projeções vestibulares para o cerebelo, medula espinhal e medula oblonga rostral, localizando-
se as porções periféricas no ouvido interno e consistindo em recetores ciliados de neurónios
sensoriais bipolares e axónios periféricos da divisão vestibular do VIII nervo craniano (nervo
vestibulococlear)41,42
.
A doença vestibular periférica é geralmente causada por outras patologias, mas pode
também não ter uma causa subjacente pelo que nesses casos se denomina de doença
vestibular idiopática, o que acontece mais frequentemente nos animais geriátricos39,40,42
. As
afeções comumente responsáveis pela síndrome vestibular secundária são infeções dos
ouvidos, pólipos, neoplasias do ouvido médio e/ou interno e mais raramente devido a afeções
congénitas, problemas vasculares, toxicidade medicamentosa, parasitas sanguíneos e doenças
endócrinas40,42
.
A síndrome vestibular é frequentemente relatada em cães e gatos, manifestando-se
com mais frequência em canídeos de médio a grande porte, com mais de oito anos, e em gatos
adultos39,40
. Atualmente o mecanismo fisiológico da síndrome vestibular idiopática é
desconhecido, no entanto existem duas propostas possíveis para patofisiologia39
. Suspeita-se
que poderá existir um fluxo anormal de fluído endolinfático nos canais semicirculares do ouvido
interno, secundariamente a perturbações na produção, circulação ou absorção de fluído39
. Da
mesma forma, uma possível intoxicação dos recetores vestibulares ou inflamação da porção
vestibular do nervo vestibulococlear (nervo craniano VII) poderá ser a causa39
.
A síndrome vestibular manifesta-se geralmente por sinais de disfunção vestibular
periférica de início agudo, usualmente unilaterais, mas ocasionalmente bilaterais, sendo
reportado pelos tutores um início súbito de desequilíbrio, desorientação, ataxia assimétrica,
relutância em levantar-se e, geralmente, inclinação da cabeça, andar em círculos e
movimentos oculares irregulares39,40,42
. Alguns animais mais gravemente afetados rebolam
sobre eles próprios sem se conseguirem levantar40
. Estas manifestações podem ser
precedidas ou acompanhadas por náuseas e vómito39
.
Ao realizar o exame de estado geral, o veterinário depara-se com um cão com uma
inclinação da cabeça ligeira a marcada para o lado da lesão. Ocasionalmente a lesão é
bilateral, estando o animal com movimentos erráticos da cabeça, sem inclinação da cabeça ou
com leve inclinação na direção do lado mais afetado. O nistagmos anómalo (em repouso) é
comum nos estágios iniciais da doença. Normalmente está presente uma leve a acentuada
desorientação e ataxia vestibular com tendência a inclinar-se ou cair na direção da inclinação
da cabeça. Com doença grave o paciente pode estar relutante em ficar de pé e pode ter outros
problemas (por exemplo, displasia da anca), dificultando a avaliação da marcha. A surdez pode
42
estar presente, podendo não estar associada à síndrome vestibular, mas apenas ao
envelhecimento39
.
O diagnóstico faz-se normalmente através da história e sinais clínicos e distingue-se
das outras causas de défices vestibulares, principalmente, pelo início agudo e geralmente
melhoria rápida sem tratamento específico39,40,42
. Deve sempre descartar-se a existência de
outras patologias, como otite média e interna, utilização de drogas ototóxicas, trauma e
neuropatia hipotiroideia através da anamnese e exames complementares de diagnóstico39,42
.
As análises laboratoriais apresentam-se geralmente normais, podendo existir
hemoconcentração secundária a desidratação, quando presente, e também manifestações de
doença renal e hepática associadas ao estado geriátrico39
.
Geralmente os exames complementares imagiológicos, como radiografia, tomografia
computorizada ou ressonância magnética, são utilizados como recurso para descartar outras
causas para os défices vestibulares39
.
O tratamento é direcionado à causa primária sempre que a mesma esteja presente,
visto que não há terapia específica para a disfunção neurológica42
. O internamento
normalmente só é necessário quando o paciente não está ambulatório ou necessita de fluídos
intravenosos para reidratação durante os estádios iniciais da doença. Os pacientes devem ser
mantidos com atividade restrita dependente do grau de desorientação e ataxia vestibular e nos
casos mais graves a fisioterapia pode ser necessária inicialmente39
.
O recurso a drogas antieméticas como dimenidrinato (4-8 mg / kg PO, IM, IV a cada 8
horas) ou a meclizina HCl (25 mg PO a cada 24 horas) ou maropitant (8mg/kg SC, IV a cada 24
horas) podem ser utilizadas quando exista vómito. Em casos de desorientação grave e ataxia é
aconselhada a utilização de sedativos, como o diazepam (2-10 mg / cão PO ou IV a cada 8
horas) ou a acepromazina (0,02-0,05 mg / kg IM, SC, IV até um máximo de 2 mg)25,39
.
Os antimicrobianos são recomendados quando as otites médias e internas não podem
ser descartadas. O trimetoprim-sulfamida (15 mg / kg PO a cada 12 horas ou 30 mg / kg PO a
cada 12-24 horas), cefalosporina de primeira geração (por exemplo, cefalexina 10-30 mg / kg
PO a cada 6-12 horas) ou amoxicilina com ácido clavulânico (12,5 mg / kg PO q12h) são
exemplos de antibióticos a utilizar39
.
Após estabilização inicial o paciente deve ser seguido no CAMV e o tutor deve estar a
par que, embora os sinais iniciais possam ser alarmantes e incapacitantes, o prognóstico para
a rápida melhoria e recuperação é muito bom39
.A maioria dos pacientes retorna ao normal em
duas a três semanas e a inclinação da cabeça e ataxia melhoram significativamente em sete a
dez dias, uma leve inclinação da cabeça pode persistir. Se esta melhoria não ocorrer deve
investigar-se ao pormenor outras causas de doença vestibular periférica39
.
43
A recorrência da síndrome vestibular não é comum, no entanto episódios repetidos de
doença vestibular geriátrica podem ocorrer no mesmo lado ou no lado oposto. O stress pode
despoletar um breve retorno dos sinais39
.
2.2.2.8. Oftalmologia
Na área da oftalmologia foi possível assistir 29 casos (7,75% do total de casos da
clínica médica), sendo esta a sexta mais abordada (Tabela 3). A conjuntivite foi a afeção mais
observada (37,93%), sucedida pelo entrópion (13,79%) que é cada vez mais comum na clínica
médica devido ao número crescente de animais de raça com a predisposição a este tipo de
patologia como (Tabela 12).
Tabela 12 – Distribuição da casuística de oftalmologia por família (n=29).
Oftalmologia
Fip (casos) Fi
(casos) fr (%)
Canídeos Felídeos
Avulsão da terceira pálpebra 0 1 1 3,45
Cataratas 3 0 3 10,34
Conjuntivite 4 7 11 37,93
Desmetocelio 1 0 1 3,45
Entrópion 3 1 4 13,79
Glaucoma 1 0 1 3,45
Protusão da glândula da terceira pálpebra
1 0 1 3,45
Queratoconjuntivite 2 0 2 6,90
Úlcera corneana 2 0 2 6,90
Uveíte 2 1 3 10,34
Total 19 10 29 100,00
A conjuntiva é a membrana mucosa vascularizada, fina e transparente, que reveste a
porção anterior da esclera - conjuntiva bulbar -, o interior das pálpebras - conjuntiva palpebral -,
e a terceira pálpebra43–45
. Esta membrana tem como funções proteger a superfície do olho de
agentes externos e manter a lubrificação ocular através da produção de muco43
.
A conjuntivite, patologia comum em gatos, é portanto a inflamação da conjuntiva,
afeção que pode ser primária ou secundária a outras doenças oftálmicas44–46
. A conjuntivite
primária ocorre frequentemente devido a alergias e agentes infecciosos44,45
.
44
A etiologia das conjuntivites apresenta diferenças de acordo com a espécie felina ou
canina44
. Em cães a conjuntivite é frequentemente secundária a uma diminuição na produção
de lágrimas ou a alergias sistémicas, sendo as conjuntivites infeciosas, nomeadamente por
herpesvírus canino, esgana ou adenovírus canino - 2, raras45,46
. Em raças de cães com maior
incidência de afeções dermatológicas (p.ex. atopia) ou doenças imunomediadas são mais
observáveis queratoconjuntivites secas e conjuntivites alérgicas45
.
Nos gatos a conjuntivite infeciosa é a mais comum, e está associada quase sempre a
FHV; esta infeção é muitas vezes auto-limitante na natureza46
. Geralmente são observadas em
animais jovens, geriátricos, animais de “raça pura”, imunodeprimidos e/ou stressados. A
existência concomitante de FIV e/ ou FeLV pode predispor o animal para conjuntivites crónicas
por FHV44
. As conjuntivites associadas a FHV são frequentemente associadas a sinais
respiratórios superiores46
.
Em ambas as espécies a existência de uma conjuntivite bacteriana surge quase
sempre associada a uma causa primária, como a queratoconjuntivite seca nos cães,
Chlamydophila felis e Mycoplasma spp em gatos44,45
. Tanto em cães como em gatos, pode
surgir a forma de conjuntivite neonatal, em que há acumulação de exsudados sob as pálpebras
fechadas antes da abertura natural das mesmas44,45
.
As conjuntivites com causa imunomediada estão frequentemente associadas a
doenças autoimunes mas também a causas alérgicas em ambas as espécies44,45
. As
conjuntivites por trauma também são habituais, por exemplo por corpo estranho conjuntival,
entrópion, ectropion, massa palpebral ou alterações dos cílios palpebrais, pelo que se deve
sempre avaliar a zona peri-conjuntival no exame ocular44,45
.
Os sinais clínicos de conjuntivite são blefarospasmo, hiperemia conjuntival, descarga
ocular (serosa, mucoide ou mucopurulenta), quemose, formação de folículos na superfície da
terceira pálpebra, enoftalmia e elevação da terceira pálpebra44–46
.
O diagnóstico faz-se principalmente através do exame oftalmológico completo e exame
anexial completo, que permitem também descartar outras potenciais doenças (por exemplo,
uveíte e glaucoma)44,45
. No exame oftalmológico deve avaliar-se o tamanho e simetria da
pupila, reflexo aquoso, realizar o teste lacrimal de Schirmer, o teste de fluoresceína e ainda
sempre que possível medir a pressão intraocular. O teste de Schirmer permite descartar
a existência de queratoconjuntivites secas e deve realizar-se antes de qualquer aplicação
ocular. Por sua vez o teste de fluoresceína permite-nos avaliar a superfície da córnea e
também a integridade do canal nasolacrimal, sempre que não haja qualquer afeção deste canal
a coloração esverdeada será também visível nas narinas do animal44,45
.
O exame anexial completo deve realizar-se de forma a descartar a existência de
alterações como paralisia do nervo facial, anomalias palpebrais, a nível dos cílios e pelo e
presença de corpo estranho44,45
.
45
A citologia conjuntival, cultura bacteriana e teste de sensibilidade e a biópsia conjuntival
não são prática corrente como exames de diagnósticos primários nos CAMV, mas podem ser
úteis em situações particulares em que há suspeita de uma causa primária ou em casos de
conjuntivites recidivantes, permitindo ao médico veterinário um diagnóstico definitivo e um
tratamento mais direccionado44,45
. Geralmente o hemograma, análises bioquímicas e urianálise
encontram-se normais exceto quando existe uma afeção sistémica45
.
No caso dos gatos é aconselhado o despiste de FIV/FeLV, descartando-se o estado
subjacente de imunocomprometido. Por sua vez nos cães a realização de testes intradérmicos
pode ser benéfica na suspeita de conjuntivite alérgica44,45
.
O tratamento da conjuntivite é na maioria das vezes feito com a aplicação tópica de
soluções e pomadas oculares, além da colocação de um colar isabelino no animal de forma a
evitar trauma futuro. O tutor deve ser instruído sobre os passos do tratamento; deve ser
realizada sempre uma boa limpeza dos olhos e só depois a administração de medicação,
atendendo ao facto de que as soluções devem ser aplicadas antes das pomadas, com pelo
menos cinco minutos de intervalo.
Sempre que se verifique uma conjuntivite secundária é essencial corrigir a afeção
primária por via medicamentosa ou até mesmo cirúrgica em casos como entrópion, neoplasia
conjuntival ou sequestro de córnea. Nos casos de conjuntivites infeciosas deve também
separar-se animais doentes dos animais saudáveis44,45
.
O tratamento das conjuntivites varia consoante a causa44,45
. Em gatos com conjuntivites
infeciosas por FHV são indicados cuidados de suporte com uma pomada antibiótica tópica para
prevenir infeções bacterianas secundárias44,46
. Em gatos com o sistema imunitário mais
fragilizado a terapia antiviral é frequentemente necessária, o tratamento podendo ser tópico ou
oral46
. O gamciclovir é um dos fármacos indicados e pode ser aplicado topicamente no mínimo
três vezes ao dia44,46
. O tratamento deve ter duração de duas a três semanas, consoante os
sinais clínicos46
. Outros fármacos utilizados no tratamento desta afeção e também de
conjuntivites por herpesvírus canino são a solução de cidofovir a 0,5% a cada doze horas
tópico, solução de idoxuridina a 0,1% ou 0,5% de pomada a cada quatro horas, vidarabina 3%
pomada a cada quatro horas ou lisina via oral a cada doze horas44,45
.
No caso das conjuntivites bacterianas o tratamento inicial passa pela aplicação de
antibiótico triplo tópico de largo espectro a cada seis a oito horas, terminando apenas alguns
dias após a resolução dos sinais clínicos. Se a resolução não acontecer é aconselhada a
cultura bacteriana e tratamento consoante resultados dos testes de sensibilidade microbiana45
.
Os corticosteroides tópicos devem ser evitados em ulcerações da córnea, bem como
em afeções com alta probabilidade de ulceração (tais como entrópion ou queratoconjuntivite
seca) e suspeita ou presença de conjuntivites infeciosas, pois o seu uso predispõe a ulceração
da córnea. Pelo mesmo motivo todos os pacientes que começam a ser tratados com
46
corticosteroides tópicos devem ser monitorizados de perto para sinais de ulceração
corneana44,45
.
Os pacientes com conjuntivite devem ser reavaliados cerca de cinco dias após o início
do tratamento e passadas duas semanas ou conforme a sintomatologia apresentada. Os
tutores devem ser instruídos para entrar em contacto se a condição não melhorar ou piorar44,45
.
A conjuntivite é uma afeção com bom prognóstico quando a causa adjacente é
identificada e tratada com sucesso. Nos casos de conjuntivites subjacentes a doenças
imunomediadas a cura muitas vezes não é possível pelo que poderá ser necessário tratamento
crónico de forma a poder manter a doença sob controlo. Nas conjuntivites por herpesvírus a
maioria dos pacientes tornam-se portadores crónicos, pelo que podem ocorrer conjuntivites
episódicas ao longo do tempo, apesar de se tornarem menos comuns. Nestes pacientes é
aconselhado evitar situações de stress e que comprometam a imunidade, pois predispõe para
o ressurgimento dos sinais clínicos44,45
.
47
Figura 3 – Canídeo com linfoma
cutâneo (Fotografia original)
2.2.2.9. Oncologia
A tabela 13 representa a casuística acompanhada na
área da oncologia, foi a oitava área mais acompanha com 19
casos (5,08% do total de casos da clínica médica). Os casos
oncológicos acompanhados foram substancialmente
superiores em cães, relativamente aos gatos.
Os tumores com origem no tecido mamário foram os
mais frequentes em ambas as espécies, representando
36,84% dos casos desta área (Tabela 13).
Tabela 13 – Distribuição da casuística de oncologia por família (n=19).
Oncologia
Fip (casos) Fi
(casos) fr (%)
Canídeos Felídeos
Adenocarcinoma mamário 4 3 7 36,84
Carcinoma das células escamosas 0 2 2 10,53
Fibrossarcoma 1 1 2 10,53
Hemangiossarcoma esplénico 1 0 1 5,26
Histiocitoma cutâneo 1 0 1 5,26
Linfoma cutâneo 1 0 1 5,26
Linfoma mediastínico 0 1 1 5,26
Lipoma 1 0 1 5,26
Mastocitoma cutâneo 1 0 1 5,26
Osteocarcoma 2 0 2 10,53
Total 12 7 19 100,00
As neoplasias mamárias são doenças oncológicas frequentemente observadas tanto
em cães como em gatos, sendo o tipo de neoplasia mais comum em cadelas intactas e o
terceiro mais observado em gatas47
.
Entre os fatores de risco predisponentes encontram-se a idade, a raça do animal e
exposição hormonal. Tanto em cães como em gatos esta patologia é mais frequentemente
verificada em animais a partir da meia-idade ocorrendo também em animais geriátricos47
.
48
Animais de raça pura encontram-se em maior risco, em particular das raças Poodle,
Yorkshire terrier, Chihuahua, Cocker Spaniel, Bichon Maltês, English Springer Spaniel, English
Setter, Brittany Spaniel, Pastor Alemão, Pointer, Doberman e Boxer no que respeita a cães, e
ainda nos gatos Siameses47
.
O desenvolvimento deste tipo de neoplasia correlaciona-se com a produção de
hormonas ováricas. Estas hormonas, além de causarem a proliferação do tecido mamário,
exercem efeitos genotoxicos e aumentam a probabilidade da ocorrência de mutações. Por isso
a esterilização, minimizando a exposição hormonal dos animais, reduz a ocorrência desta
patologia, em especial se efectuada antes do primeiro estro. O efeito de diminuição de risco
causado pela esterilização dos animais vai diminuindo com o número de ciclos éstricos que se
verifiquem no animal, sendo que a partir de certa idade se considera que o efeito protetor da
ovariohisterectomia é negligenciável. Essa idade é de dois anos em gatas e de quatro anos em
cadelas47,48
.
Outro fator hormonal predisponente à ocorrência deste tipo de neoplasias é a
administração de progestageneos exógenos, como é o exemplo do acetato de megestrol47
.
O diagnóstico de neoplasia mamária é inicialmente realizado recorrendo à palpação de
ambas as cadeias mamárias durante o exame físico do animal, bem como realizando
hemograma e analises bioquímicas. São palpáveis como nódulos simples ou múltiplos,
podendo ser infiltrativos dos tecidos circundantes, massas difusas, ou circunscritas, podendo
se verificar ulceração. Da abordagem diagnostica deve ainda constar a radiografia torácica
para pesquisa de metástases pulmonares. Outros locais referidos como prováveis de
metastização são os linfonodos regionais, fígado e osso47,48
.
No caso da existência de suspeita deve proceder-se à realização de punção aspirativa
por agulha fina da massa, bem como do linfonodo a qual a drene, permitindo uma análise
citológica. No entanto este tipo de análise não permite uma caracterização aprofundada da
neoplasia, devendo-se portanto recorrer à análise histopatológica, sendo que esta permite a
avaliação de critérios de malignidade, grau de diferenciação tecidular e finalmente a
classificação do tipo de massa tumoral47
.
Na grande generalidade dos casos a excisão cirúrgica é o tratamento recomendado,
podendo esta tomar a forma de nodulectomia, mastectomia simples, local (retirando se ainda o
linfonodo afetado), unilateral ou bilateral equacionando-se a escolha da técnica cirúrgica ao
imperativo de obter margens limpas47
.
A realização da cirurgia deve ser de carácter célere uma vez que a massa pode
aumentar rapidamente de tamanho, invadir o tecido circundante ou sofrer metastização47
.
O prognóstico baseia-se no resultado da histopatologia mas é pior na presença de
carcinoma inflamatório bem como quando haja metástases distantes47
.
49
2.2.2.10. Ortopedia
A ortopedia foi a sétima especialidade mais observada com 26 casos (6,95% do total
de casos da clínica médica). A maioria dos casos foram observados no âmbito da sua
resolução cirúrgica, alguns deles sendo referências para o HVAC apenas para cirurgia. A
patologia mais observada foi a rotura do ligamento cruzado cranial com cinco casos (19,23%)
(Tabela 14).
Tabela 14 – Distribuição da casuística de ortopedia por família (n=26).
Ortopedia Fip (casos)
Fi (casos)
fr (%)
Canídeos Felídeos
Discoespondilite 1 0 1 3,85
Displasia da anca 2 0 2 7,69
Espondilose 1 0 1 3,85
Fratura de bacia 0 3 3 11,54
Fratura mandibular 1 0 1 3,85
Fratura tíbia/fíbula 0 1 1 3,85
Fratura ulna/rádio 3 1 4 15,38
Luxação coxofemoral 3 0 3 11,54
Luxação patelar 1 0 1 3,85
Osteoartrite 3 0 3 11,54
Rotura do ligamento colateral lateral 1 0 1 3,85
Rotura do ligamento cruzado cranial 5 0 5 19,23
Total 21 5 26 100,00
A rotura do ligamento cruzado cranial (LCC) é uma das causas mais comuns de
claudicação nos membros posteriores dos cães apresentados nos CAMV, sendo que a rotura
do LCC uma das patologias ortopédicas mais comuns em cães e muito rara nos gatos49–52
.
A rotura do LCC pode definir-se como uma falência aguda ou progressiva do LCC,
resultando na instabilidade parcial ou completa da articulação femorotibiopatelar49,50
.
O LCC encontra-se inserido ao aspeto axial do côndilo femoral lateral, muito próximo
à margem articular, e estende-se diagonalmente através do espaço articular, ligando-se depois
50
à área intercondilar cranial do planalto ou meseta tibial. O LCC é mais estreito ao meio,
alargando proximal e distalmente, e o seu comprimento correlaciona-se com o peso do animal,
mas tendo em média de 13,5 a 18,7 mm51
.
A função do LCC inclui a restrição passiva da articulação femorotibiopatelar, limitando a
rotação interna, o deslocamento cranial da tíbia em relação ao fémur e a hiperextensão da
articulação50,51
. Em caso de rotura do LCC a musculatura em volta da articulação limita o
movimento de deslizamento cranial da tíbia50
.
Apesar de rotura do LCC ser clinicamente reconhecida em cães há mais de 50 anos os
desenvolvimentos têm-se concentrado especialmente na resolução cirúrgica do joelho instável
e não na etiopatogenia e prevenção da doença51
. Ainda assim, através dos estudos realizados,
a rotura do LCC aparenta ter uma etiologia multifatorial, contribuindo fatores genéticos e
ambientais para um maior risco.
Carga excessiva na articulação, predisposição genética, trauma, microlesões repetidas,
degenerescência progressiva com a idade, mau suprimento sanguíneo da porção central do
ligamento, inflamação imunomediada e anomalias esqueléticas (por exemplo, fossa
intercondilar estreita) são etiologias comummente propostas, sendo que das referidas a última
é a mais comum49,50,52
.
A prevalência da rotura do LCC aumenta com o avançar da idade sendo a idade média
de 7 a 10 anos quando a doença se manifesta. O facto de o animal ser de raça grande ou
gigante, a esterilização, a existência prévia de luxação da patela e a obesidade são causas
predisponentes para esta patologia; em particular animais com mais de 22 Kg apresentam
maior prevalência da doença e a sua ocorrência numa idade mais jovem. Vários estudos
apontam que determinadas raças apresentam maior incidência desta patologia,
nomeadamente Rottweiler, Labrador retriever, West Highland white terrier, Newfoundland e
Stanfforshire Terriers49,50
.
Geralmente o animal apresentar-se no CAMV com diferentes graus de claudicação,
efusão na articulação, espessamento do aspeto medial da articulação, dor e/ou crepitações,
colocando muitas vezes o membro afetado parcialmente em flexão quando em estação e, por
vezes, o paciente já apresenta mesmo atrofia muscular50
.
Além do exame físico comum devem também fazer-se o teste de gaveta e teste de
compressão tibial. Em 63% dos casos a existência de um “click” na articulação é a
manifestação de lesão no menisco.
Radiologicamente é ainda possível observar o deslocamento da tíbia em relação ao
fémur em casos de rotura do LCC e também possíveis alterações intra-articulares secundárias,
como doença degenerativa. É frequente a observação de efusão articular com distensão
51
capsular, osteófitos periarticulares, entesiófitos, fraturas de avulsão do LCC e calcificação do
LCC e/ou meniscos50
.
O método de diagnóstico de eleição na rotura do LLC é a artroscopia que permite
visualizar diretamente e ampliar todas as estruturas da articulação femorotibiopatelar50
.
O tratamento da rotura do LCC engloba cuidados de saúde e maneio, dieta,
medicação, e idealmente, cirurgia. É aconselhada a perda de peso, cerca de 10%, na maioria
dos animais, com o objetivo de diminuir o stress e a carga sobre a articulação. É indicada uma
dieta rica em ómega 3 e administração de condro protetores, pois os mesmos podem favorecer
a redução do dano na cartilagem e potenciar a sua regeneração50
.
A administração de meloxicam (de início 0,2 mg/Kg PO, a cada 24 horas; redução para
0,1 mg/Kg PO, a cada 24 horas) ou carprofeno (2,2mg/Kg PO, a cada 12 horas), anti-
inflamatórios não-esteroides, também é terapêutica recomendada de forma a aliviar a dor e a
inflamação50
.
Além desta terapêutica a cirurgia de estabilização é, geralmente, a pedra basilar da
resolução da rotura do LCC. A intervenção cirúrgica vai permitir uma recuperação mais curta,
reduzindo as alterações degenerativas futuras e melhorar a funções. Embora numerosos
procedimentos cirúrgicos estejam descritos com o objetivo de mitigar a dor e a instabilidade do
joelho que ocorrem secundariamente à rotura de LCC, a osteotomia de nivelamento do planalto
tibial ou TPLO (Tibial Plateau Leveling Osteomtomy) é considerado um dos procedimentos
ortopédicos mais comumente realizados, com o objetivo de permitir um retorno mais rápido e
mais completo à função clínica normal. A TPLO elimina a subluxação craniana da tíbia através
de uma osteotomia rotacional cilíndrica na epífise tibial proximal, diminuindo o ângulo do
planalto tibial, eliminando, assim, o desnível cranial da tíbia. Determinou-se em estudos
realizados, que os cães intervencionados apoiam o peso normal no membro num período mais
curto após cirurgia. Após a intervenção cirúrgica o paciente deve ter restrição de atividade
física, analgesia e fisioterapia, sendo habitual 2 a 4 meses de reabilitação50,53
.
Os tutores devem ser informados que lesões do menisco são consequência comum da
rotura do LCC, principalmente quando rotura é completa, quando o cão é grande e o
tratamento é tardio. A rotura do LCC contralateral ocorre em 37-48% dos pacientes49,50
.
Não obstante estes factos, cerca de 85% dos pacientes têm uma boa resolução da
patologia, independentemente da técnica cirúrgica utilizada49,50
.
2.2.2.11. Teriogenologia
Ao ramo da medicina que se dedica ao estudo do sistema reprodutor, reprodução
animal.
52
No decorrer do estágio a teriogenologia aparece como a nona especialidade mais
estudada com 17 casos (4,55% do total de casos da clínica médica) (Tabela 3).
As patologias mais registadas foram a piómetra com cinco casos (29,41%) e quatro
casos de criptorquidismo (23,53%) (Tabela 15).
Tabela 15 – Distribuição da casuística de teriogenologia por família (n=17).
Teriogenologia Fip (casos)
Fi (casos)
fr (%)
Canídeos Felídeos
Abcesso prostático 3 0 3 17,65
Criptorquidismo 2 2 4 23,53
Hiperplasia benigna da próstata 2 0 2 11,76
Hiperplasia quística endometrial 1 0 1 5,88
Piómetra 4 1 5 29,41
Pseudogestação 1 0 1 5,88
Quisto ovárico 1 0 1 5,88
Total 14 3 17 100,00
A piómetra é uma patologia reprodutiva comum em cadelas e gatas intactas54–56
. Esta
patologia é definida como uma infeção bacteriana supurativa aguda ou crónica do útero que
leva à acumulação de material purulento no lúmen do útero, ocorrendo tipicamente 2 a 8
semanas depois da ovulação, apesar de poder acontecer em qualquer fase do ciclo
éstrico54,56,57
.
A piómetra pode ser classificada em aberta ou fechada de acordo com a presença de
descarga vaginal ou não, e possui uma variedade de manifestações clínicas e patológicas,
podendo revelar-se fatal sempre que a sepsis se generalize54,57
.
É uma das desordens uterinas que mais afeta cadelas não esterilizadas, principalmente
a partir da idade média de 7 anos, sendo que até aos 10 anos de idade cerca de 25% das
cadelas intactas desenvolvem piómetra54,55,57–59
.
Em gatas a piómetra não é uma afeção tão comum, possivelmente devido ao facto de
haver menos dominância da progesterona, existência de sazonalidade e a ovulação ser
induzida. Contudo também nas gatas o risco de desenvolver a doença aumenta com a
idade54,59
.
53
A piómetra observa-se principalmente em fêmeas nulíparas e intactas, podendo
também ocorrer em fêmeas esterilizadas, nas quais pode surgir na forma de piómetra do
coto57
.
Além da idade existem também outros fatores de risco que predispõem para o
desenvolvimento de piómetra, como, maior frequência de ciclos éstricos ou outras anomalias
do ciclo (causadas por neoplasias por exemplo), anomalias congénitas (como estenoses
vaginais), endometrite, historial de aborto, mucometra, hemometra ou hidrometra e tratamentos
hormonais com progestagéneos e/ou estrogénios54,55,57
. Em cadelas existem certas raças com
maior predisposição para desenvolver piómetra, como é o caso de Rough Collies, Rottweilers,
Cavalier King Charles Spaniels, Golden Retrievers e Pastores de Berna59
.
A patogénese da piómetra é algo complexo que não foi ainda totalmente
compreendido, mas envolve fatores hormonais e bacterianos, estando esta patologia
relacionada com a exposição repetida do endométrio à progesterona durante a fase luteal do
estro54,56
.
A piómetra geralmente desenvolve-se durante o diestro, que é a fase do ciclo éstrico
em que as concentrações séricas de progesterona se encontram elevadas e os ovários têm um
corpo lúteo visível. A progesterona induz a proliferação endometrial, aumento da produção das
secreções glandulares, inibição da atividade leucocitária no endométrio e hipocontratilidade do
miométrio com estimulação do encerramento do cérvix, o que cria o ambiente ideal para a
proliferação e crescimento bacteriano59
.
O patógeno predominantemente associado à piómetra é a Escherichia coli (> 70% dos
casos), mas outras bactérias já foram também reportadas, podendo até estar presente mais do
que uma espécie bacteriana, mas até mesmo haver culturas negativas54–57
.
A gravidade dos sinais clínicos depende do facto da piómetra ser aberta ou fechada,
permitindo ou não a drenagem do fluido purulento, sendo que a piómetra aberta resulta em
sinais mais ligeiros. Os animais apresentam poliúria/polidipsia, letargia, depressão, anorexia,
vómito, diarreia, corrimento vulvar (purulento, hemorrágico ou mucoide), febre, distensão
abdominal, TRC aumentado ou mucosas escuras, taquipneia, taquicardia, sendo os últimos
associados a sepsis, síndrome de resposta inflamatória sistémica (SIRS), coagulação
intravascular disseminada (CID) ou síndrome de disfunção multiorgânica (MODS) 55,57,58
.
O meio de diagnóstico primário e de eleição de piómetra é a ecografia, na qual a
aparência do útero pode ser variável, mas por norma apresenta-se aumentado, com paredes
espessadas, com alterações proliferativas do endométrio, cornos uterinos tubulares torcidos e
distendidos por fluido e líquido luminal anecoico a hiperecoico55,56
.
A leucocitose, com neutrofilia e desvio à esquerda, monocitose e anemia regenerativa
normocítica e normocrómica são achados comuns no hemograma de fêmeas com piómetra.
54
Também a azotemia, aumento das enzimas hepáticas, hiperbilirrubinémia, hipercolesterolemia,
hiperglobulinémia, hipoalbuminénia e hiperproteinémia são achados possíveis nas bioquímicas
de animais com piómetra54,55
.
Apesar de raramente se efetuar, pode fazer-se cultura da descarga vaginal e
antibiograma57
. Caso se opte pelo tratamento médico a antibioterapia deve durar, no mínimo, 2
a 4 semanas após a evacuação uterina terminar55,57
. Após cultura do fluído, pode aplicar-se
antibioterapia com base na experiência até a obtenção dos resultados do antibiograma, que
poderão indicar uma alteração no antibiótico. Por norma recorre-se a enrofloxacina, amoxicilina
ou ampicilina ou, ainda, a amoxicilina com ácido clavulânico (sozinha ou em combinação com
fluoroquinolonas).
A realização de ovariohisterectomia é o tratamento de eleição para resolução de
piómetra e presentemente é considerado seguro e eficiente, mas o tratamento médico pode ser
uma opção viável em alguns casos49
. A gravidade da apresentação clínica (por exemplo,
piómetra aberta versus piómetra fechada, alterações do hemograma e existência de patologias
concomitantes) e o potencial reprodutivo do animal são as principais diretrizes para decidir o
tratamento a seguir54,55
.
O tratamento médico inclui administração de prostaglandinas F2-alfa, agonistas da
dopamina e antagonistas dos recetores da progesterona, isoladamente ou em combinação55
.
No caso de se optar pelo tratamento médico o animal deve ser apropriadamente acompanhado
e se a sua condição se deteriorar ou ser não for observada melhoria clínica dois dias após
início da terapêutica deve considerar-se intervenção cirúrgica55
.
A piómetra é uma patologia com prognóstico reservado a bom, dependendo do tipo de
bactéria envolvida, da presença de bacteriemia, de sepsis ou de outra doença sistémica57
. A
taxa de recorrência é de 20 a 70% em cadelas e cerca de 14% em gatas submetidas a
tratamento médico55
. A SIRS foi reportada em 50% dos casos de cadelas com piómetra e é
associada a um pior prognóstico55
.
55
2.2.2.12. Toxicologia
A toxicologia foi a segunda especialidade na qual se verificou menor número de casos,
apenas com nove ocorrências (2,41% do total de casos da clínica médica) (Tabela 3), sendo a
intoxicação por anti-inflamatórios não esteroides a mais observada (33,33%) seguida da
intoxicação por ingestão de chocolate (22,22%) (Tabela 16).
Tabela 16 – Distribuição da casuística de toxicologia por família (n=9).
Toxicologia
Fip (casos) Fi
(casos) fr (%)
Canídeos Felídeos
Intoxicação por anti-inflamatórios não esteroides
2 1 3 33,33
Intoxicação por cafeina 1 0 1 11,11
Intoxicação por canábis 1 0 1 11,11
Intoxicação por chocolate 2 0 2 22,22
Intoxicação por fipronil 0 1 1 11,11
Intoxicação por permetrinas 1 0 1 11,11
Total 7 2 9 100,00
Indiscrições alimentares por parte dos animais podem levar à ingestão de produtos
alimentares humanos tais como café, chocolate ou outros derivados do cacau. Estes contêm
na sua composição metilxantinas, teobromina no caso do chocolate e cafeína no caso do
café60
.
O tempo de absorção das metilxantinas varia entre menos de uma hora, no caso da cafeína,
e 10 horas no caso da teobromina. As metilxantinas são depois metabolizadas no fígado,
excretas na bílis e reabsorvidas devido ao ciclo entero-hepático. Estima-se que o tempo médio
de vida em cães é de 17 horas para a teobromina e de 4,5 horas para a cafeína61
.
As doses tóxicas para os animais também variam de acordo com a substância e a
espécie, sendo as seguintes:
Dose letal teobromina: Cães 250-500 mg/kg, Gatos 200 mg/kg
Dose letal cafeína: Cães 140mg/kg, Gatos 80-150mg/kg.
Atendendo que um décimo da dose letal pode na mesma ser letal para alguns
animais61
.
56
Qualquer animal independentemente da raça ou idade pode ser afetado, sendo que se
verifica menos em gatos devido aos seus hábitos alimentares serem mais discriminatórios.
Existem no entanto alguns fatores de risco, como é o caso de animais com metabolismo
hepático comprometido por condições patológicas prévias, e ainda animais com patologias
cardíacas60,61
.
Os sinais clínicos demonstrados por animais que ingerem estas substâncias são
dependentes da dose ingerida e o tempo até o aparecimento dos mesmos após a ingestão
varia consoante o tóxico ingerido60
. Sendo que leva uma a duas horas para a toxicidade por
cafeína se manifestar, enquanto leva duas a quatro horas no caso da teobromina60,61
. No
intervalo entre a ingestão e o aparecimento dos sinais clínicos os animais podem se apresentar
ao exame clínico sem alterações a reportar60
.
Os sintomas mais comuns são náusea, regurgitação, vómito, diarreia, taquipneia,
midríase; anomalias cardiovasculares tais como taquicardia, arritmias e hipertensão; poliúria,
polidipsia e incontinência urinária; sinais neurológicos tais como ataxia, tremores musculares,
convulsões tónico clónicas e hiperexcitabilidade60,61
. Em doses elevadas verifica-se colapso
cardiorrespiratório e morte do animal, por norma, cerca de 12 a 48 horas após a ingestão. A
hipertermia pode aparecer como consequência dos tremores musculares60,61
. Tipicamente os
pacientes têm vómito com vestígios da substância ingerida e diarreia, seguidos de excitação e
taquicardia61
.
Geralmente a ingestão é reportada pelos tutores ou a suspeita é levantada por emese
contendo nela chocolate ou café e evidências das embalagens60,61
. De outro modo quer
hemograma, quer análises bioquímicas séricas, quer urianálise não revelam alterações de
maior, podendo notar-se hipoglicémia ou hiperglicémia, uma fraca hipocalemia, uma densidade
urinária menor e proteinúria em alguns casos, mas não consistentemente. Através de
eletrocardiograma pode ainda verificar-se uma taquicardia sinusal, contrações ventriculares
prematuras e taquiarritmia ventricular60,61
.
Pode ainda quantificar-se a cafeína ou teobromina sérica, mas é algo que por norma
tem que ser feito a nível de laboratório externo e não dá respostas imediatas61
.
Considerando isto o diagnóstico é feito através da anamnese ou da prova da ingestão
evidenciada pela presença ou no vómito ou na diarreia60
.
O objetivo do tratamento é facilitar a excreção das toxinas e suporte sintomático60
.
Deve ser iniciada fluidoterapia tanto com o objetivo de manter a hidratação como de promover
a excreção urinária dos tóxicos60
. Os fluídos administrados podem ser suplementados com
potássio se necessário para correção dos distúrbios eletrolíticos causados pelo vómito61
.
A emese pode ser induzida recorrendo à apormorfina (0,03mg/Kg IV) ou à água oxigenada 3%
(1-3 ml PO), caso haja ingestão de cafeína até uma a duas horas após o consumo se o
57
paciente estiver assintomático, e no caso da ingestão chocolate até seis horas após
consumo60,61
.
Em casos de ingestão de grandes volumes pode considerar-se realizar lavagem
gástrica, logo que o paciente se encontre estabilizado60,61
.
É recomendada ainda a administração de carvão ativado na dose de 1-2 mg/kg PO
uma primeira vez com um agente emético, seguida de administração a cada 6 a 8 horas
durante 24 a 48 horas60
. Sendo o mesmo mais eficaz duas a quatro horas após exposição às
substância tóxicas60,61
.
Finalmente pode-se considerar necessária a algaliação uma vez que a remoção rápida
de urina da bexiga diminui o potencial de reabsorção de metilxantinas60,62
.
Pode-se considerar necessário recorrer a sedação, sendo utilizado para este fim
butorfanol 0.1–0.5 mg/kg IV, IM ou SC, a cada 2 a 4 horas, ou no caso de se verificarem
convulsões diazepam, ou midazolam 0.25–0.5 mg/kg IV, ou IM no caso do midazolam60
.
Nos casos em que se verifique a presença de taquiarritmias ou hipertensão deve ser
administrado propanolol 0.02–0.06 mg/kg IV cada 6 horas60,61
. Em cães com taquicardia
ventricular deve recorrer-se a lidocaína na dose de 2-4 mg/kg IV seguida CRI de 0,03-
0,05mg/Kg/min V, o mesmo não deve ser feito em gatos61
.
Os pacientes devem ainda ser mantidos num local calmo, evitando a excitação que
poderá precipitar hiperreflexia ou convulsões61
.
Com a terapia de suporte e de destoxificação adequada o prognóstico é bom,
tornando-se reservado nos casos de toxicose severa com presença de arritmias cardíacas e
atividade convulsiva60,61
. A prevenção deve ser feita através da educação dos tutores para a
toxicidade destas substâncias, bem como relembrando em certas alturas do ano como a
Páscoa e o Natal60
.
58
2.2.3. Clínica Cirúrgica
Relativamente à clínica cirúrgica, esta representou 42,11% dos casos observados
durante o estágio (Tabela 1). Para uma análise facilitada dos casos estes foram organizados
na tabela 17. Observando a tabela podemos retirar que a área cirúrgica mais observada foi a
cirurgia de tecidos moles com 76,16% dos casos, seguida de outros procedimentos cirúrgicos
com 7,74% dos casos, da cirurgia ortopédica com 7,43% de casos e da cirurgia odontológica
com 4,64% dos casos. A área cirúrgica menos observada foi a da oftalmologia com 4,02% dos
casos (Tabela 17).
Tabela 17 – Distribuição da casuística por procedimento na área da Clínica Cirúrgica (n=323).
Clínica Cirúrgica
Fip (casos)
Fi (casos) fr (%)
Canídeos Felídeos
Cirurgia de Tecidos Moles 54 192 246 76,16
Cirurgia Odontológica 9 6 15 4,64
Cirurgia Oftálmica 11 2 13 4,02
Cirurgia Ortopédica 20 4 24 7,43
Outros procedimentos cirúrgicos 5 20 25 7,74
Total 99 224 323 100,00
59
2.2.3.1. Cirurgia de Tecidos Moles
A cirurgia de tecidos moles englobou 246 casos, 54 dos quais canídeos e 192
respeitando felídeos (Tabela 18). Os procedimentos mais realizados foram as cirurgias eletivas
para esterilização, a ovariohisterectomia (n=109, 44,31%) e a orquiectomia (n=99, 40,24%)
(Tabela 18).
O terceiro procedimento mais observado foi a mastectomia (n=9, 3,66%%) (Tabela 18)
Tabela 18 – Distribuição da casuística por procedimento na cirurgia de tecidos moles (n=246).
Cirurgia de Tecidos Moles
Fip (casos) Fi
(casos) fr (%)
Canídeos Felídeos
Biopsia Esplénica 1 0 1 0,41
Biopsia Hepática 1 2 3 1,22
Biopsia Entérica 0 1 1 0,41
Enterectomia 2 0 2 0,81
Enterectomia 2 1 3 1,22
Esplenectomia 1 0 1 0,41
Gastropexia 2 0 2 0,81
Herniorrafia Diafragmática 0 1 1 0,41
Herniorrafia Inguinal 2 0 2 0,81
Laparotomia Exploratória 3 1 4 1,63
Orquiectomia 3 96 99 40,24
Mastectomia 5 4 9 3,66
Nodulectomia cutânea 4 1 5 2,03
Ovariohisterectomia 24 85 109 44,31
Resolução de otohematoma 4 0 4 1,63
Total 54 192 246 100,00
2.2.3.2. Cirurgia de Odontológica
Na área da cirurgia odontológica foram contabilizados 15 casos (4,64% do total da
clínica cirúrgica) todos eles consistindo em destartarização ou extração dentária, possivelmente
60
como resultado das advertências instiladas pelos clínicos aquando das consultas de rotina,
facultando aos tutores a compreensão do impacto da saúde oral no bem-estar animal (Tabela
17).
Tabela 19 – Distribuição da casuística por procedimento na cirurgia odontológica (n=15).
Cirurgia odontológica
Fip (casos) Fi
(casos) fr (%)
Canídeos Felídeos
Destartarização 7 2 9 60,00
Extração dentária 2 4 6 40,00
Total 9 6 15 100,00
2.2.3.3. Cirurgia Oftálmica
Na cirurgia oftálmica foram observados 13 casos (4,02% do total de clínica cirúrgica)
maioritariamente em canídeos (Tabela 17). O procedimento mais observado foi a faco
emulsificação do cristalino, contabilizando-se 4 casos (n=4, 30,77%), todos em canídeos já de
idade avançada.
Tabela 20 – Distribuição da casuística por procedimento na cirurgia de tecidos moles (n=13).
Cirurgia oftálmica
Fip (casos) Fi
(casos) fr (%)
Canídeos Felídeos
Correção de entrópion 1 1 2 15,38
Correção de laceração palpebral 1 0 1 7,69
Faco emulsificação 4 0 4 30,77
Correção de prolapso da glândula da terceira pálpebra
2 0 2 15,38
Resolução de desmetocelio 1 0 1 7,69
Flap de conjuntiva 2 1 3 23,08
Total 11 2 13 100,00
2.2.3.4. Cirurgia Ortopédica
A cirurgia ortopédica contemplou 24 casos, com predomínio dos canídeos (n=20) sobre
os felídeos (n=4). Os procedimentos mais comuns foram a osteotomia de nivelamento da
meseta tibial (n=6,25%) e a osteossíntese radial/ulnar (n=5, 20,83%) (Tabela 21).
61
A recessão da cabeça do fémur foi efetuada num cão com uma luxação da cabeça do
fémur devido à impossibilidade de realização de redução cirúrgica.
Tabela 21 – Distribuição da casuística por procedimento na cirurgia ortopédica (n=24).
Cirurgia ortopédica
Fip (casos) Fi
(casos) fr (%)
Canídeos Felídeos
Amputação digital 1 0 1 4,17
Artrodese do carpo 1 0 1 4,17
Osteotomia de nivelamento da meseta tibial 6 0 6 25,00
Osteossíntese femoral 2 1 3 12,50
Osteossíntese ilial/isquiática 2 0 2 8,33
Osteossíntese mandibular 1 1 2 8,33
Osteossíntese radial/ulnar 3 2 5 20,83
Osteossíntese tibial/fibular 2 0 2 8,33
Osteossíntese umeral 1 0 1 4,17
Ressecção da cabeça do fémur 1 0 1 4,17
Total 20 4 24 100,00
2.2.3.5. Outros procedimentos cirúrgicos
Nesta categoria incluem-se todos os procedimentos cirúrgicos realizados em que não
se utilizou anestesia volátil, recorrendo-se antes a uma anestesia fixa de curta duração ou
sedação. Dizem respeito a 25 casos representando 7,74% da casuística cirúrgica total (Tabela
17) .
O procedimento mais observado foi a algaliação (n=8, 32%) predominantemente em
gatos acometidos de doença obstrutiva do trato urinário. O segundo procedimento mais
observado foi a colocação de tubo alimentar através de esofagostomia, predominantemente
observado em gatos com lipidose hepática.
62
Tabela 22 – Distribuição da casuística por procedimento em outros procedimentos cirúrgicos
(n=25).
Outros procedimentos cirúrgicos sob sedação Fip (casos)
Fi (casos)
fr (%)
Canídeos Felídeos
Algaliação 1 7 8 32,00
Colocação de dreno torácico 2 0 2 8,00
Colocação de tudo alimentar por esofagostomia 0 6 6 24,00
Colocação de tubo alimentar nasoesofágico 0 3 3 12,00
Enema 1 4 5 20,00
Punção de medula óssea 1 0 1 4,00
Total 5 20 25 100,00
2.2.4. Outros procedimentos
Neste tópico encontram-se discriminados os restantes procedimentos assistidos na
duração do estágio, e nos quais estão contidos exames de imagiologia, nomeadamente através
de radiografia e ultrassonografia, e ainda meios complementares de diagnostico.
2.2.4.1. Imagiologia e procedimentos ecoguiados
Relativamente aos procedimentos de diagnóstico imagiológico, contabilizaram-se um
total de 293 realizados/observados, tal como está exposto na tabela 23.
Além destes procedimentos enumerados na tabela assinala-se ainda que foram
referenciados para outros CAMV dois casos de cães para realização de TAC, e um outro cão
para ressonância magnética. Tal sucedeu uma vez que os equipamentos necessários para a
sua realização não se encontravam disponíveis no HVAC.
Destaca-se como o procedimento imagiológico mais realizado a radiografia simples,
contabilizando 176 casos (60,07%), seguida da ecografia com 96 casos (32,76%) (Tabela 23).
63
Tabela 23 – Distribuição da casuística por procedimento relativamente a imagiologia e
procedimentos ecoguiados (n= 293).
Imagiologia Fip (casos)
Fi (casos)
fr (%)
Canídeos Felídeos
Endoscopia 1 0 1 0,34
Ecocardiografia 15 4 19 6,48
Ecografia 43 53 96 32,76
Radiografia simples 82 94 176 60,07
Radiografia com contraste 1 0 1 0,34
Total 142 151 293 100,00
2.2.4.2. Meios complementares de diagnóstico
No que respeita aos meios complementares de diagnóstico, estes foram uma
ferramenta fundamental da abordagem diagnostica ou no seguimento e monitorização da
terapêutica e do estado dos pacientes.
A grande maioria destes procedimentos foi realizada no HVAC permitindo resultados
mais céleres, sendo que uma pequena parte foi enviada para laboratórios externos.
Contabilizaram-se um total de 989 exames/análises realizadas, sendo que deste
número a maioria correspondeu a análises bioquímicas (n=339, 34,28%). Em segundo lugar
encontra-se o hemograma (n=117, 11,83%) e seguidamente o microhematócrito (n=96, 9,71%)
(Tabela 24).
64
Tabela 24 – Distribuição da casuística por procedimento relativamente aos meios
complementares de diagnóstico (n= 989).
Meios complementares de diagnóstico Fip (casos) Fi
(casos) fr (%)
Canídeos Felídeos
Análises laboratoriais
Hemograma 56 61 117 11,83
Microhematócrito 22 74 96 9,71
Citologia sanguínea 12 4 16 1,62
Gota fresca 2 0 2 0,20
Provas de coagulação 2 5 7 0,71
Análises bioquímicas 134 205 339 34,28
Tira de urina (Urianálise tipo I) 12 56 68 6,88
Análise de sedimento urinário (Urianálise tipo II) 13 41 54 5,46
Urocultura (Urianálise tipo III) 5 23 28 2,83
Rácio proteinúria – creatinúria 5 10 15 1,52
Cultura bacteriana/Antibiograma 3 9 12 1,21
Citologia e Histologia
Citologia auricular 10 4 14 1,42
Citologia de baço 2 1 3 0,30
Citologia de fígado 4 10 14 1,42
Citologia de linfonodo 1 4 5 0,51
Citologia de líquido livre 2 4 6 0,61
Citologia de líquido pleural 1 5 6 0,61
Citologia de massa/nódulo 8 6 14 1,42
Histopatologia 10 2 12 1,21
Dermatologia
Otoscopia 9 3 12 1,21
Raspagem cutânea 3 4 7 0,71
Dermatophyte Test Medium 1 3 4 0,40
Oftalmologia
Tonometria 1 0 1 0,10
Oftalmoscopia direta 2 4 6 0,61
Teste de fluoresceína 4 2 6 0,61
Medição de glicémias 2 23 25 2,53
Medição de pressões sanguíneas por oscilometria 17 25 42 4,25
Testes imunológicos
rápidos
Teste rápido FIV/FeLV 0 37 37 3,74
Teste rápido Leishmaniose 2 0 2 0,20
Teste PLI 3 5 8 0,81
Doseamento de T4 e TSH plasmáticas 4 5 9 0,91
Doseamento de frutosamina 0 2 2 0,20
Total 352 637 989 100,00
65
II. Monografia – Lipidose Hepática Felina
1. Considerações anatómicas e fisiológicas do sistema hepatobiliar do
gato
O fígado constitui 3-4% do peso vivo do gato e encontra-se posicionado
intrabdominalmente, ocupando uma posição central com um desvio à direita, devendo-se o
desvio à existência do processo caudado, processo esse que contacta com o rim direito63
. O
bordo ventral estende-se através dos arcos costais e seria palpável caso não existisse gordura
rodeando o ligamento falciforme, mas apenas é possível palpação em casos de
hepatomegalia63,64
.
O fígado felino apresenta-se dividido por fissuras em lobos, nomeadamente o
esquerdo, direito, quadrado e caudado, por sua vez divididos em quatro sublobos (lateral
esquerdo, medial esquerdo, lateral direito, medial direito) e ainda possuindo dois processos
(papilar e caudado) localizados no lobo caudado. A curvatura do diafragma está aposta à
superfície cranial do fígado, e do centro tendinoso partem os ligamentos coronários que se
ligam caudolateralmente à veia cava caudal, que se insere no bordo dorsal do fígado63,64
.
A vesicula biliar encontra-se intralobularmente, ligeiramente desviada à direita do plano
mediano e visível na superfície visceral. A superfície visceral é côncava e irregularmente
marcada de impressões viscerais causadas pelo duodeno, estômago e rim direito63,64
.
O parênquima hepático encontra-se organizado em lóbulos, nos quais os hepatócitos
se encontram dispostos em placas irregulares intercaladas pelos sinusoides hepáticos e pelos
canalículos biliares, posicionados radialmente em torno de uma veia central (a veia centro
lobular). No espaço entre os lóbulos hepáticos situa-se um trio constituído por um ramo da veia
porta, um ramo da artéria hepática e um ducto biliar. Os sinusoides hepáticos originam-se nos
ramos periféricos da veia porta e da artéria hepática e formam uma anastomose, onde sangue
arterial e venoso se misturam e um epitélio fenestrado e descontinuo permite ao plasma fluir
para o espaço peri sinusoidal e contactar assim diretamente com os hepatócitos, facilitando o
funcionamento e metabolismo hepático65,66
.
Os hepatócitos são as células responsáveis pelo metabolismo hepático, apresentam
uma forma cuboidal ou poliédrica epitelial, com um núcleo arredondado e grande, ocupando
uma posição central, e um citoplasma eosinofílico com elevadas quantidades de mitocôndrias.
Os hepatócitos apresentam-se frequentemente binucleados e cerca de metade são
poliplóides65
.
O fígado, enquanto glândula acinar do sistema digestivo, produz e secreta a bílis. A
bílis é um conjunto de sais biliares, ácidos biliares, eletrólitos, ácidos gordos, fosfolípidos,
colesterol e bilirrubina. A função dos sais e ácidos biliares é a emulsificação dos lípidos de
66
origem dietária no duodeno, facilitando assim a sua absorção. A partir da superfície apical dos
hepatócitos originam-se os canalículos biliares, e para estes é excretada pelos hepatócitos, de
forma contínua, a bílis. A bilirrubina resulta da redução da biliverdina que por sua vez resulta da
cisão do grupo heme, um subproduto do turnover celular dos eritrócitos. No reticulo
endoplasmático liso dos hepatócitos esta bilirrubina não-conjugada é sujeita à ação da enzima
glucoronil transferase e depois de conjugada, sendo hidrossolúvel, pode ser excretada para os
canalículos biliares. Acabando no lúmen intestinal, pode aí ser convertida noutros pigmentos
pela flora intestinal, alguns podendo ser reabsorvidos e novamente excretados pelo fígado ou
pelos rins, num processo chamado de circulação enterohepática. Uma pequena porção de
bilirrubina conjugada que não é excretada pela via hepática, entra por sua vez em circulação,
sendo posteriormente excretada por via renal65–67
.
A principal função exócrina digestiva do fígado é a produção da bílis pelos hepatócitos,
mas o órgão também recebe o sangue rico em nutrientes proveniente do intestino delgado
através da veia porta, nutrientes esses que são processados no órgão antes de seguirem para
o resto do organismo. Além da produção biliar o fígado tem como funções: i) a síntese e
libertação na circulação sanguínea das principais proteínas plasmáticas, destacando-se devido
à sua importância a albumina, fibrinogénio, apolipoproteínas, tranferrinas, entre outras; ii) a
gluconeogénese; iii) a conjugação e excreção de toxinas e drogas farmacêuticas; iv) a
desaminação, a transaminação e produção de ureia; v) armazenamento de glicogénio,
triglicéridos e vitaminas lipossolúveis; vi) a remoção de eritrócitos envelhecidos e/ou
defeituosos através de fagocitose realizada pelas células de Kupffer, localizadas nos
sinusoides hepáticos; vii) o armazenamento de ferro em complexos proteicos contendo
ferritina. As células de Kupffer também atuam ainda como células apresentadoras de
antigénios bem como fagocitando bactérias e detritos no sangue portal65,68
.
No espaço peri sinusoidal encontram-se ainda as células de Ito, responsáveis pelo
armazenamento de vitaminas lipossolúveis em grânulos citoplasmáticos, pela produção de
componentes da matriz extracelular e ainda pela produção de citoquinas responsáveis pela
regulação da atividade das células de Kupffer65
.
2. Etiopatogenia
A etiopatogenia da lipidose hepática felina ainda não se encontra totalmente elucidada,
mas geralmente os autores classificam-na consoante a causa, em primária idiopática ou em
secundária.
Na forma primária idiopática a doença desenvolve-se associada a períodos de
hiporexia/anorexia prolongada e sem outra patologia subjacente, enquanto a forma secundária
ocorre na sequência de outra patologia, estando referidas como patologias causadoras
67
doenças hepatobiliares, pancreatite, doenças gastrointestinais, neoplasias, diabetes mellitus,
falência renal e hipertiroidismo69
.
Na forma primária a hiporexia/anorexia ocorre num animal saudável como consequência
quer da falta ou inexistência de comida, quer pela alimentação fornecida ser não palatável,
quer por ocorrência de um evento stressante que leve ao desenvolvimento de
hiporexia/anorexia num animal que previamente realizava uma alimentação apropriada70
. O
período tempo de anorexia até que o animal desenvolva lipidose hepática está descrito como
sendo entre dois dias a duas semanas, num contexto da prática clínica. Já em modelo
experimental a duração do período de anorexia é de duas semanas até ao desenvolvimento de
lipidose hepática70
.
A teoria prevalente refere que pressões evolutivas associadas ao regime alimentar do gato,
carnívoro estrito, levaram a adaptações fisiológicas nos metabolismos lipídico e proteico,
nomeadamente nos requisitos de ácidos gordos essenciais e de aminoácidos essenciais70,71
.
No que diz respeito ao metabolismo dos ácidos gordos, os gatos tal como outros
mamíferos são incapazes de sintetizar ácidos gordos essenciais, destacando-se os ácidos
linolénico e linoleico. No entanto, e ao contrário do que acontece nos outros mamíferos a
capacidade de síntese de ácidos gordos polinsaturados de cadeia longa, nomeadamente o
ácido araquidónico, o ácido eicosapentaenoico e o ácido docosahexaenoico, a partir dos ácidos
linolenico e linoleico é muito limitada70,71
. O fundamento fisiológico é que tal acontece, pois as
desnaturases, enzimas responsáveis, não são suficientes para suprir as necessidades do
animal70
.
Os animais com lipidose hepática apresentam um balanço energético negativo, em que se
verifica um aumento nas concentrações circulantes de glucagon, cortisol, catecolaminas e
hormona de crescimento, levando a uma atividade aumentada da lípase hormono-
sensível69,70,72
. Esta atividade aumentada da lípase hormono-sensível juntamente com uma
concentração reduzida de insulina circulante leva ao desenvolvimento de insulinorresistência
periférica, verificando-se atividade diminuída de proteínas transportadoras de glucose, para o
qual também contribuem os elevados níveis de ácidos gordos em circulação70,72
.
A lipogénese nos gatos ocorre principalmente no tecido adiposo e o precursor para a
formação de novos compostos lipídicos é o acetato resultante da oxidação incompleta de
ácidos gordos, o que sucede em estados de cetogénese. Os novos compostos formados são
ácidos gordos não esterificados e uma vez no fígado podem sofrer beta oxidação ou serem
esterificados em triglicéridos e posteriormente secretados como lipoproteínas de muito baixa
densidade70
.
A beta oxidação mitocondrial é a via metabólica oxidativa, em condições fisiológicas
normais, responsável pela eliminação de ácidos gordos. Os ácidos gordos não esterificados de
cadeia curta ou média transitam livremente para o interior da mitocôndria, enquanto os de
68
cadeia longa necessitam da ação da L-carnitina. A L-carnitina regula ainda a saída de ácidos
gordos do citosol do hepatócito para o plasma. A oxidação de ácidos-gordos origina acetil
coenzima A, que pode providenciar energia entrando no ciclo de Krebs, ou então dar origem a
corpos cetónicos70
.
Os níveis fisiológicos de ácidos gordos polinsaturados de cadeia longa estão associados a
uma função protetora contra o desenvolvimento de lipidose hepática, favorecendo a oxidação
de ácidos gordos ao invés do armazenamento de triglicéridos, bem como redirecionando
glucose da síntese de ácidos gordos favorecendo antes a síntese de glicogénio. Esta vertente
protetora encontra-se ausente em animais em estados de anorexia/hiporéxia, uma vez que se
verificam níveis diminuídos de ácidos gordos polinsaturados de cadeia longa70,73
.
Os estudos realizados a nível genético demonstram que estes ácidos gordos inibem a
atividade de proteínas de união ao elemento regulador de esteróides, o que por sua vez inibe a
transcrição de genes lipogénicos e genes glicolíticos70,73
. A presença de esteróis impede a
clivagem destas proteínas, inibindo assim a síntese de mais esteróis através de um feedback
negativo74
. Finalmente, estes ácidos gordos polinsaturados de cadeia longa atuam como
ligandos em recetores nucleares presentes no fígado e tecido adiposo promovendo a
expressão de genes codificantes de enzimas oxidativas de ácidos gordos70
.
Para a patogénese desta doença é ainda importante ter em consideração a função
endócrina do tecido adiposo, que em situações de balanço energético positivo é o principal
responsável por armazenar triglicéridos, mas também tem funções endócrinas importantes
como a secreção de adipocitoquinas, nomeadamente adiponectina, leptina, citoquinas e
quimioquinas70,72
.
Das funções desempenhadas por estas adipocitoquinas destacam-se os papéis de
mediadores inflamatórios e manutenção da homeostase energética, exercendo efeitos quer
sobre o tecido adiposo, quer sobre a regulação da sensibilidade à insulina. Os felinos com
lipidose hepática apresentam os valores séricos destas citoquinas elevados quando
comparados com animais saudáveis70,72
.
Tanto na forma primária como na secundária, a anorexia juntamente com o stress leva a
um aumento da lipólise periférica no tecido adiposo. Este aumento faz com a quantidade dos
lípidos resultantes da lipolise periférica seja superior à capacidade de metabolização hepática,
levando a que os lípidos mobilizados se vão acumulando intra-hepaticamente69
. Este processo
é potenciado em animais obesos em subsequente anorexia devido à quantidade de ácidos
gordos libertados dos tecidos adiposos viscerais, que libertam quantidades maiores de
adipocitoquinas, num animal que por ser obeso possui um aumento na insulinorresistência
associada70,72,73
.
69
Gatos com lipidose hepática apresentam valores elevados de triglicéridos e ácidos gordos
não- esterificados circulantes, sendo que o conteúdo normal de triglicéridos do fígado felino é
de 1%, mas se encontra aumentado para 43% nos gatos com lipidose hepática69
.
Níveis elevados de corpos cetónicos em gatos lipidóticos, destacadamente
betahidroxibutirato, indicam a presença de cetogénese, resultante do estado catabólico dos
animais anoréxicos juntamente com o previamente referido aumento na insulinorresistência e
tolerância diminuída à glucose69,70
. Propõem-se ainda a existência de algum nível de disfunção
mitocondrial, visto terem sido reportados em gatos com lipidose hepática números reduzidos de
mitocôndrias nos hepatócitos, e sendo as existentes marcadamente anómalas70
. É indiciado
que estas alterações podem estar ligadas ao aumento do stress oxidativo derivado do aumento
na oxidação lipídica e depleção de antioxidantes intracelulares71
.
Gatos com esta patologia continuam a conseguir mobilizar triglicéridos que foram
armazenados no fígado, tal é inferido pelo aumento sérico de lipoproteínas de muito baixa
densidade69
. Sugere-se que haja um desequilíbrio entre o aumento da mobilização lipídica e a
capacidade hepática de os metabolizar, capacidade essa que se encontra aumentada em
animais com lipidose ao contrário de que seria de esperar, demostrado através de estudos nos
quais o valor da fração de lipoproteínas de muito baixa densidade séricas se encontra
aumentado em animais lipidoticos quando comparado com animais saudáveis69,70
. Como a
anorexia é um dos principais fatores predisponentes teoriza-se que uma deficiência em
proteína concorrente com um balanço azotado negativo podem por em causa a síntese
hepática da quantidade de apoproteínas necessárias para a mobilização das lipoproteínas de
muito baixa densidade, especialmente no início da patologia quando é verificado um aumento
dramático no transporte de ácidos gordos não esterificados para o fígado69–71
.
Modelos experimentais foram desenvolvidos em mustelídeos, de entre os quais se
destacam a doninha americana (Neovison vison) e do tourão europeu (Mustela putorius) com o
objetivo de investigar a patofisiologia da doença hepática gordurosa não alcoólica em
humanos. Visto que os mustelídeos são carnívoros restritos que também desenvolvem lipidose
hepática, algumas conclusões desses estudos podem ser importantes de ressalvar tendo em
conta que os mesmos ainda não foram avaliados em gatos. Nestes animais foi determinado
que quando em anorexia, os valores de ácidos gordos polinsaturados de cadeia longa não
decrescem todos na mesma medida ao longo do tempo. Em particular os vulgarmente
designados ómega-3 parecem ser favorecidos nos estados iniciais em reações oxidativas e de
dessaturação, levando a um desequilíbrio no ratio omega3/ómega 6. Visto que os ómegas 3
têm maior ação nos recetores nucleares reguladores do metabolismo lipídico hepático e
necessários ao processo cetogenico e beta oxidativo, assume-se que este desequilíbrio no
ratio favoreça uma síntese de ácidos gordos sobre a hidrólise e oxidação dos mesmos,
impedindo assim a saída de lípidos do fígado sob a forma de lipoproteínas de muito baixa
densidade. O acréscimo na concentração de ómega 6 resultante foi também associado a um
70
aumento na componente inflamatória e formação de radicais livres, considerados importantes
fatores contribuintes na subsequente patologia hepática. Apesar de nos gatos o ratio não ter
sido averiguado, o que se sabe é que a atividade das desnaturases (enzimas responsáveis
pela criação de ligações duplas na cadeia alifática dos ácidos gordos) é muito limitada, e
portanto assume-se que o ratio normal esteja comprometido em animais anoréticos e com
elevada perda de massa corporal, contribuindo assim para a patogénese da lipidose hepática
felina70–73,75
.
Ao nível microscópico os hepatócitos apresentam esteatose com vacúolos citoplasmáticos
micro e macrovesiculares. A esteatose marcada nos hepatócitos interfere com a atividade
metabólica destas células e mais, origina uma colestase secundária devido à compressão dos
canalículos intra-hepáticos. Esta colestase leva a falência hepática aguda, e mesmo sendo
reversível, apresenta um quadro clínico severo69
.
Relativamente ao metabolismo proteico, os gatos possuem capacidades limitadas de
adaptarem as vias metabólicas a uma dieta pobre em nitrogénio e como tal rapidamente
desenvolvem carências em aminoácidos essenciais e malnutrição proteica quando se
encontram em anorexia prolongada. Animais em lipidose hepática apresentam menos de
metade dos níveis basais de aminoácidos tais como arginina, taurina, alanina e metionina.
Destes, a arginina e a taurina possuem importância acrescida por serem necessárias ao
metabolismo e secreção de triglicéridos em lipoproteínas de muito baixa densidade, e primeira
possui ainda um papel importante no ciclo da ureia, sendo que a sua diminuição está
associada a hiperamonémia e desenvolvimento de encefalopatia hepática em gatos com
lipidose. Já a ultima quando diminuída promove lipolise periférica e acumulação de ácidos
gordos não esterificados no fígado70,71
.
3. Epidemiologia
3.1. Fatores predisponentes e grupos de risco
Apesar desta patologia poder ocorrer em qualquer idade, a faixa etária em que mais é
reportada é em gatos de meia idade, com uma mediana de 7 anos. Não aparenta existir sobre
incidência em algum dos géneros, ou em qualquer raça, apesar de em estudos clínicos
recentes que apontam um aumento na prevalência de casos de lipidose em fêmeas 69,70,76
.
O fator predisponente reportado nos estudos realizados é a existência ou histórico de
obesidade com pontuação de condição corporal acima de quatro, numa escala de um a
cinco69,70,76
. A maioria dos gatos afetados com esta patologia são gatos indoor obesos76
.
A existência de outra doença é também um dos fatores de risco para o desenvolvimento de
lipidose hepática, estima-se que 50-95% dos gatos com lipidose terá uma outra condição
concomitante relevante e significativa, muitas vezes sendo a mesma a causa da lipidose77
.
71
4. Anamnese e sinais clínicos
Geralmente os tutores de felinos que se apresentam à consulta com lipidose hepática
referem na anamnese sinais clínicos coincidentes com patologia gastrointestinal aguda,
destacando-se a náusea, vómito, anorexia/hiporexia, astenia e perda de condição corporal,
com uma perda de pelo menos 25% da massa corporal7669,70,76–78
. Os felinos podem ainda
apresentar diarreia ou obstipação, e um mau estado da pelagem70,76.
Nos animais que desenvolvam encefalopatia hepática concomitante alguns dos sinais
clínicos previamente referidos podem aparecer agravados, tais como hipersiália, estado mental
severamente deprimido, ptialismo e náusea severa69,70,76,78. Estes dois últimos são raros, mas
quando surgem estão habitualmente associados a doença primária77
.
5. Abordagem diagnóstica
Na abordagem diagnóstica, o clínico deve atender à anamnese, sinais clínicos e
patológicos típicos e imagiologia, geralmente chegando para um diagnóstico presuntivo. O
diagnóstico definitivo, sendo interpretado à luz da anamnese, sinais clínicos e resultados dos
testes complementares de diagnóstico é obtido com uma análise histológica de uma biópsia
hepática, idealmente eco guiada, que também serve para descartar patologias subjacentes,
uma vez que se trata de uma patologia na sua maioria das vezes secundária 69.
5.1. Exame de estado geral
Ao exame físico os animais apresentam uma hepatomegalia palpável, icterícia,
desidratação e perda de condição corporal, sendo que esta perda de condição corporal em
animais obesos vai ser mais marcada quando se observa a zona lombar uma vez que a
gordura abdominal e inguinal sofre retenção durante mais tempo69,77,78
. Com recurso a
imagiologia também se pode verificar que a gordura falciforme e peri-renal são mantidas
apesar da perda de condição corporal69
.
Pode ocorrer verificar-se também fraqueza muscular e ventroflexão do pescoço como
consequência de hipocalémia, que se distingue de deficiência em tiamina devido a ausência de
défices ao exame neurológico70,78,79
.
Os felinos que sofrem de lipidose hepática geralmente apresentam-se com algum de
nível de hipoperfusão resultante da emese, anorexia e adipsia de que sofrem. Este défice
traduz-se em taquicardia ou bradicardia, mucosas pálidas, tempos de repleção capilar
aumentados e possivelmente ainda hipotermia e ligeira hipotensão70
.
Nos gatos com lipidose hepática com doença concomitante pode verificar-se uma
variedade de outras alterações no exame de estado geral, dependendo da doença77,78
. É
72
especialmente importante pesquisar causas de hiporexia/anorexia, como o caso das doenças
orais e periodontais77
.
5.2. Meios complementares de diagnóstico
5.2.1. Análises laboratoriais
As alterações verificadas nas análises laboratoriais dependem do grau de
comprometimento do metabolismo hepático, duração da anorexia e adipsia, da gravidade do
vómito e ainda das doenças concomitantes69,76
.
5.2.1.1. Bioquímicas
Os felinos com lipidose hepática podem apresentar, ou frequentemente apresentam as
seguintes alterações nos resultados das análises bioquímicas séricas: aumentos moderados a
elevados na concentração de bilirrubina, fosfatase alcanina (ALP) e alanina aminotransferase
(ALT)69,76–78,80
.
Nos casos de lipidose primária a gamaglutamiltranspeptidase (GGT) encontra-se nos
valores normais, e ALP e bilirrubina é mais elevada quando comparando com os valores
observados na lipidose secundária 69,76,78,80
. A existência de um valor de ALT semelhante ou
maior que a ALP deve também motivar a pesquisa de patologia primária hepática, como
colangite ou neoplasia77
.
Nos casos de lipidose secundária em que além da estase biliar os animais têm
concomitantemente uma patologia hepática necro-inflamatória, como a pancreatite ou a
colangite, os valores de GGT encontram-se duas ou mais vezes elevados relativamente aos
valores de referência, sendo este um fator importante no diagnóstico de uma patologia
primária69,81
.
Em estudos recentes foi demonstrado que a elevação de ALP em gatos anoréticos
precede a hiperbilirrubinémia, devendo então suspeitar-se de lipidose hepática, mesmo em
gatos não ictéricos. Em gatos com hiperbilirrubinémia a medição dos ácidos biliares não é um
teste necessário pois estão significativamente elevados, mas nos gatos que ainda não
apresentem icterícia um aumento dos valores dos ácidos biliares pode ser um indicador
precoce de lipidose hepática77
.
Ao nível das bioquímicas séricas são ainda reportadas hipoalbuminemia e níveis de
ureia diminuídos em metade dos animais, em virtude da anorexia presente e de um ciclo da
ureia com função diminuída, devido a processamento de proteína deficiente70,77,78
.
73
É importante dar especial atenção aos níveis de glicémia nestes animais, pois em
metade dos casos existe uma hiperglicemia devido à insulinorresistência, ao stress ou devido a
pancreatite aguda severa, bem como hipoglicemia, que ocorrer quando existe perda de mais
de 70% da massa hepática funcional ou falência hepática69,70,77
.
Uma vez que a diabetes mellitus é um dos fatores predisponentes de lipidose, nestes animais
deve descartar-se a sua existência como doença primária, o que pode ser difícil pois animais
lipidotícos estando em cetose manifestam alterações semelhantes a esta patologia69,70
.
Aconselham-se medições de glucose sanguínea, averiguar existência de glicosúria, bem como
uma mensuração de frutosamina sérica para fazer a distinção69
.
Por sua vez, também a hipoglicemia pode ocorrer quando a função hepática já se
encontra muito diminuída ou existe mesmo já algum grau de falência hepática70,78
.
Relativamente aos eletrólitos, as alterações comuns são a hipocalemia devido à
anorexia prolongada e ao vómito, e ainda hipomagnesemia e hipofosfatemia, que pode levar a
hemólise severa, podendo ser necessária transfusão sanguínea69,70,78
. Estas alterações
eletrolíticas podem estar presentes à admissão do animal ou virem a ser desenvolvidas como
consequência da fluidoterapia com o propósito de corrigir a desidratação69
.
A hipocalemia está descrita como potenciando os sinais clínicos de encefalopatia e
pode também causar íleo paralítico70
.
Podem também existir alterações eletrolíticas devido a condições concomitantes, como
por exemplo doença renal77
.
Relativamente aos testes de coagulação a anomalia mais reportada em gatos com
lipidose hepática é o aumento do tempo da protrombina (TP), seguido do aumento do tempo da
tromboplastina parcial ativada (TTPA). É reportada uma diminuição na atividade do fator de
coagulação VII e na proteína C, sendo verificado fibrinogénio aumentado bem como a atividade
do fator V e concentrações de D-dímeros. Alguns dos animais apresentaram também uma
diminuição significativa na atividade do fator XIII. Estas alterações descritas podem ser o
resultado tanto da diminuição na produção, como de um aumento do consumo de
factores69,70,77
.
Os tempos de coagulação encontram-se prolongados em metade dos gatos com
lipidose hepática, havendo assim a tendência para hemorragia em procedimentos médico-
clínicos como venopuntura e cateterização, de maiores consequências em procedimentos
cirúrgicos mais invasivos69,70,77
.
Tal como referido anteriormente, os felinos com lipidose hepática geralmente
apresentam elevadas concentrações de betahidroxibutirato, sendo que este é proposto por
alguns autores como marcador sérico70
.
74
6.2.1.2. Hemograma
O hemograma de felinos com lipidose hepática pode evidenciar anemia não
regenerativa fraca a moderada e alguma leucocitose, não sendo achados específicos de
lipidose70,77,78,80
.
No caso da existência de patologia subjacente inflamatória, infeciosa ou de doença
neoplásica, o que ocorre nos casos de lipidose secundária, o leucograma apresenta as
alterações correspondentes 70,77,78
.
Pode verificar-se também trombocitopenia nos animais que sofrem de coagulação
intravascular disseminada e no esfregaço sanguíneo verifica-se a poiquilocitose e presença de
corpos de Heinz 70,77,78
.
6.2.1.3. Urianálise
A urianálise de pacientes com lipidose hepática revela frequentemente lipúria e uma
variabilidade de densidades urinárias, o que pode ser visto por exemplo em lesões tubulares
renais. A presença de bacteriúria ou crescimento de organismos na urocultura é sugestivo de
infeção do trato urinário ou pielonefrite concomitante77,78
.
6.2.1.4. Histopatologia
O diagnóstico definitivo de lipidose hepática é obtido com uma análise histológica de
uma biópsia hepática, idealmente ecoguiada, que também serve para descartar patologias
subjacentes69
. Nesta análise histológica mais de 50% dos hepatócitos têm de estar
preenchidos com vacúolos lipídicos para o diagnóstico ser considerado definitivo70,77
.
O método aconselhado para obtenção de biópsia é através de laparoscopia ou
laparotomia com uma ressecção em cunha, uma vez que tal procedimento permite a
observação de eventuais hemorragias hepáticas e ainda permite a inspeção de anomalias nos
restantes órgãos. Instrumentos de biópsia semi-automatizados devem ser evitados, sendo
descrita uma associação entre biópsia realizadas por este tipo de instrumentos cirúrgicos e o
desenvolvimento de choque vago-tónico caracterizado por bradicardia e colapso
cardiovascular, estando associados a maior mortalidade69,70,77
. É de ressalvar que o fígado
lipidótico é friável e que existe possibilidade de complicações pós-operatórias69
.
Apesar de a biópsia ser o melhor método de obtenção de amostras para análise
histopatológica a sua realização requer tempos de coagulação normais e a manutenção do
animal em anestesia geral, animal esse que pode apresentar um quadro clínico agudo em que
tal biópsia não seja aconselhável69
.
75
Ainda elaborando sobre as advertências e os riscos da realização da biópsia hepática,
tendo em conta o requerimento de anestesia geral, torna-se importante considerar e averiguar
a existência no paciente de anomalias metabólicas, coagulatórias e hemodinâmicas, que
contrariem a realização do procedimento. Destacam-se a trombocitopenia (menos de 80 000
plaquetas/µL) e elevados tempos de TTPA (maior que vez e meia o valor de referência), como
estando mais fortemente associados ao desenvolvimento de hemorragias intra-cirúrgicas70
.
Devido a estas restrições a biópsia é muitas vezes preterida relativamente à punção
aspirativa por agulha fina (PAAF) em animais que não se encontram suficientemente estáveis
clínica e analiticamente77
.
A PAAF pode ser executada com segurança, com recurso a imagem ecográfica (sendo
apenas por palpação nos casos de hepatomegalia significativa), efetuando-se a punção do lado
esquerdo de modo a evitar a vesícula biliar69
.
Tal como na análise histopatológica de amostras obtidas por biópsia, as citologias
obtidas por punção poderão demonstrar vacuolização difusa dos hepatócitos o que é
considerado diagnóstico, não distinguindo entre lipidose primária e secundária. Caso a citologia
seja fortemente sugestiva de lipidose, o animal deve ser tratado com alimentação
intensiva69,77,80
.
Apesar de a PAAF ser frequentemente realizada devido aos seus benefícios
relativamente à biópsia, a PAAF e avaliação citológica do esfregaço pode não ser fiável e
originar falsos positivos, especialmente tendo em conta que gatos doentes demonstram
tendência para acumular lípidos no fígado, como que mimetizando a lipidose hepática69,70,77
.
Podendo também acontecer o oposto e não serem detetadas lesões infiltrativas nodulares,
localizadas ou multifocais77
.
Em estudos retrospetivos verificou-se que nesta patologia os diagnósticos através de
exames citológicos apenas correspondiam ao diagnóstico histológico em metade dos casos,
devendo portanto ter-se em conta as limitações da citologia e a existência de discrepâncias
entre os achados citológicos e histológicos70
.
Foram descritos casos em que o diagnóstico por PAAF de lipidose hepática deixou por
diagnosticar outra patologia subjacente70
. Se o animal não responder ao tratamento instaurado
deve ser realizada biópsia assim que se estabilize a condição do animal69,80
.
A fibrose hepática é um achado histológico numa baixa proporção dos gatos afetados
com lipidose hepática. A nível imagiológico a diferenciação no padrão ecogénico gerado pela
fibrose é mais grosseiro quando comparado com o padrão gerado pela esteatose76
.
76
6.2.2. Imagiologia
A imagiologia é uma ferramenta de diagnóstico útil nesta doença tendo em conta que
não está sujeita as constrições causadas pelo estado clínico do animal, como acontece na
histopatologia. A sua utilização é frequente na abordagem diagnóstica de animais com
anorexia, vómito e icterícia69,77
.
6.2.2.1. Radiografia
A nível radiológico observa-se geralmente hepatomegália, e em casos raros pode-se
verificar a existência de efusão abdominal, geralmente como consequência de outra patologia
precedente ao desenvolvimento de lipidose hepática76–78,81
.
Com recurso a radiologia pode também verificar-se que a gordura falciforme e peri-
renal são mantidas apesar da perda de condição corporal69
.
6.2.2.2. Ecografia
Geralmente a ecografia abdominal revela um fígado maior, hepatomegália, com uma
hiperecogenicidade difusa e mais hiperecóico do que a gordura falciforme adjacente. Num
estudo inicial a hiperecogenicidade hepática relativamente ao ligamento falciforme foi inclusive
observada como alteração ecográfica com 100% de valor preditivo no diagnóstico de lipidose
hepática grave, no entanto em estudos subsequentes os autores não conseguiram fazer esta
mesma relação69,77,80
.
Na ecografia os vasos hepáticos são de difícil visualização, no entanto como gatos
obesos podem apresentar fígados com maior hiperecogenicidade, a validade dos achados
ecográficos só pode ser interpretada conjuntamente com o quadro clínico do animal69
.
Além dos achados a nível hepático a ecografia é também útil na pesquisa de doenças
primárias concomitantes78
.
6.2.2.3. Tomografia computorizada
Relativamente ao valor de diagnóstico da tomografia computadorizada, num estudo
realizado em que os valores de atenuação de raios-x foram avaliados antes e depois da
indução experimental de lipidose hepática, concluiu-se que o valor de atenuação tinha
diminuído relativamente à média estimada previamente em animais saudáveis.
Em estudos posteriores investigou-se o valor de atenuação hepática em gatos
avaliando-se a correlação com o risco de desenvolverem lipidose, sendo, no entanto,
inconclusivo.
77
O consenso é que o método de tomografia computadorizada tem valor limitado na
previsão do desenvolvimento de lipidose em animais que se suspeita de estarem em risco. O
valor de atenuação pode variar de aparelho para aparelho, e que a necessidade de sedação ou
anestesia num paciente que pode estar clinicamente comprometido levam a que este método
preterido relativamente ao diagnóstico da lipidose hepática felina, até recomendações futuras70.
7. Tratamento
O tratamento consiste na reposição dos défices existentes e re-estabelecimento do
equilíbrio hídrico e eletrolítico, seguido da instituição de uma solução para a nutrição enteral.
Deve ainda ser feito o controlo do vómito e da náusea.
Nos casos em que a lipidose hepática é caracterizada como secundária é também
necessário iniciar tratamento da patologia primária69
.
A estabilização do paciente toma precedência sobre o restante tratamento, e deve ser
iniciada com fluidoterapia para corrigir a hipoperfusão, através da administração intravenosa de
cristaloides isotónicos. De entre os fluídos que se podem escolher administrar, estão
desaconselhadas soluções contendo glucose uma vez podem agravar a intolerância a glucose
e hiperglicemia existentes70
. Os fluídos a administrar podem, no entanto, ser suplementados
com preparações comerciais de vitaminas do complexo B81
.
O plano de fluidoterapia deve ser ajustado pelo menos diariamente consoante as
alterações da condição clinica, desidratação, perdas e volume adicionado na alimentação
enteral caso essa já tenha sido instituída70
.
A correção de desequilíbrios eletrolíticos deve ser iniciada antes da instituição da nutrição
enteral com vista a evitar decréscimos maiores em potássio e fósforo séricos subsequentes à
atividade da insulina. Os valores destes dois devem ser monitorizados duas vezes por dia. O
valor de potássio a suplementar para corrigir a hipocalemia não deve exceder 0.5mEq/Kg/h, e
caso a hipocalemia continue sem estar corrigida apesar da suplementação é sugerido que se
averigue a existência de hipomagnesémia concomitante e se suplemente caso necessário,
uma vez que a hipomagnesémia pode estar na origem de aumento na excreção renal de
potássio70
.
Em pacientes que cheguem em estado crítico é administrado um bolus de fluidos
intravenosos cristalóides isotónicos( NaCl a 0.9% ou então solução de lactato de Ringer) na
taxa de 5-10/ml/kg ao longo de meia hora, juntamento com um reaquecimento lento do
paciente. De seguida é calculado o valor de fluídos a repor com base na percentagem
estimada de desidratação e é instaurada a fluidoterapia de manutenção mais o valor
previamente calculado que é reposto nas primeiras 24 horas do tratamento70
78
A base do tratamento para a lipidose hepática felina consiste na alimentação intensiva,
sendo que sem qualquer forma de nutrição assistida a taxa de mortalidade pode chegar aos
90%69
. A nutrição deve ser iniciada no dia de admissão do paciente, com vista a reverter o
estado catabólico e inverter o balanço energético negativo.
Podem se verificar ainda a presença de alterações cardiovasculares, como hipotensão ou
hipoperfusão, bem como anomalias no perfil de eletrólitos devem ser corrigidas antes de se
poder iniciar a alimentação70
.
A monitorização de anomalias no perfil de eletrólitos é especialmente importante em
animais anoréticos/hiporéticos, uma vez que estes estão em risco de sofrer síndrome de
realimentação aquando da instituição da alimentação enteral após a admissão hospitalar. Ao
retomarem a alimentação estes animais desenvolvem desequilíbrios eletrolíticos,
nomeadamente hipofosfatémia, hipomagnesémia e hipocalémia, derivados de uma súbita
libertação de insulina no paciente que se encontrou em estado catabólico durante períodos de
tempo extensos. Podem ser observados sinais clínicos tais como bradicardia, bradipneia e
hipotermia, e estado mental deprimido. A possibilidade de ocorrência desta complicação no
tratamento pode ser minorada monitorizando de perto o estado do paciente e respetivas
análises bioquímicas, respeitando o plano de alimentação estabelecido e fazendo as correções
necessárias celeremente82,83.
Nesta patologia os estimulantes de apetite não têm o efeito pretendido uma vez que os
gatos tendem não retomar a alimentação de forma voluntária enquanto a doença não estiver
controlada69,84
.Mesmo que o animal esteja de forma voluntaria a ingerir alimento, esta ingestão
pode não ser necessária para completar os requerimentos diários de energia84
.
Como forma de reverter o estado de anorexia do paciente, alguns animais podem consentir
coagidos à alimentação oral com recurso a seringa, pelo tutor ou pelo pessoal clínico, mas
geralmente esta abordagem despoleta uma síndrome de aversão à alimentação e este
comportamento impossibilita a forma prévia de alimentação, além de haver o risco de
pneumonia por aspiração69,81
.
Daí que como forma de alimentação seja sugerido como primeiro recurso outras formas de
alimentação enteral que sejam melhor toleradas pelo paciente. As opções que são
disponibilizadas para a alimentação enteral são a colocação de tubo nasogástrico, ou
colocação de tubo através de esofagostomia, ou colocação de tubo através de gastrostomia81
.
Na maioria das vezes a colocação de um tubo esofágico ou gástrico é o ideal, mas em
animais em cujo estado clínico não se encontra estável o suficiente ou que estejam em risco de
hemorragia é desaconselhada qualquer intervenção mais invasiva, optando-se assim pela
colocação de um tubo nasogástrico. Uma opção possível é a alimentação de dieta líquida a
uma baixa taxa constante através de um tubo nasogástrico, colocado aquando da admissão do
79
animal. A colocação deste tubo pode ser feita com a aplicação de anestésico local e
lubrificação do tubo com gel de lidocaína.
A longo prazo estão descritos desconforto e irritação nasal e faríngea, retroflexão do tubo
durante a emese, e ainda desconforto pelo uso constante do colar isabelino colocado para
prevenir a remoção do tubo pelo paciente. Outra desvantagem é o calibre do lúmen do tubo
nasogástrico ser baixo, o que condiciona o tipo e quantidade da dieta a administrar, devendo a
mesma ser estritamente liquefeita e em menores quantidades quando comparando com os
outros tipos de tubo de alimentação. Não obstante, reporta-se que alguns gatos fizeram a sua
recuperação apenas com este tipo de tubo81
.
Após a fluidoterapia inicial com reposição dos défices de eletrólitos, devem ainda ser
descartadas deficiências coagulatórias. Caso se suspeite da existência das mesmas, por
exemplo na ocorrência de diáteses hemorrágicas (visualização de petéquias, purpuras,
equimoses, melena ou hematoquésia), devem ser realizadas provas de coagulação. Uma vez
normalizados os tempos de coagulação, o passo seguinte é a colocação de um tubo de lúmen
de maiores dimensões, podendo este ser colocado por esofagostomia ou por gastrostomia com
auxílio em endoscopia.
A sedação ou anestesia ligeira administrada ao animal deve ter em atenção os défices
metabólicos hepáticos, estando descritos tempos de recobro prolongados em animais em que
foi administrado oximorfona, propofol, diazepam, quetamina e etomidato.
A combinação do baixo potencial de glucoronidação associado à doença hepática torna o
metabolismo de compostos fenólicos como o propofol lento, aumentando o stress oxidativo dos
eritrócitos e levando à formação de corpos de Heinz/desenvolvimento de anemia hemolítica 4 a
12 horas após a administração.
A administração de anticolinérgicos como a atropina também é desaconselhada uma vez
que promove atonia gástrica prolongada, o que é contrário ao propósito do suporte
nutricional81
.
O protocolo anestésico preferido consiste em evitar drogas que requeiram forte
metabolismo hepático (acepromazina, alfa-2 agonistas, benzodiazepinas, alfaxalona) ,
administrando agentes anestésicos com curta duração de acção/reversíveis como butorfanol
(0.2-0.4 mg/kg IV ou IM ) seguido de indução com doses baixas de propofol, evitando doses
altas ou administrações repetidas81
.
Relativamente ao tubo, tubos de esofagostomia de silicone são geralmente a opção
escolhida, mas tubos muito flexíveis são passiveis de sofrerem retroflexão81
.
A colocação geralmente leva 10 a 15 minutos. No final da cirurgia é necessário realizar
uma radiografia torácica para confirmação da posição do tubo, em que a ponta não deve estar
80
inserida no estômago, mas antes ficar entre o 7º e o 9º espaço intercostal, evitando-se assim
um aumento do risco de refluxo gástrico e esofagite81
.
Quando a incisão cervical é feita deve-se ainda ter em atenção a posição dos vasos de
grande calibre81
.
A alternativa, em que o tubo é colocado por gastrostomia percutaneamente, oferece as
vantagens de o tubo colocado possuir lúmen de maiores dimensões, podendo assim ser
administrada maior quantidade de comida, e de, por ser necessária endoscopia para a sua
colocação, no decurso da endoscopia se poder aproveitar para colher biópsias gástricas ou
entéricas nos casos em que suspeite de outra patologia primária. No entanto esta opção
cirúrgica tem maiores riscos devido a uma anestesia prolongada, possível desconforto devido à
distorção normal do estômago, criação de espaços mortos e remoção prematura podendo levar
ao desenvolvimento de peritonite séptica. Está, por isso, associada a uma maior mortalidade.
Além disso com tubo gástrico o intervalo de espera até se poder iniciar alimentação é de 24
horas para permitir o ajustamento da motilidade normal e para se verificar um selo estanque no
local da inserção cirúrgica, enquanto através de esofagostomia se pode iniciar alimentação
imediatamente após o recobro anestésico81
.
Seja qual for a via de colocação do tubo, este deve estar bem ancorado pelas suturas e
as regiões envolventes devem ser mantidas limpas, bem resguardadas com ligaduras e colar
isabelino e inspecionadas diariamente para averiguar a existência de infeção ou de infiltração
de comida. É recomendada a aplicação de antisséptico na limpeza com a adição de antibiótico
tópico no local da incisão. Caso haja alguma descarga da incisão deve se realizar citologia
para descartar presença de infeção. Boas práticas de manutenção do tubo também incluem
uma limpeza do mesmo após refeições com água morna81
.
Relativamente à constituição da dieta a ser fornecida ao paciente, o recomendado é
que entre 33 a 45% do conteúdo calórico constituinte seja proteína, e que entre 44 a 66% das
calorias tenham origem lipídica, o que não agrava o problema da deposição lipídica hepática
desde que o conteúdo proteico da dieta seja suficiente81
. Esta formulação dietária está em linha
com a dieta passível de ser fornecida a gatos saudáveis, em que até 66% da energia pode ser
de proveniência lipídica sem originar alterações na colestrolémia ou trigliceridémia85
. Já
hidratos de carbono não devem ser adicionados para aumentar a densidade energética da
fórmula81
.
No cálculo para os requerimentos energéticos necessários, fora o objetivo de suprir os
requerimentos energéticos, é importante a administração da quantidade máxima proteica que o
individuo consiga tolerar. Nos casos de encefalopatia hepática não se deve realizar restrição
proteica, mas sim diminuir a quantidade em cada refeição e aumentar a frequência das
mesmas69,81
.
81
Deve se sempre averiguar a constituição da dieta que está a ser administrada para
confirmar se as quantidades de arginina (250mg/100Kcal) e taurina (250 mg/dia) são
suficientes81
.
Síndrome de realimentação pode ocorrer quando os animais em jejum prolongado
retomam a alimentação. Nos animais que estiveram em anorexia prolongada e são sujeitos a
uma brusca administração calórica, levando a uma libertação súbita de insulina, ocorre uma
quebra súbita no potássio e fosfato sérico, dando origem a hemólise, destacando-se ainda
vómito, diarreia e possível choque, merecendo portanto monitorização destes parâmetros69
.
Após o início da alimentação é possível a ocorrência de vómito e que este não seja
causado por desequilíbrios eletrolíticos, complicações no posicionamento do tubo, ou doenças
concomitantes gastroentéricas, deve ser controlado com anti eméticos tais como a
metoclopramida (0.2 mg/kg IV cada 6 horas ou 1 mg/kg/dia IV em infusão contínua),
ondansetron (de 0.1 a 0.5 mg/kg IV a cada 8 a 12 horas) ou maropitant (1 mg/kg por dia
subcutâneo ou IV), usados a solo ou em conjunto, sem efeitos secundários conhecidos da
terapia conjunta destes três fármacos, pretendendo-se obter um paciente sem vómito ou
náusea81,86
. Algumas fontes referem que o uso prolongado de maropitant é desaconselhado em
animais com metabolismo hepático comprometido86
.
Ao controlo da náusea junta-se ainda a proteção gástrica, recomendando-se omeprazol
(1 mg/kg oral a cada doze horas) que evita a esofagite causada pelo refluxo em animais que
têm emese frequente81
.
Uma vez que as reservas de cobalamina são hepáticas o risco de animais com lipidose
hepática desenvolverem deficiências sintomáticas de cobalamina é elevado81
.
No entanto a interpretação da concentração de cobalamina sérica não é fiável para a
determinação do estado de carência metabólica nesta molécula em animais com lipidose
hepática que apresentem valores dentro do padrão. Uma possível explicação para tal é que as
reservas de cobalamina do organismo são maioritariamente hepáticas, sendo que uma
carência em absoluto não se reflita em valores séricos diminuídos. Por exemplo na espécie
humana podem se apresentar valores discordantes entre concentrações séricas normais e
baixas concentrações tecidulares81
.
Nos casos de pré existência de patologia infiltrativa entérica, como é o caso da IBD ou
de patologia pancreática, os animais encontram-se em risco de carência, o que por sua vez
predispõe para a anorexia, bem como promove algumas das alterações metabólicas que se
verificam como consequência da lipidose hepática81
.
Mesmo após suplementação como está formulado na terapia apropriada, a questão
poem-se acerca da capacidade que animais com lipidose hepática possuem para fazer uso da
cobalamina na forma em que esta é administrada81
.
82
Após administração a cianocobalamina tem que ser metabolizada no fígado e parte tem
de ser conjugada com glucationa, molécula essa que por sua vez se encontra em deficiência.
Assim sendo e apesar da suplementação adequada e confirmação através de medição sérica
da mesma, o animal pode não ser capaz de utilizá-la a nível metabólico em quantidade
significativa num curto espaço de tempo. Este efeito pode ser mitigado pela adição de alfa –
tocoferol e de doadores de tiol ao tratamento, uma vez que favorecem a formação da forma da
ativa da cobalamina81
.
Em estudos realizados a administração de L-carnitina em gatos obesos que
atravessaram um período de perda acentuada de peso foi correlacionada com efeitos
benéficos ao nível metabólico na oxidação de ácidos gordos, facilitando a oxidação lipídica nos
animais suplementados com L-carnitina, correspondendo a uma perda de peso mais rápida em
situações de restrição calórica, e melhorando os tempos de sobrevivência em gatos com
lipidose hepática. As doses descritas variam de 250 a 500 mg/dia87
.
É comum animais com esta patologia terem os tempos de coagulação aumentados, e nesses
casos a suplementação com vitamina K1 está indicada sempre que exista coagulopatia
provada ou no momento da admissão, mesmo que as provas de coagulação não tenham sido
efectuadas. Na maioria dos pacientes as coagulopatias são rapidamente corrigidas, cerca de
12-24 horas após o início da suplementação com 0.5 – 1.5 mg/kg IM ou SC, 3 doses a cada
12h 69
.
Já outros suplementos tais como vitamina E, ácido ursodeoxicolico, S-adenosil metionina e
N acetil cisteína, são mencionados na literatura mas sem estarem correlacionados, quando são
administrados no tratamento desta patologia, com uma melhoria no tempo de sobrevivência
dos animais70,81
.
8. Prognóstico
Quando celeremente tratados com suporte nutricional e na ausência de patologia
subjacente, a taxa de recobro dos felinos com lipidose hepática é de 80%. Entre os fatores de
prognóstico positivos contam-se uma menor idade do paciente, ausência de vómito ou
ptialismo, uma diminuição no valor sérico de bilirrubina a partir do momento da admissão do
paciente, bem como a precocidade na colocação do tubo69,70,88
.
Um possível marcador de prognóstico proposto é a medição da concentração sérica de
beta hidroxibutirato, sendo que diminuições nas medições seriadas estão associadas à
melhoria do balanço energético do paciente e, portanto, a melhor prognóstico59,64
Os fatores de prognóstico negativo refletem a ausência de melhorias no metabolismo
hepático durante o internamento e, portanto, manutenção de um estado energético e balanço
azotado negativo, contando-se entre eles a hipoalbuminemia, hiperamonemia,
83
hipocolestrolemia, hiperbilirrubinemia e hipoglicemia. Outros fatores de prognóstico negativo
são a existência de anemia, e ainda a elevada atividade da creatina quinase69,70,88
.
Podem ainda ocorrer complicações no decurso do internamento que deem origem a um
pior prognóstico, destacando-se a sobre hidratação, perdas de fluido para o terceiro espaço,
efusão, ascite, regurgitação do tubo, ileus, recuperação lenta da anestesia, síndrome de
realimentação e anemia hemolítica64
.
Em casos raros hipotensão, devido a função cardíaca alterada como consequência do
conjunto de hipoalbuminémia e desequilíbrios eletrolíticos, o prognóstico também é pior69,70,88
.
Ionogramas que não apresentem melhoras, isto é, hipocalemia hiponatremia e
hipocloremia persistentes também estão associados a um aumento na morbilidade e
mortalidade69,70,88
.
84
III. Caso Clínico – Zézinha
Identificação do paciente
Espécie: Felina
Raça: Europeu comum
Idade: 10 anos
Sexo: Fêmea
Castrada
Peso à admissão: 4,99 Kg
Historial Clínico
A paciente, Zézinha, apresentou-se à primeira consulta no HVAC sem historial de
doença prévia, sem profilaxias em dia, com teste rápido de FIV/FeLV negativo. Coabitava com
um cão e nove felinos, sem acesso ao exterior e a sua alimentação era ração seca própria para
felinos esterilizados.
Apesar de ser uma gata cuja tutora descreve sempre ter tido excesso de peso, a rondar
os 9 quilos, iniciou-se um processo de perda de condição corporal reportado a partir do início
do ano.
No dia 17 de novembro apresentou-se noutro CAMV, com queixas de episódios de
vómito e que o animal não melhorava com administração de fosfato de alumínio (Phosphalugel
12,38g®), apresentando ainda sinais de icterícia. Nesse dia foram feitas as seguintes análises
(Tabela 25). De modo a facilitar a interpretação dos resultados, os resultados fora dos valores
de referência foram assinalados a negrito.
Figura 4 – Zézinha (Fotografia original)
85
Tabela 25 - Resultados das análises sanguíneas do dia 17 de novembro de 2016.
Análises sanguíneas Resultados Valores de referência
Hemograma
Leucócitos (x109/L) 12,1 5,5 – 19,5
Linfócitos (x109/L) 2,2 0,73 – 7,86
Monócitos (x109/L) --- 0,07 – 1,36
Neutrófilos (x109/L) 9,9 3,12 – 12,58
Eosinófilos (x109/L) --- 0,06 – 1,93
Basófilos (x109/L) --- 0 – 0,12
Eritrócitos (x1012/L) --- 4,6 – 10,2
Hemoglobina (g/L) 10,7 85 – 153
Hematócrito (%) 33,2 26 – 47
Volume corpuscular médio (fL) --- 38 – 54
Hemoglobina corpuscular média (pg) --- 11,8 – 18
Concentração de hemoglobina corpuscular média (g/L) 32,3 29,0 – 36,0
Índice de distribuição eritrocitária (%) --- 16 - 23
Plaquetas (x109/L) 276 100 - 518
Bioquímicas séricas
Glucose (mg/dL) 85 71 – 148
Proteínas totais (g/dL) 7,6 5,7 – 7,8
Albumina (g/dL) 3,2 2,3 – 3,5
ALT (U/L) 106 22 - 84
Aspartato aminotransferase (AST) (U/L) 53 18 - 51
ALP (U/L) 250 38 -165
Creatinina (mg/dL) 1,8 0,8 – 1,8
Ureia (mg/dL) 18 17,6 – 32,8
86
Foi ainda realizada ecografia abdominal na qual se observou a existência de
espessamento da vesicula biliar, sendo assim sugestiva de colangiohepatite. O estado clínico
da paciente estava a piorar, havendo mais episódios de vómito, prostração, inapetência,
necessitando de alimentação forçada.
A paciente foi tratada em ambulatório, indo passar as noites a casa. A fluidoterapia foi
passada para via intravenosa, e foram administrados antibióticos, suplementação em
aminoácidos, protetor hepático, protetor gástrico, antiemético e anti-inflamatório não esteroide.
No decurso dos dias seguintes o quadro clínico agravou-se com a paciente a
apresentar ventroflexão do pescoço, mucosas ictéricas e pálidas, taquicardia e taquipneia e
estado mental deprimido.
A 23 de Novembro de 2016 (madrugada) o caso da Zézinha foi referenciado para o
HVAC a partir de outro CAMV com um quadro clínico e diagnóstico presuntivo de
colangiohepatite.
Devido à hipotensão apenas foi possível amostra para medição da glicémia e
ionograma (Tabela 26).
Tabela 26 - Resultados das análises bioquímicas do dia 22 de novembro de 2016.
Análises sanguíneas Resultados Valores de referência
Bioquímicas Séricas
Glucose (mg/dL) 85 71 – 148
Ionograma
Potássio (mEq/L) 2,1 3,4 – 4,6
Cloro (mEq/L) 107 107 – 120
Sódio (mEq/L) 148 147 - 156
Para corrigir desequilíbrios no ionograma foi iniciada fluidoterapia com NaCl a 0,9%
intravenoso, suplementando um litro com quarenta mil equivalentes de potássio.
Foi também iniciada terapêutica médica com:
- Omeprazol ® - antiácido, na dose de 1mg/Kg IV SiD
- Buprenorfina (Bupaq ®) - opióide, na dose de 0,02 mg/Kg IV TiD, para controlo da dor
- Metronidazol ® - anti-infecioso da família dos nitro-5-imidazóis, na dose de 10 mg/Kg IV BiD.
87
Pela manhã do dia 23 de novembro foi feita colheita de sangue para provas de
coagulação, que seguiram para laboratório, e iniciou-se suplementação subcutânea com
vitamina K (Kanakion MM 10 mg/1 ml®), na dose de 1mg/Kg BiD.
Ao final da noite o estado mental tinha melhorado, já conseguindo ir à caixa para urinar
sozinha, apresentando bilirrubinúria, e tinha comido um pouco e após insistência. Verificou-se
também que os locais de venopunção apresentavam hematomas.
Adicionou-se à medicação Denosyl 90 mg ®, suplemento dietético terapêutico
especialmente formulado para ajudar a função hepática, que contém S-adenosilmetionina.
No dia 25 de obtiveram-se os resultados das provas de coagulação, com os tempos
encontrando-se aumentados quase quatro vezes (Tabela 27). Como tal foi adiada a realização
de uma biópsia hepática até normalização dos tempos de coagulação.
A Zézinha nesta altura encontrava-se a comer esporadicamente, alerta e responsiva,
sem episódios de vómito e com um ligeiro aumento do murmúrio vesicular à auscultação
cardiopulmonar, já hemodinamicamente estável.
Tabela 27 - Resultados das provas de coagulação do dia 25 de novembro de 2016.
Análises sanguíneas Resultados Valores de referência
Provas de coagulação
TP (seg) 34 6 -10.8
TTPA (seg) 58 10.1 – 13.5
Fibrinogénio (mg/dL) 111 200 - 500
Nos dias seguintes a ingestão voluntária de comida, quer seca, quer húmida foi
limitada, bem como a ingestão de água. A paciente manteve-se ictérica, com os sons
pulmonares aumentados, mas a evoluir favoravelmente.
No dia 28 de novembro repetiu análises, expostas abaixo (Tabela 28).
Tabela 28 - Resultados das análises sanguíneas do dia 28 de novembro de 2016.
Análises sanguíneas Resultados Valores de referência
Hemograma
Leucócitos (x109/L) 13,21 5,5 – 19,5
Linfócitos (x109/L) 2,03 0,73 – 7,86
Monócitos (x109/L) 0,51 0,07 – 1,36
88
Neutrófilos (x109/L) 10,21 3,12 – 12,58
Eosinófilos (x109/L) 0,38 0,06 – 1,93
Basófilos (x109/L) 0,08 0 – 0,12
Eritrócitos (x1012/L) 3,8 4,6 – 10,2
Hemoglobina (g/L) 60 85 – 153
Hematócrito (%) 18 26 – 47
Volume corpuscular médio (fL) 42,5 38 – 54
Hemoglobina corpuscular média (pg) 15,8 11,8 – 18
Concentração de hemoglobina corpuscular média (g/L) 371 290 – 360
Índice de distribuição eritrocitária (%) 19,9 16 - 23
Plaquetas (x109/L) 294 100 - 518
Bioquímicas séricas
Glucose (mg/dL) 207 71 – 148
Proteínas totais (g/dL) 6,8 5,7 – 7,8
Albumina (g/dL) 2,4 2,3 – 3,5
GGT 6 1 -10
ALT (U/L) 164 22 - 84
ALP (U/L) 822 38 -165
Creatinina (mg/dL) 0,7 0,8 – 1,8
Ureia (mg/dL) 9 17,6 – 32,8
Ionograma
Cloro (mEq/L) 110 107 – 120
Potássio (mEq/L) 3,5 3,4 – 4,6
Sódio (mEq/L) 148 147 - 156
Provas de coagulação
TP (seg) 22 6 -10.8
TTPA (seg) >120 10.1 – 13.5
Fibrinogénio (mg/dL) 108 200 - 500
89
As provas de coagulação continuavam bastante aumentadas, e sendo que o paciente
sofria de anemia, foi realizado esfregaço sanguíneo e contagem de reticulócitos para descartar
a presença de anemia hemolítica. Assim a anemia foi caracterizada como anemia regenerativa.
Optou-se pela colocação de tubo nasogástrico e iniciou-se mirtazapina 15 mg ®, na
dose de 1,88 mg/gato PO a cada três dias e reajustou-se a fluidoterapia para NaCL 0,9%
suplementado com apenas 20 mEq de KCl.
No dia 30 de novembro foi realizada ecografia abdominal, onde se observou
hepatomegalia e aumento marcado da ecogenicidade do parênquima, imagem sugestiva de
lipidose hepática. Nesta altura conclui-se que seria importante a realização de uma biópsia de
fígado para confirmação do diagnóstico, mas a paciente apresentava os valores das provas de
coagulação ainda aumentados e não se encontrava suficientemente estável para sedação.
Neste dia, de forma a descartar uma possível náusea originando assim inapetência
alimentar, inicia maropitant (Cerenia ®) na dose de 1mg/Kg IV SiD, inibidor do reflexo do
vómito através do bloqueio dos recetores NK-1 no centro do vómito.
Iniciou-se ainda a suplementação do soro com vitaminas do grupo B, eletrólitos,
aminoácidos (p.ex. Cloridrato de I-arginina, Cloridrato de I-cisteína, I-metionina) e dextrose
(Duphalyte ®)89
.
No dia 2 de dezembro procedeu-se à colocação de tubo esofágico, devido às
dificuldades na alimentação através do tubo nasogástrico, com oclusões devido à consistência,
acumulação de comida que ocluía o lúmen, dificuldades na fixação e remoções por parte do
paciente.
A paciente foi sedada com butorfanol (Alvegesic ®) na dose de 0,02 mg/kg IV,
dexmedetomidina (Dexdomitor ®) na dose de 5mg/kg IV, a indução feita com propofol na dose
de 1mg/kg IV (Propovet®) e manutenção com isoflurano.
Após o tubo estar colocado realizou-se PAAF do fígado, tendo-se optado por não
realizar biópsia e histopatologia em virtude de as provas de coagulação não serem as mais
favoráveis. Os resultados citológicos indiciavam lipidose.
No dia da colocação do tubo fez apenas alimentação correspondente a 2/3 dos
requerimentos energéticos em repouso. Nos dias seguintes fez o valor total, espaçado em 5
refeições diárias, as quais tolerou bem sem queixas.
No dia 3 de dezembro para omeprazol e o metronidazol via intravenosa e passa a fazer
famotidina (Lasa 10 mg ®) na dose de 1mg/Kg SiD e metronidazol (Flagyl 250mg ®) na dose
de 12,5mg/Kg BiD via oral; é também adicionado Zentonil 100 mg® e parou o Denosyl 90 mg®.
No dia 3 de dezembro parou a suplementação com vitamina K.
90
No dia 5 de dezembro verificava-se ligeiro aumento de peso e ao realizar-se a
mudança de penso na inserção do tubo esofágico notou-se uma acumulação de pus na zona
de inserção do tubo e acrescentou-se à medicação amoxicilina com ácido clavulânico, na dose
de 15mg/Kg PO BiD. Nesse dia repetiu análises bioquímicas (Tabela 29).
Tabela 29 - Resultados das análises sanguíneas do dia 5 de dezembro de 2016.
Análises sanguíneas Resultados Valores de referência
Hemograma
Hematócrito (%) 19 26 – 47
Bioquímicas séricas
Proteínas totais (g/dL) 6,4 5,7 – 7,8
Albumina (g/dL) 2,1 2,3 – 3,5
ALT (U/L) 107 22 - 84
ALP (U/L) 459 38 -165
Apesar das melhorias nas análises o paciente continuava com hipoalbuminemia, e no
seguinte dia apresentou-se com taquipneia e elevado esforço expiratório, bem como murmúrio
vesicular aumentado.
Após realização de radiografia torácica verifica-se presença de líquido pleural. À
ecocardiografia foi reportado uma dilatação a parte direita do coração descartando-se
hipertensão pulmonar e associando-se a sobrecarga de fluidos conjuntamente com
hipoalbuminemia. Desta forma parou-se a fluidoterapia.
No dia seguinte continuava dispneica, voltou a realizar-se radiografia que mostrou
aumento da quantidade do líquido livre pleural. Atendendo ao aumento súbito nas pesagens
diárias e correlacionando com as radiografias torácicas, optou-se por proceder uma drenagem
pleural, tendo sido retirado 90 ml do hemitorax direito e 50 ml do hemitorax esquerdo, o que
correspondeu aproximadamente ao aumento de peso súbito inesperado. Para a sedação foi
administrado 0,2mg/kg butorfanol (Alvegesic®) e ainda 0,2mg/kg midazolam.
Após o procedimento a dispneia do paciente aliviou, o líquido drenado foi analisado e
veio a revelar-se transudado modificado (proteínas totais 2.0 g/dl; densidade especifica de
1.018). Adicionou-se à medicação pimobendano 1,25 mg/kg BiD PO e furosemida 0,5 mg/kg
BiD PO. Passados dois dias e devido a nova acumulação de líquido visível em radiografia, pelo
que foi necessária nova drenagem do líquido pleural.
91
Nos dias seguintes verificaram-se visíveis melhorias no estado geral do paciente, bem
como a nível do padrão e frequência respiratória, que se verificaram também no raio x,
No dia 9 de dezembro parou-se a buprenorfina e o metronidazol.
Devido a entraves financeiros e com o objetivo de ter alta condicionada nos dias
seguintes, com estado clínico e analises a permitirem.
O paciente teve alta condicionada no dia 10 de dezembro, seguindo com o tubo de
alimentação colocado, informados os tutores dos procedimentos de alimentação através de
mesmo e com a seguinte medicação:
- Pimobendano 1,25 mg/kg BiD PO
- Furosemida 0,5 mg/kg BiD PO
- Amoxicilina e ácido clavulânico 250 mg (Clavucil 250mg ®), na dose de 15mg BiD PO
- Famotidina (Lasa 10 mg ®) na dose de 1mg/Kg SiD
- Mirtazapina 15 mg ®, na dose de 1,88 mg/gato PO a cada 3 dias
- Zentonil 100mg ® 1 comprimido SiD PO
As análises que se seguem foram controlos feitos após a alta.
Tabela 30 - Resultados das análises sanguíneas do dia 13 de dezembro de 2016.
Análises sanguíneas Resultados Valores de referência
Hemograma
Hematócrito (%) 20 26 – 47
Bioquímicas Séricas
Proteínas totais (g/dL) 8,8 5,7 – 7,8
Albumina (g/dL) 2,8 2,3 – 3,5
ALT (U/L) 406 22 - 84
ALP (U/L) 536 38 -165
Ionograma
Cloro (mEq/L) 105 107 – 120
Potássio (mEq/L) 3,1 3,4 – 4,6
Sódio (mEq/L) 148 147 - 156
92
Tabela 31 - Resultados das análises bioquímicas do dia 19 de dezembro de 2016.
Análises sanguíneas Resultados Valores de referência
Bioquímicas Séricas
Creatinina (mg/dL) 0,6 0,8 – 1,8
Ionograma
Cloro (mEq/L) 107 107 – 120
Potássio (mEq/L) 3,4 3,4 – 4,6
Sódio (mEq/L) 149 147 - 156
Tabela 32 - Resultados das análises bioquímicas do dia 12 de abril de 2017.
Análises sanguíneas Resultados Valores de referência
Bioquímicas Séricas
ALT (U/L) 301 22 - 84
ALP (U/L) 241 38 - 165
Tabela 33 - Resultados das análises bioquímicas do dia 21 de junho de 2017.
Análises sanguíneas Resultados Valores de referência
Bioquímicas Séricas
ALT (U/L) 218 22 - 84
ALP (U/L) 262 38 - 165
93
1. Discussão do caso clínico
A lipidose hepática é uma patologia com origem primária idiopática ou secundária a
outro processo patológico pré-existente77
. A sua etiopatogenia ainda não está completamente
esclarecida, mas sabe-se que os processos metabólicos fisiológicos da espécie felina
predispõem a que animais obesos que passem períodos de tempo em anorexia, sofram um
processo de mobilização lipídica periférica e subsequente armazenamento lipídico nos
hepatócitos, progredindo até a função hepática estar comprometida71
.
No caso clínico acompanhado pelo autor, o felídeo fêmea apresentava no seu historial
clínico um diagnóstico presuntivo de colangiohepatite, durante o qual desenvolveu os sinais
clínicos de anorexia, vómito, perda de condição corporal crónica, bilirrubinúria e mucosas
ictéricas70
.
Nas análises laboratoriais realizadas inicialmente antes do internamento no HVAC
pode se verificar presença de anemia e um ligeiro aumento nas enzimas hepáticas ALP e ALT,
mas aquando da repetição das mesmas o valor do aumento das enzimas hepáticas foi muito
mais marcado. O aumento marcado de ALP e o valor normal de GGT, tal como é descrito na
literatura revista, considerado como característica do perfil bioquímico de pacientes com
lipidose hepática, também foi verificado no paciente em questão77
.
O conjunto da anamnese, exame físico, sinais clínicos e exames laboratoriais, que
evidenciados separadamente seriam considerados inespecíficos, em conjunto apontam para
doença hepática em progresso, sendo que os achados que a imagiologia ultrassonográfica
trouxe permitiram o diagnóstico de colangiohepatite, para o qual o paciente foi tratado e
continuou a ser após internamento no HVAC.
Em concordância com episódios de vómito crónico e os sinais clínicos apresentados, o
ionograma veio a relevar que os valores mensurados estavam no limite inferior, sendo que a
fluidoterapia foi ajustada para corrigir esse desequilíbrio.
A alimentação foi sendo forçada, mas mesmo estando o vómito controlado e náusea
ausente veio-se a revelar em quantidade insuficiente para suprir os requerimentos energéticos
diários estimados para o paciente.
A albumina e BUN no limite inferior suportaram as suspeitas da existência de
agravamento no metabolismo hepático88,90
.
Tendo em conta as análises laboratoriais realizadas optou-se pela colocação de tubo
nasogástrico. O paciente iniciou suplementação de vitamina k ainda antes de se ter a resposta
aos resultados das provas de coagulação77
. O tubo colocado veio-se a revelar propenso a
entupir ainda que a dieta administrada no mesmo fosse adequadamente diluída, tubo esse de
difícil fixação e de fácil auto-remoção por parte do paciente.
94
Na repetição da ecografia abdominal foi observada uma imagem compatível com um
processo de lipidose hepática76,91
, processo esse que foi confirmado pela citologia da PAAF
realizada durante a ecografia.
O método de diagnóstico definitivo, biopsia hepática e análise histológica, como é
descrito na bibliografia era desaconselhado considerando as provas de coagulação do
paciente70,92
.
Optou-se então pela colocação de tubo esofágico, considerando o imperativo da
necessidade aporte nutricional e calórico neste paciente para a melhoria do quadro clínico e
dos resultados das análises laboratoriais84,93
. A cirurgia decorreu sem percalços, o recobro foi
rápido e o paciente tolerou bem as alimentações pelo novo tubo.
No decurso do internamento o aumento dos sons respiratórios foi percetível à
auscultação, ainda que sem esforço respiratório por parte do paciente. No entanto esta
situação veio a alterar-se posteriormente, com o paciente a desenvolver esforço respiratório e
acumulação de líquido pleural. Tal acumulação foi indiciada quando se observou o aumento de
peso súbito no paciente. Foi efetuada ecocardiografia, mas não foram encontrados achados
que justificassem a acumulação de líquido pleural, ou que fizessem suspeitar de doença
cardíaca.
A hipoalbuminemia e baixa pressão oncótica podem ter sido o fator despoletante da
efusão pleural, uma vez que os valores mais baixos foram registados coincidentemente com a
ocorrência de dispneia no paciente. Equacionando que o paciente esteve com duas taxas de
manutenção de cristalóides isotónicos (Taxa de manutenção (ml/h) = 𝑃𝑒𝑠𝑜(𝐾𝑔)×30+70
24), teria sido
uma alternativa a considerar a instauração de colóides.
Outra complicação reportada neste caso foi a reação de corpo estranho ao tubo com
inflamação da zona contígua, infeção e supuração do local de inserção do tubo esofágico,
ainda que fosse feita limpeza com antisséptico aquando da mudança de penso, mudança essa
que passou a ser diária quando antes era a cada dois dias.
A abordagem terapêutica médico-cirúrgica feita foi em tudo semelhante ao descrito na
literatura para esta patologia70,77,81,84,93
. Fez ainda tomas de suplementos da função hepática,
S-Adenosil Metionina e Silimarina, sendo que apresar de a sua utilidade não se correlacionar
com melhor prognóstico nesta patologia em particular, é provado que ajudam a melhorar a
função e metabolismo hepático, sendo que a S-Adenosil Metionina contribui para a síntese de
carnitina necessária para a beta oxidação de ácidos gordos, bem como para a produção de
glutationa fulcral para a protecção contra danos oxidativos94
. Teria sido uma alternativa a
colocação imediata de tubo esofágico tendo em conta a utilidade questionável que o tubo
nasogástrico trouxe ao tratamento, sendo que o valor estimado de calorias que foi possível
95
administrar ao paciente pelo tubo nasogástrico, entre complicações como auto remoção pelo
paciente e entupimentos, ficou aquém do que era projetado.
A mensuração seriada nas concentrações séricas de bilirrubina poderia ter sido
realizada para monitorizar o progresso favorável do tratamento88
.
Relativamente ao prognóstico neste caso clínico, o aumento nas mensurações de peso
e a diminuição nas concentrações de enzimas hepáticas após a alta do paciente permitiram
antever um prognóstico favorável e recuperação do paciente64
. Após a remoção do tubo de
alimentação o animal retomou a alimentação voluntária.
Após este episódio o paciente recuperou peso e viveu saudável durante mais dois anos
aproximadamente, antes de ser acometido de outra patologia, desta vez diabetes mellitus, na
qual acabou por sucumbir.
96
Conclusão
O estágio no Hospital Veterinário Arco do Cego foi mais um passo para a
aprendizagem académica do autor, permitindo por em prática os conhecimentos adquiridos
durante o curso, mas também a integração na vertente prática do funcionamento hospitalar,
com a integração numa rotina de trabalho, inclusão na troca de ideias com os clínicos, e a
vertente da educação e dialogo com o tutor, somando tudo para se conseguir providenciar o
melhor cuidado aos pacientes.
A compilação do relatório casuístico permitiu uma retrospeção acerca da incidência de
patologias nas diferentes áreas clínicas, sendo que permitiu ainda expandir conhecimentos nas
diferentes áreas, bem como melhorar o processo de raciocínio clínico.
A lipidose hepática foi o tema escolhido, tanto pelo interesse despertado no autor pela
medicina felina em geral e por esta doença em particular, e ainda devido à incidência
significativa desta patologia no decorrer do estágio. Acredita-se que o aprofundamento deste
tema será vantajoso para o futuro profissional do autor.
97
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a
ANEXO I
Tabela 1 - Estadiamento de hipertensão arterial
Classificação mm Hg
Normotensivo – risco TOD mínimo < 140
Pré-hipertensivo – baixo risco TOD 140 - 159
Hipertensivo – risco TOD moderado 160 -179
Severamente hipertensivo – alto risco TOD
≥ 180
b
Tabela 2 – Estadios da DRC, classificados de acordo com concentração de creatinina sérica. Adaptado de International Renal Interest Society
Recommendations30
.
Estadio da DRC Concentração sérica de creatinina (mg/dL)
Gatos Cães
Estadio 1 Não azotémico
< 1,6 < 1,4
Estadio 2 Não azotemia a azotemia renal ligeira
1,6 - 2,8 1,4 - 2
Estadio 3 Azotemia renal moderada
2,9 - 5 2,1 - 5
Estadio 4 Azotemia renal severa
> 5 > 5
Tabela 3 – Estadios da DRC, classificados de acordo com o rácio UPC. Adaptado de International Renal Interest Society Recommendations30
.
Estadio da DRC Rácio UPC
Gatos Cães
Não proteinúrico < 0,2 < 0,2
Proteinúrico borderline 0,2 – 0,4 1,4 - 2
Proteinúrico ≥ 0,4 ≥ 0,5
c
Quadro 1 – Abordagem terapêutica consoante os estadios. Adaptado de International Renal Interest Society Recommendations30.
Estadio 1 Estadio 2 Estadio 3 Estadio 4
1. Identificar e corrigir quaisquer
distúrbios pré-renais ou pós-renais.
A desidratação é a anormalidade
pré-renal mais comum encontrada,
especialmente se a capacidade de
concentração de urina estiver
comprometida.
2. Identificar e tratar quaisquer
processos de doenças primárias
tratáveis ou doenças complicadoras
(por exemplo, infeções do trato
urinário e ureterólitos).
3. Identificar e tratar a
hipertensão e a proteinúria renal.
4. Descontinuar todas as drogas
potencialmente nefrotóxicas.
5. Avaliar a estabilidade ou
progressão da DRC monitorando os
pacientes pelo menos duas vezes
1. Seguir todas as indicações
para o estadio 1 da DRC.
2. Identificar e tratar qualquer
doença renal primária ou condição
complicante, é ainda uma meta
importante no estadio 2 da DRC.
3. Reduzir a ingestão de fósforo
com dietas renais e ligantes de
fosfato entérico (se necessário para
atingir as metas) — Este é um
objetivo principal de tratamento
para cães e gatos com estadio 2 e
além da DRC.
4. Considerar a suplementação
de calcitriol.
5. Monitorar os pacientes quanto
à acidose metabólica. Pacientes
com DRC em estágio 2 devem ser
monitorados quanto à acidose
1. Seguir todas as indicações para
os estadios 1 e 2 da DRC.
2. Continuar os tratamentos
renoprotetores, pois é importante
retardar a progressão da doença.
3. Iniciar o tratamento
sintomático para melhorar a
qualidade de vida.
4. Avaliar a estabilidade ou
progressão da DRC monitorando os
pacientes a cada 3 meses; aqueles
com estadio inicial 3 de DRC
podem ser monitorados a cada 6
meses, enquanto aqueles com
estadio final 3 de DRC devem ser
monitorados a cada 1 a 2 meses
1. Seguir todas as indicações
para os estadios 1, 2 e 3 da DRC.
2. Continuar os tratamentos
renoprotetores.
3. O tratamento sintomático para
melhorar a qualidade de vida é um
dos pontos mais importantes neste
estadio.
4. Parar a espiral catabólica da
desnutrição calórica - um dos
principais objetivos do tratamento
no estágio 4 da DRC. Estimulantes
do apetite, antieméticos e drogas
bloqueadoras do ácido gástrico
tornam-se importantes nesses
pacientes, mas a correção de
défices metabólicos (por exemplo,
desidratação) e excessos (por
exemplo, hiperfosfatemia) é uma
d
ao ano. Aqueles com hipertensão
limítrofe e proteinúria devem ser
monitorados de perto.
metabólica, medindo-se as
concentrações séricas de
bicarbonato ou de CO2 total. Se
necessário, a terapia dietética renal
pode ser suplementada com
bicarbonato de sódio oral ou
bicarbonato de potássio para
manter as concentrações séricas de
bicarbonato na faixa de 18 a 24
mmol / L.
6. Avaliar a estabilidade ou
progressão da DRC, monitorizando
os doentes a cada 3 a 6 meses.
prioridade mais alta
5. Monitorar atentamente as
concentrações de creatinina sérica
no estadio 4 de cães e gatos com
DRC a ser tratados com drogas
vasoativas para hipertensão e / ou
proteinúria
6. Reavaliar os pacientes a cada
1 a 2 meses.