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XX Concurso del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública “¿Cómo enfrentar los desafíos de la transversalidad y de la intersectorialidad en la gestión pública?” Caracas, 2007 INTERSETORIALIDADE COMO PRINCÍPIO E PRÁTICA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: REFLEXÕES A PARTIR DO TEMA DO ENFRENTAMENTO DA POBREZA Carla Bronzo _____________________________ Primer Premio 1. Introdução A discussão conceitual sobre o tema da intersetorialidade é desafiadora. A emergência do tema da intersetorialidade na agenda pública vem mesclada com outros termos -transversalidade, cross cutting, matricialidade- sendo difícil estabelecer, sem ambigüidades, os limites e as distinções entre eles. Trata-se de uma concepção de ampla e rápida difusão, sendo apropriada por gestores e acadêmicos de forma diversa, sem clareza suficiente sobre o que essa concepção significa, o que a caracteriza, sob quais dimensões pode ser analisada. Tem-se, contudo, suficiente consenso na literatura de que tais concepções acenam para um conjunto de inovações no âmbito da gestão pública, em um contexto no qual os sistemas técnicos especializados e as estruturas fortemente hierarquizadas e verticais são confrontados com novos objetivos e demandas políticas e sociais, novas temáticas e problemas de novos segmentos da população, que exigem uma remodelagem das velhas estruturas organizacionais, novas respostas das quais a intersetorialidade é apenas uma das alternativas possíveis. Esse texto aborda o tema da intersetorialidade na gestão pública com ênfase nas políticas voltadas para o enfrentamento da pobreza. Esse recorte é necessário para viabilizar maior aderência da discussão aos desafios concretos de políticas com objetivos específicos, o que pode permitir avançar na compreensão dos desafios para a implementação da intersetorialidade na produção de políticas públicas. Existem razões para estabelecer essa delimitação na abordagem da intersetorialidade, focando-a a partir da problemática da pobreza. Pouco consenso há quanto às formas de se conceber o fenômeno da pobreza, caracterizá-lo e mensurá-lo. Muito menos consenso existe quando se trata das formas e conteúdos das políticas, bem como das condições necessárias e suficientes para seu êxito. Embora muito se produza sobre o fenômeno da pobreza, suas manifestações e formas de mensuração, não parece existir um estoque de conhecimento que permita a identificação e o uso de “tecnologias” adequadas e suficientes para se desenhar estratégias de políticas públicas efetivas para o enfrentamento da pobreza e de novas formas de exclusão social. O trabalho focaliza o tema da intersetorialidade para delinear um conjunto de pressupostos importantes para o desenho de estratégias de intervenção no campo das políticas de enfrentamento da pobreza. Intersetorialidade remete a uma concepção de natureza substantiva sobre como compreender e analisar a pobreza e também a uma estratégia de gestão que decorre dessa perspectiva. Trata-se de um esforço de depurar o conceito e de operacionalizá-lo a partir do exame de estratégias de inclusão social desenvolvidas em duas metrópoles brasileiras: Belo Horizonte e São Paulo. O texto está estruturado a partir dessas considerações e objetivos, sendo que a seção seguinte afirma que a perspectiva da intersetorialidade decorre de uma compreensão ampliada da pobreza, o que remete a um fundamento de natureza substantiva/conceitual. A terceira parte identifica a expressão dessa concepção nas estruturas e processos institucionais e considera a intersetorialidade como a estratégia de gestão adequada para fornecer respostas efetivas para o enfrentamento e superação da pobreza, principalmente a pobreza crônica. Nesse ponto também a perspectiva da intersetorialidade é analisada sob a ótica da governança, o que remete ao significado que o termo intersetorialidade tem em outros países da Europa e América Latina, utilizado para se referir à interação entre os diversos setores -Estado, mercado e sociedade- em uma visão de governo relacional e multinível. Com base nesses três pontos apresentados sobre o tema da intersetorialidade e pobreza, a

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XX Concurso del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública “¿Cómo enfrentar los desafíos de la transversalidad y de la intersectorialidad en la gestión pública?” Caracas, 2007

INTERSETORIALIDADE COMO PRINCÍPIO E PRÁTICA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: REFLEXÕES A PARTIR DO

TEMA DO ENFRENTAMENTO DA POBREZA

Carla Bronzo _____________________________

Primer Premio

1. Introdução

A discussão conceitual sobre o tema da intersetorialidade é desafiadora. A emergência do tema da intersetorialidade na agenda pública vem mesclada com outros termos -transversalidade, cross cutting, matricialidade- sendo difícil estabelecer, sem ambigüidades, os limites e as distinções entre eles. Trata-se de uma concepção de ampla e rápida difusão, sendo apropriada por gestores e acadêmicos de forma diversa, sem clareza suficiente sobre o que essa concepção significa, o que a caracteriza, sob quais dimensões pode ser analisada. Tem-se, contudo, suficiente consenso na literatura de que tais concepções acenam para um conjunto de inovações no âmbito da gestão pública, em um contexto no qual os sistemas técnicos especializados e as estruturas fortemente hierarquizadas e verticais são confrontados com novos objetivos e demandas políticas e sociais, novas temáticas e problemas de novos segmentos da população, que exigem uma remodelagem das velhas estruturas organizacionais, novas respostas das quais a intersetorialidade é apenas uma das alternativas possíveis.

Esse texto aborda o tema da intersetorialidade na gestão pública com ênfase nas políticas voltadas para o enfrentamento da pobreza. Esse recorte é necessário para viabilizar maior aderência da discussão aos desafios concretos de políticas com objetivos específicos, o que pode permitir avançar na compreensão dos desafios para a implementação da intersetorialidade na produção de políticas públicas.

Existem razões para estabelecer essa delimitação na abordagem da intersetorialidade, focando-a a partir da problemática da pobreza. Pouco consenso há quanto às formas de se conceber o fenômeno da pobreza, caracterizá-lo e mensurá-lo. Muito menos consenso existe quando se trata das formas e conteúdos das políticas, bem como das condições necessárias e suficientes para seu êxito. Embora muito se produza sobre o fenômeno da pobreza, suas manifestações e formas de mensuração, não parece existir um estoque de conhecimento que permita a identificação e o uso de “tecnologias” adequadas e suficientes para se desenhar estratégias de políticas públicas efetivas para o enfrentamento da pobreza e de novas formas de exclusão social. O trabalho focaliza o tema da intersetorialidade para delinear um conjunto de pressupostos importantes para o desenho de estratégias de intervenção no campo das políticas de enfrentamento da pobreza.

Intersetorialidade remete a uma concepção de natureza substantiva sobre como compreender e analisar a pobreza e também a uma estratégia de gestão que decorre dessa perspectiva. Trata-se de um esforço de depurar o conceito e de operacionalizá-lo a partir do exame de estratégias de inclusão social desenvolvidas em duas metrópoles brasileiras: Belo Horizonte e São Paulo. O texto está estruturado a partir dessas considerações e objetivos, sendo que a seção seguinte afirma que a perspectiva da intersetorialidade decorre de uma compreensão ampliada da pobreza, o que remete a um fundamento de natureza substantiva/conceitual. A terceira parte identifica a expressão dessa concepção nas estruturas e processos institucionais e considera a intersetorialidade como a estratégia de gestão adequada para fornecer respostas efetivas para o enfrentamento e superação da pobreza, principalmente a pobreza crônica. Nesse ponto também a perspectiva da intersetorialidade é analisada sob a ótica da governança, o que remete ao significado que o termo intersetorialidade tem em outros países da Europa e América Latina, utilizado para se referir à interação entre os diversos setores -Estado, mercado e sociedade- em uma visão de governo relacional e multinível.

Com base nesses três pontos apresentados sobre o tema da intersetorialidade e pobreza, a

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quarta seção analisa as experiências concretas com o objetivo de fornecer um parâmetro empírico para aplicar o marco teórico sobre intersetorialidade depurado a partir da análise da literatura. A quinta seção traz algumas considerações finais, sem a pretensão de esgotar o tema.

2. Multidimensionalidade da pobreza e intersetorialidade: conexões no plano conceitual

Para compreender a problemática da pobreza no mundo contemporâneo, o enfoque tradicional da pobreza, calcado em uma perspectiva monetária, pode não ser mais suficiente. Existe um movimento, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento, no sentido de ultrapassar a visão da pobreza para além do enfoque monetário (Mideplan, 2002; Saith, 2001). Outros enfoques consideram que outras dimensões seriam centrais e necessárias: pobreza é um processo que envolve dimensões políticas, sociais e culturais, sendo, portanto, inadequado abordá-la exclusivamente sob o aspecto econômico. Entretanto, a centralidade da dimensão econômica permanece, embora essa não seja suficiente para caracterizar, por um lado e para superar, por outro, as condições de pobreza, principalmente a pobreza crônica. A unidimensionalidade presente no enfoque monetário da pobreza seria um obstáculo à compreensão do caráter multideterminado e multidimensional das condições de privação, o que abre espaço para outras abordagens sobre o problema da destituição.

Esse é um pressuposto e um ponto de partida de toda a construção do argumento: pobreza não pode ser suficiente e adequadamente caracterizada a partir da dimensão da renda e, sobretudo, políticas centradas exclusivamente na dimensão econômica são insuficientes para uma reversão adequada dos processos e condições de pobreza, principalmente em se tratado de um subgrupo de pobres, aqueles em condição de pobreza crônica.

Os enfoques mais recentes (necessidades básicas insatisfeitas, capacidades, exclusão social e vulnerabilidade e riscos) salientam o mesmo ponto: pobreza envolve uma multiplicidade de dimensões, fatores ou vetores de destituição. Nas situações de pobreza convergem fatores de natureza socioeconômica, culturais, familiares, individuais e institucionais, conformando trajetórias distintas. Quando se adota uma concepção ampliada de pobreza tem-se uma realidade multifacetada de carências e privações em interação, sustentando-se reciprocamente, gerando círculos perversos de exclusão. Concretamente podem-se identificar algumas dimensões relevantes para analisar os processos de exclusão social. Antes de tudo, a dimensão econômica, a ausência de renda. Não tem como negar esse ponto básico e irrefutável, principalmente em se tratando de sociedades monetarizadas. Além da renda, tem-se a dimensão dos bens e serviços aos quais as pessoas e famílias têm acesso e que marcam situações de inserção ou de não inserção no conjunto das políticas de proteção. A terceira seria a inserção no mundo do trabalho, o que envolve não apenas acesso à renda, mas também a uma identidade e dignidade social. A dimensão dos laços sociais e a vigência de mecanismos de solidariedade e reciprocidade corresponde ao quarto grande conjunto relacionado aos processos de exclusão. Além disso, têm-se os aspectos subjetivos, relativos a valores e atitudes e, finalmente, a dimensão da territorialidade, pois os territórios, através do estigma e da segregação, podem agregar outro componente aos processos de exclusão (Corera, 2002: 335).

Se é necessário adotar uma perspectiva multidimensional para caracterizar a pobreza, essa necessidade é ainda mais pungente para caracterizar a pobreza crônica, extensa no tempo e marcada pela intensidade das privações. Com esse conceito de pobreza crônica, por oposição à pobreza transitória, se quer salientar que a pobreza não é apenas múltipla, mas apresenta gradações, intensidades, níveis e tipos distintos de privações; pobreza crônica remete à intensidade da pobreza bem como à sua duração.

“These are the chronic poor: those who suffer poverty for many years, often for a lifetime, and who are likely to transfer their poverty to their children. They are the people who benefit least, or suffer most, from the current process of globalisation and policies for development and who are the most difficult to assist. They are found in poor and rich countries, remote rural areas and inner city slums. They experience social exclusion because of their gender, age, ethnicity, disability, caste

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and social position, among others”1

A multiplicidade das privações teria relação direta com a cronicidade da pobreza e sua transmissão intergeracional. Essa seria uma dimensão considerada para definir pobreza crônica: a transmissão entre as gerações (IGT - Poverty Intergenerationally Transmitted). Em uma definição mais restrita de pobreza crônica, a ênfase recai sobre essa dimensão e a transmissão intergeracional seria, ao mesmo tempo, uma característica e a causa da pobreza crônica. Uma primeira exigência analítica para abordar a transmissão intergeracional da pobreza consiste em saber como os fatores se relacionam, reforçando-se mutuamente para a perpetuação da situação através das gerações. O conhecimento maior das interações entre as diferentes dimensões, que se reforçam mutuamente, permite não apenas desenhar redes de proteção mais apropriadas, mas também pode contribuir para prevenir a transmissão intergeracional da pobreza. Os pobres crônicos experimentam várias formas de destituição ao mesmo tempo e essas combinações, sempre sujeitas tanto a fatores estruturais quanto idiossincráticos, configuram situações de perpetuação da pobreza, com crescente bloqueio às oportunidades de escape (Barrientos e Shepherd, 2003: 8).

Como essa discussão articula-se com a perspectiva da intersetorialidade? O reconhecimento de que existem tanto fatores estruturais quanto idiossincráticos que contribuem para a manutenção da pobreza crônica remete à necessidade de um olhar embasado pela perspectiva da integralidade, concebendo a problemática da pobreza crônica em toda sua amplitude e complexidade. A perspectiva da integralidade constitui a base da intersetorialidade e, no caso da pobreza, uma compreensão ampliada do fenômeno exige um olhar pautado pela integralidade. Pois uma compreensão adequada da questão da pobreza crônica remete a um reconhecimento de que são cronicamente pobres os que apresentam combinações de vetores diversos de vulnerabilidades: dados pela faixa etária, pelos problemas relativos aos territórios e áreas, condições de saúde, status social (grupos étnicos, religiosos, migrantes, refugiados etc.), incorporação adversa no mercado de trabalho, características diversas (raça, gênero deficiência etc), dentre outros. Para superar a pobreza crônica, tem-se que as políticas devem responder ao conjunto de fatores que estão na sua base, atuando sobre os elementos estruturais que a perpetuam e a reproduzem. O ponto é que para os que se encontram em uma determinada situação de destituição, os riscos aos quais estão submetidos e as capacidades de que dispõem para enfrentá-los os levam a adotar estratégias que acabam por aprisioná-los em um círculo perverso, ou “poverty trap” (Barrientos e Shepherd, 2003: 15). Romper tais círculos perversos demanda intervenções de natureza diversas, envolvendo diversos setores das políticas e diversos setores e atores sociais.

Como viabilizar ações e políticas integradas, focadas no desenvolvimento integral das pessoas em diversos âmbitos: educacionais, de saúde e bem-estar, trabalho e renda, habitação, acesso à cultura, ao lazer, ao universo da cidadania? Para superar de forma sustentável as situações de exclusão é necessário desenvolver um conjunto de ações diferenciadas, intersetorialmente articuladas, o que exige mais do que uma simples conexão ou agregação de setores. A demanda é por uma estratégia mais coletiva de enfrentamento da pobreza. A intersetorialidade é uma decorrência lógica da concepção da pobreza como fenômeno multidimensional. Esse é o primeiro registro sob o qual examinar o tema da intersetorialidade.

Uma formulação interessante que permite sistematizar e conferir maior operacionalidade à diretriz de intersetorialidade refere-se às concepções de condutores (“drivers”), mantenedores (“maintainers”) e interruptores (“interrupters”), tal como formulado por Hulme, Moore e Stepherd (2001), usados para identificar fatores condutores de natureza individual, familiar e territorial que conduzem a uma entrada nas situações de pobreza, os fatores de manutenção dessa condição que fazem com que as pessoas continuem pobres e os elementos chave que funcionam como interruptores e que possibilitam saídas sustentáveis da pobreza crônica e também da transitória. São

1 Citação retirada de documento Escaping poverty. Can policy reach the chronically poor? Insights Issue #46, March 2003, denominado ID21: “id21 is the free development research reporting service, bringing you the latest and best UK-resourced research on developing countries”.

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numerosos os condutores para a pobreza crônica (desigualdade, dinâmicas mercado de trabalho, choques econômicos e políticos, áreas remotas e estigmatizadas, vulnerabilidades múltiplas, baixo status de ativos), como também são variadas as formas pelas quais a pobreza se mantém e também são diversos os caminhos e processos que permitem superá-las. Tais condutores, mantenedores e interruptores da pobreza crônica, nas palavras dos autores, podem ser singulares ou podem atuar de forma interativa, combinando privações, reforçando a destituição e os processos de exclusão social.

“These drivers, maintainers and interrupters may be single, sequential and/or combinations. The more chronic and intractable the poverty, the more likely it is that we should be looking for sequences and combinations of factors to enable escape from, or even further slide into poverty” (Hulme, Moore e Shepherd, 2001)

A operação de múltiplos condutores, mantenedores e interruptores (drivers, maintainers e interrupters (nos termos de Hulme, Moore e Shepherd, 2001; Alwang, Siegel e Jorgensen, 2001) da pobreza crônica implica a adoção da abordagem intersetorial, uma vez que isso requer a convergência, para um mesmo público, de um conjunto de ações orientadas a reverter, prevenir ou mitigar os seus efeitos, dando forma a um sistema de proteção que funcione como rede e também como mola de propulsão para que indivíduos, domicílios, grupos e regiões consigam a saída sustentável dessa condição. Portanto, para fazer frente à problemática da pobreza crônica levando em conta sua complexidade, a conseqüência é desenhar estratégias de intervenção capazes de abranger distintos setores das políticas públicas, remetendo à atuação conjunta e necessária de vários programas e iniciativas sociais, que devem incidir diferentemente na diversidade de situações e momentos nos quais a pobreza se instala, se mantém ou é enfrentada no plano individual, familiar e comunitário.

Um primeiro aspecto sob o qual abordar a intersetorialidade no campo das políticas de enfrentamento da pobreza refere-se, portanto, a uma dimensão substantiva. Isso quer dizer que a exigência de integralidade na concepção do problema, que advém de uma visão multidimensional da pobreza, se traduz, no plano do desenho de políticas, em intervenções intersetoriais. A intersetorialidade como estratégia de gestão é a contraface da multidimensionalidade da pobreza, tema da próxima seção.

3. Intersetorialidade como estratégia de gestão

Na seção anterior o foco residiu na visão da pobreza como problema multidimensional, o que implica a adoção de uma abordagem integral capaz de responder com maior efetividade aos desafios colocados para o enfrentamento e efetivo equacionamento da pobreza crônica.

A presente seção considera a intersetorialidade - e a perspectiva de integralidade que ela expressa - como uma estratégia necessária (embora necessária em graus variados a depender das distintas situações) para compor políticas sociais adequadas para fazer frente aos desafios da pobreza e da exclusão. A intersetorialidade, no caso das políticas de enfrentamento da pobreza, ao espelhar uma visão multifacetada do problema, encontra correspondência, em outro nível de análise, com uma visão da pobreza como problema coletivo, que não se refere a um único ator (governo) e nem a apenas determinados setores do governo: a complexidade e multidimensionalidade da pobreza envolvem a percepção da pobreza como fenômeno coletivo e que deve, portanto, ser coletivamente enfrentado pelo conjunto das políticas e pelo conjunto dos diversos atores e setores sociais.

Para uma adequada aproximação do tema da intersetorialidade, essa seção aborda, em um primeiro momento, a intersetorialidade no marco de mudanças no âmbito da gestão pública para, em um segundo momento, abordar a intersetorialidade do ponto de vista conceitual e operativo e os desafios para sua operacionalização em estratégias concretas de gestão.

3.1 Intersetorialidade e modelos emergentes em gestão pública

Ao examinar a intersetorialidade do ponto de vista da gestão é importante situar, ainda que brevemente, o contexto de transformações no âmbito da gestão pública que permitem identificar o

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significado e as implicações dessa orientação emergente para a produção de políticas públicas e, principalmente, para a formulação e gestão de políticas sociais e de enfrentamento da pobreza.

Uma referência para se analisar as alterações recentes no âmbito da gestão pública encontra respaldo nas concepções de “gobierno de proximidad” (Blanco e Gomà, 2003), concepção que acentua o peso dos governos locais na formulação e provisão de bens e serviços sociais, e que encontra paralelo nos movimentos recentes na América Latina e Brasil (Raczynski, 1999), também marcados pelos processos de descentralização e de fortalecimento dos governos locais. A emergência da governança, em interpretações mais ousadas, poderia apontar para um outro paradigma de gestão, contrapondo-se às bases de sustentação do governo tradicional. Novos referentes como redes e governo relacional marcam a fragilização de estilos monopolistas, auto-suficientes e hierárquicos, que sustentavam os modelos tradicionais de governo.

Grande parte da literatura mais atual sobre gestão pública reconhece a ocorrência de mudanças substanciais nesse campo, expressas na tensão entre especialização (necessária para atender a demandas diferenciadas) e integralidade (necessária para possibilitar uma visão global sobre as pessoas atendidas e seus problemas), o que permite abordar o tema da intersetorialidade a partir desse registro, que se baseia, de forma muito mais direta, na capacidade das políticas de serem responsivas aos problemas identificados, de darem respostas que tenham aderência às necessidades da população ou do território. O ponto central aqui é que a gestão segmentada e setorializada e a definição setorial das políticas já não respondem de forma adequada aos desafios atuais. Nessa perspectiva, os modelos emergentes valorizam a perspectiva da integralidade da gestão. As mudanças no campo da gestão pública manifestam-se a partir de uma nova cultura de gestão que se contrapõe às “tendencias jeraquizantes, compartimentalizadoras, procedimentales y endogámicas de la ortodoxia burocrática para acercarse a un modelo que pretende introducir dinámicas participativas, integradoras, dirigidas a los resultados y en contacto directo con el entorno” (UAB, 1998: 40-41).

A organização pública tradicional, ou o modelo estável de gestão, como designado por Brugué (S/A: 93) é o campo das especializações funcionais, do profissionalismo, com estratégias de implementação centralizadoras e com ênfase na provisão e monopolização da prestação dos serviços. Contrapõe-se a um modelo dinâmico, baseado na proximidade, na participação, com ênfase na descentralização e na habilitação no campo da oferta de serviços, o que remete ao papel estratégico e relacional dos agentes (Brugué, S/A: 96).

Nesse momento de transição, os limites entre as distintas perspectivas -estruturas tradicionais de gestão e modelos emergentes- não são tão nítidas e não existe um solapamento total do governo tradicional para dar vazão a uma governança participativa e de proximidade. Tais perspectivas se sobrepõem na forma concreta dos governos atuarem, mas é importante aqui sinalizar uma tendência em curso, que enfatiza novas lógicas participativas e novas dinâmicas e modelos de gestão pautados pela transversalidade. Trata-se, como alguns autores pontuam, de um processo de mudança não apenas instrumental, formal ou organizativo, mas principalmente ético e cultural (Blanco y Gomà, 2003: 32). Nesse contexto de mudanças, a valorização da proximidade, do âmbito local, emerge como locus no qual as respostas podem fazer frente à diversidade de situações e onde é possível desenvolver novas dinâmicas de participação nos processos de governo.

Por essa via -da expansão da agenda dos governos locais, da emergência das redes multiníveis e da noção, portanto, de governo de proximidade-, tem-se uma aproximação em relação ao tema da intersetorialidade. Nesse sentido, o termo intersetorialidade articula-se de forma mais ampla com novas perspectivas no âmbito da gestão pública e, principalmente, no campo da gestão social, ao configurar-se como uma resposta mais adequada aos tipos de problemas enfrentados pelas políticas sociais voltadas para grupos mais vulneráveis ou em processo de exclusão social.

No campo da gestão social, a perda do monopólio da gestão pelo Estado significou a ampliação das parcerias público-privado e a presença mais direta de organizações não governamentais na provisão dos serviços, o que aponta, portanto, para a centralidade da perspectiva das redes e do governo relacional (Blanco e Gomà, 2003: 26) no debate sobre o desenvolvimento de

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políticas locais de inclusão social. Um governo relacional, estruturado para viabilizar a atuação de redes, fluxos e visões horizontais sobre as políticas setoriais, necessita de uma perspectiva de natureza mais substantiva sobre o papel de outras instituições e atores na formulação, desenho e gestão de políticas sociais. A idéia de rede tem se tornado um referente central nas discussões em diversos campos, para sinalizar a interconexão, a interdependência, a conformação necessária para dar conta da complexidade dos processos e da realidade social. A noção de redes multinível amplia a perspectiva de redes horizontais e remete não apenas à articulação entre atores de um mesmo nível, mas à interdependência entre níveis de governo (Blanco e Gomà, 2003: 29). A perspectiva da intersetorialidade, nesse caso, diz respeito não à integralidade de uma perspectiva substantiva sobre o problema da pobreza, como na seção anterior, mas sim à conexão necessária entre os diversos atores e distintos setores (governamental, privado, social, ou “terceiro setor”) para a conformação de um governo adequado para dar conta da complexidade do ambiente da gestão social.

Tais mudanças no âmbito das estratégias de gestão pública encontram ressonância no campo das políticas sociais. Alguns autores (UAB,1998; Brugué e Gomà, 1998a) propõem o modelo de serviços pessoais locais para traduzir o conjunto de mudanças na forma e conteúdo das políticas de bem estar na Europa e particularmente na Espanha, que explicitam a perspectiva da integralidade e do governo relacional como dimensões centrais e articuladas em uma política de proteção social. A categoria de serviços pessoais constitui o aporte específico dos governos locais de bem estar no fim dos anos 90, sendo que este modelo configura-se como um modelo integral, estratégico, participativo e comunitário de bem estar local, nos termos colocados por Brugué e Gomà (1998b: 45), que inclui tanto intervenções específicas, como respostas a situações conjunturais, quanto intervenções de caráter mais geral que remetem a situações estruturais (UAB, 1998, p. 29).

Os serviços pessoais não se referem a uma política ou setor específico das políticas, mas envolvem distintos setores das políticas municipais que tenham como eixo articulador das ações a atenção direta às pessoas, grupos e comunidades (UAB, 1998: 30). Os serviços pessoais incluem o conjunto de âmbitos de atuação setorial de competências e distintos níveis de governo, relacionado à assistência social, políticas de ocupação, habitação, saúde, educação, cultura (UAB, 1998: 63)2. Em termos operativos o modelo demanda um “marco organizativo integrado, intersectorial, con predominio de estructuras transversales y descentralizado” (UAB, 1998: 36).

O desenho das políticas de serviços pessoais a partir da definição de necessidades segundo critérios político-normativos, como é o caso do modelo de serviços pessoais, identifica as necessidades a partir da definição de um padrão desejável de provisão e acesso a determinados bens e serviços definidos como direito. Esse suposto implica que o volume da oferta de serviços decorrerá de uma decisão tomada com base em diagnósticos e como fruto de decisão política e programática, e não realizada de forma errática e altamente dependente das modificações do entorno. Esse modelo de serviços pessoais requer, para sua operacionalização, uma “gestión que supere la segmentación y el centralismo tecnoburocrático y los sustituya por un modelo de producción de servicios integrado, descentralizado, participativo y pluralista. Es decir, un modelo con participación transversal del conjunto de las áreas, con plena responsabilización de la base y con combinación entre la provisión directa y la habilitación de agentes asociativos” (Brugué e Gomà, 1998b: 50).

Os serviços pessoais locais têm uma tarefa central. Nas palavras dos autores, “tienen que hacer posible que, a pesar de la diversidad de redes de servicios de organización verticales que hay, como enseñanza, sanidad o trabajo, su acción como conjunto sea coherente mediante la definición de objetivos y estratégias de tipo horizontal”.

O suposto fundamental aqui é que formular e implementar estratégias de intervenção que partam de uma visão multidimensional da pobreza e do reconhecimento de sua heterogeneidade 2 Um ponto interessante dessa discussão é a distinção, no âmbito dos serviços pessoais, entre “direitos subjetivos fortes” e “direitos subjetivos débeis”. Os primeiros estão consolidados e garantidos nas leis, como direito à educação e saúde; e os segundos não têm explicitação jurídica suficiente, ou quando têm, essa é abstrata e pouco concreta quanto aos critérios de elegibilidade. Como exemplo desses, têm-se os direitos à cultura, moradia, serviços sociais e trabalho (UAB, 1998: 65).

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demandam ações articuladas, coordenadas ou ainda desenvolvidas de forma intersetorial ou transversal. O modelo de serviços pessoais traduz essa perspectiva. Nas palavras de Serra (2004), a intersetorialidade (ou transversalidade) emerge como o instrumento de gestão de uma “visão poliédrica da sociedade”, uma adaptação necessária por parte das organizações públicas para enfrentar a multiplicidade de dimensões presentes nas situações de pobreza. Nesse sentido a abordagem transversal “es una alternativa limitada de la que dispone la organización para hacer frente a la multiplicidad de caras que tiene la realidad” (Serra, 2004: 7).

3.2 Intersetorialidade como estratégia para manejar complexidade

Na seção anterior a questão da intersetorialidade foi abordada a partir das inovações no âmbito da gestão pública, tendo o modelo de serviços pessoais como protótipo de uma abordagem transversal da proteção social e, portanto, do enfrentamento da pobreza. O que se tem com a emergência dos temas da intersetorialidade e transversalidade na agenda pública é uma redefinição conceitual e operativa das políticas públicas, principalmente sociais, que passam a exigir a integralidade na formulação e a transversalidade como lógica de implementação das políticas, conferindo às políticas transversais maior capacidade de integrar a complexidade (Gomá, 2004).

Nessa seção busca-se aprofundar na discussão conceitual sobre intersetorialidade, apontando questões trazidas pela análise da literatura sobre o tema e buscando tornar o conceito mais operacionalizável, de modo a permitir a análise de duas experiências concretas sustentadas por essa perspectiva.

Autores como Nuria Cunill Grau e Quim Brugué salientam, ainda que sob denominações e de forma distinta, a dupla dimensão da concepção de intersetorialidade, ao mesmo tempo conceitual/substantiva (no plano da concepção do problema e apreensão da realidade, no âmbito cognitivo, digamos assim) e institucional/organizacional (no campo da organização e gestão, no âmbito operacional). Na definição de Brugué, por exemplo, uma gestão afinada com a perspectiva da integralidade pode dar-se em duas vias: uma, no âmbito da concepção dos problemas e da atuação dos gestores, como uma forma de pensar integralmente a realidade, o que envolve mudanças no âmbito cultural e a aceitação de outros princípios e estratégias de ação; e outra no âmbito das estruturas organizativas, inovando em relação às segmentações existentes. Brugué identifica assim gestão e organização como duas vias nas quais a intersetorialidade se situa. Em um caso, como afirma Brugué, tem-se que a integralidade das políticas decorre de uma visão e uma cultura de gestão “que incorpore la comprensión compleja de los problemas y que, de esse modo, acepte la integralidad y la transversalidad como uma premisa de trabajo”. Em outro, no nível da organização, o ponto refere-se à integralidade na provisão dos serviços, bens e políticas e que “crucen las clásicas segmentaciones profesionales y que permitam ubicar em los circuitos de trabajo problemas complejos y multidimensionales” (Brugué, S/A: 94)3.

Nuria Cunill Grau, por sua vez, salienta duas premissas centrais que remetem ao fundamento político e ao fundamento técnico da intersetorialidade. Por fundamento político, a autora salienta que a busca por solução integral de determinados problemas e questões implica em uma busca pela integração dos diversos setores das políticas públicas. O fundamento técnico, por sua vez, remete ao ponto que a intersetorialidade permite uma atuação mais eficaz para resolver problemas sociais, uma vez que envolve compartilhamento de recursos e complementação das diferenças entre os diversos setores e, nesse caso, setor refere-se não às áreas ou campos das políticas públicas, mas para além do setor publico, envolve ainda o setor mercantil e o setor social (Cunill Grau, 2005). Nas

3 A estruturação da perspectiva da integralidade pode ser visualizada, no plano organizacional, nas mudanças de organograma. Um organograma mais integrado compõe-se não de inúmeros “caixotinhos” diversos e desconectados, como acontece nos modelos com excesso de especialização, mas de formação de áreas de ação, que buscam reduzir a sobreposição e duplicidade de ações. Mas, de acordo com Brugué, as experiências com estruturas integradas não resolveram os problemas, gerando outros, criando estruturas intermediárias sem poder suficiente de direção, complicando e alargando ainda mais os organogramas municipais. A matricialidade é uma outra inovação organizativa e que permite uma coordenação constante e em todos os níveis, como afirma Brugué (S/A: 97).

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palavras da autora, “En la primera premisa los sectores se corresponden con especialidades del conocimiento que, a su vez, remiten al criterio convencional de organización gubernamental (sector educación, sector salud, etc.). En la segunda premisa, en cambio, los sectores pueden referir también a las grandes lógicas de acción colectiva y mecanismos de coordinación social y, por tanto, la intersectorialidad, eventualmente, puede significar la articulación entre el sector público, el sector social, y el sector mercantil” (Cunill Grau, 2005: 2).

A abertura para uma visão de trabalho horizontal é o ponto chave e que caracteriza, de forma geral, tais formulações. De forma explícita, Serra (2004: 8)distingue transversalidade da cooperação inter-administrativa, da parceria público - privada, da participação cidadã, do estabelecimento de alianças estratégicas, da estruturação e gestão de redes. Todos esses seriam instrumentos de gestão organizativa, da mesma forma que a transversalidade, que pode ser definida como “instrumento organizativo adecuado para incorporar, en el trabajo del conjunto, o de una parte significativa de la organización, el tratamiento de políticas, problemas, puntos de vista, segmentos de población, etc. que reflejan la multidimensional de la realidad, sin eliminar ninguna de las dimensiones ya incorporadas en su trabajo a través de la estructura orgánica básica” (Serra, 2004: 8).

Questões relativas à dimensão não-material da pobreza, igualdade de gênero4, sustentabilidade, por exemplo, não são enquadradas em nenhum dos setores tradicionalmente existentes nas administrações públicas e demandam estruturas organizativas novas.

Transversalidade e intersetorialidade, tratadas aqui de forma intercambiável, são entendidas como meios de gestão, que podem se constituir a partir de critérios territoriais, a partir de eixos temáticos (exclusão, imigração), de faixas de idade ou de determinados coletivos (famílias monoparentais, deficientes, grupos étnicos etc.), sinalizando uma visão mais global pautando “estrategias que dan lugar a procesos de actuación multidimensionales, pero enhebrados por um hilo conductor, por un eje que se proyecta sobre múltiples campos específicos de política pública local” (Blanco e Gomà, 2003: 24).

Um ponto de partida importante para localizar o debate sobre intersetorialidade do ponto de vista da gestão adota a perspectiva de que tais arranjos, intersetoriais ou transversais, constituem uma parte soft da organização, enquanto dimensão complementar à estrutura organizativa básica ou hard (Serra, 2004: 2-3). Isso quer dizer que a perspectiva da intersetorialidade ou da transversalidade não pretende substituir as estruturas setoriais existentes, embora pressuponha a introdução de novos pontos de vista, novas linhas de trabalho e de objetivos em relação aos já existentes nos diversos setores (Serra, 2004: 4).

Albert Serra aponta como uma especificidade das estruturas transversais em relação às verticais, é que as primeiras“no incluyen la gestión operativa ni la producción y sí incluyen el análisis y lo relacionan con el entorno, el diseño de los objetivos y la planificación estratégica y operativa, el seguimiento y la evaluación del resultado operativo y social, y la evaluación estratégica” (Serra, 2004: 9). A capacidade de gestão e de produção pertence às estruturas verticais e setoriais. Isso quer dizer que os órgãos transversais são, nos termos de Serra, sistemas de relacionamento e de conhecimento e que alimentam as organizações de visões específicas e objetivos estratégicos de mudança social (Serra, 2004: 9). Embora não participem da gestão operativa do dia a dia, os órgãos transversais acompanham e monitoram o impacto da gestão transversal, o que os mantém ligados ao processo operativo, ainda que não diretamente.

A transversalidade confere um foco à organização, dirigindo a atenção para aspectos e temas considerados centrais e permitem intensificar a atuação sobre eles. O gestor da transversalidade necessita operar com instrumentos de gestão estratégicos, com domínio dos instrumentos de análise e desenho, de gestão relacional, gestão política e avaliação. As atividades principais para o trabalho transversal, segundo Serra residem a) na produção, análise e difusão de informação e conhecimento,

4 De acordo com Albert Serra, o uso pioneiro do termo transversalidade ocorreu nos anos 90, por ocasião da Quarta Conferência da Mulher da ONU, em Beijing, atrelada ao tema da igualdade de gênero, entendida como instrumento de implementação de políticas públicas de promoção dessa igualdade (Serra, 2004: 5).

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com a criação, gestão e suporte de expertise, experiências, técnicas e boas práticas para subsidiar a direção política e os órgãos verticais; b) no desenho e formulação de objetivos estratégicos, concepção e desenvolvimento de políticas e metodologias de trabalho e c) estruturação e gestão de redes relacionais internas e externas de tipo multilateral (Serra, 2004: 12-13). O trabalho transversal exige, sobretudo, recursos estruturados em torno de dois eixos: conhecimento (capacidade de análise, de formulação de estratégias) e capacidade relacional, o que limitaria, para esse tipo de gestão, o papel de recursos econômicos convencionais (orçamento, pessoal ou infra-estrutura), que são centrais nas estruturas verticais de gestão.

A gestão transversal permite conferir uma visibilidade horizontal à organização sem que se perca a qualidade técnica e a especialização, dimensões importantes e que dão forma à estrutura organizativa mais “dura” da organização. A intersetorialidade como diretriz de gestão exige mais do que uma articulação ou uma comunicação entre os diversos setores sociais. Pode-se pensar, como uma hipótese de trabalho, que a noção de intersetorialidade situa-se em um contínuo que abrangeria desde a articulação e coordenação de estruturas setoriais já existentes até uma gestão transversal, configurando formas intermediárias e arranjos organizativos que expressam a intersetorialidade de baixa ou de alta densidade. O posicionamento das iniciativas e arranjos nesse contínuo vai depender do grau de legitimidade e da centralidade do tema na agenda pública e no plano decisório; da magnitude dos arranjos e alterações institucionais necessárias para viabilizar a gestão horizontal das políticas; das alterações nas rotinas, práticas de trabalho e metodologias de entrega dos bens e serviços. É importante, portanto, considerar que a construção de um arranjo de natureza intersetorial pode ocorrer em três dimensões: a) no âmbito da decisão política trata-se de construir e legitimar consensos e pactuações que enfrentem a excessiva setorialização e departamentalização da estrutura administrativa encarregada da produção de políticas públicas; b) no âmbito institucional situam-se as alterações nas estruturas e nos mecanismos e processos existentes, visando criar instrumentos necessários e suficientes para dar materialidade aos desdobramentos da decisão política. Dentre tais alterações, tem-se as reformas no aparato administrativo que reestrutura setores e competências. Nesse sentido ganha relevância a capacidade de coordenação política e tecnicamente legitimada, capaz de estabelecer marcos e pautas comuns de ação, negociar interesses e neutralizar resistências às mudanças; c) no âmbito operativo das políticas as mudanças ocorrem nos processos de trabalho, o que exige a adoção de posturas mais cooperativas, disposição para compartilhar informações e restabelecer fluxos, reorientar a forma de provisão dos serviços públicos de modo a ajustá-los às demandas e necessidades identificadas (Veiga e Bronzo, 2005).

A hipótese aqui é que a intersetorialidade se diferencia, ainda que de maneira sutil, da articulação ou coordenação das ações, uma vez que, em uma versão “forte”, envolveria alterações nas dinâmicas e nos processos institucionais e no desenho e conteúdos das políticas setoriais. Coordenação é um termo que sinaliza um processo de articulação institucional que não pressupõe, necessariamente, alterações nas estruturas ou dinâmicas existentes nos diversos setores. A questão, contudo, é controversa. Para alguns autores, como Repetto (2004), a articulação intersetorial pode ser entendida como uma manifestação de coordenação. Para Serra (2004) e Cunill Grau (2005) vale a pena ressaltar as especificidades da intersetorialidade em relação aos elementos da coordenação.

Não existem formatos pré-definidos de programas ou estratégias intersetoriais no campo das políticas sociais5 ou de políticas mais específicas para o enfrentamento da pobreza; mas pode-se dizer que na origem de estratégias com esse formato existe sempre um diagnóstico sobre o caráter multideterminado e multifacetado do fenômeno da pobreza ou dos problemas sociais em geral.

5 Alguns exemplos de programas intersetoriais são fornecidos por Fernandez e Castiella (1998), que elencam algumas iniciativas que são desenvolvidas a partir dos anos 80 na Espanha, tais como o Projeto Jovem, de Barcelona, que funcionou para dar consistência ao princípio de políticas integrais, ao articular as diversas políticas setoriais em torno desse subconjunto da população. Posteriormente outras estratégias de políticas são desenvolvidas, nesse mesmo formato (Plan para Gente Mayor, Plan Municipal de las Mujeres, Plan de Infancia, Plan de la Interculturalidad, voltado para integração de imigrantes e minorias étnicas, dentre outros).

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Grande parte da literatura salienta basicamente o mesmo conjunto de questões: a estratégia da intersetorialidade pode permitir maior eficiência e resultados mais significativos quanto ao impacto e sustentabilidade das políticas, evitando sobreposições de ações e garantindo maior organicidade às mesmas. Permite, sobretudo, uma resposta integral e dessa forma, mais adequada e pertinente aos problemas identificados.

3.3 As formas e os desafios da intersetorialidade

O tema da intersetorialidade ganhou grande visibilidade e instantânea adesão de grande parte dos atores envolvidos seja com a análise ou a produção de políticas sociais e, dentre elas, as voltadas para o enfrentamento da pobreza e vulnerabilidade. Entretanto, para além de uma defesa retórica da intersetorialidade, para implementar essa diretriz nas intervenções públicas existem desafios bem concretos e nada triviais. Sem pretender esgotar o tema, nessa seção serão elencados algumas formas pelas quais a intersetorialidade se expressa e alguns desafios para sua efetividade, ainda que não seja possível apontar soluções para sua superação.

A lógica da setorialidade se expressa não só na cultura organizacional, estruturada em secretarias e programas especializados, como também nos mecanismos de destinação dos recursos e nos sistemas de informação. A inexistência de sistemas de informação compartilhados constitui um outro importante obstáculo para o desenvolvimento da gestão intersetorial. A maioria dos repasses, principalmente nas áreas de saúde, educação e assistência social, é destinada para fortalecer ações setorializadas. Conseguir esta articulação, inclusive do ponto de vista financeiro, não é algo simples e demanda um longo prazo para sua efetivação, além de forte adesão política e esforço de construção de estruturas e práticas institucionais adequadas para a gestão coordenada e intersetorial de políticas. O orçamento por rubricas constitui um nó central para o desenvolvimento da intersetorialidade. Como aponta Cunill Grau (2005: 7), o orçamento pode atuar como um importante mecanismo produtor de intersetorialidade, se e na medida em que as diretrizes conjuntas sejam materializadas em planos e orçamentos. Não são triviais os desafios que se enfrentam na prática para a implementação da intersetorialidade, ainda que essa seja uma diretriz e objeto de consenso e conte com a adesão retórica de um conjunto expressivo de atores. Uma citação permite elucidar o ponto: “Muitas vezes, quando a intenção é otimizar os recursos públicos, as instituições resistem, disputando as populações, e nessa atividade promovem uma espécie de fragmentação da pobreza e, ainda, introduzem desigualdades entre os públicos das políticas e dos programas. Essas disputas, entretanto, aparecem camufladas pelos argumentos da focalização, da seletividade e por outros meios menos engenhosos” (Ana Fonseca, apud Campos, 2004: 165 ).

Para que a incorporação da gestão transversal possa se efetivar, é necessário que existam estruturas organizadas com legitimidade política e gerencial e capacidade e reconhecimento técnico. Além de contar com tais atributos, os instrumentos de gestão transversal podem ser diversos, como comissões interdepartamentais, unidade de integração (que se referem às formas de contato com os usuários), mesas intersetoriais, estruturas de processos intersetoriais, grupos de trabalho, atividades relacionais como seminários, sessões de trabalho, dentre outros (Serra, 2004: 17-18). Esses se configuram como instrumentos intraorganizacionais, aos quais se devem somar os interorganizacionais, aqueles que vinculam a organização com seu entorno e que se expressam em institucionalidades como órgãos de articulação social ou órgãos de participação cidadã.

Além de estratégias de gestão integradas e de processos de reorganização administrativa, que constituem as duas vias para desenvolver um enfoque intersetorial, segundo Cunill Grau (2005), tem-se o desafio de criar viabilidade política ou uma ambiência necessária para a emergência e o exercício da intersetorialidade. Não é razoável supor que um processo que envolva partilha de recursos e poder não leve a conflitos e disputas, mas o ponto é que estes podem ser neutralizados ou minimizados pela criação de “comunidades de sentido”, nas palavras de Cunill Grau, que se refere a visões e objetivos compartilhados (2005: 9). Criação de fóruns e espaços para deliberação e direções colegiadas e a elaboração de planos elaborados de forma conjunta e participativa são dispositivos que contribuem para a legitimação da perspectiva da intersetorialidade. Um ponto

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importante, sustentado empiricamente e salientado por Cunill Grau, é que a institucionalidade política dominante atua como condicionante da intersetorialidade. Em alguns contextos políticos simplesmente a intersetorialidade não pode emergir e mesmo a coordenação é difícil, o que indica o fundamento político da intersetorialidade e o papel do agente catalisador da autoridade política, nas palavras de Cunill Grau, para viabilizar a participação e o envolvimento efetivo (e não apenas retórico) dos diversos setores.

O desafio da intersetorialidade consiste, portanto, em como unir, em uma ação conjunta, instituições com objetivos, dinâmicas e culturas organizacionais distintas. A resposta, mais ou menos óbvia, está nos objetivos comuns que possam ser identificados, ou nos resultados que se queira produzir conjuntamente. A elaboração de diagnósticos comuns ou pactuados dos problemas pode ser um meio que possibilite a intersetorialidade. A perspectiva da co-responsabilização ganha relevância, uma vez que as diversas instituições passam a ser responsáveis pelo alcance dos resultados ou objetivos comuns acordados.

4. Intersetorialidade na prática: uma análise concreta e alguns ensinamentos

Essa seção considera duas iniciativas desenvolvidas no âmbito da gestão local que têm como base a perspectiva da intersetorialidade. Ambas iniciativas se desenvolvem em contextos metropolitanos -Belo Horizonte e São Paulo- onde a pobreza se apresenta com mais intensidade, e configuram estratégias locais que partem de visões abrangentes sobre pobreza, consideram o território como parâmetro para focalização e as famílias como unidades de intervenção, elencando a intersetorialidade e a participação como elementos centrais de uma estratégia de inclusão social. Sendo assim, procura-se identificar como a dimensão da intersetorialidade é traduzida na prática, situando as dificuldades para a efetivação de alternativas inovadoras em situações concretas. As principais questões que orientam a análise das iniciativas, tendo como foco a questão da intersetorialdiade, são: As diretrizes da intersetorialidade estão presentes de que forma, sob quais mecanismos se expressam, como esta se materializa nas formas de gestão? Que tipos de problemas podem ser encontrados na busca por uma gestão intersetorial? O esforço consiste em explicitar algumas das dificuldades concretas que experiências locais enfrentam para dar materialidade às diretrizes da intersetorialidade e um enfoque estratégico de superação da pobreza.

4.1 O Programa BH Cidadania e o esforço da intersetorialidade6

O Programa BH Cidadania -cujo nome completo é Programa de Desenvolvimento Integrado dos Assentamenteos Subnormais- é desenvolvido pela Prefeitura de Belo Horizonte desde 2002 e é sustentado explicitamente pelas diretrizes da intersetorialidade, descentralização, territorialidade e participação comunitária, tendo como foco a inclusão social (Documento do Programa BH Cidadania, 2004). Em agosto de 2002 iniciou-se a implantação do Programa nas áreas selecionadas, momento marcado pela inauguração de um Núcleo de Apoio à Família/NAF em cada uma das nove áreas piloto. O programa tem como objetivo “promover a inclusão social das famílias residentes em áreas socialmente críticas consolidando modelos integrados de atuação na área social”.

As diretrizes da intersetorialidade, descentralização, territorialidade e participação estão presentes tanto no desenho do programa BH Cidadania quanto no desenho da reforma, sendo essa convergência potencialmente positiva, tanto para o avanço da implementação da reforma quanto para a efetivação dos objetivos do BH Cidadania.

O Programa é especialmente interessante aqui por que à perspectiva da inclusão e redução de vulnerabilidades, de natureza substantiva, soma-se a dimensão relacionada ao modelo de gestão. Explicitamente, o Programa busca “implementar um modelo de gestão baseado na descentralização, articulação e integração intersetorial, e inverter a lógica setorial fragmentada de

6 Os dados sobre o programa são os existentes em final de 2005, não tendo sofrido atualizações para a realização desse trabalho. Existem informações amis recentes, relativas à expansão do Programa, que não foram aqui considerados na análise.

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operação dos diversos programas da área social da Prefeitura de Belo Horizonte” (PBH/Urbal, 2004). Em termos conceituais, o BH Cidadania adota as seguintes diretrizes que pautaram a formulação do programa: o planejamento e a intervenção a partir do território, a participação da comunidade em toda etapa de desenho e gestão do programa, o foco na unidade familiar, a lógica da integração dos recursos governamentais e não-governamentais, a perspectiva da autonomia das famílias (PBH, 2003. Documento do Programa v. 3/3: 6).

O BH Cidadania adota uma visão abrangente da pobreza. De forma explícita, o conceito de base é o de exclusão social. Exclusão social é entendida como “o processo que impossibilita parte da população, de partilhar dos bens e recursos oferecidos pela sociedade, conduzindo à privação, ao abandono e à expulsão desta população dos espaços sociais” (PBH/Urbal, 2004). O Programa parte de uma definição de inclusão social entendida como “processo que possibilita à população vulnerabilizada socialmente partilhar dos bens e serviços sociais conquistados pela sociedade” (PBH, 2003. Documento do Programa v. 3/3: 6).

Para implantar o projeto piloto do BH Cidadania, foram identificadas nove áreas piloto que apresentavam os piores indicadores segundo um índice final que foi construído a partir do Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) e do Mapa de Exclusão Social e também segundo o Indice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU) e o Índice de Risco à Saúde (IRS)7, abrangendo um conjunto de 23.114 pessoas, ou 5.942 famílias até 2005. A vulnerabilidade é abordada pelo vetor espacial, entendendo-se que certas áreas urbanas concentram dinâmicas e condições próprias que produzem e reproduzem a pobreza. Daí adotar-se o território como eixo de atuação. Entretanto, esse tipo de focalização apresenta limites e impõe desafios para a provisão de bens e serviços. Estudos localizados indicam que os territórios do BH Cidadania, apesar de homogêneos quanto a vários dos indicadores utilizados, apresentam heterogeneidade entre as famílias dentro de cada área (Magalhães e Correa, 2004). Muitas famílias circunscritas ao território podem não apresentar as mais intensas situações de privação, enquanto que outras que se situam fora dos limites territoriais do BH Cidadania podem estar em piores condições de vulnerabilidade e exclusão social. Mesmo com esse limite, a estratégia primeira de focalização adotada é o território. Embora esse processo não seja explícito nos documentos examinados, pode-se sugerir que existe no Programa uma espécie de segunda focalização, com o atendimento de famílias, no território, que apresentam maior vulnerabilidade. A pista para essa afirmação está na afirmação, essa sim explícita nos documentos, de que o BH Cidadania tem como foco de intervenção a família. Nesse sentido é definido o perfil das famílias-alvo do programa: estas devem residir em área de elevado risco social, pertencerem ao grupo de pobreza 1 (o grupo mais pobre), apresentarem casos de violação de direitos e violência doméstica, uso de drogas e álcool, não acesso ao mercado formal de trabalho, “elevado grau de desagregação social” (PBH, 2003. Documento do Programa v. 3/3: 8).

O objetivo do Programa é promover a inclusão do conjunto de famílias residentes nos territórios, utilizando um modelo de gestão intersetorial. Como objetivos específicos, tem-se a melhoria do acesso a bens e serviços sociais, a redução dos fatores de vulnerabilidade e risco e a promoção de relações de solidariedade entre os membros das comunidades atendidas (PBH, 2003. Documento do Programa v. 3/3: 8).

Os componentes traduzem a perspectiva da intersetorialidade e da multidimensionalidade da pobreza, ao se centrarem no direito à educação, direito à saúde, inclusão produtiva e socialidade. De

7 O IVS foi construído a partir das “dimensões de cidadania” -ambiental, cultural, econômica, jurídica e de sobrevivência- e busca, a partir de indicadores populacionais ou domiciliares, dimensionar a qualidade de vida nas diversas regiões da cidade. Como se trata de um atributo negativo -vulnerabilidade- quanto maior o valor do índice, maior a condição de exclusão e vulnerabilidade. A partir do IVS, tem-se o elemento central para a construção do Mapa da Exclusão Social de Belo Horizonte. Associando-se o índice de vulnerabilidade social com algumas informações demográficas tais como faixa etária, cor e sexo, e com situações claras de exclusão social, tais como analfabetismo e trabalho infantil, tem-se o Mapa da Exclusão Social (PBH/Urbal, 2004). Além do IVS, tem-se também o Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU) e o Índice de Risco à Saúde (IRS). A partir desses índices, foi elaborado um índice final (não disponível) que norteou a escolha das áreas piloto do BH Cidadania (PBH/Urbal, 2004).

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acordo com o documento de síntese do Programa, elaborado um ano após sua implementação, os “componentes finalísticos” envolvem provisão de equipamentos (NAF, Casa de Brincar, Centros de Formação para Juventude), programas e serviços (Programa BH mais saudável, BH Vida, Programa Recrear, intermediação de trabalhadores autônomos, formação profissional, oficinas de esportes, cultura, grupos de convivência e áreas de convivência) com participação de várias secretarias, desenvolvimento de ações (organização de cooperativas, implantar unidades de educação infantil). Além desses, o documento identifica componentes complementares, relativos ao desenvolvimento institucional no campo da informação e da gestão integrada das políticas sociais. Como se percebe, os elementos apontados são de naturezas distintas e não parecem fazer parte de um mesmo conjunto, o que indicaria já aí uma certa inconsistência entre o objetivo do Programa e as intervenções propostas. Outro documento, mais recente (PBH/Urbal, 2004), afirma que dos quinze componentes, apenas oito seriam exclusivos da área do BH Cidadania8.

Um ponto a ser salientado refere-se precisamente à qualidade das informações fornecidas, o que impede a certeza sobre quais são de fato os componentes do programa, uma vez que nos documentos examinados eles não são os mesmos9. Optamos aqui por utilizar as informações que constam no documento mais recente (PBH/Urbal, 2004). De acordo com ele, tem-se um conjunto de 15 componentes10 e 33 programas, de oito secretarias e subsecretarias, sendo que cinco desses programas são comuns para mais de uma faixa etária, conforme se pode observar no quadro 1 em anexo.

A partir dos vários programas, o BH Cidadania busca reduzir vulnerabilidades, estimular a convivência familiar e comunitária e favorecer a autonomia das famílias. Para as famílias que fazem parte do recorte territorial priorizado pelo BH Cidadania (famílias que moram nas áreas de abrangência do Programa, no máximo 700 famílias em cada uma das 09 áreas), tem-se um conjunto específico de ações: transferência de renda (Bolsa Escola Municipal/BEM); oficinas de esporte, arte e cultura para crianças, adolescentes; educação infantil em tempo integral; ações preventivas e atenção básica em saúde; cursos de capacitação de chefes de família e jovens para ampliar as possibilidades de inserção produtiva; fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários; fortalecimento da rede local.

As famílias são identificadas, cadastradas e acompanhadas pelos técnicos e estagiários dos NAFs, principais responsáveis pela articulação da rede de serviços e pelo encaminhamento das demandas da população. O Núcleo de Apoio Familiar (NAF), localizado em cada regional, também executa diretamente ações para as famílias, de caráter sócio-comunitário. Ao propiciar encontros, espaços de interlocução e de troca de informações, o NAF tem um importante papel de fomentar relações, estreitar laços, contribuindo para estimular a cooperação e confiança, atuando sobre o espaço das relações sociais e familiares. Esse equipamento e os programas e ações que são desenvolvidos a partir dele podem funcionar como instrumento de mobilização e formação de capital social (Somarriba, 2004), o que poderia ampliar as bases da infra-estrutura social. 8 No caso da educação, um componente (educação de jovens e adultos) é considerado como serviço que, embora não seja específico ou exclusivo do Programa, apresenta uma atenção especial em relações às áreas do BH Cidadania. No caso da saúde, os dois componentes são elencados como sendo serviços universais, sem sequer apontar para uma atenção especial em relação às áreas de maior vulnerabilidade (PBH/Urbal, 2004). 9 As referências aqui são: o Documento do Programa, v. 3/3, de novembro de 2003; o documento PBH/Urbal (2004); e o relatório de atividades do Programa BH Cidadania (2002, mimeo). 10 Em alguns momentos, são identificados como componentes o Direito à Educação, Direito à Saúde, Inclusão Produtiva, socialidade (PBH, 2003. Documento do Programa v. 3/3). Em outro documento (PBH/Urbal, 2004) os componentes são: a) enfrentamento de situações de risco familiar e social; b) promoção de identidades pessoais e vínculos sociais; c) acesso a políticas sociais e urbanas do município; d) reforço de vínculos familiares para crianças pequenas; e) desenvolvimento comunitário; f) estímulo à leitura; g) socialização infanto-juvenil: 6 a 14 anos; h) socialização de jovens: 15 a 18 anos; i) educação fundamental; j) educação de jovens e adultos; k) qualificação profissional; l) incentivo à formação de cooperativas; m) atenção básica à saúde; n) programa de saúde da família; o) transferência de renda. Novamente aqui registra-se a ambigüidade em relação aos termos utilizados, o que contribui para dificultar a identificação do marco conceitual e da lógica da intervenção. Os programas marcados em negrito são exclusivamente ou prioritariamente orientados para as áreas do BH Cidadania.

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Um elemento importante do processo de empoderamento refere-se à participação. A partir da participação, os indivíduos e famílias atendidas teriam mais chances de atuarem como sujeitos e protagonistas do processo de incorporação ou inclusão social. A estratégia do Programa, como definido em seu desenho, destaca os elementos da participação e da mobilização da comunidade: “a participação popular no Programa BHCidadania tem como principal diretriz o envolvimento da população na formulação, gestão e avaliação do Programa” (PBH/Urbal, 2004).

O programa apresenta uma engenharia institucional complexa, ao pressupor o envolvimento de distintos setores das políticas e diversas instâncias de ação e decisão. A responsabilidade pelo programa é da Secretaria Municipal de Política Social (incluindo as Secretarias Adjuntas de Assistência Social, Abastecimento, Esportes, Direitos de Cidadania e Fundação Municipal de Cultura), tendo como co-executoras as Secretarias Municipais de Educação e Saúde, Secretaria Municipal de Política Urbana e Ambiental, Secretaria de Planejamento e as Secretarias Municipais de Coordenação de Gestão Regional. No Nível Decisório tem-se a Câmara Intersetorial de Políticas Sociais-CIPS coordenada pela Secretaria Municipal de Políticas Sociais (SMPS) e com representantes de suas secretarias adjuntas, Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), Secretaria Municipal de Educação (SMED) e Gestão Regional (SCOMGER). No Nível Gerencial tem-se o grupo de trabalho (GT) do BH Cidadania, com coordenação da SMPS e representantes técnicos de todas as secretarias temáticas ligadas a ela; SMSA e SMED e Gerentes de Políticas Sociais das nove regionais. No Nível Executivo tem-se dois colegiados de coordenação, um regional e outro local11. Ambos são coordenados diretamente pelo Secretário Municipal Regional de Serviços Sociais, embora mudanças recentes apontem que o Colegiado local passe a ser coordenado pelo NAF, sendo essa a instância responsável pelo planejamento, implantação, monitoramento e avaliação das atividades do programa no âmbito local. A participação da comunidade está prevista no Colegiado Local e no Grupo de Referência, constituído por representantes eleitos para representar a comunidade na interlocução com o poder público.

Duas instâncias são fundamentais para viabilizar a participação no âmbito do Programa: o Grupo de Referência e o Plano de Ação Local. Este último consiste na elaboração conjunta (por técnicos do NAF e grupo de referência) do diagnóstico e de propostas de ação. Conforme consta nos documentos, “o objetivo geral deste grupo é o de construir coletivamente um diagnóstico da realidade local para, a partir dele, apontar as ações necessárias para resolução dos problemas identificados” (PBH/Urbal, 2004).

O documento descreve a participação comunitária ao longo do processo de implementação do programa na comunidade.Esse processo teria várias fases: na fase de implantação, tem-se a “sensibilização e pactuação institucional”, realizada a partir de seminários regionais, reuniões com lideranças e treinamento das equipes, com o objetivo de partilhar informações com outros agentes (órgãos e equipamentos governamentais) que atuam no território. Trata-se de afinar as perspectivas sobre o programa, sobre o diagnóstico da região, sobre a metodologia, fluxos, estruturas operacionais e gerenciais. Essa fase é marcada por uma baixa participação da comunidade. A segunda fase consiste na “sensibilização e pactuação com a comunidade” e inicia-se com o lançamento do Programa na região, e também a partir das reuniões ampliadas nas regionais, para escolha dos representantes dos “Grupos de Referência”12. A terceira etapa da entrada do Programa no âmbito local é marcada pela elaboração do diagnóstico e de propostas de ação, que ficam explícitas no Plano de Ação Local. A construção do Plano é coletiva, sendo o grupo de referência e o NAF responsáveis por sua produção. O Plano de Ação Local é um poderoso instrumento, se bem utilizado, para guiar a ação governamental, articular governo e comunidade através do

11 Regional refere-se a divisão das nove regiões administrativas de Belo Horizonte; local refere-se às áreas de implantação do BH Cidadania. 12 O grupo de referência local pode ter no máximo 50 representantes por área-piloto, sendo o número proporcional ao número de moradores dos territórios trabalhados. Os representantes e lideranças de cada área são indicados em reuniões locais, e dentre suas tarefas cabe mobilizar a comunidade, contribuir na identificação dos problemas e atuar como agentes de controle público da ação governamental, monitorando as ações desenvolvidas.

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estabelecimento das prioridades de intervenção em cada um dos eixos estratégicos do Programa (educação, saúde, socialidade, inclusão produtiva). Por fim tem-se, no âmbito de cada regional, reuniões para apresentação, discussão e “pactuação” do Plano de Ação Local. O objetivo dessas reuniões ampliadas é conferir legitimidade ao plano e à representação da comunidade no Colegiado de Coordenação Local (PBH/Urbal, 2004). Contudo, avaliações preliminares13 sobre o BH Cidadania indicam que o grupo de referência e o Plano de Ação Local ainda são bastante incipientes.

Para dimensionar a magnitude do programa, uma breve medida de seus resultados, ainda que sejam apenas resultados de produtos e não se refiram ao alcance dos objetivos, pode ser importante. Em 2004, 4.365 famílias foram atendidas no BH Cidadania; 580 pessoas atendidas em ações de formação e qualificação profissional entre 2003 a meados de 2005; 20.224 crianças participaram de atividades no contra-turno da escola, ocupando o total das vagas oferecidas de 2002 a 2005; 5.814 famílias atendidas na modalidade de atendimento básico em saúde (crianças, mulheres grávidas, idosos, deficientes, doentes crônicos) e também na modalidade de atendimento sócio-assistencial para famílias em situação de risco e violação de direitos. Além dessas atividades, são também elencadas como ações ligadas ao BH Cidadania, embora sejam executadas direta e independentemente por outros setores: transferência de renda do Bolsa Família e do Bolsa Escola Municipal: 1.333 famílias das 5.942 famílias que residem nas áreas piloto foram assistidas com o Bolsa Escola Municipal em 200414. Além disso, tem-se o repasse de cestas de alimentos da Secretaria de Assistência e ações de inserção laboral, desenvolvidas pelo Sistema Nacional de Emprego (SINE) e Núcleo Integrado de Apoio aos Trabalhadores (NIAT), embora não tenham sido fornecidos os números desse atendimento (PBH/Urbal, 2004).

Na fase de expansão, a partir de 2005 com o empréstimo junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a intervenção incorpora a dimensão urbano-social através da definição de áreas de maior exposição a riscos e alta concentração de pobreza. A proposta é articular as dimensões econômica, social e urbana ambiental. Serão quinze novas áreas, 127 setores censitários com risco muito elevado e 198 de risco elevado, com a previsão de atender a 36 mil famílias e um universo aproximado de 150 mil pessoas.

Na expansão do BH Cidadania está prevista a construção de quinze Centros do BH Cidadania. Cada centro ficará administrativamente subordinado à Secretaria Municipal de Políticas Sociais, mas a definição das atividades será feita pelas comissões locais. Os Centros BH Cidadania serão os “equipamentos próprios do programa, que irão abrigar os Núcleos de Apoio à Família (NAF), salas para atividades de cultura, reforço escolar e inclusão digital, além de espaços para reuniões e capacitações comunitárias e para atividades de planejamento dos técnicos do programa. Os Centros BH Cidadania também contarão com quadras poliesportivas e serão construídos nos territórios de atuação do Programa” (Rocha, 2005).

Dentre as mudanças a serem inseridas a partir da expansão do Programa tem-se uma forma mais integrada de atuação setorial no território, com a organização das atividades por faixa etária (6 a 14 anos e 15 a 21 anos) sob a forma de jornada complementar, com ações diárias de quatro horas nas quais são desenvolvidas atividades culturais, esportivas e de reforço escolar (para a faixa etária de 6 a 14 anos) e inclusão digital (para a faixa etária de 15 a 21 anos). Outro eixo de ações foi introduzido com a expansão do Programa, relativo ao “Fortalecimento Institucional”, que busca atuar na ampliação das capacidades de gestão e na provisão de instrumentos e sistemas de monitoramento e avaliação. Além das ações hoje desenvolvidas pelo Programa, serão agregadas as seguintes ações a serem financiadas a partir do empréstimo do BID: na área de educação, implantação de 24 Unidades de Educação Infantil; na saúde, implantação de 29 equipes de saúde 13 Trata-se aqui, sobretudo, de informações obtidas no documento preparado por consultores externos, como requisito para o financiamento do BID, que nas referências aparece como PBH (2004). 14 É preciso lembrar, contudo, que o Bolsa Família atende a milhares de pessoas além do público do BH Cidadania. Em 2005 eram atendidas no Bolsa Família e no Bolsa Escola Municipal quase 78 mil famílias. O universo de beneficiários -que se enquadram nos critérios- é de 110 mil famílias.

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bucal; no eixo da socialidade, implantação de 1415 Centros BH Cidadania; no eixo de inclusão produtiva, previsão de recursos para cursos de qualificação profissional; no eixo do fortalecimento institucional, a elaboração do Sistema Único de Informação, capacitação de gestores e implantação de sistemas de monitoramento e avaliação (Rocha, 2005: 14).

a) Considerações sobre a experiência

A experiência de Belo Horizonte permite visualizar as dificuldades de se operacionalizar diretrizes, transformar idéias em ações e resultados efetivos. No BH Cidadania a implementação de um novo modelo de ação no campo das políticas sociais, e principalmente nas ações de inclusão social, veio acoplada a um processo de mudanças na estrutura administrativa do executivo municipal, deslocando, e posteriormente reacomodando nos antigos lugares, as distintas secretarias de políticas sociais - educação, saúde e assistência social. Alterações na estrutura administrativa sinalizam mudanças na concepção e na produção de políticas sociais, afirmando as diretrizes da intersetorialidade e da descentralização, entendida também a partir do enfoque territorial como orientação para a atuação governamental.

Um ponto central na discussão diz respeito às redes horizontais, ao governo relacional, que pressupõe abertura para processos de gestão mais flexíveis, capazes de responder às exigências postas pela heterogeneidade das condições de pobreza. De acordo com o desenho do Programa, o BH Cidadania não tem “pernas próprias” e funciona, de certa forma, a partir das “pernas” da saúde, educação, assistência social e das demais secretarias e órgãos governamentais e não-governamentais. Isso quer dizer que, para alcançar seus objetivos, depende da atuação e colaboração direta de outros setores da máquina pública. Nas palavras da coordenação do BH Cidadania, “a atuação intersetorial no Programa visa a potencialização das atividades desenvolvidas pelas temáticas (saúde, educação, cultura, esporte, assistência social, direitos da cidadania e abastecimento )”16.

Esse modelo ou estratégia do desenho do Programa pressupõe a adesão dos diferentes setores e grande capacidade de coordenação do nível central para articular redes horizontais (entre setores) e multiníveis (municipal e local ou do nível central e regional). A interação necessária entre o executivo municipal e outros níveis de governo no BH Cidadania é reduzida. Contudo, a articulação entre as secretarias temáticas e regionais é fundamental17.

Por depender de outras secretarias para efetivar seus objetivos, o BH Cidadania demanda uma coordenação mais forte para articular ações e orçamentos, diluir sobreposições, ajustar prazos, metas e processos, estabelecer procedimentos mais homogêneos de cadastros, sistemas de informação, processos de monitoramento e avaliação mais conjuntos ou minimamente uniformes. O desempenho do programa exige alta capacidade de coordenação horizontal das ações, e também capacidade de implementar as decisões tomadas nas instâncias superiores de coordenação (Câmara e GT). Esforços têm sido feitos para efetivar essa perspectiva, embora as dificuldades para operar mudanças dessa magnitude sejam evidentes. Alguns exemplos permitem elucidar o ponto. Um refere-se ao papel da coordenação do programa e, mais especificamente, ao papel do Grupo de Trabalho (GT).

O Programa funcionou, em seu início, somente sob a coordenação da SCOMPS, sendo que apenas em meados de 2003 a estratégia de gestão do BH Cidadania é revista, com a criação do grupo de trabalho, responsável pela definição e monitoramento das ações do programa, viabilizando

15 Nesse documento (Rocha, 2005) constam 14 Centros e nos demais documentos examinados são considerados 15 novos centros. 16 Conforme resposta ao questionário desenvolvido no âmbito do Projeto Urbal. 17 As Secretarias da Coordenação de Gestão Regional, principalmente no que se refere às intervenções urbanas e sociais, ampliaram, a partir da reforma, sua atuação e sua capacidade de intervenção em cada divisão regional do município. Contudo, as áreas do BH Cidadania são manchas dentro do território sob a jurisdição de cada regional. Daí decorrem as dificuldades para convencer as equipes das regionais a priorizar as famílias das áreas piloto, em detrimento de outras famílias, em igual situação, mas que residem em outras áreas.

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o planejamento coletivo das ações desenvolvidas por cada setor e o acompanhamento conjunto da execução do programa. Entretanto, inicialmente, de acordo com informações retiradas do questionário18, o GT funcionava segundo “diretrizes pré-estabelecidas pela coordenação central gerando, na prática, um projeto operacional setorializado”. O que era para ser um instrumento para a intersetorialidade reproduzia a setorialidade em si mesmo. A partir da percepção dessa distorção, houve uma reorganização da composição e funcionamento do GT, com a inclusão de representantes das secretarias regionais e o uso de técnicas e metodologias mais participativas.

O caso de Belo Horizonte permite verificar as dificuldades de uma estratégia de focalização territorial que tem a tarefa de “fazer caber” políticas que são universais (como educação e saúde) em uma orientação focalizada. A atuação da saúde no município segue orientação universal, orienta-se por seus próprios critérios de focalização territorial e trabalha com estruturas de gestão e procedimentos definidos, e que não se alteram de forma tão maleável em função das diretrizes do BH Cidadania, o mesmo ocorrendo com a educação. Não se pode sensatamente esperar que, dada a forma como os setores da educação e da saúde estão organizados, que estes venham a incorporar, sem resistências, a necessidade de atuar para atender a um público específico e de forma diferenciada. De forma inversa, a área de assistência social reconhece no NAF a base de um sistema único de assistência social e organiza sua oferta e estrutura de serviços tendo por base os princípios tanto da reforma quanto do BH Cidadania. Pode-se dizer que a educação e a saúde parecem encontrar menos “vantagens” em perderem sua autonomia para uma atuação intersetorial19. Para essas áreas, que apresentam equipamentos e áreas de abrangência e organização de serviços bem mais amplos do que os demarcados pelo Programa, os territórios e critérios do BH Cidadania não têm sido considerados na reorientação de suas ações.

Esse é um ponto a ser destacado no exame de estratégias locais de inclusão social, que envolvem alterações substantivas nas estruturas e arranjos institucionais e nas práticas e rotinas organizacionais. As resistências e dificuldades para implementar ações desenvolvidas de forma intersetorial ganham aí toda a evidência, bem como ganham centralidade as diferentes posições e interesses dos diversos atores envolvidos na política. Dificilmente os interesses e as posições das diferentes secretarias convergem da mesma forma e com a mesma intensidade para os mesmos objetivos. Mesmo que haja convergência em relação aos fins ou objetivos buscados, pode-se supor que ocorram divergências quanto aos meios mais adequados para realizá-los. O esforço para quebrar resistências de setores como educação e saúde é muito grande (PBH,2004) e mesmo em outras áreas a perspectiva da intersetorialidade é um desafio. De acordo com um outro exemplo fornecido pelo coordenador do Programa, mesmo a área de cultura (supostamente mais aberta à perspectiva da intersetorialidade, por ser um setor relativamente marginalizado na estrutura municipal, e que teria mais a ganhar aliando-se a outras áreas) resistiu em incorporar a perspectiva da intersetorialidade: as “oficinas de cultura eram planejadas setorialmente, sem contribuição de outras temáticas e, principalmente, das regionais”.

O papel do GT, enquanto coordenação, foi importante para corrigir as distorções: após a discussão no GT e reavaliação do conteúdo, as oficinas foram oferecidas de acordo com as decisões do Grupo de Trabalho. A gestão da intersetorialidade tem exigido um esforço nada desprezível de criação de consensos, instâncias de deliberação, coordenação e execução das ações de forma compartilhada. A análise dos processos de implementação permite ver as dificuldades para implementar na prática as mudanças necessárias (PBH, 2004). A transição de um modelo de gestão setorializado para um modelo que enfatiza a intersetorialidade não é algo simples e envolve mudanças em vários níveis, nos âmbitos operacional, metodológico, organizacional, institucional20.

18 Questionário respondido pela coordenação do Programa, no âmbito do Projeto Urbal. 19 Confome aponta Filgueiras, essas duas secretarias concentram dois terços dos funcionários municipais e metade do orçamento, o que revela o esforço que seria necessário para que a SCOMPS tivesse capacidade de coordenar estruturas como essas (Filgueiras, 2005: 7) 20 Por âmbito operacional, estamos nos referindo as rotinas de trabalho e atividades desenvolvidas; metodológico refere-se a um nível mais conceitual, que remete à concepção do trabalho e à formulação teórica que sustenta a intervenção;

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É grande o desafio para transformar idéias e diretrizes em políticas, estruturas e processos que dêem a elas materialidade.

A intersetorialidade alcançada no caso do BH Cidadania corresponde, no momento, à justaposição de programas, serviços e equipamentos de setores distintos das políticas sociais em um mesmo território para atender as famílias aí residentes.

O BH Cidadania adota uma modelagem que encontra inspiração nos modelos emergentes de gestão, conforme visto anteriormente. Articula-se, pelo menos normativamente, com a idéia de modelos de gestão flexíveis, de politização da gestão e do papel dos governos locais, de adoção de ferramentas de gestão da intersetorialidade e transversalidade. A perspectiva de atuação integrada, conforme denominação do próprio programa, potencializa o foco nos resultados pretendidos. Uma ação integrada envolve um conjunto mais amplo de atores, o que exige capacidade de coordenação e autoridade institucional, para articular atores diversos e alterar a maneira dos programas sociais atuarem. Essa é a aposta e o grande desafio do Programa. Nos termos de uma hipótese de trabalho sugerida na seção anterior, o desenho do BH Cidadania o coloca como uma iniciativa de alta densidade intersetorial, ao pressupor o envolvimento de diversos setores desde a formulação até a execução das ações, e alterações nos processos, estruturas e metodologias de ação.

No momento de sua expansão, o Programa conta com algumas das condições necessárias para a implementação da gestão intersetorial, como as instâncias de coordenação e execução que contam com a participação dos diversos setores e níveis de decisão. Além disso, existe um processo de liderança e de construção de autoridade no campo social, a partir da atuação da SMPS e também, e principalmente, do Grupo de Trabalho, que tem funcionado efetivamente como um espaço de construção e condução coletiva do Programa BH Cidadania. Conforme aponta Filgueiras, um esforço considerável tem sido feito pelo Programa para consolidar uma “autoridade social municipal”, para viabilizar uma coordenação maior das ações no campo social e urbano (Filgueiras, 2005: 6). Essa figura que ocupa o lugar da autoridade social seria o agente catalisador, que desempenha um papel central na promoção da intersetorialidade, e demanda autoridade e legitimidade para exercê-lo, com capacidade para convocar e garantir a participação dos diversos setores e atores pertinentes (Cunill Grau, 2005). O esforço de consolidação das instâncias de decisão colegiadas sinaliza essa preocupação no âmbito do Programa.

Mas embora necessária, essa condição pode não ser suficiente. Além de legitimidade e pactuação no nível das diretrizes e princípios, a efetivação da intersetorialidade pressupõe, em algum nível, uma mudança nos processos e nos instrumentos de gestão que permitam a ação transversal do BH Cidadania. Uma condição para que tais alterações se processem consiste em criar os pontos concretos de conexão entre as áreas, estabelecer, de fato na prática, os fluxos e rotinas, desenhar e implementar instrumentos e ferramentas de gestão compartilhada. A reestruturação administrativa, legal ou formal, não foi suficiente para alterar padrões, fluxos e conteúdos das ações desenvolvidas. Além da via da reorganização administrativa, levada a cabo em Belo Horizonte em dois momentos, tem-se ainda o uso de algumas estratégias e mecanismos integradores, dentre os quais se situam a gestão em rede, o foco no território e na família ou ainda nos problemas, canalizadores de uma abordagem intersetorial da ação pública. O orçamento pode ser também um poderoso instrumento e atuar como mecanismo integrador ou produtor de intersetorialidade, ou como um verdadeiro empecilho para a gestão integrada das políticas, caso permaneça setorializado (Cunill Grau, 2005). Também a utilização de estratégias de planejamento coletivo e de forma participativa, buscando o estabelecimento de visões compartilhadas; bem como as direções colegiadas (como é o caso do GT) são formas de se criar viabilidade política e técnica da intersetorialidade (Cunill Grau, 2005). Esse parece ser um elemento enfatizado na concepção do Programa que, segundo informações da coordenação21, caracterizaria a dimensão intersetorial do

organizacional é relativo aos arranjos entre os diversos setores e aspectos da organização e institucional refere-se ao âmbito das relações entre instituições e níveis de governo. 21 Retiradas do questionário elaborado para o Projeto Urbal.

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Programa: “o modelo de gestão e os fóruns de discussão instituídos”. Os sistemas de informação, tal como o orçamento, podem atuar ou como potencializadores

ou como inibidores da intersetorialidade. Um ponto central ao se falar de gestão e, principalmente, de gestão compartilhada, refere-se, portanto, ao tema da informação. Sem sistemas e procedimentos de coleta, sistematização e uso das informações, não é possível efetivar uma gestão por resultados. A definição conjunta de objetivos e metas de resultados e sua materialização em ferramentas de planejamento como o marco lógico, por exemplo, poderia contribuir para uma gestão mais integrada das políticas. E, de forma inversa, sistemas de informação setorializados que não interagem entre si podem atuar como um mecanismo inibidor da intersetorialidade22.

4.2 São Paulo: intersetorialidade nos programas sociais prioritários para inclusão social23

A experiência de São Paulo é significativamente mais complexa do que a de Belo Horizonte, seja pelo tamanho da população atendida ou pelo escopo da intervenção. Em 2000, a cidade de São Paulo tinha uma população de mais de 10,4 milhões de pessoas. Com um total de 96 distritos, a população da cidade encontra-se concentrada em algumas áreas (mais da metade da população em pouco mais de um quarto dos distritos), sendo que existe uma clara concentração de famílias mais jovens na periferia da cidade, onde a oferta de equipamentos públicos é mais precária.

Segundo informações de Pochmann (2002), até dezembro de 2000 não existia no executivo municipal uma política ou um conjunto de ações articuladas e voltadas para o combate à pobreza, à desigualdade e ao desemprego. A partir de 2001, tem início uma ampla estratégia de inclusão, que parte de uma compreensão abrangente dos problemas da cidade e da escolha de um eixo aglutinador das ações, centrado no desenvolvimento das capacidades e no empoderamento, com forte ênfase nas ações voltadas para o mundo do trabalho. Para fazer frente ao desemprego, à pobreza e às diversas formas de vulnerabilidade, foi formulada uma estratégia abrangente, sustentada em uma “concepção articulada e integrada de emancipação dos segmentos sociais excluídos no município de São Paulo” (Pochman, 2002: 159). A concepção que orienta a intervenção parte de um enfoque multidimensional da pobreza e a concebe como heterogênea e multidimensional e que deve ser vista sob a perspectiva dos espaços urbanos e territórios. Dessa forma, existe um reconhecimento de que novas formas de pobreza urbana envolvem segregação espacial.

A estratégia de São Paulo introduz componentes do denominado paradigma emergente de

22 São frágeis os mecanismos de monitoramento e avaliação do Programa. Informações retiradas do questionário apontam que os dados são coletados a partir de fichas setoriais, definidas de acordo com a oferta de cada serviço, e que são utilizadas de forma pontual e assistemática pela coordenação do Programa. Não existem, no âmbito do Programa, indicadores de efeitos e impactos que sejam conhecidos e utilizados como guias para a ação, estando a ênfase na quantificação de produtos (número de oficinas realizadas, famílias atendidas, crianças atendidas, pessoas encaminhadas etc.) sem ter definido de forma clara as metas de resultados. No BH Cidadania existe um monitoramento e acompanhamento das ações através das reuniões periódicas do GT, reuniões da comissão local e encontros com as regionais, mas sem a existência de um plano formal de monitoramento e avaliação, sem metas de produtos e resultados, prazos e atividades especificados, sem indicadores e fontes de verificação definidas. Houve uma inicativa, realizada no âmbito da cooperação PBH/FJP/BNDES, sob a coordenação da então Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS), em 2003 e 2004, de construção do marco lógico e de um Plano de Monitoramento e Avaliação dos programas descentralizados da SMAS: Serviço de Orientação Sócio Familiar (SOSF), Plantão e NAF. 23 A base de informações para a reconstituição da intervenção é constituída pelas três publicações sobre a estratégia desenvolvida em São Paulo, todas organizadas por Márcio Pochman (2002, 2003, 2004), Secretário Municipal da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade, responsável tanto pela formulação quanto pela implementação do programa de inclusão que teve início no ano de 2001. O primeiro livro (2002) traz um diagnóstico da pobreza e do desemprego e apresenta o desenho da estratégia de inclusão social. O segundo livro (2003) detalha cada um dos nove programas e apresenta considerações sobre o processo de implementação. E o de 2004 apresenta alguns resultados e elementos de avaliação da experiência. O estudo conduzido por Oliveira (2004) também permite identificar alguns pontos para avaliação da estratégia. Buscamos com esse último documento checar dados e perceber um olhar externo sobre o desempenho dos programas. Entretanto, o documento é uma versão publicada da avaliação e talvez por isso, em muitos momentos, a análise fique bastante superficial, o que não permite estabelecer considerações mais robustas sobre os resultados alcançados pela estratégia de inclusão. Além dessas fontes, tem-se a tese de André Campos (2004), sobre a atuação da SDTS.

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gestão pública, enfatizando uma estrutura de gestão descentralizada, territorializada e intersetorial. A opção organizacional para viabilizar uma estratégia de políticas públicas ampla o suficiente para abarcar problemas de grande magnitude (pobreza, desigualdade, desemprego) foi a criação de uma nova secretaria -Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade (SDTS)24- com a missão de articular o conjunto do governo municipal e organizações não governamentais em torno desse objetivo. A estratégia de inclusão foi estruturada, inicialmente, no âmbito da Coordenação dos Programas Sociais Prioritários na Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico, que tinha a responsabilidade de viabilizar a infra-estrutura e os recursos para dar início à implementação dos programas, enquanto se criava a nova secretaria. Uma justificativa para deixar esses programas a cargo de uma secretaria meio foi a intenção de “proteger” suas características inovadoras, mantendo-os fora das secretarias tradicionalmente encarregadas das políticas sociais, tais como educação e assistência social, que poderiam ser consideradas locus “naturais” desse tipo de política25 (Pochmann, 2002: 77).

A perspectiva orientadora consistiu na construção de uma estrutura administrativa de gestão horizontalizada, com ênfase em ações matriciais e em projetos bem delimitados, em uma estratégia de gestão orientada por objetivos e que buscasse a articulação das ações da recém criada Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade (SDTS) com outras secretarias e instâncias de governo (administrações regionais), de forma descentralizada e participativa (Pochmann, 2002: 57). Tratava-se, segundo Pochmann, de “integrar o conjunto de políticas que, de forma matricial, busca quebrar paradigmas que predominam na condução das políticas governamentais” (Pochman, 2002 123).

A articulação institucional e a integração territorial são os dois elementos fundamentais da estratégia e pode-se dizer que surgem a partir da identificação dos problemas de gestão das políticas públicas: estruturas burocráticas tradicionais, com normas rígidas, estruturas ineficientes, ineficazes, com superposição das ações, ausência de flexibilização, de coordenação, distante dos interesses do público, com recursos pulverizados, conforme afirmação dos autores (Pochmann, 2002: 79). A estratégia utilizada pautou-se pela necessidade de “superar as formas de organização verticalmente integradas, realizando uma implementação descentralizada, territorializada e intersetorial” (Pochmann, 2002: 79) 26.

Na definição da estratégia, o governo introduziu duas inovações no campo das ações governamentais. Constituiu três blocos de políticas (redistributivas, emancipatórias e de desenvolvimento local) que fundamentam a estratégia de inclusão social. As ações são pautadas pela perspectiva da integração e articulação e pela adoção do universalismo no atendimento aos excluídos.

“Os programas distributivos no plano horizontal de ação do governo municipal paulistano não se mostrariam suficientemente inovadores se não estivessem integrados e vinculados verticalmente aos programas emancipatórios e de apoio ao desenvolvimento local” (Pochmann, 2002, pp. 68,69). 24 A estrutura de gestão da SDTS era de “uma teia de poder não verticalizada”, sustentada pela permanente avaliação de ações e resultados (Campos, 2004: 153). As equipes da SDTS, responsáveis pelos nove programas, eram enxutas: em dezembro de 2002 eram 69 funcionários na SDTS, sendo apenas 10 de carreira, estando na segunda posição de secretarias com menor número de pessoal, dentre as 20 existentes na Prefeitura. Mas em contrapartida, os salários eram 71,2% superiores aos salários médios da Prefeitura, sendo a quinta secretaria com melhor remuneração (Campos, 2004:151-152). 25 Além dessa escolha de localização institucional dos programas, outra decisão consistiu em entregar a coordenação dos mesmos para pesquisadores da Universidade de Campinas, sinalizando com isso a busca pela implantação de uma nova cultura institucional (Pochmann, 2002: 77). 26 De acordo com documentos examinados, a busca de horizontalidade ocorreu em quatro movimentos: entre as secretarias e empresas municipais; em relação ao legislativo municipal; em relação aos conselhos municipais de assistência e criança e adolescente e junto aos órgãos governamentais no plano local (supervisores de assistência social, núcleos de ação educativa, administrações regionais). A estratégia para viabilizar a articulação consistiu em apresentar os programas para as secretarias, enfatizando pontos de contato e potencialidades das sinergias, fornecer elementos para contornar possíveis resistências (em função das rotinas e tradições burocráticas) e buscar parceiros (Pochmann, 2002: 79-80).

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Foram desenhados nove programas sociais, concebidos de forma integrada e articulados entre si, que operam, de acordo com seus formuladores, sob o princípio da universalidade, sendo esse termo utilizado para dizer da cobertura total da população identificada como legítima demandatária das ações dos programas, uma vez enquadrada nos critérios de elegibilidade. (Ver quadro 2 em anexo com uma síntese dos programas).

A diretriz da universalidade na provisão dos serviços é constantemente ressaltada nos documentos dos programas, para marcar um distanciamento das políticas focalizadas, que operam a partir de “cotas de atendimento da população alvo”. A estratégia utilizada estabeleceu uma hierarquia na priorização dos distritos a serem atendidos a cada ano, com a perspectiva de atender a toda a população pobre do município. Parece contraditório que se sustente ao mesmo tempo a universalidade e a priorização de áreas de intervenção, mas a perspectiva que consta nos documentos é demarcar uma diferença em relação a estratégias de cunho compensatório, residual ou focalizadas. A idéia básica da concepção de universalismo é evitar discricionaridade na definição do público beneficiado; todos os que se enquadrassem nos critérios, estabelecidos em lei, seriam atendidos. Universalizar, para os proponentes, é atender a toda a população pobre, mas iniciando a intervenção por determinados distritos de maior vulnerabilidade. A seguir tem-se uma breve apresentação dos programas que compõem a estratégia de inclusão.

Os programas redistributivos, organizados basicamente por faixa etária e tendo o trabalho como eixo - Programa de Garantia de Renda Mínima, Programa Bolsa Trabalho (com 4 subprojetos), Programa Começar de Novo e Programa Ação Coletiva de Trabalho/Operação Trabalho - envolvem o repasse mensal de benefícios para famílias e indivíduos de determinadas faixas etárias, por um tempo determinado, de forma vinculada ao cumprimento de certas condicionalidades27. Os programas emancipatórios28 - Programa Oportunidade Solidária, Capacitação Ocupacional e de Aprendizagem em Atividades de Utilidade Coletiva, Programa Central de Crédito Popular (São Paulo Confia) são voltados para o repasse de ativos, sob a forma de conhecimentos, crédito, experiências tuteladas de trabalho e de ação cooperativa. O público desses programas foi prioritariamente, embora não de forma exclusiva, o mesmo dos programas redistributivos29. Os programas de desenvolvimento local - Programa de reestruturação produtiva e relações do trabalho e Programa Sistema de Alocação Pública do Trabalho - voltaram-se para o âmbito da geração de oportunidades de trabalho e renda e para a dinamização dos espaços e

27 Programas redistributivos: A) Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima: tem como público alvo famílias com crianças e adolescentes (de 0 a 16 anos incompletos) e oferece uma complementação monetária em troca da obrigatoriedade da freqüência escolar. B) Programa Bolsa Trabalho: tem como objetivo atender jovens desempregados de 16 a 20 anos de idade, fornecendo uma renda vinculada à inserção e freqüência escolar, capacitando-os ainda para o desenvolvimento de iniciativas comunitárias. Tem quatro subprojetos: bolsa trabalho renda, para aqueles envolvidos em atividades comunitárias e educacionais; bolsa trabalho cursinho, para acesso a cursos pré-vestibulares e bolsas em universidades privadas; bolsa trabalho estágio, para estágios no setor público e privado e bolsa trabalho emprego, para experiência de formação com contrato formal de trabalho. C) Programa Ação Coletiva de Trabalho (Operação Trabalho): trata-se de um programa voltado para desempregados de longa duração, com faixa etária entre 21 e 39 anos (preferencialmente) que fornece renda, capacitação e experiência de trabalho. D) Programa Começar de Novo: voltados para os desempregados com 40 anos ou mais, o programa garante renda vinculada à formação para atividades produtivas e comunitárias. 28 Esses programas, principalmente o Oportunidade Solidária e o Capacitação Ocupacional, contaram com o apoio da FAO e da Unesco, respectivamente. O programa Oportunidade Solidária apresenta uma importante interface com o projeto “Desenvolvimento solidário: geração de renda e ocupação no município de SP”, apresentado pela SDTS à FAO/ONU. A parceria com a UNESCO nas ações voltadas para a juventude significou também um aporte substancial às ações do Programa de Capacitação Ocupacional. 29 Programas emancipatórios: esses programas pautam-se pela busca de autonomização dos pobres e desempregados. A) Programa Oportunidade Solidária: aprendizagem em empreendimentos coletivos (associativos, cooperativas e comunitários) e individuais, com o objetivo de criar condições para a geração de ocupação e renda para os mais pobres. B) Capacitação Ocupacional e de Aprendizagem em Atividades de Utilidade Coletiva: Três tipos básicos de capacitação: ocupação formal, ocupação informal e ocupação em atividades de utilidade coletiva e comunitária. C) Programa Central de Crédito Popular (São Paulo Confia): voltado para a difusão do microcrédito, sobretudo para o público beneficiado pelos programas redistributivos e pelo Programa Oportunidade Solidária.

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territórios, a partir do fortalecimento das cadeias produtivas e intermediação de negócios e de alocação de trabalhadores autônomos. Os dois programas que compunham esse bloco estavam centrados no desenvolvimento das localidades, na perspectiva do desenvolvimento econômico sustentável.

Para implementação da estratégia, inicialmente procedeu-se à hierarquização dos 96 distritos, para priorizar os 13 distritos30 de maior exclusão. A hierarquização das áreas para implantação dos três primeiros programas (Renda Mínima, Bolsa Trabalho e Começar de Novo) foi feita de forma coletiva, no Fórum de secretarias e órgãos públicos e coordenada pela SDTS. De acordo com as decisões tomadas ali, “os programas deveriam ter início nos distritos que apresentavam a combinação mais delicada de: menor acesso à escolarização, à ocupação, à renda, e maior exposição de crianças e adolescentes a fenômenos relacionados à violência urbana (homicídios, em especial)” (Campos, 2004: 135). De forma um pouco diferente, os documentos apontam que a definição dos critérios para implantação gradativa dos programas nas regionais orientou-se pelos indicadores de “maior taxa de desemprego, maior índice de violência e menor renda familiar” (Pochmann, 2002: 81).

Esses primeiros 13 distritos correspondiam a pouco mais de 4% da população da cidade e a cerca de 105 mil famílias atendidas. No segundo ano, em 2002, ampliou-se o atendimento para mais 37 distritos, segundo a ordem previamente estabelecida, completando os 50 distritos para a implantação prioritária dos programas em 2001 e 2002 (Pochmann, 2002: 44), para um atendimento de 280 mil famílias. Em 2004, quando o programa contempla todos os 96 distritos da cidade, são atendidas mais de 490 mil famílias (492.212), representando mais de 2 milhões de pessoas beneficiadas direta ou indiretamente pelos programas desenvolvidos (Pochmann, 2004: 19). Dois programas - Operação Trabalho e São Paulo Confia - não seguiram a lógica temporal e territorial dos demais programas, que previu a implantação das ações em 13 distritos no primeiro ano e de 37 no segundo. Esses programas se destacam, nesse sentido, em relação aos demais.

Os três primeiros programas implantados foram o Renda Mínima, Bolsa Trabalho e Começar de Novo. As metas de atendimento foram estabelecidas: 60 mil famílias no Renda Mínima, 13 mil jovens no Bolsa Trabalho e 11 mil pessoas no Começar de Novo (Pochmann, 2002: 77). Como resultado já apontado no primeiro ano de funcionamento dos programas, tem-se o total de 110 mil famílias beneficiadas31, com investimentos de mais de 64 milhões alocados no conjunto dos programas, com dinheiro exclusivamente municipal, de acordo com os autores (Pochmann, 2002: 223). Campos afirma que, em julho de 2001, seis meses após o início do governo, eram mais de 28 mil pessoas cadastradas para os três programas (Renda Mínima, Bolsa Trabalho e Começar de Novo) e mais de 10 mil recebendo benefícios e participando das ações de capacitação em dois distritos. Não é banal esse resultado em tão pouco tempo. Levando em conta todas as operações necessárias para se ter 10 mil famílias sendo atendidas em seis meses (para uma descrição detalhada dos processos de cadastramento e seleção dos beneficiários ver Campos, 2004: 137-140) têm-se a magnitude do esforço realizado em São Paulo para colocar de pé três amplas ações de inclusão social sob a coordenação de uma secretaria recém criada e ainda sem estrutura adequada de funcionamento32.

Na tentativa de empoderamento, as atividades envolvem, além da transferência de recursos, formação e qualificação, expansão de capacidades. Essa constitui a perspectiva do Bolsa Trabalho, 30 Inicialmente foram identificados 10 distritos prioritários, mas rapidamente se constatou que importantes bolsões de pobreza ficaram de fora, o que foi sanado com a inclusão de mais três distritos logo na primeira fase dos programas. 31 Na forma como aparece no texto, não fica claro a que programas se refere esse contingente de famílias atendidas. Optamos por manter essa informação, embora ela seja pouco precisa. Se contarmos o número de pessoas beneficiadas pelos três programas redistributivos em 2001, tem-se pouco mais de 95 mil. 32 No primeiro ano, em 2001, existia apenas a previsão de um milhão no orçamento para o Programa Renda Mínima, sendo que a Prefeitura teve que remanejar quase 64 milhões, o que ainda assim era menos do que 0,8% do orçamento da cidade. Em 2002, eram 237 milhões para os programas, cerca de 2,3% das despesas municipais (Campos, 2004: 149). Esse fato, em um contexto de grande endividamento, com dívidas anteriores que consumiam 13% do orçamento municipal, aponta para a centralidade da estratégia na agenda do executivo municipal.

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Operação Trabalho, Começar de Novo, que agregam a transferência de recursos à formação e qualificação também profissional, através dos programas de Capacitação Ocupacional e Oportunidade Solidária 33. O Programa São Paulo Confia articula-se diretamente com o Oportunidade Solidária e os programas do bloco do desenvolvimento também se relacionam, no desenho, com os demais programas emancipatórios34.

a) Considerações sobre a experiência

A estratégia de inclusão social de São Paulo é interessante de ser recuperada aqui não apenas pelo conteúdo da estratégia, por sua dimensão substantiva que agrega benefícios monetários e não-monetários, salientando a importância de fortalecimento das dimensões menos tangíveis da pobreza, o nível individual (das identidades e capacidades) e o coletivo (potencialidades comunitárias). Outro elemento central da estratégia é a articulação (entre os setores) e a integração (no território), o que exige um esforço de coordenação nada desprezível.

Nas palavras de Campos (2004: 131), a perspectiva básica era que “só reunindo os esforços de instituições situadas nos âmbitos das administrações municipal, estadual e federal, direta e indireta, e, principalmente, no âmbito da sociedade paulistana, é que a questão da pobreza poderia ser enfrentada em alguma medida por essa secretaria”.

A quantidade de parceiros mobilizados para a gestão dos programas é significativa do esforço realizado para expandir a ação pública no município de São Paulo e permite enxergar a experiência de São Paulo sob as lentes da perspectiva do governo relacional e multinível, ancorado nos eixos da intersetorialidade, da descentralização intra-urbana e da participação. O primeiro nível de articulação é relativo à integração entre os nove programas. O segundo nível refere-se à articulação entre os diversos setores da política municipal e o terceiro refere-se ao esforço de integração entre as diversas instâncias de governo, seja com o nível estadual e federal ou com o nível local ou regional. Essas questões são importantes para identificar alguns limites para a efetiva operacionalização de concepções como a intersetorialidade.

Várias iniciativas de constituição de espaços de articulação demonstram o alinhamento da estratégia com a perspectiva da governança, com prioridade para constituição e fortalecimento de redes horizontais e multiníveis e para processos de participação popular e de ampliação da democracia. O Programa de São Paulo contou com uma complexa estrutura de gestão. Foi montado, no plano central, um fórum intersecretarias e empresas municipais, para a construção da gestão

33 No Começar de Novo, por exemplo, tem-se um módulo de formação cidadã, também denominado módulo básico, com duração de 160 horas, a se iniciar no momento da entrada no programa, voltado para a “construção de alternativas de superação da vulnerabilidade social em que se encontram, por meio de práticas cidadãs e solidárias, desenvolvendo junto aos beneficiários valores como a auto-estima, a valorização da identidade, a compreensão e o exercício de seus deveres e direitos como cidadão, bem como o estímulo à participação ativa na busca de alternativas para a inclusão social” (Pochmann, 2003: 107). O módulo específico, por sua vez, volta-se para a ampliação da escolaridade e para ampliação de oportunidades de geração de renda e ocupação, tanto as voltadas para o mercado quanto as orientadas para atividades comunitárias, ou de utilidade coletiva. O Programa Capacitação Ocupacional utiliza a mesma metodologia de módulo básico, sendo esse dividido em seis blocos temáticos articulados. Os blocos e a respectiva carga horária são os seguintes: bloco 1 (16 h), integração; bloco 2 (32 h), questão social, emprego e trabalho; bloco 3 (30 h), cidadania, direitos e deveres; bloco 4 (30 h), meio ambiente e qualidade de vida; bloco 5 (32h), novas formas de geração de ocupação e renda; bloco 6 (16 h), projeto comunitário; cerimônia de encerramento (4h) (Pochmann, 2003: 118). Posteriormente tem-se um encaminhamento para módulos específicos, voltado para aquisição de habilidades e formação específicas. A capacitação, nesses módulos, estaria voltada para atividades ligadas ao empreendedorismo individual e coletivo e para atividades de utilidade coletiva. Dentre as primeiras, as ações de formação podem ser agrupadas nas seguintes áreas: construção civil (8 cursos); alimentação (3 cursos); costura (4 cursos); estética (4 cursos); serviços (12 cursos); artesanato; informática (2 cursos) (Pochmann, 2003, p. 119). No campo das atividades comunitárias e de utilidade coletiva, as áreas são: agentes comunitários e multiplicadores em saúde (7 cursos); agentes comunitários e multiplicadores em esporte, lazer e recreação (5 cursos); agentes comunitários e multiplicadores em meio ambiente (4 cursos); agentes comunitários de trânsito (1 curso) (Pochmann, 2003: 120). 34 Os programas de desenvolvimento local, na medida em que buscam melhorar a oferta de trabalho nas regiões, podem favorecer a circulação de produtos e serviços elaborados pelos empreendimentos solidários, conforme aponta Campos (2004). Mas houve aí de fato um problema.

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articulada dos programas da SDTS, que dependiam da participação das demais secretarias para sua efetivação. Além da articulação no âmbito do governo e suas áreas setoriais, os programas demandavam o envolvimento significativo dos serviços e técnicos na ponta, que atuavam nas estruturas descentralizadas do poder público e da sociedade civil.

Desde o início da estratégia há evidências do esforço empreendido para envolver os diversos setores e diversas instâncias governamentais para a produção dos programas (Pochmann, 2002: 79). Houve um esforço imediato e decidido, por parte do governo municipal, em integrar as ações dos distintos níveis de governo (federal, estadual e municipal, por um lado e municipal e local, por outro) e dos diversos setores da máquina pública, envolvendo ainda uma ampla rede de instituições não governamentais, centros de pesquisa, organizações internacionais, na execução dos programas da estratégia de inclusão social. Logo no primeiro mês de governo, quando existiam apenas duas pessoas responsáveis pela implementação dos Programas Sociais Prioritários, foram visitadas todas as secretarias e empresas municipais, com os seguintes objetivos: “enfatizar os pontos de contato com os programas e políticas desenvolvidas por elas -ênfase na idéia de somar e nos efeitos sinérgicos resultantes-, fornecer elementos que permitissem contornar eventuais resistências, fundadas nas rotinas ou na tradição das burocracias envolvidas, e buscar parceiros/aliados para a concepção das políticas públicas presente nos programas sociais prioritários” (Pochmann, 2002: 79).

Para dar materialidade à perspectiva relacional que sustenta o Programa, foram criadas instâncias coletivas, orientadas para gestão compartilhada, conforme demonstrado por Pochmann (Pochmann, 2003: 41-46): Comissão intersecretarial para implementação programas redistributivos35; Comissão de Desenvolvimento Solidário36; Grupos de Trabalho das instituições parceiras de incubadoras e apoiadoras dos empreendimentos populares e solidários37; Grupo intersecretarial na área jurídica38; Comissão das políticas de microcréditos39; Fóruns setoriais de 35 Essa Comissão envolve diversas secretarias (educação, saúde, habitação, assistência social, esporte, meio ambiente, cultura, e diversos órgãos do executivo municipal, como Companhia de Engenharia de Tráfego/CET, Companhia de Processamento de Dados do Município/PRODAM, Anhembi, SPTrans, subprefeituras, dentre outros). Essa comissão tem a função de planejar, junto com a SDTS, todas as etapas de atendimento dos beneficiários dos programas redistributivos. A descrição das etapas e processo de cadastramento das famílias permite entender o esforço realizado para conseguir, em poucos dias e sob um intenso trabalho de coordenação, cadastrar a população para expansão dos programas nos 37 distritos, no segundo ano de implementação da estratégia. 36 Essa comissão é composta por representantes trabalhadores (cinco entidades), representantes empresários (sete entidades), cooperativas e empresas auto-gestão (sete); universidades/instituições de pesquisa (cinco). Esse órgão, de caráter consultivo, busca discutir questões relativas à viabilidade e sustentabilidade de iniciativas ligadas ao empreendedorismo popular e economia solidária 37 Sob a coordenação da SDTS, os grupos buscam o estabelecimento de ações conjuntas de implementação, monitoramento, avaliação das ações realizadas, via constituição de comissões temáticas (relações humanas e saúde do trabalho; organização e gestão de empreendimentos populares e associativos; produto, mercado e comercialização); seminários; reuniões com instituições parceiras, coletivas e individuais. Esse tipo de trabalho envolve especificidades, requerendo uma metodologia de trabalho com grupos, no âmbito da educação popular, que são fundamentais para articular cooperativas e empreendimentos calcados na perspectiva da auto-gestão. Dentre os parceiros, tem-se a Ação da Cidadania; Incubadora Tecnológica de Cooperativas populares da USP; Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas de autogestão e participação acionária (Anteag); União e Solidariedade das cooperativas do Estado de São Paulo (Unisol); Coletivo de Empresários e empreendedores afro-brasileiros do Estado de São Paulo (CEABRA); Centro de Estudos e Pesquisas (CEEP); Instituto Cooperando; Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da FGV; Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da PUC/SP; Instituto Lidas; Integra Cooperativa; Núcleo de Ação e Pesquisa em Economia Solidária (NAPES); Instituto de Tecnologia Social (ITS); Rede Unitrabalho, dentre outras instituições que contribuíram com o Programa, transmitindo know how e compartilhando as ações de formação e capacitação (Pochmann, 2002: 148; 2003: 144).38 Grupo formado por procuradores e assessores jurídicos de diversas secretarias para estudar formas de participação dos empreendimentos populares nos processos de compras públicas da Prefeitura. 39 Formada por representantes de diversas entidades, responsável pela definição de linhas de ação e pela implementação da política: Prefeitura Municipal, da Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania (Cives), Banco do Estado de São Paulo (Banespa), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), Confederação geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Central de Apoio ao Trabalho (CAT), Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável (SDS), Secretaria do Emprego e Relações de Trabalho do Estado de São Paulo

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desenvolvimento40; Fóruns distritais de desenvolvimento41; Fórum metropolitano de desenvolvimento regional42; Grupo de trabalho intersecretarial de desenvolvimento econômico do leste e sul da metrópole43; Grupo intersecretarial de políticas sociais44.

Além dessas comissões e instâncias de consulta e deliberação, tem-se o volume expressivo de parcerias estabelecidas: universidades e centros de pesquisa estiveram envolvidos e próximos da gestão dos programas, tanto na formulação quanto no desenvolvimento, no monitoramento e avaliação das ações45. No Programa Oportunidade Solidária são quinze entidades parceiras, entre instituições públicas, ONGs, entidades de classe (Pochmann, 2004: 41-45; Campos, 2004: 192).

Em outros programas, a magnitude da articulação pretendida fica evidente. As ações complementares para os bolsistas, principalmente do Bolsa Trabalho e no Programa Capacitação em atividades de utilidade coletiva, permitem verificar a necessária integração dos setores e nesse sentido cabe mencionar apenas algumas: O Bolsa Trabalho vincula o repasse de bolsas a ações de formação e à realização de atividades junto a diversas secretarias e empresas municipais46, com ênfase no desenvolvimento de ações comunitárias e sociais. O Programa Operação Trabalho estabeleceu parcerias com todos os órgãos da Prefeitura, que identificaram a possibilidade de abertura de 13.750 vagas de trabalho47. As parcerias envolviam a elaboração de um plano de capacitação teórica e prática, com cronograma de execução e com termo de compromisso assinado entre os órgãos envolvidos.

No Programa Capacitação Ocupacional e Aprendizagem em Atividades de Utilidade Coletiva, por exemplo, estiveram envolvidas onze secretarias municipais e cinco empresas públicas municipais, além de um grande número de entidades não-governamentais, contando com mais de 50

(SERT), Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, (CEF), DIEESE, Sindicado dos Bancários de São Paulo, Sebrae-SP, além de dois importantes intelectuais, Paul Singer e Luiz Gonzaga Belluzzo (Pochmann, 2002: 174). 40 No total estavam funcionando dez fóruns setoriais em 2004. 41 Com três fóruns em funcionamento em 2003, contando com a participação de ONGs, associações e entidades diversas; 42 Agregando representantes dos 39 municípios da região metropolitana de São Paulo. 43 Formado por representantes de Secretarias e empresas públicas, sob a coordenação da SDTS, para definir a estratégia de desenvolvimento econômicos das regiões leste e sul da cidade; 44 Formado pelas secretarias das áreas sociais, como saúde, educação, assistência, serviços urbanos, abastecimento, cultura, que, sob a coordenação da SDTS, tinha a tarefa de definir as ações de cada secretaria em torno de quatro grandes questões sociais (ações de acolhimento, de combate à fome e pobreza, educação e combate ao analfabetismo, segurança urbana). 45 Além dos estudos de avaliação e de construção de indicadores, têm-se outras iniciativas que espelham a busca da proximidade maior entre poder público e instituições de pesquisa e universidades. O projeto Bolsa Empreendedor, por exemplo, com financiamento de 200 bolsas por um período de seis meses para estudantes universitários desenvolverem pesquisas, instrumentos e produtos relacionados, sobretudo, com os empreendimentos populares, demonstra essa preocupação. Nas três edições das bolsas, distribuídas através de concursos públicos, estiveram envolvidos cerca de 580 estudantes universitários, com aprovação de 369 projetos, mobilizando alunos de 20 universidades da cidade de São Paulo. Os projetos aprovados, em sua maioria, eram das áreas de humanas e centravam-se na avaliação da implementação dos programas emancipatórios, embora muitas vezes tenha ficado evidente a utilização de abordagens e de problemas já superados pelas equipes da SDTS. Entretanto, foi afirmada a contribuição de muitos estudos para readequação de procedimentos e metas, apontando problemas e sugerindo soluções. Projetos no campo da psicologia também foram significativos no conjunto dos projetos aprovados, buscando verificar a visão dos beneficiários sobre os programas e as representações sobre os programas e as relações estabelecidas com o poder público. Estudos e projetos no campo da gestão da informação foram relevantes para os processos e tecnologias de monitoramento e avaliação (Pochmann, 2004: 110-112). 46 Alguns exemplos: jovens qualificados para prevenção e tratamento de DST/AIDS atuando como multiplicadores junto a outros jovens da comunidade; jovens capacitados para desenvolver ações para idosos no campo do transporte urbano; jovens formados em fotografia que atuam como multiplicadores de uma técnica de fotografia junto a professores do ensino fundamental (Pochmann, 2004: 82,83). 47 Secretarias de Educação, Saúde, Esportes, Habitação, Verde e Meio Ambiente, Cultura, Finanças, Assistência social, Gestão Pública, 28 administrações regionais, Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), SPTrans, Companhia Habitação (COHAB), Anhembi Turismo, Instituto da Previdência Municipal (IPREM), PRODAM (Processamento de Dados do município) e serviços funerários (Pochmann, 2003: 95).

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instituições parceiras48, configurando uma rede de abrangência nacional com ação no plano municipal e local, voltada para o tema da capacitação e da formação (Campos, 2004: 192).

Embora se afirme a articulação entre os diversos setores e programas, não fica claro, contudo, em que ela consiste, ou até que ponto pode-se dizer que o fato de as diversas secretarias participarem, oferecendo cursos ou vagas, pode significar uma ação integrada e articulada. Para isso seria necessário verificar se os custos são cobertos pelas secretarias parceiras, a magnitude dessa participação (quantos cursos, quantos capacitados), se existe uma mobilização distinta dos agentes para se adaptarem aos critérios do programa ou de que forma as ações desenvolvidas significam alteração nas rotinas, procedimentos e metodologias prévias de intervenção em cada setor ou mesmo a sustentabilidade da estratégia. Esse esforço, que envolveria uma pesquisa de avaliação, não será feito aqui.

Entretanto, basta olhar para o volume e a complexidade envolvida em um processo de cadastramento de 156 mil pessoas, como o Programa Operação Trabalho, para ter uma dimensão do esforço de articulação necessário para desenvolver as ações dos programas49. Também o Programa Começar de Novo conta com a participação direta dos órgãos da administração municipal para a execução das atividades de formação. Vale ainda a pena considerar o esforço de mobilização e articulação entre órgãos internos e externos à Prefeitura para operar mais de 1.200 turmas simultâneas no Programa de Capacitação Ocupacional, levando em conta o que isso envolve para ser operacionalizado50.

Pode-se dizer, entretanto, que tais ações só podem de fato ser consideradas como exemplos de uma intersetorialidade de alta densidade caso envolvam uma articulação mais intensa e permanente entre os setores; caso contrário, podem sinalizar um esforço de cooperação momentâneo, que embora possa ter seu mérito, não corresponde a práticas intersetoriais consistentes e fortes. Em que medida a ligação desenvolvida entre as diversas secretarias constitui uma integração e qual a distinção entre integração, articulação, intersetorialidade e transversalidade são questões pertinentes aqui. É bastante difícil estabelecer critérios incontroversos para definir o que caracteriza uma ação integrada, mas certamente integração é algo distinto da existência de algum tipo de ligação, como é o caso que ocorre quando se encaminham indivíduos e grupos para outros serviços ou quando se faz um mutirão para o cadastramento ou ainda quando se utilizam os equipamentos públicos de outros setores para isso, por exemplo.

Conforme apontado pelo coordenador dos Programas sociais prioritários, o aspecto verdadeiramente inovador dos programas Renda Mínima, Bolsa Trabalho e Começar de Novo é o fato de serem “programas intersecretarias”: “Têm, portanto, uma concepção programática e gerencial articulada entre as diversas secretarias de governo e empresas municipais” (Pochmann, 2002: 100).

De acordo com Campos, pode-se apontar para alguns resultados mais tangíveis quanto ao exercício da intersetorialidade na estratégia de São Paulo: “Essa forma compartilhada de execução revelou ser um grande salto para assegurar a qualidade e a eficiência dos cursos ministrados. Dessa forma, onde uma secretaria ou empresa municipal executora do programa realizava uma ação e um serviço à população paulistana, os bolsistas passaram a desempenhar ações complementares, proporcionando uma relação de confiança com o poder público, como também um melhor conhecimento por parte desse sobre seus munícipes”(Cazzuni, apud Campos, 2004: 172).

48 Para detalhamento das instituições parceiras, verificar Pochmann, (2003: 126-135). Por ora vale ressaltar a grande heterogeneidade entre elas, configurando um conjunto que abrange associações comunitárias, centros de apoio, centros de educação e de defesa de direitos, instituições religiosas, organizações não governamentais, sociedades e grupos de ação, centros de estudos e pesquisas, união das escolas de samba, empresas privadas, dentre outros tipos de entidades. 49 Para se ter uma idéia, uma ação de cadastramento durou 22 dias, envolveu 650 cadastradores em 42 postos na cidade (Pochmann, 2003: 95) 50 Inclusive na busca por espaços públicos e privados para serem usados na capacitação, priorizando a proximidade com o público beneficiário, em lugares a um ônibus de distância, no máximo, do local de moradia.

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Existe o reconhecimento de que o trabalho conjunto de diversas secretarias viabilizou a otimização dos custos, garantindo ações sem a necessidade de novos recursos financeiros; a perspectiva da descentralização favoreceu o fortalecimento das subprefeituras (chamadas na administração paulista de governos locais) na implementação dos programas e na busca das parcerias locais.

Além da articulação entre os diversos setores governamentais, tem-se o esforço de articulação com agentes da sociedade civil e mercado. Uma afirmação elucida o ponto: “O Programa Bolsa Trabalho deixou de ser uma iniciativa tão-somente do setor público para integrar os vários agentes da sociedade civil. Não fosse assim -como inicialmente o programa dispunha apenas dos recursos necessários para o pagamento das bolsas, das despesas de deslocamento do beneficiário e do seguro de vid-a não se conseguiria financiar a realização das atividades de formação” (Cazzuni, apud Campos, 2004: 172).

Entretanto, sem desconsiderar o enorme esforço realizado para compatibilizar a atuação conjunta de tantas e tão distintas instituições, questões não equacionadas de articulação são evidenciadas no próprio material produzido pela SDTS (Pochmann, 2002, 2003, 2004), embora não apareça a discussão mais aprofundada sobre as causas das dificuldades ou uma análise de suas dimensões. Com relação à integração das ações, foi apontada a necessidade de maior articulação e integração específica entre os programas desenvolvidos na SDTS e as secretarias municipais de educação, saúde e assistência, para encaminhamentos referentes a analfabetismo, doenças crônicas e benefícios da LOAS (Pochmann, 2002: 121). Foi identificado, dentre os beneficiados do Programa Começar de Novo, um alto percentual de casos de analfabetismo e analfabetismo funcional, alcoolismo, hipertensão e doenças crônicas, sendo que o encaminhamento e o adequado atendimento dessas demandas para as secretarias competentes (educação e saúde) ainda não havia sido equacionado.

Além do esforço de construção de redes horizontais, a perspectiva das redes multiníveis, nos termos examinados na literatura, é parte central da estratégia desenvolvida. Se as dificuldades aparecem no próprio âmbito municipal, as relações entre diversos níveis de governo agregam outro tipo de dificuldades.

A iniciativa de São Paulo buscou articular e mais do que isso, unificar, os programas de transferência de renda municipal, estadual e federal. O esforço feito na implementação da estratégia, principalmente nos programas redistributivos, foi o de compatibilizar os diferentes valores dos benefícios dos programas municipal, estadual e federal de transferência de renda e evitar discriminações entre a população pobre em função da fonte dos benefícios recebidos (Pochmann, 2002: 77-78). Embora tenha havido uma ação imediata e decidida por parte da Prefeitura de São Paulo no estabelecimento de relações com o governo federal, principalmente para a inclusão do município de SP no programa nacional de renda mínima vinculada à educação (Bolsa Escola), esse processo ocorreu sob intenso desgaste51.

Não foi um esforço desprezível e envolveu muita negociação para que finalmente fosse

51 No programa federal, as famílias, para serem incluídas, tinham que ter crianças na faixa etária de 6 a 15 anos e renda familiar per capita igual ou inferior a meio salário mínimo. O valor do beneficio é de R$15,00 por criança, não podendo ultrapassar o teto de R$ 45,00. Nas negociações entre o governo municipal e federal, a Prefeitura teria proposto um valor único para as famílias, de forma a não gerar competição entre os programas ou desigualdade entre os pobres, uma vez que o repasse médio de acordo com o programa federal seria em torno de R$27,00 e o repasse do programa municipal era em torno de R$117,00. E também teria proposto um cartão único, o que teria sido recusado pela equipe federal. Embora não tivesse sido aceita a proposta de unificação dos dois programas, a prefeitura de SP aderiu ao Programa Bolsa Escola, com evidente prejuízo para todos, uma vez que as famílias do renda mínima passaram a ter dois cartões. O programa federal teve início em janeiro de 2002 em SP. A prefeitura se negou, contudo, a favorecer a desigualdade entre os pobres, mantendo valores de repasse tão díspares. E estabeleceu um acordo com o MEC, sendo que para cada R$ 1,00 do programa federal a prefeitura coloca R$3,34, unificando o valor do repasse às famílias (Pochman, 2002: 95-97). A posição da Prefeitura de SP permitiu de fato evitar a sobreposição das ações, fragmentação do público e desigualdade no repasse dos benefícios. Esse esforço ganha ainda maior destaque quando se trata, tanto no nível estadual quanto no federal, de governos de base partidária distinta da existente no município de São Paulo.

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acordado um modus operandi, de forma a viabilizar a unificação dos benefícios, com o poder municipal assumindo a diferença dos valores repassados pelos programas federal e estadual de transferência de renda. Os problemas e gargalos de financiamento, das relações intergovernamentais e do processo de descentralização ganham toda a evidência quando se busca unificar benefícios, tendo como objetivo atender da melhor forma a clientela alvo dos programas. Programas sobrepostos e com valores diferenciados para um mesmo público geram disputas, duplicação de esforços e desperdício de recursos, irracionalidade na provisão de serviços públicos52.

Outro exemplo das dificuldades dessa articulação multinível torna-se evidente no caso do Programa Bolsa Trabalho em relação às escolas de ensino médio, sob a responsabilidade do nível estadual de governo. As articulações entre o Programa Bolsa Trabalho e a Secretaria Estadual de Educação foram nitidamente precárias, sobretudo em razão do não envolvimento do órgão estadual, ainda que essa aproximação tenha sido buscada pela SDTS. Grande parte do público atendido pelo Bolsa Trabalho eram jovens que estavam inseridos, em sua maioria, no sistema estadual de ensino, o que demandaria, como parte importante do projeto, uma atuação conjunta com a escola para potencializar ou mesmo viabilizar os resultados pretendidos com a intervenção53.

A iniciativa de São Paulo buscava alterar as condições de vida do público beneficiado, mas também pretendia alterar os arcabouços institucionais, viabilizando procedimentos articulados de gestão. A aposta da SDTS foi a de articular e desenvolver ações de forma intersetorial, sendo que a mudança do comando do executivo municipal afetou fortemente a SDTS e a estratégia de intervenção. A estratégia não encontrou respaldo político na nova administração, algo infelizmente bastante comum nas políticas públicas no Brasil. Mudanças constantes, rupturas, descontinuidades, são fatores que podem significar perdas significativas de recursos (financeiros, tempo, motivação das pessoas) e, o que é mais importante, comprometer o estabelecimento dos vínculos estáveis e pautados na confiança entre agentes públicos e beneficiários, minando as condições necessárias para uma estratégia exitosa de enfrentamento da pobreza.

A estratégia de São Paulo buscou, por meio da articulação e da integração, recolocar a pobreza ao alcance do entendimento e da ação de diversas secretarias, empresas municipais, organizações diversas, governamentais e não governamentais. Mas as condições para o enraizamento dessa perspectiva não estiveram presentes na gestão atual, que não garantiu o respaldo político para sua continuidade. Sem esse apoio decisivo no nível político, o desenho da estratégia não pôde existir sob sua forma original. Confirma-se, assim, um elemento central apontado por Cunill Grau, sobre o papel decisivo da autoridade local para a efetivação (e continuidade) da intersetorialidade como estratégia de gestão.

52 O esforço do executivo municipal para viabilizar o objetivo da unificação não é, contudo, pouco ou barato: o valor médio do beneficio do Bolsa Escola (ainda vigente em 2003, depois transformado no Bolsa Família a partir de 2004) no município de SP era de cerca de R$ 22,00 (mínimo de R$ 15,00 e máximo de R$ 45,00). O benefício do governo estadual era de R$ 60,00. No Renda Mínima, o valor era de R$ 116,00. Para unificar o benefício, para cada um real colocado pelo governo federal a prefeitura entra com quase cinco, o que é bastante desproporcional, principalmente ao se considerar que todo o processo de cadastramento e operação do programa fica a cargo do município, como aponta Pochmann (2003, p. 72). Segundo cálculos apresentados, o município assume mais de 80% dos recursos para pagamento dos benefícios de transferência de renda e ainda todo o custo operacional para cadastramento e gerenciamento do programa, no caso, Renda Mínima. 53 O executivo municipal estabeleceu, logo no segundo mês de governo, proposta de união entre o renda mínima e o programa Complementando a Renda (atualmente Renda Cidadã), desenvolvido pelo governo estadual, através da Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social do Estado. O público alvo do programa estadual é o mesmo do programa municipal e também nesse caso, a prefeitura complementa a diferença, uma vez que o valor do repasse do programa estadual é de R$ 60,00. Em abril de 2002 é assinado o acordo com o governo estadual. As relações com a secretaria estadual de educação não fluíram de forma a viabilizar uma efetiva cooperação entre as duas instâncias, não conseguindo garantir a cessão de espaços das escolas estaduais para cadastramento ou o acompanhamento da freqüência das crianças e adolescentes matriculados na rede estadual.

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5. Considerações finais Como visto na primeira seção, a intersetorialidade se materializa em diversos âmbitos ou

dimensões. No que se refere ao plano da decisão política, a aplicação da diretriz da intersetorialidade no campo das políticas anti-pobreza implica em remeter a pobreza a um problema coletivo, que diz respeito a toda a sociedade e, principalmente, à forma como a sociedade está estruturada, o que remete a uma necessária convergência entre os âmbitos de decisão econômica e social. Nesse sentido, a pobreza não é algo que diz respeito a setores específicos das políticas sociais, exclusivamente ao campo da assistência social. Compreender a pobreza sob uma perspectiva abrangente implica colocar o problema da pobreza como objetivo generalizável, comum ao conjunto da sociedade e objeto de atuação de todos os setores das políticas públicas, demandando um envolvimento efetivo desses com as diretrizes de inclusão.

Esse ponto remete ao tema da intersetorialidade em um nível maior de abstração, demandando uma compreensão mais estratégica da pobreza e seu equacionamento via uma maior integração entre políticas econômicas e sociais e também dentre as políticas sociais. Sem essa articulação não é possível desenvolver ações com resultados efetivos e sustentáveis no combate à exclusão social. A superação da pobreza e da exclusão social exigem a expansão das capacidades individuais e coletivas, e essa expansão se realiza fundamentalmente a partir de uma combinação virtuosa entre políticas universais e focalizadas, de caráter estratégico e compensatório, com foco no longo e no curto prazo, atentas à multidimensionalidade da pobreza e à dinâmica dos processos, ancoradas na perspectiva da autonomia, desenvolvimento e dignidade humana, sustentadas pela concepção de integralidade na compreensão do problema da pobreza e intersetorialidade como ferramenta da gestão. No caso da pobreza crônica, na qual a multidimensionalidade se evidencia ainda mais, tem-se a convicção de que “para romper esta rígida configuración que perpetúa la pobreza a través de su transmisión intergeneracional se requieren políticas públicas coordinadas que influyan simultáneamente en todos los ámbitos analizados” (CEPAL, 2004: 15).

Tem-se, portanto, como síntese da análise aqui realizada, que uma primeira aproximação do tema da intersetorialidade pode ser pela via da articulação entre políticas, no nível macro de análise. Nesse sentido, uma primeira conseqüência de se partir de uma perspectiva compreensiva da pobreza consiste na necessidade de se articular políticas compensatórias com políticas mais estruturais, que interfiram de forma mais profunda no fenômeno de reprodução da pobreza. Esse ponto diz respeito, de forma clara, à articulação necessária entre os âmbitos de decisão econômica e social. É explorada, de forma recorrente na literatura, a afirmação de que o crescimento econômico é necessário, embora não suficiente, para a redução e superação da pobreza. Para que a população pobre tenha condições de incrementar sua renda, é necessário um ambiente favorável à geração de emprego e renda, que exista dinamismo econômico capaz de gerar impactos positivos sobre a população mais pobre. Entretanto, dada a alta taxa de desigualdade, o crescimento da produção pode não levar necessariamente à redução da pobreza a não ser que as políticas econômicas enfatizem a geração de incentivos para criar empregos e incrementar a capacidade produtiva dos setores mais pobres, fortalecendo de forma efetiva seus ativos. A combinação de ativos que atuem na prevenção, mitigação e superação da pobreza e vulnerabilidade remete também ao tema da intersetorialidade, ou de uma ação mais articulada no campo das políticas públicas, econômicas, urbanas, sociais.

Uma convicção básica, portanto, evidenciada pela análise da literatura, é a de que a superação da pobreza depende da estruturação de um sistema de proteção social que combine, consistente e articuladamente, estratégias universais e focalizadas, pautadas pela perspectiva do desenvolvimento social e que estas sejam estabelecidas de forma coerente e aderente às demandas e necessidades de proteção social dos grupos, indivíduos e regiões (Raczynski, 1999: 192).

Em outro âmbito, a intersetorialidade se materializa no marco institucional, alterando estruturas e mecanismos de gestão. A construção da gestão intersetorial e do governo multinível, em suas formulações mais densas, exigem a alteração de estruturas institucionais e organizacionais ou a adoção de estratégias de gestão integradas ou mecanismos integradores, nas palavras de Cunill Grau

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(2005), tais como gestão em rede, foco no território e na família, estruturas matriciais de gestão. Nas duas experiências examinadas tem-se o esforço de criar espaços e mecanismos de uma

gestão intersetorial das políticas de inclusão. Nas duas cidades foi organizado, no nível central da administração municipal, o fórum intersecretarias e empresas municipais (São Paulo) e o Grupo de Trabalho e a Câmara Intersetorial (Belo Horizonte), para a construção da gestão articulada dos programas, que contavam com a participação das demais secretarias para sua efetivação54. Além da articulação no âmbito do governo e suas áreas setoriais, as experiências, tanto de São Paulo quanto de Belo Horizonte, demandavam um envolvimento significativo dos serviços e técnicos na ponta, que atuavam nas estruturas descentralizadas do poder público e da sociedade civil. Tanto em Belo Horizonte quanto em São Paulo as experiências de descentralização intramunicipal são recentes e não é irrisório o esforço que ainda precisa ser feito para dotar os governos locais (em São Paulo) ou as regionais (em Belo Horizonte) dos elementos necessários para efetivar uma gestão estratégica e com resultados mais efetivos. Dentre esses elementos destacam-se os recursos financeiros, humanos, materiais e técnicos necessários para identificar as necessidades e problemas e oferecer respostas adequadas a elas, com ênfase na participação e na articulação horizontal e multinível, com foco na produção da autonomia das pessoas e famílias atendidas, no sentido de ruptura com práticas clientelistas e de cunho assistencialista que ainda pautam a atuação de diversos agentes na ponta, na interação direta com o público atendido. Além disso, a perspectiva da intersetorialidade aponta para a necessária articulação com níveis estaduais e federal de governo. Embora tenha sido feito um esforço considerável no sentido de fortalecer a gestão intersetorial, não se pode afirmar como essa estratégia foi de fato implementada e com que resultados.

De toda forma, os elementos geralmente presentes na definição da intersetorialidade envolvem o compartilhamento de recursos, responsabilidades e ações e, de forma mais radical, exigem que os objetivos, estratégias, atividades e recursos de um setor sejam considerados a partir dos objetivos, estratégias e recursos de outros setores, como aponta Cunil Grau (2005). Alterações desse tipo não se processam de uma hora para outra e nem são fáceis de serem realizadas, dadas as resistências de se incorporar lógicas específicas às políticas existentes e a heterogeneidade de interesses e visões que as sustentam. O desenvolvimento de ações sociais depende de uma multiplicidade de atores (organizações governamentais, ONGs com perfis diversos, conselhos, associações, entidades filantrópicas e religiosas etc.) que apresentam visões diferentes sobre os problemas e sobre os meios para enfrentá-los. Isso requer processos de negociação e de decisão mais custosos e demorados, o que torna mais complexa a elaboração e implementação das ações. A fragmentação das burocracias públicas e as disputas que alimentam suas engrenagens também são características ou condicionantes das políticas sociais e inserem desafios importantes de serem superados, principalmente para efetivar a diretriz da intersetorialidade.

As experiências de São Paulo e Belo Horizonte, exemplos de iniciativas locais de inclusão social, foram fundamentais para viabilizar a proximidade com as demandas e problemas e para aumentar as chances de respostas mais adequadas a elas. Mas foram insuficientes. Uma, pelo pouco tempo de existência, não conseguiu criar lastro na forma da gestão pública se organizar. A outra, em processo de construção, embora tenha um tempo razoável de implementação, ainda encontra resistências para a efetivação da perspectiva da intersetorialidade. Entretanto, tem-se um razoável consenso na literatura de que uma atuação estratégica para enfrentamento da pobreza exige políticas desenvolvidas por outros níveis de governo e que se situam fora do âmbito específico das políticas sociais. Sem essa compreensão tem-se, recuperando a metáfora, o trabalho infindável de Sísifo, de levar a pedra ao alto da montanha para vê-la cair novamente. Somente inserindo a problemática da

54 A execução de grande parte dos programas nas duas cidades tinha, como visto, o pressuposto fundamental do envolvimento direto de diferentes secretarias, instâncias ou níveis de governo, organizações e atores diversos da sociedade civil para a execução das ações e a consecução dos objetivos das estratégias de intervenção. As duas secretarias responsáveis pelos programas (SMPS, em Belo Horizonte e SDTS em São Paulo) eram enxutas, contando com relativamente poucos técnicos, o que exige que a execução das ações seja feita pelas secretarias e demais organizações públicas, governamentais ou não-governamentais.

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pobreza no centro da questão social, como problema que diz respeito ao conjunto das políticas públicas e não apenas às políticas sociais, como uma questão que deve ser equacionada pelos distintos níveis de governo e setores da sociedade é que se pode inserir uma cunha realmente inovadora na gestão pública. Nas palavras dos autores, “O importante não é a atribuição de funções e responsabilidades a um determinado nível de governo ou a um certo ente público ou privado, senão a política que se pretende impulsionar e os objetivos que ela persegue. Em torno dessa política, os atores compartilham responsabilidades e atribuições” (Brugué, Gomá e Subirats, 2002: 4).

Nesse caso, o foco nos problemas, demandas e necessidades das populações e territórios é o que organiza a intervenção. Nesse caso a intersetorialidade, uma ferramenta de gestão, pode se converter em uma poderosa visão de mundo, capaz de possibilitar a compreensão integral dos problemas e de uma atuação sinérgica sobre eles, somando esforços, dividindo responsabilidades, recursos, informações, partilhando poder, visando o enfrentamento efetivo dos problemas, a partir de respostas mais aderentes e integrais, que os compreendam em sua multidimensionalidade e reconheçam sua complexidade.

Como diz Campbell (2004: 122), “o mal não é tanto a pobreza em si, mas o fato de ela resultar de instituições humanas e de escolhas coletivas”. E se é assim, se temos a certeza de que a pobreza não é um fenômeno natural, mas sim social, e se a intersetorialidade na gestão é a conseqüência estratégica de se adotar uma compreensão ampliada da pobreza, não existem desculpas para não se tentar implementá-la, mesmo que o custo seja o de derrubar feudos, corporações, perspectivas, estruturas, processos, visões de mundo. Algo que não ocorre sem conflitos ou resistências, mas que se revela necessário, sobretudo para uma gestão afinada com os desafios do novo século, desafios esses que remetem, contudo, a velhos problemas, ainda não suficientemente equacionados. Referências bibliográficas Alwang, J.; Siegel, P. B.; y Jorgensen, S. L. (2001), “Vulnerability: a View from Different

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Quadro 1. Programas desenvolvidos no BH Cidadania: secretarias envolvidas e atendimento por faixa etária PROGRAMAS SECRETARIAS ENVOLVIDAS FAIXA ETÁRIA Educ. Saúde Assist. Abastec. Cultura Esporte Dir. de

Cidada GEDE 0 a 5

anos e 11 meses

6 a 14 anos

15 a 21 anos

adultos idosos todas faixas etárias

Formação de Profissionais Especializados em Educ. Infantil

x x

Ampliação de Vagas para Ensino Infantil - Construção de UMEI’s

x x

SAUDE INFANTIL Estímulo ao Desenvolvimento Infantil (Prevenção / Combate à Desnutrição)

x x x x x x

Casa de Brincar Se essa praça fosse minha

x x

BH na Escola x x x x Alimentação Escolar x x x Estímulo à Socialidade e benefícios físicos através do lazer e esporte

x x

Socialização Infanto – Juvenil x x x x x x Educação de Jovens e Adultos – EJA

x x x

Estímulo à Melhoria e Qualidade de Vida (Saúde Adolescentes / Jovens)

x x x x x x x

Socialização de Jovens (até 18 anos)

x x x x x x

Formação Profissional x x x Estímulo à Socialidade e benefícios físicos através do lazer e esporte / 2do. Tempo

x x x

Alfabetização x x* x x Saúde do Adulto x x x x x Saúde da Mulher x x x x Desenvolvimento Comunitário x x x* Somente no caso de idosos tem-se a participação da sub secretaria de Direitos de Cidadania nesse programa.

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Quadro 1. Programas desenvolvidos no BH Cidadania: secretarias envolvidas e atendimento por faixa etária (cont.) SECRETARIAS ENVOLVIDAS FAIXA ETÁRIA Educ. Saúde Assist. Abastec. Cultura Esporte Dir. de

Cidadan GEDE 0 a 5

anos e 11 meses

6 a 14 anos

15 a 21 anos

adultos idosos todas faixas etárias

Educação para o Consumo Plantio Alternativo

x x x x x x*

Estímulo à Socialidade e benefícios físicos através do lazer e esporte – Recrear

x x

Saúde do Idoso x x x x x x x Grupo de Convivência com o Idoso

x x x x

Assistência Alimentar x x x x Direito à Cidadania (Pensão / Violência)

x x

Estímulo à Socialidade e benefícios físicos através do lazer e esporte – Vida Ativa

x x x

Atenção Domiciliar x x x Defesa do Consumidor, Direitos da Mulher, Assuntos da Comunidade Negra, Direitos Humanos, Apoio à Pessoa Portadora de Deficiência

x x

Estímulo à leitura Formação e Capacitação de Mediadores da Leitura

x x x x

Estímulo à Socialidade e benefícios físicos através do lazer e esporte – Caminhar

x x

Fonte: elaborado pela autora a partir dados fornecidos nos documentos PBH/Urbal (2004). x* Quando se trata de todas as faixas etárias, a única subsecretaria que atua é a de Abastecimento. * A célula sombreada é para identificar a secretaria responsável pelo desenvolvimento das ações dos programas, ainda que seja uma ação que conte com a adesão ou o envolvimento de outras secretarias.

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Quadro 2. Síntese dos Programas da estratégia de inclusão de São Paulo Programas Redistributivos

Programa Critérios de elegibilidade, permanência e valor do benefício Objetivos Renda Mínima tem como público alvo famílias com crianças e adolescentes (de 0 a 16 anos incompletos) e oferece uma complementação monetária em troca da obrigatoriedade da freqüência escolar.

Renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo; famílias com crianças de 0 a 15 anos; residentes em SP há no mínimo 2 anos e que atendam às obrigações estabelecidas no termo de responsabilidade e compromisso: assiduidade à escola e a retirada das crianças e adolescentes das situações de risco (trabalho infantil, por exemplo). Valor do benefício: “multiplica-se o valor de meio salário mínimo pelo número de membros da família e do resultado diminui-se o valor da renda familiar. O valor do beneficio corresponderá a dois terços da diferença entre a renda familiar e o valor obtido como resultados da multiplicação de meio salário mínimo pelo numero de membros da família” (Pochmann, 2002, p. 100). Durante 2002, o valor desse benefício era de R$ 105,72 em média.

“Garantir formação intelectual das crianças e dos adolescentes das famílias de forma a assegurar-lhes alguns instrumentos que ajudem a romper com o circulo da reprodução da pobreza, complementar a renda das famílias de modo que estas possam atender às necessidades básicas de seus membros, garantir a permanência e um bom desempenho das crianças e adolescentes na rede escolar, reduzir o número de crianças em situação de rua e/ou daquelas que participam de atividades remuneradas e melhorar a qualidade de vida das famílias”

Bolsa Trabalho tem como objetivo atender jovens desempregados de 16 a 20 anos de idade, fornecendo uma renda vinculada à inserção e freqüência escolar, capacitando-os ainda para o desenvolvimento de iniciativas comunitárias.

Jovens com idade entre 16 e 20 anos, que estejam estudando ou que tenham concluído o ensino médio, estejam desempregados ou sem rendimentos próprios, pertençam a famílias com renda bruta familiar per capita igual ou inferior a meio salário mínimo, residentes em SP há no mínimo 2 anos e que atendam às obrigações estabelecidas no termo de responsabilidade e compromisso. Para serem incluídos e permanecerem no programa, os jovens devem ter uma freqüência escolar superior a 85% e cumprir a carga horária das atividades de formação. Tais atividades tem uma carga horária semanal de 20 horas.O prazo de permanência no programa é de 6 meses, podendo ser renovado por até 2 anos, dependendo de avaliação e da disponibilidade de recursos do programa; sendo possível o desligamento caso não haja o cumprimento das exigências do programa. Valor do benefício: O valor do beneficio corresponde a 45% do salário mínimo vigente, acrescido do valor correspondente a dois vales-transporte por dia, além de um seguro de vida coletivo. Em 2001, esse valor era de R$ 137,00. Nas modalidades bolsa cursinho, estágio e emprego, houve uma ampliação da faixa de renda do público a ser atendido, considerando renda familiar total de até 4,2 salários mínimos.

“Oferecer meios para que os jovens possam continuar vinculados à rede escolar; propiciar-lhes uma capacitação adicional - não necessariamente dirigida ao mercado de trabalho, embora os cursos possam criar condições mais favoráveis -; potencializar a integração dos jovens aos seus bairros, por meio seja do desenvolvimento de atividades comunitárias, seja do (re) conhecimento dos distritos onde residem; melhorar as condições de vida dos jovens e de seu grupo familiar”. O Programa se desdobrou em quatro subprogramas: Modalidade Renda (igual aos termos anteriores) Modalidade cursinho (jovens com idade entre 16 e 29 anos que concluíram o ensino médio e não iniciaram o superior) Modalidade Estágio (jovens entre 16 e 29 anos que cursavam o ensino médio profissionalizante ou o superior) Modalidade Emprego (jovens entre 16 e 24 anos que concluíram o ensino médio ou o superior)

Fonte: Elaboração própria a partir das informações de Pochmann (2002).

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Quadro 2. Síntese dos Programas da estratégia de inclusão de São Paulo (cont.) PROGRAMAS REDISTRIBUTIVOS

Programa Critérios de elegibilidade, permanência e valor do benefício Objetivos Começar de Novo voltado para os desempregados com 40 anos ou mais, o programa garante renda vinculada à formação para atividades produtivas e comunitárias.

Indivíduos com 40 anos ou mais de idade, que estejam desempregados há 6 meses ou mais e que não estejam recebendo seguro desemprego, residam na cidade de SP há mais de 2 anos e pertençam a famílias com renda mensal per capita inferior ou igual a meio salário mínimo e que atendam as exigências do termo de compromisso. É necessário que participem das atividades de capacitação e aprendizagem para que tenham direito ao beneficio. O prazo de permanência é de 6 meses, que pode ser prorrogado pó um período máximo de dois anos e, nesse caso, o valor do beneficio é reduzido para 50% do salário mínimo. O desligamento pode ocorrer caso o beneficiário deixe de cumprir as exigências, critérios ou requisitos do programa (termo de compromisso). O benefício monetário era fixo, correspondendo a 66,0% do salário mínimo, além de duas passagens de ônibus por dia e um seguro de vida coletivo.. Em 2001, o seu valor foi de R$ 176,00 e, em 2002, de R$ 189,33.

“Oferecer uma capacitação nova ou adicional; atuar sobre as formas tradicionais de pobreza e exclusão (analfabetismo, por exemplo); estimular o espírito empreendedor, oferecendo formação e habilitação para a montagem de pequenos negócios; assegurar o acesso a atividades de capacitação ocupacional ou comunitária de qualidade”

Operação Trabalho voltado para desempregados de longa duração, com faixa etária entre 21 e 39 anos (preferencialmente) e fornece renda, capacitação e experiência de trabalho.

Desempregados de longa duração - há mais de 8 meses - na faixa de 21 a 39 anos (podendo ser inseridos pessoas que estivessem fora da faixa, desde que não participassem nem do Bolsa Trabalho nem do Começar de Novo), que residam há mais de um ano no município de SP e cuja renda familiar per capita seja igual ou menor a meio salário mínimo. Inclusão no Operação Trabalho leva em conta critérios como maior tempo de desemprego, condição de morador de rua, egressos do sistema penitenciário, famílias com filhos desnutridos, deficientes, entre outras condições de especial vulnerabilidade. A permanência no programa depende do cumprimento do termo de compromisso e responsabilidade. O pagamento do benefício é por um período máximo de nove meses. Valor do benefício: O benefício tem um valor variável, que pode chegar a 150% do salário mínimo, além de duas passagens ônibus/dia, além de seguro de vida e por vezes refeição. O valor do beneficio mensal, incluindo deslocamento e alimentação, atingiu o valor máximo de R$ 295,00 em 2001. Em 2002, foi de R$ 315,00.

Combater a pobreza gerada pelo desemprego de longa duração (principalmente aquele com tempo superior a 8 meses) a partir da transferência de renda associada à capacitação ocupacional e capacitação cidadã, a partir da disponibilização de cursos, seminários e oficinas de capacitação ocupacional e de aprendizagem em atividades de utilidade coletiva.

Fonte: Elaboração própria a partir das informações de Pochmann (2002).

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Quadro 2. Síntese dos Programas da estratégia de inclusão de São Paulo (cont.) PROGRAMAS EMANCIPATÓRIOS

Programa Critérios de elegibilidade, permanência e valor do benefício Objetivos Programa Oportunidade Solidária (Apoio ONU/FAO)

Beneficiários dos programas redistributivos, de forma a complementar resultados da estratégia de inclusão social.

Aprendizagem em empreendimentos coletivos (associativos, cooperativas e comunitários) e individuais, com o objetivo de criar condições para a geração de ocupação e renda para os mais pobres. Tem como objetivos oferecer instrumentos e ferramentas que possam melhorar as condições de formação e atuação desses empreendimentos, via capacitação e assessoria para gestão, estímulo à constituição de redes, fóruns e outros tipos de representação coletiva de empreendedores populares. Acesso a cultura do empreendedorismo.

Programa Capacitação Ocupacional e Aprendizagem em Atividades de Utilidade Coletiva (Apoio Unesco)

Beneficiários dos programas redistributivos, que parece constituir o público preferencial (Bolsa Trabalho, Começar de Novo e Operação Trabalho), população excluída ou em risco de exclusão dos 96 distritos, povos indígenas, população rural, desempregados e trabalhadores ocupados em situação precária e outros grupos de beneficiários.

Educação para o trabalho e “educação para a vida comunitária, envolvimento com o bem estar e a universalização da cidadania”. Desenvolvimento de atividades de capacitação que permitam aos beneficiários dos programas sociais a aquisição ou aperfeiçoamento de habilidades que possibilitem atividades de geração de renda, além de atividades comunitárias. Atividades de capacitação voltadas para o mercado, para as atividades comunitárias e cooperativas e terceiro setor.

Programa Central de Crédito Popular – São Paulo Confia

Empreendedor de baixo poder aquisitivo, mesmo que não seja beneficiários dos programas redistributivos. Cooperativas e micro e pequenos empreendimentos formais ou informais.

Programa voltado para a difusão do microcrédito, sobretudo para o público beneficiado pelos programas redistributivos e pelo Programa Oportunidade Solidária. Tem como objetivos viabilizar acesso ao crédito para populações que encontram dificuldades em ter acesso ao crédito por meio das instituições tradicionais.

Fonte: Elaboração própria a partir das informações de Pochmann (2002).

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Quadro 2. Síntese dos Programas da estratégia de inclusão de São Paulo (cont.) PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL

Programa Critérios de elegibilidade, permanência e valor do benefício Objetivos Programa de Reestruturação Produtiva e Relações de Trabalho

Perspectiva de planejamento regional, com foco no território. Identificação coletiva, negociação e decisão sobre que atividades econômicas deveriam receber atenção especial e identificação das 14 regiões que seriam inicialmente beneficiadas. Atuação e deliberação via fóruns setoriais e fóruns distritais. Assinatura de protocolos entre as instituições, fixando metas e formas de alcançá-las.

programa voltado para desenvolvimento econômico das regiões e para a identificação e reconstituição de cadeias produtivas, recuperação de empresas falidas e investimentos em condomínios de cooperativas. “estimular o surgimento de condições objetivas que favoreçam o desenvolvimento da capacidade econômica local, dinamizando o que já existe ou trazendo à tona potencialidades identificadas pelos próprios atores da região”

Programa Sistema de Alocação Pública do Trabalho (São Paulo Inclui)

Intermediação de mão-de-obra formal, de mão-de-obra informal (certificação e call center, que possibilita articular melhor a demanda e a oferta de serviços) e intermediação de negócios (certificação e sistema de informações sobre oferta e demanda de serviços e produtos). Beneficiários prioritários, mas não exclusivos, são os beneficiários dos programas Bolsa Trabalho, Operação Trabalho e Começar de Novo.

Trata-se de uma busca de reorganização do mercado de trabalho, através da criação de um serviço amplo de intermediação de trabalhadores por meio da busca ativa de vagas em diferentes regiões da cidade, e da constituição de um banco de dados que articula demanda e oferta de vagas. Atuação em três vertentes: mercado de trabalho assalariado, central de serviços autônomos e intermediação de negócios populares

Fonte: Elaboração própria a partir das informações de Pochmann (2002).

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