Literatura Na Escola 9º Ano

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  • 8/18/2019 Literatura Na Escola 9º Ano

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    Literatura na escola - 9º ano: Contos de Julio Cortázar

    Introdução

    Esta é a décima terceira de uma série de 16 sequências didáticas que formam

    um programa de leitura literária para o Ensino Fundamental II. Veja, ao lado, o

    conteúdo completo.

    Objetivos

    Estimular o gosto pela leitura;

    desenvolver a competência leitora;

    desenvolver a sensibilidade estética, a imaginação, a criatividade e o senso

    crítico;

    estabelecer relações entre o lido/vivido ou conhecido (conhecimento de

    mundo);

    conhecer as características do gênero Conto;

    conhecer as características da narrativa fantástica.

    Conteúdos

    O conto: características do gênero;

    Paráfrase, hipótese, análise e interpretação;

    Características da narrativa fantástica.

    Tempo estimado

    Seis aulas

    Ano

    9º ano

    Material necessário

    - Livro Todos os fogos o fogo. Julio Cortázar. Ed. Civilização Brasileira,

    2009.

    Desenvolvimento

    1ª aula: Antecipação/Motivação/Sensibilização

    Lance a pergunta à classe:

    - Você já ouviu falar do escritor Julio Cortázar? Conhece alguma obra que ele

    escreveu? Apresente o autor aos alunos.

    Julio Cortázar  

    Filho de pai diplomata, Julio Cortázar nasceu por acaso em Bruxelas, no ano

    de 1914. Com quatro anos de idade foi para a Argentina. Com a separação de

    seus pais, o escritor foi criado pela mãe, uma tia e uma avó. Adquiriu o título

    de professor normal em Letras e iniciou seus estudos na Faculdade de

    Filosofia e Letras - tendo que abandoná-la em seguida, por problemas

    financeiros. Para poder viver, deu aulas em diversos colégios do interior do

    país. Por não concordar com a ditadura vigente na Argentina, mudou-se paraParis em 1951.

     Autor de contos considerados como os mais perfeitos no gênero, podemos

    citar entre suas obras mais reconhecidas "Bestiário" (1951), "Las armas

    secretas" (1959), "Rayuela" (1963), "Todos los fuegos el fuego" (1966),

    "Ultimo round" (1969), "Octaedro" (1974), "Pameos y Meopas" (1971),

    "Queremos tanto a Glenda (1980) e "Salvo el crepúsculo" - póstumo (1984). O

    escritor morreu em Paris, de leucemia, em 1984.

    http://www.releituras.com/jcortazar_menu.asp

    2ª aula: leitura compartilhada

    Leia com os alunos o conto "A Autoestrada do Sul", de Julio Cortázar,

    publicado no livro Todos os fogos o fogo, conversando, ao final da leitura,

    sobre as possíveis dúvidas e a compreensão do enredo.

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    3ª aula: o conto como gênero literário

    Peça aos alunos que se reúnam em grupos de quatro e, com base no conto

    lido na aula anterior (e em todos os outros do repertório de sua turma), tentem

    chegar a uma definição de conto. Em seguida, discuta coletivamente as

    hipóteses da turma. Tente chegar a uma definição coletiva.

    Julio Cortázar, além de grande contista, teorizou sobre o gênero conto. No

    livro Valise de cronópio (ed. Perspectiva, São Paulo, 2006.), Cortázar fala

    sobre o gênero em dois momentos: "Alguns aspectos do conto" (p. 135 a 146)

    e "Do conto breve e seus arredores" (p. 227 a 238).

    É interessante que o professor leia tais ensaios para discutir o conto enquanto

    gênero com seus alunos. A seguir, alguns apontamentos de Julio Cortázar:

    ("Alguns aspectos do conto")

    Quase todos os contos que escrevi pertencem ao gênero chamado fantástico

    por falta de nome melhor, e se opõem a esse falso realismo que consiste emcrer que todas as coisas podem ser descritas e explicadas... (p.148)

    ... o conto parte da noção de limite, e, em primeiro lugar, de limite físico, de tal

    modo que, na França, quando um conto ultrapassa vinte páginas, toma já o

    nome de nouvelle... (p. 151)

    ...o Romance e o conto se deixam comparar analogicamente com o cinema e

    a fotografia, na medida em que um filme é em princípio uma "ordem aberta",

    romanesca, enquanto que uma fotografia bem realizada pressupõe uma justalimitação prévia, imposta em parte pelo reduzido campo que a câmara

    abrange e pela forma com que o fotógrafo utiliza esteticamente essa limitação.

    ...o fotógrafo ou o contista sentem necessidade de escolher e limitar uma

    imagem ou um acontecimento que sejam significativos, que não só valham por

    si mesmos, mas também sejam capazes de atuar no espectador ou no leitor

    como uma espécie de abertura, de fermento que projete a inteligência e a

    sensibilidade em direção a algo que vai muito além do argumento visual ou

    literário contido na foto ou no conto. (p.. 151-152)

    ...o romance ganha sempre por pontos, enquanto que o conto deve ganhar

    por knock-out. (p. 152)

    Um conto é ruim quando é escrito sem essa tensão que se deve manifestar

    desde as primeiras palavras ou desde as primeiras cenas. (p. 152)

    Um conto é significativo quando quebra seus próprios limites com essa

    explosão de energia espiritual que ilumina bruscamente algo que vai muito

    além da pequena e às vezes miserável história que conta. (p. 153)

    ...a ideia de significação não pode ter sentido se não a relacionarmos com as

    de intensidade e de tensão, que já não se referem apenas ao tema, mas ao

    tratamento literário desse tema. (p. 153)

    4ª, 5ª e 6ª aulas: análise de "A Autoestrada do Sul"Em aulas expositivas dialogadas, analise o primeiro conto de Todos os fogos

    o fogo, obedecendo aos procedimentos de análise literária organizados

    abaixo:

    1) Paráfrase: 

     A paráfrase é a primeira parte da análise. Ela corresponde à questão "o que

    fala o texto?". É um resumo do enredo, um "contar história com as suas

    próprias palavras", por isso deve ser curta e objetiva, deve resumir-se apenas

    ao essencial.

    Exemplo: Em um domingo à tarde, motoristas que tentavam chegar a Paris

    pela Autoestrada do Sul são surpreendidos por um grande engarrafamento.

    Ninguém sabe a causa do incrível congestionamento que dura horas, dias,

    meses. Durante esse período, os motoristas dos veículos são obrigados a se

    organizar como um grupo para conseguir comida, água, agasalhos, cuidar dos

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    doentes e até mesmo decidir o que fazer com os mortos. Ao final, o

    engarrafamento se desfaz como se fez: sem maiores explicações.

    2) Questão norteadora e hipótese interpretativa:

    Quando vamos analisar um texto de ficção, temos como objetivo construir

    uma interpretação dele ao final da análise. Acontece que, se por um lado a

    interpretação é uma consequência do que foi investigado na análise, por outro

    é a própria interpretação que norteia a análise toda. Como assim?

     Ao analisarmos um conto, estamos buscando elementos para atingir o seu

    sentido mais profundo ou, em outras palavras, para interpretá-lo. Ao mesmo

    tempo, desde o início temos em mente uma ideia do que o conto significa,

    uma hipótese interpretativa ou um elemento que nos deixou intrigados - algo

    que parece que a história não responde por si mesma. Por exemplo, sabemos

    que não encontraremos o motivo que levou ao incrível congestionamento, mas

    por que o engenheiro do Peugeot 404 fica nostálgico da vida engarrafada

    quando finalmente o trânsito se põe a andar?

    Em uma obra literária de qualidade, há sempre algo a ser respondido pelo

    leitor. A interpretação se constrói por um trabalho de leitura do qual participam

    ativamente tanto o escritor quanto aquele que o lê. O autor deixa pontos

    obscuros, "fios soltos", e cabe ao leitor "desatar os nós", ou seja, formular as

    perguntas e criar as respostas. Para responder a essas questões menos

    evidentes na leitura do conto, chamadas aqui de "questões norteadoras",

    precisamos criar as nossas hipóteses de leitura, nossas hipóteses

    interpretativas.

    Exemplo de questão norteadora: Por que o engenheiro do Peugeot 404,

    quando finalmente se livra do congestionamento, sente falta da vida na

     Autoestrada do Sul?

    Exemplo de hipótese interpretativa: Talvez isso se explique pelo fato de ele

    ter se apaixonado, namorado e engravidado a moça do Dauphine.

    3) Análise:

     Analisar é "desmontar" o texto, é verificar quais são as partes que o compõe e

    como elas se articulam. Cada obra literária tem inúmeros elementos que,

    articulados, a constituem. A ideia não é investigar todos - nem seria possível -

    mas apenas alguns. Quais? A análise deve construir argumentos que

    sustentem a interpretação. É ela que vai conduzir o leitor através do seu

    raciocínio.

    Não podemos esquecer que, em arte, forma é conteúdo. Por isso, é preciso

    ressaltar a contribuição que alguns aspectos formais possam vir a ter na

    economia do conto. O que são aspectos formais? São elementos que se

    referem menos diretamente a o que está sendo dito e mais ao como está

    sendo dito, ao tratamento literário do tema. O tipo de narrador, a

    caracterização de algum personagem, o tempo, o espaço e o tipo de discurso

    são alguns dos elementos formais que podem ser fundamentais para

    desvendar mistérios. Se você observar bem o conto escolhido, não será difícil

    perceber algo que, em sua forma, lhe chame a atenção. Por exemplo, o fatode o narrador, apesar de ser em terceira pessoa, saber do engarrafamento

    tanto quanto os personagens: apenas um sem número de boatos sobre suas

    causas.

    Existem inúmeros elementos passíveis de análise em uma boa obra literária.

    Se conseguirmos ter uma boa questão (que se refere mais ao conteúdo) e

    ainda um olhar atento no que se refere à forma, então já será possível traçar

    um caminho seguro pelo qual nossa análise pode seguir. Retomemos isso

    depois.

    Exemplo resumido de análise: O conto se inicia já em situação: todos estão

    parados em um grande congestionamento na Autoestrada do Sul. Aos,

    poucos, vamos conhecendo os personagens envolvidos: a "moça do

    Dauphine", o "engenheiro do Peugeot 404"... Nenhum personagem é

    chamado por seu nome. Temos deles apenas as primeiras impressões que se

    pode ter em um congestionamento: "duas freiras do 2HP", um homem pálido

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    que dirige um Caravelle etc.

     As causas do engarrafamento não são reveladas: o narrador, mesmo em

    terceira pessoa, tem dos acontecimentos uma visão tão parcial quanto a de

    qualquer um dos personagens envolvidos. É como se o olhar fosse de um

    personagem qualquer, constituindo uma narrativa em terceira pessoa com

    "cara" de primeira.

    Para o professor  

    Veja o que diz Cortázar sobre seu uso peculiar da 3ª pessoa narrativa no

    ensaio "Do conto breve e seus arredores":

    ...quando escrevo um conto busco instintivamente que ele seja de algum

    modo alheio a mim enquanto demiurgo, que se ponha a viver com uma vida

    independente, e que o leitor tenha ou possa ter a sensação de que de certo

    modo está lendo algo que nasceu por si mesmo... Talvez por isso, nas minhasnarrativas em terceira pessoa, procurei quase sempre não sair de uma

    narração stricto sensu, sem essas tomadas de distância que equivalem a um

     juízo sobre o que está acontecendo. Parece-me uma vaidade querer intervir

    num conto com algo mais que o conto em si. (pp. 229-230)

    O tempo do congestionamento, inicialmente contado pela moça do Dauphine

    em minutos e horas, passa a ser contado em dias pelo narrador e

    personagens. Depois, as únicas referências tornam-se o calor, o frio e umas

    árvores à direita que nunca ficam para trás.

     Aos poucos, os motoristas são obrigados a travar contato para trocar água,

    comida, cobertores, cuidar dos doentes e entreter as crianças. O tempo se

    põe a passar de forma quase estática: todos permanecem parados,

    preocupados muito mais com a subsistência do que com as causas do incrível

    acontecimento. Por conta disso, os grupos de engarrafados se organizam em

    uma espécie de comunidade, repartindo os alimentos e cuidando dos doentes.

     Ainda assim, continuam a ser chamados pelo nome de seus veículos.

     A vida vai entrando em outra lógica, aceita tacitamente pelo narrador e por

    todos os personagens. É como se fosse dado que, de agora em diante, suas

    vidas fossem se dar ali, na Autoestrada do Sul. Com naturalidade, acatam o

    suicídio do homem pálido do Caravelle, o tráfico de mantimentos realizado por

    um Ford Mercury e um Porsche, o romance entre o engenheiro do Peugeot

    404 e a moça do Dauphine, a gravidez da moça, a morte da velha do ID, a

    sucessão do calor pelo frio e novamente pelo calor.

    Sem explicação, depois de um tempo indefinido, a trânsito volta a andar e o

    grupo se desfaz. O engenheiro fica atordoado com a nova ordem que se

    impõe.

    5) Interpretação:

     A interpretação corresponde à questão "do que fala o texto?". Ela busca o

    sentido profundo da obra literária. Quando analisamos, queremos saber o queestá dito através dos silêncios, nas entrelinhas; o que se origina da relação

    íntima entre forma e conteúdo. Se na análise desmontamos o texto em partes,

    na interpretação temos de reorganizá-lo como um todo, um todo de sentido

    capaz de reunir forma e conteúdo. Por isso, é essa a hora de dar resposta às

    questões pendentes.

    Exemplo resumido de interpretação: 

    Temos duas questões a responder, separadas, sempre artificialmente, entre

    uma questão sobre o conteúdo da narrativa (Por que o engenheiro do Peugeot

    404, quando finalmente se livra do congestionamento, sente falta da vida na

     Autoestrada do Sul?) e uma questão de forma literária (Por que o narrador,

    apesar de ser em terceira pessoa, mantém dos acontecimentos uma visão tão

    parcial quanto seus personagens?).

    O engenheiro do Peugeot 404 parece realmente ter se apegado a suas novas

    circunstâncias de vida na Autoestrada do Sul:

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    Nada mais se podia fazer a não ser entregar-se à marcha, adaptar-se

    mecanicamente à velocidade dos automóveis em redor, não pensar. (...)

     Absurdamente, aferrou-se à ideia de que às nove e meia seriam distribuídos

    os alimentos, teria que visitar os doentes, examinar a situação com o Taunus

    e o camponês do Ariane; depois viria a noite, seria Dauphine subindo

    sigilosamente em seu automóvel, as estrelas ou as nuvens, a vida. Sim, não

    era possível que isso tivesse acabado para sempre. (...) ...se corria a oitenta

    quilômetros por hora em direção às luzes que cresciam pouco a pouco, sem

    que já se soubesse bem para que tanta pressa, por que essa correria na noite

    entre automóveis desconhecidos onde ninguém sabia nada sobre os outros,

    onde todos olhavam fixamente para a frente, exclusivamente para a frente.

    O regresso ao movimento na estrada não significava para ele apenas o

    retorno ao lar. Marchando em alta velocidade e olhando exclusivamente para

    frente, os personagens do conto regressam a uma ordem na qual,

    diferentemente da vida na Autoestrada, já não se olha para quem está aolado, não se sabe nada das pessoas, e todos correm alucinadamente atrás de

    algo que não se sabe o que é. Uma ordem tão absurda ou mais do que a

    precária comunidade sem tempo e sem pressa que se estabelecera na

     Autoestrada do Sul.

    Para o professor  

    Veja o que diz Cortázar sobre a narrativa fantástica no ensaio "Do sentimento

    do fantástico" (in: Valise de cronópio. São Paulo, Perspectiva, 2006.):

    ...A extrema familiaridade com o fantástico vai ainda mais longe; de algum

    modo já recebemos isso que ainda não chegou, a porta deixa entrar um

    visitante que virá depois de amanhã ou veio ontem. A ordem será sempre

    aberta, não tenderá jamais a uma conclusão porque nada conclui nem nada

    começa num sistema do qual somente se possuem coordenadas imediatas.

    (pp. 177-178)

    ...o verdadeiramente fantástico não reside tanto nas estreitas circunstâncias

    narradas. Mas na sua ressonância de pulsação, de palpitar surpreendente de

    um coração alheio ao nosso, de uma ordem que nos pode usar a qualquer

    momento para um de seus mosaicos, arrancando-nos da rotina... (p. 179)

    Vimos na análise do conto que não cabe indagar pelas razões do incrível

    congestionamento. O ponto de vista narrativo, estritamente vinculado ao olhar

    dos personagens, reverbera ignorância à maneira kafkiana: nem o engenheiro

    do Peugeot 404, nem o narrador, nem muito menos o leitor conhecem ou

    conhecerão as causas do fantástico acontecimento. Dessa forma, Julio

    Cortázar lança o leitor no terreno da narrativa fantástica, onde subitamente e

    sem maiores explicações uma ordem de funcionamento das coisas é

    substituída por outra, aceita tacitamente como a ordem do real. Cortázar nos

    lembra que a ordem "natural" do funcionamento da vida e da sociedade é

    apenas uma ordem entre outras e, sendo assim, muitas outras ordens seriam

    possíveis.

     A narrativa fantástica aponta para o horizonte da utopia: o mundo, tal como

    existe, é mais produto de uma circunstância do que de uma fatalidade; o que

    nos lembra sempre de que outros mundos, quiçá melhores e mais justos,

    podem vir a substituir esse que conhecemos.

    Avaliação

    Peça aos alunos que respondam por escrito a duas questões sobre "A

     Autoestrada do Sul":

    1) Observe que nunca sabemos os nomes dos personagens do conto: todos

    são chamados essencialmente pelo nome de seus veículos. Arrisque uma

    hipótese interpretativa que explique tal escolha formal.

    2) Compare o tempo da vida nas grandes cidades com o tempo

    experimentado pelos habitantes da Autoestrada do Sul durante o

    congestionamento Para tanto, releia os fragmentos a seguir:

    a) Mas o frio começou a ceder, e depois de um período de chuvas e ventos

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    que exasperaram os ânimos e aumentaram as dificuldades de abastecimento,

    seguiram-se dias frescos e ensolarados em que já era possível sair dos

    automóveis, fazer visitas, reatar relações com os grupos vizinhos.

    b) Os automóveis corriam em terceira, adiantando-se ou perdendo terreno de

    acordo com o ritmo de sua fila, e do lado da Autoestrada viam-se as árvores

    fugindo, algumas casas entre a massa de névoa e o anoitecer. (...) De quando

    em quando soavam buzinas, os ponteiros dos velocímetros subiam cada vez

    mais, algumas filas avançavam a setenta quilômetros, outras a sessenta e

    cinco, algumas a sessenta. O 404 havia esperado ainda que o avanço e o

    recuo das filas lhe permitissem chegar novamente até o Dauphine, mas cada

    minuto o persuadia de que era inútil, de que o grupo se dissolvera

    irrevogavelmente...

    Literatura na escola - 9º ano: Poemas de Baudelaire

    Introdução

    Esta é a décima quarta de uma série de 16 sequências didáticas que formam

    um programa de leitura literária para o Ensino Fundamental II. Veja, ao lado, o

    conteúdo completo.

    Objetivos

    Estimular o gosto pela leitura;

    desenvolver a competência leitora;

    desenvolver a sensibilidade estética, a imaginação, a criatividade e o senso

    crítico;

    estabelecer relações entre o lido/vivido ou conhecido (conhecimento de

    mundo);

    reconhecer a diferença entre sentido literal e figurado;

    aprofundar-se na particularidade da palavra poética;

    conhecer algumas características da poética de Baudelaire.

    Conteúdos

    Eu lírico ou Eu poético;

    Modernidade;

    Sentido literal e figurado;

    Paráfrase, hipótese, análise e interpretação.

    Tempo estimado

    Seis aulas

    Ano

    9º ano

    Material necessário

    Livro As Flores do Mal, Charles Baudelaire. 660 págs, Editora Nova

    Fronteira, tel (21) 2131 1183, preço 72 reais

    Desenvolvimento

    1ª etapa - apresentação: Baudelaire, o poeta do mundo moderno

    Em aula expositiva dialogada, apresente aos alunos um pouco da biografia de

    Charles Baudelaire

    Charles Baudelaire 

    Paris, França 1821- 1867

    Órfão de pai aos seis anos, Charles-Pierre Baudelaire viria a odiar o segundo

    marido da mãe, o general Jacques Aupick. Após anos de desavenças com o

    padrasto, Baudelaire interrompeu os estudos em Lyon, na França, para fazer

    uma viagem à Índia. Na volta, participou da Revolução de 1848.

     Após esse período conturbado, passou a frequentar a elite aristocrática.

    Envolveu-se com a atriz Marie Daubrun, a cortesã Apollonie Sabatier e a

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    também atriz Jeanne Duval, uma mestiça por quem se apaixonou e a quem

    dedicou o ciclo de poemas "Vênus Negra".

    Em 1847, lançou "La Fanfarlo", seu único romance (trata-se, mais

    propriamente, de uma novela autobiográfica). Dez anos depois, quando se

    publicaram "As Flores do Mal" ("Les Fleurs du Mal"), todos os envolvidos com

    o livro foram processados por obscenidade e blasfêmia. Além de pagarem

    multa, viram-se obrigados a retirar seis poemas do volume original - só

    publicado na integra em edições póstumas.

    Tanto "As Flores do Mal" como "Pequenos Poemas em Prosa" (póstumos,

    1869) introduziram elementos novos na linguagem poética, fundindo opostos

    existenciais como o sublime e o grotesco.

    Entre seus ensaios, destaca-se "O Princípio Poético" (1876), em que fixa as

    bases de seu trabalho. Nos diários (também publicados postumamente),

    revela-se profético e radical contestador da civilização moderna.

    De 1852 a 1865, Baudelaire traduziu os textos do poeta e contista norte-

    americano Edgar Allan Poe por quem se entusiasmara já no final da década

    de 1840.

    Outro Baudelaire, o sifilítico e usuário de drogas, surge em "Os Paraísos

     Artificiais, Ópio e Haxixe" (1860), uma especulação sobre plantas

    alucinógenas, parcialmente inspirada pelas "Confissões de um Comedor de

    Ópio" (1821), do escritor inglês Thomas de Quincey. Há também obras de

    cunho intimista e confessional, como "Meu Coração Desnudo".

    Dissipou seus bens na boemia e na jogatina parisienses. Mergulhado emdívidas, teve de resignar-se a medidas judiciárias tomadas pelos familiares, e

    um tutor foi nomeado para controlar-lhe os gastos.

    Seus últimos anos foram obscurecidos por doenças de origem nervosa. Após

    uma vida repleta de tribulações, Baudelaire morreu com apenas 46 anos, nos

    braços da mãe. Seu talento e seu intelecto só seriam totalmente reconhecidos

    depois. No século 20, tornou-se um ícone, influenciando direta e indiretamente

    toda a moderna poesia ocidental.

    http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u312.jhtm  

    2ª etapa - Leitura compartilhada do poema "O albatroz"

    Leia com os alunos o poema "O albatroz" e garanta a compreensão dovocabulário.

    O Albatroz 

     Às vezes, por prazer, os homens de equipagem

    Pegam um albatroz, enorme ave marinha,

    Que segue, companheiro indolente de viagem,

    O navio que sobre os abismos caminha.

    Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,

    Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,

    Deixa doridamente as grandes e alvas asas

    Como remos cair e arrastar-se a seu lado.

    Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!

     Ave tão bela, como está cômica e feia!

    Um o irrita chegando ao seu bico em cachimbo,

    Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!

    O poeta é semelhante ao príncipe da altura

    Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;

    Exilado no chão, em meio à corja impura,

     As asas de gigante impedem-no de andar.

    http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u312.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u312.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u312.jhtm

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    Em seguida, peça aos alunos que formulem por escrito, em grupos de quatro,

    uma paráfrase e uma hipótese interpretativa sobre o poema. Para isso,

    entregue aos grupos as seguintes questões:

    1) O que fala cada um dos poemas? Faça uma "paráfrase" de cada poema, ou

    seja, explicite seu conteúdo no nível mais literal possível.

    2) Do que falam os poemas? Arrisque uma hipótese interpretativa do sentido

    figurado do poema.

    Depois que os grupos terminarem, socialize os resultados.

    Paráfrase

     A paráfrase é a primeira parte da análise. A ela corresponde à resposta da

    questão "o que fala o poema?". É uma espécie de explicitação do sentidoliteral do texto, por mais evidente ou estranho que isso possa parecer.

    Exemplo: O poema fala sobre um albatroz capturado por marinheiros de um

    navio. Impedida de voar, a ave, imponente nos céus, reduz-se a uma figura

    desengonçada, cômica e feia, arrastando pelo chão suas enormes asas. O Eu

    lírico compara o albatroz ao poeta, que se sobressai no terreno do elevado,

    mas move-se mal ao rés-do-chão.

    Hipótese interpretativa 

    Existe uma espécie de paradoxo entre análise e interpretação. Se por um lado

    a interpretação é uma consequência do que foi investigado na análise, por

    outro é a própria interpretação que norteia a análise toda.

    Quando começamos a analisar um poema, estamos buscando elementos para

    atingir o seu sentido mais profundo. Ao mesmo tempo, desde o início temos

    em mente uma possibilidade de leitura, uma hipótese interpretativa. O que

    vamos fazer aqui é torná-la consciente.

    Exemplo: A comparação entre o poeta e o albatroz refere-se aos temas da

    poesia. O poeta seria capaz de produzir versos belos quando figura temas

    elevados, como o amor, a vida ou a natureza. No entanto, posto ao nível da

    vida cotidiana, ele seria incapaz de fazer bons versos.

    Como pode-se notar, há uma distância entre o sentido literal e o figurado

    desse poema. Para verificar se nossa hipótese tem fundamento, é preciso

    partir para a análise.

    3ª etapa - análise "O albatroz"

    Mostre à classe como a compreensão do sentido literal do poema se distancia

    da compreensão do sentido figurado. Em seguida, tente tornar claro para a

    turma as operações mentais que fazemos para passar de um nível ao outro.Esse é o momento da análise.

    Oralmente, pergunte:

    a) Em que aspectos poeta e albatroz podem ser comparados?

    b) Para o poeta, o que seria buscar as alturas?

    c) Por que, uma vez no chão, ele estaria "exilado"

    Análise 

     Analisar é "desmontar" o poema, é verificar de que forma as palavras deixam

    a sua acepção corrente e ganham a dimensão de imagem. É investigar a

    organização do discurso poético: quais são as partes que o compõem e como

    elas se articulam. Cada poema tem inúmeros elementos que, articulados,

    geram diferentes significações. A ideia não é investigar todos esses elementos

    de forma mecânica, mas somente aqueles que sirvam para verificar a sua

    hipótese interpretativa.

  • 8/18/2019 Literatura Na Escola 9º Ano

    9/22

     

     A análise constrói argumentos que sustentam a interpretação. É ela que vai

    conduzir o leitor através do seu raciocínio. É como se, lendo a sua hipótese

    interpretativa, o leitor dissesse "não entendi" ou "não concordo". Sua análise é

    o caminho para convencê-lo.

    Se durante o processo de análise perceber que sua hipótese não é central

    para a compreensão do "sentido profundo" do poema, demonstre, sempre de

    forma argumentativa, a não centralidade da sua tese anterior (hipótese

    interpretativa) e formule sua nova hipótese. Com ela formulada, continue a

    convencer o leitor dos novos rumos da sua análise. Não há problema nenhum

    em trocar de hipótese. Ao contrário, muitas vezes isso é indício de uma leitura

    rigorosa.

    Não podemos esquecer também que, em arte, forma é conteúdo. Por isso, é

    preciso ressaltar a contribuição que alguns aspectos formais possam vir a ter

    na economia do poema. "Aspectos formais" são elementos que se referemmenos diretamente ao que foi escrito e mais ao como foi escrito: as rimas, a

    divisão em versos, repetições de palavras, refrões, aliterações, assonâncias,

    as diferentes figuras de linguagem etc. O que, na forma do poema "o

    albatroz", chama mais atenção?

    Exemplo resumido: O poema "O albatroz" possui uma estrutura simples: todo

    ele se organiza em torno da comparação entre a ave e o poeta. A primeira

    estrofe narra o passatempo dos marinheiros de capturar um albatroz para

    seguir viagem no navio. A segunda, descreve o quanto a ave é desajeitada

    quando em solo firme. Na terceira estrofe o Eu lírico se dirige ao albatroz e

    manifesta seu espanto diante da feiúra do bicho quando este anda ao invés de

    voar.

    Na última estrofe o Eu lírico, ao comparar o "príncipe da altura" ao poeta, abre

    para o sentido figurado a leitura das três estrofes anteriores: o poeta, ao rés-

    do-chão, é cômico e feio, e aquilo que o eleva aos céus o impede de andar

    "em meio à corja impura".

    Para compreender "O albatroz" e alguns elementos essenciais da poética de

    Baudelaire, é preciso conhecer sua importância para a poesia moderna e seu

    lugar na história da literatura ocidental. Por isso, a análise agora dará lugar ao

    comentário.

    4ª etapa - O comentário

    Em alguns poemas, a análise solicita informações externas à obra para

    elucidar seu sentido mais profundo. "A partir de agora, [o poema] será

    concebido não como um todo autônomo, mas parcela de um todo maior.

     Assim como as partes do poema são elementos de um conjunto próprio, o

    poema por sua vez é parte de um conjunto formado pelas circunstâncias de

    sua composição, o momento histórico, a vida do autor, o gênero literário, as

    tendências estéticas de seu tempo, etc. Só encarando-o assim teremos

    elementos para avaliar o significado da maneira mais completa possível (queé sempre incompleta, apesar de tudo)", diz Antonio Candido no livroNa sala

    de aula: caderno de análise literária.

    E, em aula expositiva, explique à turma um pouco sobre a importância de

    Baudelaire para a poesia moderna.

    Comentário 

    Exemplo resumido: Charles Baudelaire é considerado o precursor da poesia

    moderna. Ele percebeu como ninguém a mudança de sensibilidade inerente à

    vida agitada das grandes cidades da era industrial. No mundo moderno, não

    há mais lugar para a comoção lírica e o poeta precisa se adaptar aos novos

    tempos. Para Baudelaire, o poeta moderno deve abandonar o belo sublimado

    da poesia romântica e descer ao rés-do-chão para falar com um leitor cuja

    sensibilidade está habituada a vivências de choque. Os leitores dessa nova

    realidade têm os sentidos hiperexcitados pelo mundo das mercadorias e estão

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    pouco afeitos a efusões líricas. Têm a sensibilidade embotada e a imaginação

    reduzida. Por isso, mundo moderno exige uma nova poesia, que encontre

    beleza no feio, na lama, na miséria. Baudelaire reivindicou a todos os

    aspectos da realidade, inclusive os mais horrendos e grotescos, o direito de

    serem figurados na linguagem poética.

    5ª etapa - a interpretação 

    Organize a turma em grupos de quatro e peça que respondam novamente às

    questões da terceira aula, mudando o que acharem necessário. Acrescente a

    seguinte questão:

    Há uma crítica ao poeta figurado no poema? Qual seria ela?

    Interpretação 

    Interpretar significa escolher uma leitura entre outras possíveis. A

    interpretação corresponde à resposta da questão "do que fala o poema". Ela éa exposição de seu sentido profundo. É ele que estamos buscando desde o

    início. É também agora que vamos refazer de forma sintética o caminho da

    primeira hipótese, a "hipótese interpretativa", até a formulação final que

    fizemos durante o processo de análise e concluir o trabalho.

    Exemplo resumido: Dissemos na hipótese interpretativa que a comparação

    entre o poeta e o albatroz referia-se aos temas da poesia. Após a análise ter

    lançado mão do comentário, podemos ampliar nossa primeira hipótese:

     Ao comparar o poeta ao albatroz, Baudelaire clama uma adaptação dos

    poetas a realidade do mundo moderno. É preciso que o poeta abandone os

    vôos altos da sublimação romântica e aprenda a andar com os pés no chão,

    escolhendo como tema de poesia tudo o que a vida oferecer, incluindo o que

    choca por ser feio, fétido, desagradável ou grotesco.

    6ª etapa - tudo é matéria para a poesia

    Leia com a turma os poemas transcritos abaixo para mostrar como Baudelaire

    usou todo tipo de tema como matéria para seus versos.

    A mendiga ruiva 

    Ruiva e branca a aparecer,

    Cuja roupa deixar ver

    Por seus rasgões a pobrezaComo a beleza,

     A mim, poeta sofredor,

    Teu corpo de um mal sem cura

    Todo manchas de rubor,

    Só tem doçura.

    E calças (muito mais bela

    Que a Rainha da Novela

    Com os seus coturnos brancos)

    Os teus tamancos.Em vez de molambos, mal

    Não te iria a roupa real,

    Chegando as ondulações

     Até os talões;

    Em vez de meia de crivos,

    Para os olhos dos lascivos

    Um punhal na perna linda

    Brilhasse ainda;

    E laços mal apertados

    Mostrem aos nossos pecados

    Os teus seios a brilhar

    Como um olhar;

    Para seres desnudada

    Tu te faças de rogada.

    Possam expulsar teus braços

    Dedos devassos;

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    Pérolas formosas, ou

    Poemas do mestre Belleau

    Que os galantes na prisão

    Sempre te dão,

     A chusma dos rimadores

    Dedicando-te primores,

    Contemplando-te o escarpim

    No varandim,

    Muito pagem a sonhar

    E muito senhor Ronsard

    Olhariam com sigilo

    Teu fresco asilo!

    No leito dos teus delírios

    Terás mais beijos que lírios

    Tua lei dominará

    Mais de um Valois!

    - Porém segue a tua lida,Só por sobras de comida

    Jogadas por distanciadas

    Encruzilhadas;

    E só quer teu sonho louco

    Joias que valem bem pouco

    Que eu nem posso, ó Deus clemente,

    Dar de presente.

    Nada te orna neste instante,

    Perfume, rubim, diamante,Só tua nua magreza!

    Minha beleza!

    A uma passante 

     A rua em torno era um frenético alarido.

    Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,

    Uma mulher passou, com sua mão suntuosa

    Erguendo e sacudindo a barra do vestido.

    Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.

    Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia

    No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,

     A doçura que envolve e o prazer que assassina.

    Que luz... e a noite após! - Efêmera beldade

    Cujos olhos me fazem nascer outra vez,

    Não mais hei de te ver senão na eternidade?

    Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!

    Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,

    Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!

    Uma carniça 

    Lembra-te, meu amor, do objeto que encontramos

    Numa bela manhã radiante:

    Na curva de um atalho, entre calhaus e ramos,

    Uma carniça repugnante.

     As pernas para cima, qual mulher lasciva,

     A transpirar miasmas e humores,

    Eis que as abria desleixada e repulsiva,

    O ventre prenhe de livores.

     Ardia o sol naquela pútrida torpeza,

    Como a cozê-la em rubra pira

    E para ao cêntuplo volver à Natureza

    Tudo o que ali ela reunira.

    E o céu olhava do alto a esplêndida carcaça

    Como uma flor a se entreabrir.

    O fedor era tal que sobre a relva escassa

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    Chegaste quase a sucumbir.

    Zumbiam moscas sobre o ventre e, em alvoroço,

    Dali saíam negros bandos

    De larvas, a escorrer como um líquido grosso

    Por entre esses trapos nefandos.

    E tudo isso ia e vinha, ao modo de uma vaga,

    Ou esguichava a borbulhar,

    Como se o corpo, a estremecer de forma vaga,

    Vivesse a se multiplicar.

    E esse mundo emitia uma bulha esquisita,

    Como vento ou água corrente,

    Ou grãos que em rítmica cadência alguém agita

    E à joeira deita novamente.

     As formas fluíam como um sonho além da vista,

    Um frouxo esboço em agonia,

    Sobre a tela esquecida, e que conclui o artista

     Apenas de memória um dia.Por trás das rochas, irrequieta, uma cadela

    Em nós fixava o olho zangado,

     Aguardando o momento de reaver àquela

    Náusea carniça o seu bocado.

    - Pois hás de ser como essa infâmia apodrecida,

    Essa medonha corrupção,

    Estrela de meus olhos, sol de minha vida,

    Tu, meu anjo e minha paixão!

    Sim! tal serás um dia, ó deusa da beleza, Após a benção derradeira,

    Quando, sob a erva e as florações da natureza,

    Tornares afinal à poeira.

    Então, querida, dize à carne que se arruína,

     Ao verme que te beija o rosto,

    Que eu preservei a forma e a substância divina

    De meu amor já decomposto!

    Avaliação

    Divida a classe em grupos de quatro e peça que cada grupo escolha um

    poema de As Flores do Mal. Diante do poema escolhido, os grupos devem

    responder por escrito às seguintes questões:

    1) O que fala cada um dos poemas? Faça uma "paráfrase" de cada poema, ou

    seja, explicite seu conteúdo no nível mais literal possível.

    2) Do que falam os poemas? Arrisque uma hipótese interpretativa do sentido

    figurado do poema.

    3) Como cada poema fala? Descreva como as palavras se organizam em

    cada um dos poemas para produzir os sentidos que você intuiu na questão 2.

    Se for possível, analise posteriormente em classe os poemas trabalhados

    pelos grupos.

    Literatura na escola - 9º ano: Narrativa de Dyonelio Machado

    Introdução

    Esta é a décima quinta de uma série de 16 sequências didáticas que formam

    um programa de leitura literária para o Ensino Fundamental II. Veja, ao lado, o

    conteúdo completo.

    Objetivos

    Estimular o gosto pela leitura;desenvolver a competência leitora;

    desenvolver a sensibilidade estética, a imaginação, a criatividade e o senso

    crítico;

    estabelecer relações entre o lido/vivido ou conhecido (conhecimento de

    mundo);

    reconhecer e analisar os elementos da narrativa (narrador e seu ponto de

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    vista, tempo);

    reconhecer e interpretar o discurso indireto livre.

    Conteúdos

    Elementos da narrativa: narrador, tempo

    discurso indireto livre

    Tempo estimado

    Nove aulas

    Ano

    9º ano

    Material necessário

    - Livro Os Ratos. Dyonelio Machado. São Paulo: Planeta, 2004.

    Desenvolvimento

    1ª etapa: Antecipação/Motivação/Sensibilização 

    Lance a pergunta à classe:

    Você já ouviu falar do escritor Dyonelio Machado? Conhece alguma obra que

    ele publicou? Apresenta a biografia do autor.

    Dyonelio Machado 

    Dyonelio Machado nasceu em Quarai, RS, em 21 de agosto de 1895. Além deescritor, Dyonelio foi médico psiquiatra. Aos 12 anos, já trabalhava no

    semanário O Quaraí, no qual teve seus primeiros contatos com a imprensa.

    Em 1929 formou-se médico e ingressou na psicanálise, constituindo-se num

    dos responsáveis pela sua divulgação no Rio Grande do Sul. Em 1934

    traduziu a obra Elementos de Psicanálise, de Eduardo Weiss, livro

    fundamental na área. O interesse pela literatura surge por esta época, tendo

    seu primeiro livro de contos - Um pobre homem - publicado em 1927. Sua

    obra não é vasta, porém é bastante significativa: Os ratos, publicado em 1935,

    recebeu o prêmio Machado de Assis, depois veio O louco do Catí (1942),

    ambos considerados clássicos da literatura brasileira.

    Faleceu em 19 de junho de 1985.

    http://www.tirodeletra.com.br/biografia/DyonelioMachado.htm 

    Explique aos alunos que os dados biográficos interessam-nos só para

    conhecer um pouco da vida do autor, quantas obras escreveu, quais prêmios

    ganhou, a qual partido político pertencia. Deixe claro que uma análise literária

    que leva apenas em consideração a vida do autor tende ao equívoco, já que o

    escritor é decisivo só no momento da escritura. Depois de a obra estar pronta,

    ela fala por si só. O autor apenas cria, imagina a história, as personagens, o

    cenário e cria alguém responsável pelo ato de narrar: o narrador. Sendo

    assim, como afirma o contista Dalton Trevisan (Record, 1979), "nada tem a

    dizer fora dos livros. Só a obra interessa, o autor não vale o personagem. Oconto é sempre melhor que o contista."

    Peça que os alunos respondam oralmente:

     A partir do título "Os Ratos", o que você espera da história?

    2º, 3º e 4º etapas: 

    Leitura compartilhada dos capítulos 1 e 2, seguida de troca de impressões

    gerais.

    Pergunte à classe:

    a- Qual é o drama vivido por Naziazeno e sua família?

    b- Após o episódio do leiteiro, Naziazeno toma o bonde e segue em direção à

    repartição pública, da qual era funcionário. No caminho, trava conversa com

    um viajante, sentado ao seu lado. Veja:

    http://www.tirodeletra.com.br/biografia/DyonelioMachado.htmhttp://www.tirodeletra.com.br/biografia/DyonelioMachado.htmhttp://www.tirodeletra.com.br/biografia/DyonelioMachado.htm

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    " - Que horas serão?

    —Sete horas passadas.

    —Vou com atraso.

    —A que horas você entra?

    —Faltando um quarto pras oito."

    No bonde, perguntam ao viajante, companheiro de viagem de Naziazeno, o

    que ele levava consigo.

    O moço responde: " Leite. É o meu almoço".

    Naziazeno acha estranho e pensa:" —Como é que um homem pode se

    contentar apenas com um vidro de leite ao meio dia?"

    - O que a fala do moço gera no íntimo de Naziazeno?

    c- Ainda no bonde, Naziazeno escuta os viajantes conversando sobre os

    cavalos de corrida. A partir disso, Naziazeno parece sair do momento vivido e,

    via memória, é transportado para outro momento. Que momento é esse?

    d- O narrador em 3ª pessoa parece conhecer Naziazeno a ponto de

    mencionar, logo após o episódio dos cavalos:" Essa história agora lhe causou

    um mal-estar". Que mal-estar é esse?

    Leia o fragmento a seguir, que servirá de discussão para as questões e, f e g

    "Já pôs o pé na calçada do mercado. O "café do Duque" fica na outra esquina.

    Toda essa calçada é uma sombra fresca e alegre, cheia de passos, de

    vozes.[...] Não enxerga o duque nos lugares habituais...E, entretanto, é a "

    hora dele". Vai ficar por ali, pelas portas, alguns minutos.Ele não poderátardar. Nunca deixa de ir a esse café. Só por doença. Naziazeno bem que

    sentaria. Quem sabe?...talvez haja um conhecido nalguma mesa...Olha!...lá

    no fundo!...o Carvalho ...Mas desvia vivamente a cara, faz que não vê o

    Carvalho."

    e- O fragmento acima é narrado em qual pessoa? Que efeito de sentido a

    escolha desse ponto de vista gera na narrativa?

    Professor, insista com o aluno que as formas verbais "pôr" e " enxergar"

    indicam ao leitor que se trata de uma 3ª pessoa. Veja: Quem pôs o pé= ele;

    Quem não enxerga o duque nos lugares= ele. Sendo assim, quem nos conta a

    história é um narrador de fora dela, não um narrador personagem.

    Feito isso, lance a seguinte pergunta:

    f- No trecho acima, apesar de ser contado por um narrador fora da história,

    em 3ª pessoa, é possível conhecer os pensamentos e sentimentos do

    personagem principal, Naziazeno?

    É o momento de explicar/ retomar com o aluno o discurso indireto livre. Diga a

    ele que quando lemos uma narrativa, há um narrador, que é quem conta o

    fato. Esse locutor ou narrador pode introduzir outras vozes no texto. Ao modocomo as falas/ vozes são introduzidas na narrativa, damos o nome de

    discurso. Ele pode ser classificado em: direto, indireto e indireto livre. Se

    considerar necessário, entregue-lhe o quadro abaixo:

    Discurso direto Discursoindireto 

    Discurso indireto livre 

    Reproduz fiel e

    literalmente algodito por alguém.

    Exemplo: Nãogosto disso" - disse a meninaem tomzangado.

    O narrador,

    usando suasprópriaspalavras, contao que foi ditopor outrapessoa.

    Exemplo: A

    Este tipo de discurso envolve a

    combinação de diferentes pontosde vista. O narrador insere"falas- pensamentos" daspersonagens no seu própriodiscurso, dificultando aidentificação precisa de quemseria o responsável pelo que estásendo dito (narrador ou

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    menina disseem tomzangado quenão gostavadaquilo

    personagem). necessário quese tenha atenção para nãoconfundir a fala do narradorcom a fala do personagem, poisesta surge de repente em meioa fala do narrador.

    Exemplo: A meninaperambulava pela sala irritada ezangada. Eu não gosto disso! Eparecia que ninguém a ouvia.

     Agora que já explicou os tipos de discurso, pergunte ao aluno:

    g- A que tipo de discurso pertence o trecho selecionado?

    Fixação: o discurso indireto livre

    h- Após o mal-estar, Naziazeno lamenta ter como esposa uma mulher tímida.

    Veja:

    " Também a sua mulher com os outros é tímida, tímida demais. Fosse a

    mulher do amanuense, queria ver se as coisas não marchariam doutro modo.

    Ela se encolhe ao primeiro revés[...] Ele precisava dum ser forte a seu lado.

    Toda a sua decisão se dilui quando vê junto de si, como nessa manhã, a

    mulher atarentar-se, perder-se empalidecer[...] Sentir-se-ia fortificado, ou ao

    menos" justificado", se visse a seu lado a mulher do amanuense franzindo a

    cara ao leiteiro, pedindo-lhe para repetir o que houvesse dito, perguntando-lhe

    o que é que estaria porventura pensando deles. A sua mulher encolhida e

    apavorada é uma confissão pública de miséria humilhada, sem dignidade_ da

    sua miséria."

    Sabemos da lamentação de Naziazeno via narrador ou pela personagem.

    Retire fragmentos que comprovem sua resposta.

     Após garantir o entendimento dos tipos de discurso, releia o fragmento da

    lamentação de Naziazeno sobre a mulher. Diga aos alunos que apesar de a

    narrativa não ser em 1ª pessoa, nós, como leitores, conhecemos os

    pensamentos e sentimentos de Naziazeno pelo narrador que, empregando o

    discurso indireto livre, dá a impressão de a fala, carregada de subjetividade,ser da personagem.

    Tarefa: Peça que os alunos leiam os capítulos 3, 4 e 5.

    5º etapa: Retome os capítulos lidos em casa. Peça que os alunos

    respondam às questões a seguir, por escrito:

    a- Qual é o único interesse de Naziazeno?

    b- Ao descer do bonde, Naziazeno entra em um café. Via narrador, sabemos

    que o fato de ele ter saído do bonde lhe proporciona uma sensação mais

    agradável. Leia o fragmento a seguir:

    " Sente-se outro, tem coragem, quer lutar. Longe do bonde não tem mais a

    ‘ morrinha’ daquelas ideias..."

    Interprete o fragmento. Por que sair do bonde causa bem-estar em

    Naziazeno?

    c- Após o café, devido às horas, sente-se obrigado a se dirigir à repartição,

    visando por em prática o seu primeiro plano. Que plano é esse?

    d- Do momento em que Naziazeno saiu de casa até a sua chegada à

    repartição, percebemos o transcorrer das horas, que no romance são bem

    marcadas. Veja:

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    "- Faltando um quarto pras oito"

    "O relógio da Prefeitura marca pouco mais de oito horas."

    "- Este relógio ainda está marcando oito e dez"

    "Os relógios não andam certos. Mas já há de ser umas oito e vinte ou oito e

    meia. Às nove ele se encaminhará pra repartição"

    "São oito e meia quase no relógio do café."

    "9 horas! Já está arrependido daquela longa ‘ folga’ "

    [...]

    É importante retomar com o aluno o conceito de tempo narrativo. Predomina

    em Os ratos o tempo cronológico, mensurado precisamente pelo relógio.

    Chame a atenção do aluno pelas horas bem definidas.

    Depois lance a seguinte pergunta. Peça que os alunos respondam oralmente:

    a- Por qual motivo há no romance a obsessão pela hora marcada? O que opassar das horas representa para Naziazeno?

     Às 9 horas, Naziazeno pretende falar com o diretor, porém antes de o fazê-lo,

    fica imaginando o que lhe dizer e o que receberá como resposta. Veja:

    "—Doutor, vejo-me outra vez forçado a recorrer..." —Não ! isto é vago, geral.

    Deve dizer o fato, o que se passa. "—Doutor, imagine a minha situação, o

    meu leiteiro..." —Não ! Não! Trivialidade...uma trivialidade... "—O meu filho,

    doutor..." —Outra vez o teu filho, Naziazeno...sempre o teu filho..."

    b- Após refletir sobre isso, como se sente Naziazeno? Sua postura é de

    alguém diferente do perfil tímido e humilde da mulher?

    Tarefa: Peça que os alunos leiam os capítulos 6 a 10.

    6º etapa: Retome os capítulos lidos em casa. Depois, inicie uma

    conversa sobre acidade. 

    É na cidade, locus por excelência do consumo, do aumento do nervosismo e

    da tensão, do domínio do exterior, das aparências e da indiferença que os

    indivíduos estabelecem uma relação com o dinheiro, único meio de

    sobrevivência. Em Os ratos, Naziazeno precisa de cinquenta e três mil réis

    para pagar a dívida que contraíra com o leiteiro e, por isso, sai pela cidade embusca de dinheiro. A narração segue, ao longo de 24 horas, as andanças

    desse funcionário público, movido por uma das mais básicas necessidades —

    a garantia de alimento. Ao tentar emprestar o dinheiro, Naziazeno sente a

    angústia de estar preso à condição urbana e sob o regime de terror imposto

    pelo dinheiro. Em decorrência do estado de tensão do protagonista, tudo ao

    seu redor lhe faz lembrar do problema que o atormenta.

    Feito os comentários, pergunte aos alunos. Pode ser uma atividade escrita.

    a - Como Naziazeno era recebido pelos possíveis credores?

    b- Você considera Os Ratos uma crítica à maneira como o dinheiro acabou se

    tornando a mola propulsora das relações sociais?

    Tarefa: Peça que os alunos leiam os capítulos 10 a 25. Estabeleça um

    cronograma de leitura, de modo a deixar para cada dia dois capítulos.

    7º etapa: Retome os capítulos lidos em casa.

    Peça que, oralmente, os alunos recuperem a saga de Naziazeno. O intuito éfazê-los perceber o sofrimento de um homem fadado à condição urbana: a

    máquina inescrupulosa das grades cidades.

    Feito isso, peça que respondam por escrito:

     Apesar de a trama passar em Porto Alegre, por nenhum momento o narrador

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    afirma tratar-se desta cidade. Arrisque uma interpretação: por qual motivo não

    foram mencionados detalhes pelos quais pudéssemos reconhecer Porto

     Alegre?

    8º e 9º etapas- leitura compartilhada dos capítulos 26 a 28

    Lance a seguinte pergunta à classe. Pode ser uma atividade escrita:

    O desfecho dado à narrativa é garantia de resolução dos problemas de

    Naziazeno?

    Avaliação 

    Com o livro em mãos, peça uma atividade escrita e individual.

    1- Agora que já conhece a obra, analise o título "Os ratos". Leve em

    consideração as suas inferências no início do projeto, o significado do título:suas expectativas para a história se mantiveram ou foram alteradas? Por

    quê?

    2- O título Os Ratos é uma referência ao drama psicológico de Naziazeno

    Barbosa, protagonista da história, depois de ter conseguido o dinheiro para

    saldar a dívida com o leiteiro. Naziazeno, meio dormindo, tem o seguinte

    pesadelo: os ratos estão roendo o dinheiro que ele deixara à disposição do

    leiteiro sobre a mesa da cozinha.

     Arrisque uma interpretação: qual o significado do sonho de Naziazeno?

    Literatura na escola - 9º ano: Narrativa de Franz Kafka

    Introdução

    Esta é a última de uma série de 16 sequências didáticas que formam um

    programa de leitura literária para o Ensino Fundamental II. Veja, ao lado, o

    conteúdo completo.

    Objetivos

    Estimular o gosto pela leitura;

    desenvolver a competência leitora;

    desenvolver a sensibilidade estética, a imaginação, a criatividade e o senso

    crítico;

    estabelecer relações entre o lido/vivido ou conhecido (conhecimento de

    mundo);

    conhecer as características do gênero Novela;

    conhecer as características do narrador kafkiano;conhecer características básicas da narrativa kafkiana.

    Conteúdos

     A novela: características do gênero;

    Ponto de vista narrativo e enredo;

    Técnica de inversão;

     Alienação.

    Tempo estimado

    Cinco aulas

    Ano

    9º ano

    Material necessário

    - Livro A Metamorfose. Franz Kafka, Tradução de Modesto Carone. 104

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    págs., Companhia das Letras, tel. (11) 3707-3500, 25 reais.

    Desenvolvimento

    1ª etapa: leitura compartilhada e análise - parte I

    O início da novela A metamorfose, de Franz Kafka, é tão impactante que vale

    a pena começar o trabalho com o texto sem maiores introduções. Leia com os

    alunos as primeiras palavras do livro:

    Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos,

    encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava

    deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a

    cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no

    topo do qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas

    numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do

    resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.- O que aconteceu comigo? - pensou.

    Não era um sonho. (...)

    Pergunte à turma, oralmente, para estimular o debate:

    - O que aconteceu com Gregor?

    - Como assim um "inseto monstruoso"?

    - Ele estava sonhando?

    - Será que o narrador vai explicar o que aconteceu para Gregor virar um

    inseto? Você espera que ele explique?

    Continue então a leitura, procurando verificar se o narrador vai explicar o que

    aconteceu com Gregor:

    Não era um sonho. Seu quarto, um autêntico quarto humano, só que um

    pouco pequeno demais, permanecia calmo entre as quatro paredes bem

    conhecidas. Sobre a mesa, na qual se espalhava, desempacotado, um

    mostruário de tecidos - Samsa era caixeiro-viajante -, pendia a imagem que

    ele havia recortado fazia pouco tempo de uma revista ilustrada e colocado

    numa bela moldura dourada. Representava uma dama de chapéu de pele e

    boá de pele que, sentada em posição ereta, erguia ao encontro do espectador

    um pesado regalo também de pele, no qual desaparecia todo o seu antebraço.

    Pergunte à turma, oralmente, para estimular o debate:

    - O narrador explica as causas da metamorfose?- Nós podemos saber o que aconteceu?

    - O que sabemos até agora?

    - O que faz o narrador depois que comunica que Gregor virou um inseto

    monstruoso?

    - Faz sentido a descrição tão detalhada do quarto de Gregor em um momento

    tão tenso?

    Prossiga a leitura pedindo que os alunos observem agora de que forma o

    personagem principal reage à grotesca transformação:

    O olhar de Gregor dirigiu-se então para a janela e o tempo turvo - ouviam-se

    gotas de chuva batendo no zinco do parapeito - deixou-o inteiramente

    melancólico. (...)

    - Ah, meu Deus - pensou. - Que profissão cansativa eu escolhi. Entra dia, sai

    dia - viajando. A excitação comercial é muito maior que na própria sede da

    firma e além disso me é imposta essa canseira de viajar, a preocupação com

    a troca de trens, as refeições irregulares e ruins, um convívio humano que

    muda sempre, jamais perdura, nunca se torna caloroso. O diabo carregue

    tudo isso!

    Pergunte à turma, oralmente, para estimular o debate:

    - Gregor se preocupa por ter virado um inseto grotesco?

    - Você esperava que ele se preocupasse?

    - Com o que ele se preocupa?

    http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=10757http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=10757http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=10757http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=10757

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    Professor,

    Há um excelente ensaio sobre A metamorfose, de autoria do tradutor do livro

    para o português, disponível na rede: CARONE, Modesto. "O parasita da

    família: sobre A metamorfose de Kafka", in: revista Literatura e Sociedade no

    10. São Paulo, USP/ FFLCH/ DTLLC, 2007/2008. Disponível em pdf

    em http://www.fflch.usp.br/dtllc/ls10.pdf  pp. 237 a 243

    Segundo esse ensaio, a narrativa kafkiana é fascinante em função do

    extraordinário "efeito de choque que desde a primeira fase a novela provoca

    na mente do leitor. Pois já nas primeiras linhas do texto se manifesta a colisão

    entre a linguagem tipicamente cartorial, de protocolo, e o pressuposto

    inverossímil da coisa narrada." (p. 237) .

    Kafka usa aqui a técnica da inversão: começa a narrativa pelo clímax. Gregor

    acorda transformado num inseto monstruoso sem que nada justifique a

    inverossímil metamorfose. Junto a isso, nem o narrador, nem Gregor,parecem essencialmente preocupados com o fato grotesco. O narrador

    preocupa-se em descrever minuciosamente o quarto do herói e Gregor

    preocupa-se apenas em levantar-se para ir trabalhar.

    Peça que os alunos terminem em casa a leitura da parte I do livro, observando

    o comportamento de Gregor e do narrador diante da metamorfose.

    2ª etapa: leitura compartilhada e análise - parte II

    Inicie a aula discutindo a primeira parte do livro com a turma. Para tanto, lance

    as seguintes questões:

    - Vocês conseguiram saber por que Gregor virou um inseto?

    - O narrador sabe?

    - Gregor sabe?

    - O narrador sabe mais que Gregor?

    - Em algum momento eles se preocupam com isso?

    Gregor não se choca com sua horrenda metamorfose e continua raciocinando

    como se o problema todo se resumisse a levantar-se e ir trabalhar. O

    narrador, apesar de ser em terceira pessoa, tem dos acontecimentos um olhar

    tão parcial quanto o do herói e parece mais preocupado em descrever com

    minúcias realistas tanto o espaço quanto os fatos narrados. Ainda segundo

    Modesto Carone, "esse narrador se comporta como uma câmera

    cinematográfica na cabeça do protagonista - e nesse caso o relato objetivo,

    através do discurso direto e indireto, se entrelaça com a proximidade daquilo

    que é experimentado subjetivamente pelo herói. É por esse motivo que, na

    descrição dos acontecimentos que evoluem no seio da família Samsa, a

    narração não avança muito mais do que Gregor poderia fazer a partir de um

    ponto-de-vista rigorosamente pessoal." (p. 238)

    Os pensamentos de Gregor giram em torno apenas de suas

    responsabilidades: ele maldiz o trabalho, irrita-se com o chefe e com o gerente

    e entra em pânico diante da possibilidade de perder o emprego - mas em

    nenhum momento se indaga sobre sua grotesca condição. Gregor não sabe -e nem procura saber - o que aconteceu com ele. Então nós, leitores,

    recorremos ao narrador - para descobrir que ele também não sabe.

    O narrador preocupa-se em apresentar o mundo de Gregor tal como ele é.

    Nesse sentido dá tanto peso à metamorfose quanto à descrição detalhada do

    quarto. É uma realidade fragmentária e opaca, mas descrita com minúcia

    quase científica.

    Kafka monta então sua equação de ignorâncias sobre o fato absurdo: Gregor

    não sabe, o narrador não sabe - e nós tampouco. E é assim, às cegas, que

    devemos suportar a leitura.

    Leia com os alunos as primeiras páginas da segunda parte do livro:

    Só no crepúsculo Gregor despertou do sono pesado, semelhante a um

    desmaio. Mesmo sem ser perturbado, certamente não teria acordado muito

    http://www.fflch.usp.br/dtllc/ls10.pdfhttp://www.fflch.usp.br/dtllc/ls10.pdfhttp://www.fflch.usp.br/dtllc/ls10.pdfhttp://www.fflch.usp.br/dtllc/ls10.pdf

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    mais tarde, pois sentia que havia descansado e dormido o suficiente (...)

    Tateando desajeitadamente com as antenas que só agora aprendia a

    valorizar, se deslocou até a porta para ver o que havia acontecido lá. Seu lado

    esquerdo parecia uma única e longa cicatriz, desagradavelmente esticada, e

    ele precisava literalmente mancar sobre duas fileiras de pernas. Uma

    perninha, aliás, tinha sido gravemente ferida no curso dos acontecimentos da

    manhã - era quase um milagre o fato de que só uma fora lesada - e se

    arrastava sem vida atrás das outras.

    (...)

    Na sala de estar, como Gregor podia ver pela fresta da porta, o gás estava

    aceso, mas ao passo que nessa hora do dia o pai em geral costumava ler, em

    voz alta, o jornal que saía à tarde, para a mãe e às vezes também para a irmã,

    agora não se ouvia som algum. Bem, talvez essa leitura, sobre a qual a irmã

    sempre falava e escrevia, tivesse caído em desuso nos últimos tempos. Mas

    também em volta reinava o silêncio, embora a casa certamente não estivesse

    vazia.

    - Que vida tranquila a família levava! - disse Gregor a si mesmo e sentiu,

    enquanto fitava o escuro diante dele, um grande orgulho por ter podido

    proporcionar aos seus pais e à sua irmã uma vida assim, num apartamento

    tão bonito.

    Pergunte à turma, oralmente, para estimular o debate:

    - Gregor pensa como um inseto monstruoso ou como o antigo Gregor?

    - Qual era a sua profissão?

    - O resto da família trabalhava? Por quê?

    - Como eles reagiram ao novo Gregor?

    - O herói entende o impacto que causa em seus familiares?

    Peça que os alunos leiam em casa a segunda e a terceira parte do livro.

    Estabeleça um prazo. Enquanto eles estão lendo, separe uma aula para

    explicar o que é uma novela.

    3ª etapa: o que é uma novela? A novela como gênero literário

    Pergunte, oralmente, à turma:

    - Você sabe o que é uma novela?

     Afinal, que tipo de relato constitui-se como novela? Em que ela se diferencia

    do romance e do conto? Infelizmente não temos uma resposta segura paraesta questão. A fluidez do termo se presta a várias interpretações. Sabe-se

    que é uma espécie intermediária entre a longa extensão do romance e a

    brevidade nervosa do conto, mas não há coordenadas rígidas para delimitar

    as diferenças.

    Por funcionar como uma nebulosa espécie intermediária entre dois gêneros

    consagrados e fáceis de definir, o termo novela nem sempre é empregado por

    professores e críticos. Há certas narrativas, porém, que, pelo seu próprio

    volume de páginas, não se enquadram nem como conto nem como romance.Digamos, de maneira mais ou menos arbitrária, que a novela (em edições de

    formato e tamanho convencional) gira em torno de trinta a cem páginas.

    De resto, a novela ultrapassa o conto pela construção melhor elaborada de

    um personagem central e pela relativa ampliação do tempo e do espaço. Mas,

    em relação à infinidade de situações registradas por qualquer romance, a

    novela apresenta um número pouco significativo de acontecimentos.

    Sua ênfase, portanto, recai sobre o personagem, como no gênero romanesco.

    Só que neste, o protagonista é construído por uma multiplicidade de eventos,

    enquanto na novela o personagem se afirma existencialmente em apenas

    uma ou em algumas poucas situações.

    Entre os exemplos clássicos de novela figuram - além de O alienista - A morte

    de Ivan Ilicht, de Tolstói; Os sete enforcados, de Andreiev; A metamorfose, de

    Kafka; Ninguém escreve ao coronel, de Gabriel García Marquez; e A morte e

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    a morte de Quincas Berro d’ Água, de Jorge Amado.

    http://educaterra.terra.com.br/literatura/temadomes/2003/06/06/000.htm  

    4ª e 5ª etapas: análise e interpretação - A metamorfose

    Depois de a leitura do livro ser concluída pelos alunos, busque, em aula

    expositiva dialogada, chegar com eles a uma interpretação da obra de FranzKafka.

    Para tanto, lance as seguintes questões:

    - O que acontece em cada parte do livro?

    - A família, antes, dependia de Gregor?

    - E depois, quem dependia de quem?

    - Nós descobrimos por que Gregor virou um monstro grotesco?

    - É possível construir uma interpretação para a sua metamorfose?

    - Você esperava que ele morresse?- Havia outra saída para ele?

     A novela A Metamorfose apresenta-se dividida em três partes. Na parte I,

    sofremos o impacto da metamorfose de Gregor Samsa num inseto

    monstruoso; na II, acompanhamos a existência de Gregor como inseto; na

    terceira parte sofremos a angústia de sua impossibilidade de conviver com a

    família e consequente morte.

    O impacto da primeira parte se dá em função da técnica da inversão e de

    percebermos que "o narrador kafkiano, embora fale pelo personagem, só

    mostra estar sabendo aquilo que ele realmente sabe, ou seja: nada ou quase

    nada." (Modesto Carone, op. cit. pg. 239)

    Na parte II ficamos sabendo que Gregor era arrimo de família e trabalhava

    como caixeiro-viajante há cinco anos, em função da falência do negócio do

    pai. Cabia a Gregor sustentar toda a família e pagar as dívidas paternas.

    Nesse sentido, podemos entender a metamorfose do herói "como resultado de

    um processo, ou seja: como um momento definido que teria sido precedido

    por outros que ficaram aquém da narrativa e por isso não foram tematizados

    por ela." (Modesto Carone, op. cit. pg. 241) Gregor era submetido a um

    trabalho desumano a fim de sustentar toda uma família parasitária em boas

    condições de vida.

    Por último, temos o filho transformado em parasita. A família, a princípio,sustenta sua existência subterrânea - mas logo se sente lesada e desfaz-se

    do peso morto. "...o que então se percebe é mais uma vez a vigência do

    princípio de inversão em que Kafka é um mestre insuperável; pois se antes a

    família vivia parasitariamente às custas do trabalho de Gregor e da sua

    alienação no mundo dos negócios (que contrasta, na novela, com a utopia do

    ‘ mundo da música’ ) ele agora é, aos olhos da família ‘ deserdada’ pela

    sua metamorfose, apenas um inseto parasita." (Modesto Carone, op. cit. pg.

    242).

    Cada vez mais abandonado pelos seus, que agora o vêem mais como um

    inseto do que como Gregor, o herói perde as forças e morre - fato

    comemorado pela família com um passeio no campo. Depois disso, é varrido

    da memória pela faxineira da casa.

    Avaliação

    No youtube, é possível conhecer uma versão em quadrinhos, em português

    de Portugal, de António Pacheco, para a obra de Franz Kafka.

    Veja o filme com a classe e, em seguida, peça que respondam, em grupos de

    três, por escrito:

    a) Há narrador na versão de A Metamorfose para os quadrinhos?

    b) O ponto de vista apresentado é o mesmo do narrador do livro?

    c) E o leitor, sabe da história tão pouco quanto na obra de Kafka?

    http://educaterra.terra.com.br/literatura/temadomes/2003/06/06/000.htmhttp://educaterra.terra.com.br/literatura/temadomes/2003/06/06/000.htmhttp://www.youtube.com/watch?v=oHpLz8eV8A4http://www.youtube.com/watch?v=oHpLz8eV8A4http://www.youtube.com/watch?v=oHpLz8eV8A4http://www.youtube.com/watch?v=oHpLz8eV8A4http://educaterra.terra.com.br/literatura/temadomes/2003/06/06/000.htm

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    d) Você acha que as ilustrações de Peter Kuper tornaram a narrativa mais ou

    menos terrível? Explique.