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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LUCIANA VICÊNCIA DO CARMO DE ASSIS E SILVA LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA: VEICULAÇÃO E UTILIZAÇÃO EM MATO GROSSO – 1970 A 2000 CUIABÁ - MT 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LUCIANA VICÊNCIA DO CARMO DE ASSIS E SILVA

LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA: VEICULAÇÃO E

UTILIZAÇÃO EM MATO GROSSO – 1970 A 2000

CUIABÁ - MT

2007

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LUCIANA VICÊNCIA DO CARMO DE ASSIS E SILVA

LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA: VEICULAÇÃO E

UTILIZAÇÃO EM MATO GROSSO – 1970 A 2000

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, para a obtenção do título de Mestre em Educação, na área de concentração: Teorias e práticas da Educação escolar.

Orientadora: Drª Lázara Nanci de Barros Amâncio

Cuiabá - MT 2007

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S586L SILVA, Luciana do Carmo de Assis e Silva Livros didáticos de língua portuguesa: veiculação e utilização em Mato Grosso – 1970 a 2000 / Luciana Vicência do Carmo de Assis e Silva. Cuiabá : UFMT/IE, 2007. 221p.: il.color. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, para a detenção do título de mestre em Educação, na área de concentração Teorias e práticas da Educação escolar. Orientadora: Drª Lazara Nanci de Barros Amâncio Bibliografia: 207 – 214 Apêndices: p. 215 221

CDU – 371.671 (817.2)

Índice para Catálogo Sistemático

1.Educação

2.Linguagem

3.Livros didáticos

4.História

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In memorian

A minha mãe, Bernadete Proença de Assis e Silva, amor sincero e incondicional, que se fez sempre presente em toda minha trajetória, mesmo depois de sua partida.

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DEDICATÓRIA

Ao meu pai, Luís de Assis e Silva, pois, como pai, sempre soube compreender as minhas opções e nunca negou ajuda para transformar os meus sonhos em realidades. Pai amoroso, companheiro, compreensivo, amigo e, sobretudo, doce pai. Aos meus irmãos, Luiz, Edmundo e Taísa, pelo muito que são na minha vida; pela convivência fraterna.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela vida e por iluminar-me com sua presença, amor e misericórdia.

De uma maneira muito especial, quero agradecer a todos os professores da Pós-graduação que

de maneira direita ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho.

Aos colegas de mestrado, pelo espírito de luta e pela convivência prazerosa.

Aos funcionários da Secretaria do Instituto de Educação e do mestrado, pela afabilidade no

atendimento.

À família Carvalho, Claudemir, Salete e Kárita, pela acolhida carinhosa.

Às amigas que ouviram, partilharam informações, críticas e sugestões: Luciene Santos,

Cristiane Aragão, Fabiane Ortiz, Ieda Amaral e Marijane.

Aos sujeitos que gentilmente aceitaram o convite para partilhar da suas histórias docentes:

Marlúcia, Neide, Marly, Vânia, Ivonete e Ademar.

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Aos familiares pelo carinho e incentivo.

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

À Professora Drª Lazara Nanci deBarros Amâncio, orientadora dedicada, pela acolhida

carinhosa, pela amizade e confiança que me depositou e pela orientação paciente e segura,

sem as quais este trabalho não chegaria ao termo.

Aos Professores, Dr° Dagoberto Buim Arena e Drª Cancionila Janzkovski Cardoso, pela

participação na qualidade de banca examinadora externa e interna, pelas leituras e sugestões

que muito enriqueceram este trabalho.

Às sempre amigas Elizângela Moreira e Maricilda Farias pela compreensão, pelos estímulos e

pela incansável interlocução.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo descrever a veiculação e uso de livros didáticos de língua portuguesa, articulados à história de carreiras docentes, destinados ao Ensino Fundamental, especialmente, à 5ª série, no período de 1970 a 2000, em Mato Grosso. A análise contemplou sujeitos e dados de escolas públicas de Mato Grosso. Para o desenvolvimento da pesquisa, dois momentos foram considerados: primeiro, contou com a participação de vinte e dois professores, por meio de questionário, em pesquisa preliminar, o qual viabilizou a identificação de títulos em circulação no Estado. O segundo, envolveu seis professores de três grandes escolas, as mais antigas, da rede estadual da capital de Mato Grosso, mediante entrevistas. A identificação dos títulos em circulação no Mato Grosso viabilizou a descrição do uso do livro didático de língua portuguesa no contexto da sala de aula e algumas relações estabelecidas pelos sujeitos entre a teoria e práticas do ensino de língua portuguesa. Trata-se de uma pesquisa de cunho histórico subsidiada pelas áreas da: História Cultural, Educação e Linguagem. Na análise foram consideradas fontes documentais: disposições oficiais da educação brasileira, sobretudo, as referentes ao ensino da disciplina língua portuguesa; periódicos de circulação estadual e os livros didáticos de língua portuguesa localizados. Para compreender o uso e a apropriação das prescrições oficiais, bem como do objeto em questão, foi preciso considerar a fonte oral, via voz dos sujeitos, veículo por excelência das memórias não escritas dos professores que vivenciaram o período em questão. A articulação das fontes documentais escritas e das fontes orais evidenciou uma pluralidade de títulos em circulação, no Mato Grosso, com distintas concepções de linguagens convivendo em uma mesma época, delineando uma visão parcial de livros utilizados por professores nas escolas estaduais. A voz dos sujeitos revelou que o livro didático continua sendo uma importante fonte de informações tanto para professores quanto para alunos. Os depoimentos conduziram para a interpretação de que nem sempre as teorias que compõem o ser profissional transitam livremente para a prática docente, desencadeando um descompasso entre a lógica teórica acadêmica e oficial e a lógica da prática da sala de aula. Ao final de todo o processo foi possível observar, ainda que sutilmente, uma tendência para que o professor se alie ao livro didático como um instrumento de apoio do trabalho docente e não como um planejamento pronto e acabado para ser colocado em prática. Palavras-chave: educação, linguagem, livros didáticos, história.

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ABSTRACT This research has as objective to describe the propagation and use of didactic books of Portuguese Language, articulated to the story of teaching careers, intended to Basic Teaching, especially, to 5ª grade, in the period of 1970 through 2000 in the State of Mato Grosso. The analysis counted on subjects and data of public schools of Mato Grosso. For the development of this research, two moments had been considered: the first one counted on the participation of twenty and two teachers who were interviewed by means of questionnaire, in a preliminary study, which made possible the identification of titles in circulation in the state. The second moment involved interviews with six teachers of the three ancient schools of the public netting of the capital of Mato Grosso. The identification of the books titles in circulation in the state made possible the description of the use of the didactic book of Portuguese language in the context of the classroom and some relations established for the studied subjects linking the theory and practical of the education of Portuguese language. This study is about a historical research subsidized by the areas of: Cultural History, Education and Language. In the analysis documentary sources had been considered: official documents of the Brazilian education, over all, the referring findings of the education of subject Portuguese Language; periodic material of state circulation and the didactic books of Portuguese language found. To understand the use and the appropriation of the official material, as well as of the object in question, it was necessary to consider the verbal source, by means of the voice of the subjects, excellence tools of the not written memories of the teachers who had deeply lived in the studied period. The articulation of the documentary writings and the verbal sources evidenced a plurality of books titles in circulation, in the Mato Grosso, with distinct conceptions of languages coexisting at one same time, delineating a partial book vision used by the teachers in the investigated state schools. The subjects’ voice revealed that the didactic book in such way continues being an important source of information for teachers and for the students. Their statements lead for the interpretation that not always the theories that compose the professionals transit freely for the practical teachings, unchaining an embellishment between the academic theoretical logic and official and the logical of the classroom practice. In the end of all processes it was possible to observe, in a slight way, a trend that the teachers unite with the didactic book as a sustained instrument for the teaching activities and not as a ready and finished arrangement to be placed in their practical actions.

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Keywords: Education, language, didactic books, history.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................11

1. PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS.......................................................19 1.1. Veredas: do idealizado ao concretizado.........................................................................30 1.1.1. As escolas e os arquivos......................................................................................34 1.1.2 Os sujeitos: as histórias narradas e as suas contribuições para o desenvolvimento desta pesquisa...........................................................................37

1.1.3 Características dos sujeitos da pesquisa...............................................................40 1.1.4 As escolas: história e tradição no cenário educacional mato-grossense..............42

1.1.4.1 Escola Estadual “Liceu Cuiabano”.........................................................42 1.1.4.2 Escola Estadual “Barão de Melgaço”......................................................43 1.1.4.3 Escola Estadual “Presidente Médici”......................................................43

2. UM BREVE OLHAR NO CONTEXTO HISTÓRICO DA DISCIPLINA LÍNGUA PORTUGUESA.................................................................................................45 2.1 A disciplina língua portuguesa no contexto dos anos 70.............................................56 2.2 A disciplina língua portuguesa nos trilhos das décadas de 1980 e 1990.....................57

3. O LIVRO – OBJETO DE INEGÁVEL VALOR NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE....64 3.1 Livro didático: cenário brasileiro e mato-grossense...................................................66 3.2 O livro didático de língua portuguesa em Mato Grosso: casos de produção...............84

4. VEICULAÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA

EM MATO GROSSO........................................................................................................87

4.1 O circuito do livro escolar............................................................................................89 4.2 Títulos de língua portuguesa: circulação em Mato Grosso

.........................................93

4.2.1 Uma leitura a partir dos títulos em circulação em Mato Grosso.......................100

5. LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA: PASSADO E PRESENTE DE HISTÓRIA.......................................................................................................................106 5.1 Português no Ginásio, de Raul Moreira Léllis..........................................................107 5.2 Estudo Dirigido de Português, de Reinaldo Mathias Ferreira...................................114

5.3 Reflexão & ação em língua portuguesa, de Marilda Prates.......................................127 5.4. Análise, linguagem e pensamento (ALP), de Cócco & Hailer.................................137 6. CONVERSAS COM PROFESSORES: MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DOS LIVROS

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DE LÍNGUA PORTUGUESA E SEU USO NO CONTEXTO DA SALA DE AULA.......149

6.1 As conversas com os professores, revisitando a memória: e o que os professores

dizem da utilização do livro didático de língua portuguesa.......................................150

6.2 O livro didático de língua portuguesa e suas transformações apresentadas

no transcorrer dos anos: os professores e suas percepções.......................................160

6.3 Os professores e suas escolhas..................................................................................173

6.3.1. Professor x livro didático de língua portuguesa: encontros e desencontros...184

6.4 A exploração do livro didático: um instrumento do trabalho docente......................191

CONCLUSÕES....................................................................................................................201 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................207 APÊNDICES........................................................................................................................215

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INTRODUÇÃO

No instigante campo da educação, a área do ensino de Língua Portuguesa possui uma

vastidão de questões que possibilitam a ampliação e, ainda, a caracterização do diálogo

interdisciplinar. Para dar conta da tessitura do enredo desse objeto, exigem reflexões ligadas,

de um lado, à educação e ao ensino e, de outro, à Língua Portuguesa. Certamente, cada

enfoque abordado da temática em questão tem sua determinada representatividade nos

diferentes recortes e perspectivas de investigação.

Hoje, falar de educação sem mencionar a questão do Livro Didático é deixar um hiato

na composição dessa história. Não que o livro didático seja a peça fundamental no processo

de ensino e de aprendizagem, mas não há como esquecer sua grande representatividade na

constituição do saber histórico escolar, apresentando-se como uma importante referência para

o professor, para o aluno e para a família do aluno. Conseqüentemente, merece estudos mais

aprofundados, detalhados, que permitam investigar e compreender as questões a ele

relacionadas.

A utilização do livro didático ainda é um elemento central nas pesquisas que se

dedicam à análise do cotidiano escolar. O objeto em questão é polêmico e complexo, em

função da abrangência dos temas que podem ser formulados a partir da sua problematização,

possibilitando análises diversificadas. Assim, há pesquisas que se interessam por questões

referentes à sua origem, à sua continuidade, às transformações que sofreu no transcorrer do

processo histórico, assim como questões relacionadas aos seus usos e práticas na produção e

reprodução de conhecimentos. Existem pesquisas que conduzem à compreensão dos valores

implícitos, das ideologias impressas em cada folha, em cada volume de um livro didático,

como também em estereótipos e preconceitos emaranhados em seus conteúdos.

No entanto, há estudos que se direcionam para as questões ligadas à sua fabricação.

Nesse sentido, analisa-se o livro como objeto, como mercadoria que sofre as implicações

sociais, econômicas, técnicas, políticas, como uma outra mercadoria qualquer, e assim

percorre os caminhos da produção, da distribuição e consumo... Deste modo, evidencia-se que

o livro tem suas particularidades, suas complexidades, que ampliam as perspectivas de estudo.

O fato é que o livro, mediante essas diversas facetas se constitui, por si só, em um

contínuo de fonte para historiadores, sociólogos, lingüistas, não apenas para educadores.

Mesmo porque a constituição de um livro é complexa e é tecida a partir de um conjunto de

ações envolvendo várias partes interessadas como: autores, especialistas, editores,

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autoridades... atendendo expectativas diversas, que se alteram, diferem-se de um grupo para o

outro.

Mediante essa pluralidade dimensional atingida pelo livro é que este objeto me

chamou a atenção para iniciar as minhas investigações. Inicialmente, o meu interesse se

pautava nas práticas pedagógicas do professor voltadas para a leitura e a escrita. No

transcorrer dos estudos e das discussões acerca da temática, as minhas atenções foram

fortemente se deslocando em direção ao livro didático de língua portuguesa. Ao se analisar as

práticas pedagógicas, o cotidiano escolar, está ali marcada a forte presença do livro didático,

não com a representação de que seja o objeto mais importante no contexto educacional, mas

como um elemento marcante dentro da tradição escolar, não apenas para os professores, como

também para os alunos, e para os próprios pais. Não é à toa que comumente vemos a figura do

professor sendo representada nos livros, nas charges... a uma pessoa com um livro nos braços.

Isso faz parte de uma cultura secular, passada de geração a geração com expectativas e

interesses diferenciados, mas que se configurou imponentemente dentro do contexto escolar.

Costumamos reservar ao livro escolar, lugares de destaque em nossas vidas, ainda que

às vezes ficam adormecidos em nossa memória, mas é só puxar um fiozinho de conversa que

nos remeta à nossa vida escolar e, pronto, ele está lá, todo imponente para fazer a história, ou

para reconstruir boa parte dela. Quem é que, em uma dessas conversas sobre sua

escolarização nunca se lembrou da cartilha em que foi alfabetizado? Ou ainda, quem é que

nunca se lembrou de um texto que estava em seu livro didático? Ou de uma imagem, ou de

uma atividade que estava ali, mas que a turma inteira não deu conta de resolver?

No curso de mestrado, em conversa com colegas e professores, na disciplina

Seminário Avançado I, retornei um pouco à minha vida escolar, na sua fase inicial, e depois

fui trazendo mais para perto, e, também para a minha carreira profissional, como professora

do ensino fundamental e médio. Quero salientar que não precisei de muito esforço para

rememorar, mesmo porque não faz tanto tempo assim; tudo está aqui quietinho, quentinho e

fresco, cá na memória.

Ao realizar esse exercício de revisitação, pude relembrar da cartilha em que eu fui

alfabetizada: Cartilha de Sodré. Relembrei-me até mesmo algumas lições que ficaram

registradas na memória e que dificilmente o tempo conseguirá apagar marcas impressas na

minha história de estudante e de profissional, de cidadã. Lembro-me até da sua capa, o nome

impresso com letras grandes e de forma, no canto esquerdo da capa. Ilustrava a capa a figura

de dois jovens estudantes: um menino e uma menina.

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Lembro-me de algumas lições que compunham a cartilha: a lição da pata, a pata nada,

da vaca malhada, da Zazá, a do xale da vovó, algumas que depois de um certo número de

lições apareciam embaralhadas todas aquelas palavrinhas “aprendidas” nas lições anteriores.

Tenho certeza que se pegar a cartilha em minhas mãos relembrarei de todas as outras lições,

inclusive alguns detalhes de como a professora nos ensinou. Assim como também tenho a

lembrança de outros livros como o de Joanita Sousa, na 3ª ou 4ª séries. Nessa época a

professora pedia que saíssemos em dupla no pátio da escola, para que um colega tomasse a

leitura do outro, gostávamos disso, mas nem sempre fazíamos a tarefa com precisão.

Lembro-me também do livro de matemática de Oswaldo Sousa, de 5ª a 8ª séries, como

também do livro de português: Reflexão e Ação. Alguns livros didáticos, talvez porque a

professora não enfatizasse seu uso ou pelo reduzido número de aulas semanais, não tenho o

registro dos títulos em minha memória, nem mesmo do autor. Mas tenho a lembrança de

algumas de suas lições, de seus textos, isso em ciências, história, geografia, inglês e ensino

religioso. Isso não quer dizer que eles foram mais ou menos importantes em minha vida, ao

contrário, todos, cada um a sua maneira despertaram um grau de importância, enfim o

conjunto deles constituiu a história da minha vida escolar, do então chamado 1º grau. Todos

eles contribuíram para a minha formação enquanto leitora e produtora de textos, alguns me

reportaram para leitura escolarizada outros me abriram um pouco mais para o mundo da

leitura e para a leitura do mundo.

Saltando para um passado mais próximo, posso dizer que os livros que compuseram a

minha vida escolar do ensino médio, naquele período chamado de 2° grau, e, posteriormente,

da graduação, certamente têm um lugar de destaque na minha vida, mas em outras condições,

mesmo porque é um registro da memória, mas de um passado mais recente. Tenho também a

frescura, alva e límpida memória imediata dos livros usados, atualmente, na pós-graduação,

que me conduzem para a construção desta dissertação e que certamente deixam e deixarão

marcas surpreendentes tanto no meu passado de vida escolar-acadêmica, quanto no meu

presente, enquanto leitora e produtora de textos.Tenho certeza que nas linhas do texto que

hoje escrevo, tem um pouquinho da história de cada um desses livros didáticos, que, de pouco

em pouco, deixam aqui as suas marcas de textualidade, cada um a sua maneira, uns mais

outros menos. Evidentemente, que o fato de ser uma leitora e produtora de textos boa ou má,

não foi uma função ou tarefa exclusiva deles, com certeza tem outros fatores que

contribuíram, e, principalmente, houve a presença de sujeitos professores que souberam fazer

a diferença nesse contexto frenético, multifacetado, que é o processo de ensino e de

aprendizagem, que configurou em meu percurso escolar, assim, como no de muitos outros.

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Os livros da minha vida estudantil, de uma certa forma, são co-autores da minha

produção, eles deixaram marcas em minha formação de produtora de textos. Hoje, dentro da

minha particularidade de leitora e produtora de textos estão compiladas várias técnicas,

apropriadas por mim através das leituras que me foram oportunizadas entrar em contato, via,

também, dos textos didáticos. No transcurso da minha escolaridade, gradativamente algumas

técnicas de leitura e escrita foram eliminadas por mim e assimilei outras que melhor

compunham o meu perfil. Assim me constitui em leitora e produtora, que sou hoje, com

características ímpares, uma vez que todos somos diferentes, com maneiras diferentes de ser

leitor e produtor de textos.

Assim como na minha memória estavam registrados os livros didáticos e suas

histórias, na dos professores-sujeitos ou, na daqueles que fizeram parte da pesquisa preliminar

nesta investigação, também se faziam presentes as lembranças de histórias que foram

contadas sempre seguidas de boas gargalhadas. Mesmo aquelas histórias que tinham

dissabores estudantis, quando contadas, as cargas negativas diminuíram, permanecendo

apenas o registro das experiências, vivências de pessoas que fizeram e fazem histórias como

autores ou atores desse cenário.

Muitos pesquisadores, no cenário internacional e nacional, dedicam seu tempo a

investigar as veredas do livro didático. O interesse pelo objeto foi despertado, pode-se dizer

assim, na década de 70. Nesse período muitas pesquisas foram desencadeadas em função das

ideologias impressas nos textos didáticos. A exemplos: FARIA, (2002)1, que discute o

conceito trabalho nos livros didáticos, DEIRÓ, (s/d)2, LINS (1977). Ainda podemos citar

OLIVEIRA (1986), MOTTA, COSTA e FREITAG (1989), OLIVEIRA, GUIMARÃES e

BOMÉNY (1984), mais recentemente podemos citar outros autores que vêm tomando o livro

como objeto de estudo, analisando questões de produção, comercialização e políticas que o

cerceiam: BATISTA (2002a), (2003), (2004), dentre outros escritos, MAZZOTTI (1986),

MUNAKATA (1997), BITTENCOURT (1996), GATTI (2005). Assim como podemos

também citar os que tratam a questão da leitura e história da leitura: LAJOLO (2000),

LAJOLO & ZILBERMAN (1996, 2002), MUNAKATA (1999), LACERDA (1999), dentre

outros. Menciono, aqui, autores que se dedicaram a estudar o livro didático de língua 1 Refiro-me ao livro: Ideologia no livro didático, o qual possuo um exemplar da 13ª edição (2000), mas que foi um trabalho realizado pela autora na década de 70. Em seu trabalho a pesquisadora analisou 35 títulos de livros, os mais vendidos, em 1977, de 2ª a 4ª série, de Comunicação e Expressão, Estudos Sociais e Educação Moral e Cívica, objetivando compreender como as crianças, das escolas públicas ou particulares, apreendem o conceito trabalho via o livro didático. 2 Refiro-me ao livro: As belas mentiras: a ideologia subjacente aos textos didáticos, o qual disponho de um exemplar de 12ª edição e não apresenta o ano de publicação. Originalmente esse trabalho foi apresentado como tese de mestrado à Pontifícia Universidade Católica, em 1978.

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portuguesa como: OLIVEIRA (1990) PEREZ (1991), SOARES (2000), (2001),

MARCUSCHI (1996), DIONISIO e BEZERRA (orgs) (2003). Certamente deixei de

mencionar pesquisadores que muito contribuíram e que têm contribuído nas investigações

acerca do objeto em questão, que também se destacam no cenário nacional.

Magda Soares (2001) realiza uma investigação histórica em dois manuais escolares

muito difundidos e utilizados nas escolas brasileiras: Antologia Nacional, de Fausto Barreto e

Carlos de Laet e o livro Estudo Dirigido de Português, de Reinaldo Mathias Ferreira. Nesse

estudo Soares toma o livro didático de língua portuguesa como fonte para discutir a história

da leitura e da formação do professor-leitor. Ela se propõe investigar as concepções do

professor-leitor, trazidas nesses manuais, discutindo em que medida essas concepções foram

transmutando no transcorrer dos anos. Realizar uma pesquisa histórica se caracteriza por uma

necessidade ímpar, uma vez que ela viabiliza compreender o que foi esse material, em que

condições foram difundidas e utilizadas e em que medida reflete na conjuntura atual. Ou seja,

para se compreender o hoje é preciso entender o ontem, assim, o passado se faz presente em

nossas ações, atitudes e concepções.

Em Mato Grosso do Sul, tem-se a presença dos estudos de Pereira (2005), que tem a

finalidade de escrever uma história da disciplina língua portuguesa, de 1960 a 1980, no

Colégio Estadual Maria Constança de Barros Machado, através de análise de livros didáticos

adotados, naquele delimitado período, como também via voz dos seus sujeitos professores e

alunos. Em seus estudos realizou um registro do percurso dessa disciplina, as concepções de

ensino veiculadas em cada período, de língua, as disposições oficiais e os livros didáticos

através de sugestões de atividades.

Em Mato Grosso, essas investigações históricas sobre os livros didáticos, em especial

de língua portuguesa, apresentam-se de forma tímida. Tem-se, de forma pioneira, as pesquisas

de Amâncio3 (1994 e 2000) que toma as cartilhas de alfabetização como objeto de estudo,

nesse Estado. Realiza, primeiramente, uma pesquisa para compreender a importância que esse

recurso didático adquire nas relações de ensino, bem como o espaço que ele ocupa nas

relações diárias, no contexto das salas de alfabetização. É no intercurso do trabalho que

compreende o espaço das cartilhas escolares, nas salas de alfabetização, assim, compreende

3 Trata-se da pesquisa O espaço da Cartilha na Sala de Aula, dissertação de Mestrado defendida na UFG, em 1994. Essa dissertação foi publicada pela EDUFMT em convênio com o INEP, em 2002, com o título Cartilhas, para quê? Falo da tese de doutorado intitulado: Ensino de leitura na escola primária de Mato Grosso: contribuição de aspectos de um discurso institucional no início do século XX. A pesquisadora é a professora doutora Lazara Nanci de Barros Amâncio, professora da Universidade Federal de Mato Grosso, campus Rondonópolis, orientadora desta dissertação de mestrado.

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como a cartilha vai se deslocando na sala de aula e invadindo a prática alfabetizadora,

interferindo e determinando o processo de alfabetização de crianças. Depois, em investigação

de fundo histórico a pesquisadora analisa o ensino de leitura no Mato Grosso. No transcorrer

da pesquisa compreende como o Estado se nutriu, no início do século XX, da produção

didática dos outros Estados, uma vez que Mato Grosso é mais um consumidor do que

produtor de textos escolares. A pesquisadora, por meio de reunião, organização, seleção e

análise de documentos escritos, identificou os principais títulos de cartilhas mais utilizadas

pelos professores mato-grossenses, nas primeiras décadas do século XX.

As pesquisas têm nos indicado, sobretudo as históricas, que os manuais escolares são

fontes preciosas de estudos, seja no campo da educação, das mentalidades, da linguagem, das

ciências, seja no campo da economia, se investigá-lo enquanto mercadoria (CHARTIER,

1990; CHOPPIN, 2004). Assim, o livro didático se apresenta como uma fonte complexa, de

múltiplas facetas e formas, que viabiliza diferentes olhares investigativos. No entanto, em

pesquisa na biblioteca setorial do Instituto de Educação – UFMT, não identifiquei pesquisas

de cunho histórico sobre os livros didáticos de língua portuguesa.

Diante do exposto percebe-se que apesar da importância do livro didático no cotidiano

da escola, no contexto escolar, um dos fatores que o destaca como riquíssima fonte de

investigação, no cenário mato-grossense, as investigações que o tomam como objeto de

estudo ainda são pouco numerosas, em especial as de fundo histórico. Nesse sentido

considero relevante realizar um estudo sobre os livro escolares de língua portuguesa em Mato

Grosso, nas últimas décadas do século XX.

Desse modo, esta dissertação tem como objetivo descrever a veiculação e uso de livros

didáticos de língua portuguesa, articulados à história de carreiras docentes de alguns

professores e, de modo não muito explícito, as relações entre teorias e práticas do ensino de

linguagem na escola pública do Mato Grosso, no período de 1970 a 2000. Para confluir aos

objetivos, desenvolvi pesquisa documental, bibliográfica e de campo, localizando,

recuperando e reunindo um conjunto de fontes certamente pouco conhecidas pelos

educadores, mas repletas de sentidos e significados e que se traduzem nos sistemas de valores,

nas idéias e formas institucionais.

Para melhor compreender o percurso e as discussões desenvolvidas no corpo da

investigação, organizei-a da seguinte forma:

O Capítulo I é reservado para contar os percalços da pesquisa e apresentar os

procedimentos metodológicos adotados para alcançar os resultados obtidos. Neste capítulo,

dedico-me a reconstruir o percurso da pesquisa: do idealizado ao concretizado. Acredito que

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este seja o momento para elucidar algumas questões decorrentes da ausência de dados oficiais

no que concerne à veiculação dos livros didáticos de língua portuguesa em Mato Grosso. A

pesquisa aqui se dividiu em dois momentos: a primeira parte a que chamo de pesquisa

preliminar e a segunda, a partir da localização de seis sujeitos, que trabalham ou trabalharam

nas escolas: Barão de Melgaço, Liceu Cuiabano e Presidente Médici.

Na pesquisa preliminar fizeram parte vinte e dois professores de língua portuguesa, de

oito escolas estaduais, do município de Várzea Grande. Esses professores preencheram um

questionário que tinha a intenção de coletar dados da vida profissional e acadêmica dos

professores e, sobretudo, saber da memória dos livros didáticos de língua portuguesa que

fizeram história na vida acadêmica e profissional desses sujeitos. Para este momento não

foram utilizadas entrevistas.

No segundo momento, participaram de entrevistas seis professores, quatro

aposentados e dois que então em exercício da sala de aula. O roteiro de entrevistas tinha por

objetivo conhecer a vida acadêmica e profissional desses sujeitos e, sobretudo, conhecer e

compreender a história dos livros didáticos na carreira docente.

O Capítulo II registra um pouco da História da constituição da disciplina Língua

Portuguesa na escola brasileira. A Língua portuguesa, por um longo período, foi coadjuvante

no currículo da escola brasileira, o Latim era provido de prestígio social e figurou como

protagonista nas escolas. Aos poucos a língua materna passa a ser valorizada socialmente e o

latim cai em desuso, conseqüentemente, declina do currículo das escolas para a ascensão da

língua portuguesa.

O Capítulo III resgata um pouco da historicidade do livro como bem cultural da

humanidade e o próprio livro didático no contexto brasileiro, selecionando fatos da

historicidade do livro didático em Mato Grosso. Neste momento, procuro discorrer sobre o

livro didático inserido, de maneira geral, em um contexto sócio-político-econômico e cultural.

O IV Capítulo trata da veiculação dos livros no Estado de mato Grosso. O que

aparentemente parecia ser o percurso mais fácil da pesquisa, identificar os títulos de maior

circulação no Estado, caracterizou-se como um nó no trabalho, redirecionando toda a

investigação. Na medida do possível, neste capítulo, identifico alguns títulos mais

mencionados pelos sujeitos, tanto da primeira quanto da segunda parte da pesquisa, com

pequenos avanços e recuos temporais em relação ao período delineado. Vale ressaltar que a

pesquisa preliminar, a qual relaciono como a primeira parte da investigação, foi determinante

para a construção deste capítulo. Os questionários preenchidos nesta etapa, com o cruzamento

dos títulos mencionados pelos seis sujeitos da segunda parte da pesquisa, possibilitaram a

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construção dos quadros com os títulos em circulação no Estado. Na realidade, acredito que

esta investigação poderá contribuir para futuras pesquisas acerca do objeto em questão,

compilando a história dos livros didáticos de língua portuguesa, no cenário educacional mato-

grossense.

O V Capítulo foi reservado para análise de alguns títulos mencionados pelos

professores, na expectativa de compreender mediante análise de sua constituição, elementos

considerados essenciais para o ensino de língua portuguesa, nos últimos trinta anos deste

século.

Trata-se, no Capítulo VI, de narrar as histórias que compõem a História do texto

didático de língua portuguesa pelos professores-sujeitos. É ouvir o lado da história na ótica

de quem deu vida ao texto, na interação da sala de aula. Na realidade, é por meio de um olhar

curioso nas histórias narradas pelos professores que foi possível compreender como o

professor mato-grossense utilizou-se da produção editorial vinda de outros estados, como um

instrumento no trabalho docente.

Finalizo com as conclusões obtidas por meio da articulação da fonte de documentos

escritos e das fontes orais, via histórias narradas pelos professores. Por meio dessa articulação

procuro, de forma breve, descrever uma possível leitura do processo de veiculação e uso de

livros didáticos de língua portuguesa, no Mato grosso, conforme objetivo norteador desta

investigação.

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1. PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS.

A alfabetização e o livro, além de favorecerem a comunicação entre as pessoas, entre

os povos, também tiveram o importante papel de incentivarem o desenvolvimento da

humanidade. Há de se convir que a partir da invenção e propagação da tipografia, os

documentos escritos e os livros, sorrateiramente, adentraram, de maneira progressiva, na

esfera que antes, parecia restrita à oralidade. Com isso, o livro possibilitou que as histórias -

antes contadas, em voz alta, para uma platéia - pudessem ocupar espaços na individualidade,

ou seja, fossem lidas em silêncio, não como ato solitário, mas de repente como uma maneira

de questionar o mundo, e deixar ser questionado pelo mundo e pelo próprio leitor.

Todo o percurso efetuado pelo livro, desde o período em que eram manuscritos, ou

seja, copiados à mão, até o período em que essas formas foram substituídas,

progressivamente, pelos caracteres móveis e impressos, foi marcado por inquietações no

processo de composição das relações com os textos, das quais certamente, os nossos tempos

contemporâneos são herdeiros diretos. Para Chartier (1999), essas relações se constituem por

um “movimento contraditório4”. Em uma vertente se posiciona o leitor, que se depara com

regras e padrões caracterizados em uma obra, ou seja, de certa forma “o autor”, “o livreiro-

editor”, “o comentador”, “o censor”, dentro das suas expectativas, tentam cercear a leitura,

fazendo com que os textos produzidos por eles sejam compreendidos sem qualquer variação

possível de significação, de sentidos. Na outra vertente, deparamos com a leitura, que se

apresenta de maneira móvel, flexível. Chartier a caracteriza como “rebelde e vadia”, uma vez

que os leitores mobilizam infinitas estratégias para “subverter as leituras impostas”,

possibilitando-os para ler as entrelinhas, ler o não lido e o não dito.

Nesse sentido, Chartier acrescenta:

O livro sempre visou instaurar uma ordem; fosse a ordem de sua decifração, a ordem no interior da qual ele deve ser compreendido ou, ainda, a ordem desejada pela autoridade que o encomendou ou permitiu a sua publicação. Todavia, essa ordem de múltiplas fisionomias não obteve a onipotência de anular a liberdade dos leitores. Mesmo limitada pelas competências e convenções, essa liberdade sabe

4 As palavras e expressões que aparecem aspadas neste trecho são tomadas emprestadas de Roger Chartier, empregadas em seu livro A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII , na primeira parte do livro, intitulado: A ordem dos livros. Nesse tópico, onde, logo na primeira página, o autor tece muito bem a questão das relações com o texto: leitor-leitura. Nesta dissertação, elas também aparecem na tentativa de esclarecer essas relações com o texto, aqui especificamente, com o texto didático, ou seja com o objeto da investigação: livros didáticos de língua portuguesa.

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como se desviar e reformular as significações que as reduziram. Essa dialética entre a imposição e a apropriação, entre os limites transgredidos e as liberdades refreadas não é a mesma em toda parte, sempre e para todos (CHARTIER, 1999, p. 08).

As obras são objetos que ditam comandos, permeados em suas formas, com a

intencionalidade de conduzir o leitor a não desenvolver as possíveis leituras com sentido

plurais, a não extravasar o dito nas linhas de um determinado texto. No entanto, as obras só

passam a existir verdadeiramente, quando são inscritas sobre as páginas de um livro, mas,

sobretudo, quando elas entram em contato com alguém que as lê, que as coloque em evidência

e, que, estabeleça com elas uma relação dialógica, considerando-a repleta de sentidos.

Independente da dimensão de uma obra, grande ou não, ou mesmo da classificação

recebida, ela sempre será móvel, nunca será fixa, universal, sempre será investida de

significações plurais e não com significações engessadas. Isso se dá porque os sentidos

atribuídos a ela se processam pela interação de uma proposição com uma recepção, ou seja, o

texto só se torna texto quando se combinam a literalidade com a leitura.

Evidentemente que tudo isso se processa com os livros didáticos, eles são produzidos

para atender um determinado fim. A sua composição está permeada de regras, de formas, de

estratégias para atingir um objetivo estabelecido por um determinado grupo, que atuou em

uma determinada época, e, que, certamente, é configurada por sistemas de valores, pelas

concepções veiculadas naquele período. A partir da compreensão do livro como um produto, é

que o abordei como objeto de estudo desta investigação, porque carrega consigo marcas de

uma determinada época, que imprime em suas folhas idéias e ideais de um grupo,

considerando-o também como um viés, dentro do contexto histórico, para se compreender as

representações de ensino e de aprendizagem, em um determinado presente histórico, em um

dado lugar.

Mato Grosso, diferentemente de alguns Estados, não é produtor de livros didáticos5,

situando-se mais na esfera dos Estados consumidores desse produto. Nesse sentido, cabe a

esta investigação realizar um estudo da veiculação e da utilização dos livros didáticos de

língua portuguesa, em Mato Grosso, no período de 1970 a 2000. O foco deverá centrar-se na

compreensão de como o Estado do Mato Grosso, ou melhor dizendo, como as políticas

públicas e as práticas educativas relacionadas à linguagem, nutriram-se da produção editorial

dos grandes centros produtores.

5 Pesquisas de Amâncio (2000) e Amâncio e Cardoso (2005) abordam a circulação de cartilhas e de livros de leitura em Mato Grosso durante o século XX e evidenciam a ausência de publicações, de editoras e de autores de livros didáticos em Mato Grosso, especialmente da área do ensino da linguagem.

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Do ponto de vista metodológico é difícil estabelecer uma fiel diferença entre

veiculação e utilização de livros didáticos, mesmo porque nem sempre a circulação de um

dado título garante a sua utilização, como também não garante um uso efetivo, orientado por

princípios metodológicos adotados ou recomendados por seus autores. No entanto, acredito

ser possível compreender a opção ou imposição político-pedagógica veiculada naquele

presente histórico. A esse respeito, Cardoso e Amâncio (2005)6 consideram que:

A circulação de determinados títulos em determinados períodos indica uma opção (imposição?) política-pedagógica que merece ser analisada e discutida, especialmente porque acreditamos que não existe material didático neutro, visto serem construídos por seres humanos reais que têm interesses diversificados (CARDOSO E AMÂNCIO, 2005, P. 08).

Com relação ao período delimitado para se realizar a investigação, iniciando em 1970

e terminando em 2000, esclareço que essa definição se deu em função da consideração de

acontecimentos importantes que marcaram a educação brasileira e, conseqüentemente,

repercutiram diretamente na produção, escolha e utilização do livro didático. A data de 1970

contextualiza os movimentos que antecederam a criação da lei 5692/71, que por 25 anos fixou

as diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, constituindo-se em um grande peso social

e cultural para a educação.

Em direção à contemporaneidade, tem-se uma década de muitas iniciativas: em 1985,

cria-se o PNLD7 (Programa Nacional do Livro Didático). Para BATISTA e COSTA VAL

(2004, p.10 a 12), embora ele tenha sido criado em 1985, suas características se alteraram a

partir de 1996. Suas principais características, atualmente, são a avaliação, aquisição e

distribuição universal e gratuita de livros didáticos para o ensino fundamental público

6 Refiro-me ao Relatório de Pesquisa intitulado Políticas educacionais e práticas pedagógicas em alfabetização: um estudo a partir da circulação de cartilhas em Mato Grosso – 1910-2002 realizado pelas professoras Doutoras Cancionila Janzkovski Cardoso e Lazara Nanci de Barros Amâncio do Depto de Educação, ICHS, UFMT, campus de Rondonópolis. 7. Este trabalho não tem a intenção de investigar minuciosamente o processo de implantação e/ou de implementação do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), bem como os processos avaliativos que delineavam os critérios para as escolhas dos livros estabelecidos, inicialmente sob a responsabilidade da SEF (Secretaria de Educação Fundamental), e, atualmente, sob responsabilidade direta de universidades públicas, sob supervisão dessa Secretaria do Ministério. Neste trabalho o PNLD e seus processos avaliativos são destacados porque acredito, que essas iniciativas constituem marcos importantes dentro do contexto da educação brasileira, e, que, certamente, repercutiram diretamente na produção, escolha e utilização do livro didático, aspectos a serem abordados nas investigações acerca do livro didático de língua portuguesa, em circulação e utilizados em Mato Grosso, nas últimas décadas. Sobre análise do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e a avaliação dos livros inscritos nesse programa, vale conhecer e ler a obra: “Livros de Alfabetização e de Português: Os Professores e suas escolhas” (COSTA VAL e BATISTA orgs, 2004).

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brasileiro. Em 1996 foi instituído o processo de avaliação prévia de livros, para a distribuição

a ser realizada em 1997. Nesse período, a avaliação se baseou em critérios de natureza

conceitual e política. Nesse mesmo ano, temos, também, a criação da lei 9394/96 – Lei de

Diretrizes e Bases da Educação – LDB.

Ainda, dentro do período eleito da investigação, temos, no final da década de noventa,

o lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), documentos elaborados por

docentes de universidades públicas e privadas, técnicos em educação, contendo as diretrizes

básicas para as modificações curriculares, condizentes com as novas tendências educacionais.

Nesse mesmo período, para a distribuição de livros para 1999, o PNLD incluiu um

terceiro critério para a avaliação de livros didáticos, o de natureza metodológica. De acordo

com esse critério, as obras devem propiciar situações de ensino-aprendizagem adequadas,

coerentes e que viabilizem o desenvolvimento e o emprego de diferentes procedimentos

cognitivos, a saber: a observação, a análise, a elaboração de hipóteses, a memorização, dentre

outros. Até o ano de 2000 esse processo de avaliação foi feito pela SEF (Secretaria de

Educação Fundamental).

A opção por compreender a circulação e a utilização de livros didáticos de língua

portuguesa em Mato Grosso, no período de 1970 a 2000, requer a realização de uma pesquisa

qualitativa de fundo histórico, buscando subsídios no âmbito da História Cultural e da

Educação.

A investigação da história da leitura e da escrita é um campo que amplia

gradativamente no Brasil, no entanto seus registros são esparsos, por isso realizar uma

pesquisa histórica, nesse campo, constitui-se num verdadeiro desafio. Darnton (1992), ao

tecer considerações sobre a história da leitura, argumenta que seria possível desenvolver uma

história e uma teoria da reação do leitor; possível, mas não fácil:

Pois os documentos raramente mostram os leitores em atividade, moldando o significado a partir dos textos, e os documentos são, eles próprios, textos, o que também requer interpretação. Poucos deles são ricos o bastante para propiciar um acesso, ainda que indireto, aos elementos cognitivos e afetivos da leitura, e alguns poucos excepcionais podem não ser suficientes para se reconstituírem as dimensões interiores dessa experiência. Mas os historiadores do livro sempre exibiram uma grande quantidade de informação sobre a história externa da leitura. Tendo estudado a leitura como um fenômeno social, podem responder muitas das perguntas de “quem”, “o que”, “onde” e “quando”, o que pode ser de grande ajuda na abordagem dos mais difíceis “porquês” e “comos” (DARNTON, 1992, p. 203).

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Para o autor, seria possível aprender mais sobre os ideais e aspectos subjacentes à

leitura no passado. Não há como negar a importância das ações dos homens no tempo para

melhor se compreender o presente. Nesse sentido, o trabalho da pesquisa histórica incumbe-se

de recuperar risos e lágrimas, aventuras e desventuras, fracassos e vitórias, caminhos e

descaminhos, fruto de como uma geração concebia a sua própria existência. Ou seja, o

pesquisador recupera a trajetória dos homens vivendo as várias dimensões do social. Para

tanto recorre às diversas manifestações do ser humano que se revelam em diversas formas

como: valores, imagens, sentimento, arte, tradição. Tais manifestações, por meio de vestígios

e registros, aparecem clarificados sob formas de escritos, objetos, palavras, música, literatura,

pintura, arquitetura, fotografia.

Sendo assim, na coleta de dados significativos e que possibilitou, nesta pesquisa, uma

possível leitura do período, foi necessário, localizar, reunir, selecionar, organizar e analisar

fontes documentais cheios de acontecimentos históricos mediatizados pelas ações dos

homens, compreendidos entre o período de 1970 a 2000. Desta forma, acredito que a pesquisa

histórica é uma difícil e fascinante tarefa de reconstrução do passado que passa pela seleção

de períodos e acontecimentos, não aleatória, mas com o objetivo de reconstruir fatos e vidas.

Nesta investigação, vale ressaltar que concebi a História não como transmissão de

verdades prontas e acabadas, mas concebo o conhecimento histórico como sendo

historicamente produzido e a sua reconstrução é um texto de cultura porque na compreensão

do real está a reflexão do pesquisador, tanto quanto o próprio objeto. Desta forma:

o documento já não fala por si mesmo mas necessita de perguntas adequadas. A intencionalidade já passa a ser alvo de preocupação por parte do historiador, num duplo sentido: a intenção do agente histórico presente no documento e a intenção do pesquisador ao se acercar desse documento. (VIEIRA, PEIXOTO e KHOURY. 1998 p. 15).

Assim, quando as fontes me revelaram os dados, tive o zelo de me respaldar não só no

que estava sendo representado, mas, sobretudo, debrucei-me sobre os dados, em constantes

reflexões, as quais me conduziram a caminhos que permitiram questionar por que estavam

sendo representados daquela forma. Para esta reconstrução do passado foi preciso considerar a

contribuição da História Cultural, ao ampliar a noção e a concepção de documento, que o

considera, então, enquanto todo e qualquer vestígio deixado pelos homens. Le Goff evidencia

o documento como “uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da

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sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a

viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio”

(1984, p. 103). O autor complementa ainda referenciando FEVRE (1949), um dos pioneiros

da revista dos Annales, que afirma:

A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Contudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel na falta das flores habituais. [...] Toda uma parte, e sem dúvida a mais apaixonante do nosso trabalho dos historiadores, não consistirá em um esforço constante para fazer falar as coisas mudas, para fazê-las dizer o que elas por si próprias não dizem sobre os homens, sobre as sociedades que as produziram, e para constituir, finalmente, entre elas, aquela vasta rede de solidariedade e de entreajuda que supre a ausência do documento escrito? ( FEVRE apud LE GOFF, 1996, p. 540).

Daí então, comparar este trabalho com o do arqueólogo que busca os objetos em

diferentes sítios escondidos e, conseqüentemente, revelam as várias leituras passíveis. Neste

trabalho, utilizei as mais diversas fontes documentais objetivando a reconstrução do passado,

das quais destaco: a legislação que normatizou o ensino de Língua Portuguesa, a publicidade

veiculada na época a respeito do tema, uma vez que elas se tornam, ao mesmo tempo, causa,

efeito e reflexo dos valores sociais existentes; livros de almoxarifado que contenham entrada

e saída de material didático; fotografias; depoimentos, a própria história dos sujeitos da

pesquisa, ou seja, o uso da memória como documento; livros didáticos que circularam na

época e documentos oficiais variados.

Nesta investigação, para ler as entrelinhas das fontes escritas e orais, algumas noções8

foram utilizados com recorrência. Acredito que elas foram essenciais para a sustentação de

possíveis leituras apoiadas em documentos, de um lado, e, de outro, em meu olhar de

pesquisadora. Ressalto que o olhar da pesquisadora é um misto de várias vozes, de vários

autores que discorrem o tema em questão, que ao final tecem, compõem a minha leitura-

mundo. A leitura-mundo da pesquisadora, em contato com os documentos, viabilizou a

tessitura deste texto. Nesse sentido, considero necessário nocionalizar alguns termos aplicados

8 Preferi, nesta investigação, trabalhar com a palavra noção e não com a palavra conceito, em função da sua representatividade. Para Michel Maffesoli, o conceito é duro, rígido, refere-se ao saber absoluto e a noção é mole, é simultaneamente isto e aquilo, assim, ele melhor dá conta da heterogeneidade da história humana, evita, com isso, de fazer de uma verdade local uma verdade universal. Mais informações sobre conceito e noção ver: Maffesoli, Michel. O conhecimento do cotidiano. Trad. : José Lamy. Lisboa: S/D.

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para embasar as análises construídas nesta dissertação. Várias noções serão explicitadas à

medida que os dados exigirem, no transcorrer das análises. No parágrafo anterior mencionei a

noção de documento e acrescentei, sobretudo, como ele foi tratado na pesquisa.

Subsidiei-me, assim, nas contribuições da História Cultural, uma vez que ela viabiliza

a ampliação de metodologias, enriquecidas pelas redes de solidariedade provenientes de

outras disciplinas, de forma a permitir “identificar como em diferentes lugares e momentos

uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER, 1990, p. 16

e 17). Acredito, também, ser oportuno, para o momento, serem apresentadas noções úteis

para se compreender a tessitura deste trabalho, noções de: Representações, Apropriações e

Livro Didático.

As Representações direcionam para o como um dado grupo apreende o mundo social,

convergindo em discursos intencionais, envolvendo práticas e apropriações, contextos de um

contorno social. Assim, essas representações são construídas de acordo com a apreensão do

mundo, não revelando, dessa forma, discursos neutros, são carregados de intencionalidades

impostas por um determinado grupo. Assim,

As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza (CHARTIER, 1990, p.17).

Nesse sentido, uma análise dos livros didáticos de linguagem em Mato Grosso, no

delimitado período, passa pela compreensão tanto das Representações sociais e culturais

quanto da apropriação ou não dessas representações pelos próprios indivíduos envolvidos

nesse processo.

Por outro lado, a noção de Apropriação parece ser interessante, também, trabalhar

porque ela vai permitir pensar as diferenças no processo de recepção. Ou seja, as práticas

culturais devem ser compreendidas sob o cerne das diferenças, assim, um mesmo bem cultural

pode ter sido usado de maneira diferente, por grupos diferentes, em função das idéias, das

representações, das disposições de habitus de cada grupo. Então, a pesquisadora, ao

considerar o texto didático, como bem cultural de um dado grupo social, levou em

consideração a forma e as condições com as quais esse determinado grupo recebeu e,

posteriormente, usou esse material. Pensar deste modo é compreender que:

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As apropriações culturais permitem também que não se considerem totalmente eficazes e radicalmente aculturante os textos ou as palavras que pretendem moldar os pensamentos e as condutas. As práticas que deles se apoderam são sempre criadoras de usos ou de representações que não são de forma alguma redutíveis à vontade dos produtores de discursos e de normas. O acto de leitura não pode de maneira nenhuma ser anulado no próprio texto, nem os comportamentos vividos nas interdições e nos preceitos que pretendem regulá-los. A aceitação das mensagens e dos modelos opera-se sempre através de ordenamentos, de desvios, de reempregos singulares que são o objecto fundamental da história cultural. [...] O que equivale a dizer, simultaneamente, que as práticas contrastantes devem ser entendidas como concorrências, que as suas diferenças são organizadas pelas estratégias de distinção ou de imitação e que os empregos diversos dos mesmos bens culturais se enraízam nas disposições do habitus de cada grupo (CHARTIER, 1990, p. 136 e 137).

Nesse sentido, há de se convir que a apropriação do texto didático aconteceu de formas

diferentes, para contextos e grupos diversos.

O Livro Didático, constantemente, vem cerceado por fatores que o conduzem a um

desprestígio social. Normalmente ele é manipulado por usuários, professores e alunos, não por

leitores assíduos. É produzido em grandes tiragens, mas rapidamente entra em processo de

desatualização, ou ele fica superado dado o pregresso da ciência a que se refere ou o aluno o

abandona em razão de avançar em sua educação. Em conseqüência disso, há sempre uma

nova versão a ser adotada pelo mercado escolar. Raramente os livros mais antigos são

guardados, são com mais freqüência descartados. Talvez em função da sua efemeridade sua

história seja uma das mais esquecidas e minimizadas, até mesmo pelas pesquisas

educacionais.

Vale ressaltar, então, que nesta pesquisa, o livro didático9 está sendo nocionalizado

como um livro que tem como princípio a utilização escolar. Ou seja, um livro que foi

utilizado em aulas, no caso específico de língua portuguesa, de forma sistematizada por

professores sujeitos, no desenvolvimento do processo de ensino e de aprendizagem.

O livro didático é uma poderosa fonte de conhecimento da história de uma

nacionalidade; por intermédio de suas publicações é possível realizar leituras que nos

permitam compreender que rumos os agentes políticos de uma determinada época escolheram

para a educação. Nesta investigação, os livros didáticos serviram de suporte para compreender

o processo de ensino nas aulas de língua portuguesa. Foi preciso realizar uma interpretação

que permitisse compreender as entrelinhas dessa história. Para uma análise dos livros 9 BATISTA (2002a) afirma que é extremamente difícil ter uma definição fechada para livro didático, em função dos satélites que hoje o acompanham, ou que assumem a função do livro, a ex: livro paradidático adaptados para o trabalho docente, CDs, dentre outros. No entanto, nocionalizo sucintamente o que foi compreendido como texto didático, porque não investigo os satélites pedagógicos que o acompanham. Detenho-me em analisar apenas o livro que o professor utiliza em sala de aula.

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didáticos localizados (passado e presente), busquei subsídios no campo da configuração

textual, uma vez que a pesquisadora concebe textos como prenhes de sentidos históricos e

significados culturais. Conforme Chartier,

Considerar a leitura como um acto concreto requer que qualquer processo de construção de sentidos, logo de interpretação, seja encarado como estando situado no cruzamento entre, por um lado, leitores dotados de competências específicas, identificados pelas suas posições e disposições, caracterizados pela sua prática do ler, e, por outro lado, textos cujo significado se encontra sempre dependente dos dispositivos discursivos e formais. (CHARTIER, 1.990, p. 25).

Desta forma, ao considerar o texto como um sentido plural, contraditório, e que dá significado

ao mundo, é que os referidos documentos foram analisados pautados nos princípios da

configuração textual, mediando a busca de compreensão, explicação e interpretação do que

foi a representação das concepções veiculadas ao longo do tempo. Segundo Mortatti, a

configuração textual nomeia:

o conjunto de aspectos constitutivos de determinado texto , os quais se referem : às opções temático-conteudísticas (o quê ?) e estruturais-formais (como ?) , projetadas por um determinado sujeito (quem ?) , que se apresenta como autor de um discurso produzido de um determinado ponto de vista e lugar social (de onde ?) e momento histórico (quando ?) , movidos por certas necessidades (por quê ?) e propósitos (para quê ?) , visando a determinado efeito em determinado tipo de leitor (para quem ?) e logrando determinado tipo de circulação , utilização e repercussão (MORTATTI, 2000, p.31) .

Nesse sentido, privilegiar tal procedimento é sentir a necessidade de ler, ouvir o que o

autor quis dizer com a estruturação da sua obra e, conseqüentemente, realizar uma

interpretação mais real possível do contexto sócio histórico de veiculação do material que,

certamente respaldou a prática de inúmeros profissionais do Mato Grosso.

Ainda no processo da pesquisa, utilizei, com a finalidade de levantamento preliminar,

questionários que indicassem o possível corpus da pesquisa (inicialmente, professores com no

mínimo 20 anos de docência) e, posteriormente , entrevistas com os sujeitos definidos a partir

do levantamento inicial, estabelecendo assim interlocução com os sujeitos de forma a

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viabilizar uma compreensão das relações das concepções de linguagem com as práticas

educativas numa perspectiva do presente – passado - presente .

O livro didático é um misto de bem cultural de massa, uma vez que é destinado ao

usuário aluno, independente da classe social a que pertence, assim como da cultura letrada, se

considerarmos que a outra vertente de usuários são os professores e, ainda são produzidos

com base em estudos acadêmicos e tem por objetivo a construção do saber. Assim, “todos os

materiais portadores das práticas e dos pensamentos da maioria são mistos, combinando

formas e motivos, invenção e tradição, cultura letrada e base folclórica” (CHARTIER, 1990,

p. 134). Não foi possível, para um estudo dos livros didáticos de língua portuguesa, tomar o

livro apenas na sua materialidade, o livro em si; foi necessário levar em consideração o ato de

ler do receptor desses textos, para compreender como aconteceu a apropriação deles por um

determinado grupo.

Chartier acredita que para compreender o processo de apropriação dos textos, dos

livros e de suas leituras há de se perpassar dois modelos:

O primeiro põe em contraste disciplina e invenção, considerando estas duas categorias não como antagônicas,mas como sendo geridas a par. Todo o dispositivo que visa criar controlo e condicionamento segrega sempre tácticas que o domesticam ou o subvertem; contrariamente não há produção cultural que não empregue materiais impostos pela tradição, pela autoridade ou pelo mercado e que não esteja submetida às vigilâncias e às censuras de quem tem poder sobre as palavras ou os gestos. A oposição é demasiado simples entre espontaneidade “popular” e coerções das instituições ou dos dominantes: o que é preciso reconhecer é o modo como se articulam as liberdades condicionadas e as disciplinas derrubadas. Disciplina e invenção mas também distinção e divulgação. Este segundo par de noções solidárias permite uma compreensão da circulação dos objectos ou dos modelos culturais que não a reduz a simples difusão, pensada geralmente como um movimento descendente na escala social. Os processos de imitação ou de vulgarização são mais complexos e mais dinâmicos e devem ser entendidos, antes de mais, como lutas de concorrência onde toda divulgação, concedida ou conquistada, produz imediatamente a procura de uma nova distinção (CHARTIER, 1990, p. 137e 138).

Considerei importante, nesta investigação, a partir dos pressupostos acima, ouvir os

professores-sujeitos, uma vez que na história das práticas culturais há sempre intricações,

contradições, subversões. Por isso foi preciso reconstruir algumas trajetórias complexas

percorridas da palavra anunciada, por exemplo, de um dado grupo, até sua recepção, por um

outro grupo, do livro impresso até que ele fosse considerado texto em contato com o leitor.

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Para traçar esse caminho percorrido, pela história do livro didático de língua

portuguesa, em Mato Grosso, foi preciso ouvir-ler as histórias narradas do uso desse material

pelos sujeitos. Esse recurso metodológico viabilizou uma construção da história do livro via

processo de articulação de como aconteceram as liberdades condicionadas, trazidas pelos

livros, por meio do texto impresso, transpondo de uma certa forma o currículo oficial e o que

foi apropriado, no contexto da sala de aula, levando em consideração as disciplinas

derrubadas por esses sujeitos, ou seja, levando em consideração a possibilidade de subversão

do sujeito ao texto oficial.

Para compreender o livro didático de língua portuguesa foi preciso adentrar num

campo da pesquisa da educação, que considera, de um lado, as prescrições oficiais, as normas,

as leis e, por outro lado, como foram apropriadas essas prescrições na prática educativa, via

voz dos sujeitos. Por compreender assim, foi que considerei relevante dar atenção à fonte oral,

veículo por excelência das memórias não escritas, sobretudo dos professores que vivenciaram

o período em questão: 1970 a 2000, haja vista que a falta de políticas efetivas de órgãos

públicos e privados para a preservação dos documentos é uma realidade com raríssimas

exceções.

O ofício do historiador, segundo Burke (1992), não é apenas descrever e explicar por

que as coisas aconteceram em um determinado presente histórico. Ela pode ser uma

justificativa necessária, mas não é suficiente. A continuidade histórica deve ser explicada; a

tradição é um processo que vive, porém enquanto é continuamente explicada. Outra tarefa do

historiador é demonstrar segurança ao leitor em relação aos dados apresentados. É nesse

sentido que considerei necessário realizar um cruzamento entre documentos escritos, os

poucos localizados, e fontes orais. Thompson, citado por Burke (1992), argumenta que a

história oral viabiliza a presença histórica dos sujeitos, cujos pontos de vista e valores são

descartados pela história vista de cima. “Onde não há nada ou quase nada escrito, a tradição

oral deve suportar o peso da reconstrução histórica” (MARWICK apud BURKE, 1992, p.

165). Burke (1992) considera que é para essas partes vitais da tarefa do historiador que a

história oral – tradição e reminiscências, passado e presente – é dirigida.

No entanto, vale ressaltar que o trabalho com fontes orais demanda um especial

cuidado nas análises, em função da presente subjetividade dos discursos dos sujeitos. O

trabalho foi conduzido, sempre que possível, pela leitura das entrelinhas dessas falas,

articulando-as, quando necessário, com outras fontes documentais.

Toda investigação requer um planejamento prévio das suas futuras ações para

corresponder aos seus objetivos. Porém, no transcorrer da pesquisa muitos são os percalços

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encontrados e repetidas vezes os dados (re) direcionam os encaminhamentos previstos. Na

verdade, o pesquisador só consegue idealizar e materializar a investigação quando em contato

com os dados do objeto delimitado. Abaixo faço algumas reflexões sobre os caminhos

percorridos: do idealizado ao concretizado.

1.1. VEREDAS: DO IDEALIZADO AO CONCRETIZADO

Quando iniciei os estudos para esta dissertação, em março de 2005, alguns objetivos

foram traçados, bem como alguns procedimentos metodológicos foram idealizados com a

intenção de que eles pudessem vir ao encontro de uma pesquisa contemporânea que

investigasse a formação da leitura e da produção de textos na vida do professor e a influência

dela na atuação docente do professor, como formador de leitor e produtor de textos. De lá

para cá muitas alterações aconteceram. Em contato com estudos a respeito do livro didático

no Brasil, encantei-me pela temática tanto quanto pelo objeto em si. Ao construir leituras do

objeto pude perceber que ele ainda, hoje, se constitui em uma importante fonte de pesquisa a

ser explorada. Afinal, esse recurso continua a despertar nossa curiosidade, como mercadoria,

suporte de textos, instrumentos de docentes e discentes. Sabemos pouco de sua função,

dispensando o olhar atento de investigadores em torno desse objeto: o livro; representativa

figura da tela: a escola. Sabe-se, no entanto, que o professor continua a recorrer ao livro

didático como instrumento para ajudar na tarefa de formar leitores e escritores.

A partir de então, o meu foco de interesse mudou. Passei a investigar o livro didático

de língua portuguesa. Identifiquei, que apesar do livro se constituir como uma fonte

riquíssima para pesquisar o cotidiano da escola, tímidas dissertações apareciam no cenário das

investigações referentes ao Estado de Mato Grosso. Não consegui encontrar vestígios dessa

história no contexto do Mato Grosso. Compreendi, então, que mais importante do que

investigar o livro hoje, era preciso realizar um estudo do que foi o livro didático de língua

portuguesa, em nosso Estado e, ainda, como os professores o utilizaram como instrumento em

suas aulas.

Em razão desse novo contexto optei por realizar uma pesquisa de cunho histórico para

investigar e compreender o livro didático de língua portuguesa, em Mato Grosso, bem como

compreender, por meio das fontes orais dos professores-sujeitos e como se deu o uso desse

objeto de estudo no contexto da sala de aula.

Muitas barreiras foram encontradas para a construção do caminho a percorrer: a

própria inexperiência da pesquisadora com relação à pesquisa histórica, e, ainda, a falta de

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documentos oficiais pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado, pelas próprias escolas,

pelo Arquivo Público de Mato Grosso. Vale ressaltar que este último tem um acervo excelente

de documentos que se referem a períodos anteriores a década de 70. A partir dessa data os

documentos ficam escassos porque não são catalogados e disponibilizados ao público.

A SEDUC (Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Mato Grosso) não

disponibilizou dados oficiais solicitados por mim com relação aos principais títulos

veiculados no Mato Grosso, como também a demanda de alunos atendidos pela rede estadual

de ensino, no período compreendido de 1970 a 2000. Os dados solicitados viabilizariam uma

leitura mais precisa da realidade, ficaria inviável fazer afirmações prematuras com relação aos

títulos encontrados e seu uso.

Em função dessas dificuldades alguns caminhos foram redefinidos com o objetivo de

se coletar dados que revelassem o cenário do livro didático em Mato Grosso. Passei a visitar

sebos da cidade em busca de títulos com vestígio de uso, por alunos ou professores, do

período delimitado pela pesquisa. Em visita aos sebos, encontrei alguns livros, os quais

adquiri, com inúmeras anotações. Empolguei-me com o resultado, mas ainda era insuficiente

para realizar qualquer afirmação consistente.

Pensei, então, que as bibliotecas escolares pudessem também revelar alguns títulos, ou

de repente pudesse encontrar os mesmos títulos localizados nos sebos, o que já configuraria

recorrência deles nas escolas. Visitei, então, a biblioteca da escola Presidente Médici10. Por

conhecê-la, uma vez que sou professora dessa unidade escolar, por seu tamanho, atende, nos

três turnos, aproximadamente 5000 alunos e por ter mais de 30 anos de história. Alguns livros

didáticos de língua portuguesa foram encontrados na biblioteca da referida escola, localizada

na Avenida Mato Grosso, s/n, na capital mato-grossense, Cuiabá. Mas o fato de encontrá-los

na biblioteca da escola seria garantia de uso? Pode-se duvidar de sua utilização na referida

unidade escolar, e mesmo em termos de Estado. Esse zelo com relação ao uso e veiculação

dos livros, deu-se em função de existirem inúmeras possibilidades para aquele material, hoje,

estar guardado naquele local. Refiro-me a esse termo porque, literalmente, ele apenas está

depositado ali, segundo declarações das próprias funcionárias do recinto, que, em conversa

informal, afirmaram que há muito tempo aqueles livros antigos estavam sem procura. A

biblioteca simplesmente poderia ter recebido o material por doações de professores,

funcionários, por alunos, pais ou, ainda, por pessoas que nem sequer fazem parte daquele

10 A Escola Estadual Presidente Médici, posteriormente, em razão da sua grande representatividade no cenário educacional do Estado e pelo grande número de livros didáticos de língua portuguesa, das décadas de 70, 80, 90 e 2000, ou seja, do período delimitado para a pesquisa, passou a ser também locus da investigação, contando com a representação dos livros e de um professor-sujeito.

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contexto escolar, pessoas até mesmo de outras localidades do nosso país, e que, certamente,

tiveram inúmeros motivos para realizarem a doação. Ou, realmente, aquele vasto material

poderia ter sido usado em anos anteriores.

O fato é que os dados que eu tinha em mãos ainda eram inconsistentes, precisaria

encontrar outras fontes que pudessem confirmar ou não as suposições apresentadas logo

acima. Foi então que passei a pensar na possibilidade de que só os professores poderiam me

dar pistas da utilização ou não dos títulos encontrados, tanto nos sebos, quanto na biblioteca

da escola, ou, ainda, poderiam apresentar novos títulos diferentes dos quais tinha localizado.

Idealizei um questionário, o qual fez parte da chamada por mim, pesquisa preliminar, porque

por meio dela eu poderia identificar professores que poderiam ser sujeitos da pesquisa, teriam

que ter no mínimo 20 anos de docência, já que a pesquisa delimita as décadas de 1970, 1980 e

1990 para investigar o livro e o seu uso no Estado. Como também poderia solicitar questões

referentes aos títulos utilizados em sua vida escolar e como docente. A partir dele poderia

localizar sujeitos e verificar títulos.

Construí o questionário na fase preliminar da pesquisa (apêndice1) para a identificação

do possível corpus da pesquisa. O questionário era composto de oito questões: identificações

pessoais, acadêmicas e profissionais. Além dessas, outras perguntas foram direcionadas aos

professores: perguntava-se se tinham lembrança de algum livro didático utilizado, tanto em

seu período de escolarização, ou seja, enquanto aluno, quanto em seu período de docência.

Fizeram parte dessa primeira parte da pesquisa 22 (vinte e dois) professores da rede estadual

do município de Várzea Grande. No entanto, deparei com outro obstáculo, a memória dos

entrevistados só tinha recordações mais recentes. Ou seja, lembravam-se apenas dos últimos

livros adotados.

Esse procedimento viabilizou identificar vários títulos de livros, mas não foi o

suficiente para a identificação dos livros veiculados, principalmente na década de 70. Como

os professores só tinham memória recente dos títulos, acreditei que uma alternativa seria levar

os livros localizados na biblioteca da escola Presidente Médici e nos sebos das cidades, para

que os professores pudessem reconhecê-los, ou não. Para o momento não pensava ainda em

títulos X utilização, porque era consciente de que o fato de os professores se lembrarem de

alguns deles ou reconhecerem não significava que eles foram utilizados e nem sequer era

garantia de que as concepções e metodologias sugeridas pelos autores eram realmente

assimiladas e empregadas pelos professores.

Iniciei uma nova fase. Levava os livros para os professores observarem, nas escolas,

com a expectativa de que pudessem reconhecê-los. À medida que os livros iam sendo

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apresentados aos docentes, estes os reconheciam e quase sempre tinham uma história que

acompanhava o seu uso na sala de aula, tinha sempre uma experiência ou como aluna ou

como professor. Assim, as conversas sempre acabavam com boas gargalhadas ao recordarem

dos tristes ou alegres momentos que por ora estavam adormecidos na história de cada um,

mas que o livro, dentro da sua trajetória, incumbiu-se de rememorá-los. Dessa forma, aqueles

sujeitos, ora anônimos, assumiram-se como sujeitos da história que em um determinado

espaço/tempo constituiu o cotidiano escolar repleto de representações de todo um cenário

político-educacional.

Apesar de muito satisfeita com os resultados preliminares obtidos mediante

procedimentos estratégicos adotados, sabia, no entanto, que muitos dados estavam por vir,

para que pudesse afirmar com sustentabilidade os títulos mais veiculados em Mato Grosso.

Dessa forma, ainda não era possível acompanhar a trajetória das produções didáticas vindas

de outras regiões do país, nem mesmo tecer considerações de como esse material, veiculado,

foi usado pelos professores, ou ainda, se foram realmente utilizados e se influenciaram na

prática dos profissionais. Para o momento tinha condições de relacionar materiais encontrados

e analisar exemplar contextualizando no período histórico em que estavam inseridos, assim,

realizando uma possível leitura do documento e as concepções que o permeavam.

A partir de então, um novo direcionamento foi realizado. Inicialmente, optei por um

novo recorte, em termos de locus. Passei a trabalhar com três grandes e históricas escolas

estaduais, de Cuiabá. As Escolas: Barão de Melgaço, Liceu Cuiabano e Presidente Médici.

As duas primeiras escolas foram selecionadas em função da história construída frente ao povo

cuiabano, como para o mato-grossense em geral, já que são escolas centenárias. A terceira,

também em função da sua grande representatividade, com mais de trinta anos de história e por

encontrar um vasto material na biblioteca da unidade.

Realizado o novo recorte, saí à procura de sujeitos, que lecionaram nessas escolas, que

pudessem contar com quais livros de língua portuguesa trabalharam ou que trabalham no

transcorrer da carreira. A intenção era que pudessem contar os títulos dos livros trabalhados,

acrescentando ou ratificando títulos já apresentados na pesquisa preliminar, como também

revelar o processo de uso deles no contexto da sala de aula. Compreendia que a partir dessa

interlocução com os sujeitos é que se poderia realizar uma possível leitura da história do livro

didático de língua portuguesa, em Mato Grosso ao cruzar, de um lado, o livro, suas

concepções de educação e língua, de outro, o professor, narrando a forma como se apropriou

daquelas concepções apresentadas no texto didático adotado.

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Na busca desses sujeitos visitei arquivos das escolas. A partir deles pude encontrar

pistas de prováveis professores-sujeitos.

1.1.1. As escolas e os arquivos

A Escola Estadual Liceu Cuiabano foi a primeira a ser visitada, porque tinha nomes de

algumas professoras que trabalharam no período delimitado pela pesquisa, naquela escola. No

arquivo da escola encontrei documentos interessantes desde a fundação da unidade. Vale

ressaltar que esta escola destina uma especial atenção a esses documentos. Ela reservou um

espaço para o funcionamento de um pequeno arquivo e disponibilizou um funcionário para

realizar o atendimento, o qual demonstra ser um entusiasta do local, está sempre bem

humorado e se apresenta com muita disposição para ajudar na pesquisa e o mais interessante é

que conhece cada espaço daquelas prateleiras e o que elas guardam da centenária história da

gigante escola.

Há de se convir que é um lugar bem pequeno, sem muita iluminação, constituindo-se

em um lugar inadequado para pesquisa e para os próprios documentos, tanto para pessoas que

procuram pela escola quanto para pesquisa interna. Mas não há como negar a relevante

iniciativa dos gestores que por lá passaram, como também do coletivo de profissionais, pais e

alunos que compõem a referida escola. Tal iniciativa revela que aquele grupo acredita que o

homem precisa conhecer seu passado para conhecer e compreender seu presente e futuro.

Compreendem que a ação de jogar fora toda aquela vasta documentação é o mesmo que jogar

para fora vidas, ações de todo um presente histórico. Essa iniciativa se revela tão importante

quando lembramos que somos filhos da cultura do presente, do aqui e do agora, não temos a

cultura da história. Tanto não temos que esta pesquisa se deparou com vários obstáculos para

seguir em frente em função da ausência de dados ou pela resistência das pessoas para relatar

suas experiências vividas em dado momento histórico e em um dado espaço/tempo.

Essa falta de registro faz parte de uma cultura perpetuada de anos e que, certamente,

levará tempo para se desconstruir. Mas um povo sem memória é um povo sem cultura, é

como se cada dia fosse o primeiro e que tudo devesse ser recomeçado do “zero”, ou seja, não

teria uma continuidade e sempre viveríamos os mesmos erros sem progresso, porque

perderíamos muito tempo repetindo os mesmos erros. Sem memória, sem registro dela, a

possibilidade da continuidade fica distante, porque não há possibilidade de voltarmos o olhar

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para trás e enxergarmos as falhas como um processo de construção, e assim, viabilizar novos

caminhos para novos acertos.

Ainda falta, para nossa época, uma consciência histórica, ou seja, as pessoas precisam

receber uma formação para a cultura do passado como uma história viva, como ações vivas de

sujeitos que intensamente construíram aquele presente histórico, assim como nós hoje, de

pequeno em pequeno, estamos construindo o nosso presente e aos poucos vai se constituindo

em um já então presente histórico. Em muitas escolas por onde andei em busca de dados,

pude perceber um certo descompromisso com o passado. Constatei que muito pouco se

preserva da sua própria história. Os documentos são, a cada cinco anos, incinerados porque,

segundos os gestores, existe uma Lei que autoriza a queima dos documentos. Esta ação, claro,

tem uma conseqüência, perpetua a cultura do aqui e do agora, do presente. Constatei que, em

certas escolas, eles possuem um arquivo sim, mas não dão valor para os documentos que

contam as histórias. Os documentos ficam em um canto, chamado de depósito, realmente eles

ficam ali depositados, ocupando espaço, juntando pó e aos poucos vão se deteriorando por

falta de cuidados. As pessoas não têm noção de quão importante é aquela papelada velha,

assim chamada, para o contexto de uma sociedade presente e futura. Não sabem o quanto

aqueles documentos podem nos falar e podem nos ajudar a compreender o atual cenário

educacional. Em função dessa falta de consciência histórica os documentos são tratados

desrespeitosamente ou incinerados sem dó nem piedade deixando-se, assim, que se perca no

espaço e no tempo parte considerável da História de um povo.

A Escola Presidente Médici tem um espaço para guardar seus documentos, talvez não

tão sistematicamente, mas tem a consciência de que eles contam uma parte da história da

educação em Mato grosso. Foi nessa unidade escolar que encontrei o maior número de livros

didáticos de língua portuguesa, das últimas três décadas. Os materiais estão na biblioteca,

conforme se observa foto abaixo.

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Figura 1: Vista parcial da biblioteca da Escola Estadual Presidente Médici.

Na escola Barão de Melgaço, pude encontrar, em um armário na secretaria da unidade,

documentos da fundação da escola. Vale ressaltar que esta escola é uma das mais antigas de

Cuiabá11. A escola guarda esses antigos documentos com maior zelo e o interessante é que os

funcionários estão sempre abertos a contar parte das histórias do cenário da referida escola.

Todas as vezes que chegamos12 lá, fomos muito bem recebidas e os funcionários,

principalmente os mais antigos, estavam dispostos a contar um pouco mais da história que em

um dia estava adormecida, mas que ao revisitar a memória em casa, veio a bailar novamente.

Mais ainda, quando nos mostravam os documentos e ao deparar com uma fotografia ou com o

nome de algum funcionário, sempre que podiam, nos alertavam: olha, essa pessoa pode

contribuir e nos davam pistas de como encontrá-la. A disposição de todos permite realizar a

leitura de que realmente acreditam que aquela escola tem muitas histórias e que merece ter um

registro das suas contribuições para a educação mato-grossense.

11 Mais informações sobre a historicidade dessa centenária escola cuiabana, ver AMÂNCIO (2000). 12 Uso aqui a primeira pessoa do plural porque em várias visitas realidades nessa escola, eu acompanhava a minha orientadora, Professora Doutora Lazara Nanci de Barros Amâncio, que hoje, dedica a investigar a história dessa escola, reconstituindo a riqueza de detalhes que lhe é merecida. Essa investigação constitui uma parte do trabalho de Pós-doutorado de AMÂNCIO, em andamento.

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Em resumo, por meio dos arquivos das três escolas, encontrei documentos de

fundação delas, alguns livros didáticos de língua portuguesa, diários de professores de língua

portuguesa, dos mais antigos aos mais recentes, fotografias que registram a história dessas

escolas. Por meio dos diários, pude encontrar alguns dos sujeitos desta pesquisa. Mas,

sobretudo, encontrei história de sujeitos comuns que fizeram e fazem a história.

Esta pesquisa trabalhou com a articulação dos documentos escritos e das histórias

narradas pelos sujeitos da pesquisa que resultaram na identificação de alguns títulos de livros

didáticos de língua portuguesa veiculados em mato Grosso e na compreensão de como se

processou o uso desse material no contexto da sala de aula. Destaco que a identificação dos

títulos foi possível mediante cruzamento de dados entre a pesquisa preliminar, os livros

apontados pelos professores que preencheram o questionário nesta etapa, os livros

encontrados nas bibliotecas e sebo da cidade, e a segunda parte da investigação, quando os

sujeitos apontam livros utilizados e livros que fazem parte de suas bibliotecas.

1.1.2 Os sujeitos: as histórias narradas e as suas contribuições para o desenvolvimento

desta pesquisa.

Nesta pesquisa para compreender aspectos da história do livro didático de língua

portuguesa em Mato grosso foi preciso conjugar o dito e o não dito, ou seja, ler as

determinações e os registros oficiais, as leis, o livro didático em si, os registros dos diários dos

professores como também ler o que esses documentos silenciam, ouvindo o que os

professores têm a dizer sobre o uso do livro na sua prática pedagógica. Assim, foi possível

compreender como essas determinações foram recebidas e como se efetivaram na prática e,

ainda, acompanhar a trajetória, em Mato Grosso, das produções didáticas vindas de outros

estados.

Dessa forma, considerei relevante viabilizar oportunidades de resgate das atividades

cotidianas escolares, dos saberes dos professores, enfim da prática pedagógica. O emprego

dessa metodologia possibilitou ouvir a versão de pessoas comuns (professor-sujeito) que

participaram, viveram e fizeram a história. Dessa forma, foi possível conhecer outra história

que não estava presente nos registros escritos localizados, foi possível dar voz a diferentes

narradores.

Entendi que era preciso registrar, por meio dos testemunhos, depoimentos de

professores que contam a história dos livros didáticos de língua portuguesa, em Mato Grosso,

pois cada professor foi e é agente cultural do seu tempo, fez e faz histórias. Utilizei um roteiro

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de entrevistas (apêndice2) que levou o sujeito a enfocar sua trajetória acadêmica e

profissional, envolvendo aspectos sobre o uso do livro didático de língua portuguesa, no

contexto da sala de aula, memória de livros utilizados em sua prática docente, das escolhas

dos livros, dos conteúdos de língua portuguesa, dente outros aspectos.

As entrevistas, mesmo sendo de caráter individual, possibilitaram formas de avaliação,

equiparando às demais fontes. Por meio delas foi possível uma maior aproximação do objeto,

o livro didático de língua portuguesa, observando e compreendendo o uso desse rico material

no contexto da sala de aula. Dessa forma os depoimentos orais ampliaram o campo de visão

sobre a trajetória do livro didático em Mato Grosso. “As entrevistas, como todo testemunho,

contêm afirmações que podem ser avaliadas. Entrelaçam símbolos e mitos com informação, e

podem fornecer-nos informações tão válidas quanto as que podemos obter de qualquer outra

fonte humana” (THOMPSON, 992, p. 315).

Foram entrevistados, dessa forma, seis professores, que trabalharam entre as décadas

de 1960 a 2000. Quatro desses professores são hoje aposentadas e dois deles são professores

com aproximadamente seis anos de docência em escolas estaduais. Todos eles contam

experiências variadas no se que refere ao uso do livro didático de língua portuguesa. Segue

abaixo quadro apresentando os sujeitos, data de nascimento, formação acadêmica e início da

carreira docente, listados por ordem de nascimento. Os sujeitos são indicados por

pseudônimos para preservar a identidade de cada um.

Quadro 1: Professores entrevistados, escola em que trabalharam, data de nascimento, formação acadêmica e início da carreira docente

Nome Escola Data

nascimento

Formação acadêmica Início da carreira

docente

Neide Liceu Cuiabano 1941 Letras:

Português/Francês

1959 - professora

primária

1964 - língua

portuguesa – ginásio.

Marlúcia Liceu Cuiabano 1944 Letras:

Português/Inglês

1971

Marly Liceu Cuiabano e

Barão de Melgaço

1945 Letras:

Português/Francês

1970

Vânia

Liceu Cuiabano 1947

Letras:

Português/Francês

1969

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Vonete Presidente Médici 1967 Letras:

Português/Francês

1986 – professora

primária.

2000 – professora de

5ª a 8ª séries, língua

portuguesa

Ademar Barão de Melgaço 1968 Letras:

Português/Literatura

2000

Inicialmente, foi um trabalho de desafios que exigiu paciência e cautela da minha

parte, talvez pela própria inexperiência em pesquisas. Logo na primeira visita à escola Liceu

Cuiabano identifiquei e localizei o primeiro, provável, sujeito desta investigação. Confesso

que no primeiro contato o sujeito se demonstrou muito resistente ao fato de ser entrevistado.

Foi sugerido um segundo contato e a partir de então aceitou contribuir com relatos da sua

história de vida docente.

Mas a minha tarefa não parava aí, tinha ainda nomes de outros prováveis sujeitos, que

trabalharam, tanto no Liceu Cuiabano quanto no Barão de Melgaço. Em uma visita no

arquivo público encontrei um certo pesquisador que foi aluno da segunda escola mencionada

e me passou informações da professora Marlúcia. Ao entrar em contato com ela, indicou-me

também as professoras Marly e Vânia. Marly sugeriu uma entrevista coletiva, expliquei que

para o momento seria melhor individual e que, posteriormente, poderíamos seguir a sua

sugestão. Localizei a professora Vânia e ela foi a primeira a disponibilizar dia e horário pra

podermos conversar.

Ansiosa pela entrevista, marinheira de primeira viagem, compareci em dia e hora

marcados pela professora. Fui recebida e convidada a adentrar-me na sala. A professora quis

saber como tinha conseguido encontrá-la, expliquei e senti uma certa resistência no ar. Pediu

licença para se retirar do local por uns instantes e quando retornou apareceu com a simbologia

maior da resistência de abrir a sua historicidade profissional: entrou com os outros dois

sujeitos, a professora Marlúcia e Marly. De imediato não sabia o que fazer. Sugeriram que eu

economizasse o meu tempo fazendo a entrevista com as três de uma só vez. Fui pega de

surpresa... os sujeitos fizeram um complô contra a pesquisadora. Não me permitiram gravar a

conversa. Aceitei a condição e deixei rolar a conversa, fui percebendo que aos poucos

começavam a gostar da idéia e as gargalhadas surgiam em torno das memórias... boas

conversas, boas histórias. No entanto, não tive a habilidade de registrar todas aquelas belas

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histórias. Propus uma nova entrevista separadamente e, para minha surpresa, aceitaram de

imediato.

Esses três sujeitos deram trabalho, mas, sem dúvida, trouxeram-me muitas alegrias.

Com elas pude recuperar histórias, risos e muito material para a pesquisa. Sem dúvida são

pessoas que estarão sempre em minha lembrança; pessoas amigas, carinhosas e colaboradoras

da própria pesquisa como simbologia da dor e da alegria do processo de construção do

conhecimento.

O professor Ademar e a professora Ivonete estavam sempre abertos para contribuir.

Pessoas acolhedoras, seguras daquilo que realizam. Ivonete não aceitou que a nossa conversa

fosse gravada. Disse-me que ela é muito mais do registro escrito do que do registro da

oralidade e pediu que eu deixasse as perguntas que responderia por escrito. Não sabe ela que

duplamente contribuiu para o desenvolvimento desta pesquisa: com a sua memória e

diminuindo o meu trabalho, uma vez que não precisei transcrever sua entrevista.

Sem dúvida, esse trabalho trouxe à tona informações preciosas do cenário do livro

didático de língua portuguesa em Mato Grosso e da sua influência na prática pedagógica dos

professores-sujeitos. Por meio das histórias narradas foi possível compreender aspectos da

prática docente dos professores como também da história em curso do livro de português e da

prática dos professores que ora são atores e autores do cenário educacional.

1.1.3 Características dos sujeitos da pesquisa.

A professora Neide nasceu em 25 de outubro de 1941. Sempre foi aluna de escola

pública, cursou o Ginásio e o Normal na escola Liceu Cuiabano. Cursou Letras

português/Francês, na segunda turma do curso, na Universidade Federal de Mato Grosso.

Iniciou o trabalho do magistério em 1959 como professora primária a partir de 1964 começou

a lecionar a disciplina língua portuguesa, na escola Liceu Cuiabano. Foi professora, também,

no curso de graduação de letras, na UFMT. É mestre em Letras e, atualmente, está aposentada

tanto da rede Estadual quanto da Federal,pela UFMT. Trabalhou 35 anos com a disciplina

língua portuguesa.

A professora Marlúcia cuiabana, nascida em 15 de junho de 1944. Estudou na escola

Ginásio Brasil, e, posteriormente na Universidade Federal de Mato Grosso, cursando Letras

(Português/Inglês), na primeira turma do curso. Iniciou seu trabalho docente em 1971, com a

disciplina língua inglesa e, mais tarde assumiu a cadeira de língua portuguesa, permanecendo

até o final da sua carreira, correspondendo a um período de 18 anos de experiência com a

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língua materna. Especialista em Metodologia de Ensino, a professora exerceu suas funções

docentes na centenária escola Liceu Cuiabano.

A professora Marly nasceu em 16 de janeiro de 1945, em Cuiabá, Mato Grosso. Nas

suas histórias relembra que foi aluna do professor Cesário Neto, na escola Ginásio Brasil, na

capital mato-grossense e guarda como lembrança um livro de textos selecionados, organizado

pelo seu estimado professor mencionado acima. Cursou o Normal e depois Letras

Português/Francês, na Universidade Federal de Mato Grosso. Em 1969 concluiu sua

graduação, também junto com suas colegas, inaugurou o referido curso na UFMT. É

especialista em Metodologia de Ensino e iniciou sua carreira docente, em 1970, nas escolas

Liceu Cuiabano e Barão de Melgaço, mas foi na última que encerrou sua carreira. A

professora Marly é uma apaixonada pela língua materna, fato que a impulsionou a trabalhar

por 26 anos com a disciplina, nas escolas estaduais de Mato Grosso.

A professora Vânia nasceu em 04 de janeiro de 1947, em Cuiabá, Mato Grosso.

Estudou, inclusive o Normal, no colégio Coração de Jesus, escola que, posteriormente, abriu

as portas para a sua primeira experiência docente como professora primária. Fez Letras

Português/Francês, inaugurando o curso na Universidade Federal de Mato Grosso. É

especialista em Metodologia de Ensino. Grande parte da sua prática docente está registrada no

colégio Liceu Cuiabano.

A professora Ivonete nasceu em 20 de dezembro de 1967, no estado do Pará, local

onde fez seu percurso estudantil até o curso de magistério. Em 1985, mudou-se para Cuiabá.

Concluiu sua graduação em Letras Português/Francês, em 1996, pela Universidade Federal de

Mato de Grosso. Sua experiência docente teve início em 1986 como professora

alfabetizadora. Atualmente é professora concursada da rede estadual de ensino e está lotada

na escola Presidente Médici. A professora Ivonete é especialista em Metodologia da Língua

Portuguesa e há seis anos trabalha com a disciplina língua portuguesa.

O professor Ademar nasceu em 30 de setembro, de 1968. Cursou Letras

Português/Literatura pela Universidade Federal de Mato Grosso, instituição na qual veio

também a se especializar na área de linguagem: Língua Portuguesa e Literatura. O professor

relata que a priori, Letras não era o curso dos seus sonhos, no entanto, foi conquistado pelos

professores e a paixão pelo curso foi inevitável. Em 2000, Ademar ingressou-se na rede

estadual de ensino, via concurso público, ano que iniciou sua experiência docente com a

língua portuguesa. Quando foi convidado a participar desta entrevista trabalhava na escola

Barão de Melgaço, mas atualmente é professor formador na área de Literatura no CEFAPRO

(Centro de Formação e Atualização dos Professores de Mato Grosso).

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1.1.4 As escolas: história e tradição no cenário educacional mato-grossense.

Esta pesquisa contou com a colaboração de professores que trabalharam ou trabalham

em três grandes escolas estaduais da capital do estado. Mencionada anteriormente, a

investigação sofreu reorganização em função da escassez de dados oficiais que referenciam o

objeto de estudo desta pesquisa: o livro didático de língua portuguesa. Três escolas estaduais,

da capital mato-grossense, foram delimitadas para o estudo, são elas: Barão de Melgaço,

Liceu Cuiabano e Presidente Médici.

Essas escolas não foram escolhidas de maneira aleatória. São três escolas antigas, de

grande representatividade no contexto educacional de Cuiabá, como também do estado,

provavelmente, em algum presente histórico, devem ter contribuído para a formação de

jovens estudantes, filhos desta terra. Essas três escolas contribuíram também para a formação

de alfabetizadores, através dos antigos cursos Normal e Magistério, em Mato Grosso.

1.1.4.1 Escola Estadual Liceu Cuiabano

A Escola Estadual Liceu Cuiabano apresenta um elevado destaque na educação mato-

grossense, já que serviu de base e apoio educacional para inúmeros cidadãos desta Terra. Em

07 de março de 1880, o Liceu Cuiabano foi instalado na Praça Ipiranga, sem sede própria,

onde hoje funciona o Ganha Tempo. A referida escola sediou o primeiro estabelecimento de

ensino secundário de Mato Grosso, com suas instalações no Seminário da Conceição. Como a

escola ainda não tinha sede própria, outros prédios, da capital, abrigaram-na por um

determinado tempo, em épocas distintas: A Diretoria Geral da Instrução Pública; O Palácio

da Instrução; até que em 1944, um imponente prédio construído na rua Presidente Marques

recebeu o majestoso Liceu Cuiabano.

As denominações recebidas no transcorrer dos anos fazem parte da trajetória histórica

da escola; inicialmente, Liceu Cuiabano, desde o ato da sua inauguração, no entanto, sob a

intervenção de Júlio Muller, uma segunda denominação foi lhe concedida, Colégio Cuiabano,

posteriormente, Colégio Estadual; em 1979, retoma o seu nome de origem, o famoso Liceu

Cuiabano.

Essa centenária escola, sem dúvida alguma, tem uma grande representatividade para a

educação mato-grossense.

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1.1.4.2 Escola Estadual Barão de Melgaço.

A escola foi criada pelo decreto Lei nº 250, de 20 de agosto, de 1910. Sua primeira

sede esteve localizada na Praça da República, nº 41, prédio pertencente à antiga DREC

(Delegacia Regional de Educação e Cultura). Assim como o Liceu Cuiabano, a escola não

tinha prédio próprio e ficou itinerante por um período, passando pelo prédio da praça

Ipiranga, atual Ganha Tempo; na Praça da República teve dois endereços distintos: na antiga

DREC (Delegacia Regional de Educação e Cultura) e no Palácio da Instrução.

No período em que estivera no Palácio da Instrução, conviviam paralelamente três

distintas escolas de Cuiabá: a já mencionada, Liceu Cuiabano, a escola Normal Pedro

Celestino, que formava as normalistas, e a Escola Modelo Barão de Melgaço. Em 1996,

recebe definitivamente a posse do imóvel para funcionamento da atual Escola Barão de

Melgaço, situado na rua Dom Aquino, nº 18 e 20, no centro da capital mato-grossense.

A escola foi berço de inúmeras discussões teóricas da educação do estado, em

especial, no que tange à alfabetização. Parte da história da leitura e da escrita se concretizou

nessa unidade escolar, assim, ela se construiu, majestosamente, na trajetória da educação de

Mato Grosso. Portanto, suas contribuições históricas são inestimáveis para a investigação do

objeto dessa pesquisa.

1.1.4.3 Escola Estadual Presidente Médici

A Escola Estadual Presidente Médici é uma adolescente, se a compararmos com as

outras duas que fazem parte do cenário desta investigação. No entanto, sua meninice não

fragiliza a sua história na educação de Mato Grosso.

A referida unidade escolar, diferentemente do Liceu e do Barão de Melgaço, desde o

início da sua inauguração, no segundo semestre de 1975, já possuía prédio próprio. Apenas

uma pequena alteração de endereço em função da fachada da escola; inicialmente, o acesso

principal a ela era localizado na rua Desembargador Olegário Moreira de Barros, no bairro

Araés, S/N, e, atualmente, a frente dela está na rua Mato Grosso, s/n, no bairro Araés.

A Presidente Médici abrigou, no início do seu funcionamento, documentação de

quatro escolas extintas da capital: Escolas Integradas; Escola Normal Pedro Celestino e

Escola de Enfermagem Mário Corrêa da Costa; nesse mesmo período recebeu alunos e

documentação, também, da escola Nossa Senhora de Fátima. Em 1975, funcionava também,

no último piso da unidade, a escola de supletivo Emília de Figueiredo, a qual se mudou para

outras dependências em 1993.

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Atualmente, a escola Estadual Presidente Médici atende, aproximadamente, 4488

alunos e conta com o apoio de 250 funcionários efetivos, além dos contratados. Mediante o

quadro exposto, não tem como negar sua tamanha expressividade e contribuição na história da

educação de Mato Grosso. Uma jovem escola, com grandes histórias, não poderia se ausentar

de uma investigação que traz contribuições para a história do livro didático de língua

portuguesa no Mato Grosso.

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2. UM BREVE OLHAR NO CONTEXTO HISTÓRICO DA DISCIPLI NA LÍNGUA

PORTUGUESA

O livro se caracteriza por si só em um objeto histórico-cultural-social-educativo e

didático, fato que amplia o interesse por esse campo de estudo, viabilizando múltiplos olhares

dentro de um campo multifacetado. O pesquisador, ao tomar o livro como objeto de estudo,

em especial o didático, deve ter a clareza de que o livro, assim como a escola, está inserido

em um contexto político e social e, por isso, não há como distanciá-lo das ideologias

impressas por um determinado espaço-tempo em que foi escrito. Desta forma, pode-se

investigá-lo, também, no seu aspecto de produto, ou seja, um produto que é resultado da

conjunção de um repertório de normas, disposições e determinações culturais.

Acredito, assim, que um estudo direcionado para o Livro Didático de Português deve,

em primeiro lugar, perpassar por um contexto histórico-social-cultural dessa disciplina, no

Brasil, não com o objetivo de enveredar por uma discussão da história das disciplinas

escolares, mesmo porque este campo de estudo foge do delineado objeto desta dissertação,

mas achei pertinente abordar, ainda que rapidamente, com o objetivo de compreender os

caminhos percorridos pela língua materna até que esta fosse instituída como disciplina dentro

do currículo escolar brasileiro. Certamente esta história influenciou na construção e nas

modificações ocorridas no livro didático de língua portuguesa, isto porque, os estudos

relacionados ao livro evidenciam que ele carrega marcas do seu tempo, da sociedade em que

está inserido, procurando, dessa forma, atender a idéias, conceitos e práticas daquele período.

Assim, “[...] não há produção cultural que não empregue materiais impostos pela tradição,

pela autoridade ou pelo mercado e que não esteja submetida às vigilâncias e às censuras de

quem tem poder sobre as palavras e os gestos” (CHARTIER, 1990, p. 137).

Sabe-se que a constituição do objeto livro é o resultado de um complexo de elementos

materiais- tinta, papel, letra e imagens -, mas, sobretudo, é resultante da ação sofrida por um

complexo de relações de poder da realidade sócio-histórica. Conhecer essas relações de poder

que constituíram o percurso da disciplina, no transcorrer dos anos, ainda que de maneira

sucinta, contribuirá para a tessitura desse cenário constituído por movimentos de contradição.

Para compreender esse movimento contraditório, opaco para os nossos dias,

retornaremos a um presente histórico da constituição da disciplina de língua portuguesa13. Ao

13 Como mencionado anteriormente no corpo do texto, não se trata aqui de se realizar um estudo extensivo sobre a discussão da história das disciplinas, nem especificamente a de língua portuguesa, tarefa que vem sendo realizada com muita propriedade pela competente Professora Magda Becker Soares, em: “Português na escola: história de uma disciplina escolar”. In: Lingüística da norma. BAGNO, Marcos, 2002. Trata-se de contextualizar

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se realizar uma sucinta retrospectiva desse passado, verifica-se que a disciplina em questão só

foi incluída no currículo da escola brasileira, nas últimas décadas do século XIX, já no fim do

império. Há de se convir que tal inclusão aconteceu tardiamente, mas veremos os motivos e

as conseqüências desse tímido processo.

Nos primeiros tempos do nosso país, no Brasil Colônia, três línguas conviviam

paralelamente naquele presente histórico, a língua portuguesa era a oficial, mas não era a

prevalente entre os falantes da Colônia. Tinha, como língua falada, para Houaiss “caráter de

insularidade nos centros urbanos emergentes” (Apud Soares, 2002). Para Soares (2002) além

do português trazido pelo colonizador, codificou-se aqui uma língua geral que recobria as

línguas indígenas faladas no território brasileiro. Como a maioria provinha do tupi, viabilizou-

se a condensação de uma língua comum. Havia, ainda uma terceira concorrente, o latim; nesta

língua se fundava e fundamentava todo o ensino secundário e superior efetivado, naquele

período, pelos jesuítas. No entanto, para efetivar a comunicação cotidiana, no convívio social,

para a evangelização, para catequizar, o que prevalecia era a língua geral.

A língua geral era a utilizada cotidianamente. Os jesuítas evangelizavam, escreviam

peças teatrais, nomeavam a fauna e a flora, enfim era a base da comunicação diária, as

crianças tanto filhos dos colonizadores quanto dos índios tiveram-na, quase sempre, como sua

primeira língua. A língua portuguesa era utilizada na escola, não como matéria curricular,

mas apenas para alfabetizar as crianças; vale lembrar: aos poucos privilegiados que se

escolarizavam. Aprendia-se, na escola, apenas a ler e a escrever em português, isso porque da

alfabetização passava-se ao latim. O programa de estudos da Companhia de Jesus era

compreendido pelo estudo da gramática da língua latina e pela retórica, tanto no ensino

secundário quanto no ensino superior, aprendida sempre nos autores latinos.

Desde o início do século XVI até a primeira metade do século XVIII, a língua

portuguesa não tinha lugar no currículo da escola brasileira. O demérito da língua portuguesa,

como disciplina escolar, se deu em função de a escola estar a serviço da classe dominante, ou

seja, os poucos que se escolarizavam, naquele período, pertenciam às camadas de prestígio, e

que por sinal, tinham como princípio perpetuar o modelo educacional da época, o qual se

fundamentava na aprendizagem do latim e através do latim. Ainda, como mencionado

anteriormente, a língua portuguesa não era a mais usual no intercâmbio social, dispensando

interesse em instituí-la como disciplina escolar. Em última instância, e, mesmo em função dos

a disciplina de língua portuguesa para, posteriormente, compreender os movimentos de constituição do livro didático de língua portuguesa.

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dois aspectos anteriores, naquele presente histórico, a língua portuguesa não tinha estrutura

interna nem condições externas de gerar uma disciplina curricular. Soares argumenta que:

Embora a primeira gramática da língua portuguesa tenha sido publicada já em 1536 (a Gramática de Fernão de Oliveira), e várias gramáticas e ortografias tenham sido produzidas no correr do século XVII, o português ainda não se constituíra em área de conhecimento em condições de gerar uma disciplina curricular. Ou seja: não havia nem condições internas ao próprio conteúdo - que ainda não configurara como área de conhecimento, a que faltava uma tradição como área de estudos – nem condições externas a ele – seu uso apenas secundário no intercurso verbal, a precariedade de seu estatuto escrito, na incipiente sociedade brasileira, enfim, seu pouco valor como bem cultural – para que o português adquirisse estatuto de disciplina curricular (SOARES, 2002, p. 159).

Esse cenário da língua portuguesa só começou a se alterar, na Colônia, nos anos 50 do

século XVIII, em função das reformas que o Marquês de Pombal implantou no ensino de

Portugal e suas colônias. Com a reforma denominada pombalina, tornou-se obrigatório o uso

da língua portuguesa no Brasil, proibindo, assim, o uso de qualquer outra língua. Naquele

período, bem como para o transcorrer dos anos, a referida lei, contribuiu para que a língua

portuguesa se sustentasse como língua de uma nacionalidade, fato este que não se pode negar,

e aos poucos foi conquistando seu espaço e lugar no contexto da escola brasileira.

Até meados do século XVIII, antes da reforma do ensino em Portugal, os jesuítas

dominam o ensino no Brasil – Colônia, e o currículo baseava-se no ensino da língua latina e

na retórica. Em 1746, Luiz Antônio Verney14, publicou seu livro O Verdadeiro Método de

Estudar, mesmo com o domínio dos jesuítas, que chegou como uma outra vertente para se

direcionar o ensino. Ele propunha que além da alfabetização em português, deveria se instituir

o estudo da gramática da língua portuguesa precedida da gramática latina, porém propunha

que a latina deveria sempre ser ensinada em contraponto com a da língua portuguesa.

A reforma pombalina seguiu aqui as sugestões de Verney. A partir de então, além do

processo de alfabetização em português, ganhou espaço e lugar na escola brasileira a

gramática portuguesa, ainda que em pequenas proporções, pois veremos posteriormente que,

aos poucos, ela foi se sustentando de forma mais imponente no currículo da nossa escola.

Nesse período, ela passa a fazer parte do programa curricular das escolas. Transpondo para a

nossa terminologia atual, assumiu-se como componente curricular ao lado da gramática da

língua latina, esta ainda com uma proporção maior de destaque. Ao se tratar de estudo da

14 Esta informação, bem como as informações a respeito da reforma pombalina foram buscadas em Soares (2002: 157 – 174).

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língua, depois da reforma pombalina em 1759, até fins do século XIX, esta centrava-se nos

conteúdos de gramática e retórica, as regras do bem falar, ler e escrever. Esta última oferecia

exemplos dos principais escritores, oradores, poetas, antigos e modernos, destacando-se,

dentre eles, gregos, latinos e portugueses.

A gramática portuguesa, inicialmente, era compreendida como que um instrumento

para aprender a gramática latina, uma vez que até esse momento lia-se e escrevia-se em latim.

Mas, aos poucos, ela foi assumindo sua autonomia, na proporção em que o latim foi perdendo

seu prestígio social e caindo em desuso, abrindo espaços, caminhos para a instituição do

português como um objeto de estudo, como sistema – língua – constituindo-se em uma área

de conhecimento.

Vale lembrar que nesse processo, até o final da década de 1860, o latim era a

disciplina com a maior carga horária no ensino secundário, pois nesse período, o domínio do

latim era tido como pré-requisito para se participar de uma classe superior, que tinha interesse

na direção da cultura estatal e oficial. Acreditava-se, então, que os estudos dos textos clássicos

poderiam oferecer à elite as normas e os modelos de ações desejáveis e perspectivas nobres. A

partir de 1870, no Colégio Pedro II, o qual, durante décadas, foi modelo e padrão para o

ensino secundário no Brasil, o português foi incluso em seus exames preparatórios, fato que

direcionou o aumento da carga horária dessa disciplina, o que, provavelmente viabilizou a

diminuição do espaço/tempo do latim em seu currículo. Em 1899, o latim já tinha a sua carga

horária um quinto menor que a do primeiro Regulamento desse colégio, de 1838.

Nesse contexto, o latim sobrevive como disciplina obrigatória, na escola brasileira, até

1960. Em 1961, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional brasileira, nº.

4024/61, transforma-o em disciplina complementar, já consolidando os sinais de perda de uso

e de valor social. No entanto, ele só desaparece definitivamente do currículo da escola

secundária com a Lei 5692/71, de 11 de agosto de 1971.

Estudos dos Programas de Ensino do Colégio Pedro II apontam que por muitos anos

privilegiou-se o ensino clássico, mas demonstram também que aos poucos, sobretudo, a partir

de 1870, desponta o ensino de língua portuguesa e, conseqüentemente, da literatura brasileira,

esta que por muitos anos foi considerada o clássico pobre, uma vez que tinha como

concorrentes às literaturas clássicas e modernas européias diante de uma elite que valorizava o

ensino clássico.

Em 1886, aparece uma alteração com relação aos exames preparatórios, o Decreto nº

9647, de 2 de outubro desse ano, determina que o exame de português deve preceder a

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qualquer outro exame. Dessa forma fica evidente que a língua portuguesa alcança

definitivamente seu lugar de destaque no currículo da escola secundária, no Brasil.

Até o final do Império a retórica, a poética e a gramática eram as disciplinas com as

quais se teciam o ensino da língua portuguesa, depois elas se fundiram em uma única, a qual

passou a chamar-se Português. Resumidamente, pode-se dizer, que até os anos 40 do século

XX predominava no ensino da língua materna a perspectiva da gramática da língua, a retórica

e a poética, prática esta que não parecia inadequada, uma vez que a escola existia

predominantemente para atender a burguesia e esta pretendia apenas que se perpetuasse seu

prestígio e também o modelo tradicional de ensino, já que este atendia às necessidades da

classe burguesa. Assim, continuava a ser útil aquela aprendizagem realizando apenas alguns

pequenos ajustes dentro das exigências culturais que foram se transpondo às camadas

favorecidas da sociedade.

Assim:

Na disciplina português, nesse período, continuou-se a estudar gramática da língua portuguesa, e continuou-se a analisar textos de autores consagrados, ou seja: persistiu, na verdade, a disciplina gramática, para a aprendizagem sobre o sistema da língua, e persistiram a retórica e a poética, estas sim, sob nova roupagem: à medida que a oratória foi perdendo seu lugar de destaque tanto no contexto eclesiástico quanto no contexto social, a retórica e a poética foram assumindo o caráter de estudos estilísticos, tal como hoje os conhecemos, e foram-se afastando dos preceitos sobre o falar bem, que já não era uma exigência social, para substituí-los por preceitos sobre o escrever bem, já então exigência social (SOARES, 2002, p. 165).

À medida que a língua portuguesa foi constituindo-se dentro de um espaço/tempo no

contexto social, ou seja, quando ela começou a adquirir seu valor social e os falantes

começaram a empregá-la em situações cotidianas, em situações de uso social, ela começou a

ter condições internas e externas15 para que se adquirisse o estatuto de disciplina escolar.

Quando ela se posicionou como valor e bem cultural da nacionalidade, já tinha condições de

ser estruturada em relação ao próprio conteúdo, como área de conhecimento, pois a partir de

então ela já não tinha o caráter de língua secundária; seu intercurso verbal e escrito passou a

15 Os fatores internos dizem respeito às próprias condições de trabalho na área, transpondo para o ensino da língua portuguesa, estariam ligados aos estágios de desenvolvimento dos conhecimentos à respeito da língua, sobre o processo de ensino dela. Estariam ligados aos fatores internos às concepções de ensino, de aluno, de professores e as próprias concepções da língua que se tem, enfim seriam aspectos ligados diretamente à área do conhecimento. Já os aspectos externos estariam ligados aos fatores que determinam a estrutura de funcionamento da escola e do ensino, seriam estes: a própria política educacional definida naquele momento histórico, o contexto sócio-econômico-político em que se está inserida a escola e o ensino, no caso, da língua. Mais informações sobre o assunto ver SANTOS (1990).

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ser dominante, já então, aquela nacionalidade passou a sentir a necessidade de conhecê-la

melhor, de estruturá-la. As exigências sociais de usos, as próprias condições de trabalho, os

contextos sociais, econômicos e culturais são fatores que aos poucos foram interferindo na

constituição do saber histórico da língua materna, em cada presente histórico, e que,

conseqüentemente, tiveram a função de interferir, empregando uma linguagem bem mais

próxima das do dias de hoje, no processo de ensinar e de aprender a língua materna.

Nesse momento histórico, apesar de se ter nomeada a disciplina português,

caminhavam juntas o estudo sobre o sistema da língua, a gramática, e a retórica e a poética.

Nesse período, apareciam nas escolas dois manuais, as gramáticas e as seletas, que seriam as

coletâneas de textos. Segundo Soares (2002), numerosas foram as gramáticas produzidas para

uso escolar dentre elas: Gramáticas expositivas de Eduardo Carlos Pereira, publicada em

1907 (esta era composta de uma edição para o curso elementar e outra para o curso superior);

nos anos 40 temos a presença da O idioma nacional – Gramática para o Ginásio, e O idioma

nacional – Gramática para o colégio, de Antenor Nascentes e, outra, de Francisco da Silveira

Bueno a Gramática normativa da língua portuguesa, todas datadas de 1944; em 1955, o

Português prático, de José Marques da Cruz e com 90.000 exemplares impressos, até início

dos anos 60, a Gramática metódica da língua portuguesa, de Napoleão Mendes de Almeida.

Vale ressaltar que outros títulos foram publicados nesse período destacado, no entanto, estas

foram as que tiveram circulação e uso mais intenso e duradouro.

Os manuais didáticos utilizados para as aulas de português eram as antologias, os

compêndios de textos, geralmente associados a uma gramática. Inicialmente, todos o livros

didáticos vinham de Portugal, os quais eram utilizados por todo o Brasil durante o século XIX

e as primeiras décadas do século XX. Com relação às seletas, até o início do século XX,

realmente eram seleções de textos que apresentavam apenas trechos de autores consagrados,

não apresentavam nenhum tipo de comentário, nem a respeito dos autores ou a respeito dos

textos. Inicialmente, os autores brasileiros não tinham espaços reservados nessas publicações.

A Seleta Nacional, de Caldas Aulete, professor do Liceu Nacional de Lisboa, livro

que aparece indicado para as aulas de português, nos Programas de Ensino do Colégio Pedro

II, incluía autores não só portugueses, como também reservava espaço para autores

brasileiros, apesar de se chamar “Nacional”. A Antologia Nacional, de Fausto Barreto e de

Carlos de Laet, foi outro manual de seleta que, gradativamente, incluiu os escritores

brasileiros ao lado dos portugueses, estes últimos em número consideravelmente maior, em

razão de não considerarem diferenças entre as literaturas portuguesa e brasileira, salvo na fase

contemporânea. Aos poucos os escritores brasileiros foram ganhando mais espaço na tão

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editada e utilizada Antologia Nacional, a cada edição crescia o número de escritores

brasileiros, enquanto decresciam os portugueses. Vale ressaltar que essa seleta foi largamente

utilizada nas escolas brasileiras. Seu uso perdurou por 74 anos no ensino de Português,

constando de 43 edições16, no transcorrer de suas edições poucas coisas foram se alterando no

que tange à sua estrutura, inclusive em relação aos autores e textos incluídos ou excluídos. Em

sua última edição, em 1969, constava, na Antologia um número bem maior de escritores

brasileiros do que portugueses: 68 brasileiros e 57 portugueses, fato que revela em sua

constituição uma característica bem mais nacional do que antes, no sentido de ser mais

brasileira. Evidencia, também, uma grande representatividade da nacionalização da leitura

escolar, progressivamente a literatura brasileira foi se sustentando como conhecimento e

garantindo seu espaço no cotidiano do leitor e da escola, sinalizando a exclusão da literatura

portuguesa como disciplina escolar, bem como a da dos autores portugueses nos livros

didáticos para o ensino de Português, nos anos 70.

Para SOARES (2001 e 2002) o fato de nas Antologias não aparecerem nenhum tipo de

referência explicativa aos professores, ou seja, de não constar de nenhuma nota de explicação

aos mestres ou, até mesmo, de não constar de nenhum tipo de exercício, nenhum questionário

no tocante aos textos ali selecionados, podem estar carregados de representatividade no que

diz respeito à concepção de professor daquele presente histórico. Nesse sentido, evidencia que

para aquela época se concebia que o professor de português era aquele que bastava ter o

manual em suas mãos e que daria conta do seu recado, ou seja, bastaria ter em suas mãos os

textos e que conseguiria explorá-los, daria conta de questioná-los, comentá-los, discuti-los

com seus alunos, ele, também, daria conta de propor questões para realizar o trabalho com os

alunos a partir daqueles textos sugeridos. Nesse sentido,

A Antologia nunca apresentou exercícios ou sugeriu atividades, quer de literatura quer de língua. Isso evidencia que, na sala de aula, o trabalho de leitura e estudo dos textos ou, através deles, o estudo da língua, era confiado ao professor: o livro dependia dele que, na concepção dos autores, seria um leitor capaz da analisar os textos tanto do ponto de vista da literatura quanto da língua, e em condições de utilizá-los didaticamente, para formar bons leitores. Na ausência de exercícios, de atividades, a Antologia deixava a forma de sua utilização nas mãos do professor,

16 Magda Soares, em “O livro didático como fonte para a história da leitura e da formação do professor-leitor”, in: Ler e navegar: espaços e percursos da leitura, faz um estudo da concepção do professor-leitor ao longo dos anos, através de uma análise dos livros didáticos. Analisa dois livros utilizados em períodos distintos: a Antologia Nacional, de Fausto Barreto e Carlos de Laet e o Estudo dirigido de Português,de Reinaldo Mathias Ferreira. Nesse texto, a autora relata as edições pelas quais a Antologia Nacional foi submetida e tece comentários de como aconteceu esse movimento de inclusão e exclusão dos autores brasileiros e portugueses, no transcorrer das reformulações, revelando a ascensão da literatura brasileira.

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autônomo para planejar e executar suas aulas de Português, tendo a coletânea de textos apenas como um material didático facilitador de sua ação (SOARES, 2001, p. 54-55).

Vale ressaltar, no entanto, que estamos nos referindo a uma época em que não se

falava em professor habilitado na área específica. Mesmo porque nesse período não se falava

em instituição de formação de professores, elas só vieram a se constituir nos anos 30, quando

se criam as faculdades de filosofia, as quais se firmam com o propósito de formar professores.

Normalmente, era professor de língua materna, quase sempre, aquele estudioso da língua e de

sua literatura e que também dividia o seu tempo com o ofício de ensinar.

Outro fato que contribuiu para o relevo do ensino de Língua Portuguesa, no interior

das escolas, foi a Reforma do Ensino Secundário, implementada pelo ministro Francisco

Campos, explicitada no Decreto nº 19.890 de 18 de abril de 1931 e Decreto nº 21.241 de 4 de

abril de 1932, o qual separou esse curso em dois ciclos. Um era o Fundamental, indispensável

para o ingresso em qualquer escola superior e contemplava um período de 5 anos, e o outro

ciclo era o chamado Complementar, subdividido em três sessões, destinado aos candidatos ao

curso de Jurídico, aos cursos de Medicina, Farmácia e Odontologia e para os dos cursos de

Engenharia, Arquitetura e Química Industrial17.

A principal alteração foi o fato de que qualquer candidato ao curso superior deveria ter

passado pelo curso Secundário Fundamental. Essa exigência deu estabilidade ao curso, bem

como a suas disciplinas, que era composto por um terço de línguas, um terço de matemática e

ciências e um terço dividido entre história e geografia, desenho e música. PEREIRA (2005)

afirma que o Programa de Português, expedido pelo Ministério de Educação e Saúde, em 30

de junho de 1931, privilegiava a leitura dos bons escritores como ponto de partida de todo o

ensino. Entendia-se que leitura era apenas a de textos clássicos e permanecia a concepção de

que a leitura de bons textos formaria bons produtores de textos.

Uma série de reformas contribuiu para o ensino de língua portuguesa ir se firmando no

transcorrer dos anos. A reforma Capanema, por meio do Decreto nº 4.244, assinado pelo

ministro Gustavo Capanema, assinalou a ascensão definitiva do ensino de português no Curso

Secundário. Assim, o ensino de Língua Portuguesa é estendido, tornando-se obrigatório em

todas as séries do Ensino Fundamental, com a mesma intensificação para todos os alunos.

Neste momento, percebe-se que acentuou-se a gramática expositiva ou normativa,

17 Mais informações sobre a Reforma do Ensino Secundário ver: PEREIRA (2005), dissertação de mestrado, pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul: A disciplina língua portuguesa nos trilhos da lei, na prática dos livros didáticos e na memória de alunos e professores em Campo Grande (1960 – 1980).

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principalmente no que concerne à morfologia e na sintaxe. A Portaria Ministerial nº 172, de

15 de julho de 1942, direciona o ensino de língua portuguesa, através de instrução

metodológica, convergindo para o seguinte direcionamento:

a) proporcionar ao estudante a aquisição efetiva da Língua Portuguesa da maneira que ele possa exprimir-se corretamente; b) comunicar-lhe o gosto pela leitura dos bons escritores; c) ministrar-lhe apreciável parte do cabedal indispensável à formação de seu espírito; d) mostrar-lhe a origem romântica da nossa língua, portanto a nossa integração ocidental, o que o ajudará a entender melhor o papel do Brasil na comunhão americana e fora dela (FERREIRA, 2005, p. 69 e 70).

Percebe-se, também, que aos poucos a Literatura estudada nas escolas foi se tornando

cada vez mais brasileira, conforme já enfatizada anteriormente com o processo de ascensão

dos autores brasileiros nas publicações da Antologia Nacional e declínio dos autores

estrangeiros.

A partir dos anos de 1950, o contexto político, social, econômico e cultural passa por

progressivas transformações. Essas transformações influenciaram diretamente no contexto da

escola, como Santos (1990) nos informa; os fatores externos também interferem diretamente

no desenvolvimento de uma disciplina, na composição curricular. Em razão disso exigiu-se

uma reformulação da própria função, como também dos objetivos da instituição para atender

a uma nova necessidade emergente. Nesse período, a disciplina língua portuguesa passa a ser

redimensionada, ocorrendo, então, uma real modificação no conteúdo dessa disciplina.

Nesse contexto, temos a democratização do ensino, que veio em conseqüência da

reivindicação e da conquista das camadas populares, que, embora tenha se iniciado nas

décadas anteriores, intensificou-se a partir dos anos sessenta. Mediante este contexto, vai

aflorando uma nova problemática não vivida pela escola em períodos anteriores a esta. Com a

democratização do ensino, passam a freqüentar a escola os filhos dos trabalhadores, os filhos

da classe popular, que até então não tinham este direito. Até então, com relação ao ensino da

língua materna, só se tinha a preocupação do ensino na perspectiva gramatical, como já

abordado anteriormente.

Esse procedimento não parecia inadequado, mesmo porque a escola estava a serviço

da classe dominante. A clientela era falante do dialeto de prestígio social, a chamada norma

padrão culta, Soares (1991). Esta esperava do período de escolarização além da alfabetização,

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o conhecimento ou o reconhecimento das normas e regras para o funcionamento desta

variedade de prestígio. Inicia-se a permear, nesse contexto, outras variedades que a escola não

estava acostumada a trabalhar. Além desse processo, nesse período, o número de alunos no

ensino médio triplicou e no ensino primário duplicou.

Com a multiplicação do alunado surgiu a emergência de contratação de professores de

forma mais ampla e, conseqüentemente, menos seletiva. Ampliou-se também o número das

agências formadoras de professores. Estes já eram filhos das recém criadas faculdades de

filosofia. Recebiam além da formação de conteúdos de língua e de literatura, os de pedagogia

e de didática. Percebe-se que as exigências da sociedade são bem distintas das dos anos

anteriores.

Esse cenário conduz a determinação de novas tendências para o ensino de língua

portuguesa no país. Nesse momento, segundo SOARES (2001), é que a gramática (estudo

sobre a língua) e texto (estudo da língua) começam a constituir uma unidade de sentido, ou

seja, começam a constituir uma disciplina com conteúdo realmente articulado. Iniciam-se nos

anos de 1950 e 1960, os estudos da gramática a partir do texto, ou ainda, estuda-se o texto por

meio dos instrumentos que a gramática oferece. Parte-se da necessidade que em determinados

momentos é na gramática que se buscam subsídios, elementos para a compreensão do texto, e,

em outros, é no texto que se busca apoio das estruturas lingüísticas para a aprendizagem da

gramática.

A partir, também, dos anos de 1950 os livros de língua portuguesa, como também os

de outras disciplinas, começaram a apresentar cada vez mais explicitamente uma metodologia

de ensino, traduzida em orientações aos professores. Passam a incluir na estrutura do livro

atividades de vocabulário, de interpretação, de redação, de gramática. Inicia-se uma inversão

de papéis: do professor que antes era o responsável pelo planejamento, pela proposição das

atividades a serem desenvolvidas em sala para o autor do livro didático. O autor, então, passa

a assumir a responsabilidade dele próprio formular exercícios e o professor, por sua vez, já

espera essa estrutura do livro. Vale ressaltar que essa inversão de responsabilidades se deu em

virtude da expansão do ensino. Com o aumento de vagas, houve um recrutamento mais

amplo, por outro lado, menos seletivo, como dito anteriormente, desencadeou uma

depreciação da categoria: baixos salários associados às precárias condições de trabalho. Tal

processo conduziu o professorado a buscar estratégias facilitadoras do trabalho docente, uma

delas o de transferir ao livro didático a responsabilidade de planejar as aulas.

Digamos que nesse período ainda não há uma fusão da gramática e do texto, na

realidade a gramática ainda tem uma primazia sobre o texto (aliás como ainda permanece essa

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forte tendência atualmente, nas aulas de português). O que se percebe é que houve uma junção

de gramática e texto nos livros didáticos. Anteriormente, como já comentado, existiam dois

compêndios, paralelamente na escola, um que tratava da gramática (as normas, regras, estudos

sobre a língua) e outro que eram as seletas (textos de autores, normalmente, consagrados,

clássicos, que desencadeariam os estudos da arte do bem falar). Na década de 50, em um

único manual temos a presença da gramática e dos textos, mas estes aparecem estruturalmente

separados. A exemplo citamos o livro Português no Ginásio, de Raul Moreira Léllis18, que

também circulou em Mato Groso, e que segundo pesquisas de SOARES (2001) é o manual

mais presente nas salas de aulas dos anos 50, apresenta a seguinte estrutura19: a primeira

metade do livro apresenta as lições referentes à gramática da língua portuguesa e a segunda

metade do livro recebe o nome de “Pequena Antologia”, a parte destinada aos textos.

Nos anos de 1960 é que os livros didáticos despontam para uma nova organização, são

estruturados por unidades, e cada uma delas constituída de um texto, em seguida, de

atividades para interpretação e de tópicos gramaticais. O processo de fusão de gramática e

texto acontece de forma progressiva, uma vez que o estudo da gramática é uma prática

perpetuada de uma longa tradição, desde o tempo do sistema dos jesuítas. Talvez em razão

dessa longa tradição ainda não conseguimos romper com a primazia da gramática sobre os

textos, ela, ainda nos dias atuais, é uma dominante em grande parte das aulas de língua

portuguesa.

Dois processos foram importantes para o processo de suavização da intensa

programação voltada para os estudos da gramática, durante a década de 60. A Portaria nº 36

de janeiro de 1959 – MEC, que vinha estabelecendo Nomenclatura Gramatical Brasileira

(NGB), dessa forma propunha estabelecer um sistema unificado e simplificado de descrição

dos fatos da língua. E a Instrução nº 7/62, do Conselho federal de Educação (CEF) que

propunha, ao invés da aquisição efetiva da Língua Portuguesa correta, como exigia a Portaria

Ministerial nº 1942, viabilizar ao aluno uma adequada expressão oral e escrita. No entanto,

18Encontrei, em um sebo da capital do Estado do Mato Grosso, um exemplar do livro didático: Português no Ginásio, de Raul Moreira Léllis. Seu estado de conservação é precário; não apresenta mais a capa original e nem foi possível identificar a sua edição. Ao analisar o material foi possível identificar vestígio de uso do livro, tais como pequenas anotações. Em um canto superior, logo das primeiras folhas, aparecia impressa com tinta de caneta a data de 1968. Magda Soares relata que esse livro teve veiculação e uso na década de 1950. O registro da data, feita provavelmente por um aluno ou professor, pode revelar que, provavelmente, foi utilizado no Mato Grosso, ainda na década de 1960. 19 Vale ressaltar que o livro Português no Ginásio, de Raul Moreira Léllis, apresenta um programa de Português para a primeira e a segunda séries do ginásio. Em razão disso, o livro apresenta em sua estrutura uma divisão dos conteúdos e textos selecionados para a primeira e para a segunda séries. Mas segue a mesma estrutura para as duas séries: a parte gramatical de um lado e a de textos de outro.

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apesar das novas modificações, o enfoque da disciplina ainda prevalecia sob os estudos da

gramática.

2.1 A DISCIPLINA LÍNGUA PORTUGUESA NO CONTEXTO DOS ANOS 70.

Com a instauração do governo militar, em 1964, o contexto sócio-econômico-político

e cultural sofreu alterações, concomitantemente passou pelo mesmo processo a escola. A

disciplina língua portuguesa, até então chamada assim, também passou por modificações.

Com a recém criada Lei 5692/71, filha do governo militar, o ensino primário e o secundário

foram reformulados visando a atender aos objetivos e ideologias da ditadura militar.

Nesse período, a Lei introduziu a qualificação para o trabalho, como objetivo do

ensino de 1º e 2º graus. A função de fornecer recursos humanos para o desenvolvimento era

atribuída ao sistema de ensino. Assim, ganham um sentido instrumental os conteúdos

curriculares e seus objetivos, a disciplina língua portuguesa passa a denominar-se, então, no

ensino do 1º grau, Comunicação e Expressão, nas quatro primeiras séries e Comunicação em

Língua Portuguesa, nas quatro últimas séries.

Como conseqüência, outra perspectiva se instalou no ensino da língua portuguesa

dentro de uma Psicologia Associacionista que se fundamentava e orientava o ensino numa

pedagogia tecnicista, que se fazia através de técnicas de redação, exercícios estruturais e

treinamento de habilidades de leitura. Nesse contexto, a língua passou a ser considerada

instrumento para o desenvolvimento previsto pelo governo militar.

Surge, também, nos anos de 1970, um novo quadro de referencial teórico para estudo e

análise da língua, coincidindo com a mudança de cunho político e ideológico, fato que levou a

reforçar os novos objetivos traçados para a língua. Surge, no cenário da educação brasileira, a

Teoria da Comunicação, um referencial transposto da área dos meios eletrônicos de

comunicação para a língua. A língua passa a ser concebida como comunicação, ou seja, já

não se trata mais de estudo sobre língua ou de estudo da língua. Os objetivos, agora, são mais

pragmáticos e utilitários, deve-se preparar o aluno para ser um emissor e receptor de

mensagens, através da utilização e compreensão de códigos diversos, seja eles verbais ou não-

verbais. Observa-se que agora o foco é no desenvolvimento do uso da língua.

Nesse processo a linguagem passa a ser meio objetivo para a comunicação. Para

TAGUCHI (1994), no intercurso da Lei 5692/71 e do Parecer nº 853/71, que transformaram a

disciplina língua portuguesa em comunicação e expressão, a língua pátria era:

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tudo que comunicasse e que servisse para se comunicar. Não interessava a forma, o importante era a comunicação, a mensagem. É provável que foi com essa visão que a escola passou não só a proclamar a língua, mas também a ensiná-la às crianças, aos jovens e adultos (TAGUCHI, 1994, p. 94).

Nesse período pairou pela primeira vez a discussão de ensinar ou não ensinar a

gramática nas escolas brasileiras. A escola passaria a aproveitar tudo da expressão do aluno.

“De acordo com esta concepção haveria de se preocupar menos com o ensino da gramática,

do que com o emprego desta pelo usuário no processo de comunicar-se com os seus

semelhantes” (TAGUCHI, 1994, p. 96).

Paralelamente a essa situação, os livros didáticos, de maneira geral, sofrem inúmeras

críticas. Os de língua portuguesa são amplamente criticados por Osman Lins (1978) ao

chamá-los de Disneylândia Pedagógica. A disciplina Comunicação e Expressão sofreu

influência da teoria vinda dos meios de Comunicação, conforme mencionado anteriormente, e

as ilustrações aparecem nos textos didáticos mesmo para pretexto do texto, assim nem

sempre empregado na sua essência:

As ilustrações são de três tipos: fotografias, reproduções de obra de arte, desenhos. As fotografias, em geral, de uma grande banalidade e mal impressas. As reproduções, verdadeiramente lamentáveis, quase sempre borradas e, por vezes, sem informação sobre o original. Mas são os desenhos, feitos expressamente para os livros que adornam (?), que pedem comentário especial. Todos parecem advir dos mesmos princípios: estamos na era da imagem; o aluno, habituado à TV e às revistas em quadrinhos, resiste à página escrita, tendo dificuldade em captar mensagens verbais; a média da inteligência dos educandos é baixa, não estando muito longe da debilidade mental. Só isso explica o uso (ou melhor, o abuso) dos desenhos, isto é, as noções freqüentemente elementares que através deles se procura transmitir; e, outro aspecto importante, seu caráter: sempre cômicos, ou pretensamente cômicos (LINS, 1978, p.134).

Lins, aqui, é apenas um representante dos muitos críticos do livro didático de língua

portuguesa como da própria condução adotada pela disciplina Comunicação e Expressão, na

época em questão.

2.2 A DISCIPLINA LÍNGUA PORTUGUESA NOS TRILHOS DAS DÉCADAS DE

1980 E 1990.

A disciplina Comunicação e Expressão, nascida no seio da Lei 5692/71, declina em

meados dos anos de 1980. Nesse período ela volta a receber a denominação Português, bem

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provavelmente, em razão das inúmeras críticas como também pelos tímidos resultados que ela

trouxe para o ensino da língua. Os protestos dispensados tanto por teóricos como por

professores regentes da língua, nos 1º e 2º graus, clamavam não apenas a volta simplista de

uma denominação. Mas certamente, representavam a rejeição de toda uma concepção de

língua e de ensino de língua, ora confrontando com o contexto político e mesmo com as novas

teorias emergentes desenvolvidas na área das ciências lingüísticas, nos contornos dos anos de

198020.

A perspectiva instrumental, que perdurou durante a década de 1970 e os primeiros

anos de 1980, vem sendo questionada, à medida que o ensino de língua portuguesa se

estabelece com maior consistência, quando pesquisas de uma lingüística independente da

tradição normativa e filológica e, ainda, estudos em variações lingüísticas e psicolingüísticas,

possibilitaram avanço na educação e psicologia da aprendizagem, principalmente, no que se

refere à aquisição da escrita. Anteriormente, a língua era enfocada como um produto pronto a

ser externalizado ou passivamente apreendido pelo sujeito, e, satisfazia-se com um ensino de

abordagens tradicionais.

Contrariando essa perspectiva instrumental, novas pesquisas sobre a linguagem são

desencadeadas e os estudos passam a ser pautados pela tendência que considera a linguagem

como um processo de interação verbal. Para essa tendência, defendida por Bakhtin, é exterior

e não interior o centro de toda a organização da enunciação, porque ele está situado no meio

social em que o indivíduo está inserido. A enunciação é produto da interação social. Assim,

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua (BAKHTIN, 1990, p. 123).

Pautado pelos estudos da linguagem como produto da interação social, no Brasil, a

partir do início da década de 1980, Geraldi, de forma pioneira, produziu e divulgou reflexões

e propostas para o ensino da língua, que podem ser consideradas emblemáticas. Nas suas

reflexões sobre a linguagem e o ensino da língua, incluiu o ensino da leitura e da escrita em

20 Vale ressaltar que as Ciências Lingüísticas são introduzidas nos currículos de formação de professores a partir dos anos de 1960. No entanto, foram necessárias praticamente duas décadas para que elas se reafirmassem enquanto novas tendências no ensino do português, ou seja, chegam às escolas nos anos de 1980, aplicadas ao ensino da língua materna.

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uma abordagem advinda do interacionismo lingüístico, valendo-se das contribuições da

Análise do Discurso, da Teoria da Enunciação e da Sociolingüística. Segundo Mortatti (2000),

Geraldi publicou quando ainda professor no Rio Grande do Sul Subsídios metodológicos para

o ensino de língua portuguesa (Cadernos da FINDINE, n. 18, 1981); Possíveis alternativas

para o ensino da língua portuguesa (Revista ANDE, 1982) e Concepções de linguagem e

ensino de língua portuguesa, e ainda, Unidades básicas do ensino e de português; Prática da

leitura de textos na escola. Os três últimos originaram, além de outros textos do autor, a

coletânea, organizada por ele, O texto na sala de aula: leitura & produção (1984). Geraldi

ainda publica o livro Portos de passagem (1991) e Linguagem e ensino: exercícios de

militância e divulgação (1996).

Nessa abordagem houve um deslocamento do eixo das discussões ocorridas até então,

de como para por quê e para quê ensinar a língua, uma vez que essa concepção, a Linguagem

como forma de Interação, concebe a língua como constituída a partir do diálogo, da interação

entre os sujeitos.Conseqüentemente, fundamenta-se em prática pedagógica que estimule o

aluno ao uso da linguagem em situações sócio-comunicativas diferenciadas, viabilizando,

assim, a reflexão sobre os contextos de produção do discurso.

Aos poucos, a nova tendência encontra espaço no fazer pedagógico e a escola ao visar

formar leitores críticos e competentes, assim como produtores de textos, não pode mais

inspirar em práticas de leitura e produção textual apenas reprodutoras. Sob o ponto de vista

sócio-interacionista, Geraldi (1997) propõe que a escola deva centrar os trabalhos com a

linguagem em torno de três práticas: leitura de textos, produção de textos e análise

lingüísticas. A integração dessas três práticas conduz a dois objetivos interligados:

A)tentar ultrapassar, apesar dos limites da escola, a artificialidade que se institui na sala de aula quanto ao uso da linguagem; B)possibilitar, pelo não artificial da linguagem, o domínio efetivo da língua padrão em suas modalidades oral e escrita (GERALDI, 1997, p. 88)

Nesse sentido, não satisfaz mais um ensino da linguagem pautado em análises da

língua para dominar conceitos e realizar identificações de características estruturais e de uso.

Nessa perspectiva, saber a língua é dominar “as habilidades de uso em situações concretas de

interação, entendendo e produzindo enunciados adequados aos diversos contextos,

percebendo as dificuldades entre uma forma de expressão e outra” (GERALDI, 1997, 89).

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O interacionismo enfatiza um ensino da língua materna que viabilize ao aluno

condições de usá-la satisfatoriamente nas diversas interações sociais. O que importa, nessa

abordagem, não é o aspecto formal da língua que se permanece estável em qualquer caso em

que seja utilizada; o que importa não é a forma lingüística como sinal fixo, mas o signo

sempre variável e flexível em uma situação concreta. Assim, os atos de escrever e de ler vão

além de simplesmente codificar ou decodificar mensagens:

Aprender a ler é, assim, ampliar as possibilidades de interlocução com pessoas que jamais encontraremos frente a frente e, por interagirmos com elas, sermos capazes de compreender, criticar e avaliar seus modos de compreender o mundo, as coisas, as gentes e as relações. Istoé ler. E escrever é ser capaz de colocar-se na posição daquele que registra suas compreensões para ser lido por outros e, portanto com eles interagir (GERALDI, 2005, p. 71).

Nessa abordagem, mais importante que possibilitar ao aluno classificar e denominar os

tipos de sentenças é viabilizar a ele, por meio das práticas de leitura, de produção de texto e

da análise lingüística, o aumento das possibilidades de uso da língua em contextos sociais

diversos, de forma eficiente. Ao possibilitar o uso da linguagem em situações reais de

interlocução viabiliza a ampliação de pessoas que lêem e escrevem e, conseqüentemente,

exercem a cidadania.

Considerar a linguagem como produção humana é compreendê-la como viva,

dinâmica e, conseqüentemente, construtora de histórias e marcas para o grupo que a utiliza

como comunicação e interação. Nessa perspectiva, de um novo olhar cuidadoso direcionado

para o ensino, lançou-se no final da década de 90, os Parâmetros Curriculares Nacionais21,

documento que registra como condição de possibilidade de plena participação social “o

domínio da linguagem, como atividade discursiva e cognitiva, e o domínio da língua, como

sistema simbólico utilizado por uma comunidade lingüística” (PCN, 1998, p. 19). O

documento, nesse sentido, aponta que para a transformação do ensino de Língua Portuguesa,

as práticas devem centrar-se na linguagem: “tanto o ponto de partida quanto o ponto de

chegada é o uso da linguagem” (PCN, 1998, p. 18), considerando que:

21 Os PCNs, Parâmetros Curriculares Nacionais, foram elaborados por docentes de universidades públicas e privadas, técnicos em educação, contendo as diretrizes básicas para as modificações curriculares, em sintonia com as novas tendências educacionais.

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A razão de ser das propostas de leitura e escrita é a compreensão ativa e não a decodificação e o silêncio;

A razão de ser das propostas de uso da fala e da escrita é a interlocução efetiva, e não a produção de textos para serem objetos de correção;

As situações didáticas têm como objetivo levar os alunos a pensar sobre a linguagem para poder compreendê-la e utilizá-la apropriadamente às situações e aos propósitos definidos (PCN, 1998, p. 19).

Percebe-se que nesse novo contexto não há mais espaço para a “educação bancária”,

como já reclamava Paulo Freire (1998) ao anúncio de novas práticas nos anos de 1950 a 1960.

Há a necessidade de uma metodologia para esse novo cenário que parta da reflexão da

utilização da linguagem, por meio de uma terminologia simples, e mediada pelo professor,

aproximando-se do conhecimento gramatical produzido. Ou seja, o indivíduo precisa saber

usar a língua escrita nas diversas situações do cotidiano, em práticas sociais.

Nesse sentido, Marcuschi (2001), diz que: “letrado é o indivíduo que participa de

forma significativa de eventos de letramento e não apenas aquele que faz um uso formal da

escrita” (MARCUSCHI, 2001, p.25). Atualmente, os objetivos propostos para a escola, em

especial, para o ensino da língua portuguesa, estão relacionados com a formação do leitor e

produtor de textos.

A perspectiva interacionista preocupa-se com os processos de produção de sentido tomando-os sempre como situados em contextos sócio-historicamente marcados por atividades de negociação ou por processos inferenciais. Não toma as categorias lingüísticas como dadas a priori, mas como construídas interativamente e sensíveis aos fatos culturais. Preocupa-se com a análise dos gêneros textuais e seus usos em uma sociedade. Tem muita sensibilidade para fenômenos cognitivos e processos de textualização na oralidade e na escrita, que permitem a produção de coerência como uma atividade do leitor/ouvinte sobre o texto recebido (MARCUSCHI, 2001, p. 34).

Prevê-se, então, que a escola habilite o aluno a utilizar as linguagens escrita e oral nos

seus diversos gêneros e, para tanto, faz-se necessário compreender o conceito de letramento

que segundo Scribner e Cole, “é o conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto

sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contexto específicos, para objetivo específicos”

(apud Kleiman, 1995, p. 19).

Mediante o cenário exposto, observa-se que houve um grande avanço nas concepções

de linguagem. As discussões de professores e teóricos possibilitaram o surgimento de um

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quadro de reflexões sobre a finalidade e os conteúdos do ensino da língua portuguesa. Os

estudos descritivos da língua portuguesa, tanto escrita quanto falada, desencadeados pela

lingüística viabilizaram a introdução de novas concepções da gramática do português. A nova

tendência, no entanto, se desencontra da concepção gramatical há pouco praticada na escola,

ou provavelmente ainda presente no sistema de ensino de língua materna, a concepção

prescritiva: ensinar um conjunto de regras a ser seguido por aqueles que desejam falar e

escrever corretamente. Na realidade, o ensino pautado na concepção prescritiva deseja que os

alunos substituam seus padrões de atividades lingüísticas considerados errados por outros

considerados corretos.

Atrelada aos preceitos do interacionismo, o ensino da língua materna tem a

contribuição da lingüística textual. Os estudos iluminados por essa teoria evidenciaram a

necessidade de que o ensino de língua materna pautada na gramática para fins didáticos não se

limitasse às estruturas da palavra e da frase, mas inevitavelmente deveria atingir o texto. A

lingüística textual trouxe uma nova abordagem para o trabalho com o texto e,

conseqüentemente, uma nova maneira de tratar a oralidade e a escrita no ensino.

A pragmática, a teoria da enunciação e a análise do discurso têm trazido, sem dúvida

nenhuma, contribuições fundamentais, exercendo influência direta na disciplina Português.

Uma nova concepção de língua é desencadeada à luz dessas teorias. A língua já não é mais

entendida como comunicação. Ela passa a ser concebida como enunciação e considera a

linguagem como um produto histórico-social. O signo é vivo e móvel e indissoluvelmente

ligado à situação social.

A palavra é o signo ideológico por excelência; ela registra as menores variações das relações sociais, mas isso não vale somente para os sistemas ideológicos constituídos, já que a ‘ideologia do cotidiano’, que se exprime na vida corrente, é o cadinho onde se formam e se renovam as ideologias constituídas. Se a língua é determinada pela ideologia, a consciência, portanto o pensamento, a ‘atividade mental, que são condicionados pela linguagem, são modelados pela ideologia (BAKTHIN, 1990, p. 16).

Assim, compreende-se que a construção de um texto (oral ou escrito) é uma forma de

materializar a língua. Nesse sentido, o trabalho do locutor “é sempre um trabalho conjunto,

embora materialmente realizado por um indivíduo, revelando um movimento contínuo e

recursivo entre inter-intra-inter-individual” (GERALDI, 2005, p. 137). O texto se constitui

(materializa) em recursos expressivos, e estes por sua vez, estão inseridos a uma remessa de

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sistemas de referência. Sistema e referência estão concomitantementes associados, e é neles e

com eles que nos constituímos sujeitos.

Assim, a estrutura da enunciação é puramente social, inclui, portanto, as relações da

língua com o indivíduo que a utiliza, com o próprio contexto em que está sendo utilizada,

como também, com as condições sociais e históricas de sua utilização. A partir dessas

contribuições, o ensino da leitura, da escrita, as atividades de práticas da oralidade e até

mesmo o próprio ensino da gramática, vêm se alterando em sua essência, pautada em uma

nova concepção de língua.

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3. O LIVRO – OBJETO DE INEGÁVEL VALOR NA HISTÓRIA D A HUMANIDADE

Pensar um pouco sobre a história do livro em nosso contexto seria submeter esse

objeto de pesquisa a uma investigação criteriosa e, que sem dúvida, demandaria tempo, pois a

narrativa do livro vem se construindo em um perpétuo diálogo com a experiência humana,

que conflui com a história da humanidade. Os compêndios-livros foram tomando formas com

o surgimento da escrita.

É evidente que o tempo presente difere daquele tempo de outrora em que os livros se

apresentavam de forma mais clássica. Hoje, o livro se apresenta de forma diferente, sua

configuração é outra, em função do avanço da tecnologia, e mesmo para atender às novas

necessidades do homem. Vivemos em um mundo em que as informações são mais efêmeras, e

se validam como boas, relevantes, enquanto estão quentes e fortes, fato que está relacionado à

marca registrada da sociedade de nossa época, que é para Bauman:

A fragmentação da vida em uma série de episódios relativamente autônomos, acoplada à percepção do fluxo do tempo como uma seqüência de acontecimentos relativamente autônomos. A conseqüência dessa dupla fragmentação é o “curto-termismo” que afeta, ao mesmo tempo, a vida pública e a vida individual (BAUMAN 2003. p. 30-31).

Os acontecimentos, o ritmo de vida, com o passar dos tempos sofreram transformações

e a produção cultural, no contexto da diversidade e da pluralidade do mundo e de seus

habitantes, foi se adequando para dar conta de registrar, dentro do compasso das

transformações, as novas necessidades do homem. Mesmo diante das novas características da

sociedade, o livro também encontra o seu espaço e se concretiza como objeto de inegável

valor na história da humanidade do passado, tanto quanto naquela que se efetiva, na trilha dos

acontecimentos do momento presente, quanto naquela que vai se edificar, nos cambiantes dias

do amanhã. O fato é que o livro tem o dom da palavra, ele está no mundo e faz parte da

história dos homens, por isso seus caminhos se configuram em um perpétuo diálogo com os

autores e personagens da sua história, o homem, é nesse sentido que ele fala sempre para a

humanidade e, sobretudo, fala da humanidade.

Assim, não é difícil de reconhecer que uma das tarefas do livro é contar histórias que

dêem sentidos à experiência humana. Ele desempenha um papel capital no jogo dos possíveis,

em determinado espaço-tempo, do contexto da humanidade. A relevância do livro para a

produção cultural dos povos abrange, a possibilidade do registro das idéias e concepções

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veiculadas em um determinado tempo histórico, aliado, evidentemente, às experiências

humanas.

Ao realizar um retrospecto da nossa história, pode se verificar que o caminho se

apresenta de forma irregular, cheio de altos e baixos. O próprio percurso escolhido pela

humanidade encaminhou a avanços e recuos exigidos pelas possibilidades vigentes. O

processo de produção da existência humana compreende a mútua transformação que se

completa na interação homem-natureza. Nesse processo, a ação do homem não é determinada

apenas biologicamente, mas, sobretudo, pela incorporação das experiências e conhecimentos

produzidos e transmitidos de geração a geração. O registro e a transmissão desses

conhecimentos se tornam importantes porque permitem que a nova geração continue na

caminhada, sem precisar voltar ao ponto de partida que a precedeu.

No transcorrer da ação do homem, verifica-se que as idéias se modificam porque

sofrem determinações históricas, uma vez que elas expressam relações e atividades reais dos

homens. Nesse contexto, várias descobertas foram se efetivando, inicialmente relacionadas

mais com as experiências do senso comum; posteriormente, foram se tornando mais

sofisticadas, mais elaboradas, pois o homem se tornara mais exigente. Mas o fato é que o

homem, quer nas primeiras formas de organização social, quer nas sociedades atuais, sempre

imprimiu tentativas de compreender o mundo e a si mesmo e por isso existiram e sempre

existirão representações diferentes e antagônicas do mundo, em um dado momento, ou em

momentos distintos do tempo histórico.

Esse percurso histórico viabiliza compreender o processo de construção do saber e,

nesse meandro, revela a importância do registro, do livro. Com o registro de idéias permite

que outras gerações progridam a partir daquilo que já está posto por uma geração anterior,

sem repetir estudos, demandando perda de tempo, ou ainda, a partir de conhecimentos já

existentes propor uma idéia oposta permitindo a construção de novos conceitos, teses que vão

ao encontro das alterações ocorridas na vida humana.

De qualquer forma, os primeiros caminhos percorridos pelo homem para compreender

o mundo e a si próprio, demandando teorias de conhecimento do mundo, contribuíram para e

na produção cultural, na medida em que puderam ser verificados na vida e pelos seres vivos.

E ainda, todo esse processo não teria acontecido, se não tivesse tido a oportunidade de ser

revisto, reavaliado, ou seja, se não tivesse sido escrito, publicado e lido.

Para Bauman,

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Essa possibilidade de verificação e, concomitantemente, da emergência do verdadeiro sentido da experiência humana – em si mesma, confusa, desconexa e opaca, privada de sentido óbvio – é uma das tarefas do livro tornada em nossa época, talvez mais evidente do que nunca (BAUMAN, 2003, p. 30).

Nesse sentido, ratificamos que o livro enriquece o mundo, porque conta histórias para

ele e, sobretudo, dele próprio, portanto não haveria histórias – presente, passado, futuro – nas

páginas de um livro, de uma coleção, se o (o livro) fizessem fora do contexto do mundo.

Assim, fica mais fácil compreender porque os suplementos, os adicionamentos,

conflitos, controvérsias oferecidos por eles são assimilados pela humanidade. No entanto,

quando abater sobre nós inquietantes preocupações a respeito do futuro dos livros, não nos

esqueçamos de pensar em primeiro lugar na sociedade em que estão inseridos, pois eles (os

livros) terão a mesma sorte que ela (a sociedade), então:

Quando estivermos inquietos com o futuro dos livros, consideremos, antes de tudo, com maior atenção a sociedade e suas tendências. Para tornarmos os livros mais adaptados à sociedade em que vivemos, estejamos vigilantes para evitar que a sociedade se torne inadaptada aos livros... (BAUMAN, 2003, p. 33).

3.1 LIVRO DIDÁTICO: CENÁRIO BRASILEIRO E MATO-GROSS ENSE

Há muito tempo, o livro didático vem sendo condicionado ao funcionamento da

escola. Comênio (1966), preocupado com a possibilidade de ensinar tudo a todos, escreveu

Didática Magna onde propõe um manual de ensino que permitiria ao professor ensinar

centena de alunos ao mesmo tempo. Nessa perspectiva, o autor propõe um livro com fins

didáticos, que além do conteúdo, traria também as tarefas a serem desenvolvidas por ano,

mês, dia e hora.

De lá para cá as discussões acerca do livro didático ampliaram-se, consideravelmente,

em todo cenário educacional. O livro didático se apresenta, hoje, como um importante

instrumento para o professor e para o aluno no processo de ensino e de aprendizagem. É

indiscutível o grande espaço conquistado por ele no cotidiano escolar. No Brasil, os primeiros

livros foram produzidos a partir de 1810 pela Imprensa Régia, posteriormente, denominada

Imprensa Nacional. Anteriormente, os livros didáticos utilizados nas escolas brasileiras eram

trazidos de Portugal. A possibilidade da história do livro brasileiro surge após a implantação

da Imprensa Régia, a partir de 1808. “Na tensão entre anacronismo e modernidade, inscreve-

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se a ambivalência peculiar à história do livro didático no Brasil, com repercussões no plano

cultural, econômico e pedagógico, por conseqüência, na história social da leitura no país”

(LAJOLO & ZILBERMAN, 2003, p. 128).

O livro didático é uma rica fonte de conhecimento da história de uma nação, via

estudo da trajetória de publicações e leituras, razão pela qual sua história vem sendo foco de

muitas pesquisas no cenário internacional e nacional como: CHOPPIN (2004); CHARTIER

(1990 1999); GATTII (2005); MAZZOTTI (1986), dentre outros.

Desvelar a trajetória do livro didático é compreender o valor atribuído a este objeto tão

polêmico e usual nas escolas, por uma nacionalidade. No Brasil, a sua história é um misto de

decretos, leis e medidas governamentais que se atrelaram mais intensamente a partir de 1930.

Em meio à seriação de leis e decretos circundantes à política do livro didático, no Brasil,

inúmeras instâncias federais e estaduais já foram responsáveis por ele, criadas por agentes

políticos, em diferentes momentos históricos. As primeiras iniciativas, voltadas para a

divulgação e distribuição de livros com fins didáticos e culturais, datam de 1937 com a

criação do INL (Instituto Nacional do Livro). Esse órgão foi estruturado em unidades

menores, dentre eles a coordenação do livro didático, que tinha como atribuição: “planejar as

atividades relacionadas com o livro didático e estabelecer convênios com órgãos e instituições

que assegurassem a produção e distribuição do livro didático” (FREITAG, 1989, p. 12).

Com o Decreto-lei 1.006 de 30 de dezembro de 1938, foi instituída, pelo Ministério da

Educação, a Comissão Nacional do livro Didático (CNLD). Estabeleceu-se, a partir de então,

condições para a produção, importação e utilização do livro didático. Por meio desse Decreto,

é definido, pela primeira vez, o que deve ser compreendido por livro didático, em seu artigo

2º:

Compêndios são livros que exponham total ou parcialmente a matéria das disciplinas constantes dos programas escolares; 2º - livros de leitura de classe são os livros usados para leitura dos alunos em aula; tais livros também são chamados de livro de texto, livro-texto, compêndio escolar, livro escolar, livro de classe manual, livro didático (OLIVEIRA, apud FREITAG, 1989, p. 13).

Na década de 1960, sob o comando do governo militar, são assinados vários acordos

MEC/USAID, entre o governo brasileiro e o americano. No preâmbulo desses acordos criam a

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Comissão do Livro Técnico e Didático (COLTED). Essa Comissão visava a coordenar as

ações referentes à produção, edição e a distribuição do livro didático, já que o acordo

MEC/USAID viabilizou recursos, de forma a garantir a distribuição gratuita de livros, por um

período de três anos. Nesse período, o governo adquiriu e distribuiu 51 milhões22 de livros.

No transcorrer da década de 1960, uma nova concepção de manual escolar é

instaurada no contexto da educação brasileira. De acordo com esse novo modelo, o livro

didático tem por principal função estruturar todo o trabalho pedagógico em sala de aula. Para

atender a esse novo objetivo, o livro começou a apresentar um desenvolvimento dos

conteúdos curriculares, com atividades para expor, desenvolver, fixar e, às vezes, para avaliar

o aprendizado. Desse modo,

Tendem a ser não um apoio ao ensino e ao aprendizado, mas um material que condiciona, orienta e organiza a ação docente, determinando uma seleção de conteúdos, um modo de abordagem desses conteúdos, uma forma de progressão, em suma, uma metodologia de ensino, no sentido amplo da palavra (BATISTA, 2003, p. 47).

Essa nova concepção surge em função da democratização do ensino, iniciada,

timidamente, na década de 1960 e, intensificada, nas décadas subseqüentes. A concepção de

livro didático como estruturador da prática docente da sala de aula está associada, segundo

diferentes estudos, com a intensa ampliação do sistema de ensino e, conseqüentemente, com o

recrutamento docente mais amplo e menos seletivo.

A década de 70, pode-se assim dizer, foi um período que desencadeou inúmeras

pesquisas sobre o livro didático, no conjunto nacional. Na sua grande maioria, eram críticas

ao livro didático, em razão dos preconceitos, das ideologias subjacentes ao texto didático

utilizado nas salas de aula brasileiras. O Estado de Mato Grosso, carente de salas de aulas e

professores habilitados, realidade semelhante em muitos outros Estados brasileiros, parece-me

que tinha uma gestão que não deixava em branco a questão abordada. Ao pesquisar

documentos no Arquivo Público do Estado, encontrei provas de concurso público para

professores23, as quais direcionavam algumas reflexões sobre o livro didático e o seu uso no

22 Maiores informações ver BATISTA (2003). 23 Análise parcial das provas do concurso público do Estado de Mato Grosso está no apêndice desta dissertação.

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contexto da sala de aula. O fato leva a inferir que, provavelmente, o Estado já vinha

discutindo sobre o texto didático.

No Estado, o Decreto Nº. 1.717, de 31 de outubro de 1973, cria o Banco do Livro nas

Escolas Estaduais de 1º e 2º Graus. Segundo o documento, a criação do Banco do Livro no

Estado levaria em conta três motivos: a crise do papel, em âmbito internacional, fato que

oneraria as publicações, de um modo geral; a carência de recursos dos alunos das escolas

públicas associada à falta de verba do Estado para a aquisição do material escolar a ser

distribuído e, por final, a necessidade de prolongar a vida útil do livro didático.

Em âmbito nacional o MEC vinha adotando uma política de centralização e ao mesmo

tempo assistencialista, já que o imperativo das decisões era pautado em atender ao aluno

carente. Algumas discussões desencadeavam a necessidade de extinguir o livro descartável e

substituí-lo por um livro mais durável, prolongando a vida útil. Sobre a criação do Banco do

Livro no Mato grosso, ALVES (1995) acrescenta:

[...] pelo Decreto nº 1717/73 foi criado o Banco do Livro nas escolas estaduais de 1º e 2º graus em Mato Grosso. Objetivava a permanência dos livros escolhidos na escola especificando a modalidade de funcionamento do Banco. Pode-se depreender do decreto nº 148/1977 que a experiência não foi bem sucedia: “a doação do livro, ao invés de seu empréstimo, nas atuais circunstâncias é a situação mais realista para atender aos alunos carentes da rede” (ALVES, 1995, p. 107).

O caráter assistencialista predominou com a criação do Banco do Livro, priorizou-se o

atendimento dos alunos carentes, talvez pela escassez de recursos da Secretaria de Educação

do Estado destinado para a compra de material escolar.

A revista Educação em Mato Grosso24, circulou no Estado, provavelmente, no período

de 1976 a 1986, promoveu inúmeras discussões a respeito do livro didático, centralizando-as

dentro do contorno nacional, adentrando na esfera estadual. Por meio dela, foi possível

rastrear e compreender concepções dispensadas pela Educação do Estado ao livro didático,

bem como algumas informações sobre o objeto.

O exemplar julho/agosto de 1978 traz um artigo intitulado: “O livro didático e suas

implicações na Educação” o qual evidencia a concepção de Educação absorvida, ou aquela

desejada, pela rede estadual e algumas preocupações acerca do objeto em questão. Acrescenta

24 A revista Educação em Mato Grosso circulou, provavelmente, entre 1978 a 1986. Marijâne Silveira da Silva, mestranda do Programa de pós- graduação em Educação da UFMT, sob orientação da Doutora Lazara Nanci de Barros Amâncio, investiga a alfabetização em mato Grosso, via os artigos dessa revista. (Pesquisa em andamento)

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que muito já se escreveu sobre o livro didático, mas, salienta, que a questão emblemática, em

si, centraliza no conceito de educação que se adota. Anuncia, em caráter de crença, que a

concepção humanista de educação recusa o depósito de conhecimento, a fragmentação,

elevando a necessidade de realizar uma educação via problematização do homem-mundo.

Nessa premissa, acredita-se que o livro didático deve estar a serviço da escola. Assim,

apresenta:

Já em nossos dias, a informação explode com os meios de comunicação de massa. O “professor” e o “livro didático”, tradicionais, são considerados processos paleontológicos. O NOVO LIVRO DIDÁTICO DEVE SER APENAS UM INSTUMENTO DE PROVOCAÇÃO INTELECTUAL. [...] Entretanto, convenhamos: qualquer recurso de aprendizagem, em si, é neutro. O uso que se fizer dele é que o tornará eficaz e eficiente (VANUZZI, 1978, p. 13 e 14). [grifo do autor]

Há uma preocupação com o destino que o professor dá ao texto didático no contexto

da sala de aula. Reconhece que o livro deve ser apenas um instrumento a serviço da educação

e não a educação a serviço do livro. Nesse contexto, anuncia as alterações ocorridas na

sociedade, como a evolução dos meios tecnológicos, como também, prováveis mudanças no

texto didático. Em razão da evolução da sociedade, apresenta que o último deve ser um

instrumento de provocação intelectual. Será mesmo que o livro didático deve apresentar essas

características ou a condução das aulas viabilizadas pelo professor é que deve condizer com

esses princípios? Concepção exposta logo abaixo, quando acrescenta que o uso que se fizer do

texto didático é que vai torná-lo eficiente ou não. No entanto, justifica que o destino dado a

ele pelo professor na sala de aula que é o determinante da qualidade do material, em razão do

livro ser neutro. Será que é em virtude dele ser neutro, ou em razão de não ser neutro?

Nenhuma produção em si é neutra, ela carrega concepções de uma época e do próprio

autor, e por isso, o leitor dá vida à obra; a forma como o professor conduz suas atividades é

que faz a diferença. No transcorrer do artigo, aparecem critérios de escolha de livro e possível

condução de planejamento, a partir do livro didático, condizentes aos questionamentos

expostos anteriormente, via prova do concurso público para cargo de professor. Esse fato

confirma o pensamento da educação mato-grossense frente ao livro didático: ele deve ser

encarado como instrumento para o professor e a concepção de educação influencia, como

também, a formação do professor, na qualidade da educação:

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Ao concluir, confessamos: mesmo que seja pouco preciso, falho, e, mesmo ruim, o livro didático não é o único responsável pela qualidade da educação. Essa responsabilidade pertence à fonte mundial de influências, à filosofia do sistema de educação vigente, ao grau de conscientização do mestre (idem, 1978, p.14).

A revista de 1981 tem uma preocupação com a avaliação e seleção do livro a ser

adotado pelos professores. Nesse período, a escolha era realizada através de lista oferecida

pela FAE, ou seja, a opção era limitada, só podiam ser escolhidos os livros relacionados na

lista. Um segundo artigo discutindo a temática da avaliação dos livros didáticos foi publicado,

intitulado: “Aspectos a serem considerados na avaliação e seleção de livros”. Dentre os

aspectos que abordavam no texto, chamavam a atenção para alguns critérios relevantes na

escolha do livro: qualidades gráficas; durabilidade; dimensão do (o tamanho sugerido como

ideal para livros didáticos é de 18 cm x 24 cm.); legibilidade do texto impresso;

inteligibilidade do texto impresso e os diversos fatores que a determinam; função da ilustração

no livro; interesse dos alunos e o conteúdo dos livros; adequação do livro aos objetivos do

ensino e do currículo; manual do professor (manual do professor que apresentar

exclusivamente respostas às questões das propostas no livro do aluno, é pobre e

desaconselhável.); autoria do livro (o autor tem experiência do assunto de que trata o livro

como professor ou especialista, fundamente-se em estudos atuais, o autor é imparcial, data de

publicação e de edição) e bibliografia. Esses são alguns dos pontos sugeridos a serem

avaliados na escolha do texto didático.

Na mesma publicação mencionada, no parágrafo anterior, é apresentada uma

retrospectiva das atividades realizadas pela Secretaria de Educação do Estado no ano de 1981.

Dentre elas apresenta a taxa de crescimento de alunos matriculados25 no ensino público

estadual de 1º e 2º graus, detenho-me apenas aos alunos do º1 grau. Segundo as estatísticas

apresentadas, essa modalidade de ensino cresceu de 1975 a 1981 em uma média anual de

8,0º/°, evidenciando que de 1980 para 1981 houve um crescimento de 8,89%. Em 1975, eram

matriculados 139.156 alunos, naquele ano, dados preliminares já apresentavam uma matrícula

de 249.089 alunos no 1º grau.Os dados da matrícula sustentavam, também, o levantamento

das ações do Programa do livro didático desenvolvido pela Secretaria. Segundo o artigo, Os

programas do Livro Didático e de distribuição de Material Escolar vão ao encontro dos

objetivos de atendimento da Secretaria, que seria assistência aos alunos carentes. O PLIDEF

25 No artigo, são apresentadas as taxas de crescimento dos anos de 1975 a 1981 de alunos matriculados no ensino de 1º e 2º graus. Apresenta dados da educação pré-escolar e do ensino supletivo. No entanto, reporto-me apenas às taxas do ensino do 1º grau, foco de interesse desta dissertação.

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(Programa do Livro Didático Ensino Fundamental), tinha como objetivo atender,

prioritariamente, aos alunos carentes da rede oficial, das quatro primeiras séries do Ensino do

1º grau, como também, implementar o Banco do Livro, priorizando a utilização do livro por

um período mínimo de dois anos. Embasada em dados da revista, apresento quadro com a

distribuição de livros didáticos, nos anos de 1980 e 1981:

Quadro 2: Distribuição de livros didáticos pelo estado de Mato Grosso nos anos de 1980 e 1981

ano contra

partida Cr$

livros

distribuí-

dos

municípios

benefici-

ados

escolas

benefici-

adas

alunos

atendidos

Total de

títulos

Livr.

Didáticos

distr. às

bibliotecas

escolares

80/81 1.523.946,00 305.000 55 203 124.309 21 2.186

Fonte: Revista Educação em Mato Grosso, ano IV, nº14, 198126.

Provavelmente, a demanda de alunos ainda era maior que a demanda de livros

escolares distribuídos na época pela Secretaria de Educação. Talvez essa fosse uma das razões

para implementar o Banco do Livro nas escolas estaduais. Nesse exemplar surgem várias

propagandas incentivando as escolas a criarem o Banco do Livro e a Secretaria, por sua vez,

estava ali para dar o suporte necessário. Apresento alguns slogans: “Banco do Livro uma

opção para você”; “A Coordenação do PLIDEF encontra-se à disposição das escolas para

orientar a criação e funcionamento do BANCO DO LIVRO”. “O BANCO DO LIVRO É

SEU. UTILIZE-O.” [grifo do autor].

Ao encontro das propagandas da revista, incentivando a implementação e uso do

Banco do Livro, foi encontrado, no arquivo da Escola Liceu Cuiabano, um livro de Instruções

Normativas para os anos de 1980 a 1982, o qual regulamentava a criação, naquele período, do

Banco do Livro. A Instrução nº 003 determina exatamente a criação do Banco de Livro nas

escolas da rede oficial, estabelecido pelo Decreto nº 1717, de 1973, mencionado

anteriormente. A Instrução Normativa evidenciava que o Banco do livro deveria atingir a

todas as escolas da rede oficial, ao considerar que: o livro pode provocar mudanças no modo

26 A revista demonstra informações referentes ao PLIDF (Programa do Livro Didático Ensino Fundamental), PLIDEM (Programa do Livro Didático Ensino Médio) e PLIDES (Programa do Livro Didático Ensino Superior). No entanto, nesta dissertação, refiro-me, apenas, aos dados referentes ao primeiro Programa.

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de pensar, de agir e sentir dos alunos; é investimento em estudo, em desenvolvimento cultural

e em aperfeiçoamento pessoal; há necessidade de prolongar a vida útil do livro; necessidade

de estimular a leitura e o espírito de conservação do material; carência de recursos financeiros

(da família e da rede estadual de ensino) e a troca de livro, ano a ano, ocasiona ônus

desnecessário à família e ao estado e inviabiliza o uso do material por outros elementos da

família. Partindo das considerações acima o Secretário de Educação, Hélio Palma de Arruda,

cria o Banco do Livro, como uma alternativa necessária para a Educação de Mato Grosso.

A Instrução Normativa, mencionada, determinava, entre outra prioridades, que as

escolas de 1ª a 4ª séries contempladas pelo PLIDEF seriam obrigadas a utilizar os livros

didáticos recebidos. Nesse período, o Estado ainda não tinha demanda de alunos e de livros

didáticos equiparados, ou seja, nem todos os alunos da rede eram contemplados com livros

didáticos, situação configurada em âmbito nacional. Ainda determinava que a escolha deveria

ser feita com o professor em acordo com o supervisor e diretor escolar, mas, enfocava que os

títulos deveriam ser unificados por escola, série, disciplina e turnos existentes, com relação ao

ensino de 1º grau – V a VIII e 2º grau. O livro escolhido deveria ser adotado por um período

de três anos nas escolas. O Banco do Livro, segundo a Normativa, deveria passar por

avaliação semestral, através de relatório enviado pelas escolas à Secretaria.

A Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso, ainda que com caráter

assistencialista, divulga a teoria do livro durável, em lugar do livro consumível. A teoria do

Banco do Livro talvez estivesse atendendo mais a uma carência de recursos do estado do que

a própria qualidade do livro didático, questão discutida na época com os reclames da

implantação do livro não-consumível. Mas o fato é que a ação do estado desencontrava com

alguns princípios teóricos divulgados na Revista Educação em Mato Grosso, de 1984.

Em 1984, a revista publica um interessante artigo que discute a relação: livros X

computadores. No artigo há um prenúncio à Era da Informática; questionamentos são

desencadeados a partir do dilema: livro X computador; questiona, então, qual seria o lugar e a

importância do livro, em uma sociedade que estava prestes a ter em mãos a facilidade da

informática, obtendo informações quentes e rápidas, sem os custos do livro, que quando lidos,

ficam guardados e obsoletos.

Em meio às discussões desencadeadas pela permanência das informações de um livro

e pela efemeridade dela na informática, surgem indagações sobre o uso do livro consumível

ou não-consumível. Aliás, essa discussão a educação, de modo geral, assiste e participa, na

tentativa de encontrar a melhor alternativa. O dilema é apresentado pelo artigo com alguns

questionamentos:

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Grita-se contra os autores, os editores, os livreiros que optam por compêndios escolares consumíveis ou que devam ser substituídos a cada ano. Simplesmente porque os livros são feitos de material caro, para durarem muitas décadas. Seria aconselhável obrigar a escola a usar o mesmo livro durante vários anos, simplesmente porque ele foi feito de um material durável? Ou seria melhor confeccionar os livros em um material mais facilmente perecível, mais barato, já que será utilizado por pouco tempo? O que não se pode fazer é querer perpetuar o manual e, com isso, imobilizar o conhecimento nele contido, pois um livro estático, imutável, armazenável é incapaz de acompanhar o nosso mundo em mudança permanente. É preciso que o instrumental de trabalho do aluno seja dinâmico. Um livro imutável seria economicamente interessante, mas de efeito educacional discutível. Se as características dos livros vêm mudando, de nada adianta culpar os livreiros, os editores, os autores. [...] Este é um dos grandes problemas do ensino atualmente. O instrumento maior do ensino do século passado, a grande fonte do saber, que era o livro, perdeu sua hegemonia para os modernos meios de comunicação de massa. Existem, hoje, várias outras “fontes do saber” tão nobres ou mais nobres do que o livro. Fontes que nos permitem “ouvir” e “ver” as informações como se tivéssemos presentes aos atos apresentados, mesmo sem que saibamos. No entanto, a maioria das escolas continua a considerar que o livro ainda é a grande fonte do saber. [...] (MANHÃES, 1984, p.22, 23). [grifo do autor]

Aliou-se à questão do livro consumível ou durável a Era da Informática anunciada

pelo autor. Para ele, as informações da nossa atualidade são efêmeras e necessitam ser

atualizadas constantemente, freneticamente, como no mundo da Informática. Nesse sentido,

ele nega a durabilidade dos livros e até mesmo o uso dele nas escolas como fonte de

informação.

O Brasil viu surgir a discussão do livro descartável e utilizá-lo com o governo militar,

já que sua introdução fora assegurada pelos técnicos americanos da USAID, assistindo, assim,

aos vários governos militares, desde o golpe de 1964. O livro descartável reúne em um único

volume os textos e o caderno de respostas. Seu uso é destinado até o final de um únco ano

letivo, quando cai em desuso. Em função da vida curta do material, era produzido em papel de

má qualidade, com pouca durabilidade, barateando seu custo. As editoras passaram a produzir

esse tipo de material por aproximadamente uma década e meia.

As editoras nacionais passaram a editar indiscriminadamente este tipo de livro que no início da década de oitenta já ocupava noventa por cento da produção geral de livros didáticos. Isso significa que anualmente estavam sendo produzidos entre e trinta milhões de livros descartáveis, de qualidade discutível, promovidos e financiados pelo Estado (FREITAG; COSTA; MOTTA, 1989, p,44).

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A partir de 1985, com o advento da Nova República, inicia-se a reintrodução do livro

durável, por intermédio de um novo Plano Nacional do Livro Didático. Com o livro didático

durável (não-consumível) nasce a possibilidade de um livro de melhor qualidade (papel, tinta,

cor, capa, etc).

Em 1985, a revista Educação em Mato Grosso, nº 29, apresenta um artigo o qual

realiza um balanço das atividades da FAE (Fundação de Apoio ao Estudante) em Mato

Grosso, além de, inicialmente, evidenciar os Programas e objetivos da FAE/MEC. Ao abordar

o assunto, apresenta, em primeiro lugar, as deficiências do ensino brasileiro, mediante

informações da FAE, quando o Ministro Marco Maciel assume a pasta :

26% da população brasileira de 15 anos é analfabeta; dos 24 milhões de crianças de sete a 14 anos, oito milhões estão fora da escola e, delas, menos de dois milhões recebem o pré-escolar; das crianças que estão na escola, 50 por cento abandonaram os estudo em conseqüência da carência alimentar e pobreza, e 83 por cento das que entram na escola na primeira série do primeiro grau não passam ao segundo grau. A fim de reverter essa situação, o Ministério de Educação afirmou que vai basear seu programa na universalização do ensino através da escola pública e gratuita para a faixa etária dos sete aos quatorze anos; na qualificação, utilizando a moderna tecnologia educacional, e na participação, através de medidas de descentralização (Revista Educação em Mato Grosso27, Nº 29, ano VIII, p. 68).

Avalia, assim, a escola pública brasileira: deficiente quantitativa, em relação à

demanda de vagas, quanto qualitativamente, baseado no processo de ensino e de

aprendizagem. Mediante tais dificuldades, abordava medidas a serem implantadas e

implementadas na educação brasileira: priorizar o ensino de primeiro grau; enfatizar o

programa de alimentação escolar e à distribuição de livros didáticos aos alunos carentes.

O autor do artigo compactua com as ações delineadas e afirma que, em pouco tempo

de gestão, as idéias foram concretizadas: redimensionamento do Mobral, eliminação do livro

descartável; participação definitiva do professor na escolha do livro; municipalização de

merenda escolar, crescimento real do programa de alimentação. Enfoca, em especial, os

programas desencadeados, a partir da FAE, destinados ao acesso e permanência do aluno

carente nas escolas, e os apresentou: Programa Editorial28, Programa de Sala de Leitura29,

27 Alguns artigos da revista Educação em Mato Grosso são apresentados sem a identificação da autoria. Considero que esse artigos são de autoria do Editorial, por isso, são referenciados à revista, nesta dissertação. 28O Programa previa que os títulos (obras referência e didáticas) fossem editados em colaboração com outras entidades educacionais e culturais. 29 Sala de Leitura tinha por finalidade dotar a escola de um acervo constituído por livros de literatura infanto-juvenil (1º grau), de periódicos – jornais, revistas – e obras de consulta – dicionários, gramáticas (2º grau), uma complementação ao Banco do Livro, ao PLIDEF e às bibliotecas.

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Programa Integrado de Saúde Escolar30, Programa de Residência estudantil31, Programa de

Bolsas de Trabalho de 2º grau profissionalizante32, Programa de Bolsa de Estudo de 1º e 2º

graus33, Programa de Material Escolar, Instrucional e Multimeios34, Programa de Módulos

Escolares35, Programa do Livro Didático para o ensino Fundamental36 e Programa Nacional

de Alimentação Escolar37.

Seguidamente, o artigo demonstra que tais ações se efetivaram no Mato Grosso.

Apresenta um balanço desses programas38, no estado, em execução no exercício de 1985, uma

pareceria entre FAE e SEC de Mato Grosso:

Posto de venda FAE em Mato Grosso – Cuiabá – Rua Barão de Melgaço n} 3827. Consignatária – Maria Conceição de Paula da Silva Rondonópolis – Av. Marechal Rondon nº 684 Consignatário – Tarso Ricardo Lopes Cáceres – Rua Tiradentes nº 558 Consignatário – Shiqueo Hayshida Barra do Garças – Rua Amaro Leite nº 17 Consignatário – Rosalvo Pinto Brandão [...] Livro Didático Quantidade de livros por aluno 1ª e 2ª série – 02 3ª série – 02 4ª série – 04 Componente Curricular CE – Comunicação e expressão MA – Matemática ES – Estudos Sociais CI – Ciências Quantidade de títulos – 08 Professores – 1795

30 Era um programa que previa ações educativas na área de medicina em geral, para conservar e prevenir a saúde das crianças. 31 Previa atender às necessidades de moradia dos estudantes de poucos recursos, que buscavam os centros urbanos para dar continuidades aos estudos. 32 Esse Programa tinha por objetivo proporcionar aos estudantes do 2º grau, desprovidos de condições financeiras, oportunidades de exercício profissional remunerados em órgãos ou entidades públicas ou privadas, envolvendo recursos do MEC e de empresas participantes. 33 Concedia bolsas de estudos para alunos de 5ª a 8ª séries, 1º grau e de 2º grau em estabelecimentos particulares de ensino regular. 34 Um programa que previa atender às necessidades dos estudantes de 1º e 2º graus, com relação ao material escolar básico, instrucional e de multimeios. 35 O objetivo principal desse Programa era a distribuição gratuita de material escolar básico para estudantes carentes de 1º grau, priorizando atendimento aos alunos carentes da zona rural e das periferias urbanas. 36 O Programa, conforme já enfocado no transcorrer desse trabalho, previa a distribuição gratuita de livros aos alunos carentes das escolas da rede oficial de 1º grau, das Universidades Federais. 37 “Merenda escolar” destinada, prioritariamente, aos pré-escolares e alunos do 1º grau, matriculados nos estabelecimentos de ensino da rede oficial. 38 A Revista Educação em Mato Grosso apresentava um balanço de todos os Programas desencadeados pela FAE, implantado e/ou implementado no estado. No entanto, resgato, aqui, apenas os resultados relacionados ao Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (PLDEF).

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Alunos – 337.990 Livros – 877.772 Custo Total Cr$ 1.553.154.795 Escolha do Livro adotado pela Escola, feita diretamente pelo professor, eliminação do livro descartável e uso de livros duráveis e reutilizáveis foram medidas adotadas e já em prática, do mais alto valor educacional, social e econômico Transferência para qualificação de Recursos Humanos 100.000.000 (Idem, p. 69 e 70).

Os dados revelam que o estado desenvolvia os programas implantados pelo Governo

Federal. No entanto, revelam, também, que o atendimento de livros didáticos ainda era

tímido, atingindo apenas os alunos de 1ª a 4ª séries, conforme direcionamento de atendimento

nacional. Mato Grosso acatou as determinações do MEC/FAE ao apoiar a ascensão dos livros

não-consumíveis, como também, no que tange à escolha do livro feita pelo professor. Vale

destacar, porém, que a escolha do livro apresentada pelo artigo, era uma escolha limitada.

Refiro-me limitada, porque estavam à mercê das listas dos títulos sugeridos e oferecidos pela

FAE.

Os vários artigos apresentados pela revista organizada pela SEC/MT demonstram que

Mato Grosso estava atento e vigilante às ações do Governo Federal/MEC com relação às

tomadas de decisões frente ao livro didático. Na revista, Educação em Mato Grosso, de 1985,

três artigos são publicados referentes ao objeto livro didático. Talvez em razão da carência do

material nas escolas da rede oficial, como também da própria Secretaria de Educação. Em

todo o cenário apresentado, não há como negar a importância destinada ao livro didático pelos

agentes políticos da educação mato-grossense no transcorrer dos anos apresentados. Vale

ressaltar, no entanto, que 85 foi o ano em que entra em vigor o novo Plano Nacional do Livro

Didático, discutido em âmbito nacional.

Em 1985, a referida revista destaca os impactos da Emenda Calmon39 no orçamento

da FAE para o ano de 1986. O artigo realça a questão orçamentária ampliada pela emenda à

FAE, e acrescenta que os recursos do Tesouro Nacional serão destinados a um dos mais

importantes programas da FAE. O Programa Nacional do Livro Didático deveria ser

contemplado com 560 bilhões de cruzeiros, revertendo na compra de 30 milhões de livros,

39 Emenda Constitucional, João Calmon. A Emenda Constitucional Nº 24 estabelecia que anualmente, a União deveria aplicar nunca menos de 13% e o Distrito Federal, Estados e Municípios 25%, no mínimo, da receita dos impostos, na manutenção e desenvolvimento da educação. Mais tarde, em 1986, a revista Educação em Mato Grosso aborda a questão dos impactos orçamentários, dessa emenda, nos municípios e estados. Muitos municípios tiveram dificuldades para concretizar a aplicação dos 25% dos recursos arrecadados, via impostos, na educação.

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para distribuir aos alunos da rede pública de todo o Brasil. Nessa distribuição cada aluno das

regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste receberiam dois livros e os das demais regiões, um

exemplar para cada aluno.

Na mesma página da revista mencionada, um outro artigo recebe destaque, assim

intitulado; “FAE negocia 35 milhões de livros didáticos para 86”. Nele há o anúncio das

negociações da FAE com as editoras para a compra de 35 milhões de livros, que representava,

já naquele período, 45% do mercado editorial brasileiro. No entanto, esclarece que pela

necessidade de o professor de sala de aula ter que escolher o livro, o tempo ficou escasso,

tendo a necessidade de tangenciar o cronograma idealizado para compra e entrega do

material, com a finalidade de cumprir o atendimento de livros aos alunos, logo no primeiro

dia de aula. Ao finalizar, sublinha a necessidade de colaboração dos estudantes com relação

ao zelo dos materiais a serem recebidos no próximo ano:

O presidente destacou também a importâncias da colaboração dos próprios alunos, pois com a extinção do livro descartável, ‘eles terão a obrigação de zelar pelos livros que vão receber no início do próximo ano, devolvendo-o à escola, ao final do período letivo, possibilitando assim a sua reutilização por outros alunos’ (Revista Educação em Mato Grosso, 1985, p. 5). [grifo do autor].

Ainda na página seis dessa mesma revista, a escolha do livro didático pelo professor é

enfatizada pelo artigo: “A escolha já está no computador”. Demonstra aqui os esforços que a

FAE vinha realizando com o objetivo de executar o Programa do Livro Didático anunciado,

inclusive, dando a liberdade ao professor de escolher o livro de sua preferência. Há a

informação de que em outubro, daquele ano, a FAE tinha encaminhado para as escolas os

novos manuais para a nova escolha do livro contendo orientações e diretrizes detalhadas,

como também, a relação de títulos publicados por editoras e Secretarias, e os códigos para as

escolhas. Em outras palavras, estava encaminhada a lista feita pela FAE dos livros que

poderiam ser escolhidos. Finalizou com o anúncio do fim da Era dos livros descartáveis para

a instauração do período do livro durável implementado com o nascimento do novo Plano

Nacional do Livro Didático, a partir de 1985, para escolha dos livros para o ano letivo de

1986.

Nesse período, só poderiam entrar nas escolas públicas ou privadas, que quisessem o

reconhecimento oficial, os títulos recomendados pelo governo:

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[...] A seleção é feita em listas fornecidas pela Diretoria do Livro Didático da FAE. A inclusão de um título nesta lista hoje é feita em relação ao custo do livro. Passando pelo crivo das comissões ou diretorias, os livros recomendados ou indicados passam a ser comprados pelo Estado (através dos organismos especialmente criados para este fim: INL, FENAME, hoje em dia a FAE) e distribuídos gratuitamente pelas Secretarias de Educação (estaduais ou municipais) ou pelas direções das escolas (FREITAG; COSTA; MOTTA, 1989, p.28).

Surgem, nesse período, discussões que defendem a necessidade e a urgência de o

professor ter a liberdade de escolher o próprio livro a ser trabalhado por ele e seus alunos, no

transcorrer do ano. A respeito do Programa Nacional do Livro Didático, de 1985 e as escolhas

no Mato Grosso, ALVES (1995) acrescenta:

Em 1985, com o lançamento do Programa Nacional do Livro Didático, consolidado legalmente pelo Decreto Lei nº 91542 de 19 de agosto de 1985, novas modificações foram feitas na política do livro didático. Já nas considerações iniciais patenteiam-se a continuidade do caráter assistencialista: reduzir os gastos da família com a educação. Mas por outro lado, inova ao reconhecer a necessidade de valorizar o magistério, oportunizando ao professor a participação na indicação do livro didático. No artigo 2º e seus parágrafos está garantida a intervenção dos professores mediante análise, seleção e avaliação contínua. Mas pelo menos em nível estadual, essas garantias têm passado ao largo do professor da rede pública, que continua escolhendo seus livros a partir da lista oficial da FAE (ALVES, 1995, p. 107).

A marginalidade do professor na escolha do livro estava inserida em caráter estadual e

nacional. Mato Grosso vivia o contexto real da educação vista no cenário brasileiro. O

professor tinha um poder de escolha limitado, e estava à mercê das listas de títulos

organizadas pela FAE. Na realidade, a fatia gorda do mercado editorial do mercado de livros

didáticos continuava nas mãos praticamente das mesmas editoras que concorriam nas vendas

ao Estado. Naquele período, já era o maior comprador de livros didáticos e, na época, esse

material já ocupava grande parte do mercado editorial do país.

Mais artigos são destinados aos livros didáticos, em 1986. O exemplar de nº 32, da

revista organizada pela Secretaria de Educação de Mato Grosso, apresentava mais dois artigos

da temática: Crianças começam ano letivo com 35 milhões de livros e Bornhausen assume

MEC e mantém metas de Maciel na FAE. No primeiro, anunciava o trabalho da FAE já em

atendimento às metas apresentadas pelo PNLD, de 1985, contempladas no exemplar anterior

da revista. O novo PNLD atenderia 25 milhões de crianças matriculadas, as quais receberiam

os livros didáticos em mãos para o começo do ano letivo de 86. A distribuição já era um

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obstáculo enfrentado pelo Programa, por isso, 10 milhões de crianças receberiam seus livros

com atraso, em função das dificuldades de impressão por parte das editoras para atender à

demanda ou por parte de dificuldades para entrega, nas regiões mais distantes e de difícil

acesso. O fato de o professor escolher o título era a máxima do artigo: “A distribuição de

livros didáticos do tipo não descartável [...] é o coroamento de um programa em que os 930

milhões de professores, lotados em 200 mil escolas do país, escolheram, através de consenso

[...]” (Educação em Mato Grosso, ano IX, nº 32, p. 3, 1986).

O segundo artigo, ao qual anunciei logo acima, diz respeito às alterações ocorridas no

MEC. Nesse período, Marco Maciel passa a ser Chefe do gabinete Civil da Presidência da

República e o novo Ministro da Educação passa a ser Jorge Konder Bornhausen.

Acrescentava que o novo Ministro mantinha Carlos Pereira de Carvalho na presidência da

FAE e anunciava que estava se inteirando das ações dos seus programas. A troca de ministro,

segundo o artigo, não abalava os investimentos no PNLD, ao contrário, deveria sofrer

acréscimos financeiros: ampliava os 35 milhões para 42 milhões de exemplares de livros

didáticos, a serem distribuídos para 210 mil escolas da rede pública do país. Nesse período, o

entrave da distribuição de livros em tempo hábil gerou acordos entre a FAE e a Empresa de

Correios e Telégrafos para atingir a entrega dos livros.

Ainda nesse mesmo ano, outro número da revista é editado, e novos enfoques são

destinados ao PNLD. O artigo relatava que o novo Programa Nacional do Livro Didático

lançado oficialmente, no dia 12/08/86, deveria atender de forma plena às diretrizes do

Programa Educação para Todos. Informava aos leitores que as alterações do PNLD

aconteceriam em razão da democratização no processo de escolha do livro. Segundo a revista,

o PNLD – 87 descentralizou suas ações, de forma que as Secretarias de Educação, com o

apoio da FAE, pudessem agilizar as suas operacionalizações. As Secretarias ficariam

responsáveis pela institucionalização e funcionamento do Banco do Livro; pela participação

no processo de seleção do livro e acompanhamento no preenchimento correto das fichas por

parte dos professores. Acrescenta:

Quanto a qualidade dos livros, cujas durabilidade deverá ser de 3 anos, como prevê o MEC, haverá modificações para que o aluno não os rasure com exercícios e anotações, permitindo a sua reutilização nos anos subseqüentes. A FAE tem procurado enfatizar que o processo de escolha do livro é permanente e os professores, no momento da indicação, devem estar atentos aos códigos constantes no catálogo da Instituição. O catálogo da Instituição se constitui em 1283 títulos de 50 editoras (Revista Educação em Mato Grosso, ano IX, nº 33, 1986, p. 6)

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Registrava-se, então, a utilização pelo PNLD do livro durável e, conseqüentemente, as

alterações também ocorridas na estrutura do próprio livro didático. Outras questões foram

colocadas referentes a alguns problemas enfrentados para a efetivação do Programa, dentre

eles, os obstáculos encontrados para a distribuição de 52 milhões de livros para o ano de

1987. Ponto crítico no Programa anterior, por isso solicitavam uma ação conjunta desde a

fabricação até a entrega, já que a distribuição é o fim da linha do processo.

De lá para cá outros questionamentos tomaram espaço na discussão do livro didático

brasileiro. A discussão ocupou-se da transferência da quantidade, não esquecida, e de grande

relevância, para a qualidade de livros didáticos comprados, emprego de dinheiro público x

enriquecimento de algumas editoras, para uso deles no contexto da sala de aula por

professores e alunos.

A partir de 1990, novas necessidades são fundamentadas na educação brasileira. As

atuais exigências sociais impõem uma revisão de paradigmas no cenário educacional. As

novas exigências estão representadas, em destaque, na nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB) e nas novas Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental.

Tem, nesse contexto, a forte presença dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),

propostos pelo MEC, que embora sem caráter de obrigatoriedade, articulam o atendimento à

LDB e às Diretrizes do Conselho nacional de Educação, contemplando essas novas diretrizes

constituindo-se em referência de âmbito nacional. Os PCN, observando as determinações da

LDB e as Diretrizes Curriculares Nacionais, propõem novos objetivos para o Ensino

Fundamental, os quais devem ser observados para a elaboração do livro didático.

Os elementos expostos acima situam-se como orientadores para melhorias no processo

de ensino e de aprendizagem nas escolas brasileiras. Esses elementos devem ser observados

quando se pretende promover mudanças em processos que envolvam o trabalho da escola. Em

tal situação se encaixa o PNLD, já que essas novas orientações indicam revisões importantes e

necessárias nas práticas escolares, portanto, necessitam estar refletida, também, na

configuração do livro didático.

Em meio a esse novo cenário educacional, é iniciado em 1996 o processo de avaliação

pedagógica dos livros didáticos para a aquisição do ano letivo de 1997. Em 1996, ocorrem

alterações no PNLD, os livros didáticos a serem adquiridos pelo governo para distribuição

gratuita aos alunos das escolas públicas, passam, primeiro, por uma avaliação prévia. Anterior

a 2001, essa avaliação era realizada pela SEF, contando com o apoio de docentes

universitários. Atualmente, ela é realizada por uma comissão formada por professores

universitários, das universidades públicas brasileiras, sob orientação da Secretaria (SEF), do

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Ministério da Educação, baseada em critérios que estejam em sintonia com a LDB, Diretrizes

Curriculares Nacionais, como também, os Parâmetros Curriculares Nacionais.

Vale ressaltar, no entanto, que, com a extinção da antiga FAE (Fundação de

Assistência ao Estudante), a responsabilidade do desenvolvimento da política do livro

didático ficou a cargo do FNDE (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação). O

referido programa foi ampliado e o MEC passou a adquirir e distribuir, gratuitamente, para

todas as séries do ensino Fundamental, livros de Alfabetização, Língua Portuguesa,

Matemática, Ciências, Estudos Sociais, história e Geografia.

As avaliações dos livros sempre se pautaram, desde o início, por critérios de natureza

conceitual e política. Para a aquisição e distribuição de livros para o ano letivo de 1999, um

terceiro critério foi acrescentado o de natureza metodológica. Os quadros abaixo representam

a evolução da formulação dos critérios para avaliação dos livros a partir do PNLD/ 1997,

segundo informações contidas em BATISTA (2003) e COSTA VAL, BATISTA (2004).

Quadro 3: Evolução dos critérios para avaliação dos livros didáticos PNLD – 1997/1998 PNLD/1997 PNLD/1998

Critérios de natureza política: os livros não podem expressar preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação

Critérios de natureza política: os livros não podem expressar preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação

Critérios de natureza conceitual: os livros não podem conter ou induzir a erros graves relativos ao conteúdo da área, como, por exemplo, erros conceituais.

Critérios de natureza conceitual: os livros não podem ser desatualizados, nem conter ou induzir a erros graves relativos ao conteúdo da área, como, por exemplo, erros conceituais.

Fonte: BATISTA (2003) e COSTA VAL, BATISTA (2004)

Quadro 4: Evolução dos critérios para avaliação dos livros didáticos PNLD – 1999/2000 - 2001 PNLD/1999 PNLD/2000 - 2001 Critérios de natureza política: contribuição para a construção da cidadania. Em respeito à Constituição brasileira e para contribuir efetivamente para a construção da ética necessária ao convívio social e à cidadania, o livro didático não poderá: - Veicular preconceitos de origem, cor, condição econômico-social, etnia, gênero e qualquer outra forma de discriminação; _ Fazer doutrinação religiosa, desrespeitando o caráter leigo do ensino público. Qualquer desrespeito a esses critérios é discriminatório e, portanto, socialmente nocivo.

Critérios de natureza política: contribuição para a construção da cidadania. Em respeito à Constituição brasileira e para contribuir efetivamente para a construção da ética necessária ao convívio social e à cidadania, o livro didático não poderá: - Veicular preconceitos de origem, cor, condição econômico-social, etnia, gênero e qualquer outra forma de discriminação; Fazer doutrinação religiosa, desrespeitando o caráter leigo do ensino público.

Critérios de natureza conceitual: correção dos conceitos e informações básicas. Respeitando as conquistas científicas da área, um livro didático não poderá formular nem manipular erradamente os conceitos e informações fundamentais das disciplinas em que se baseia, pois estará

Critérios de natureza conceitual: correção dos conceitos e informações básicas. Respeitando as conquistas científicas da área, um livro didático não poderá formular nem manipular erradamente os conceitos e informações

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descumprindo sua função mediadora e seus objetivos didáticos-pedagógicos.

fundamentais das disciplinas em que se baseia, pois estará descumprindo sua função mediadora e seus objetivos didáticos-pedagógicos.

Critérios de natureza metodológica: correções e pertinências metodológicas. Por mais diversificadas que sejam as concepções e práticas de ensino e aprendizagem, possibilitar ao aluno a apropriação do conhecimento implica escolher uma abordagem metodológica, ser coerente em relação a ela e, ao mesmo tempo, construir satisfatoriamente para a consecução dos objetivos, quer da educação em geral, quer da disciplina e do nível de ensino em questão. Por outro lado, as estratégias propostas devem mobilizar e desenvolver várias competências cognitivas básicas, como a compreensão, a memorização, a análise, a síntese, a formulação de hipóteses e o planejamento. Portanto, o livro didático não poderá, em detrimento das demais, privilegiar uma única dessas competências, sob pena de induzir a um domínio efêmero dos conteúdos escolares e comprometer o desenvolvimento cognitivo do educando.

Critérios de natureza metodológica: correções e pertinências metodológicas. Por mais diversificadas que sejam as concepções e práticas de ensino e aprendizagem, propiciar ao aluno a apropriação do conhecimento implica escolher uma opção de abordagem, ser coerente em relação a ela e, ao mesmo tempo, construir satisfatoriamente para a consecução dos objetivos, quer da educação em geral, quer da disciplina e do nível de ensino em questão. Por outro lado, as estratégias propostas devem mobilizar e desenvolver várias competências cognitivas básicas, como a compreensão, a memorização, a análise (de elementos, relações, estruturas...), a síntese, a formulação de hipóteses e o planejamento. Portanto, o livro didático não poderá, em detrimento das demais, privilegiar uma única dessas competências, sob pena de induzir a um domínio efêmero dos conteúdos escolares e comprometer o desenvolvimento cognitivo do educando.

Fonte: BATISTA (2003) e COSTA VAL, BATISTA (2004)

Com base nas avaliações, os livros recebem menções, representadas até 2004, por

estrelas. As menções vão desde a categoria Recomendado com distinção (três estrelas) até os

Recomendados com ressalvas (uma estrela). Além dessas categorias existem também os não-

recomendados (não representado por estrela e utilizada apenas até a inclusão dos critérios de

natureza metodológica) e os excluídos, estes últimos são títulos que as escolas não podem

escolher, em razão de não contemplarem os critérios de natureza política, conceitual e/ou

metodológico.

A partir dessas avaliações que a SEF elabora o Guia do Livro Didático. O Guia possui

resenhas das obras recomendadas e o distribui nas escolas para concretizar a escolha do livro

didático a ser utilizado. Vale ressaltar que a linguagem iconográfica das estrelas foi suprimida

no PNLD de 2004, priorizando a leitura crítica do guias pelos professores.

Tendo em vista a historicidade do livro didático no Brasil, verificou-se que inúmeras

instâncias federais e estaduais já foram responsáveis por ele. Assim, várias políticas surgiram

com o objetivo de regular a produção, utilização e distribuição do livro didático aos alunos da

escola pública brasileira. O PNLD, implementado para o contexto educacional

contemporâneo, firmou-se em paradigmas educacionais que contemplem as novas diretrizes

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educacionais, no entanto, acredita-se que muitos desafios devem ser rompidos para que

melhor atenda aos seus objetivos.

3.2 O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM MATO G ROSSO:

CASOS DE PRODUÇÃO.

Mato Grosso não apresenta características de um estado produtor de livros didáticos,

nem exportador de teorias via publicações de textos didáticos. Ao contrário, ele é nutrido

pelas produções didáticas de outros centros. Falo nutrido porque compreendo que à medida

que se compra e se adota um determinado material está se nutrindo, valendo-se das teorias e

concepções inerentes ao material. No entanto, para contrariar essa assertiva encontrei dois

livros didáticos de língua portuguesa produzidos em Mato Grosso.

O primeiro deles, é datado de 195540. O exemplar encontrado é uma segunda edição

melhorada, produzido pela Tip. Escola Industrial de Cuiabá, fato que pode evidenciar o uso

do material nas escolas, solicitando uma segunda tiragem. O livro didático é uma obra de

Cesário Neto e Célia N. de Barros Figueiredo, e foi encontrado com um sujeito desta

pesquisa, a professora Marly. Segundo ela, foi um material muito utilizado na Escola Ginásio

Brasil, extinta escola estadual situada no município de Cuiabá.

Trechos Selecionados, denominação do material, é uma obra de seletas de textos:

contos e poemas, destinados ao trabalho com a língua materna. Três desses textos chamou-me

a atenção, intitulados: Fundação de Cuiabá, de António Fernandes de Sousa, este na primeira

parte do livro, A primeira missa, de D. Aquino Corrêa e Cuiabá de outrora, Hebert H. Smith

e Carlos Von Den Stein (Condensação e refundição), ambos na quarta parte do livro. O último

texto apresentava a seguinte informação: impressões de uma visita feita no século passado por

dois estrangeiros ilustres. Chamaram-me a atenção esses três textos, referentes à história de

Cuiabá, porque sugerem a leitura de que seria uma seleta realmente para atender ao contexto

dos alunos mato-grossenses, ainda que tímida presença, em meio aos demais textos da

literatura brasileira e portuguesa, e um texto de Willian Shakespeare.

Não foi possível encontrar informações detalhadas desse livro. Inúmeras são as marcas

de uso encontrados no exemplar cedido pela professora Marly, deduzindo que ele foi

40 O ano de publicação da obra não coincide com o período delimitado por esta pesquisa, no entanto é um dado muito importante para uma possível história do livro didático de língua portuguesa em Mato Grosso. Parcas foram as obras produzidas no estado por isso considerei relevante apresentá-la aqui. Ressalto, no entanto, que não me detive a uma análise mais primorosa do material. Outras investigações poderão revelar dados importantíssimos no que se referem à concepção de língua e do ensino de língua materna, no Estado, a partir da análise deste material.

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amplamente utilizado, senão nas escolas mato-grossenses como um todo, ao menos, na escola

Ginásio Brasil, local da escolaridade do sujeito. Das anotações encontradas, no transcorrer do

livro, inclinei-me para a que estava no final da última página do livro: “Os requisitos da

leitura são: devagar, falar alto, pronunciar bem”41. São princípios didáticos que compactuam

com as teorias do período, a arte do bem falar.

Produção de leitura e de texto42 é o segundo livro didático ao qual me refiro como

produção mato-grossense, de Lucia Helena Vendrúsculo Possari e Maria Lucia Cavalli Neder.

As autoras são professoras da Universidade Federal de Mato Grosso e o livro produzido pela

Editora Universitária, em Cuiabá. O exemplar a que tive acesso é de 1993, e caracterizado

como Material Instrucional de produção de leitura e de texto.

O referido exemplar é da década de 90, no entanto, o projeto original de produção de

um livro didático é de 1981, via Programa de Integração Universidade/Ensino de 1º Grau da

SESU/MEC. O projeto foi apresentado em 1981 e aprovado em 1982. Entre 1982 e 1983, o

material estava confeccionado pelas autoras com a contribuição de professores de duas

escolas estaduais, de Cuiabá: Ferreira Mendes e Ulisses Cuiabano, conforme informação da

revista Educação em Mato Grosso:

Ainda em 1982 e no 1º semestre de 1983, foi elaborado o material pelas professoras Lúcia Helena Vendrúscrulo Possari e Maria Lúcia Cavalli Neder, com a participação dos professores das escolas Ferreira Mendes e Ulisses Cuiabano (conveniadas para fins de estágio curricular) e alunos da Prática de Ensino de Língua Portuguesa do curso de Letras. No 2º semestre de 1983, o material foi testado nas escolas citadas, tendo aprovação de alunos, professores e estagiários (conforme consta no relatório). Em dezembro do mesmo ano, foi feita a editoração do material na Imprensa Universitária. Neste ano, as escolas, as escolas, no total de 9 turmas, estão utilizando em forma de livro-texto o Material Instrucional. O Programa citado inicialmente tem continuidade com vários trabalhos na UFMT e, ainda no 2º semestre, as professoras do Deptº de Letras estarão testando o Material Instrucional para a 6ª série, em continuidade ao projeto inicial (POSSARI e NEDER, 1984, p.8).

A produção foi fruto de um projeto firmado entre Secretaria de Educação/MEC e

Departamento de Letras da Universidade Federal de Mato Grosso. As escolas pilotos, citadas

41 Anotação encontrada no final do livro Textos selecionados, livro mato-grossense, foi feita, provavelmente pela professora Marly. Relaciono a anotação à referida professora porque o exemplar foi cedido por ela. 42 Não faço uma análise detalhada desta produção, apenas alguns aspectos são levantados com relação à elaboração, produção e divulgação do material.

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acima, participaram do projeto, tanto na elaboração quanto na experiência prática, ou seja, os

professores dessas unidades escolares é que utilizaram o material no contexto da sala de aula.

As autoras fecham a parte editorial da revista do vol. IV, de 1993, da seguinte forma: “Assim,

os trabalhos de textos estarão voltados para a adequação de suas produções orais, escritas e

não-verbais, tendo como ponto de partida a imagem do interlocutor e como forma de escrita,

as maneiras de, textualmente, se integrar com o leitor” (POSSARI e NEDER, 1993, p. 4). É

um material em que predomina o preto e branco, com a presença de textos verbal e não-

verbal. O livro aborda uma diversidade textual não muito comum em outros livros didáticos

contemporâneos a ele, utilizando de diversas tipologias. O material, dessa forma, trabalha

com textos que são comuns ao contexto social dos alunos, utilizando-se de fontes como

jornais e revistas. Em depoimento a Profª Lúcia Helena Vendrúsculo Possari afirmou que o

material foi adotado por doze anos em um colégio particular da capital mato-grossense.

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4. VEICULAÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGU ESA EM MATO

GROSSO

Neste capítulo discuto a veiculação de títulos de livros didáticos de língua portuguesa

em Mato Grosso. Investiguei no Arquivo Público do Estado indício de títulos de livros

veiculados nas escolas, no período de 1970 a 2000, e os documentos encontrados não faziam

referências a eles, razão que me levou a solicitar informações da SEDUC (Secretaria de

Educação e Cultura de Mato Grosso) sobre os títulos e por mais uma vez deparei com a

ausência dos dados oficiais.

Na ausência de registros dos dados oficiais sobre a veiculação de títulos de livros de

língua portuguesa, em Mato Grosso, busquei alternativas para encontrá-los. Investiguei-os em

bibliotecas de escolas e em acervos particulares dos professores-sujeitos. No entanto, o fato de

encontrá-los nas bibliotecas não caracteriza uso. Porém, o caminho percorrido viabilizou

algumas leituras com relação aos títulos encontrados: que alguns deles estavam ali porque

realmente foram adotados para uso na sala de aula, ou seja, a partir deles os professores

desenvolveriam suas aulas e os alunos tinham o mesmo título solicitado pelos professores. Ou

ainda, que alguns deles estavam ali, principalmente os de acervo particular do professor,

como fonte de pesquisa. Além dessas buscas em bibliotecas, obtive dados a partir de um

questionário que professores de escolas públicas preencheram, em pesquisa preliminar.

Nesses questionários os professores registraram livros utilizados tanto na sua carreira

estudantil quanto em sua carreira docente. O objetivo era encontrar os títulos mais veiculados

no Estado.

O livro didático com o passar dos anos foi se caracterizando como uma fonte de

pesquisa, tanto para professores como para alunos. “O livro didático constitui-se hoje não só

numa fonte de consulta pessoal para o professor – às vezes a única -, mas também no maior

instrumento de popularização do conhecimento histórico” (DIEHL, 1999, p. 33). Assim, esses

títulos ainda que não adotados para uso na sala de aula, em algum momento, certamente, foi

utilizado pelos professores ou por alunos, como fonte de pesquisa, para tirar dúvidas ou, como

dito pelos professores, para enriquecer as aulas.

Considerando-os como fonte de pesquisa pessoal do professor, não podem ser

desconsiderados no sentido de contribuição no ensino da língua materna no estado de Mato

Grosso. Em algum momento eles estiveram presentes nas aulas como enriquecimento de

conhecimento, para ser contraponto de algum conteúdo ou como transposição de suas

atividades, por isso julguei necessário listar todos os títulos encontrados, porque, certamente,

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eles não contam simplesmente histórias, mas, significativamente, fizeram a história dos livros

de linguagem no Mato Grosso.

Além de elencar os livros encontrados foi possível perceber algumas recorrências nas

listas de localização. Alguns títulos foram encontrados em repetidas bibliotecas, fato que

merece reflexão. Não é por acaso que foram encontrados em várias bibliotecas: pode revelar

que eles foram adotados para as aulas de língua portuguesa, como pode revelar que os

professores ao utilizarem como fontes de pesquisa tinham forte tendência para compactuarem

com as concepções de línguas ali vinculadas. “O catálogo de uma biblioteca particular pode

servir como perfil de um leitor, mesmo que não leiamos todos os livros que possuímos e

leiamos muitos livros que nunca compraremos” (DARNTON, 1990, p. 152). A presença deles

já é um forte indício de uso, de concepção, menciono essa questão porque quando ouvidos, os

sujeitos, ao apresentarem os livros de seus acervos particulares, demonstraram certas

inclinações, preferências por alguns títulos, mesmo aqueles que não foram adotados em sala

de aula. Assim como também, quando em contato, os professores da pesquisa preliminar

sempre apresentavam algumas inclinações por alguns títulos, ainda que estes não tivessem

sido adotados oficialmente na escola em que trabalhavam.

É uma pena que não consegui visitar todas as bibliotecas particulares dos sujeitos,

incluindo aqui, os da primeira fase desta pesquisa, os sujeitos do questionário preliminar.

Certamente teria tido a oportunidade de conhecer títulos subadotados em sala, com essa

expressão quero dizer que quase sempre o professor adota um livro, por imposição, antes do

período de democratização da escolha do livro didático, ou por acatar a opinião da maioria de

um grupo, mas, certamente, o professor tem outros livros, que rotineiramente faz suas

pesquisas, por isso o chamo de subadotados em sala. Essas opções de textos didáticos são

notáveis pelas expressões dos sujeitos, a exemplo: ah! Esse aqui é muito bom... nossa, eu era

dona de tirar exercícios desse livro... quando tenho dúvidas sempre pesquiso nesse aqui...

Logo eles não podem ser excluídos de uma investigação sobre os livros didáticos de língua

portuguesa.

Para encontrar alguns títulos adotados em sala de aula pelos professores entre as

décadas de 1970 a 2000, foi preciso realizar um cruzamento de dados encontrados nas

bibliotecas com os mencionados pelos professores, tanto os entrevistados quanto os que

fizeram parte da pesquisa preliminar. Ou seja, levei em consideração os títulos encontrados e

relacionei-os com os títulos que os professores da pesquisa preliminar mencionam nos

questionários respondidos no que tange aos livros utilizados na época da escolaridade, no

início da carreira docente e atualmente. Vale lembrar, no entanto, que os resultados a serem

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apontados, posteriormente, são leituras baseadas em incidências de repetições de títulos no

transcorrer da pesquisa.

Os professores que preencheram o questionário preliminar estão na ativa, assim como

dois profesores-sujeitos da segunda parte desta pesquisa, por isso mencionam livros utilizados

em 2006. Assim como os professores aposentados mencionam títulos anteriores à década de

70, mas que foram utilizados por eles. Houve a necessidade de recuos e avanços temporais

para uma noção de títulos veiculados no Estado.

Vale lembrar que o processo de veiculação dos títulos é apenas uma parte do circuito

do livro escolar: da produção aos agentes que aprovam os livros aos consumidores finais, os

alunos.

4.1 O CIRCUITO DO LIVRO ESCOLAR 43

Os livros de uma maneira geral passam por um mesmo ciclo de vida e a sua história

desperta atenção para cada fase desse processo. Ele pode ser descrito como um circuito de

comunicação “que vai do autor ao editor (se não é o livreiro que assume esse papel), ao

impressor, ao distribuidor, ao vendedor, e chega ao leitor” (DARNTON, 1990, p. 112). Da

ponta inicial, o autor, até chegar à ponta final, que encerra esse circuito, o leitor, inúmeras

implicações interferem nesse intercurso, que são mobilizados na tentativa de instaurar a

ordem do livro, que seria a coerção do texto sobre o leitor. Mas para Darnton (1990) o leitor

encerra esse ciclo porque é ele que vai dar vida à palavra impressa, assim, ele influencia o

autor antes e depois do momento de composição.

Essa influência não é difícil de se perceber nas edições dos livros, nos diversos

gêneros textuais. Essa interferência pode se manifestar em forma de reflexão do autor a

respeito de trabalho anterior, no caso das reedições, ou mesmo prever algumas situações de

reações adversas que poderão surgir. Machado de Assis em seus textos sempre reserva um

espaço para conversar com seu provável interlocutor, usando algumas expressões de

conversas imediatas com seus leitores, a exemplo: “abane a cabeça leitor”. Ainda é possível

percebê-las nas reedições e que por algum motivo o autor faz alterações em relação ao texto

original. Assim,

43 Márcia de Paula Gregório Razzini utiliza esta expressão no artigo “Livros e leitura na escola brasileira do século XX”. O artigo destaca aspectos relevantes na trajetória da história do livro e da leitura na escola do século XX. Mais informações ver RAZZINI (2005).

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O circuito percorre um ciclo completo. Ele transmite mensagens, transformando-as durante o percurso, conforme passam do pensamento para o texto, para a letra impressa e de novo para o pensamento. A história do livro se interessa por cada fase desse processo e pelo processo como um todo, em todas as suas variações no tempo e no espaço, e em todas as suas relações com outros sistemas, econômico, social, político e cultural, no meio circundante (DARNTON, 1990, p. 112).

O circuito do texto escolar não é diferente. Ele faz o percurso completo: do autor ao

leitor - professor e aluno. São inúmeras as situações em que o autor se aproxima do leitor-

professor, por exemplo, quando ele antecipa uma provável escolha ao referir que a obra está

de acordo com a Lei que direciona a educação em um determinado espaço/tempo. Ou ainda,

antecipa como uma imposição do próprio sistema, ou seja, às vezes a condição para

veiculação e adoção dos títulos didáticos é que eles estejam em conformidade com o currículo

oficial vigente, o que, de uma certa forma, não deixa de ser um cerceamento das escolhas.

Não é raro observar nas edições didáticas o anúncio de que as obras estão em

conformidade, por exemplo, com a Lei 5692/71, atualmente com os Parâmetros em Ação

(PCN) e assim por diante. Para RAZZINI:

O controle da instituição patrocinadora da educação sobre o livro didático sempre fez parte da história desse objeto cultural, seja no ensino religioso, leigo, público ou privado. Daí a necessidade da freqüente composição entre os que na ponta da produção (autores e editores) e os agentes encarregados da aprovação dos livros para uso dos seus consumidores finais, os alunos. (RAZZINI, 2005, p. 106 e 107).

O livro Reflexão e Ação, de Marilda Prates, uma edição de 1984, o qual realizo análise

no próximo capítulo, logo no início, na capa da obra, apresenta uma nota: OBRA

ATUALIZADA. A nota vem em destaque para identificá-la e para que o leitor, o professor,

saiba das modificações e tenha curiosidade de conferir as alterações ocorridas. Aqui, é o

autor, provavelmente, levando em consideração a opinião do leitor, professor, neste momento

respondendo às críticas com as alterações. Mas não se pode negar, a existência também dos

agentes reguladores das edições didáticas e bem provavelmente interferem diretamente na sua

produção. As obras didáticas, nas suas edições, trazem ajustes em função dos leitores, mas

também, para atender às necessidades dos padrões estabelecidos pelos agentes reguladores.

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No Brasil, registra-se que essa função reguladora foi exercida, ora mais frouxa, ora mais cerrada, pela Companhia de Jesus, pela metrópole portuguesa e pelos governos nacionais (central, províncias e estaduais). No Império nota-se que a produção regional de livros escolares, embora numericamente mais modesta que a da corte, sempre teve importância na hora das adoções e validações oficiais em várias províncias brasileiras, pois o processo de autorização era local. A república deu continuidade a esse processo. Os governos estaduais autorizavam o uso e a adoção dos livros didáticos nas escolas públicas, quer seja sob a alegação da necessidade de uniformização do ensino, quer seja porque legislavam sobre programas e currículos, ou ainda porque se converteram em principais compradores do produto. Assim, só poderiam ser adotados nas escolas públicas os livros didáticos aprovados previamente pelos conselhos de instrução pública ou órgãos similares. (Idem, p.107).

Esse processo de aprovação realizada pelos agentes reguladores interferiu ativamente

na produção do livro didático. Atualmente, o padrão de qualidade estabelecido pelo estado é

outro, instituído nas avaliações prévias dos materiais, realizada por uma comissão de

professores, docentes das universidades, mas que certamente interferem na produção e na

própria escolha do professor. A escolha do livro didático se alterou, atualmente, ela é mais

democrática. Os professores se reúnem para realizar as análises dos livros que são

encaminhados paras as escolas, mas que certamente são influenciados pelos critérios

estabelecidos pela comissão que avaliava previamente, por meio dos guias dos livros didáticos

encaminhados para as escolas. O guia contém o resumo das obras e a sua avaliação, esta

última é indica por menções, que são representadas por estrelas : três estrelas, Recomendado

com Distinção; duas estrelas, Recomendado; uma estrela, Recomendado com Ressalvas. O

código iconográfico das estrelas deixou de existir, conforme mencionado anteriormente, no

PNLD de 2004.

O Estado veio, no transcorrer dos anos, transformando-se no maior comprador de

livros didáticos, à medida que tomou como obrigação a distribuição gratuita de livros aos

alunos da rede pública. Ele dita as regras para as compras e os autores e editoras se organizam

para atender às necessidades do mercado. No livro Reflexão e Ação, de Marilda Prates, de

1984, logo na apresentação, a autora diz:

Estamos apresentando a edição atualizada ... O valor deste trabalho está no resultado das experiências vividas ao longo desses cinco anos, no contato direto e troca de experiências com os professores do país, no respeito à imagem do próprio aluno, à sua capacidade pessoal, no respeito a estruturas definidas pelos educadores. (PRATES, 1984, s/p.)

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O resultado da reedição é atribuído ao contato com os leitores da obra, professores e

alunos, ou seja, as novas necessidades dos leitores é que ditaram a reestruturação dela como

um todo. Essa reedição, a exemplo, é o resultado da interferência do leitor no autor. O leitor,

como dito anteriormente, é um elemento inusitado que encerra o circuito do livro e que faz

interferência antes da obra ser processada como no próprio ato da composição.

O trecho anterior citado do livro Reflexão e Ação revela a composição de um texto

persuasivo, com a intenção de convencer o professor de que aquele livro é estruturado na

realidade do professor e do aluno. Funciona como uma propaganda, uma estratégia de

marketing da editora. No transcorrer da apresentação, a autora vai apontando os lugares onde

ocorreram as alterações na obra e explicando o porquê foi feita. Deixa ainda uma nota no final

esclarecendo que se o professor preferir a edição original, continuará no mercado, ficando a

cargo do professor escolher aquela que melhor atender às necessidades e os objetivos da sua

realidade.

Essas alterações foram realizadas para atender às novas necessidades do mercado.

Alterações não realizadas significam livro fora do tão promissor mercado dos livros didáticos.

Os anos 80 foram uma continuidade das transformações ocorridas nos textos didáticos,

iniciadas nos anos 70. Anterior a essas décadas os livros passavam mais tempo no mercado

com um mínimo de alterações. Posteriormente uma das marcas do novo mercado foi a

efemeridade das obras, elas passam menos tempo no mercado e logo precisam ser

reorganizadas, reestruturadas em função do público emergente, das concepções, do

conhecimento.

Os fatores acima mencionados interferem no processo de produção do texto escolar e

compõem o seu circuito. CHARTIER (1990) acrescenta que há uma diferença entre “texto e

impresso, entre o trabalho da escrita e a fabricação do livro” (p, 126). Isso porque existem os

dispositivos utilizados pelo autor, das estratégias de escritas, das intenções do autor e os

dispositivos empregados pelos padrões editoriais que levam em conta leitores e leituras que às

vezes estão distantes das pretensões do autor. O texto escolar não foge a esses padrões que

cerceiam todo o seu processo que vai do autor ao leitor.

As interferências descritas no ato de composição e de produção do texto didático vão

surgindo com a expectativa de que os textos moldem a recepção dos leitores, ainda que estes

sejam ativos. O texto didático, de certa forma, tendencia a homogeneização das leituras, ainda

que sejam através de padronização de conteúdos, nas diversas disciplinas. Mas o professor,

assim como qualquer outro leitor, tem a sua liberdade diante de um texto na produção de

sentido. Ainda, o texto só terá sentido, vida, quando em contato com o seu leitor, é a partir daí

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que ele será dotado de sentido e ganha uma rede de significações. É nesse sentido que o leitor

encerra o circuito do livro, do texto escolar, porque são os professores e alunos que

construirão redes de sentidos ao texto impresso, por meio do uso diário na sala de aula ou via

sua utilização para pesquisas, como recurso didático.

A leitura não é estática, ela varia de cultura para cultura. Não se pode acreditar que o

ato de ler seja simplesmente uma habilidade, é mais que isso. O ato de ler se transforma numa

maneira de fazer sentido e sofre variações de cultura para cultura. Compreender como o

professor lia em um determinado espaço/tempo com os textos didáticos poderia dar indícios

de como ele compreendia a educação, as concepções de linguagem, por exemplo.

Neste capítulo, falo da veiculação dos livros didáticos de língua portuguesa, em Mato

Grosso. Aqui, refere-se apenas a uma ponta do circuito do texto escolar, a sua circulação nas

escolas, entre professores e alunos. A pesquisa pode nos revelar alguns indícios de títulos

utilizados no cenário da escola pública mato-grossense. Mas neste momento, não faço

reflexões sobre como o professor realizava suas leituras para se compreender as suas

concepções. Esta reflexão foi deixada a cargo do capítulo que dá voz e vez aos autores e

atores desta história, os professores-sujeitos.

4.2 TÍTULOS DE LÍNGUA PORTUGUESA: CIRCULAÇÃO EM MAT O GROSSO.

Apresento aqui três quadros com nomes de alguns livros didáticos de língua

portuguesa. O primeiro quadro refere-se aos títulos encontrados na biblioteca da escola

Presidente Médici, nos acervos particulares dos professores-sujeito: Marlúcia, Marly e

Ivonete. O quadro é composto de título da obra, autor, editora, ano de publicação, série e a

localização. Alguns títulos foram localizados com recorrência em bibliotecas diferentes, por

isso um mesmo título está com localização distinta.

O quadro dois é resultante do questionário entregue em oito escolas estaduais do

município de Várzea Grande, Mato Grosso, constituindo a primeira parte desta investigação, a

pesquisa preliminar. No roteiro, os professores respondiam à perguntas sobre sua formação

acadêmica, atuação docente e mencionavam alguns títulos didáticos de língua portuguesa

utilizados na sua carreira estudantil e docente, os últimos deveriam referir-se ao momento

inicial e atual da carreira. Na análise dos questionários percebi que alguns livros reiteradas

vezes foram mencionados por sujeitos diferentes. Tomei o fato como um indício de circulação

mais acentuada no Estado, razão que me levou a construir o quadro com os seguintes itens:

livro didático, autor, editora, número de vezes mencionado e ano de uso.

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A professora Marly, além de possuir um acervo de livros didáticos em casa, tinha

também uma memória dos livros adotados no transcorrer da sua carreira profissional. Na

maioria das vezes, conseguiu lembrar do ano em que adotou determinada obra. Em outras

vezes foi possível identificar o ano via anotações da docente no próprio material. Não foram

raras as vezes que encontrei registros em seus livros com marcas de usos das lições.

Comumente encontrei escrito no canto das páginas algumas anotações de pesquisas, de

explicações que foram trabalhadas em sala, como também o ano de uso. Em alguns observei

dia, mês e ano, motivos que me levaram a construir o terceiro e último quadro, apresentando:

livro didático, autor, editora e ano de uso.

Três quadros fazem parte deste tópico, conforme se observa a seguir:

Quadro 5: livros localizados nas bibliotecas particulares dos sujeitos, nos sebos e nas bibliotecas escolares Nº Título Autor Ano de

publicação Série Editora Localização

da obra 01 Comunicação em Língua

Portuguesa J. Milton Benemann 1975 5ª Ática Acervo da

profª Marly

02 Comunicação e Expressão em Português

Jairo F. Martins 1976 6ª Editora do Brasil S/A

Acervo da profª Marly

03 Português Funcional João Teodoro D’Olim Marote

1971 Vol. I Companhia Editora Nacional

Acervo da profª Marly

04 Atividades de comunicação em língua portuguesa

Hermínio G. Sargentim

1986 8ª IBEP Acervo da profª Marly

05 Português Tempo de Comunicação

Ana Barbieri; Nilce Gardelha e Norma Discini

1981 8ª Editora do Brasil S/A

Acervo da profª Marly

06 Português Oral e Escrito Dino Preti 1979 8ª Editora Nacional

Acervo da profª Marly

07 Comunicação Em Língua Portuguesa

Carlos Faraco e Francisco Moura

1980 1983

7ª 6ª 5ª

Ática Profª. Marly Acervo da profª Marlúcia

08 Linguagem e Vida Norma Goldstein e Marinez Dias

1993 5ª e 6ª Ática Acervo da profª Marly

09 Comunicação Atividades de Linguagem

Reinaldo Mathias Ferreira

1978 8ª 6ª e 7ª

Ática Acervo da profª Marly Acervo da profª Marlúcia

10 Português de Todo Dia Luís Agostinho Cadore

1990 5ª Ática Acervo da profª Marly

11 Texto e Contexto

Lídio Tesoto 1986 5ª Editora do Brasil

Acervo da profª Marly

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95

Biblioteca Presidente Médici

12

Comunicação em Língua Portuguesa

Gessy Camargo; Mariza Ferzeli e Moreli Arantes.

1981

6ª 7ª

Ática

Acervo da profª Marly Acervo da profªMarlúcia

13

Escrevivendo comunicação e expressão

Janice Janete Persuhn

1982 1982

8ª 5ª

Editora do Brasil

Acervo da profª Marly Acervo da profª Marlúcia Biblioteca Médici

14 Português ao alcance de todos

Nélson Custódio de Oliveira

1965 1968 1972

44 ____

45 ________ Gráficos Bloch S/A46

Acervo do NUPED47 - Rondonópolis Acervo da profª Marlúcia

15 O jogo da linguagem Geraldo Matos e Eurico Back

1977 6ª FTD Acervo do NUPED - Rondonópolis

16 Estudo dirigido de Português

Reinaldo Mathias Ferreira

1971 1973 1974 1982

2ª, 3ª e 4ª série ginasial 5ª e 6ª 8ª 7ª

Ática Acervo da profª Marlúcia Acervo da profª Marly

17 Comunicação e Expressão em língua portuguesa

Leodegário A. de Azevedo; Layla da Silveira Thomaz e Maria Augusta do Coutto Bouças

1974 5ª à 8ª Edições Gernasa

Acervo da profª Marlúcia

18 Estudos de Língua Portuguesa

Cândida Zuaini Menezes e Marlene Karabolad de Matos Paulo

48________ 6ª FTD Acervo da profª Marlúcia

19 Língua Nacional André Costa Cavalcante

1983 5ª Editora do Brasil

Acervo da profª Marlúcia

44 O exemplar encontrado não apresenta o ano de publicação. 45 O exemplar encontrado apresenta o nome da gráfica: Gráficos BLOC 46 Este exemplar localizado com a professora Ana Lúcia foi impresso por: Gráficos BLOCH S/A 47 Refiro-me ao Núcleo de Pesquisa em Educação de Rondonópolis, o qual faz parte de um grupo de pesquisa interinstitucional. 48 O exemplar localizado não apresenta o ano de publicação.

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96

20 O brasileiro e a comunicação

Cândida Zuaini Menezes; Marlene Karabolad de Matos Paulo e Maria Ofélia Cosme

1978 6ª FTD Acervo da profª Marlúcia

21 Português Básico Maria da Conceição Castro Souza

1984 5ª e 8ª Saraiva

Acervo da profª Marlúcia

23 Vamos, ler, ouvir, falar e escrever

Francisco de Assis Maranhão

1980 5ª IBEP Acervo da profª Marlúcia Sebo da cidade Acervo da profª Marly

24 Português em tempo de comunicação e expressão

Luiz Antônio Saconni

1975 5ª Companhia Editora Nacional

Acervo da profª Marlúcia

25 Português Fundamental Izaías Branco da Silva

1970 5ª IBEP Acervo da profª Marlúcia

26 Aprenda Português Francisco Lê; Márcia Moraes e Mário César Moraes.

49_________

6ª IBEP Acervo da profª Marlúcia

27 Português Prático e Teórico

J.R.Andrade e J.F. Martins

1981 5ª e 7ª Editora do Brasil

Acervo da profª Marlúcia

28 Aulas de Comunicação em Língua Portuguesa

Luís Antônio 1985 7ª Ática Acervo da profª Marlúcia

29 O jogo da linguagem Geraldo Mattos e Eurico Back

1978 5ª FTD Acervo da profª Marlúcia

30 Português Fundamental

Domingos Paschoal Cegalla

1972 5ª Companhia Editora Nacional

Acervo da profª Marlúcia

31 Aprender é Viver Amara Fiore 1979 5ª Editora do Brasil

Acervo da profª Marlúcia

32 Comunicação e Expressão

Ana Luísa Pimentel de Almeida

1978 5ª e 6ª Livraria Lê Editora

Acervo da profª Marlúcia

33 Hora de Comunicação Domingos Paschoal Cegalla

1976 50__________

6ª 5ª

Companhia Editora Nacional

Acervo da profª Marlúcia Biblioteca Presidente Médici

49 O exemplar localizado não apresenta o ano de publicação. 50 O exemplar localizado na Escola Presidente Médici não apresenta o ano de publicação.

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97

34 Palavra e ação, português : recepção e produção de textos

Ana Maria de C. Guedes; Clodoaldo Meneguello Cardoso e Nelson Neto da Silva.

1983 6ª Editora do Brasil

Acervo da profª Marlúcia

35 Novos Caminhos em comunicação e expressão

F. Tescarolo e L. Megale

1976 7ª e 8ª FTD Acervo da profª Marlúcia

36 Comunicação em língua nacional

J. Milton Benemann e Myrian Zahur Elias

1973 5ª e 6ª Ática Acervo da profª Marlúcia

37 Português: treinamento e criatividade

Fábio Márcio; Carlos Marciel; José Starling e Tarcísio Ferreira.

1973 5ª Vigília Acervo da profª Marlúcia

38 Português Hiram R. de Oliveira e J.G. Danelon

1980 5ª e 8ª Ática Acervo da profª Marlúcia

39 Comunicação em Português

Domício Proença Filho

1979 5ª Ática Acervo da profª Marlúcia

40 Português através de exercícios

Fernando dos Santos Costa e Telmo Correia Arraias

1975 51______ Ática Acervo da profª Marlúcia

41 TDCE: trabalho dirigido de comunicação e expressão em língua portuguesa.

Roberto Melo Mesquita e Cloder Rivas Martos

1975 5ª Saraiva Acervo da profª Marlúcia

42 Comunicação e expressão Jane Cherém e Maria Neusa Guadalupe

1977 5ª e 6ª Livraria Lê Editora

Acervo da profª Marlúcia

43 Português através de textos

Magda Soares

1969 1ª série ginasial

Bernardo Álvares S/A

Acervo da profª Marlúcia

44 Português, estudo integrado através de textos

R. M. Mattosinho; W. Arruda e A. J. Nascimento

52_________

1ª série ginasial

IBEP Acervo da profª Marlúcia

45 Curso de Português: gramática

Souza Diniz 1967 Ginásio Livraria Nobel

Acervo da profª Marlúcia

46 Comunicação, Expressão e criatividade em português

Audemaro Taranto Goulart; Márcia Texeira de Sousa e Oscar Vieira da Silva

1976 5ª a 8ª Editora do Brasil

Biblioteca Presidente Médici

47 Língua Portuguesa Gillio Giacomozzi; Gildete V. Boechat e Laìs de Oliveira Ribeiro

53_________

5ª FTD Biblioteca Presidente Médici

51 O exemplar encontrado é o manual do professor, contemplando as quatro séries finais do 1º grau. 52 O exemplar encontrado não apresenta ano de publicação. Bem provavelmente publicado anterior a 1971, uma vez que apresenta a nomenclatura das séries conforme a lei 4024. 53 O exemplar localizado não apresenta ano de publicação.

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98

48 Produção de Leitura e de Texto

Lúcia Helena Vendrusculo Possari e Maria Lúcia Cavalli Neder

1993 Volume IV

Editora Universitária

Biblioteca Presidente Médici

49 Português no ginásio Raul Moreira Lellis 54__________

1ª e 2ª séries ginasial

55_________ Sebo da cidade

50 Reflexão e ação em língua portuguesa

Marilda Prates 1984 5ª Editora do Brasil S/A

Acervo da profª Ivonete Biblioteca Presidente Médici

51 Curso Moderno em Língua Portuguesa

Douglas Tufano 1991 7ª Moderna Acervo da profª Ivonete

52 Descobrindo a gramática Gilio Giacomozzi; Gildete Valério e Claúdia Redá Fenga

2000 5ª FTD Acervo da profª Ivonete

53 Português: Dialogando com textos

Beatirz Marcondes e Paula Parisi

2002 5ª Formato Acervo da profª Ivonete

54 Português: leitura , produção e gramática

Leila Lauar Sarmento

2002 6ª Moderna Acervo da profª Ivonete

55 Português na ponta da língua

Lino de Albergaria; Márcia Fernandes e Rita Espechit

2002 7ª Dimensão Acervo da profª Ivonete

56 Palavras Hermínio Sargentim 2002 5ª IBEP Acervo da profª Ivonete

57 Linguagens no século XXI; Língua Portuguesa

Heloísa Harue Takasaki

2002 5ª IBEP Acervo da profª Ivonete

58 Tecendo textos-ensino de língua portuguesa através de projetos

Tânia A. Oliveira; R. Bertolin e A.S. Silva

2002 5ª IBEP Acervo da profª Ivonete

Quadro 6: livros mencionados pelos sujeitos da pesquisa preliminar Nº Livro didático Autor Editora Nº de vezes

mencionado

Ano de uso

01 Língua Nacional André Costa Cavalcante Editora do Brasil

01 1984

02 Reflexão e ação em língua portuguesa

Marilda Prates Editora do Brasil S/A

06 1980 a 1985, 1988,1999, 2003 a 2005.

03 Língua Portuguesa Douglas Tufano 01 1986 a 1990

54 O exemplar encontrado em um sebo da cidade não apresentada o ano de publicação e nem a editora em razão da sua má conservação. 55 Não foi localizada a editora deste livro no exemplar localizado.

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99

04 Gramática Pedagógica

Roberto Melo Mesquita/ Cloder Rivas

01 2000

05 ALP – Análise, Linguagem e Pensamento

Maria Fernandes Cócco/ Marco Antonio Hailer

FTD 06 1997, 1999, 2000, 2001, 2006

06 Português: Linguagens

William R. Cerejas/ Tereza C. magalhães

Atual 10 2000 a 2006

07 Linguagem Nova Faraco & Moura Ática 02 2006 08 Novas palavras Emília Amaral e outros 01 2006 09 Português para todos Ernani Terra/Floriano

Cavallete Scipione 05 2004 a 2006

10 Leitura e produção de textos

Magda Soares 01 1989

11 Português: dialogando com textos

Beatriz Marcondes/ Lenira Buscato/ Paula Parisi

Formato 07 2005 e 2006

12 Português: linguagem e realidade

Roberto Melo Mesquita/ Cloder R. M.

02 2001 a 2003

13 Português, texto e voz

Lídio Tesoto Editora do Brasil

01 2004 a 2006

14 A palavra é sua Celso Pedro Luft e Maria Helena Correa

Scipione 05 1997, 2003 a 2006

15 Linguagem, criação e interação

Cássia Garcia de Souza/Márcia Paganini Cavéquia

Sariva 02 2000 e 2004

16 Novíssima gramática Bechara 01 2004 17 Gramática moderna Roberto Matos 01 2004 18 Gramática gerativa

transformacional Maria Cecília Souza Silva

01 2006

19 Coesão e coerência Ingedore Koch 01 1999 20 Gramática Douglas Tufano 01 2006

21 Para aprender

português Roberto Melo Mesquita/

Cloder R. Mattos 01 2003 a 2005

22 Montagem e desmontagem de texto

Hermínio Sagentim 02 2002 a 2004

23 Escrevivendo Joanice Janet Persuhn Editora do Brasil

01 1982

24 Linguagem Leitura e produção

Heitor Megale e Marileni Matsuoka

01 1982

25 Pai: comunicação e expressão

Roberto Melo Mesquita Saraiva 01 1983

26 Oficina de redação Leila Lauar Sarmento 01 2006 27 Curso moderno de

português Douglas Tufano 02 1997 e 1998

28 Alet – aprendendo a ler e a escrever

Sebastião Corrêa Sanches/Kátia Regina Panizza G. Sanches

Ediouro 03 2006

29 Encontro e reencontro em Língua Portuguesa Reflexão e Ação

Marilda Prates Moderna 02 1999 a 2001

30 Lendo e interferindo Anna Frascolla/. Aracy S. Fér./ Naura S. Paes

Moderna 02 2004 a 2006

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100

31 Entre palavras Marco A Hailer/ Mauro Ferreira

FTD 03 2002 a 2005

Quadro 7: livros didáticos adotados pela professora Marly Nº Livro didático Autor Editora Ano de

publicação Ano de uso

01 Estudo dirigido de língua portuguesa

Reinaldo Mathias Ferreira Ática 1971 Década de 70

02 Atividades de comunicação em língua portuguesa

Hermínio G. Sargentim IBEP 1986 1989

03 Português tempo de comunicação

Ana Barbieri/Nilce Gadelha/Norma Discini

Editora do Brasil

1981 1980

04 Português oral e escrito Dino Preti Editora Nacional

1979 1980

05 Comunicação e expressão em português

Jairo F. Martins Editora do Brasil

S/d S/d

06 Comunicação em língua portuguesa

Carlos Emílio Faraco/Francisco Moura

Ática 1983 S/d

4.2.1 Uma leitura a partir dos títulos em circulação em Mato Grosso

A circulação de títulos de língua portuguesa apontada pelos professores-sujeitos revela

uma gama de concepções e metodologias concernentes à língua portuguesa. Muitos, com

certeza, utilizados de fato, outros com parcial utilização. No entanto, não há como negar a

nutrição desse mercado editorial no contexto do ensino da língua materna, no Estado do Mato

Grosso, nos anos de 1970 a 2000.

Os títulos apontados evidenciam um misto de concepções teórico-metodológicas

caracterizando-se de forma não-linear nas últimas décadas. As concepções e os livros foram

se transformando para atender às reais necessidades do contexto sócio-político-educacional.

De todo modo, cada título foi representativo da sua época e, certamente, muito contribuiu na

transmissão de valores, cultura e ensino de língua materna, no cenário da prática educativa de

muitos professores mato-grossenses. Não há dúvidas de que esses livros exerceram

fundamental papel na transmissão de conhecimentos e, que certamente, hoje ainda respaldam,

através de seus resquícios impregnados entre professores e alunos, a prática pedagógica no

Estado. A compreensão de como o professor lia o mundo-escola do passado pode nos

conduzir a uma leitura da sua prática atual. O texto didático nasce, vive e se alimenta nas

interações pedagógicas na perspectiva do presente-passado-presente.

Observa-se na listagem acima que concepções concorrentes caminhavam juntas e

separadas em espaços/tempos heterogêneos como também em espaços/tempos homogêneos.

Os professores referenciam algumas gramáticas e livros de oficinas de produção textual. Este

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101

é um dado que merece uma atenção especial, mas não realizei uma análise mais consistente

em razão dos novos direcionamentos. Mas o fato do professor adotar uma gramática para as

suas aulas e um livro de produção textual, separadamente um do outro, pode estar repleto de

representações no que concerne à concepção de língua que ele carrega. Pode revelar o grau de

importância de um conteúdo sobre o outro, como pode revelar a valorização do estudo sobre a

língua e, conseqüentemente, referindo-se a uma aprendizagem sobre o sistema da língua. É

nesse sentido que o considerei um dado relevante, mas o fato de adotar simplesmente esse

tipo de material não revela o seu uso, para uma leitura mais apurada com a realidade seria

necessário estabelecer critérios e ouvir todos os sujeitos por meio de entrevistas, para se

realizar uma leitura mais apurada do uso e da concepção do professor.

Nota-se que a presença de livros didáticos com abordagens diferenciadas da língua

caminham juntas nas diversas décadas, desde a do início desta investigação como a do final

aqui delineada. Esse fato demonstra um distanciamento das determinações oficiais e a prática

executada pelo professor no contexto da sala de aula. Isso implica dizer que os modelos

preestabelecidos, por si só, como modelo de conduta sócio-econômico-educacional não

garante a sua efetividade na prática. No caso do texto didático, o professor, de acordo com

suas convicções, é que vai dar vida ou não para ele.

Pouco se pode argumentar, neste momento, sobre a circulação dos livros didáticos de

língua portuguesa em Mato Grosso. Para esta pesquisa, no entanto, não se pode deixar

despercebidos alguns marcos com relação a eles. O primeiro deles é com relação ao livro

Estudo dirigido de português, de Reinaldo Mathias Ferreira, o qual realizo análise no próximo

capítulo. Este livro, certamente, é o marco inicial desta investigação. Unanimemente os

professores-sujeitos aposentados mencionam a sua circulação e uso, por quase uma década,

nas salas de aula.

O livro mencionado foi citado várias vezes pelos sujeitos, que deixaram em suas falas

indícios de que comungavam das concepções e metodologias vinculadas naquele material.

Um fato que me instigou imensamente é que este livro foi encontrado na biblioteca de dois

professores, em suas várias edições. Coincidência ou não, pode ser um indicativo, conforme

os sujeitos disseram, de que ele foi adotado por vários anos. Mas esse fato corresponde ao

cenário brasileiro, de uma maneira geral. SOARES (2001) menciona que o livro didático em

questão despontou com grande sucesso na década de 70 e, ainda, o considera como um

destaque em uma fase em que desponta uma nova concepção de professor que se manifestou

nacionalmente a partir daquele momento. Dessa forma, pode-se avaliar que Mato Grosso

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102

também se nutriu desse material e das concepções subjacentes a ele, no que se refere ao

ensino de língua materna.

Estudo dirigido de português teve sua publicação lançada em 1971, de acordo com um

exemplar encontrado com a professora Marlúcia, datado do ano mencionado acima, e,

confirmado pelos estudos de SOARES (2001). Dessa forma ele já traz algumas das

transformações previstas para o que chamaria de características dos modernos livros

didáticos. Algumas características mais acentuadas outras mais tímidas: o colorido começava

a despontar, a tentativa de trazer texto e gramática como um todo, o texto não-verbal começa

a aparecer, ainda que eu o considere nesse material mais como um pretexto ilustrativo do que

como uma marca textual. Essas transformações foram percebidas e apropriadas de formas

diferenciadas por seus usuários, mas que provavelmente embasaram condutas educacionais de

professores e alunos do determinado contexto histórico-educacional.

Não há dúvidas de que nesta investigação existem lacunas com relação à circulação

dos títulos. Certamente, muitos outros deveriam marcar presença porque usados, ou porque

foram fontes de pesquisas, foram subadotados, ou ainda, porque figuram destaque no ensino

de língua portuguesa no Estado. Mas para o momento, o que posso apontar são algumas

recorrências de títulos apresentadas pelos sujeitos. Vale ressaltar, que os sujeitos que

participaram desta pesquisa, sobretudo os da primeira parte, a pesquisa preliminar,

apresentaram uma certa mobilidade nas escolas estaduais, ou seja, estiveram no transcorrer

das suas carreiras em várias escolas estaduais do mesmo município, como também nas de

outros municípios. De uma certa forma, este capítulo viabiliza uma possível leitura dos

veiculados.

Os quadros permitem uma visão geral dos livros encontrados e mencionados pelos

sujeitos, no entanto, como disse anteriormente, vou me ater apenas em alguns que considerei

marcas de algum determinado espaço/tempo histórico. Alguns deles têm marcas especiais

para mim (pesquisadora) porque fizeram parte da minha carreira estudantil ou profissional.

Desses alguns foram citados reiteradas vezes, outros não, mas optei por destacá-los,

sobretudo, os da época de estudante, uma vez que ela se processou em Poconé, município

vizinho, e que podem nos dar pistas da circulação para além das escolas estaduais de Várzea

Grande e Cuiabá, incluídas como cenário desta investigação.

O livro Escrevivendo comunicação e expressão, de Janice Janete Persuhn, encontrado

nos acervos da professoras Marly, Marlúcia, e, também, na biblioteca da escola Presidente

Médici, fez parte da minha meninice enquanto era estudante de uma escola particular em

Poconé. Esse livro também foi citado por uma professora, que fez parte da pesquisa

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103

preliminar, como adotado para uso em sala de aula, no ano de 1982. Outro título que fez parte

da minha meninice, em determinado momento do meu 1º grau, foi Texto e contexto, de Lídio

Tesoto, livro também encontrado no acervo da professora Marly e na biblioteca da escola

Presidente Médici.

Dentre outros, em circulação nos anos oitenta,Reflexão e ação em língua portuguesa,

de Marilda Prates, parece-me ser um livro que muito bem representa esse período. Esse foi

um título mencionado reiteradas vezes pelos professores que fizeram parte da pesquisa

preliminar, como sendo utilizado por quase que todos os anos da década de 80, avançando os

anos de 2003 a 2005. Ainda foi encontrado no acervo da professora Ivonete e na biblioteca da

escola Presidente Médici. Vale ressaltar que esse livro também será analisado no próximo

capítulo.

Reflexão e ação também fez parte da minha vida escolar, em uma das séries finais do

então 1º grau, ainda no município de Poconé. Foi possível identificar por meio da professora

Madalena56 que em um presente histórico da sua carreira profissional na escola Presidente

Médici adotou o livro nas suas turmas de 5ª a 8ª séries. Esse material, divulgado na metade da

década de 80, já não apresentada a nomenclatura Comunicação e expressão estampada na

capa, como comumente acontecia com os veiculados na década de 70, adentrando o início doa

anos 80, em razão da Lei 5692/71, a qual passou a denominar a disciplina, nas séries finais do

1º grau Comunicação e expressão. Nesse período, também, não se pode esquecer que foi o

momento de divulgação e disseminação da teoria da Comunicação e a tendência dos livros

eram estar em conformidade com ela, já que o currículo oficial a prescrevia também.

SOARES (2002) acredita que essa denominação caiu, assim como algumas

características da referida concepção de língua, talvez em razão dessa nova orientação fugir

amplamente da tradição do ensino de língua portuguesa no Brasil. As pesadas críticas aos

livros, a exemplo a que Osman Lins tece, chamando-os de Disneylândia pedagógica57, podem

também ter contribuído para a queda dessa orientação, como também, também pelos

resultados duvidosos que surgiram no ensino da língua materna. Assim, a segunda metade da

década de 80 presenciou o declínio das denominações comunicação e expressão e

comunicação em língua portuguesa e o retorno da denominação português. O Conselho 56 A professora Madalena, pseudônimo nesta investigação, é aposentada da escola Presidente Médici e trabalhou também, por alguns anos, na escola Liceu Cuiabano. Em uma das nossas conversas por telefone concordou em mencionar alguns livros didáticos com os quais trabalhou no transcorrer da sua carreira. São eles: Reflexão e ação em língua portuguesa, de Marilda Prates; A palavra é sua, de Luft e Maria Helena; ALP – Análise, Linguagem e Pensamento, de Maria Fernandes Cócco e Marco Antonio Hailer; Português para todos, Ernani Terra; Português, linguagem e construção, de Hildebrando de André e Palavras: texto, gramática e redação, de Hermínio Sargentim. 57 Mais informações ver LINS (1977).

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104

Federal de Educação atendeu a insistentes protestos da área educacional, via medida que

extinguiu a nomenclatura anterior. Parece-me, que o livro Reflexão e ação em língua

portuguesa, mencionado pelos sujeitos, foi um representante desse momento histórico no

Mato Grosso.

ALP – Análise, Linguagem e Pensamento, de Maria Fernandes Cócco e Marco

Antonio Hailer, livro também analisado no próximo capítulo, é outro livro apresentado como

adotado nas escolas de Várzea Grande e Cuiabá, respectivo aos anos de 1997, 1999, 2000,

2001 e 2006. Esse material além de ser amplamente citado pelos sujeitos da pesquisa

preliminar, foi também utilizado pela professora Madalena na Escola Presidente Médici, de

1988 a 2000, e também pelo professor Ademar, na escola Barão de Melgaço, sujeito da

última parte da pesquisa, no ano de 2000. Esse livro também foi utilizado por mim, enquanto

docente da escola Presidente Médici, no de 2000, e, anteriormente, na minha época de

professora interina, em uma escola estadual no município de Várzea Grande, no ano de 1999.

Esse livro, parece-me que foi bastante utilizado no cenário mato-grossense e o destaco

aqui como um exemplar representante veiculado no final da década de 90 e se estendendo nos

anos 2000. O período anunciado pelos professores como sendo sinal de veiculação do

material em Mato Grosso é representativo no que tange à educação de um modo geral, uma

vez que no final dessa década, mais precisamente, para o ano letivo de 97, os livros didáticos

já passariam pela aprovação da comisssão instituída pelo PNLD (Plano Nacional do Livro

Didático). A obra em destaque recebeu a mais alta recomendação no processo de avaliação

prévia, ele é caracterizado, pelo Guia de livros Didáticos, como uma boa ferramenta auxiliar

no trabalho docente.

Outro exemplar concorrente com esse mesmo período, indicado como representante

dos anos 2000, segundo os apontamentos da pesquisa preliminar, é Português: linguagens, de

William R. Cerejas e Tereza C. Magalhães. Nos anos de 2000 e 2001, utilizei esse material

com os alunos de uma escola particular, na capital do Estado. O professor Ademar faz

referências a ele como adotado no ano 2000, na escola Barão de Melgaço. Os livros avaliados

para a distribuição do ano de 1999 passaram também pelo crivo de um terceiro critério de

análise pela comissão, referente à natureza metodológica, ou seja, os livros deveriam propiciar

condições de aprendizagem significativas. Este exemplar também é aprovado pela avaliação

prévia do PNLD, por isso reservei lugar de destaque para representar os anos 2000.

Certamente outros títulos mereceriam ser destacados, a exemplo A palavra é sua, de

Luft e Maria Helena, também mencionados pelos professores e outros que não foram

apresentados por este coletivo de professores, mas que provavelmente figuraram nas salas de

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105

aulas de Mato Grosso. A falta dos dados oficiais não me permitiu precisar os títulos mais

veiculados no Estado, para o momento, foi possível identificar alguns de acordo com a

realidade dos professores-sujeitos. Acredito, no entanto, que esta amostragem pode indicar

leituras desses títulos. É tímida a produção de pesquisas que investiguem o objeto em questão,

principalmente, a que se refere ao trajeto histórico dos livros didáticos de língua portuguesa

no Estado. Assim, acredito que esta poderá contribuir com novas investigações adentrando

mais profundamente no terreno, e que poderá confirmar estes dados ora apresentados, ou,

simplesmente, apresentarão novos dados, mas que contarão com certeza outras histórias

daquele que não somente conta, mas que faz a história: o livro didático.

É importante salientar que este capítulo ressalta apenas alguns títulos mencionados

pelos professores e que ele se refere a uma ponta do circuito do texto didático, a veiculação

deles, como argumentado anteriormente. A análise desses títulos pode revelar concepções à

respeito da língua, de educação, a de professor e de aluno, subjacentes a cada um desses

materiais. Mas só o fato deles estarem listados aqui não garante dizer que todos os

profissionais se apropriaram das teorias subjacentes a eles, certamente, tiveram apropriações

diferenciadas, ou não se apropriaram delas. Uma outra ponta do circuito do texto escolar, o

professor e o aluno, ou seja, os leitores, é que dariam conta de responder à esse quesito. Só os

leitores, encerrando esse circuito, é que poderiam dizer a forma como se apropriaram ou não

dessas concepções teórico-metodológicas.

A professora Delia Lerner (2004) realiza um estudo sobre as transformações do ensino

da língua e apresenta que o livro ALP é um livro pouco solicitado pelos professores de língua

portuguesa. Pelas indicações dos professores, nesta pesquisa, ele foi um livro bastante

adotado. Mas isso não é garantia de apropriação da sua concepção e uso em sala. A resposta a

esta angústia só o professor pode nos revelar se ele realmente foi adotado e teve uso, e como

aconteceu a apropriação desse material. Nos próximos capítulos apresento uma análise dos

títulos de livros didáticos em destaque, como também realizo uma leitura de como esse

material foi apropriado pelo professor, por meio das entrevistas.

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5. LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA: PASSADO E PRESENTE DE

HISTÓRIA.

Os livros didáticos constituem em uma relevante fonte para investigar, descrever e

compreender o contexto histórico dos processos de ensino e de práticas escolares. Eles

formam um complexo de informações repletos de representatividades, segundo época e local,

que sugerem análises para uma possível aproximação do que foi o processo educacional de

um determinado período.

No entanto, as produções não são imparciais, o autor constrói sua obra na dependência

(do destinatário, do mercado...), que definem suas condições de produção. Mas além disso, o

autor não é um simples expectador das ações que delineiam o seu tempo, ele é, acima de tudo,

um agente de seu tempo. Partindo dessa premissa, parafraseando Choppin (2004), o livro

didático não pode ser considerado um espelho fiel que retrata um determinado contexto, ao

contrário, ele modifica a realidade. Nesse sentido, ao tomar o livro didático como objeto de

estudo é preciso prestar atenção ao que os autores escrevem, mas sobretudo, ao que eles

silenciam, ou seja, analisar o dito e o não dito, para se atingir as entrelinhas do texto.

Assim, neste capítulo dedico-me a analisar alguns livros que foram veiculados e

utilizados pelos professores-sujeito desta pesquisa. O período enfocado está compreendido

entre as décadas de 1970 e 2000, mas recuos e avanços temporais foram exigidos pelo próprio

processo da investigação de forma a permitir uma contextualização necessária. Não me prendi

a realizar uma análise exaustiva das fontes encontradas, ou ainda, não tive como objetivo

criticar o livro didático em questão, detive-me em compreender o livro didático de língua

portuguesa utilizado, no Estado do Mato Grosso, no período delineado.

Para início de conversa teço algumas considerações à respeito do livro Português no

Ginásio, de Raul Moreira Léllis, em circulação, provavelmente, no Estado, até uma década

anterior ao período desta investigação. A opção por tecer uma rápida análise sobre o referido

livro se deu em função de ele ter sido referência para muitos professores brasileiros. Segundo

SOARES (2002), esse livro foi o manual mais presente nas salas de aulas nos anos de 1950.

Vale ressaltar, no entanto, encontrei um exemplar deste livro, em um sebo da cidade, com

vestígio de uso datado de 1961. Este fato, pode revelar que este material pode ter sido usado,

no Mato Grosso, ainda nos primeiros anos da década de 60.

Como se vê, este é um livro que fez suas histórias nos anos 50, provavelmente, em

Mato grosso, adentrando-se nos anos 60, período que antecede o delimitado nesta pesquisa.

Mas o fato é que a sua inusitada presença em meio aos demais, chamou-me a atenção: tanto

pelo estado de conservação, sem capa e contra-capa, em função disso confeccionaram-lhe

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uma capa-identificação58, certamente, bem distinta da sua original; quanto pela sua estrutura,

antes nunca notada por mim. Outro fato que muito chamou a minha atenção foram parcos

registros feitos à caneta, talvez de um professor ou de um aluno.

Acredito que além do meu encantamento com o livro, o material pode servir de contra-

ponto com os livros analisados neste capítulo, de forma a viabilizar uma maior compreensão

tanto do que foi o livro didático de língua portuguesa, veiculado e utilizado em determinados

momentos históricos quanto da forma tomada pelo ensino da língua portuguesa, ou seja, traçar

um panorama do ensino dessa disciplina, no estado.

5.1 PORTUGUÊS NO GINÁSIO, DE RAUL MOREIRA LÉLLIS

O período de 1930 e 1960, incluindo, então, os anos de veiculação da referida obra

caracterizaram-se, de acordo com GATTI (2005), no que diz respeito aos manuais escolares,

por obras que tinham uma longa estada no mercado, normalmente passando por pouquíssimas

transformações; os autores dos livros didáticos eram provenientes de lugares tidos como de

alta cultura. A exemplo, o colégio Pedro ll, alguns livros foram escritos por professores de lá

ou, ainda, no caso do livro Antologia Nacional, de Fausto Barreto e Carlos de Laet, que trazia

na folha de rosto, por muito tempo, a referência que o respectivo colégio adotava o livro,

sinônimo de qualidade. O referido colégio, na época, era reputado padrão e modelo de ensino

nacional. Outra característica, é que os manuais escolares eram publicados por poucas

editoras e, muitas vezes, não tinham esse material como mercadoria central; e, ainda, os livros

não tinham um processo de didatização e a sua linguagem não era adaptada às faixas etárias a

que destinavam.

Vale ressaltar, também, que os anos de 1950 sucederam, rapidamente, a constituição

de 1946, aquela que incluiu a língua como uma dos princípios constitucionais. Ela é a

primeira constituição brasileira, por assim dizer, que faz a exigência do ensino primário ser

ensinado na língua nacional. Ou seja, é o período em que a língua portuguesa vai se firmando

como língua nacional, e a sua concorrente, a língua latina, vai perdendo fôlego, em função do

desprestígio social. No entanto, só com a promulgação da lei 5692/71 é que o latim perde

58 Emprego este termo capa-identificação, porque, na realidade, é um improviso utilizado pelos funcionários da livraria para identificá-lo em meio aos demais livros da prateleira, uma vez que ele, em razão da má conservação, não apresentava a sua capa original. Sua “capa-identificação” era feita de papel sulfito, grafado, manuscritamente, com pincel atômico, “Matéria comum à primeira e segunda séries Português no Ginásio”. Como se pode perceber o intuito maior era a identificação do livro, uma vez que não tiveram o cuidado nem de registrar o nome do autor da obra.

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definitivamente a sua força, cai do currículo da escola brasileira, e assume a sua hegemonia a

língua portuguesa.

Assim, no período de 1930 a 1960, a concepção de língua compactua com o saber ler e

escrever, que vai ao encontro com o ler e escrever um único tipo de escrita e de texto padrão –

a língua culta – caracterizada como a língua dos textos literários. Nesse sentido, o livro

Português no Ginásio atendia às expectativas e necessidades desse contexto social.

No exemplar encontrado do livro Português no Ginásio, de Raul Moreira Léllis, que

provavelmente foi veiculado e utilizado, no Mato Grosso, ainda nos anos de 1960, encontrado

em um sebo da capital mato-grossense, não consta a edição, nem data de publicação, em razão

da má conservação e do peso dos próprios anos decorridos. Assim, não foi possível identificar

as modificações ocorridas pelas reedições.

Figura 2: Livro didático – Português no ginásio, de Raul Moreira Léllis.

Percebe-se, também, que este é um livro mais compacto em relação aos outros

veiculados anteriormente. Segundo a literatura referente à história da disciplina língua

portuguesa e até mesmo as que se referem aos livros didáticos, elas nos informam que anterior

a década de 50, para as aulas de língua materna, utilizava-se dois manuais escolares: um

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destinado às aulas de gramática e outro destinado para a arte do bem falar, que eram as seletas

de textos de autores clássicos.

Nota-se também, que é um livro que traz matéria comum a primeira e segunda séries

ginasiais. A primeira parte do livro consta das matérias comuns para as duas séries. A segunda

parte do livro recebe o seguinte título: Matéria especial para a segunda série. Ou seja, esta

parte era específica para os alunos que cursavam a segunda série ginasial. Além disso, já

nesse livro houve a tentativa de se realizar uma junção da gramática com o texto, quando se

aproximam em um mesmo manual tanto os textos quanto a gramática. Digo tentativa, porque

há, ainda um distanciamento na própria obra, uma vez que estruturalmente eles aparecem

separados. Até a metade do livro, isso para cada parte do material, tanto para a primeira

quanto para a segunda série, apresenta-se a gramática e depois os textos. Subentende-se que a

aproximação ficou muito mais em termos da composição do material do que uma concepção

em si de língua, linguagem.

Mas o que se percebe é que há uma supremacia, ainda, da gramática sobre o texto, fato

comum se considerarmos a tradição gramatical, que nos acompanha, desde a época do sistema

jesuítico de ensino. Tal procedimento, diz Soares:

Não parecia inadequado em uma escola que existia predominantemente para a burguesia: esta, já falante do dialeto de prestígio social (a chamada “norma padrão culta”), esperava do processo de escolarização, além da alfabetização, apenas o conhecimento (ou mesmo o reconhecimento) das normas e regras de funcionamento desse dialeto de prestígio (SOARES, 1991, p. 118)

Para o momento era o que se concebia para o ensino de língua portuguesa: o aluno

tinha que saber ler e escrever dentro dos padrões da norma culta. Os ensinamentos da língua

materna eram alicerçados nos estudos da língua e sobre a língua. Apesar de nos anos de 1950

começarem a despontar caminhos para uma modificação no conteúdo de língua portuguesa, a

tradição vinha perpetuando.

Nesse período começam a aparecer, ainda que timidamente, as primeiras orientações,

nos manuais, destinadas aos professores.

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Figura 3: Programa do curso ginasial, 1ª e 2ª séries, apresentado pelo livro Português no Ginásio.

A fotografia nos mostra o programa de português do curso ginasial. Nele, constam

orientações para o professor sobre o que deve ser ensinado aos alunos de cada série e, ainda,

sutilmente, o como poderia ser feito. Para SOARES (2001)59 é nesse período, também, que os

manuais começam a apresentar, gradualmente, uma metodologia de trabalho. Elas são

manifestadas por meio de orientações aos professores, como no exemplo anterior.

59 A Professora Magda Soares, que, se dedicando aos estudos da disciplina língua portuguesa, no artigo intitulado: “O livro didático como fonte para a história da leitura e da formação do professor-leitor”, In: Ler e navegar: espaços e percursos da leitura. Marinho, 2001, realiza um estudo das edições e reformulações da tão difundida e utilizada, pelos professores brasileiros, Antologia Nacional, de Fausto Barreto e Carlos de Laet.

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Mas essas manifestações de orientações também são expressas por meio de sugestões

de exercícios e de atividades a serem realizadas pelos alunos. Especialmente no que tange à

parte gramatical. Normalmente aparece toda a explicação do conteúdo gramatical e em

seguida os exercícios a serem realizados pelos alunos. Fato que pode sugerir leituras inferindo

sobre a atuação do professor: que ele precisa de ajuda para desenvolver as aulas de estudos da

língua com seus alunos, ou ainda, a primazia da gramática sobre os textos.

Figura 4: Explicação gramatical apresentada pelo livro Português no Ginásio

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Figura 5: Exercícios da parte gramatical, sugeridos pelo livro Português no Ginásio.

Com relação à parte destinada aos textos, as orientações são mais contidas. Aparecem

apenas notas sobre o vocabulário referente ao texto a ser estudado. Vale ressaltar que nesse

período, considera-se como a melhor língua portuguesa o padrão seguido pelos textos

literários. Em função disso os textos que compõem o livro didático são selecionados por

critérios literários. Os textos lidos são da literatura, assim como os exercícios são propostos a

partir desses textos. Eles são considerados modelos de escrita para a formação do aluno.

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Figura 6: Texto sugerido pelo livro Português no Ginásio, o texto e algumas anotações de vocabulário.

Na área da leitura, a tendência para direcionar o professor nas aulas, manifesta-se mais

tardiamente. SOARES acrescenta que “... essa tendência manifesta-se, na segunda metade do

século XX, em uma crescente didatização dos textos, uma condução cada vez mais minuciosa

da ação do professor para a formação de leitores e das práticas de leitura em sala de aula”

(2001 p.65 e 66). Até então, fica subentendido que o professor é que vai programar o trabalho

com os textos, que é conhecedor do assunto e capaz, de sozinho, conduzir o trabalho. Ainda é

possível realizar a seguinte leitura: o professor é um bom leitor, uma vez que os textos

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selecionados são de autores renomados, da época, e que essas leituras são do seu cotidiano,

compreendendo, assim, que ele é conhecedor da língua, sendo auto-suficiente para criar

situações para a prática da leitura e, conseqüentemente, formar leitores.

Percebe-se que este é um livro idealizado para atender as necessidades daquele

contexto histórico, para aquela concepção de língua. Talvez a concepção de educação e de

língua apresentada por aquele grupo social não fosse a real emergência da sociedade, que já

clamava a democratização do ensino. Ou seja, conforme menciona Choppin (2004), não é o

espelho que simplesmente refletia a realidade, mas talvez uma tela, um pano de fundo que

recebia as pinceladas da conveniência do contexto político.

5.2. ESTUDO DIRIGIDO DE PORTUGUÊS, DE REINALDO MATH IAS FERREIRA.

A opção por trabalhar, aqui neste tópico, com a obra de Reinaldo Mathias Ferreira,

deu-se em função de quatro professores-sujeito60 terem apontado o Estudo Dirigido de

Português como livro didático adotado, na fase inicial das suas carreiras, no início da década

de 70. As professoras quando entrevistadas rememoram o tempo todo como foi trabalhar com

a referida obra, registro este destinado ao próximo capítulo do trabalho. Assim, não poderia

deixá-lo despercebido, é preciso compreender o enfoque destinado ao trabalho com a

linguagem nesse material utilizado em sala de aula, por quase uma década, por essas

professoras, em Mato Grosso.

O contexto sócio-político-econômico e cultural vivido pelo Brasil tem características

distintas de décadas anteriores. Esse período está sobre forte impacto do governo militar

imposto pelo então golpe de 64. A educação vive cerceada pela recém criada Lei 5692/71, a

qual depositava como principal objetivo para o processo educacional a formação para o

trabalho. Em meio a esse novo contexto, a língua passa a ser concebida como comunicação,

então, os objetivos são mais pragmáticos e utilitários, trata-se, agora, de estudos sobre o uso

da língua. Essa nova compreensão da língua delineada “é reflexo da ênfase muito em voga da

Teoria da Comunicação, da evolução dos meios de Comunicação da massa e do

60 As professoras Neide, Marlúcia, Marly e Vânia são sujeitos desta pesquisa, cujo objeto de investigação são os livros didáticos de língua portuguesa, veiculados e utilizados, no Mato Grosso, em 1970 a 2000. Atualmente, são professoras aposentadas, mas que no início da década de 70 estavam em fase inicial das carreiras, nas Escolas estaduais Liceu Cuiabano e Barão de Melgaço, respectivamente. Essas escolas são de grande representatividade no contexto da capital mato-grossense e, conseqüentemente, para o Estado de Mato Grosso, em função da grande marca histórica que as três carregam, uma vez que há décadas formam gerações e gerações dos filhos desta terra. Quando me refiro desta terra, não significa dizer apenas aos cuiabanos, mas quer dizer aos filhos das cidades circundantes, já que é quase uma tradição os pais mandarem seus filhos para estudar na capital.

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desenvolvimento tecnológico dos anos 70, tardiamente chegada ao Brasil” (TAGUCHI, 1994,

p. 96)61.

Ainda permeando esse contexto desencadeia-se, mais intensamente, pode-se dizer

assim, o processo de democratização do ensino, que no caso brasileiro, ganhou contornos de

massificação. Nesse sentido, a escola recebeu um público que até então não tinha acesso à

educação. O ambiente escolar recebeu novos personagens oriundos da classe operária (zona

urbana) como também da zona rural. Para atender a nova demanda, conseqüentemente, houve

a necessidade de recrutar um número maior de professores, estes nem sempre com a

qualificação necessária. Em razão disso, alastra-se, pelo Brasil, as instituições formadoras de

professores, vale ressaltar, no entanto, que as instituições quase não estavam preparadas para

desencadear uma formação de qualidade.

Assim, consoante ao novo contorno social estabelecido, os textos escolares passaram

por modificações. A década de 1970 foi transitória dos antigos manuais didáticos aos

modernos livros didáticos da atualidade. Esse é o momento em que a linguagem, empregada

no texto escolar, aproxima-se mais da realidade do alunado, começam a aparecer o colorido,

as imagens, enfim, uma nova diagramação para os livros didáticos.

Vale ressaltar, que o livro Estudo Dirigido de Português, o qual vou tecer algumas

considerações a seguir, segundo Soares (2001), é uma coleção lançada para o ano de 1971,

logo, não se tinha promulgado a nova lei 5692/71. Essa coleção seguia as normatizações da

4024/61, ainda, por exemplo, com as nomenclaturas organizadas pela lei anterior, 1ª, 2ª, 3ª e

4ª séries ginasiais. No entanto, no ano posterior ao seu lançamento, a coleção aparece já com

as novas nomenclaturas, destinando-se às 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries do ensino de primeiro grau.

Para a autora, essa foi a única alteração introduzida nos quatro livros que compunham a

coleção, ainda que em 1971, o então Conselho Federal de Educação, já tinha promulgado

alterações significativas para o ensino de língua portuguesa, alterando, inclusive seus

objetivos62.

61 Renata Ramos Corrêa Taguchi, em sua pesquisa de mestrado, investiga a concepção de língua pós 64. Essa pesquisa tem como objetivo compreender as Leis 4024/61, 5692/71, 7044/82, dos Pareceres 853/71, 785/86 e das Resoluções 8/71 e 6/86 no concerne à língua nacional, buscando a sintonia entre a legislação, a concepção da língua e as conjunturas. A pesquisa evidenciou que existe certa sintonia entre o legislado e a concepção de língua, porém essa sintonia não visa democratizar a linguagem. Mais informações ver TAGUCHI, Renata Ramos Corrêa (1994). Concepções de Línguas Nas Legislações de Ensino Cuiabá, Instituto de Educação da UFMT. (Dissertação de Mestrado em História da Educação). 62 Refiro-me aqui à resolução CEF nº 8 e do parecer CEF nº 853/71, aprovado em 12 de dezembro de 1971. Algumas modificações ficam explícitas: a disciplina antes, pela lei 4024/61, denominada Português ou Língua Portuguesa passa a denominar-se Comunicação e Expressão, para as séries iniciais, do ensino de 1º grau e, para as séries finais, Comunicação em Língua Portuguesa. Ainda no transcurso da lei, novos objetivos foram apresentados para o processo de ensino e de aprendizagem, um deles, era o de que a educação estaria voltada

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O referido livro não menciona a expressão comunicação e expressão, fato comum para

os demais veiculados nesse período. O exemplar localizado é de 1973, portanto, decorridos

dois anos pós sua publicação primeira, e, em tão pouco tempo já consta como sendo a 7ª

edição. O fato pode configurar a tamanha divulgação e, provavelmente, uso nas escolas

brasileiras. Mato Grosso não ficou de fora desse cenário. Conforme nos informam os sujeitos

aposentados, desta investigação, esse material foi amplamente utilizado por eles, por quase

toda a década de 1970.

Percebe-se logo no início do material, mesmo pela capa, alguns sinais que sugerem

modificações no livro didático. Logo na capa, percebe-se um colorido antes não presente nos

manuais. O nome do livro aparece em destaque, dentro de um balão, indicando que fora

expresso por uma criança, escrito em branco, em contraste com o fundo vermelho do balão.

Mas a própria estrutura desse texto, que lembra as histórias em quadrinhos, pode conduzir

para uma leitura de que a concepção de texto ampliou-se, e que esta tipologia textual estaria

presente na estrutura do livro. Assim, há um tom de contentamento no rosto da criança ao

expressar o nome do livro, um indicativo de que os alunos, como a criança da capa, iriam

gostar de usar e manusear o referido material. O colorido também se faz presente na roupa do

garoto e na parte inferior da capa com a presença do vermelho, verde, azul, com o escrito 5ª

série do 1º grau em destaque, que recebe a indicação da mão da criança. Esses sinais são

alguns indicativos de que houve toda uma mudança no texto didático; subentende-se que a

própria capa do material é um convite para abrir o livro e certificar de que as transformações

ocorreram e que foram para melhor, tornando-se um atrativo para os alunos e professores.

Estas observações podem ser verificadas na foto abaixo:

para a qualificação para do trabalho, assim, a língua estaria a serviço dessa qualificação, também, estabelecendo, assim, que seu ensino deveria ter a função instrumental. Os livros de língua portuguesa, publicados nos anos 70, já se apresentavam com essas adequações , para atender a nova lei que regulamentava a educação. Nos livros dessa época era comum, por exemplo, vir estampada na capa a expressão: Comunicação e expressão, seja como nome da obra seja para mencionar que estava adequado com a nova lei. O livro de Reinaldo Mathias, Estudo dirigido de Português, como os da década anterior, não apresentavam essas adequações. Percebe-se que a partir de então, uma nova concepção de professor e aluno leitor desponta nos livros didáticos de língua portuguesa.

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Figura 7: Livro didático – Estudo dirigido de português, de Reinaldo Mathias Ferreira. 5ª série do

1º grau. Editora Ática LTDA, 1973, 7ª edição. Livro do professor.

As inovações não são estanques e nem se resumem ao colorido impresso na capa.

Internamente, percebe-se uma nova concepção de professor, aquele que precisa ter um

auxiliar no preparo das suas aulas: o livro didático. Nesse contexto há uma desqualificação do

professor que passa a ser instrutor nas aulas, já que o livro traz as aulas preparadas. Nesse

preparo, além dele trazer as atividades a serem resolvidas pelos alunos, há a presença agora do

manual do professor, que apresenta orientações concernentes à estrutura do livro, como

também, todos os exercícios resolvidos. Conforme nota encontrada, no meio do livro, são

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estratégias de facilitação do trabalho docente e, dessa forma, o livro se transforma em um

manual para otimizar o tempo no preparo das aulas.

Figura 8: Nota dos autores aos professores, encontrado no meio do livro Estudo Dirigido de Português.

Vale ressaltar, no entanto, que me refiro a um presente histórico em que a depreciação

salarial da carreira do magistério começa a se instaurar. Rebaixamento esse, em razão do

recrutamento excessivo de professores para atender a nova demanda emergente de alunos, por

causa da democratização do ensino. Assim,

Esse recrutamento mais amplo e menos seletivo de professores, resultado da multiplicação de alunos e agências formadoras de professores, vai conduzindo a um rebaixamento salarial e a um processo de depreciação da função docente e, conseqüentemente, a precárias condições de trabalho, o que obriga os professores a buscar estratégias facilitação de sua atividade docente – uma delas é transferir ao livro didático a tarefa de preparar aulas e exercícios [...] (SOARES, 2001, p. 74 e 76).

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Nessa situação de rebaixamento salarial, o professor se via obrigado a realizar uma

dupla e até mesmo tripla jornada de trabalhado, situação essa que não difere muito dos dias

atuais. Assim, o professor para aumentar o orçamento familiar passou a trabalhar em duas,

três escolas e o seu tempo, realmente, ficou mais escasso e o livro didático tornou-se seu

aliado, no preparo das suas aulas indo ao encontro do descompasso do seu resumido tempo.

Ainda na apresentação do livro, o autor posiciona-se como conhecedor da realidade

tanto do professorado como do aluno, quando ele esclarece: “Este livro foi escrito depois de

muitos anos de contato íntimo com alunos de todos os níveis e com professores, desde os que

se iniciam no magistério até os que já tenham vivência de sala de aula” (FERREIRA, 1973,

p.I). Nota-se que o autor apresenta o livro como adequado às diferentes realidades dos alunos.

Quando se refere a todos os níveis, alude a questão da nova clientela escolar, que também se

transformou; a escola atende não somente aos filhos da elite, mas também aos filhos da classe

operária, aos da zona rural, com diferenças culturais. Mas também está adequado a nova

situação do professor, tanto os experientes quanto os inexperientes, em função do

recrutamento menos seletivo dos professores para atender a crescente demanda de escolas. De

uma certa forma, tem a intencionalidade de tranqüilizar o professor, que conseguirá realizar

um bom trabalho ao tomar esse material como recurso da sala de aula. Logo ele não terá

dificuldades para trabalhar com a nova clientela que desponta, nem mesmo pela sua

inexperiência, porque o autor conhece essas diferentes realidades e, assim, propõe atividades

adequadas, como também orienta o professor para melhor agir com as dificuldades a serem

deparadas nos limites da sala de aula.

Segundo o autor, Reinaldo Mathias, “tudo neste livro foi analisado, tendo-se em vista

sua eficiência, dificuldade, clareza e propriedade. Essa preocupação fez do “Estudo

Dirigido de Português um livro diferente porque é eficiente, fácil, agradável, completo”

(idem). Percebe-se pela nota do autor que as transformações ocorridas no livro são em função

de facilitar a vida do professor e do aluno e, ainda, veio acrescentando a questão da

agradabilidade do texto didático, em função das cores, dos desenhos, recursos antes não

empregados no livro, inadequações estas, que deixavam os livros didáticos mais sisudos.

Outro fator que se percebe é o número de informações destinadas ao professor. O autor

faz questão de mostrar ao professor desde o início como a obra se estrutura, apresentando os

seguintes tópicos63: estudo de textos, bem como apresenta o que compõe este tópico no

63 Um estudo mais detalhado dessas orientações apresentadas pelo autor seria capaz de apontar com mais riqueza de informações algumas concepções como: a de professor e sua tarefa de ensinar, a de professor-leitor, concepção de educação, da própria função do livro didático e a concepção de aluno e aluno-leitor.

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transcorrer da obra; textos para estudo, o que compõe essa antologia e estudos gramaticais,

acrescentando como se apresenta essa parte na estrutura, ou seja, reforça as alterações e o fato

de ser considerado atraente.

Apresenta ainda, um tópico das justificativas. Aqui ele justifica por que empregou

determinada estrutura: apresenta um teste de sondagem, depois explica o que ele denomina

por remoção dos obstáculos do texto, ou seja, para cada texto sugerido na obra são

apresentados antes dele as palavras consideradas difíceis e que poderiam dificultar a

compreensão do texto. Percebe-se que são estratégias que aos poucos vão direcionando para

uma nova concepção de professor: o docente precisa do auxílio do autor do livro para trazer

preparado o como desenvolver melhor o trabalho com a leitura na sala. Ainda apresenta o

item que trata das questões relacionadas com os textos. Neste item, o autor sugere como

conduzir o trabalho com o texto na sala de aula. Mas apresenta, ainda, comunicação que faz

algumas considerações sobre o ensino da língua portuguesa, como também apresenta como

fazer a obra render mais. Aqui o autor introduz, detalhadamente, ao professor, como

desenvolver o trabalho em sala para melhor explorar as atividades, como se fosse um roteiro

para todas as lições, inclusive o que fazer com os textos não-verbais, um tipo de texto que o

livro não valorizava, considerando, assim, que o professor pudesse ter dificuldades para

abordá-lo em sala.

Todos esses detalhes de informações vinham com a finalidade de apresentar uma

proposta pronta de o que ensinar em língua portuguesa e como ensinar nas aulas de língua

portuguesa. Fato que viabiliza a leitura de que o livro tem, também, a função de

homogeneizar o processo de ensino e de aprendizagem, uma vez que ele transpõe o currículo,

o programa da disciplina. É possível inferir também que a estrutura do livro vinha ao encontro

dos ideais de educação propagado no período em pauta: o tecnicismo. A tendência tecnicista

em educação resultou da tentativa de transpor o modelo empresarial para ser aplicado na

escola.

Os pressupostos teóricos da tendência tecnicista em educação podem ser encontrados

na filosofia positivista e na psicologia behaviorista. Para essa tendência a educação é vista

como uma forma de conhecimento objetivo, passível de verificação rigorosa por meio da

observação e da experimentação. Nesse sentido busca a mudança do comportamento do aluno

mediante treinamento, a fim de desenvolver suas habilidades. Os livros didáticos assimilaram

essa tendência, por isso eles trazem tudo planejado dentro de uma organização racional do

trabalho pedagógico, assim, enfocam o estudo dirigido, a instrução programada com ideais de

racionalidade, organização, objetividade e eficiência. Nesse contexto, o professor é um

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técnico, um instrutor que, assessorado por outros técnicos e intermediado por recursos

técnicos, em especial o livro didático, transmite um conhecimento técnico e objetivo.

Não é de forma aleatória que o livro Estudo Dirigido traz um planejamento de ensino

para o professor. Além de todas as atividades sugeridas para se desenvolver em sala de aula, o

livro ainda apresenta algumas propostas de avaliações, mas, anteriormente, o autor faz

considerações de como concebe o processo de verificação de aprendizagem64. Com essa

descrição, verifica-se que alterações foram efetuadas no livro porque transformações

aconteceram no processo de ensino e de aprendizagem. Dessa forma, traz muito bem

explicado ao professor desde as propostas teóricas como o preparo das aulas, segundo o autor,

de acordo com as novas correntes, para alcançar mais eficiência e produtividade.

No item comunicação, apresentado pelo autor, na explicação da estrutura da obra, está

explicitamente exposto a concepção de língua para aquele contexto, conforme se observa:

O ensino de Língua Portuguesa visa, primordialmente, dar aos educandos condições para poderem se comunicar com precisão, quer como emissores, quer como receptores de mensagens áudio-visuais. Com esse objetivo, o professor encontrará, no “Estudo Dirigido de Português”, oportunidade de:

A) pôr o educando em contato com seus cidadãos, através de entrevistas, de consultas;

B) enriquecer-lhe o vocabulário, que aos poucos vai sendo usado com propriedade; C) integrá-lo nos problemas humanos, principalmente naqueles que envolvem a região

em que vivem; D) treiná-lo na percepção de pormenores, através da comparação de textos diferentes

que tratam do mesmo assunto; E) dar-lhe condições para expor suas idéias com base num prévio planejamento

(estudo da composição); F) levá-lo a automatizar, quer escrevendo, quer falando, as formas gramaticais

corretas (Português no Ginásio, 1973, p. II e III).

Quando o autor anuncia que o ensino da língua portuguesa visa, primordialmente,

oferecer condições para a comunicação, quer como emissor ou como receptor de mensagens,

fica evidente a concepção de língua empregada pelo autor, na obra. Logo no início, tem-se a

presença da concepção da língua como um instrumento para comunicação. Essa tendência

permeava o currículo oficial e, conseqüentemente, o livro didático. Para esta concepção “o

centro organizador da língua situa-se, [...] no sistema lingüístico, a saber o sistema das formas

fonéticas, gramaticais e lexicais da língua” [...] a língua é um arco-íris imóvel que domina

64 O que se percebe, também, é que se realizar uma análise mais detalhada desse tópico e, também, das próprias provas sugeridas pelo autor, é possível apontar caminhos para como se compreendia a avaliação no contexto educacional, naquele presente histórico.

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este fluxo (BAKHTIN, 1990, p. 77). Nesse sentido, a língua entendida como comunicação

está situada no tripé: emissor, receptor e código. Ela está na relação locutor-mensagem e o

código é o meio que vai traduzir essa relação: sujeito, mensagem e contexto.

Por meio das orientações apresentadas acima, evidencia-se que vai priorizar na obra,

outras tipologias textuais, além dos textos de autores clássicos, quando o autor anuncia que o

aluno terá condições de ser treinado para a percepção de pormenores, via comparação de

textos diferentes que tratem do mesmo assunto. Assim como também vai se valorizar a

produção do aluno no espaço destinado ao estudo da composição.

No que se refere à gramática, anuncia que viabilizará ao aluno o uso da gramática

quer escrevendo ou falando. O autor focaliza a questão de usar as formas gramaticais

corretas, porque acredita que o aluno internalizará regras lingüísticas diferentes daquela que

usa, a partir do momento que entra em contato com as noções sobre o que a linguagem faz e

como faz. Nesse sentido a gramática da língua preocupa-se em descrever e relatar relações

que se estabelecem entre os elementos do sistema lingüístico, ou seja, a maneira como se

organizam esses sistemas. Por isso enfoca os estudos gramaticais, pois compreende que

utilizando os exercícios estruturais vai treinar os alunos para usar as estruturas lingüísticas

convencionais.

O uso de atividades gramaticais como treino, como uma técnica, visava a

automatização de estruturas lingüísticas para uso, em situação de comunicação. Esse tipo de

uso gramatical vai ao encontro da corrente estruturalista em vigor na época que tem a língua

como meio de comunicação, mas considera que o processo de interlocução não interfere nela,

exclui o papel da história e das reais relações entre os falantes. Para essa corrente só existirá

comunicação entre falantes que detém os mesmos conhecimentos subjacentes à língua. Em

função disso, fornece

As regras que permitem construir sistematicamente orações complexas e gerar um número infinito de construções gramaticais. Admite a existência de universais lingüísticos e analogias entre as línguas a nível de estrutura profunda65, permitindo a caracterização de noções de gramaticalidade e agramaticalidade66 das línguas (NEDER, 1992, p. 50 e 51).

65 A estrutura profunda, como escreve Chomsky, não é jamais ambígua, ela não está representada diretamente na forma do signo lingüístico, ela é abstrata. Ao passo que a estrutura superficial pode ser ambígua. As estruturas profundas projetam-se sob a forma de estruturas superficiais mediante uma série de operações formais, ditas “transformações gramaticais”. Mais informações sobre o assunto ler: LOPES (s/d). 66 A gramaticalidade seria entendida como tudo o que atende às regras de funcionamento da língua de acordo com determinada variedade lingüística, ao passo que a agramaticalidade privaria um enunciado de sua informação semântica. Mais informações ver: TRAVAGLIA (2001), LOPES (s/d), JAKOBSON (s/d).

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Assim, quando o autor anuncia que tem por objetivo levar o aluno a automatizar as

formas gramaticais, está tão somente atendendo às necessidades do ensino descritivo previsto

para aquela concepção. Para Neder (1992) o ensino descritivo vai ao encontro da concepção

de língua veiculada no período, bem como ao de gramática estrutural ou gerativo-

transformacional. Para esse tipo de ensino a preocupação centra-se no modo como a

linguagem funciona. O objetivo desse tipo de ensino é levar o aluno a aprender alguma coisa

sobre a natureza da língua, usando-a, no entanto não tem a preocupação de levar ao aluno a

compreender o porquê das suas funções e quais são essas funções da língua. Assim, os

exercícios estruturais de gramática, propostos no livro, visavam, realmente, automatização de

estruturas da língua para sua utilização, quando necessária, na situação de comunicação.

Essa vertente acima exposta não fica difícil de observar nas estruturas dos exercícios

propostos no transcorrer da obra. A obra é composta por 14 lições que abrangem sempre: o

texto para estudo, estudo das idéias, estudo do vocabulário e das expressões, estudo da

composição, recapitulação da gramática, o trabalho oral e o trabalho escrito. A obra ainda

apresenta uma pequena antologia em prosa e versos para trabalhos complementares, como

também, os estudos gramaticais como apêndice, no final do livro.

Ao se observar a parte destinada aos estudos gramaticais, no final do livro, nota-se a

presença de alguns textos verbais ou não-verbais, utilizados muito mais como pretexto para o

ensino da gramática do que para qualquer outra situação. Como o próprio autor nomeia, é para

uma motivação, provavelmente, do estudo gramatical. Sem dúvida era chamativo, uma vez

que os alunos não deveriam ser acostumados com o colorido, com as imagens, ora presentes

no material. É notório que a cor nesse material se apresenta de forma tímida, talvez, insegura.

Em todo o material prevalece o tom terra, amarronzado, um pouco avermelhado e alaranjado,

sendo acompanhado do preto ou por ele sendo delimitado.

A presença das regras é uma constante, no que tange às explicações gramaticais. Para

essa concepção de língua, em vigor no livro, compreende que só haverá comunicação entre

indivíduos que tenham o mesmo conhecimento subjacente de língua. É nesse sentido que o

livro traz as regras, pois entende que assim estará possibilitando, ao aluno, construir

sistematicamente orações complexas, viabilizando, assim, gerar um número infinito de

construções gramaticais.

Os exercícios propostos pelo livro demonstram uma certa repetição de atividades, que

conduz a uma leitura de que eles estavam ali com o objetivo de treinar os alunos para aquela

dada situação gramatical. Esse tipo de atividade, conforme já explicado anteriormente, é

também característico do ensino tecnicista, via estudo dirigido ou instrução programada,

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visava o treinamento para alcançar objetivos de forma eficiente e produtiva. Como se pode

observar pela foto abaixo.

Figura 9: exercício e teoria gramatical Estudo Dirigido

O ensino descrito67 centra foco no modo como a linguagem funciona, ou seja, está

preocupado em descrever os funcionamentos da língua, por isso, nessa concepção, a

gramática é entendida como “um conjunto de leis que regem a estruturação real de enunciados

produzidos por falantes, regras que são utilizadas” (POSSENTI, 1997). Subentende-se, dessa

67 Mais informações ver: NEDER (1992) e TRAVAGLIA (2001).

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forma, que com o aluno, via exercícios repetitivos, de memorização, internalizará regras

lingüísticas diferentes daquelas que usa quando em contato com as noções sobre o que a

linguagem faz e como se faz. Assim,

Como a gramática da língua nessa perspectiva preocupa-se em descrever e revelar relações que se estabelecem entre os elementos do sistema lingüístico, nos seus mais diversos níveis (fonológico, morfo-semântico e sintático), a maneira como se organizam os elementos dentro de sistema vai ser o objetivo do ensino que se utilizará dos exercícios estruturais para treinar as estruturas lingüísticas (NEDER, 1992, p. 57).

O próprio título do livro Estudo Dirigido, parece-me que está ligado a essa questão da

técnica, das regras e das repetições, subentendendo-se que vai direcionar ensino de português

a um fim, de forma sistematizada, e que o aluno estará automatizado, com as estruturas

apresentadas ali, para utilizar a língua quando em comunicação.

Outra característica desse material é com relação à forma como ele se dirige ao aluno.

A foto acima ilustra essa condição. O tempo todo o autor se dirige diretamente ao aluno/leitor

como se fosse um diálogo com uma pessoa conhecida, do tipo: “Agora preste atenção”, “Você

já deve ter concluído”, “Você conhece”, “Você sabia”. Dessa forma, ele constrói um certo

grau de autonomia mediante o contexto da sala de aula; ele dialoga com o aluno/leitor como

se estivessem faca a face, em um mesmo espaço-tempo, e, sobretudo, como se não precisasse

de nenhum mediador, nesse caso, o professor. Nesse sentido, ele adquire uma autonomia com

relação ao seu contexto de uso; ele assume a voz do próprio professor, tendendo a substituí-lo.

Parece-me que essa leitura construída da relação livro-aluno vai ao encontro da nova

concepção de professor-leitor introduzida no cenário educacional, sobretudo a partir dos anos

70: a quem o livro didático deveria oferecer não só textos, mas também exercícios a serem

realizados pelos alunos, instruções sobre o fazer pedagógico e até mesmo as respostas dos

exercícios propostos. O professor passa a ser um orientador das atividades propostas pelo

livro:

Ao professor compete dosar a matéria, assistir o aluno, quando solicitado, verificar o cumprimento das obrigações, esclarecer as dúvidas que surgirem, criar situações que possibilitem a exploração total dos assuntos, medir a todo instante o rendimento de cada aluno (orientar) (FERREIRA, 1973, p. III).

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Ao professor cabe apenas orientar as instruções apresentadas no livro. As expressões

quando solicitado e que surgirem evidenciam o alto grau de independência do livro em

relação ao contexto da sala de aula e do professor.

Com relação aos textos, percebe-se que arrasta, ainda, a tendência de trabalhar com

textos de fundo moral ou que a moral pode ser explorada nas atividades. A coletânea de textos

baseia-se em autores portugueses e brasileiros da literatura do passado e, raras exceções de

autores da literatura brasileira contemporânea. Nesse sentido, ainda caberia a crítica de LINS

(1977) referentes aos livros de língua portuguesa da década de 1960, quando há um

predomínio da literatura do passado e um desconhecimento da literatura contemporânea.

Predomina-se a utilização de textos verbais, as imagens aparecem mais como

ilustrações, para chamar a atenção para a leitura, e menos como textos não-verbais, uma vez

que quase não há a exploração das características dessa tipologia textual. São apresentados

textos da literatura brasileira, acompanhando sempre, em uma nota no final do texto,

referência dos dados da bibliografia do referido autor. Isso pode conduzir para uma leitura de

que, para aquele presente histórico, aquele tipo de texto era o ideal, e por isso tomavam-no

como padrão para ler na escola. De maneira que o lendo, os alunos aprenderiam a gostar de

bons textos como também aprenderiam a escrever, dentro dos padrões, daqueles autores.

Os textos são sempre acompanhados do item estudo das idéias. O autor no início, na

parte introdutória do livro, nas orientações ao professor, sugere que o aluno faça primeiro uma

leitura silenciosa do texto para que possa compreender o texto como um todo. Denota uma

certa preocupação com o processo de compreensão e interpretação do texto.

Nas atividades de interpretação apresenta uma tendência para exercícios do tipo

copiação, termologia utilizada por Marcuschi (1996), ou seja, apresenta atividades que exige

que o aluno localize as respostas no próprio texto. As questões subjetivas, que necessitam do

aluno para inferir interpretação, grande parte delas estão relacionadas com o fundo moral do

texto, sempre deixando as respostas abertas demais, de modo que qualquer resposta deveria

ser aceita.

Há um uso freqüente da utilização do texto para pretexto da gramática. Para a época

seria uma forma inovadora de estudo da gramática da língua, o que chamariam da gramática a

partir do texto. Hoje, esse procedimento é um tanto frágil, uma vez que o texto é dissecado

apenas para as estruturas gramáticas, e o texto em si, suas estruturas e características são

valorizadas em estudo. Apresento um tipo de exercício freqüente no livro:

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Queremos que você indique deste texto dois monossílabos, três dissílabos, dois trissílabos e quatro polissílabos: Este ano vou me esforçar bastante para ser aprovado por média. É claro que eu não estudo para passar de ano. Estudo para aprender. Muita gente neste mundo poderia ser mais feliz se estudasse. Conheço muitas pessoas que vêm à aula para brincar. Com isso, atrapalham os que querem estudar. Elas cometem dois erros graves: não estudam e não deixam estudar (FERREIRA, 1973, p. 109).

O livro Estudo Dirigido, parece-me que se situa entre o inovador e o tradicional. As

características do inovador residem nas formas de como se direcionar ao aluno, nas

informações apresentadas ao professor, no colorido, no uso excessivo de figuras, mas ainda

tradicional na seleção de textos, na forma como aborda os estudos gramaticais. Mas não há

como negar a sua presença marcante em uma nova fase para os manuais de língua portuguesa.

5.3. REFLEXÃO & AÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIL DA PRATES

O exemplar do livro Reflexão e ação, de Marilda Prates, a ser analisado, é uma obra

atualizada, conforme menção recebida na capa, constando, então, de uma edição original,

anterior a de análise. É uma edição de 1984, período em que novas discussões referentes à

língua e ao ensino da língua materna enraízam no círculo educacional. Apresenta as

características físicas, que se observa pela foto abaixo.

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Figura 10: Capa do livro Reflexão e Ação, de Marilda Prates

A partir dos anos de 1960, inicia-se a introdução, nos currículos de formação de

professores, a disciplina Lingüística, mais tarde a Sociolingüística, desencadeando novas

tendências para o ensino da língua. As ciências Lingüística, e em especial, a Sociolingüística,

despertaram a atenção da escola “para as diferenças entre as variedades lingüísticas

efetivamente faladas pelos alunos e a variedade de prestígio, comumente chamada ‘padrão

culto’, que se lhes pretende ensinar nas aulas de português” (SOARES, 2002, p. 171). No

entanto, essas tendências teóricas só chegam às escolas, nos anos de 1980, aplicadas ao

ensino da língua materna.

A educação brasileira, de modo geral, passa por nova reforma, com o advento da Lei

7044/82. A referida Lei para Taguchi, (1994) visou mais a suavizar a questão da

profissionalização obrigatória prevista pela Lei anterior 5692/71, do que tratar de outros

pontos de estrangulamentos. Com relação à língua materna essa Lei pouco influenciou

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diretamente, no entanto, em função das inúmeras críticas recebidas o processo de ensino da

língua materna, nas escolas brasileiras:

[...] o ler e o escrever, melhor dizendo, as dificuldades para a leitura e a produção de texto escrito vinham sendo matéria de discussões, polêmicas, críticas e apelos em e todas as direções, a Lei 7044/82 propiciou ao sistema de ensino redirecionar, pelo menos administrativamente, a importância do ensino da língua materna no processo educativo (idem, p. 130).

Essa flexibilidade viabilizou créditos à língua, configurado no aumento da carga

horária da disciplina, na distribuição formal dos componentes curriculares. A ênfase destinada

ao ensino por atividades, áreas de estudo e disciplina, anteriormente evidenciada pelas

expressões Comunicação e expressão foi amenizada.

Esse é o cenário de circulação e divulgação do livro Reflexão e ação em língua

portuguesa apresentado neste tópico. Percebe-se que o próprio título difere das obras

circuladas na década de 70 e, de algumas outras contemporâneas, que traziam estampadas a

expressão Comunicação e expressão. Provavelmente já um reflexo da rejeição da prática do

ensino da língua materna vigente e em sinal da aprovação do novo quadro teórico emergente.

O título Reflexão e ação sugere um trabalho diferenciado, proporcionando com as atividades

reflexão e uso da língua portuguesa. Ou seja, não levaria em consideração apenas o estudo

sobre a língua.

Na folha de apresentação, a autora revela os aspectos que foram alterados com relação

à obra original e justifica as alterações. Sua principal fonte inspiradora para modificar a

estrutura, segundo a autora, foi a experiência, viabilizada pelo contato direto de cinco anos,

com professores de todo o país, fato que tornou possível conhecer as reais necessidades de

professores e alunos, assim, as adequações surgiram para atender melhor as expectativas dos

leitores.

Reflexão e ação foi um livro recorrentemente citado pelos professores, em especial os

da pesquisa preliminar desta dissertação. Alguns professores, em conversas informais sobre o

livro em questão, apontaram a obra como polêmica68. Os professores não se recordaram com

68 Posteriormente as informações sobre possível polêmica do livro Reflexão e ação, de Marilda Prates, realizei algumas pesquisas para certificar e ampliar as informações do acontecimento. Informei-me com outros seis professores de língua portuguesa que trabalharam nesse período, mas não me relataram fatos mais precisos. Procurei em artigos de jornais de circulação local, da época; na revista Veja; na internet, buscando investigações e artigos acerca do livro e, por fim, entrei em contato com a Editora do Brasil S/A para saber informações sobre a suposta polêmica ou sobre a autora Marilda Prates. Não consegui maiores informações. A Editora do Brasil

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riqueza de detalhes o teor das discussões, mas acreditam que seja em função de temas

polêmicos abordados por alguns textos. Talvez seja essa uma das justificativas não

evidenciadas pela autora para realizar substituições de textos, na edição atualizada da coleção.

Nesse período, era característica das coleções didáticas de língua portuguesa, segundo

Batista (2004), a presença de explorações de textos que se desejavam críticas e contra-

ideológicas. Provavelmente, os textos críticos deveriam espalhar os problemas sociais e

políticos que o País vivenciava naquele período. Em análise a alguns dos textos que compõem

a obra de Marilda Prates, parece que realmente tinham esse objetivo de criticar e denunciar os

problemas sociais. A exemplos: Garoto Jornaleiro, Álvaro Moreira; De sol a sol, de Lucília

de Almeida Prado; Professora eu não consigo entender, Equipe RENOV; O reizinho mandão,

de Ruth Rocha ; Me dá a sua mão, de Heleninha Bortone; Todo homem é um ser social, de

Diocese de São Mateus. Os textos citados, dentre outros que compõem a obra, parece-me que

têm características de um texto de denúncia, por abordar determinados problemas vividos pela

sociedade. Nem sempre o título infere esse caráter denunciador, mas quando em contato com

o texto, percebe-se que há sempre questionamento acerca das diferenças sociais, da

necessidade de organização sindical, da luta de direitos do ser cidadão.

A obra com essa organização de textos críticos apresenta uma abordagem diferenciada

de para o que seja saber ler e como ensinar a ler. Ler, naquele presente histórico, significava:

“aprender algo: descobrir um ‘não-dito’ que se esconde sob a superficialidade do que diz o

texto e fazê-lo – como uma ‘mensagem’, uma ‘máxima’, um ‘ensinamento’ – exercer seu

poder modificador e educativo” (BATISTA, 2004b, p. 83). Dentro dessas características da

leitura que, certamente, cada unidade temática é finalizada com a seção: Interpretação crítica.

Esse tópico inclui leitura de um novo texto, a reflexão e a conclusão dos trabalhos de toda a

unidade. O livro é organizado com texto, exercício que o explora, tendendo a coincidir o

conteúdo pedagógico do exercício com, por um lado, os processos de compreensão do texto e,

por outro, com a explicação de suas dimensões estruturais e gramaticais, com vistas ao ensino

de redação e, ainda, com um processo de avaliação dos resultados, com a explicitação de uma

leitura crítica e pedagógica do texto.

Assim, o livro é composto de capítulos temáticos. Ao todo, compreende doze

capítulos, que são subdivididos em: textos (base e apoio), a temática, gramática, ortografia e

redação. Toda introdução de capítulo é apresentado com um esquema de sua estrutura: prática

da leitura do texto, que envolve o estudo do vocabulário, da estrutura do texto e a

informou-me que Marilda Prates era pseudônimo de Janice Janet Persuhn Alcoforado. Realizei busca pela lista telefônica de provável empresa da autora, em Curitiba, no entanto foram infrutíferas as minhas buscas.

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interpretação crítica; estudos dos conhecimentos lingüísticos e os exercícios da redação. Na

estrutura apresentada pela obra, evidencia uma tentativa de aproximação da teoria e da prática

sobre a linguagem, como forma de interação, desencadeada, no Brasil, pelos estudos de

Geraldi apresentados anteriormente. Essa aproximação é configurada quando menciona os

aspectos a serem abordados no transcorrer de cada unidade: Prática da leitura do texto;

Prática da análise lingüística e Prática de produção de texto. A prática da leitura, da análise

lingüística e de produção de texto são terminologias empregadas nos estudos de Geraldi.

Nessa perspectiva subentende-se que “professores e alunos, nas aulas de língua portuguesa,

tornam-se interlocutores que falam, escrevem, lêem e analisam fatos lingüísticos”

(GERALDI, 1987, p. 107). O próprio título do livro sugere esse tipo de abordagem de

trabalho com a língua: Reflexão e ação.

Com relação aos estudos gramaticais observa-se uma tentativa de aproximar a

gramática ao texto, ainda que seja em termos da organização espacial da obra. Todo capítulo

tem um estudo gramatical gradual bem definido. Provavelmente em função das discussões

ocorridas no período sobre ensinar ou não ensinar a gramática na escola: “o objetivo da escola

é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele

seja aprendido. Qualquer outra hipótese é um equívoco, político e pedagógico” (POSSENTI,

1987, p. 33). Talvez em função dessas discussões a atenção inclinada aos estudos gramaticais.

No entanto, as atividades gramaticais apresentadas ainda são pautadas na repetição e

copiação, embasadas na metalinguagem.

Com relação aos textos e aos estudos do texto, logo na apresentação do livro, além de

elencar os títulos dos textos que foram substituídos da obra original e dos acrescentados,

destaca os textos complementares como uma seção que visa a análise e produção de textos.

Acrescenta ao leitor, professor, que as alterações referentes aos textos têm como objetivo o

aprimoramento da qualidade literária e atender aos interesses por faixa etária. O que se

percebe no transcorrer da obra que os trabalhos com os textos são centrados em narrativas. Os

textos não-verbais são utilizados mais como ilustrações do que como uma tipologia textual.

Nota-se que em todos os capítulos os textos são introduzidos com gravuras, que de

uma certa forma se relacionam com os textos narrativos, objetos de estudos, mas não há a

presença de atividades exploratórias para o texto imagético. Encontrei apenas três atividades

de produção de texto utilizando-se do texto não-verbal, nas quais nos deteremos

posteriormente. Vale ressaltar, no entanto, que no primeiro capítulo do livro, é destacado o

objetivo dos trabalhos do texto, da interpretação crítica e das atividades de redação. Conforme

se observa quadros abaixo:

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Quadro 8: objetivos propostos pelo livro Reflexão e Ação

CONHEÇA OS OBJETIVOS DA INTERPRETAÇÃO DE TEXTO

• Enriquecer o vocabulário.

• Desenvolver o raciocínio.

• Compreender e interpretar textos,

frases e idéias.

• Saber sintetizar (resumir).

• Desenvolver a atenção.

• Desenvolver o gosto pela leitura, pelo

enredo.

• Refletir, concluir e criar.

Quadro 9: objetivos propostos pelo livro Reflexão e Ação

CONHEÇA OS OBJETIVOS DA INTERPRETAÇÃO CRÍTICA DO

TEXTO

• O direito à opinião própria.

• O direito a seus próprios

pensamentos e de sentir da

maneira que quiser.

• Crescer em conhecimentos e

experiências.

• Guardar para você o que considera

importante.

• Entender os problemas alheios para

melhor compreensão de si mesmo.

• Ver, ouvir, sentir e optar.

• Conhecer a realidade em que vive.

• Desenvolver o senso crítico, isto é, saber

distinguir o certo do errado; não julgar

sem conhecer os fatos; tomar uma

posição de vida diante dos

acontecimentos.

Quadro 10: objetivos propostos pelo livro Reflexão e Ação

OBJETIVOS PARA OS ESTUDOS DA GRAMÁTICA

• Você estuda a gramática para:

• Falar e escrever corretamente;

• Buscar o auto-aperfeiçoamento.

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133

CONHEÇA OS OBJETIVOS DAS ATIVIDADES DE REDAÇÃO

• Apresentar com clareza as idéias que deseja comunicar;

• Organizar seu pensamento;

• Desenvolver a criatividade e a possibilidade de auto-expressão;

• Desenvolver a capacidade de observação e crítica;

• Ter originalidade e variedade de expressão.

Quadro 11: objetivos propostos pelo livro Reflexão e Ação

No que concerne aos objetivos destinados à interpretação crítica, segundo quadro

apresentado, parece-me que vem ao encontro das características da leitura crítica delineada

anteriormente. O direito à opinião própria, entender os problemas alheios, ver, ouvir e sentir e

desenvolver o senso crítico são objetivos destinados à interpretação dos textos que também

têm o objetivo de críticas à situação social vivenciada no País.

Logo na parte destinada à apresentação a autora esclarece que no que concerne à

prática de análise lingüística o trabalho foi reestruturado observando a estrutura textual,

gramatical e aspectos convencionais. Nesse sentido, o enfoque das questões da língua, de

texto, está centrado na explicitação de estruturas, regras e princípios, ainda sobre impacto da

teoria estruturalista. Denota, então, que as discussões teóricas do período não foram

absorvidas em sua totalidade pelo livro didático em questão. No entanto, no transcorrer das

atividades percebe-se tentativas de aproximação dessa teoria ainda que sutilmente.

Os objetivos apresentados apontam características particulares relacionadas à leitura,

interpretação, estudos gramaticais e redação (produção textual) e nos dão pistas de que com

elas os alunos poderão desenvolver habilidades necessárias para ser um bom leitor e produtor

de textos. No transcorrer da obra, observa-se que cada grupo de atividades, sempre, inicia-se

por um texto e seus estudos, quase sempre com exercícios que exigem cópia de partes do

texto, para desenvolver seu estudo; seguidamente, acrescentam-se os exercícios de gramática

e, para finalizar cada unidade, surgem atividades de redação.

Nesse sentido, a estrutura construída deixa compreender que o texto sustenta a base

dos estudos da linguagem, ou seja, o texto fornece elementos para o estudo gramatical, e a

junção dos dois constitui e fornece a base indispensável para a redação (produção textual).

No entanto, a forma como organiza a parte interna do livro, as atividades sugeridas, revelam-

se certa fragilidade para atingir o pretendido.

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Há uma valorização acentuada para os estudos gramaticais, pautados na memorização

e repetição de atividades. Os objetivos propostos para esses estudos evidenciam que a obra se

baseia no ensino prescritivo da língua. Acredita-se que por meio da repetição de exercícios os

alunos assimilarão a regra gramatical e seu uso em situações diversas. A obra se baseia em

atividades do tipo:

Quadro 12: exercícios propostos pelo livro “Reflexão e Ação”

Para você exercitar

Determine o número de letras e fonemas das palavras abaixo:

Médico guerra paz hoje

Cabeça plástico perna lado

Braço corneta apanhou caixa

Divida as palavras em sílabas e classifique-as, quanto ao número:

Entendia ambulância ambulância quintal

Continuava guerra negócio desenterrou

Calmamente ressuscitava arrumou

Na página 10 do livro, são apresentadas atividades de estudos de vocabulário. Logo no

início, no manual do professor, a autora sugere ao docente que oriente “o aluno a perceber que

as palavras são sinônimas apenas dentro de um contexto, que uma mesma palavra pode ter

significados diferentes, dependendo da situação em que se encontra” (PRATES, 1984, p. 10).

A proposta é de que o livro viabilize atividades para que o aluno possa refletir o uso do

vocabulário em diferentes contextos, ou seja, que o aluno possa refletir o uso da língua,

conforme o título na obra sugere. Porém, a estrutura interna do livro se apresenta de forma

frágil para atingir o objetivo proposto. As atividades são apresentadas com frases estanques e

descontextualizadas, inviabilizando que o aluno reflita sobre o uso de um único vocábulo

apresentar significados distintos em contextos diferentes. Exemplo de atividades do livro:

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Quadro13: exercícios de estudo do vocabulário propostos pelo livro “Reflexão e Ação”

As palavras são apresentadas no dicionário por ordem alfabética. Escreva as palavras do

vocabulário, apresentado antes do texto, na ordem em que elas aparecem no dicionário,

observando a primeira letra.

Vá ao dicionário e encontre o significado para a palavra INÙTIL.

Em seguida, copie a penúltima frase do texto, substituindo o termo INÚTIL pelo sinônimo

encontrado.

Reescreva as frases, usando sinônimos para as palavras em destaque:

a) Continuava a loucura bélica.

b) Ele arrumou alguns sobreviventes inimigos.

c) A devastação foi geral.

d) Ressuscitava-os na sua imaginação.

Percebe-se que nesse livro ainda paira a relação livro-professor instrutor. As

atividades são direcionadas para o aluno, como se o professor fosse apenas orientar o trabalho

na sala de aula. Configura na quase independência do livro do contexto da sala de aula e do

professor. Assim, é como se a autora conversasse diretamente com o aluno e passa as

instruções: As palavras são apresentadas no dicionário por ordem alfabética. Escreva as

palavras... Reescreva as frases.

As atividades de redação aparecem sempre no final de cada unidade, de forma a

compreender que todos os estudos anteriores, sejam relacionados ao texto sejam as de

gramática, servirão de suporte e serão colocados em prática na produção escrita do aluno. No

entanto, ainda prevalecem as propostas de redação escolarizadas, aquelas que o aluno escreve

na e para a escola, com um fim em si mesma. As propostas trazem quase sempre uma

estrutura padronizada de produção de texto. Provavelmente para atender a um dos objetivos

expostos para as atividades de redação, organizar seu pensamento, é que a autora utiliza desse

recurso. Nas propostas é comum apresentação do seguinte esquema: o texto tem que ter

começo, meio e fim. Assim, orienta o aluno a construir seu texto dentro dessa estrutura e

indicando o que deve conter cada uma dessas partes, o que a autora chama de Narração –

começo, meio e fim orientados. Observe a seguinte sugestão:

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Linguagem escrita:

SUGESTÃO 2

COMEÇO (Introdução)

MEIO (Desenvolvimento) FIM (Desfecho)

NARRAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS PESSOAIS EM 1ª PESSOA

Você é a personagem. Apresente-se, indicando algumas características pessoais.

Parta para o fato a ser narrado, não se esquecendo de indicar QUANDO, COMO E ONDE as coisas aconteceram.

Conclua, dizendo a lição que você aprendeu com os fatos acontecidos. Quadros 14, 15, 16: Sugestão de produção de texto do livro Reflexão e ação,

p. 20 e 21

Seguindo esse processo de padronização de texto, outra sugestão de redação me

chamou a atenção. Observe a seguinte sugestão de redação apresentada pelo livro:

Figura 11: exercício proposto, na página 108, do livro Reflexão e Ação.

A proposta de redação acima demonstra a característica de redação escolarizada.

Finalizando a atividade, propõe que os alunos transformem as observações em frases para

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depois juntá-las, de modo que, cada coluna corresponda a um parágrafo do texto. Não há

orientações aos alunos com relação à coerência e coesão do texto. Deixa a entender que basta

colocar as frases em seqüência para que o texto esteja pronto; a lógica seria que cada conjunto

de idéias, separados por colunas, representaria um parágrafo. No entanto, a necessidade de

unidade de sentido do texto é deixada de lado. O texto é produzido por meio de junção de

frases.

O livro, de um modo geral, atende aos preceitos do ensino descritivo, apresentando um

destaque à gramática, com atividades bem definidas, pautada no estudo de regras e na

repetição de exercícios. Talvez em atendimento aos reclames dos resultados obtidos pautados

no ensino da língua, sem grande valorização da gramática, praticado na década passada. As

ilustrações apresentam-se de forma mais moderada, no entanto, elas surgem, na maioria das

vezes, para ilustrar os textos. Percebe-se que há um sutil alargamento da concepção de texto,

quando em raras atividades, propõe a exploração do texto não verbal para se trabalhar

atividades de redação.

Parece-me que o livro foi bastante utilizado por professores das escolas do Mato

Grosso, inclusive, pelas minhas professoras na época em que era estudante do ensino de 1º

grau. A obra apresenta características bem definidas do seu período, no que concerne ao

objeto em si, o livro. Quantos aos pressupostos do ensino de língua materna, há uma sutil

interferência da teoria na obra.

5. 4. ANÁLISE, LINGUAGEM E PENSAMENTO (ALP), DE CÓC CO & HAILER

O livro ALP (Análise, Linguagem e Pensamento) entra em circulação nos anos de

1990. Nesse período, a Educação brasileira é fortemente marcada pela influência do

construtivismo e do interacionismo desencadeados a partir de estudos de Vygotsky, Bakhtin e

Ferreiro, dentre outros, em décadas anteriores, assim como as contribuições da

Psicolingüística, da Lingüística Textual e da Sociolingüística. Mortatti (2000) acrescenta que

os anos de 1980 são marcados por uma série de mudanças estruturais, administrativas e

didático-pedagógicas, no ensino paulista, desencadeadas pelo projeto do Ciclo Básico. O

Ciclo Básico incorpora uma nova teoria como base para as opções didático-pedagógicas: o

construtivismo. Vale ressaltar, no entanto, que no Estado de Mato Grosso o processo de

escola ciclada desencadeou-se no final dos anos 90.

A partir do início da década de 1980, Geraldi produz e divulga, de forma pioneira,

reflexões e propostas para o ensino da língua. Suas tematizações são consideradas

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emblemáticas em relação ao ensino da língua, incluindo o ensino inicial da leitura e escrita

sob o ponto de vista do interacionismo lingüístico. Nesse período, tem-se a influência das

obras: O texto na sala de aula (1997), uma organização do autor que contém textos proferidos

desde 1981. Dentre outras obras, ainda merecem destaques: Portos de Passagem, primeira

edição em 1991, e, Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação, de 1996.

Em seus escritos a linguagem é compreendida como uma forma de interação humana e

a elege como posto de observação para a compreensão das questões do ensino da língua.

Dessa forma, questiona as bases teóricas tradicionalmente subjacentes ao ensino da língua no

Brasil, e defende uma proposta de ensino com abordagem interacionista, valendo-se das

contribuições da Análise do Discurso, da Teoria da Enunciação e da Sociolingüística. Dessa

abordagem resulta um certo deslocamento do eixo das discussões de como para por quê e

para quê se ensina e se aprende a língua.

Nesse contexto educacional entra em circulação o livro ALP, uma parceria de dois

autores com formações distintas. Maria Fernades Cócco licenciada em Letras e Pedagogia,

com especialização em Alfabetização e Ensino de Línguas e Marco Antonio Hailer bacharel

em Música e licenciado em Educação Artística, com especialização em Psicologia Histórico-

Cultural. A parceria resultou na construção de uma obra pautada no socioconstrutivismo.

A primeira ruptura, nessa obra, que se observa é com relação ao manual do professor.

O material apoiado em teorias socioconstrutuvistas rompe com aquela estrutura apresentada

por livros didáticos em circulação, no período, em que apresentavam respostas fixas e rígidas,

uma vez que os exercícios eram estruturais, baseados em repetições de atividades. As

instruções ao professor são mais contidas, com relação às respostas dos exercícios, porque

considerando a sala como um lugar de interação verbal, as situações de aprendizagem são

promovidas com base na reflexão do uso da linguagem mediando a construção dos saberes.

Assim, as respostas são mais abertas e permitem reflexão, com possibilidades de várias

respostas para uma única pergunta. Quase sempre, ao invés de uma resposta pronta e acabada,

as instruções aparecem, mas se relacionando ao ensino. Comumente, no caderno de resposta,

aparecem as seguintes orientações: As respostas deverão girar em torno das experiências dos

alunos e das características do lugar onde vive; o professor deverá incentivar os alunos a

fazerem perguntas que explorem o conteúdo do texto. Configura-se em uma abordagem

diferenciada para o ensino da língua portuguesa. A forma como os autores abordam, no

manual dos professores, os subsídios teóricos para justificar e argumentar a estrutura da obra,

deixa compreender que o professor/receptor do texto didático ALP é preparado para trabalhar

com essa abordagem delineada. Assim, apresentam terminologias advindas da lingüística

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textual, da análise do discurso, dentre outras, acreditando que o professor já se apropriou

dessas teorias.

A forma de apresentar o trabalho com a linguagem ao professor e ao aluno, também

vai se revelando como uma ruptura aos modelos tradicionais presentes nos livros didáticos.

Essa abordagem socioconstrutivista é enfatizada logo na capa do livro, conforme se observa

pela foto abaixo de um exemplar de 1993.

Foto 12: capa do livro ALP

No centro da capa, há um quadro com a caricatura de duas pessoas que dialogam; no

fundo a representação dos textos proferidos. Logo acima o nome do livro ALP e o significado

da sigla: Análise, Linguagem e Pensamento: a diversidade de textos numa proposta

socioconstrutivista. O próprio nome do material deixa compreender que esse texto didático

tem a intenção de abordar a linguagem como construção e interação social. O título deixa

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inferir que se propõem atividades que vão viabilizar a inter-relação da linguagem e do

pensamento, via análise das ocorrências em diversas situações sociais. Logo abaixo faz uma

alusão a uma abordagem da diversidade de textos numa perspectiva socioconstrutivista, ou

seja, não se preocupando apenas com os elementos estruturais do texto, mas, sobretudo, com a

linguagem no seu próprio uso, abordando o texto como a própria língua em acontecimento.

No livro do professor os autores se preocupam em argumentar sobre a opção teórico-

metodológica abordada no material: o socioconstrutivismo.

A proposta ALP – Análise, Linguagem e Pensamento – Fundamenta-se em discussões atuais a partir das pesquisas teóricas de Piaget, Vigotski, Ana Teberosky e outros. Essas pesquisas apontam para um trabalho de linguagem e têm como objetivo o letramento, isto é, capacitar o aluno para a leitura e a escrita em todos os seus aspectos. Nos últimos anos, Liliana Tolchinsky, Gordon Wells, Josette Jolibert têm se preocupado em pesquisar o aspecto comunicacional e funcional da linguagem desenvolvendo trabalhos a respeito dos vários tipos de texto (CÓCCO; HAILER, 1993, p. 3).

Segundo a introdução da obra, toda a proposta foi pautada em estudos que investigam

o processo de aprendizagem da criança com relação à aquisição da leitura e escrita. Ou seja,

os autores da obra estão preocupados com “o caminho que a criança deverá percorrer para

compreender as características, o valor e a função da escrita, desde que esta se constitui no

objeto de sua atenção (portanto, do seu conhecimento)” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p.

17). Partindo desse princípio, as atividades propostas não são direcionadas pelos aspectos

descritivos e normativos da língua (gramática e ortografia), mas, sobretudo, conduzem o

trabalho de forma a levar o aluno a refletir sobre o funcionamento da língua, propondo

atividades distintas para diferentes contextos e situações de uso social.

É nesse sentido que os autores afirmam que o objetivo da obra é o letramento. Infere-

se, então, que as atividades a serem apresentadas para os alunos devem viabilizar usos da

língua nas diversas situações sociais. Como qualquer evento social ou cultural que envolva

leitura e escrita é um evento de letramento e nestes espaços há uma diversidade de gêneros

textuais, as seleções de textos desse livro devem ser pautadas pelos usos sociais, portanto

deve abordar gêneros e tipologias diversificadas.

Confluindo com essa suposta intencionalidade da obra, os autores, no manual do

professor, apresentam a fundamentação teórica do livro, embasada no socioconstrutivismo.

Abordam também considerações sobre a leitura, a produção textual e sobre a gramática

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textual. Consideram a exploração de textos diversificados como uma prática pedagógica que

possibilita “o desenvolvimento da expressividade, do uso funcional da língua, da leitura e da

reflexão do mundo” (CÓCCO; HAILER, 1993, p. 4). Salientam, também, a necessidade de

trabalhar a produção textual nas diversas tipologias textuais; sejam verbais ou sejam

extraverbais. Com relação ao ensino da gramática, tecem críticas ao ensino normativo, como

também àqueles que preferem simplesmente abolir o ensino da gramática Justificam que o

trabalho da gramática textual leva o aluno a refletir sobre os vários assuntos gramaticais por

meio da comparação de textos diversificados.

Nessa perspectiva o livro ALP aborda tipologias e gêneros textuais diversificados.

Para começo de conversa, expressão utilizada pelo livro, o material é apresentado ao leitor

professor/aluno por meio do texto A leitura da “palavramundo”.

Foto 13: texto de abertura do livro ALP

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É um texto bastante sugestivo. Seu título faz referência a uma expressão freiriana,

pode-se dizer assim, empregada para acentuar a necessidade de se levar em consideração o

conhecimento prévio dos alunos. Nesse raciocínio, Freire (1978) acrescenta que a leitura do

mundo precede a leitura da palavra. Com relação aos textos, a criança necessariamente, em

seu contexto social, está em contato com tipologias e gêneros textuais diversos. O trabalho na

escola, a partir de textos, não deve centrar-se em restritas tipologias e gêneros textuais;

precisa dar enfoque à gama textual de uso habitual no contexto social: placas de ruas,

cartazes, faixas, notícias de jornais, contas, notas, receitas, bulas de remédio, convites,

bilhetes, cartas, mapas, gravuras, desenhos, pinturas, filmes, músicas, histórias, livros, etc,

conforme informa o próprio texto A leitura da “palavramundo”.

É possível inferir pelo texto de abertura de ALP, que o material vai trabalhar com uma

diversidade textual presente no cotidiano dos alunos porque concebe que ler é compreender as

diversas mensagens desses variados textos em circulação, assim, a leitura vai além de

decodificar palavras. As atividades referentes ao texto mencionado acima viabilizam que os

alunos reflitam sobre as tipologias textuais que conhece.

Quadro 17: Atividade de reflexão do livro ALP

REFLEXÃO

1 Escreva, no seu caderno, os diferentes textos com os quais você entrou em contato desde

o momento em que saiu da escola ontem até a hora de chegar à escola hoje.

2 Compare as suas anotações com as de seus colegas e façam uma listagem dos textos que

mais aparecem.

3 Agora faça uma análise dos textos anotados por você:

Eles são iguais aos de seus colegas?

Eles são diferentes? Em quê?

Você já deve ter observado que é impossível viver o dia-a-dia sem ler e

compreender diferentes mensagens.

A proposta deste livro é levar você a entrar em contato com vários tipos de textos e

a perceber eu eles têm idéias e formas que compõem a “palavramundo”.

Ao ler a “palavramundo”, você estará se transformando e re – formando o mundo.

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Os autores propõem uma reflexão sobre os usos dos textos e seus contextos, partindo

da realidade social do aluno. Essa primeira atividade viabiliza inferir que a proposta do

material se aproxima dos estudos da língua como interação social. O texto, de uma forma

geral, tem presença marcante em todo o material, de forma a compreender que o trabalho será

mediado por eles. A abordagem interacionista considera que “centrar o ensino no texto é

ocupar-se e preocupar-se com o uso da língua.Trata-se de pensar a relação de ensino como o

lugar de práticas de linguagem e a partir delas, com a capacidade de compreende-las, não para

descreve-las como faz o gramático, mas para aumentar as possibilidades de uso exitoso da

língua” (GERALDI, 2005, p. 71).

Os autores, na parte introdutória do livro, quando tecem explicações sobre a leitura,

apresentam a necessidade da prática pedagógica embasada na exploração de textos

diversificados, já que acreditam este recurso seja fonte para o desenvolvimento da

expressividade, do uso funcional da linguagem e de reflexão sobre o mundo. Assim, é

apresentada uma classificação para os tipos de textos abordados pelo material: textos práticos;

textos informativos, textos literários e textos extraverbais. Consideram como práticos os de

uso cotidiano: bilhete, anúncio, cardápio, convite, manual de instrução, bula de remédios, etc;

os infomativos: textos jornalísticos, enciclopédias, dicionários, gramáticas, mapas, etc; os

textos literários: poemas, conto, crônicas, fábulas, novelas e os extraverbais são os textos que

utilizam de códigos não lingüísticos: pintura, escultura, música, mímica e arquitetura. Em

uma análise aproximada da classificação exposta pelos autores, percebe-se a seguinte

distribuição dos textos:

Quadro 18: tipos de textos apresentados pelo livro ALP

Textos

práticos

Textos

informativos

Textos literários Textos

extraverbais

13 14 34 09

Não há como negar que os critérios de escolhas dos textos alteraram-se, estão pautados

não mais em textos literários, mas em critérios de usos desses textos no contexto social.

Marcuschi (2005) argumenta que é impossível se comunicar verbalmente a não ser por meio

de algum gênero textual, ou seja, comunicamos por meio de um texto (oral/escrito). Ao

considerar essa diversidade textual, no livro, está se considerando o pressuposto acima

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delineado, assim, os autores tratam a língua em seus aspectos discursivos e enunciativos, e

não em suas peculiaridades formais.

Esta visão segue uma noção de língua como atividade social, histórica e cognitiva. Privilegia a natureza funcional e interativa e não o aspecto formal e estrutural da língua. Afirma o caráter de indeterminação e ao mesmo tempo de atividade constitutiva da língua, o que equivale a dizer que a língua não é vista como um espelho da realidade, nem como um instrumento de representação dos fatos (MARCUSCHI, 2005, p. 22).

Percebe-se que no livro há convites de leituras para o aluno, ora individual, ora

silenciosa e ora coletiva. Assim como há convites para o aluno à leituras, ALP, em algumas

ocasiões, convida o aluno a consultar o dicionário. No entanto, a consulta é sugerida a partir

das palavras que o aluno desconhece. Ele sugere que o aluno liste as palavras que não

conhece; depois sugere que vá ao texto e verifique se as expressões ou trechos do texto podem

inferir o sentido das palavras destacadas pelo aluno. Apresenta questionamentos do tipo:

Anote o seu caderno as palavras do texto cujo significado você não conhece. Releia o texto e

verifique se é possível entender o sentido dessas palavras a partir das expressões e trechos

em que elas aparecem. Se houver dúvidas, consulte um dicionário. Discuta com seus colegas

e professor e escreva as suas conclusões. Deixa transparecer que ALP concebe que a

compreensão do texto vai iluminar a compreensão das palavras, das estruturas textuais e da

gramática. Assim, o livro propõe atividades de interpretação, discussão e opinião, sugerindo

que o aluno expresse sua opinião, ouça a de outros colegas, como também há espaço para

discutir idéias divergentes, ou seja, propõe atividades habituais de comunidades de leitores e

produtores de textos.

As unidades são apresentadas sempre com tipologias diferentes de textos que tratem

de temáticas semelhantes. ALP propõe, a partir dessa estratégia de apresentação de textos, que

o aluno após leitura dos textos, identifique características deles: semelhanças e diferenças.

Pede para discutir essas características com colegas e professor, para depois apresentar alguns

conceitos. Esse tipo de atividade tende a levar o aluno a refletir sobre estruturas de textos,

observando-as em uso distintos. No entanto, cada vez que o livro propõe esse tipo de

atividade, assim como as interpretações críticas, deixa as respostas abertas demais e o

professor tem que planejar bem as aulas para atingir os objetivos sugeridos. Ainda com

relação aos textos, percebe-se que o livro ainda traz figuras, desenhos que estão apenas

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relacionados com o texto, não dispondo de estrutura suficiente para total exploração deles. No

entanto, vale lembrar que os textos não-verbais não são totalmente desprezados pelo material;

apresenta e explora alguns textos não-verbais, como esculturas, pintura, mas há também

aqueles com função ilustrativa.

Com relação à parte gramatical, observa-se que ALP reserva um lugar notadamente

menor aos exercícios gramaticais, assim como para as definições de conceitos da gramática.

Os estudos gramaticais são chamados de gramática textual, o que denota que ela está a serviço

do texto e não, ao contrário, o texto a serviço da gramática. Vale ressaltar que, quase sempre

estes estudos, são critérios estabelecidos para a avaliação da produção de texto, conforme

destacaremos posteriormente. Essa diminuição de espaços reservados para os estudos

gramaticais, para a ortografia, por exemplo, em função do maior destaque apresentado para

trabalhos com práticas de leitura e produção de textos.

No entanto, as características do ensino normativo da gramática não foram abolidas na

sua totalidade. Esse ensino é caracterizado pela seqüência explicações e exercícios. Em alguns

capítulos percebe-se que há a lógica de que cada conteúdo tem a sua explicação e em seguida

alguns exercícios aplicativos são propostos. A exemplo:

Quadro 19: gramática textual ALP, p. 82.

Gramática textual

Substantivo e verbo são duas classes gramaticais.

Classe gramatical é um conjunto de palavras que apresentam as mesmas características.

Por exemplo: os substantivos são palavras que dão nomes às coisas, seres e sentimentos;

verbos são palavras que exprimem ações, estados ou fenômenos da natureza.

Existem ao todo dez classes gramaticais, reunidas num capítulo das gramáticas que se

chama MORFOLOGIA.

Lendo este capítulo, você poderá encontrar informações sobre as características das

palavras.

Escolha algumas palavras do texto e, com a ajuda do seu professor e o uso de uma

gramática, identifique a classe gramatical a que elas pertencem.

Lerner (2004) acredita que o livro em análise “renuncia, consciente ou

inconscientemente, às teorias nas quais se fundamenta, ao deixar de enfocar como processos

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construtivos a aprendizagem das restrições ou regularidades ortográficas e as noções

gramaticais” (2004, p.128). Há uma carência de relações estabelecidas entre as atividades de

leitura e escrita e os conteúdos gramaticais e ortográficos. Essa carência talvez se efetue em

função do apelo apresentado na introdução ao processo de se ter o sujeito como construtor do

conhecimento. Atualmente, no ensino da língua já se sabe que não é suficiente propor

atividades de prática de leitura e de escrita.

Além disso, é necessário refletir sobre o que se faz, ir conceituando de maneira explícita os conhecimentos lingüísticos e discursivos que estão em prática, enquanto se lê ou se escreve, e sistematizar os conhecimentos que vão sendo explicitados; é necessário que o professor convalide os conceitos que se aproximam dos saberes socialmente considerados válidos (LERNER, 2004, p. 133).

O processo de escrita está fortemente marcado na coleção ALP. Várias propostas de

produção textual são apresentadas aos alunos, sempre oferecendo sugestão de planejamento

da escrita, não sugerindo questionários ou outras sugestões que conduzem a uma construção

fragmentada do texto. Assim, as proposta contemplam a construção de textos completos,

sempre lança um convite para a análise da escrita via critérios preestabelecidos em uma

sugestão de auto-avaliação para cada produção realizada. Conforme se pode observar pela

proposta abaixo:

Quadro 20: proposta de produção textual ALP PRODUÇÃO

Reúna seu grupo pra redigir uma notícia de jornal em que apareçam alguns nomes diferentes que vocês

descobriram.

Entregue sua notícia para outro grupo da classe e peça um comentário a respeito.

É necessário lembrar que uma notícia de jornal apresenta algumas características:

• Manchete – resume a idéia principal da notícia;

• Corpo – informa, narra um acontecimento, descreve fatos ou dá opiniões;

• Citação da origem ou fonte da notícia – autor, local, nome do jornal etc.

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Quadro 21: Proposta de avaliação textual ALP AVALIANDO A PRODUÇÃO

Verifique o resultado de seu trabalho observando:

Há manchete?

As informações básicas sobre o acontecimento (O quê? Onde? Quando? Quem? Como? Por quê?) foram

mencionadas?

Há o nome do jornal? Foi indicado o lugar onde a notícia aconteceu?

A linguagem é simples e objetiva?

Há uma seqüência lógica dos fatos?

A pontuação está correta?

Houve uma releitura par corrigir possíveis erros ortográficos?

Está legível?

Para Geraldi (2004), o texto (oral e escrito) é o lugar de correlações; ele é construído

por meio de palavras (carregadas de significações) que se organizam em unidades maiores, as

quais somente serão compreendidas na sua unidade global do texto. Por sua vez, o texto

dialoga com outros textos sem os quais não existiria. Esse processo transforma-se em um

circuito (texto que se relacionam entre si).

Dessa forma, conceber o texto como unidade de ensino/aprendizagem é entendê-lo

como entrada para estes diálogos. Por outro lado, o aluno como produtor de textos é

participante ativo de diálogo: com textos e leitores. Assim, transformar a redação escolar em

produção de texto implica admitir esse conjunto de correlações, que constitui as condições de

produção textual. Daí a necessidade de planejar a produção e para isso é preciso que:

A) se tenha o que dizer; B) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; C) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; D) o locutor se constituía como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz (ou, na imagem wittgensteiniana, seja um jogador no jogo); E) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d) (GERALDI, 2002, p. 137).

Percebe-se que ALP propõe em partes esse processo de planejamento da produção

textual.As propostas de revisão textual possibilitam que o aluno (produtor) se habitue ao

processo de escrita, com idas e voltas, revisões, correções e acréscimos que julgar necessário.

Entretanto, nem sempre esse critérios estão suficientemente claros para a auto-correção,

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impedindo que o aluno, sozinho, realize a revisão e refacção textual; portanto, necessita

solicitar ajuda ao professor para intervir no processo de revisão e correção.

Conforme menciono anteriormente, nem sempre, ficam claros os destinatários dos

textos. Nesse sentido, os textos às vezes não são produzidos com propósitos comunicativos,

estabelecendo o para quem se escreve e para que se escreve. Apesar da leitura e escrita serem

preponderantes no livro em questão, nem sempre elas viabilizam condições dos alunos se

apropriarem da leitura e da escrita como práticas sociais. Entretanto, não há como negar que a

diversidade textual abordada pelo material é ampla, e que suas atividades se distanciam da

prática tradicional veiculada nos manuais didáticos.

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6. CONVERSAS COM PROFESSORES: MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DOS LIVROS

DE LÍNGUA PORTUGUESA E SEU USO NO CONTEXTO DA SALA DE AULA.

O livro didático está significativamente presente no cotidiano da escola, sobretudo, no

universo das aulas das disciplinas escolares. O texto didático é produzido com a finalidade de

atender às necessidades de dois públicos: em uma ponta estão os professores e em outra os

alunos, mediatizando o processo de construção do saber, contribuindo, com suas marcas, na

constituição desses sujeitos.

Inúmeras pesquisas, ao tomarem o livro didático como objeto de estudo, investigam o

seu percurso histórico, seus conteúdos, suas ideologias, traçando um paralelo com o eixo

educacional vigente no período delimitado. Mas às vezes, além de ler o que os autores

escrevem, ou sobre que eles silenciam, é preciso, também ouvir-ler a outra vertente desse

processo. É necessário compreender o outro lado da moeda, ou seja, o que os atores da sala de

aula (os professores-sujeitos) têm a revelar desse grandioso material, uma vez que são leitores

assíduos dessa fonte. Assim como, ouvir-ler o que os alunos têm a dizer sobre o trabalho do

professor com o livros didático poderia revelar dados e leituras de outro ângulo à respeito do

uso desse material, no entanto, a natureza desse trabalho não permite abordar essas reflexões

no que tange à abordagem desses prováveis sujeitos ( os alunos). Não é difícil entender a

valorização das histórias dos professores-sujeitos, se compreendermos que o fato de um

professor ter adotado um determinado livro didático não é total garantia do seu uso; pois pode

utilizá-lo na sua completude, como também em partes, ou simplesmente, não utilizá-lo. Então,

a provável circulação do texto não garante que o leitor-receptor faça as decifrações tais como

o autor (editor) idealizou; como também o uso de um determinado texto didático por um

professor não significa, necessariamente, conversão de concepções e metodologias

educacionais nele permeados.

Nessa perspectiva, vale ressaltar, que o livro “sempre visou a instaurar uma ordem”

(CHARTIER, 1999, p.8); seja implícita pela intencionalidade preestabelecida pelas condições

de produção, ou mesmo, pelos limites determinados para a própria compreensão das linhas e

das entrelinhas. Mas todo este direcionamento não assegura essa receptividade fechada e

desejada quando em contato com o leitor. Esse fato acontece porque há matizes variantes

entre o contorno-mundo do texto e o contorno-mundo do leitor, as quais vão determinar

leituras e releituras diferentes para cada contexto. Nesse sentido, há de se considerar para um

estudo do processo da leitura, que as significações atribuídas a um texto são dependentes das

formas pelas quais eles são recebidos e apropriados por seus leitores.

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Assim, o texto só será texto, só será dotado de sentido, quando em contato com o

leitor. O leitor constrói, ordena, reordena e transgride sentidos de acordo com a sua

percepção. Partindo dessa premissa e entendendo que o livro didático é um texto, assim, um

complexo de materialidade e de literalidade, acredito que não basta desnudar o livro didático

de língua portuguesa, mediante sua análise, para configurar em sua historicidade. É preciso

compreender as formas pelas quais esses textos-didáticos foram recebidos pelos leitores

(professores). Desse modo,

A tarefa do historiador é, então, a de reconstruir as variações que diferenciam os “espaços legíveis” – isto é, os textos nas suas formas discursivas e materiais – e as que governam as circunstâncias de sua “efetuação” – ou seja, as leituras compreendidas como práticas concretas e como procedimentos de interpretação. ...Três pólos, em geral separados pela tradição acadêmica, definem o espaço dessa história: de um lado, a análise dos textos, sejam eles canônicos ou profanos, decifrados nas suas estruturas, nos seus objetivos, em suas pretensões; de outro lado, a história do livro, além de todos os objetos e de todas as formas que toma o escrito; finalmente, o estudo de práticas que se apossam de maneira diversa desses objetos ou de suas formas, produzindo usos e significações diferenciados (CHARTIER, 1999, p. 12).

Neste capítulo, trabalhei com o objetivo de compreender como se efetivou o uso do

livro didático de língua portuguesa com a memória viva dos professores. Deve-se considerar,

no entanto, que são análises realizadas a partir da releitura dos professores mediante sua nova

condição hoje, ou de aposentado, ou de um atuante de sala de aula, que vem atualizando suas

leituras acerca do tema em questão.

6.1 AS CONVERSAS COM OS PROFESSORES, REVISITANDO A MEMÓRIA: E O

QUE OS PROFESSORES DIZEM DA UTILIZAÇÃO DO LIVRO DID ÁTICO DE

LÍNGUA PORTUGUESA.

A presente pesquisa contou com a colaboração de seis professores de língua

portuguesa. Quatro deles são professores aposentados (Neide, Marlúcia e Marly) e dois estão

na ativa, na sala de aula (Ivonete e Ademar). Todos eles são habilitados em Letras, pela

Universidade Federal de Mato Grosso.

Todos os seis professores afirmaram convictamente que usam ou que usaram livros

didáticos nas aulas de língua portuguesa. Nos depoimentos, fica evidente o uso do livro

didático na sala de aula, assim como, justificam o uso dele:

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Quadro 15: Os sujeitos afirmam que usam ou que usaram o livro didático

Usou livro

didático na

sua carreira?

Marlúcia

Ademar Neide Ivonete Vânia Marly

Não me lembro se

desde o início da

minha carreira usei o

livro didático,

acredito que não tinha

e que levava textos e

exercícios para passar

na lousa.

Uso livro

didático nas

minhas aulas.

Sempre, foi

uma constante.

Usei livros

didáticos, na

fase inicial

da minha

carreira.

Sim,

sempre

usei

Toda a vida,

né? Desde o

início da

minha careira

usava o livro

didático.

Sim, usei.

Quadro 16: Marlúcia, Ademar e Neide Justificam o uso do livro didático em sala de aula

Por que o

uso do

livro

didático em

sala de

aula?

Marlúcia

Ademar Neide

Mas quando passei a usar o livro didático usava para fazer leituras, leitura silenciosa e depois fazia leitura geral com todos (...) Depois fazia a interpretação do texto sugerida pelo livro, ou comentava com os alunos e perguntava: qual a palavra-chave do texto ou o que o autor quis dizer com “isto ou com aquilo”. (...) Aproveitava o texto para falar ligeiramente das classes gramaticais que apareciam nele (...)

Eu acho que 80°/° dos alunos, o único livro que terão acesso é esse. Em primeiro lugar pelas condições financeiras dos alunos, dos pais de nossos alunos. Depois pela própria cultura da não-leitura. Na realidade, os nossos alunos não são leitores... o nosso país não tem a cultura da leitura (26/06/06) Não tem como fugir disso, por dois motivos: quando a gente sai da universidade, da faculdade, deve ter sido o seu caso, a gente sonha..., a gente sai com alguns sonhos, alguns ideais... E quando você vai pra prática, a situação é completamente diferente, você tem que fazer uma série de adaptações, né? E o livro didático ele fez parte dessa adaptação minha. A gente percebia que a escola não tinha recursos pra você poder usar materiais diversos, outros textos. Então, você tem que se apegar a quê? Ao livro didático. E outra; a questão financeira dos alunos. Se a gente perceber a questão da educação, talvez esse seja, na maioria das vezes, para os alunos, o único livro que ele vai ter contato durante a vida toda. Aí, então, o livro didático, de fato, ele é o principal instrumento dentro da sala de aula, não tem como fugir disso. A não ser em raríssimas exceções ( 26/09/06).

O primeiro deles que usei foi um de Reinaldo Mathias. O Estado que enviava os livros... Eu programava as aulas de 2ª a 6ª feira da seguinte forma: aula de leitura seguindo o livro didático (...) Eu seguia todo o livro por causa do conteúdo (...) Eu seguia todo o livro por causa do conteúdo. Por ordem do conteúdo apresentado pelo livro (...) todos os livros que comecei a trabalhar já eram divididos por turma.

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Quadro 17: Ivonete, Vânia e Marli justificam o uso do livro didático em sala de aula Por que o uso do livro didático em sala de aula?

Ivonete Vânia

Marli

mas o livro didático não é a principal ferramenta nas minhas aulas. O livro é apenas mais um instrumento para auxiliar no ensino da língua portuguesa (Ivonete, 2006).

Era necessário o uso do livro. Era de suma importância, muito valioso e dava oportunidade para você não só utilizar o livro como também ter condições de ir além com exercícios extras e que os alunos gostavam muito, porque facilitava em grande parte a vida do professor. Antigamente não, você tinha que dá o jeito de rodar e não sei o que... de o aluno copiar. Então isso aí tomava muito o tempo, e com o livro didático, aí de graça, totalmente aí, oferecendo tantos recursos, então isso aí, facilitou a vida do professor em grande parte. Tanto do professor como do aluno, principalmente quando eles foram doados, a partir do ano em que eles foram doados, facilitou mais ainda, porque todo mundo (professor e aluno, grifo meu) tinha um, então foi uma maravilha. Preparava aula expositiva para acrescentar a gramática para os alunos. (Vânia, 04/08/06 e 14/09/06)

Principalmente para facilitar a leitura. Em seguida tinha a parte de exercícios. Seguia os livros e a gente pesquisava outros livros e de acordo com a parte de gramática a gente usava exercícios, assim, fora dos livros, era o meu costume. Por aí você vê que tinham muitos livros para pesquisar, não ficava só naquele livro. O livro era o principal porque todos os alunos tinham na sala de aula aquele livro, então, a gente seguia. (Marly, 16/08/06)

Observa-se que todos os sujeitos afirmam que usaram ou que ainda usam livros

didáticos em suas aulas. Assumem, também, que ele é o principal instrumento das aulas, seja

para seguir os conteúdos ou pelo acesso fácil dos alunos ao material, com exceção da

professora Ivonete que o caracteriza como instrumento das suas aulas.

As professoras aposentadas esclarecem que o uso do livro era importante e era

necessário utilizá-lo, porque todo o conteúdo estava disposto ali, era segui-lo, conforme

reitera a professora Neide:

Eu seguia todo o livro por causa do conteúdo. Por ordem do conteúdo apresentado pelo livro (...) todos os livros que comecei a trabalhar já eram divididos por turma. (Neide, 2006).

O livro como afirmado anteriormente tem a intencionalidade de instaurar uma ordem,

no caso específico do livro didático, tem, também, o objetivo de homogeneizar os discursos,

ou os conteúdos. Na realidade, ele segue um padrão de conteúdos estabelecidos pelos

programas das Secretarias de Educação. O livro se constitui em um forte instrumento de

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“unificação, até mesmo de uniformização nacional, lingüística, cultural e ideológica”

(CHOPPIN, 2004, p. 553). Ainda este autor atribui ao livro a função referencial, ou seja, uma

referência dos conteúdos a serem trabalhados a uma determinada turma:

Função referencial, também chamada de curricular ou programadas de ensino: o livro didático é então apenas a fiel tradução do programa ou, quando se exerce o livre jogo da concorrência, uma das suas possíveis interpretações. Mas, em todo caso, ele constitui o suporte privilegiado dos conteúdos educativos, o depositário dos conhecimentos, técnicas ou habilidades que um grupo social acredita que seja necessário transmitir às novas gerações (CHOPPIN, 2004, p.553)

Essa função do livro, conseqüentemente, facilita ou, ainda, pode acomodar o

professor, que às vezes tem que realizar uma dupla jornada de trabalho, lecionando em duas

ou três escolas ao mesmo tempo. O docente pode fazer do livro o seu próprio planejamento,

apenas seguir os seus direcionamentos.

É importante ressaltar que o período em que as professoras aposentadas iniciam as

suas carreiras situa-se no final da década de 60 e início da década de 70. É um momento de

transição dos antigos manuais didáticos para os modernos livros da atualidade, sendo assim,

transição também, da supremacia do caderno escolar para o livro, este se transformou de

material secundário do professor para material prioritário. A professora Vânia, em sua fala,

sustenta essa questão, quando argumenta que antigamente tinha que dar um jeito de rodar

atividades, ou seja, reproduzir por mimeógrafo a álcool as atividades; do aluno copiar do

quadro para o caderno. O livro antes era um apoio para o professor, então era para se fazer

leitura, declamações de poesias, relacionadas à oratória, isso porque, ele trazia seletas de

textos e a parte relacionada à gramática era sustentada em teorias, apenas. O professor era

responsável para propor as atividades, tanto do texto quanto da gramática, e o aluno as

copiava no caderno, por isso a supremacia deste em lugar daquele outro.

Nesse indicativo, gradativamente, o livro vai tomando o espaço do caderno na sala de

aula, principalmente, nesse período, com a chegada do livro consumível; o aluno podia

realizar suas atividades no corpo do próprio material. Na tomada de espaço do cenário

escolar, o livro didático é remodelado em sua estrutura e novos atributos lhes são designados.

Ele passa a sustentar teórico-metodologicamente o professor na sua tarefa docente, ou seja,

orienta com teorias e o próprio caminho a ser seguido na sala de aula, assumindo a

responsabilidade, que antes era do professor, a de planejar as aulas. Os autores passam, então,

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a direcionar caminhos no processo de ensinar: passam a apresentar uma metodologia,

exercícios e respostas das atividades.

Ao longo dos anos 1960 e 1970, ocorre um conjunto acentuado de modificações no

que concerne à produção de manuais didáticos. Uma delas refere-se ao tempo de vida útil do

livro didático, ele torna-se, predominantemente, até muito recentemente, um livro consumível,

por isso não podia ser reutilizado. Nesse período, os livros passam a trazer as atividades para

serem (re) produzidas pelo aluno no próprio espaço físico do material. Na sua estrutura já era

previsto espaço para realização das atividades, dispensando, muitas vezes, o uso do caderno,

na sala de aula.

O depoimento do sujeito ilustra o quadro desenhado acima ao mencionar que,

antigamente, o professor tinha que preparar todos os encaminhamentos da sua aula. Tinha que

dar “jeito de rodar atividades”, certamente, referenciando aos mimeógrafos, constituindo a

imprensa escolar. BATISTA (2002a) emprega o termo imprensa escolar para designar as

reproduções internas, nas escolas, de impressos de textos didáticos, por meios mais simples,

como o mimeógrafo à tinta e a álcool e, ainda, mais recentemente, o xerox e o computador.

Sem a presença dos livros didáticos, principalmente, quando não eram acessíveis para os

alunos, os professores se viam na responsabilidade de instrumentalizar suas aulas, então,

confeccionavam cartazes para ilustrar as explicações e mimeografavam atividades e textos

para otimizar o tempo. Com a chegada da nova concepção de livro didático, esse tipo de

planejamento ficou em segundo plano, porque o livro passou a garanti-lo.

Vale ressaltar que a imprensa escolar, caracterizada logo acima, ainda está em

funcionamento, permeando as aulas de língua portuguesa. A professora Ivonete diz que

sempre leva textos xerocados para os alunos para trabalhar com textos mais atrativos ou como

pretextos para debater assuntos específicos. O professor Ademar acrescenta que uma das

dificuldades, hoje, para não se usar o livro didático é a falta de recursos financeiros, por parte

da escola pública. Esta não disponibiliza recursos suficientes para se tirar xerox, por exemplo,

de textos. Os depoimentos revelam a perpetuação dessa impressa interna na escola, hoje, mais

cara, com uso mais reduzido, por isso, leva o professorado a depender mais do livro didático.

Por outro lado, revela que o professor leva textos diversos para sala, mas que muitas vezes,

são recortes retirados de outros livros didáticos. Enfim, o professor utiliza o texto didático (o

livro) na sala de aula, porque o adotou, e também, como suporte para planejar suas aulas,

reproduz exercícios, textos, como enriquecimento delas.

O processo de exaltação do livro didático, iniciado na década de 1970 e perpetuado até

a atualidade, apresenta-se como um paliativo à conformidade da situação do professorado.

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Com o crescimento da demanda de alunos, ocorrida em razão da democratização do ensino,

aumentou-se o recrutamento de professores, de forma menos seletiva, e estes, nem sempre,

estavam preparados para assumir a Educação, visto que nem sempre as Instituições

Formadoras estavam preparadas para habilitar profissionais de qualidade. Vale ressaltar que

esse cenário, que ora desenho, não diz respeito apenas ao Estado de Mato Grosso, mas sim, ao

contorno do País. Nesse sentido, ao invés de se investir maciçamente na formação de

qualidade do professor, transferiu-se o investimento para o livro didático como se o retorno

viesse de forma mais rápida. Assim:

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Costumo lembrar que o livro didático é uma tradição tão forte dentro da educação brasileira que o seu acolhimento independe da vontade e da decisão dos professores [...] Costumo esclarecer que à perda crescente da dignidade do professor contrapõe-se o lucro indiscutível e estrondoso das editoras de livros didáticos. Essa história começa a ser assim no início da década de 70: a ideologia tecnicista sedimentou a crença de que os “bons” didáticos, os módulos certinhos, os alphas e as betas, as receitas curtas e bem ilustradas , os manuais à Disney etc... seriam capazes – por si só – de assumir a responsabilidade docente que os professores passavam a cumprir cada vez menos. Quer dizer: à expropriação das condições de trabalho no âmbito do magistério correspondeu um aumento gigantesco nas esferas da produção, da venda ou distribuição e do consumo de livros e manuais didáticos pelo País (SILVA,1996, p.11).

Ao encontro desse contexto, já comentado dos anos de 1970, tem-se o governo militar,

que foge aos princípios da democracia. No lugar da participação do professor para as tomadas

de decisões, há a imposição das leis, dos programas curriculares, das concepções de ensino de

educação, por exemplo. Há, nesse sentido, por outro lado, uma falha imensa por parte das

Secretarias, uma vez que o processo de divulgação das tomadas de decisões, principalmente,

no que concerne ao processo de ensino, às concepções para as disciplinas, são menos

articuladas do que as editoras. Ou seja, as editoras acabam sendo mais articuladas que as

próprias Secretarias: “[...] as editoras têm mais capacidade de divulgar seus livros do que a

Secretaria de Educação tem de divulgar seus programas curriculares [...]” (FARIA

&BERUTTI, apud GATTI, p. 391). Nesse movimento de contradição o livro didático vai

ganhando espaço no cotidiano escolar e, sem sombra de dúvidas, constitui-se em um

instrumento pedagógico privilegiado no ensino de língua portuguesa.

Nota-se, pelos depoimentos, que o livro didático se fixou no cotidiano da escola, tanto

naquela dos anos 1970 como no atual cenário educacional. Tanto os sujeitos aposentados

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quanto os que estão na ativa afirmam usar o livro didático. Dos últimos, Ademar afirma que o

uso é fundamental, e Ivonete, porém, assume a posição de que o livro serve como instrumento

em suas aulas. Mas o fato é que o texto didático transformou-se numa cultura do cotidiano da

educação e o seu uso se consolida no conjunto de professores e alunos. Assim,

[...] o passado pode permanecer presente, mas sob forma implícita ou latente, incorporado em habitus intelectuais, em modelos de pensamento, em procedimentos operatórios considerados como naturais e evidentes, em tradições pedagógicas. Assim, a dimensão temporal da cultura pode se revestir no interior do currículo de toda a espécie de graus e de modulações (FORQUIN, 1992, p.30).

O professor Ademar justifica como fundamental o uso do livro didático em sala de

aula, em razão de que esse material constitui, para grande parcela dos alunos, no único livro a

que terá acesso. Bem provavelmente essa assertiva vai ao encontro da realidade do alunado da

escola pública brasileira. Dessa forma,

[...] vem se constatando (Silva 1997, Melo 1997 e MEC 1997) que – ainda que lamentavelmente – os livros didáticos são a principal fonte de informação impressa utilizada por parte significativa de alunos e professores brasileiros e que essa utilização intensiva ocorre quanto mais as populações escolares (docentes e discentes) têm menor acesso a bens econômicos e culturais (DIAS apud BATISTA, 2002a, p.531)

Bem se vê que esse material impresso é uma valiosa fonte de informação tanto para

alunos quanto para professores. Estes últimos também o utilizam como fonte de consulta para

sua atuação em sala de aula. O livro didático se constitui, assim, para uma considerável

parcela da população brasileira, como uma fonte primeira e principal, em torno da qual vai se

possibilitar sua inserção ao contexto escolarizado, ou seja, é a principal fonte em torno da qual

sua escolarização e letramento são organizados e constituídos. Os fatores sociais, econômicos

e culturais vão interferir muito nessa realidade, o baixo poder aquisitivo dos alunos para

compra de livros, que normalmente são caros, e a própria cultura da não-leitura. Mas acredito

que a própria escola como instituição responsável, também, pela formação de alunos leitores

tem uma parcela de contribuição para a perpetuação dessa realidade, uma vez que muitos dos

alunos que concluem o ensino fundamental, ainda não são considerados leitores autônomos.

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O livro didático de língua portuguesa está instalado no contexto da sala de aula e vem

sendo (re) modelado para os padrões emergentes de cada entorno histórico. A forma de

abordagem realizada pelos professores vai se edificando também pelo contexto: pela própria

formação do professor, pelas correntes educacionais difundidas de cada presente histórico. A

esse exemplo a professora Marli, em comentário ao livro Trechos selecionados para leitura69,

de Cesário Neto e Célia N. de Barros Figueiredo, o qual era adotado na Escola em que

estudava no Ginásio Brasil, disse:

Quando eu estudei no Ginásio Brasil, o livro Trechos selecionados para leitura, de Cesário Neto era o adotado. Eu estudei nele. São apenas textos, aí o professor tinha que tirar tudo... a gramática, tudo. Nessa época o professor tinha que ser professor, ele mesmo era que tinha que entender de tudo. Depois, a partir da década de 70, os livros já vinham ilustrados, com todo tipo de exercício, facilitou muito. Para o professor foi um achado (Marly, 2006).

Percebe-se, pelo depoimento da professora, que o próprio professor identifica as

mudanças ocorridas na estrutura do livro didático e que essas modificações representam uma

mudança de concepção de educação e de professor. Nesse momento histórico da educação

brasileira, mencionado pela professora Marly, o livro didático era um material dependente do

professor. Ou seja, ele só trazia textos de autores clássicos e mais nada, nenhum tipo de

exercício, de sugestão de atividade. Assim, o professor é que dava vida para o livro, ele era

responsável para propor todas as atividades. Como o próprio sujeito explica “o professor tinha

que tirar tudo”, desde a parte de interpretação, como também a gramática e a redação. Batista

mostra em seus estudos que, no surgimento,

entre 1960 e 1970, dos modernos livros didáticos de Português, a ampliação da apresentação, pelos manuais, de exercícios e atividade organizados numa progressão articulada ao desenvolvimento do ano letivo, assim como a ênfase em sua diversidade e quantidade estão relacionados, no mesmo período, ao recrutamento mais intensivo e menos seletivo de professores, assim como à deterioração de suas condições de trabalho. Esses fenômenos relacionados à ocupação docente teriam contribuído, ao lado de outros fatores, para uma progressiva ampliação das funções do livro didático e para sua transformação: de

69 O livro Trechos selecionados para leitura, de Cesário Neto e Célia N. de Barros Figueiredo, foi utilizado por professores de dois sujeitos desta pesquisa: Marlúcia e Marly, estas ainda alunas do curso ginasial na escola Ginásio Brasil. O exemplar que a professora Marly guarda até os dias de hoje, é uma segunda edição, caracterizada como, segunda edição melhorada, de 1955, Tip. Escola Industrial de Cuiabá. Percebe-se que foi um livro amplamente utilizado pela aluna, em função das inúmeras anotações encontradas em cada lição do referido livro.

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compêndio ou livro-texto – síntese de conteúdos a serem ministrados ou antologia de textos a serem explorados – ele se transforma em caderno de atividades, passando a conter exercícios e unidades seqüenciais e a assumir mais amplamente a própria organização do trabalho em sala de aula e de seus tempos (BATISTA, 2004, p.58-59)

Assim, a observação do sujeito é contundente e vai ao encontro dos resultados dos

estudos do autor ora citado. Vale ressaltar, no entanto, que o sujeito diz que os livros

mudaram, a partir da década de 1970, facilitando a vida do professor. Na realidade, essa

mudança a que ele se refere inicia nos anteriores, timidamente, e vai gradativamente se

intensificando. Mas de fato, as ilustrações, o colorido, o apoio maior ao professor aumentou

na década de 1970. “O livro didático abandona a limitação do preto e branco, isto é, a folha

branca como espaço vazio para a chegada do texto em preto, e toma cor. Progressivamente,

esse espaço será redimensionado qual o uso dos poetas concretos (...)” BELMIRO, 2000. Não

se deve esquecer que a década de 70 foi o período em que se inicia a Teoria da Comunicação,

que compreendia a língua como um instrumento de comunicação, situação que influencia

diretamente na produção do livro de português.

Mas de lá para cá, não apenas o livro didático em si mudou, mas se pode, assim dizer,

que o seu contexto desde a materialidade em si, como também o processo de recepção e uso,

no contexto de sala de aula, sofreu alterações. Essas alterações se efetivam em cada momento

histórico e elas vão, gradativamente, definindo o perfil das obras. Pode-se dizer, que os

fatores que influenciam alterações no material, estão relacionados à natureza comercial do

livro didático. Batista afirma que o livro didático como mercadoria,

[...] é dependente também de mercado que acolhe e para o qual se destina: é subordinado, de um lado, às relações que a indústria livreira em geral estabelece com seu mercado, particularmente, a sua estrutura, e às possibilidades (de acolhimento, de recusa, de diferença) que esse mercado oferece para a colocação e a circulação da produção editorial; é também, por outro lado, subordinado àquela instituição que constitui seu mercado consumidor por excelência: à escola e ao estado de desenvolvimento histórico dos sistemas de ensino [...]. Mas essa mercadoria produzida para a escola é também, por último, dependente do estado das relações de força entre os diferentes grupos sociais e políticos de uma determinada formação social e, assim, do modo como o Estado, por meio de sua ação, legitima a estrutura dessas relações ou deseja modificá-las. (apud MONTEIRO70, 2004, p.206)

70 Refiro-me aos estudos realizados pela professora Sara Mourão Monteiro que investiga a abordagem do processo de aquisição da escrita via os novos livros de alfabetização. Mais informações ver: MONTEIRO, Sara Mourão. “Exercícios para compreender o sistema de escrita nos livros de alfabetização”. In: BATISTA, Antônio

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Dessa forma, era comum, por exemplo, nos livros veiculados da década de 1970, a

impressão estampada na capa deles com a expressão: Comunicação e Expressão e, no seu

interior, normalmente na página de rosto, em nota de orientação ao professor, informar que o

livro estava de acordo com a LEI 5692/71. Notadamente era a dependência da época, uma

nova concepção para a língua embasada na Teoria da Comunicação e a recém nascida lei que

ditava as diretrizes educacionais. Agora, o interesse comercial, ao considerar o livro como

mercadoria, impulsiona as editoras a produzirem livros didáticos que correspondam às

diretrizes e as políticas educacionais do Estado. Atendendo a essas expectativas, as editoras

inscrevem seus livros no PNLD.

Atualmente, o Estado desencadeia um processo de controle da qualidade de ensino.

Esse, então, passou a ser um padrão determinante das condições de produção editorial. Dentro

desse padrão de qualidade também está o livro didático que hoje passa por uma comissão para

avaliá-lo, antes mesmo do contato com o professor. Essa comissão tem alguns critérios

delineados para caracterizar como bom livro ou não. Um deles, por exemplo, é que os livros

não tenham erros conceituais, de informação. Esse critério, por exemplo, viabilizou que as

editoras e autores se certificassem das informações veiculadas, diminuindo as incidências,

comentadas pela professora Vânia:

Os livros didáticos apresentavam, vez ou outra, erros de gramática, erros conceituais (VÂNIA, 2006).

Logicamente que esses erros, aos quais a professora se refere, não foram extintos dos

livros didáticos. Mas a incidência diminuiu, mesmo porque as editoras ficaram mais atentas a

este critério porque sabem que seus livros podem ser reprovados, da mesma forma com

relação aos outros critérios estabelecidos. Logo, esse processo avaliativo do livro didático,

idealizado pelo MEC, consolidado pelo PNLD, surtiu efeito alterando completamente a

configuração dos materiais lançados no mercado: “no campo da produção editorial, constata-

se que o PNLD demarcou padrões de melhor qualidade para os livros didáticos brasileiros. A

simples inscrição de livros no PNLD deixou de significar que estes seriam, automaticamente,

oferecido ao professor para escolha (...)” (BATISTA, 2001, p. 19).

Augusto Gomes e VAL, Maria da Graça Costa (orgs). Livros de alfabetização e de português: os professores e suas escolhas. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2004.

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6.2. O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA E SUAS

TRANSFORMAÇÕES APRESENTADAS NO TRANSCORRER DOS ANOS: OS

PROFESSORES E SUAS PERCEPÇÕES.

No tópico anterior, discuti um pouco sobre como o livro didático de língua portuguesa,

no transcorrer dos anos, veio assumindo o espaço da sala de aula. Ele, paulatinamente, deixou

de ser um material secundário no ambiente escolar para se transformar em material de intensa

utilização por professores e alunos. Nesse processo de inversão de valores, ele tomou

dimensões antes não próprias a ele, seu mercado expandiu, o acesso a ele pelos alunos ficou

mais viável. Gradativamente, o Estado vem ampliando o atendimento, com livros didáticos, à

demanda estudantil.

Com a democratização do ensino, a demanda de alunos matriculados cresceu

consideravelmente. Na década de 1970, como nos anos anteriores, a família dos alunos era a

responsável pela compra dos livros a serem utilizados no processo de educação dos seus

filhos. Aos poucos, o Estado veio assumindo essa responsabilidade de distribuir gratuitamente

os livros aos alunos.

Nos anos de 1981/82, o programa de co-edições do Ministério de Educação e Cultura possibilitou a distribuição de 10 milhões de exemplares, ou seja, menos de 10% do total dos livros didáticos publicados no país. Os restantes 100 milhões de livros foram comprados diretamente pelos estudantes e suas famílias. A um custo médio de 300 cruzeiros de 1982 por volume, no caso do 1º grau, tivemos um volume de vendas inferior a 30 milhões de cruzeiros, o que é extremamente modesto para um contingente de 23 milhões de estudantes a nível de 1º e 2º graus (OLIVEIRA e GUIMARÃES, 1984, p.14)

Gradativamente, a indústria do livro didático tomou outros contornos. Gatti afirma que

“os livros didáticos correspondiam, no início do século XX, a dois terços dos livros

publicados e representavam, ainda em 1996, aproximadamente a 61°/° da produção nacional”

(apud CHOPPIN, 2004, p. 551). Por outro lado, o Estado, cada vez mais, passou a ser o

grande comprador desse material, além de se configurar no agente maior na política do livro

didático nacional. Nesse percurso, o Estado adquiriu em 198671, aproximadamente 45 milhões

de livros didáticos, para serem distribuídos para estudantes de todo o país. Dados mais

recentes afirmam que para os 28 milhões de alunos matriculados na rede pública, o governo

71CAIMI, Flávia Eloísa; Machado, Ironita A. P. ; DIEHL, Astor Antônio. O livro didático e o currículo de história em transição. Passo Fundo: Ediupf, 1999.

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distribui, anualmente, algo em torno de 100 milhões de exemplares. Distribuição esta que

representa uma transferência para as editoras de 110 milhões de dólares.

Não é à toa que o Estado tem uma grande influência no padrão de qualidade do livro

didático frente ao mercado editorial. Essas alterações vêm acontecendo gradativamente em

função das concepções educacionais edificadas para cada momento histórico. Essas alterações

são perceptivas também para o grupo de sujeitos, quando indagados sobre essas possíveis

mudanças nos livros utilizados por eles:

Ah! Houve. Acho que houve, sim. Eu falo pra você sinceramente... Eu acho que a... Nos livros antigos, vou falar antigos... De 70 para cá, acho que era muito mais fácil. Eu acho mais fácil. Uns falam que os de hoje são mais fáceis. Mas eu acho que os de nossa época eram mais fáceis e os de hoje são assim mais difíceis. Hoje escreve muito, muito, muito para você encontrar uma resposta. Então se o aluno não prestar atenção ele não consegue. Eu falo isso por causa da minha filha que faz agora o 2º grau. Então, mas os livros... Eu acho muito difícil, hoje. Agora tem uns que falam que são mais fáceis, mas eu acho que os antigos eram mais fáceis. De entendimento, sabe? A linguagem? Bem clara né? A linguagem era clara com facilidade de você entender. A linguagem dos livros, os primeiros utilizados, também tinham uma linguagem clara. Não houve mudança. Os últimos livros que eu utilizei em 1995, tinham uma linguagem clara, bastante fácil, de fácil entendimento. Não houve tanta mudança da fase inicial para os da fase final da minha carreira (Marly, 2006).

A professora Marly em sua fala, ainda que sutilmente, nos revela que essas mudanças

foram perceptíveis para o professor. Ela comenta que houve mudança nos livros, mas que

prefere trabalhar com os da fase inicial da sua carreira.

Prefiro trabalhar com os livros que comecei a minha carreira. Eu aprendi a gostar, ah,... eram muito mais fáceis, os textos, né? De autores, assim... Carlos Drummond de Andrade, eram textos escolhidos mesmos, Manuel Carneiro de Sousa Bandeira, Manuel Bandeira, eram textos escolhidos mesmos. Hoje, é tudo muito moderno, sei lá ... (risos) (Marly, 16/08/06).

Essa afirmação é compreensível uma vez que ela já estava acostumada a trabalhar na

estrutura daquele material. Vale lembrar que a sua formação acadêmica data daquela época e

as correntes pedagógicas estavam expressas também naqueles livros. Dessa forma, ela

reclama que os livros de hoje dão muitas voltas para fazer uma única pergunta e que não gosta

disso. Para o momento da sua atuação inicial, estava em vigor o tecnicismo na educação que

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previa a técnica, o objetivo e, hoje, é preciso contextualizar, ler, interpretar para além do

escrito, em uma nova concepção de leitura e texto.

Comenta que não observou grandes mudanças com relação à linguagem, mas quando

reclama dos “rodeios das perguntas” vai de encontro com a sua afirmação. Essa nova maneira

de condução para os enunciados desvela também uma nova forma de usar a linguagem. As

suas colegas de trabalho Marlúcia e Vânia enfatizam mais essas mudanças:

Houve mudança no livro, ele veio mais chamativo, mais colorido, começou-se a trabalhar as propagandas. A linguagem dos primeiros livros era mais difícil, agora é mais fácil, mais do cotidiano. Os alunos, no início, gostavam dos livros. Mas de uma certa época para cá os alunos começaram a gostar mais, quando as editoras começaram a melhorar a qualidade dos livros. Quando se iniciou a era da Comunicação, os textos vinham bem mais ilustrados, a linguagem ficou bem mais moderna, propiciando o gosto pelo livro, tanto do professor quanto do aluno. Os alunos começaram a participar mais das aulas, os alunos evoluíram bem, era a era da Comunicação, a era da tecnologia mais avançada. Depois que os livros alteraram, passou também a chamar mais a minha atenção. Achei que com as novas mudanças iria chamar mais a atenção dos alunos e aprenderiam mais. A linguagem utilizada para abordar os conteúdos era mais moderna. Os textos também modernizaram. Nos primeiros livros, os textos eram mais clássicos: Machado de Assis, José de Alencar. Os outros livros, já modernizados, apresentavam propagandas, textos de autores contemporâneos, textos mais alegres (Marlúcia, 2006)

O livro mudou ficou mais chamativo e atraente. Antes tinha textos de autores clássicos, apenas, eram mais profundos, e, agora, tem textos mais modernos, são mais leves. Antes o livro era mais duro, pesado, denso, tratava-se mais o texto e o conteúdo. A linguagem dos últimos é mais acessível. Prefiro trabalhar com os modernos temos que acompanhar a evolução (Sonia, 2006). Totalmente, não sei a partir de que era também, quando começamos com o “Estudo Dirigido”, aí facilitou, textos... Os textos continuaram normais, mas os exercícios vinham em abundância. As ilustrações também eram bem chamativas, então, tudo isso aí ajudava a amenizar, a fazer com que o aluno ficasse relaxado e trabalhar brincando, daí passava o tempo e pronto. O aprendizado tornou-se mais interessante. A linguagem ficou mais leve, a do final bem mais leve, os termos inclusive...porque antigamente, os textos eram daqueles autores, como Rubens Braga, então era preciso levar o dicionário, que era muito difícil o aluno ter e na escola dificilmente você encontrava, então termos assim que eles nunca...(...) porque é difícil, você comparando os textos daquela época com os textos de agora, com autores bem mais modernos, eu acho que ficou tudo mais fácil. Ficou bem mais ameno, o linguajar já mais popular, o cotidiano, o dia-a-dia, então facilitou. Essa parte facilitou em grande parte mesmo, comparando aqueles textos dos livros do início. Quanto à estrutura, eu acho que houve mudança. Nessa leveza que eu já comentei com você... Nessa leveza daí de agora. Você pega um livro de hoje, bem que faz tempo que eu não manuseio um livro, mas aqueles do final da minha carreira, eu acho que eles estavam com o linguajar mais acessível, e mais leve pelas gravuras, pelo colorido, pela espessura, tudo isso aí, já faz... Desde a capa do livro já chama a tenção, já agrada. Não só dos livros, como os dos cadernos, nossos cadernos de antigamente, não... Hoje, você pode ver, você está com um desse daí todo ilustradinho, quem que não quer pegar um caderno cheio de coração, todo mundo, então isso daí também já é uma maneira de tentar segurar... (Vânia, 2006)

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As professoras acima afirmam com maior convicção as mudanças nos livros e,

conseqüentemente, anunciam-nas com maior ênfase. Elas afirmam, ao contrário da professora

Marly, que a linguagem também mudou. Os livros mais antigos empregavam uma linguagem

mais sisuda em função de trabalharem apenas com seleção de textos de autores clássicos.

Provavelmente, elas estão fazendo referência aos livros de quando ainda eram estudantes e

aqueles utilizados ainda nos primeiros anos de docência. Para aquele período, os bons textos

eram os literários. Essa situação era compreensível porque a língua era compreendida como

um sistema estruturado que obedecia a leis lingüísticas específicas. “Para o objetivismo

abstrato, a língua, como produto acabado, transmitia-se de geração a geração” (BAKHTIN,

1990, p. 107), em oposição à língua das relações; para essa abordagem:

a língua não se transmite; ela dura e perdura sob a forma de um processo evolutivo contínuo. Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar (BAKHTIN, 1990, p. 108).

Paulatinamente, os textos vieram se alterando também nos livros didáticos, conforme

nos informa a professora Vânia. Inicialmente, os textos selecionados eram de autores

clássicos, da literatura portuguesa, e, posteriormente, acrescidos dos brasileiros. Essa

observação se conflui com a concepção de língua como um produto cristalizado transmitida

de geração, opondo-se a abordagem da língua como interação social, que conduziu,

gradativamente, ao alargamento da abordagem de textos nos livros didáticos; assim, os textos

em circulação nas práticas sociais diversas começaram a transitar nos manuais.

Mas, para o período o qual a professora Vânia se refere, a língua era produto pronto e

acabado e deveria ser transmitida para os alunos. Como os bons textos eram aqueles que os

autores clássicos produziam, logo, os alunos deveriam ser leitores assíduos desses textos, para

serem, conseqüentemente, bons produtores de textos dentro do padrão almejado pela escola.

Nesse sentido, os sujeitos destacam que a linguagem dos livros era mais sisuda, mais difícil.

Com a ampliação da concepção de texto, alargou-se o trabalho com gêneros e tipologias

diversas. Razão pela qual a linguagem se tornou mais maleável, mais próxima do cotidiano.

Mas vale ressaltar que esse alargamento aconteceu gradativamente, e estende até nossos dias.

O primeiro livro usado por elas Estudo Dirigido de Português, de Reinaldo Mathias,

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publicado para o ano letivo de 1971, já apresentava mudanças em sua estrutura. O colorido já

vinha surgindo, apesar de timidamente:

[...] Mas não é assim rapidamente, e nem facilmente, que os manuais didáticos se transformaram. Nos fins dos anos 60, é possível verificar, nos livros analisados, uma tendência tênue para a cor, talvez tímida, talvez insegura. Mas é presente e, o que constataremos depois, irreversível. Assim, podemos ver o tom terra, um pouco amarronzado um pouco alaranjado, avermelhado, em algumas imagens, acompanhando o preto ou sendo por ele delimitado. Também surge a cor nas letras de subtítulos, no sublinhado das palavras, das frases, ou mesmo, num rasgo de intensidade, como uma mancha de fundo para destacar definições, conceitos, quadros sinópticos. Em outros momentos, são vistas numerações, também em marrom, que indicam a quantidade de linhas do texto (BELMIRO, 2000, p.15).

Dessa forma, são transformações perceptíveis para os sujeitos e, passo a passo, no

contexto da sala de aula, vão surtindo efeito em favor do trabalho do professor. Na falta de

recursos no livro, o professor se via na obrigação de planejar essas atividades, conforme os

sujeitos nos informam. No início elas se preocupavam em confeccionar cartazes ilustrativos

para chamar a atenção dos alunos. Aos poucos essa preocupação foi calcada no entorno do

trabalho porque os livros didáticos, aos poucos, foram tomando essa responsabilidade de

apresentar essa gama de diversidade ilustrativa, de atividades variadas, facilitado assim, o

trabalho docente.

A professora Marlúcia nos revela uma forte tendência difundida na década de 70, que

foi a Teoria da Comunicação. Ela comenta que quando começou a era da comunicação os

livros começaram a apresentar mais cores, mais figuras, outros tipos de textos. Realmente foi

uma bela observação, leitura essa, que pode revelar que ela estava atenta para o contexto

educacional vigente. Nesse período, surge a referida teoria, transposta da área dos meios

eletrônicos de comunicação. Uma nova concepção de língua permeia esse contexto: a língua

como comunicação, com objetivos mais pragmáticos e utilitários, a preocupação centra-se na

formação de indivíduos enquanto emissor e receptor de mensagens, utilizando e compreendo

os códigos diversos, tanto os verbais quanto os não-vebais.

Vale ressaltar que essa tendência, ora delineada e percebida pela professora, também,

vinha ao encontro das mudanças de caráter ideológico e político consolidado no período, em

função da intervenção, no transcurso da história, do governo militar. A educação era

direcionada à formação para o trabalho, assim, a língua estava a serviço desse

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desenvolvimento. Conseqüentemente, os livros testemunham essa radical mudança na

constituição da educação e da língua.

Esse contexto justifica algumas das modificações que as professoras registraram quanto

a linguagem, os textos, as imagens. Assim, novas discussões, novas concepções:

[...] surgiu a até então impensável polêmica sobre ensinar ou não ensinar gramática na escola fundamental; os textos incluídos já não são escolhidos exclusivamente por critérios literários, mas também, e talvez sobretudo, por critérios de intensidade de sua presença nas práticas sociais: textos de jornais e revistas, histórias em quadrinho, publicidade, humor passam a conviver com os textos literários; amplia-se, assim, o conceito de “leitura”: não só a interpretação e a recepção do texto verbal, mas também do texto não-verbal; a linguagem oral, outrora valorizada para o exercício da oratória, em seguida esquecida nas aulas de português, volta a ser valorizada, mas agora para a comunicação no cotidiano – pela primeira vez aparecem em livros didáticos de língua portuguesa exercícios de desenvolvimento da linguagem oral em seus usos do cotidiano (SOARES72, 2002, p.170).

Em oposição a essas observações expostas pelos professores aposentados, a professora

Neide, colega de profissão e de escola das outras, assim, trabalhando com os mesmos livros

didáticos, anuncia que quase não há diferença nos livros:

Não há muita diferença dos livros da década de 70 para os utilizados na fase final da minha carreira (...) o livro traz os conteúdos da língua de forma separada, mas não há separação quando se usa. Pra mim a língua é um conjunto, não há superioridade de um conjunto em relação ao outro. (...) Seguia o livro, os tópicos estavam ali, gostava de usar o livro (...) Preferiria trabalhar com os primeiros livros, porque havia neles mais esse conjunto da língua como um todo (NEIDE, 2006)

Percebe-se na fala da professora que ela não acredita que houve significativas mudanças

na estrutura do livro didático de língua portuguesa, para ela essas transformações quase não

aparecem explicitamente e, se configuram muito sutilmente. Mas ao realizar uma análise da

sua fala percebe-se que é possível que ela tenha notado essas transformações. Em primeiro

lugar, ela deixa transparecer que compreende a língua como um conjunto, que não há

72 Soares, nesse período, lançou a coleção: “Comunicação em língua portuguesa” (1973) que revela traços de mudanças: contém muitos textos não literários (histórias em quadrinhos, em abundância). O trabalho com o texto enfoca bem os elementos da comunicação, com pergunta do tipo: “quem é o emissor da história?”, “quem é o receptor?”, “qual a mensagem comunicada?”, tanto quanto nas propostas de produção, que expressam um roteiro: escolha um emissor, um receptor e a sua mensagem e escreva seu texto. Dessa forma, nota-se uma supremacia dos elementos de comunicação em detrimento do próprio ato de produzir um texto em si.

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supremacia de um conteúdo em detrimento de outro e, acrescenta que os livros é que

estabelecem esse distanciamento. Mas apesar disso, de acreditar que os livros contrariam suas

convicções, ela afirma que os seguia porque os tópicos estavam prontos, era só seguir. Ela

então passou a acatar a abordagem da língua apresentada pelo livro, talvez porque era mais

fácil seguir aquele planejamento já sugerido, ao invés de planejar em torno da suas

convicções. Mas o fato é que, ao final, ela diz que preferia trabalhar com os primeiros livros

do que com os últimos porque aqueles traziam atividades que abordavam a língua como um

conjunto. Quando ela manifesta esse pensamento e essa opção de trabalho com aqueles, ela

imprime em sua fala, ainda que implicitamente, que houve sim, uma mudança nos livros no

transcorrer dos anos.

Vale ressaltar que nesse período a linguagem era abordada como meio objetivo para a

comunicação, assim, a língua era considerada como um espectro imóvel:

Cada enunciação, cada ato de criação individual é único e não reiterável, mas em cada enunciação encontram-se elementos idênticos aos de outras enunciações no seio de um determinado grupo de locutores. São justamente estes traços idênticos, que são assim normativos para todas as enunciações – traços fonéticos, gramaticais e lexicais -, que garantem a unicidade de uma língua e sua compreensão por todos os locutores de uma mesma comunidade (BAKHTIN, 1990, p. 77).

Em função dessa tendência que os professores aposentados firmam o ensino de língua

portuguesa na gramática, nos conceitos gramaticais, pois aprenderam que são esses traços

idênticos que garantem a unicidade da língua. Mas o depoimento de Neide reitera a

compreensão de que, nessa trajetória, as formas de abordagens da língua e da linguagem

também foram se alterando no texto didático. Essas transformações na forma de apresentação

da língua foram percebidas mesmo implicitamente algumas vezes pelo sujeito.

Para os professores mais jovens, ou melhor dizendo, aqueles que estão na ativa, essas

transformações nos livros didáticos de língua portuguesa são visivelmente perceptíveis e

discorrem que elas continuam acontecendo:

Eu acho que a melhora, ela aconteceu muito e ela continua acontecendo. A evolução do livro didático é algo espetacular do ponto de vista educacional... tanto que a própria possibilidade do professor escolher o livro didático já é um avanço tremendo. E faz com que as editoras produzam livros cada vez melhores. E além disso, nós temos a questão financeira. Então hoje nós temos livros muito bons, livros ótimos pra trabalhar. Só pega livro ruim quem quiser. Na verdade, tudo

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centra nos PCNs73, essa foi a maior mudança que nós tivemos na educação, é você ter um norte. Se você concorda ou não, mas você tem um norte. Os PCNs foram um advento muito interessante pra educação. E aí você trabalhar com textos variados, formas de linguagem variadas. Antigamente você não tinha essa liberdade. Hoje a gente fala em variantes lingüísticas com naturalidade. Não é aquela coisa, ah, ele está falando errado, ele não fala o português correto. Hoje, você nem usa mais esses termos. Você acaba respeitando a individualidade, dentro do coletivo, a individualidade do aluno, aquilo que ele traz da sua casa. Até porque, a história do aluno não começa na escola, ela vai começar lá na casa. Então como a gente estava falando, a questão da variante lingüística, essa é uma outra questão que se tornou natural, hoje, no livro didático. Coisa que antigamente era norma culta, aliás nem norma culta a gente não fala mais, é variante padrão e não-padrão porque quando se fala norma culta pressupõe que quem não tem a norma culta não tem cultura. Então, tem todas essas coisas aí, que a gente vai trabalhando gêneros textuais. Hoje, você trabalha história em quadrinhos, que antigamente era um absurdo trabalhar história em quadrinhos... tiras, cartas,bilhetes. Então, têm todas essas... nossa, a transformação foi muito grande e sem perder, na verdade, as características da língua portuguesa. Muito pelo contrário, você caracterizou, de fato, o estudo da linguagem, dentro do livro didático (ADEMAR, 2006).

Sim, alguns autores tiveram a preocupação de atualizar os livros com textos mais interessantes e que abordem assuntos mais atuais. Mas outros continuam do mesmo jeito, com textos muito longos que quando o aluno termina de ler, já nem se lembra o que leu no início do texto e com atividades muito complexas em que o aluno não consegue resolver se não tiver a ajuda do professor. Hoje em dia, já ocorreram mudanças favoráveis em alguns livros. Por exemplo: apresentam textos mais atuais e que despertam o interesse dos alunos, procuram trabalhar a parte da gramática de forma contextualizada, emprega uma linguagem mais acessível para o aluno e etc... Alguns livros apresentam propostas que às vezes até surpreendem o professor e o aluno ao deparar-se com atividades que fogem à prática comum. E com certeza essas inovações propostas dinamizam as ações educacionais e melhoram as intenções entre professor, aluno e o objeto do conhecimento. E com isso quem tem a ganhar é o ALUNO se demonstrar o interesse devido e o PROFESSOR se tiver motivação para explorar tais propostas (IVONETE, 2006).

Percebe-se que, aqui, os professores delineiam as transformações com maior

desenvoltura, apontam as características atuais do livro didático de língua portuguesa,

enfocam as novas abordagens para a: linguagem, a gramática e o texto. Fica claro, nesses

depoimentos, que no contexto da disciplina ocorreram, também, transformações, como

também, na própria formação dos professores e o livro não pôde ficar isento das implicações

internas e externas que provocaram as alterações. Assim, fica claro que o livro constitui em

um suporte para a veiculação dos conteúdos disciplinares, mas há de convir que a participação

dos autores, embora de fundamental importância na composição do material, é cerceada por

73 O professor, aqui, refere-se aos Parâmetros Curriculares Nacionais, lançados no final da década de noventa. São documentos elaborados por docentes de universidades públicas e privadas, técnicos em educação, contendo as diretrizes básicas para as modificações curriculares, condizentes com as novas tendências educacionais.

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determinações legais. Os livros sofrem interferências diretas dos currículos oficiais, ou seja,

eles não são neutros, eles revelam uma concepção de língua e de linguagem de uma época.

Percebe-se que com o passar dos anos, a relação escola, conteúdo, professor se apresenta

completamente variável. Essa variação acontece de acordo com as ideologias, as sociedades,

as clientelas escolares, até mesmo com o processo que desencadeia a relação de forças de um

determinado grupo que vai interferir diretamente no controle das transmissões de saberes

escolares. Dessa forma, os programas escolares vão se matizando e se ajustando em função

dessas variantes. Assim, o

Processo de transposição acadêmica dos conteúdos de cultura não constitui absolutamente um fenômeno constante e uniforme, mas varia em suas formas, em sua intensidade, em seus resultados, segundo as sociedades, os públicos escolares e os níveis de ensino, as matérias ensinadas, as ideologias e as práticas pedagógicas [...] (FORQUIN, 1992, p. 34).

Dessa forma, o livro didático de língua portuguesa veio se revestindo de concepções

concernentes aos novos contornos sociais que interferiram na estrutura da própria disciplina.

Mudanças do contexto social, na constituição da disciplina língua portuguesa, dos programas

oficiais (currículo), na formação do professor e do livro de língua portuguesa. Assim,

Por apresentar tanto uma seleção de conteúdos quanto uma proposta de conteúdos quanto uma proposta de transposição didática, os livros didáticos passaram a ser, a partir do momento em que o Estado, progressivamente, ao longo do século XIX, se ocupa da instrução, construindo seus sistemas de ensino, um objeto de especial atenção, dotado de mecanismos específicos para controle de sua produção, escolha e uso, para controle, portanto, daquilo que se ensina e do modo pelo qual se ensina (BATISTA E COSTA VAL, 2004, p. 15).

O professor Ademar comenta que o próprio fato de o professor, hoje, poder escolher o

livro didático a ser utilizado por ele, em suas aulas, é um grande avanço e que interfere

diretamente na produção, na qualidade e nas transformações do material. As próprias editoras

ficaram atentas às escolhas dos professores, uma vez que o objetivo delas é vender. As

escolhas, provavelmente, são feitas em função da realidade do aluno, ou, no mínimo, de uma

possível proximidade com a realidade, e, de acordo, com as próprias exigências do docente:

metodologias e concepções condizentes ou que se aproximem das suas.

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O sujeito também destaca a questão dos PCNs que vem direcionando os objetivos

educacionais e conduzindo o ensino de língua materna. Apresenta, assim, os objetivos,

conteúdos e critérios de avaliação da área para o ciclo, ou séries, e orientações didáticas. É o

currículo oficial interferindo na produção do livro didático, uma vez que os critérios de

avaliação, para os livros didáticos de língua portuguesa, propostos pela comissão do PNLD,

são baseados no PCN. A escolha, final, do livro didático fica por conta dos critérios

estabelecidos pelo professor.

Nota-se que as exigências dos professores de língua portuguesa são outras, no que

concerne às abordagens de língua e linguagem. O professor comenta e apresenta,

paulatinamente em sua fala, as novas abordagens dos conteúdos da língua portuguesa trazidas

pelos livros didáticos. Segundo o sujeito, existe uma diversidade de textos para serem

trabalhados, com gêneros e tipologias diferentes. Afirma que tipologias rejeitadas pelos livros

de antigamente, hoje, são destaques neles. Essa situação entra em vigor em função da forma

de apresentação da língua que passa a ser vista, conforme anunciado anteriormente, como

uma forma de atividade social, histórica e cognitiva. Nessa perspectiva interacionista da

língua, preocupa-se com os processos de produção de sentido:

Tomando-os sempre como situados em contextos sócio-historicamente marcados por atividades de negociação ou por processos inferenciais. Não toma as categorias lingüísticas como dadas a priori, mas como construídas interativamente e sensíveis aos fatos culturais. Preocupa-se com a análise dos gêneros textuais e seus usos em sociedade. Tem muita sensibilidade para fenômenos cognitivos e processos de textualização na oralidade e na escrita, que permitam a produção de coerência como a atividade do leitor/ouvinte sobre o texto recebido (MARCUSCHI, 2005, 34).

Ao centrar o foco dos estudos da língua em seus usos em diferentes contextos sociais,

alarga-se o trabalho com gêneros textuais, porque parte do princípio que toda situação de

comunicação verbal é realizada por meio de um texto, logo, por algum gênero textual. Nesse

sentido, a comunicação se efetiva em uma rede variada de textos em exigência das múltiplas e

complexas relações sociais. Assim, com a ampliação das pesquisas sobre língua,

ensino/aprendizagem e letramento e com a intervenção do Estado, via programa de avaliação

do Mec, o livro didático sofreu as interferências internas e externas do currículo. O livro

didático ampliou e diversificou sua seleção textual:

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Com a divulgação de outras teorias lingüísticas, privilegiando o estudo do texto, na década de 80, os livros didáticos diversificam e ampliam ainda mais a sua seleção textual, destacando-se a presença dos textos jornalísticos: notícias, reportagens, entrevistas, propagandas... Os alunos deveriam lê-los, analisá-los e produzi-los. A ênfase nessa variedade de texto é motivada, principalmente, pela idéia de que os alunos precisariam de textos mais atuais, mais próximos de sua realidade (não só os jornalísticos, mas também os literários), tanto do ponto de vista da temática quanto da linguagem (BEZERRA, 2005, p. 45).

Bezerra (2005) argumenta ainda que os manuais de Língua Portuguesa, desde o final do

século XX, apresentam uma tendência a introduzirem tiras, histórias em quadrinhos e

propagandas, retiradas de jornais e revistas, para os estudos gramaticais. Essa observação é

realizada pelo professor Ademar. O fato configura que o professor, assim como o livro

didático, vem absorvendo as contribuições da lingüística textual, pragmática, semântica,

análise do discurso e outros, alargando a concepção de texto e, do próprio ato de ler. Nessa

nova abordagem, o texto passa a ser uma unidade de sentido tanto no texto escrito como no

oral, dependente da interação entre leitor/autor (texto escrito) e locutor/interlocutor (texto

oral), que varia de sentido e significado dependendo do processo de recepção deles.

Essa variação de sentido, a qual me refiro anteriormente, apoiada em Bakthin, é porque

a língua como uma atividade social é um trabalho empreendido conjuntamente pelos falantes,

inseridos em um contexto social. Dessa forma, toda enunciação (texto oral ou escrito) é um

produto da interação de dois sujeitos socialmente organizados:

Mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função desse interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.). Não pode haver interlocutor abstrato; não teríamos linguagem comum com tal interlocutor, nem no sentido próprio nem no sentido figurado (BAKHTIN, 1990, p.112).

Nesse sentido, a semântica de uma língua é relativamente indeterminada, porque o

trabalho lingüístico é contínuo, realizada por diferentes sujeitos, em diferentes momentos

históricos e sociais. Daí o texto ser considerado uma unidade de sentido dependente da

interação do locutor/interlocutor.

Além da diversidade textual comentada pelo sujeito, Ademar destaca a questão das

variedades lingüísticas. Em seu depoimento registra a importância de se considerar a gama de

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variedades existentes na nossa língua, já também, uma contribuição, pode-se dizer, de estudos

mais recentes da lingüística e da sociolingüística. Na sua fala, evidencia que antigamente não

se via falar em valorização de outra variedade que não fosse a de prestígio e que, hoje, a

tendência é considerá-las por igual e que não haja uma supervalorização de uma em

detrimento de outra.

Explicando a fala do sujeito, apoio-me teoricamente em Geraldi, para afirmar que a

padronização não é uma propriedade da língua, mas um tratamento social. Aprendemos a

língua no convívio com as pessoas que fazem parte do grupo social que nos rodeia, em

conseqüência, aprendemos a variedade lingüística dominada por esse grupo. Esta variedade é

tão complexa como qualquer outra. Os estudos da lingüística sobre as variedades mostram a

complexidade dialetal (regional, social), assim como, suas semelhanças e diferenças. Esses

estudos evidenciaram que a noção de erro não é uma questão meramente lingüística, mas

sobretudo, em função da eleição social de uma variante como a certa. Não é por acaso que a

variante aceita como a certa é a falada pelo grupo social que detém o poder econômico,

político e social. Essa variedade foi a considerada como base para a construção da escrita

porque historicamente somente aqueles que tiveram tempo para refletir e puderam debruçar

sobre as formas de falar e foram construindo a modalidade escrita.

No entanto, as diferenças não bloqueiam as possibilidades de aprender. O mesmo aluno

que fala diferente é capaz de compreender textos na variedade considerada certa, denominada

por Geraldi (2005), dialeto padrão culto. No processo pedagógico não é o ideal substituir uma

variedade por outra:

Mas se trata de construir possibilidades de novas interações dos alunos (entre si, com o professor, com a herança cultural), e é nestes processos interlocutivos que o aluno vai internalizando novos recursos expressivos, e por isso mesmo novas categorias de compreensão do mundo. Trata-se, portanto, de explorar semelhanças e diferenças, num diálogo constante e não preconceituosos entre visões de mundo e de modos de expressá-las (GERALDI, 2005, p. 69).

A alusão à respeito das variedades lingüísticas não valorizadas pela escola e que agora

transitam nos livros didáticos, respondem aos estudos delineados logo acima. A nossa

tradição foi criando diferentes configurações para cada tipo de textos, quer seja na modalidade

oral ou na escrita e a escola passa a considerá-los no trabalho com a linguagem. Ao considerar

que os textos têm características distintas e que se submetem a regras diferentes o professor

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estará oportunizando aos seus alunos “o domínio de outra forma de falar, o dialeto padrão,

sem que signifique a depreciação da forma de falar predominante em sua família, em seu

grupo social” (GERALDI, 1997, p. 44).

A professora Ivonete alerta que muitos livros didáticos estão preocupados com a questão

dos textos e a sua recepção pelos alunos e professores. Ainda destaca que estão preocupados

em desenvolver um trabalho mais voltado para uma gramática textual. Assim, as

contribuições das ciências, destacadas acima, chamam a atenção do professor para novas

vertentes de concepção de língua e linguagem.

Percebe-se que o sujeito mencionado, imediatamente acima, destaca que essa é uma

preocupação de alguns autores, o que sugere que o professor está atento para essas teorias e

para a prática do livro didático. As transformações são perceptíveis aos olhos dos sujeitos e

elas vêm acontecendo gradativamente no transcorrer dos anos, em função das condições

sócio-culturais, econômicas e políticas de um dado momento. Os fatores de natureza social,

política e cultural e, outros inerentes à própria evolução da área da natureza, vêm contribuindo

para as alterações no currículo da disciplina língua portuguesa, assim como, nos livros

didáticos. No entanto, é notório que ainda há um certo descompasso entre a lógica da teoria e

a lógica da prática da sala de aula e dos livros didáticos.

Todos os apontamentos são realizados pelos sujeitos destacando uma aparente

aprovação dos livros didáticos inseridos no mercado. Quatro sujeitos aprovam os livros que

usaram mais recentemente na sua profissão:

Prefiro trabalhar com os últimos, porque são mais resumidos, com uma linguagem mais clara. Trabalham músicas que a juventude gosta. Antigamente, usava-se só regra, hoje, usa-se o aprender fazendo. Mas com relação a isso, prefiro os de antigamente, que eram com as regras, porque sabia o porquê das coisas. Por exemplo: para eu cantar; para eu ler. Dava-se as regras (Marlúcia, 14/08/06). Com os de agora, sem nenhum problema, porque a gente tem que acompanhar, apesar de eu estar velha, a cabeça tem que estar nova, né? (Vânia, 2006). Sem dúvida com os livros mais recentes, pois abordam temas mais atuais e exploram de forma mais prática o uso da língua, sem focar ou massacrar intensivamente as regras gramaticais (Ivonete, 07/09/06). Não, eu prefiro trabalhar com os que tenho agora. Até por uma questão de que, de fato, eu participei da escolha dele. É ..., do início da minha carreira, eu praticamente não participei da escolha. Agora, não. Mas eu prefiro trabalhar com os que tenho hoje. Isso não significa que na próxima escolha, eu irei trabalhar com os que tenho hoje. Provavelmente, vai aparecer material novo (Ademar, 26/09/06).

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À medida que os livros vão apresentando novos padrões de qualidade, o professor

aprova as questões apresentadas, que compactuam com as suas bases teóricas sobre a

linguagem e o processo de ensino da língua, confluindo nas suas estratégias de trabalho.

Conforme afirma Marlúcia, o livro melhorou muito, e prefere trabalhar com esse novo

material, mas certamente, recorre aos outros títulos que melhor atende suas expectativas, com

relação a parte gramatical. Fica evidente que novas exigências de apresentação da língua se

afirmam entre os professores da década de 1990. Em função das mudanças de apresentação da

língua e do seu próprio ensino, que se percebe uma contradição de ensino da língua entre as

professoras Marlúcia e Ivonete: a primeira prefere o livro com regras e, a segunda, os livros

que não massacram as regras. Como menciona, anteriormente, prefere a gramática

contextualizada.

6.3. OS PROFESSORES E SUAS ESCOLHAS

Como abordado anteriormente, a partir da década de 1970, mais intensamente,

algumas características do livro didático foram se alterando, em razão das necessidades

emergentes de um novo cenário educacional. No novo contexto, cresce o número de títulos de

livros no mercado consumidor, anteriormente mais limitado, e alarga o comércio livreiro, em

especial os didáticos; por outro lado, a estadia deles no mercado consumidor se torna efêmera,

pela necessidade de renovação de títulos obsoletos. Hoje, há uma infinidade de títulos de

livros didáticos, em circulação, à disposição do professor e do aluno. No entanto, a palavra

final de escolha de um livro é do professor que varia de acordo com suas preferências, por

isso, a opção de escolha do docente é reveladora de concepções de ensino e de aprendizagem.

Neste tópico, discuto, via memória dos professores, o processo de escolha de títulos

didáticos veiculados nas escolas de Mato Grosso. Em meio a uma infinidade de títulos,

sempre crescente, dispostos no mercado, os professores apresentam as suas preferências, ou

seja, tecem considerações acerca do processo de escolha do livro didático, das características

que um título deve conter para ser adotado em sala de aula.

Com relação ao processo de escolha de livros didáticos, os professores aposentados

apresentaram uma certa insegurança ao afirmar como acontecia, e, até mesmo, contradições

surgiram:

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No início da minha carreira não me lembro de como se dava o processo de escolha do livro. Acho que no começo tinha um livro só, e que, anteriormente, acho que nem livro tinha, o professor que levava os textos e exercícios (Marlúcia, 14/08/06). A gente reunia, na época..., nas férias, ainda, antes de iniciar as aulas, nós éramos chamados para ir até o colégio. Nós reuníamos umas duas ou três vezes para escolha do livro. Desde o início, em 1970, acho que não era assim, não me lembro essa parte... Mas acho que sim, a gente adotava o livro: não podia eu adotar um livro e os outros professores optarem por outro. Geralmente, era um livro só. De um autor só. Os professores escolhiam, inclusive tinha um monte de livro lá, a gente escolhia. Acredito que sim, acho que sim, não me lembro totalmente. Os últimos eu tenho clareza, certeza que foram escolhidos por mim (Marly, 16/08/06) O professor mesmo, nós escolhíamos, nunca foi, assim, taxado um livro para você usar, não. Nós escolhíamos individualmente o livro, e, depois, passou a ser coletiva (Vânia, 2006). O livro didático era imposto pela Secretaria e os alunos compravam os livros. O professor praticamente não tinha poder de escolha sobre o livro (Neide, 2006).

Não se registra pela fala dos sujeitos uma harmonia no processo de escolha de livros

didáticos, na década de 1970. As respostas são desarticuladas, as informações em destaque

não se complementam, ao contrário, há desencontro de afirmações. Dois sujeitos revelam não

se lembrar com exatidão de como acontecia esse processo de escolha do livro, mas acreditam

que o professor tinha poder de escolha. Vânia e Neide são mais convictas em suas respostas,

porém, uma afirma ter certeza que o livro era escolhido pelo professor e, a outra afirma que o

livro era imposto pela Secretaria de Educação. Fica difícil, a partir desses dados, realizar

assertivas à respeito do tema em questão, todavia, essa desarticulação pode induzir a leitura da

representatividade do processo de escolha na Educação, naquele período. Uma possível

leitura para essas incertezas e desarticulação de informações, pode estar relacionada com a

fragilidade que envolvia o processo de escolha de livros didáticos pelo professor.

A professora Neide apresenta quase sempre afirmações contrárias às das suas colegas

contemporâneas de profissão, professoras Marlúcia, Vânia e Marly, com relação às

convicções teóricas sobre a linguagem e sobre o trabalho com a linguagem. As três

professoras formam um conjunto. Elas trabalham, estudam e planejam as atividades docentes

embasadas em princípios semelhantes. Neide não apresenta características semelhantes às das

suas colegas, talvez seja em função de ter outras bases teóricas e outras experiências docentes,

as quais a conduziam a não compactuar com as idéias das colegas. Ela esclarece, ao final da

entrevista, que não apresentava compromisso com a escola estadual: “Eu também trabalhava

na UFMT, então me ligava muito pouco, ou melhor, não envolvia com o ginásio. A partir do

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momento que me voltei para o Liceu, aí sim, comecei a ter outra visão do trabalho do

professor da rede estadual” (Neide, 05/07/06).

No que concerne ao processo de escolha do livro didático pelo professor, vale

contextualizar que as décadas de 1970 e 1980 eram o período em que intensificava a

democratização do ensino em todo o país. Nesse período, a demanda de aluno era maior que a

oferta de vagas destinadas aos alunos das escolas públicas. Várias medidas foram implantas e

implementadas com o objetivo de ampliar as vagas e garantir a permanência dos alunos nas

escolas. Uma delas estava relacionada com o livro didático: distribuição, melhorias no texto

didático, dentre outras. Mas ainda nessa época, a distribuição do livro não conseguia atingir

todos os alunos de todas as escolas. A questão da escolha do livro a ser realizada pelo

professor era inconsistente, em âmbito nacional. Certamente, nesse sentido, a professora

Neide anuncia que o professor quase não tinha poder de escolha. A partir da 5692/71, a FAE

(Fundação de Apoio ao Estudante), organizou o Programa do Livro Técnico e Didático e, para

o momento em questão, o professor, realmente, tinha uma liberdade muito limitada de escolha

do livro. Isso porque a FAE enviava uma lista de títulos que poderiam ser escolhidos pelos

professores e encaminhava para as Secretarias e estas para as escolas. As escolhas, desse

modo, eram submetidas às listas da FAE.

No Mato Grosso, assim como no cenário brasileiro, a distribuição de livros didáticos

não contemplava todos os alunos do ensino do 1º grau, ainda na década de 80. Assim, os

professores aposentados declararam que os alunos compravam seus livros:

Os alunos tinham os mesmos livros dos professores, mas eles compravam. Alguns não tinham condições de comprar, às vezes o professor é que comprava e aos poucos os alunos iam pagando (Marlúcia, 14/08/06). Sim, a maioria sim, porque nessa época os alunos compravam os livros. O governo não dava o livro. O ano não sei..., quando o governo começou a mandar os livros (Marly, 16/08/06). Lógico. De início, quando eram comprados não, era difícil trabalhar. Tinha que juntar de dois ou três, nem todos tinham livro, era difícil essa parte, porque eu sempre trabalhei em colégio público, então, era uma dificuldade, ainda mais na periferia. Assim é muito difícil, às vezes chegava até metade do ano e o aluno não conseguia comprar o livro. Nós doávamos, fazíamos rifas para aquele aluno ter acesso ao livro (Vânia, 2006)

A revista Educação em Mato Grosso, 1985, conforme já mencionado, registrou que no

exercício desse mesmo ano, a FAE, por meio do PLDEF, atingiu uma distribuição de oito

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títulos de livros didáticos, contemplando 1795 professores e 337.990 alunos, perfazendo um

total de 877.772 livros. Ainda nesse mesmo exemplar, é evidenciado que apenas os alunos de

1ª a 4ª séries recebiam o material. Os dados apresentados pela revista reafirmam a fala das

professoras quando mencionam que os alunos compravam seus materiais, situação que se

arrasta por toda a década de 1980.

Ainda sobre o processo de escolha nas escolas estaduais, a professora Marly

acrescenta que todos os professores escolhiam os mesmos livros, ou seja, os títulos de livros

eram unificados por turmas. A situação exposta pelo sujeito é explicada pela Instrução

Normativa nº 03, de 1980 a 1982. A referida Instrução regularizava a criação do Banco do

Livro, novamente nas escolas da rede oficial, e, dentre os seus artigos, regulamentava a

unificação do livro didático para o ensino de 1º grau – nível V a VIII - e 2º grau, para cada

unidade escolar, por série, disciplina e turnos existentes. Dessa forma, os professores reuniam

e optavam por um único título. Talvez seja por isso que os quatro sujeitos da pesquisa, que

lecionaram nesse período, 1970 a 1980, citam, praticamente, os mesmos títulos como

adotados na sua vida docente, na escola pública. Destaco, no entanto, que no período em

questão, havia a necessidade do Banco do Livro com um caráter assistencialista aos alunos

carentes, por causa da impossibilidade da universalização do livro didático aos alunos das

escolas públicas.

Perguntei aos professores, na possibilidade de escolha do livro, qual os critérios eram

considerados por eles para se entrar em um consenso de um único título. Com relação aos

critérios de escolhas, apenas a professora Vânia se manifestou, já que os demais não se

lembravam desse processo ou por acreditar que o professor não tinha poder de escolha:

O conteúdo em si, porque eu me lembro que certa vez, eu peguei uma turma na 5ª e soltei na 8ª. Então aí facilitava, porque eu trabalhei um ano e dei continuidade no livro, então isso aí ajudou bastante. Mas isso aí, eu fiz num colégio só. Acho muito importante o acompanhamento, porque você já conhece a clientela, fica muito mais fácil de trabalhar. Mas eu acho que o importante no livro didático é o conteúdo em si, porque as ilustrações, os exercícios extras, isso aí é complemento... o básico mesmo é o conteúdo que o livro traz programado. O centro dos livros eram os textos, então dos textos é que partiam os conteúdos. O mais importante era o texto, a interpretação do texto, entrava tudo... a parte central era o texto em si... e a partir dele saíam os conteúdos (Vânia, 2006).

Percebe-se, na fala da professora, uma forte presença da necessidade de se ter um

apoio dos conteúdos do livro para serem seguidos, reafirmando insistentemente a importância

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deles, da mesma forma, realça a relevância do texto como parte integrante do material e como

suporte para retirar o conteúdo. Ela se refere ao conteúdo gramatical. A fala da professora

vem ao encontro da tendência teórica da época: utilizar o texto como pretexto para se ensinar

a gramática. Não tinha uma preocupação com estrutura do texto, com características

relacionadas às tipologias textuais, mas sobretudo, com o ensinar a gramática da língua,

pautada pela norma padrão.

Os professores Ademar e Ivonete, que ainda exercem a profissão docente, nas escolas

estaduais, enfocam as questões relacionadas à escolha do livro didático, de forma um tanto

divergente das colegas anteriores, sendo mais convictos das respostas apresentadas,

sobretudo, com relação ao poder de escolha do professor, no cenário escolar atual:

Os livros foram previamente analisados e escolhidos por um grupo de professores que utilizam diretamente o livro didático (Ivonete, 07/09/06). Quando eu entrei no Estado, já havia uma mudança muito grande na escolha do livro didático. E essa mudança democratizou a escolha do livro. Não era mais imposto, o livro já vinha pronto da Secretaria. Olha, vocês vão ter que adotar esse livro e acabou, é esse que vocês vão ter que trabalhar. Quando eu entrei no estado, a escolha era dos professores, recebiam... entrega, até hoje, um catálogo das editoras referentes aos livros didáticos, aí você analisa e escolhe. Os primeiros livros já foram escolhidos por mim. Na verdade não só por mim, tem uma banca que... reúne os professores por disciplina e se fazem os estudos sobre os livros didáticos e ver qual que é o melhor pra trabalhar (Ademar, 26/09/06).

O processo em destaque pelos professores faz parte de uma memória mais recente,

mencionando a história em curso do objeto e as questões que o cerceiam. O professor Ademar

salienta que houve uma mudança muito grande no percurso histórico da escolha do livro,

esclarecendo que houve uma democratização dessa escolha. Certamente, o sujeito deve estar

se referindo ao novo PNLD a partir de 1996. Batista (2004a) argumenta que os livros

passaram a ser analisados previamente por uma comissão, constituída de docentes

universitários, e depois, submetidos à escolha do professor regente de sala de aula. Ampliou-

se o poder de escolha do professor, conforme Ivonete afirma, os professores que usam

diretamente o livro é que analisam e escolhem.

Os agentes políticos passaram a dar mais crédito ao processo de escolha do livro

didático, no cenário nacional, pelo professor. Os estudos e os reclames foram direcionando

para uma nova política, que além de quantitativa, pudesse ser qualitativa, e, sobretudo, em

uma versão mais democrática. O governo adotou medidas, segundo Batista (2004), via PNLD,

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que submetesse o livro a uma avaliação de forma que um novo padrão de qualidade pudesse

imperar, mediante novas orientações educacionais vigentes, e exigindo esse novo padrão das

editoras.

Mediante o novo modelo do Programa Nacional do Livro Didático, perceptível pelo

professor, conforme exposto acima, abriu-se o leque de opções de escolhas dos livros. Os

professores Ademar e Ivonete falam sobre seus critérios para escolha do texto didático:

Bom, no meu caso, um dos critérios que levo em consideração é a questão dos textos apresentados pelo livro (se são atuais, se não são muito longos, se possuem atividades interessantes, etc...). Outro critério é se o livro procura contextualizar a parte gramatical e também se apresenta boas propostas de produção de texto (Ivonete, 07/09/06). Na verdade, essa é outra mudança que teve, também, porque tudo na escola deveria estar de acordo com os PCNs. Claro que na prática ainda não se tem isso, não se efetiva. Mas, a escolha do livro didático a gente procurou fazer em cima dos Parâmetros Curriculares, daquilo que ele cobrava. Inclusive, os livros didáticos já vêm com uma certa classificação pelo MEC, pelo Ministério da Educação, dizendo lá, de acordo com os PCNs, ou ..., vêm classificados até por estrelas..., duas estrelas, três, quatro e cinco, conforme sua adaptação aos PCNs. Na verdade, quando você vai escolher os livros, você faz uma pré-triagem. Se você olhar lá duas, três estrelas, você já deixa de lado, é porque a gente não tem muito tempo pra isso. Com certeza, nós deixamos alguns bons livros de lado, porque, às vezes, a classificação que a gente tem lá, que a gente faz, não é a mesma que o MEC faz. De repente, a gente pode correr esse risco também, a gente é consciente disso. Mas pela própria estrutura, pela falta de tempo, a gente, não, não, não ..., Nós mesmos separamos lá. Mas tem livro quatro, cinco estrelas, que você via que estava muito fora da realidade. Não sei quais os critérios que foram utilizados..., Mas sei que os dos PCNs não foram, isso eu tenho certeza, aliás, todo mundo tinha certeza. Olha, esse aqui ta fora. Mas, ao contrário, já teve, também é verdadeiro, muito livro bom, muito interessante (Ademar, 26/09/06).

Observa-se que o primeiro sujeito demonstra ter critérios próprios para se analisar e

escolher o livro que será seu suporte e instrumento, no transcorrer do ano letivo da escolha, e,

nos próximos dois anos subseqüentes. Pela sua fala, deixa entender que esses são critérios

estabelecidos porque contemplam a sua concepção teórica e a sua prática pedagógica.

Observa-se, que uma nova apresentação da língua nos livros didáticos vai se firmando,

prioriza os textos, as atividades propostas, busca uma gramática contextualizada e não mais

uma gramática da língua para ser explorada por meio de exercícios. No quesito produção de

textos, o sujeito revela que busca identificar boas propostas nos livros que analisa. Embora,

aqui, não fique claro o que ele considera como boas, fato que impossibilita afirmar se busca

produções para viabilizar o uso da escrita nas diversas situações sociais do aluno, ou, se ainda,

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embasa na redação escolar, ou melhor dizendo, na escrita feita apenas para o espaço da

escola, o fato é que ele prioriza um espaço para as propostas de produção de texto em seus

critérios de escolha.

O professor Ademar se apóia nos critérios estabelecidos pelo currículo oficial, PCN, e

pelos critérios de avaliação do PNLD. O professor acredita que é perda de tempo analisar os

outros livros que não tenham as melhores avaliações do MEC, via PNLD, embora apresente

que nem sempre os melhores livros considerados pelo MEC são os melhores considerados

pelos professores. Na realidade, esse fato pode configurar a tamanha influência que a

avaliação prévia realizada pelo PNLD tem sobre o poder de escolha do docente, o qual se

converte no próprio controle do currículo: “a avaliação de livros didáticos, instituída em 1996,

integra, portanto, mecanismos por meio dos quais o Estado procura exercer o controle do

currículo” (BATISTA E COSTA VAL, 2004, p. 16). Da mesma forma, o livro se reafirma na

Função Referencial (CHOPPIN, 2004). Ele é, por excelência, uma fiel tradução do Programa

Oficial Curricular.

De acordo com o novo PNLD, mencionado pelo professor, os livros passaram a ter um

controle de qualidade desenvolvido pelo Estado mediante processo de avaliação do livro

didático. Vale ressaltar, no entanto, que essa qualidade passa também pelo controle do

currículo da disciplina. Esse processo surge pela primeira vez em 199674, quando foi

instituído o processo de avaliação prévia de livros, para a distribuição a ser realizada em 1997.

Nesse período, a avaliação se baseou por critérios de natureza conceitual e política. Já para a

distribuição de livros para o ano de 1999, um terceiro critério foi instituído, o de natureza

metodológica. De acordo com esse critério as obras devem propiciar situações de ensino-

aprendizagem adequadas, coerentes e que viabilizem o desenvolvimento e o emprego de

diferentes procedimentos cognitivos, a saber: a observação, a análise, a elaboração de

hipóteses, a memorização, dentre outros.

O PNLD, a partir desses critérios de avaliação, classifica, por meio de menções, os

livros em: Recomendado com distinção (três estrelas), Recomendado (duas estrelas) e

Recomendado com ressalvas (uma estrela). Ainda apresenta as categorias: Não-recomendado

(os livros que recebem esta categoria não recebe nenhuma estrela e ressalva apenas até a

inclusão dos critérios de natureza metodológica) e, por último, Excluídos (para títulos que não

podem ser adotados pelos professores, em razão de apresentarem erros conceituais,

74 Mais informações sobre os critérios de avaliação instituídos pelo PNLD ver: Livros de alfabetização e de português: os professores e suas escolhas. BATISTA, Antônio Augusto Gomes e COSTAVAL, Maria da Graça (orgs). Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2004a.

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insuficiência ou incoerências metodológicas ou, ainda, preconceitos e diferentes formas de

proselitismos).

A partir dessa avaliação prévia o governo elaborou e divulgou nas escolas, o Guia do

Livro Didático. Nele constam resenhas dos livros e a classificação que cada um recebeu,

caracterizado por estrelas. Conforme o professor Ademar argumenta, a escolha é realizada

pelo indicativo das estrelas, otimizando o tempo do docente. Vale ressaltar que para o PNLD

de 2004, a linguagem iconográfica das estrelas foi suprimida, priorizando a leitura atenta e

crítica das resenhas dos livros pelo professor.

Mas será que o atual livro didático de língua portuguesa, presente no mercado e avaliado

pelo PNLD, está realmente pautado no currículo oficial, os PCNs, conforme divulga o

professor Ademar? Estudos recentes de Rojo (2003), chamam a atenção do professor para a

qualidade dos livros didáticos de língua portuguesa disponíveis no mercado, o qual relata:

Estes dados nos mostram, de saída, que, em primeiro lugar, o percentual geral de avaliação positiva das coleções apresentadas ainda é bem baixo – 62%. Isso quer dizer que as coleções se aproximam do considerado adequado em apenas 62% dos quesitos ou rubricas analisados: “nota seis”. [...] Certamente, se levarmos em consideração o conjunto das indicações e propostas – federais, estaduais e locais -, para o ensino de Língua portuguesa, que, em geral, enfatizam o privilégio do trabalho no eixo do uso da língua e da linguagem relativamente ao eixo da reflexão sobre a língua e a linguagem, estes dados não apontam uma condução editorial do material didático na direção preconizada. [...] Por fim, pensar a linguagem oral (formal e pública) como objeto de ensino, como querem os PCNs, está longe da realidade dos LDs (23%) (ROJO, 2003, p. 79 a 87). [grifo do autor].

Parte dos estudos citados chama a atenção do professor para a qualidade do livro, assim

como para a necessidade de validar a autonomia do docente na escolha do material a ser

usado por ele; os materiais devem ser analisados e buscar o que melhor contemple suas

necessidades usuais.

Ao final, os sujeitos rememoram a trajetória do livro e o seu processo de escolha e

acrescentam, gradativamente, os avanços desencadeados, salvo alguns entraves e resistências,

em sinal da aprovação viva do certo teor democrático atingido pelo processo, no transcorrer

da carreira docente:

Fazia-se três, quatro dias de reuniões para se escolher o livro. Cada um dava uma idéia, o que se acatasse mais era esse o livro. Os critérios estavam pautados no

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conteúdo do livro, nos textos. Olhávamos tudo, linguagem mais adequada, mais moderna (Marlúcia, 04/08/06). Olha, a gente escolhia assim: pegávamos vários livros, a gente olhava a parte da gramática, aquela que a gramática tivesse assim,... Considerada... tinha mais a parte da gramática, redação, concordância nominal, verbal. Aquele que tinha mais a parte da gramática, mais explicativo, que explicava melhor, a gente adotava aquele livro. Era um grupo, cada um professor escolhia,..., Não este aqui tá bom a parte da gramática, concordância nominal, tem tanta coisa aqui. A gente via, aquele que achava melhor a gente adotava. A escolha era de quatro a cinco professores (Marly, 06/08/06). Eu acho que uma cabeça pensante... Agora dez juntas, eu acho que a coisa sai melhor, né? Porque cada qual já contribuía com a sua opinião, e dessas opiniões surgia o livro, apesar dos incentivos das editoras, que levavam até brindes , não sei o que ... mas aí eram dez, doze, quinze professores em cima dos livros, então dessa somatória saía o melhor. Eu acho que melhorou nesse sentido. Os critérios eram os mesmos: o conteúdo em si, do livro; a parte da gramática, tudo. Nós olhávamos livros inteiros, nesses dias lá... ficávamos a tarde toda lá ... todo o período (Vânia, 2006). Nunca participei das reuniões para escolha do livro, sempre estava viajando. A SEDUC interfere até na disciplina interna da escola, da sala de aula (Neide, 05/07/06). O processo de escolha do livro não alterou, continua sendo escolhido pelos próprios professores que trabalharão diretamente com ele. Porém, penso que, às vezes, esse processo de escolha é apenas uma formalidade, para dizer que foram os professores que escolheram o livro, pois uma vez, acho que em 2001, quando fomos escolher o livro que ia ser usado em 2002, lembro que escolhemos um determinado livro e depois quando iniciou o ano letivo (2002), foi outro livro que chegou na escola. Então fica parecendo que o GOVERNO fecha contrato com uma determinada EDITORA e os livros têm que ser os mesmos para todas as escolas e dessa mesma EDITORA (Ivonete, 07/09/06). Não, não. Alterou no sentido de que os professores estão mais críticos. São alterações que houve não da Secretaria para a escola, mas da escola para a escola. Então, os próprios professores perceberam que eles também teriam que estar conhecendo os livros didáticos para trabalhar. E que mais do que conhecer os livros didáticos é preciso conhecer a realidade do aluno, que ele vai trabalhar. Até por uma questão de adaptação melhor dos livros didático com relação ao que ele vai prosseguir aí, durante três anos (Ademar, 26/09/06).

Os sujeitos aos poucos apontam as alterações ocorridas na trajetória da escolha do livro

didático. Marlúcia, Marly e Vânia apontam como principal característica das mudanças a

escolha coletiva, já que eles anunciam esse processo no final das carreiras docente. Vânia

enfatiza a importância dessa escolha no conjunto; várias cabeças pensando ao mesmo tempo,

no melhor livro, flui melhor que uma sozinha. O que me parece, com relação a essas

professoras, é que apesar do processo de escolha apresentar uma suave melhora, final da

década de 1980 até meados da década de 1990, os critérios estabelecidos na escolha

permaneceram praticamente os mesmos.

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A professora Marlúcia acrescenta a questão da linguagem adequada, uma alusão às

transformações apontadas por ela, anteriormente, como uma das principais alterações do livro

de língua portuguesa. Já as professoras Marly e Vânia enfocam incisivamente os conteúdos

como palavra final na escolha. A primeira professora esclarece: o livro que apresentar mais a

parte da gramática, sua fala é representativa, sugerindo que o enfoque dela na prática

educativa é, predominantemente, o ensino da gramática.

Mas o fato da professora Marly enfatizar a gramática nas suas escolhas está diretamente

ligada à sua vida acadêmica. Não se pode esquecer que ela é filha da formação pautada no

ensino descritivo da língua, a lingüística estrutural. Em conversa sobre a sua formação

acadêmica ela comenta que foi da primeira turma do curso de Letras na UFMT, colega,

inclusive, das professoras Marlúcia e Vânia, e que sua graduação foi direcionada para a

gramática. A tendência gramatical é fortemente destacada em sua prática educativa, conforme

planejamento e prova elaborados na década de 1970, por ela. Pelas atividades é possível

identificar as marcas da concepção do período, conforme apontamentos realizados no capítulo

anterior, em análise ao livro Estudo Dirigido; atividades repetitivas que exigem a

memorização e o acentuado uso da gramática, conforme se observa nas figuras abaixo:

Figura 12: Planejamento de aula da professora Aracy (anos 70).

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Figura 13: prova elaborada pela professora Aracy (anos 70).

A professora Neide prefere se eximir da responsabilidade de escolher o livro didático

para uso em sala de aula. Ela argumenta que nunca participou da escolha do livro didático

porque sempre estava em viagem com a família. A postura apresentada por ela vai ao

encontro da sua prática, apontada anteriormente. Segue sempre o roteiro do livro que os

colegas escolheram. Em seus depoimentos denotam que provavelmente não destinava grande

atenção ao ensino público estadual, bem provavelmente, por causa de experiência docente em

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outras esferas do ensino público. Ela só consegue maior envolvimento com o ensino público

estadual quando se aproxima mais dessa realidade quando se aposenta da UFMT.

Os professores Ademar e Ivonete, como falam de um período mais recente, acrescentam

que não houve alteração nenhuma na escolha do livro. O professor continua ter poder de

escolha, embora o segundo sujeito afirme que é uma escolha apenas formalizada, porque nem

sempre o livro que o professor opta é o livro que chega nas escolas. Com relação a esse fato,

mencionado pela professora, Batista (2003) acrescenta que é um dos problemas ocorridos com

relação ao Programa, por causa da natureza centralizada dele e em função da utilização

exclusiva de recursos federais:

Em razão desses problemas, a abrangência do Programa tendeu, desde sua criação, a apresentar limitações, atendendo, em diferentes momentos e de acordo com os recursos disponíveis, a apenas determinadas disciplinas, séries e redes do sistema público de ensino. Também em razão desses problemas, a distribuição dos livros apresentou, com freqüência, dificuldades, ora para entregar os manuais no início do ano letivo, ora para fornecer aos professores os livros por eles escolhidos (BATISTA, 2003, p. 35).

Ademar aponta um dado relevante em prováveis alterações na escolha do livro. Ele

ressalta que uma das principais mudanças é com relação aos próprios professores. Segundo o

sujeito, os professores estão mais críticos, ele caracteriza como uma mudança da escola para a

própria escola. Sugere que o docente precisa, sobretudo, conhecer os seus alunos, a realidade

dos alunos, suas reais necessidades com o intuito de promover adaptações do livro, nas

lacunas localizadas pelo professor.

6.3.1. Professor x livro didático de língua portuguesa: encontros e desencontros

As pessoas sempre têm uma lembrança de um livro didático, seja como aluno ou como

professor. Fato que configura a importância dele no cotidiano das pessoas, no cotidiano da

escola. Mesmo que seja considerado de menor valor, com pouco valor social, ele se apresenta

de forma imponente nas histórias das pessoas, das escolas, na constituição do saber

historicamente produzido. Assim, o livro didático de língua portuguesa, também, tem a

finalidade de orientar o professor, uma vez que ele é composto por objetivos, concepções,

metodologia, etc, que direcionam os trabalhos na sala. Dessa forma, como analisado

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anteriormente, o livro se apresenta de forma distinta para cada diferente momento histórico,

como também o seu uso implica em transformações para contextos diferentes.

Assim, os professores aposentados faziam o uso, também, em função das características

que circundavam o ambiente educacional. Naquele contexto, as representações concernentes

do processo ensino-aprendizagem alteraram um pouco, como também, a ética que circundava

a ação educativa. Nesse processo, o livro não ficou isento, conforme apresentado

anteriormente. Mas essas transformações, tidas como facilitadoras para o professor, nem

sempre, assim, eram compreendidas:

No início das nossas carreiras, nós três já éramos colegas, nós sempre nos reuníamos, aos finais de semana, em nossas casas, para estudar. Em função das dificuldades com o trato ao livro didático, tanto por parte dos alunos quanto dos professores, reunia-se um grupo para tirar dúvidas surgidas em sala de aula. Vez ou outra os livros apresentavam erros de gramática, conceitual. (Vânia, 2006).

O que se percebe que essas professoras, refiro-me à Marlúcia, Marly e Vânia porque

compactuam de bases teóricas e práticas pedagógicas semelhantes, já que Neide quase não se

aproxima dessas discussões e realiza um trabalho mais solitário em relação às três colegas,

estavam, nesse período, recém formadas, e, é natural, até que se tivessem dificuldades para

trabalhar com o livro. Talvez, não só em termos do trato com o livro, mas dificuldades em

lidar com os conteúdos, com os alunos, natural para qualquer profissional que esteja em início

da carreira. Muitas situações inusitadas, certamente, aconteciam em sala de aula, desde uma

resposta errada, ou um conceito deturpado que o livro trazia, até uma pergunta inesperada de

um aluno e que o professor foi pego de surpresa.

São situações que levavam as professoras a estudar e a preparar a aula. Inicialmente, o

livro que veio pra facilitar a vida delas, trouxe uma fase de preocupação e turbulência, talvez,

em função do desconhecimento do material e, até em razão de conhecimentos novos

acrescidos e veiculados, divergentes, às vezes, dos que tiveram na formação acadêmica,

provocando uma certa fragilidade e insegurança na prática da sala de aula. Posteriormente,

elas passam a conhecer melhor o material e, conseqüentemente, a ter mais segurança do

conteúdo, assim, a fase preparatória das aulas é deixada para um segundo plano. A intimidade

com o livro viabiliza a rotinização e a estagnação do conhecimento, o que resulta, no

transcorrer dos anos, no processo de reprodução do livro didático.

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O professor Ademar traz à tona lembranças da sua primeira experiência com um livro

didático em sala de aula. Em depoimento, apresenta as dificuldades encontradas por ele e

seus colegas de profissão, em trabalhar com um dos materiais que mais se aproximava das

correntes teóricas de uma nova perspectiva de linguagem e de ensino de língua materna.

Ah, eu me lembro. Quando eu entrei no Estado, nós usávamos um livro chamado ALP. É muito engraçado, né? É um livro muito bom, mas não cabia na realidade de Mato Grosso. Muito pouco usado pelos professores e, outra, os professores não estavam preparados para usar aquele livro, muito menos os alunos. Então, nós tivemos..., eu, particularmente, tive muita dificuldade para trabalhar com esse livro, no início da minha carreira. E os professores que escolheram o livro também, porque como ele era centrado muito texto, acabou quebrando, de uma certa forma muito brusca, aquilo que vinha sendo feito, pra aquilo que ia fazer. Quando você quebra, você não prepara, não há uma preparação pra uma determinada mudança, uma certa mudança, isso causa um certo transtorno (Ademar, 26/09/06).

Aqui, o professor Ademar chama a atenção para um fator determinante nas

transformações dos livros didáticos no transcorrer dos anos: o processo de infiltração das

correntes teóricas mais recentes no texto didático e até mesmo na prática pedagógica do

professor. Ele destaca a tamanha dificuldade de se trabalhar com o livro ALP75, adotado por

seus colegas no ano anterior a sua chegada no grupo, porque era um livro, pode-se dizer

assim, que mais se aproxima daquilo que descreve os Parâmetros Curriculares Nacionais, para

os objetivos do ensino da língua materna. O material em questão recebe uma das mais altas

recomendações no PNLD. Essa dificuldade configura o distanciamento entre a teoria

acadêmica e a prática pedagógica do professor, ou seja, elas caminham em tempos diferentes.

O sujeito, praticamente, recém formado, já embasado nas contribuições da lingüística,

da lingüística textual, da sociolingüística, da análise do discurso, dentre outras ciências,

destaca que teve dificuldades para trabalhar com esse livro, porque, certamente, na prática, o

enraizamento do tradicional é mais latente. Conta, também, a sua inexperiência, a insegurança

para transpor a teoria para a prática. A tendência do docente é escolher e trabalhar com livros

que estejam próximos às suas concepções e práticas habituais, por isso descreve o uso desse

material como um rompimento brusco da prática, já corriqueira, da sala de aula. Apesar de

sua formação acadêmica ser recente, certamente, toda a sua escolaridade foi pautada em uma

75 Vale rememorar que o livro, ALP – Análise, linguagem e pensamento, de Cócco e Hailer, destacado pelo sujeito, também foi um livro, reiterada vezes, apontado pelos professores, principalmente, da primeira etapa desta pesquisa, como adotado nas escolas mato-grossense, no final da década de 90, estendendo-se até a última escolha para o ano de 2006.

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formação gramatical, com uma visão mais limitada do texto e assim por diante. Declara que

seus colegas tiveram dificuldades superiores à sua em conseqüência da formação que,

provavelmente, era muito mais distante das concepções que ora veiculavam naquela obra,

dificultando afirmar o seu savoir faire, o que provavelmente desencadeou insegurança e

instabilidade na prática docente embasado naqueles princípios.

Quando perguntado das suas principais dificuldades em trabalhar com o referido

material, o sujeito apontou mais questões referentes à estrutura da educação, principalmente, a

questão temporal adotada pelo sistema, do que às dificuldades de trato com o material:

Primeiro, textos muito longos, esse é um complicador tremendo pra quem trabalha com adolescentes e pré-adolescentes. Textos longos acabam fazendo com que o aluno não tenha a concentração devida. Ele dispersa rapidinho. E, interpretação de texto e leitura exigem um trabalho muito grande de pré-leitura. Não é só pegar ler o texto e passar e responder aquelas questões. Você tem um trabalho pra fazer anterior a isso. E aí, eu volto na questão da estrutura da escola, da educação de Mato Grosso, ela não oferece esse tempo hábil, esse tempo necessário pra você trabalhar como deve ser trabalhado. Muito aluno em sala de aula, trabalhar leitura é um negócio pra pouca gente, tem que estar com poucas pessoas. É questão de perda mesmo, você não controla. Então, essa foi uma das dificuldades tremenda que a gente encontrou pra trabalhar com esse livro (Ademar, 26/09/06).

Um dos maiores problemas que o sujeito atribui para se trabalhar com esse tipo de

material é com relação à estrutura temporal que as nossas escolas aderiram, a lógica da

seriação e, conseqüentemente, da hora/aula. Segundo ele a rigidez desse tempo inviabiliza o

trabalho com texto levando em consideração a interação autor/leitor e o seu processo de

recepção. O professor, na realidade, está habituado a propor atividades de leituras via textos

escolares, ou seja, aqueles que são produzidos especificamente para o trabalho em sala de

aula. Nesse sentido, o trabalho de leitura reduz o leitor a mero decodificador de palavras e

frases e, ao mesmo tempo, o produtor em um reprodutor de textos modelares, textos

escolares, sem habilidades reais de compreensão e expressão.

Ao seguir a lógica desse tempo escolar é mais fácil preparar e desenvolver atividades

de leitura e interpretação que fiquem na esfera da estrutura textual, com atividades mais

objetivas e práticas. Assim, os próprios alunos estão treinados a desenvolverem atividades

dentro desses padrões. Os livros que propõem outras atividades que levam em conta a

enunciação, a interação leitor/texto, ou mesmo os professores que as propõem, são encarados

com críticas e os alunos encontram inúmeras dificuldades para desenvolver as propostas de

trabalhos.

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Não quer dizer que o referido livro promova todas as suas atividades desejando que os

alunos se apropriem da leitura e da escrita como práticas sociais, mas não há como negar o

leque que abre para o trabalho com gêneros e tipologias diversificadas, que exigem mais

preparo das aulas por parte do professor. O livro é permeado de perguntas abertas, que

possibilita a inferência dos alunos, por outro lado, exige mais tempo e preparo do professor

para receber essas respostas e contextualizá-las. O professor acrescenta que o trabalho com

leitura demanda tempo, porque não pode ser pautado apenas na decodificação das palavras, é

preciso um preparo, um planejamento para a aula de leitura.

O trabalho com a leitura na sala de aula dentro da perspectiva que considera a língua

como um fenômeno social de interação verbal e que esta se efetiva por meio de enunciação ou

das enunciações, deve considerar o ato de ler não como uma decodificação de palavras. Nessa

perspectiva, o aluno em contato com o texto deve ser capaz de construir significados,

construir relações com outros textos lidos e que são importantes para o contexto da leitura;

identificar o tipo de leitura proposto, assim como, conjugar àquela leitura, ou não, subverter,

opor-se a ela e propor outra não prevista. Esse processo acontece porque cada palavra de uma

determinada enunciação corresponde a uma série de palavras do interlocutor. Assim,

Compreender é opor à palavra do interlocutor uma contrapalavra. [...] É por isso que não tem sentido dizer que a significação pertence a uma palavra enquanto tal. Na verdade, a significação pertence a uma palavra enquanto traço de união entre os interlocutores, isto é, ela só se realiza no processo de compreensão ativa e responsiva. A significação não está na palavra nem na alma do falante, assim como também não está na alma do interlocutor. Ela é o efeito da interação do locutor e do receptor produzido através do material de um determinado complexo sonoro. [...]. Só a corrente da comunicação verbal fornece à palavra a luz da significação (BAKHTIN, 1990, p. 132).

Nesse sentido que o texto só se torna texto em contato com o leitor. “A leitura é um

processo de interlocução entre leitor/autor mediado pelo texto. Encontro com o autor, ausente,

que se dá pela sua palavra escrita” (GERALDI, 1997, p. 91). O leitor não é um sujeito

passivo, mas sim, um agente ativo que busca informações e significações. Dessa forma, o

autor não age sozinho na leitura de seu leitor. O leitor na busca de sentido ao texto, reconstrói

o texto na sua leitura, assim, atribui a sua própria significação.

Mediante o processo de ler como interação entre leitor/autor, as atividades de leitura

devem ser sempre intencionais e nem sempre o professor tem clareza das intenções que se

tem, por exemplo, ao escolher um texto e propor trabalho com ele. Uma série de questões

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deve ser respondida para se atingir o objetivo: Por que escolheu o texto? Aprender exatamente

o quê? Obter que tipo de informações? E assim, por diante:

[...] se não puder esgotar para si suas intenções com muita clareza, certamente para o aluno ficará mais confuso ainda. Como já afirmamos, de um modo geral, primeiramente o professor escolhe um texto, tem uma vaga intenção, e depois resolve o que fazer com ele. Devemos sempre lembrar-nos de que o aluno lerá o que foi escolhido por nós e não por ele, de que o texto tem significado para nós. Portanto, essa escolha precisa estar bem clara, definida, para envolver o aluno e, conseqüentemente, atingir a nossa intenção. A seleção do texto e o estabelecimento representam apenas o início do trabalho de leitura. Há muito que percorrer para construir o leitor competente (BRAGA e SILVESTRE, 2002, p. 30).

Esse momento de preparação inclui o trabalho com a pré-leitura, que é abordado pelo

sujeito, como também, as etapas da leitura-descoberta e da pós-leitura76. O trabalho com a

leitura, seja com muitos ou poucos alunos, exige considerar que o texto só terá vida quando

em contato com o leitor, uma vez que ele atribuirá sentido e significado ao texto impresso. Ou

seja, deve considerar que é um ato de construção de significado que varia de contexto pra

contexto, dependente da interação do texto com o leitor. Assim, o planejamento das atividades

de pré-leitura vai possibilitar uma melhor antecipação do texto a ser trabalhado, ativando o

conhecimento prévio do aluno-leitor, como as da leitura-descoberta viabilizarão o

reconhecimento do código, a projeção de sentido, melhor dizendo, a construção de sentido. O

momento da pós-leitura, o aluno-leitor poderá:

utilizar criticamente o sentido construído, refletir sobre as informações recebidas e, assim, construir conhecimento. [...] consiste na fase de ampliação, confirmação ou transformação da visão de mundo do leitor, na fase do confronto do sentido construído com seu próprio sistema de valores (BRAGA e SILVESTRE, 2002, p. 34).

Além das dificuldades de trabalhar com a leitura, engessado pelo tempo escolar,

dificultando a formação do leitor ideal, o sujeito destaca outros empecilhos encontrados,

principalmente, pelos seus pares de profissão, docentes de língua portuguesa:

76 As etapas, que ora menciono neste trabalho, para a realização das atividades com a leitura são exploradas por Braga e Silvestre (2002).

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E os colegas? Basicamente as mesmas. Agora, eu tive colegas, professores que eram mais antigos, que tiveram mais dificuldades ainda, porque, é... de certa forma eles estavam acostumados com aquela rotina de você trabalhar o texto gramaticalmente, a estrutura, aquela coisa toda. Mais na base da compreensão explícita, não daquela que você vai às entrelinhas. E trabalhar basicamente a estrutura, a estrutura lingüística das expressões que ali estavam. O decoreba: sujeito, predicado, aquela coisa toda. A gramática, e, quando passou essa parte da compreensão, o professor olha, puxa, não tem gramática! Ou tem pouca gramática, ficou assustado porque é a parte que ele dominava. E eu não culpo muito o professor não, porque isso já era uma estrutura que tinha há muito tempo. Pra você fazer essa mudança é meio complicado (Ademar, 26/09/06).

Provavelmente, seus pares também tiveram algumas das dificuldades mencionadas por

ele próprio. No entanto, ele acrescenta a formação e a prática do tradicionalismo nas aulas de

língua portuguesa. Segundo ele, alguns colegas estavam acostumados a utilizar o texto como

pretexto para os estudos da gramática, para ver as questões estruturais, trabalhando assim, a

superfície do texto. Por um longo período, os livros didáticos trouxeram a concepção do texto

como um conjunto de unidades lingüísticas (palavras, frases, períodos e parágrafos), que

encerram um sentido. “Essa concepção de texto como unidade lingüística que contém um

significado a ser decodificado pelos leitores predomina nos LDP até aproximadamente metade

dos anos 80” (BEZERRA, 2003, p.36). Isso não quer dizer que essa corrente não permeie

mais o livro didático de língua portuguesa, ela ainda se faz presente, perpetuando a prática

tradicional. Nesse sentido, os colegas mais velhos, na docência de língua portuguesa, do

professor Ademar, foram caracterizados, pelo colega, como um grupo com muito mais

dificuldades e, talvez, mais resistentes em trabalhar com o livro ALP. O livro não

possibilitava a esse grupo e, talvez, menos intensivamente, ao grupo que conjugavam das

concepções do sujeito, que se afirmassem ou reafirmassem a prática docente do professor, ou

seja, seu savoir faire ficou em cheque.

Evidencia-se que nem sempre a lógica do currículo oficial transposta para o livro

didático é a mesma lógica da sala de aula. Ou melhor, nem sempre é a mesma lógica da

prática e das concepções do professor docente. O professor escolhe o livro que venha ao

encontro, ou que melhor se aproxime, de seus princípios, das suas concepções, de suas

práticas mais habituais, para que eles possam confirmar seu saber/fazer. Quando isso não se

concretiza o livro é praticamente descartado, conforme afirma Ivonete:

Em 2000, quando entrei no Estado, havia um livro que já tinha sido adotado antes de eu começar a trabalhar, mas que eu o usava muito pouco, pois os textos eram

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muito longos e como hoje temos uma juventude muito imediatista, os alunos não tinham paciência de lê-los. Possuía uma linguagem um pouco complexa, necessitando sempre eu estar explicando e conduzindo a resolução dos exercícios. Não recordo o nome do livro. Só lembro que pouco gostava de usá-lo. Preferia trabalhar outros textos que eu pesquisava e levava para a sala. (Ivonete, 07/09/006.)

Conforme se observa pelo depoimento da professora, o livro parece ter sido de

pouquíssimo uso mesmo, uma vez que nem se lembra do seu título. Remete a leitura de que

ele fora pouco manuseado em função da sua estranha familiaridade com o material. A

professora comenta que preferia levar xerox de outros textos que pesquisava, bem

provavelmente, de outros livros didáticos, fomentando a questão da reprodução interna da

escola, a imprensa escolar, como mencionado anteriormente.

Bem provavelmente, a professora deve ter subadotado, como menciono no capítulo

veiculação, outro título que melhor contemplasse suas expectativas com relação à

metodologia, à concepção e ao processo de ensino de língua materna. Certamente, nesse outro

título realizava suas pesquisas, selecionava as atividades e textos. O livro didático nem

sempre vem ao encontro dos anseios dos professores, mas quase sempre é uma fonte de

pesquisa para assegurar o trabalho docente.

6.4. A EXPLORAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO: UM INSTRUMENTO DO

TRABALHO DOCENTE

O professor, de acordo com as entrevistas, registrou o uso do livro didático na sala de

aula, suas preferências com relação ao texto didático, assim como, suas percepções com

relação às mudanças ocorridas nos livros no transcorrer das décadas. Nos tópicos anteriores

foi possível pinçar algumas características do uso do livro didático pelo professor na sala de

aula. Neste tópico, discuto a representatividade desse material na prática pedagógica,

apresentando como o docente lança mão desse instrumento de trabalho edificado

secularmente nas escolas.

Os sujeitos, gradativamente, desvelam como acontecia e como acontece o uso desse

material na sala de aula:

[...] mas quando passei a usar o livro didático, usava para fazer leituras, leitura silenciosa e, depois, fazia leitura geral com todos. Pedia pra ler em voz alta,

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fazendo com que cada um lesse um trecho do texto. Eu não seguia o número da chamada, salteava os números para ver se todos estavam seguindo. Era uma maneira para que os alunos ficassem atentos. Depois, fazia a interpretação do texto sugerida pelo livro, ou comentava com os alunos e perguntava: qual a palavra-chave do texto ou o que o autor quis dizer com “isto ou aquilo”. Levava outros textos para sala, mais atuais, que a juventude gostava, mas eram poucas as vezes, porque senão não dava tempo para atingir o conteúdo programado, plano de curso, o conteúdo sugerido pelo livro. Tinha alguns livros que não traziam explicações suficientes da parte gramatical, eu sempre estava acrescentando na lousa e fazia com que os alunos não ficassem distraídos. Aproveitava o texto para falar ligeiramente das classes gramaticais que apareciam nele. Pedia aos alunos para identificar as classes. Tirava uma frase do texto e pedia para fazer a análise dela, qualquer assunto referente à gramática. Tinha dias que eu nem usava o livro. Inventava frases para que os alunos pudessem fazer análise, referente a qualquer assunto da gramática. Estava sempre fazendo revisões dos assuntos anteriores, para não deixar que os alunos se esquecessem de nada (Marlúcia, 04/08/06). Programava as aulas assim: aula de leitura, seguindo o livro didático. Todos liam, faziam a leitura silenciosa, depois a leitura do professor. Depois dividia o texto: cada aluno lia um pouquinho, um trecho do texto. Às vezes sugeria por fila ou por número da chamada. Quando percebia que os alunos não estavam prestando atenção, fazia salteada a leitura. Sei que esse tipo de leitura não tem compreensão global do texto. Era apenas uma leitura para o momento: palavras lidas com todos os fonemas, era mais para ver pronúncia, clareza das palavras. Antes de trabalhar o questionário, eu sempre perguntava o que os alunos tinham entendido do texto. Depois partia para a compreensão do texto. O aluno fazia o questionário, a interpretação do texto que o livro trazia, nesse momento, o aluno retornava ao texto. Na correção também se voltava ao texto para tirar as dúvidas. A cada pergunta iam ao texto. Com relação à redação, eu sempre direcionava o trabalho. Normalmente, trabalhava bastante a descrição, baseada na realidade do aluno. Por exemplo: descrever a rua onde morava, o colégio (Neide, 05/07/06). Usava o livro, principalmente, para facilitar a leitura. Eu seguia o livro, mas pesquisava outros livros, de acordo com a parte da gramática. Era o meu costume usar exercícios de outros livros. No livro, os alunos liam os textos e dali, o professor retirava a gramática. Os livros já traziam a redação, a parte da ortografia, tudo muito bem explicadinho. Quando eu trabalhava à noite, com os adultos, os alunos já chegavam cansados. Os alunos não precisavam ficar escrevendo, eles pegavam o livro na página, a gente lia e faziam os exercícios (Marly, 16/08/06) Eu sempre incentivava a interpretação, todos liam e todos interpretavam. Eu lia, todo mundo mostrava a sua interpretação avaliávamos os alunos através disso e eles ganhavam alguma coisinha, porque aluno é sempre assim, sempre com o interesse do ponto, meio ponto, do dez. infelizmente essa é a grande realidade (Vânia, 2006).

Praticamente os professores desse presente histórico faziam o mesmo uso do livro

didático. O livro era o condutor de todo o processo de ensino e de aprendizagem. Percebe-se

que o uso com relação à leitura e a interpretação de texto, basicamente, segue um mesmo

roteiro: leitura pelo professor, silenciosa pelo aluno, e, depois, em voz alta para a turma, com

o objetivo de ver a leitura corrente do texto, com as pausas, pronúncia correta das palavras.

Esse procedimento vinha ao encontro da teoria da época e, o livro didático, por sua vez,

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conduzia para essas orientações, conforme análise do livro Estudo Dirigido, no capítulo

anterior. Sobre a leitura nos livros didáticos, Bittencourt acrescenta:

O livro didático foi construído para que a leitura se realizasse de duas formas. O primeiro momento era mediado pelo professor, o agente organizador da leitura em grupo. Os alunos deveriam ler em voz alta, na sala de aula, dividindo a leitura com seus companheiros de classe [...] A seqüência de leitura do livro didático, ou a etapa seguinte da leitura, levava-o a partilhar uma prática erudita e individualizada. O aluno teria que “privatizar” sua leitura, lendo individualmente para decorar textos ou realizar os exercícios pedagógicos ou outras formas de fixação da leitura. “Escutar ler” foi outra forma freqüente na sala de aula. O professor lia para seus alunos (apud MUNAKATA, 1999, p. 578)

Parece-me que os pressupostos para o ensino da leitura nas escolas brasileiras, do

século passado, se enraizaram na prática docente das professoras. A conduta descrita por

Bittencourt compactua com antigos registros sobre o ato de ler e o ensino da leitura,

encontrados nas anotações da professora Aracy em seu livro escolar “Trechos selecionados

para leitura”. Essas anotações permitem uma leitura que a prestimosa aluna as realizou por

que eram procedimentos indispensáveis para aula de leitura, os ensinamentos repercutiram até

sua carreira docente: “Os requisitos da leitura são: falar alto; devagar e pronunciar bem”

(Aracy, 1959). Tais características do ato de ler eram também valorizadas por seus pares, os

sujeitos-aposentados, contemporâneos e colegas de formação acadêmica. Na realidade, é a

transposição dessas aprendizagens para a sala de aula, como docente.

Chama a atenção o procedimento habitual adotado pelas professoras com relação às

atividades extra livro, ou seja, elas realizavam pesquisas em outros textos didáticos para dar

suporte ao conteúdo estudado. Os sujeitos faziam transferências de atividades de outros

materiais para o caderno do aluno, já que as atividades eram passadas no quadro negro para

cópia, ou mimeografavam-nas. A professora Marlúcia diz que tinha aulas que não usava o

livro adotado, ela levava frases para os alunos copiarem e realizarem as atividades, referentes

à gramática. Acrescenta, “tirava da cabeça”; uma possível leitura para o fato é que as

professoras tinham internalizado os modelos de atividades do livro didático. Naquele período,

acreditava-se na memorização e na repetição de atividades como forma para se aprender as

regras gramaticais e, conseqüentemente, a escrever bem.

O professor Ademar relata sua experiência com o uso do livro didático em sala de

aula:

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No começo foi meio complicado, porque o professor tem autonomia até certo ponto, dentro da escola. Você tem que seguir um pouco o pedagógico da escola, o que a coordenação determina, naquele negócio de plano de aula. E, no começo, a gente ... as aulas eram centradas exclusivamente no conteúdo do livro didático, ou seja, na seqüência do livro didático. E muitas vezes você percebia que ... a realidade da sala de aula estava diferente da seqüência da que o livro didático oferecia. Então, foi um pouco difícil a gente quebrar essa barreira, ou seja, de começar o livro didático pelo começo, e, terminá-lo pelo final. Parece óbvio, mas quando você está em sala de aula, não necessariamente, você tem que seguir isso daí. Você pode ... hoje, você já tem a liberdade pra isso. Você pode começar o ano letivo pelo final do livro e terminar lá no começo, se você quiser. Então, você faz um estudo do seu livro ... mas o livro didático está presente sempre. É ... eu acho que você vai até perguntar depois ... os livros melhoraram muito. Você tem que seguir um planejamento pedagógico e esse plano de aula, é ... muitas vezes ele ... como vinha uma seqüência de 5ª série, no caso, 6ª, 7ª séries, sempre seguindo a seqüência do livro, todo mundo achava que quando chegasse na 7ª e 8ª, eu também teria que seguir. Deveria fazer uma seqüência de começo, meio e fim do livro. E, na verdade, isso não se realiza na prática. Isso era uma rotina de trabalho da escola, aliás, isso é uma rotina de trabalho da maioria dos professores, ainda hoje. Se você pegar um professor tradicional, ele pega o livro do começo ao fim, ele dá aquele conteúdo e não quer saber o anterior do aluno e nem o que vem pra frente. Ele quer essa parte dele ali, extratifica e acabou. Consegui quebrar um pouco desse paradigma, é um pouco complicado ... mas você acaba remando contra a maré. Todo mundo faz assim e você assado? Mas eles entenderam a proposta. Na verdade, a proposta não sai do trivial, não é nada mirabolante. Hoje, está mais tranqüilo (Ademar, 26/09/06).

O sujeito apresenta, na sua fala, uma cultura, pode-se dizer assim, da prática

pedagógica escolar. Por muitos anos, inclusive os sujeitos aposentados demonstram indícios

dessa prática nas suas falas, o livro foi considerado o planejamento vivo, por isso conduzia o

exercício docente, mesmo porque era, e ainda é, a tradução do currículo oficial da disciplina.

Essas características foram assumidas em decorrência da nova concepção de leitura do livro

disseminada com o prefácio do moderno manual, iniciada na década de 1960:

Ocorre um conjunto de alterações no modo de encenar sua leitura e utilização: os manuais passam a reunir as funções de um compêndio e de um caderno de exercícios e atividades, assumindo um alto grau de dependência do contexto da sala de aula e realizando uma mediação entre o aluno e o professor, que atribui a este um papel subordinado em relação às atividades propostas pelo livro didático. O livro do professor torna-se uma reprodução do livro do aluno, acrescida de uma apresentação, em geral sucinta, de seus fundamentos teórico-metodológicos e das respostas aos exercícios e atividades do livro do aluno. (BATISTA, 2002a, p. 554 e 555).

Nesse sentido, paulatinamente, os livros assumiram grande espaço na sala de aula

apresentando textos, modelos de exercícios, ditando concepções de educação e língua,

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considerado a transposição do currículo oficial. A cultura está posta, conforme afirma o

docente, e sua desconstrução não se efetiva do dia para a noite. Bem provavelmente, o

professor tradicional ao qual Ademar se refere, é filho dessa cultura. A mudança trivial a que

faz referência seria o professor tomar as rédeas da sua prática pedagógica e planejá-la, de

acordo com as reais necessidades do aluno. A fala do sujeito pode revelar que faz parte da

rotina de alguns professores conhecer e avaliar o livro didático, mas, em momento nenhum

ele nega o texto didático, ao contrário, afirma, “mas o livro sempre está ali”, seu lugar de

destaque está reservado.

A forma como o professor utiliza o livro didático em sala de aula vai ao encontro de

suas concepções de educação e de língua. Os professores apresentam, logo abaixo, quais os

conteúdos são considerados elementares na disciplina, confluindo nas suas próprias

concepções e nos procedimentos adotados para desenvolver seu planejamento com o auxílio

do livro didático.

Concordância verbal e nominal (Marlúcia, 14/08/06). O essencial... o mais importante para mim é a ortografia, concordância, essencial também ... que mais? Acho que a ortografia e a concordância, porque muitos saem fraquinhos da 8ª série ainda com dificuldades nesses dois pontos (Vânia, 2006) Regência verbal ... ortografia é muito importante. A parte da análise sintática, verbo ... acho que são os principais conteúdos, né? (Marly, 16/08/06) Acho que todos os conteúdos trabalhados em língua portuguesa são importantes, mas um dos que eu acho mais importantes é “leitura e interpretação de texto” e é, também, o que mais gosto de trabalhar em língua portuguesa (Ivonete, 07/09/06). Nossa, são tantos. A gente está falando sobre a questão da leitura ... a leitura é um dos fundamentos. Eu acho que quando a gente parte para trabalhar a linguagem, a leitura, mas não é essa leitura superficial que se faz. A leitura crítica, a leitura que vai fazer o aluno a refletir; e você fazer o aluno refletir é complicado, porque ele gosta de coisas muito concretas, na hora, prontas. E tem uma questão muito interessante quando se trabalha a língua, você tem que dar conhecimento prévio para o seu aluno. Ele vem com conhecimento prévio, mas ele não vem com conhecimento prévio suficiente, às vezes, para trabalhar determinado texto, e esse conhecimento quem tem que dar é o professor. Então eu acho que trabalhar leitura ... e, é aí que entra o papel da pré-leitura, que antes de entrar no texto você tem que relacionar aquele assunto que está no texto com a realidade dele, trazendo coisas pra ele. Esse é um trabalho que acho essencial, pra que a coisa flua bem. Trabalhar a linguagem, trabalhar a leitura em toda a sua essência. Não é aquela coisinha do começou o texto, terminou o texto, acabou a leitura. Vai extrapolar o texto, vai pra frente. O leitor autônomo. No mundo de hoje é muito complicado. Engraçado, às vezes, nem o professor gosta de lidar com o aluno-leitor autônomo, até começa a

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podar essa..., essa concepção de aluno-leitor autônomo. Opa! Tá muito autônomo pro meu gosto. Criou asas. Mas de fato essa seria a função da leitura. Fazer com que o aluno crie asas mesmo (Ademar, 26/09/06).

Os depoimentos revelam o distanciamento das abordagens da língua de uma geração

de professores para outra, ou melhor, destaca como os estudos das ciências da linguagem se

transformaram com o passar dos anos. Por outro lado, fica claro, também, que a infiltração

das teorias na prática docente se efetiva de uma forma mais branda, em tempos distantes. A

Lingüística, assim como as demais ciências que têm a língua como objeto de estudo, vem se

firmando como disciplina nos cursos de Letras, desde a década de 1970; a sociolingüística

vem influenciando mais intensamente os estudos da linguagem desde de 1980, no entanto, as

contribuições delas chegam, no cenário da sala de aula, mais tardiamente.

As professoras aposentadas apontam, com exceção de uma que não se posicionou a

respeito, unanimemente os conteúdos gramaticais como os mais importantes no processo de

ensino e de aprendizagem da língua, conforme os preceitos recebidos por toda a sua vida

acadêmica.Vale ressaltar, que esses sujeitos receberam formação gramatical nos anos finais da

década de 1960, colocaram-na em prática na década de 70, como também, nos anos

subseqüentes até meados da década de 90. Em resumo, toda a vida docente delas foi pautada

pelas concepções de formação acadêmica, sugerindo, apenas, sutis transformações.

O trabalho com o texto é enfatizado pelos últimos sujeitos, Ivonete e Ademar. Vale

ressaltar que esses sujeitos são filhos de uma nova concepção de língua, como também de

uma nova concepção de aluno leitor e produtor de textos. Em função disso, acreditam que o

ensino de língua materna terá resultados mais positivos com trabalhos voltados para a leitura,

interpretação, produção de textos, viabilizando a formação do aluno leitor e produtor de

textos, que um trabalho que direcione para o estudo da gramática, via estudo de regras, como

fonte estruturadora do ler e do escrever. Vale ressaltar que a produção textual pelo aluno foi

sutilmente destacada por esses sujeitos, no momento que rememoravam os critérios para

escolha do livro didático. Esse dado pode revelar que a produção de texto tenha um espaço

menor dentro da prática pedagógica desses sujeitos em relação à prática da leitura.

A professora Ivonete esclarece que considera a leitura um dos mais importantes

conteúdos da língua portuguesa e que é um conteúdo com o qual gosta de trabalhar, parece-

me que é mais convicta da sua prática docente com os textos. Ademar diz que considera o

texto muito importante, mas, por outro lado, acredita que é muito difícil de desenvolver um

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bom planejamento com os textos na sala de aula, porque, segundo ele, os alunos são

imediatistas e querem tudo pronto e, por ser um trabalho que demanda tempo.

Assim, o professor esclarece que trabalhar com textos requer um planejamento para

desenvolver o senso crítico dos alunos. Nesse momento, retoma a questão da pré-leitura como

essencial e reclama tempo para a execução das atividades, porque o professor tem que

primeiro “dar conhecimento prévio” para seu aluno, já que nem sempre tem, de forma

suficiente, para ler os textos. Qualquer trabalho exige um bom planejamento, e dele, alguns

objetivos serão alcançados, outros não. O trabalho com textos e leitura requer o planejamento

das atividades, conforme mencionado anteriormente. O docente deve estar atento que cada um

lê com o que se tem dentre de si, com as lentes que enxerga o mundo, mas a leitura viabiliza

confirmar, ampliar ou transformar esse conhecimento, é nesse sentido, que se relaciona a

leitura com a criticidade; o professor não pode negar conhecimento, a leitura do mundo e o

mundo da leitura ao seu aluno. Assim,

Na verdade, cada um lê com o que tem dentro de si. E se o professor desafiar, fizer emergir o que seu aluno sabe, haverá envolvimento, interação, e a atividade de leitura cumprirá seu papel de confirmar, ampliar ou transformar seu conhecimento. Ao realizarmos as estratégias que ativam o conhecimento prévio do aluno, descobrimos, portanto, o quanto eles sabem ou o quanto eles não sabem a respeito do assunto que será abordado no texto (BRAGA e SILVESTRE, 2002, p. 32).

Nesse sentido, o mediador, professor, não vai dar conhecimento prévio ao aluno, ele

vai viabilizar atividades que possam explorar esse conhecimento, pois é o conhecimento

expresso o melhor condutor para as próximas etapas; dentro daquilo que o aluno conhece ou

desconhece, que os objetivos devem ser traçados. Quando o aluno expressa o conhecido e o

desconhecido, em contato com outros saberes da turma, reconhecerá que o seu conhecimento

é passível de acréscimos, reconstrução, ou melhor, reconhece que o seu saber não é único. À

medida que reconhece que precisa acrescer informações e que vai pesquisá-las, das mais

diversas formas e fontes, relaciona o que conhece com as novas descobertas e constrói o

conhecimento. Vale lembrar, que esse produto construído pelo leitor, o momento da pós-

leitura, certamente, servirá como pré-leitura para novos textos, formando um circuito da

leitura. Dessa forma, acredita-se que a pós-leitura de um texto é uma importante “Etapa da

leitura, pois consiste na fase de ampliação, confirmação ou transformação da visão de mundo

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do leitor, na fase do confronto do sentido construído com o seu próprio sistema de valores”

(BRAGA e SILVESTRE, 2002, p. 34).

Na realidade, quando Ademar reclama o imediatismo dos alunos, os quais desejam

respostas prontas, nada mais é do que o resultado de uma prática com o trabalho de leitura e

produção de textos escolarizados, com respostas prontas, rápidas e acabadas, as quais

dificultam a reflexão, perpetuando a cultura do silêncio: quanto menos falar melhor. A prática

da leitura desenvolvida na sala de aula que estimule a construção do aluno-leitor e, não

reprodutor, viabiliza que os alunos expressem aquilo que conhecem ou procuram conhecer,

proporcionando o desenvolvimento do senso critico. Certamente, é nesse sentido que o sujeito

alude uma certa preocupação de alguns professores em formar aluno-leitor crítico. A

criticidade desenvolvida do aluno desperta a atenção para os seus direitos e deveres, o que

pode representar um risco, uma ameaça ao trabalho docente tradicional.

A prática docente do professor de língua portuguesa na sala de aula, segundo os

depoimentos, é uma mescla do uso dos livros didáticos, com acréscimos de exercícios e textos

pesquisados em outros manuais didáticos, com também, outras metodologias, que se

mostravam mais diversificadas, quanto mais se aproximavam dos últimos anos do período

investigado.

Nós dedicávamos assim ... não sei a partir de que ano, 5ª ou 6ª séries, nós tínhamos seis aulas semanais e às vezes, aulas duplas, porque é difícil pro adolescente se segurar, duas aulas, né? É difícil, então, eu sempre deixava, vamos supor, final de semana, reservava uma aula ou parte de uma aula, para palavras cruzadas, para charadas, para caligrafia. E Eles gostavam bastante, bastante mesmo, ... porque, além da aula de redação, que eles gostavam bastante, eu ainda dedicava a essas partes ... teatrinho, às vezes, jogral, pra amenizar um pouquinho, porque seis aulas por semana pro adolescente são difíceis, tentava amenizar ... para não ficar só o conteúdo em si, pesado (Vânia, 2006)

Observa-se pela fala da professora que a parte diversificada para aula era apenas como

um estímulo, para descontração, uma vez que os alunos estavam cansados das seis aulas

semanais de português, por causa da intensa carga de conteúdos. Essa postura parece se

identificar com o livro adotado por ela Estudo Dirigido, o qual trazia, no final dos capítulos,

atividades chamativas para despertar o gosto pelo livro, como: palavras cruzadas, charadas,

parlendas, dentre outras. Era uma estratégia empregada pela professora como atrativo para as

aulas de português.

Suas outras colegas basicamente utilizavam, praticamente, os mesmos recursos:

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Além do livro, levava outros textos para sala de aula. Levava livros paradidáticos para gostarem de ler. Pedia para assistir o Fantástico e contar o que viu e ouviu (Neide, 05/07/06). Usava outros materiais. O professor tem que sempre ser artista, criar cartazes; levava músicas, uma vez no mês, porque não dava tempo para atingir o conteúdo programado. Senão o aluno ia pra outra série e não sabia o conteúdo da sala anterior. Revistas, jornais. Pedia para os alunos realizarem pesquisas de rua: para verificar ortografia dos cartazes nas ruas, acentuação gráfica, concordância, verbo. Cada aluno trazia uma frase dessas propagandas de lojas e eles identificavam os erros. Fazia debates de uma sala contra outra, ou da mesma sal: menina X menino, com relação aos conteúdos gramaticais (Marlúcia, 14/08/06). Usava, porque eu pesquisava os outros livros, então eu passava os exercícios no livro e no caderno. Eu mandava... naquela época não era fotocópia, a gente rodava no mimeógrafo e distribuía os exercícios. E eu tinha muita facilidade porque eu era funcionária pública de uma repartição... então, a gente tinha facilidade pra rodar, então ... rodava aqueles exercícios e distribuía na sala de aula, muitas vezes acontecia isso. Eu usava outros textos, outros exercícios porque era um meio de eu saber se eles estavam ... pra ver se eles aprenderam a matéria, então passava outros exercícios sem ser do livro, do próprio livro deles (Marly, 16/08/06). Uso outros materiais. Procuro trazer textos xerocados que trabalhem textos mais atuais ou quando quero usar como pretexto para debater algum assunto. Às vezes também trabalho com jornais, revistas, gibis e livros paradidáticos (Ivonete, 07/09/06). Ah, olha! Você vai aprendendo as novas tecnologias estão aí, a gente não pode fugir. Então, com essas capacitações que a gente tem, você aprende contextualizar, a intertextualizar. Você acaba trazendo formas diferentes para trabalhar o mesmo texto. Então, você trabalha com música, você trabalha com vídeo. Hoje, as escolas estão um pouco mais equipadas, trabalha com dança, com teatro. Eu, particularmente, tenho uma dificuldade danada pra trabalhar com teatro, mas os alunos se viram. Você fala; vocês se viram aí, essa parte é de vocês. Então, a gente acaba usando outros recursos, até pra motivar a sala de aula, se você ficar fechadinho só no livro didático, se torna muito enfadonho (Ademar 26/09/06).

Os professores sempre acrescentam estratégias diversificadas para ampliar o trabalho

docente e se manifestar de forma mais prazerosa o processo de ensino e de aprendizagem.

Percebe-se que o uso de estratégias está sempre relacionado com as concepções que o docente

tem da língua e do seu ensino. Por isso, quando as professoras aposentadas acentuam o

trabalho com a gramática da língua, mesmo quando levavam materiais além do livro, é porque

acreditavam e praticavam o ensino descritivo. Assim, elas pediam jornais, revistas, faziam

debates para se realizar um estudo exploratório da gramática, numa tentativa de se trabalhar

com os usos, em situações reais, da gramática da língua.

Já os últimos docentes entrevistados, Ivonete e Ademar, acrescentam que lançam mão

das estratégias além do livro, vale ressaltar que com suave alargamento, em função das novas

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tecnologias, para viabilizar a ampliação de habilidades dos alunos, geralmente, relacionadas

com o texto. São as concepções arraigadas dos sujeitos, embora não tenham, no transcorrer

das suas falas, negados a gramática. Porém, no transcorrer das entrevistas, e, mais

precisamente, no último questionamento apresentado, os professores são convictos em afirmar

que, seja pra enfocar gramática, seja para enfocar textos, o livro didático não sai do cenário da

sala de aula, tanto o livro adotado quanto, outros livros que servem de apoio e pesquisa para

retirada de textos, exercícios, dentre outros, com a intencionalidade de ampliação e

suavização do processo de ensino e de aprendizagem.

Em toda trajetória da investigação se evidenciou a forte presença do livro didático no

cotidiano da escola e, conseqüentemente, uma avaliação positiva, por parte do professorado,

com relação ao uso desse instrumento no contexto do ensino da língua materna, pois acredita

que esse instrumento contribui na formação integral do aluno.

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CONCLUSÕES

Todo o percurso desenvolvido, neste trabalho, teve a intencionalidade de evidenciar

aspectos da trajetória do livro didático de língua portuguesa, no Estado de Mato Grosso, que

fossem essenciais para compreender o papel desse instrumento pedagógico, o livro, na prática

docente dos profissionais mato-grossenses, no período de 1970 a 2000.

Ao realizar uma investigação inúmeros obstáculos, certamente, surgem no caminho

envergando o destino da pesquisa. Na pesquisa histórica os percalços aparecem

constantemente, em razão da escassez de fontes, principalmente, com relação aos documentos

escritos. Esta pesquisa, não poderia ser diferente, muitos tropeços despontaram no caminho.

Na medida do possível, consegui reunir, selecionar, organizar e analisar fontes que pudessem

dar vestígios da trajetória do livro na estado.

Através de documentos escritos e de fontes orais dos sujeitos envolvidos nesta

investigação, evidenciou-se que o estado de Mato Grosso não apresenta características de um

estado produtor de livros didáticos, no entanto, no intermezzo desta pesquisa, dois livros

didáticos de língua portuguesa foram identificados como produção mato-grossense, em

períodos distintos. O primeiro deles é intitulado Trechos selecionados para leitura, editado

pela Tip. Escola Industrial de Cuiabá. Esse livro foi utilizado por três professores-sujeitos,

desta pesquisa, na extinta escola de Cuiabá Ginásio Brasil. Além das informações recebidas

das ex-alunas do referido colégio, não encontrei registros que se referissem ao material.

O segundo título, localizado como produto do Estado, foi Produção de leitura e de

texto, caracterizado como material instrucional, uma produção fruto da parceria

MEC/Secretaria de Educação e a Universidade Federal de Mato Grosso. Professoras do

Instituto de Linguagem, da referida Universidade, participaram do projeto. Segundo as

informações da revista Educação em Mato Grosso (1984) participaram do projeto, além das

professoras Lúcia Helena Vendúsculo e Maria Lúcia Cavalli Neder, professoras da UFMT,

professores de duas escolas estaduais da capital, os últimos participaram da elaboração e da

experiência prática com o material em sala.

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Parcos foram os documentos oficiais localizados no Arquivo Público,

Escolas/SEDUC, que evidenciassem registros da historicidade do livro didático de língua

portuguesa no estado. No entanto, no final da investigação, uma valiosa e rica fonte de

informações foi descoberta: a revista Educação em Mato Grosso. A referida revista era

organizada pela Secretaria de Educação de Mato Grosso, veículo de informação entre a

mantenedora e os profissionais da educação. Os Programas, Projetos, ações implantadas e

implementadas, assim como, as discussões teóricas educacionais, tanto de âmbito estadual

quanto nacional, eram enfocadas naquele veículo de comunicação.

No cenário educacional brasileiro, as discussões à respeito do livro didático eram

contundentes, em especial a década de 70, com inúmeras críticas ao instrumento de trabalho

de centenas de professores. No final dos anos 70, estendendo aos 80, novas discussões

surgiram concernentes à quantidade e qualidade do material, uma tendência para a edificação

dos livros não-consumíveis.

A revista Educação em Mato Grosso, em circulação, provavelmente, entre os anos de

1978 e 1986, divulgou e opinou sobre as discussões concernentes ao livro didático. Este fato

viabiliza uma leitura possível de que o Estado não estava alheio às discussões circundantes ao

objeto. No Mato Grosso, a década de 70 viu a criação do Banco do Livro, assim como a

década de 1980 testemunhou a implementação dele nas escolas estaduais. A ação previa a

extinção do livro descartável, embora a questão da qualidade do livro fosse apenas uma figura

e a política assistencialista, o fundo da tela delineada pelo Banco do Livro. Tais políticas

também receberam destaques na revista, apimentando as discussões com a presença de artigos

que apoiavam ora o declínio, ora a ascensão da vida longa do livro didático. Nesse sentido, os

artigos escritos por técnicos da Secretaria ou professores da academia defendiam e/ ou

abominavam o livro durável.

Embora não tenham sido localizados documentos que evidenciassem a circulação dos

principais títulos de livros didáticos de língua portuguesa, no Ensino Fundamental, em

especial na 5ª série, o capítulo que trata da veiculação apresenta uma visão parcial dos livros

utilizados pelos professores. A partir dos sujeitos, tanto da primeira parte (questionário

preliminar) quanto da segunda parte da investigação (os entrevistados), identificou-se alguns

livros em circulação, nas escolas estaduais, mencionados recorrentemente. O capítulo

representa, ainda que parcialmente, como Mato Grosso se nutriu da produção editorial vinda

de outros estados. Abaixo apresento quadro com os títulos mais recorrentemente citados pelos

professores. Considero cada título como representante do seu período.

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Quadro 22: Livros didáticos de Língua portuguesa mais recorrentemente citados pelos professores Título Autor Editora Ano de

publicação Circulação no

Estado Estudo Dirigido Reinaldo Mathias Ática 1971 1971 a 1979

Reflexão & Ação em Língua Portuguesa

Marilda Prates Editora do Brasil 1984 1980 a 1985 1988 e 1999 2003 a 2005

Português: Linguagens

William Roberto Cerejas e Thereza Cochar Magalhães

Atual 2000 2000 a 2006

ALP – Análise, Linguagem e Pensamento.

Maria Fernandes Cócco e Marco Antônio Hailer.

FTD 1993 1997, 1999, 2000, 2001, 2006

Uma pluralidade de títulos foi mencionada pelos professores, no entanto, destaco,

aqui, os mais recorrentes. Estudo Dirigido, de Reinaldo Mathias, inaugura a década de 1970

para os professores-sujeitos aposentados. Os sujeitos apresentaram o título como utilizados

amplamente, por quase toda a década de 1970. Os dados evidenciaram que Mato Grosso não

fugiu à regra do cenário nacional, uma vez que SOARES (2001) aponta-o como um dos livros

mais utilizados pelas escolas brasileiras, no período em questão. Sem dúvida nenhuma,

Estudo Dirigido foi uma obra importante dentro do cenário que demarcou uma nova fase para

os manuais de língua portuguesa, os anos 70, vinculada a uma nova concepção de língua, de

leitura e a uma nova concepção do próprio professor. Este último necessita da ajuda do livro

didático para preparar as suas atividades diárias. Em contrapartida o livro se responsabiliza

pelo planejamento das aulas. Para sua época, ele foi a simbologia da modernidade.

A década de 1980, para os sujeitos da pesquisa, foi marcada pela presença do livro

Reflexão & Ação em Língua Portuguesa, de Marilda Prates. Um livro intermediário entre os

primeiros que inauguraram o livro moderno, as cores nesse material estão mais definidas, e os

mais recentes, o livro não-consumível. Representativos dos anos finais de 1990 e iniciais dos

anos 2000, estão paralelamente os títulos: Português: Linguagens, de William Roberto

Cerejas e Thereza Cochar Magalhães e ALP – Análise, Linguagem e Pensamento, de Maria

Fernandes Cócco e Marco Antônio Hailer.

Estudos de Lerner (2004) apontam que o ALP é um livro que mais se aproxima dos

critérios de excelência do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), no entanto, os

professores de língua portuguesa apresentam um percentual considerável de rejeição ao

material. Contrariando, parcialmente, essa afirmativa, os professores do Mato Grosso

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apontam com grande recorrência a adoção do título em questão, nas escolas estaduais, que

fizeram parte desta investigação. Na análise da entrevista do professor Ademar, o qual

utilizou e presenciou o uso do livro por seus pares, evidenciou grandes dificuldades para

adequar o material com a prática docente cotidiana. Os dados comprovam que ALP não

apresentou uma aprovação dos professores, sob a alegação de que estava fora da realidade do

Estado.

Em resumo, a articulação das fontes documentais escritas e das fontes orais evidenciou

uma pluralidade de títulos em circulação no Mato Grosso, com distintas concepções de

linguagem, convivendo em uma mesma época. A voz do sujeito revelou, ainda, com o

episódio ilustrado acima, que há um descompasso entre a lógica teórica acadêmica e oficial e

a lógica da prática da sala de aula. O professor não atua sozinho no contexto da sala, há um

misto de vozes influenciando a sua prática educativa, dentre elas a sua formação acadêmica,

os cursos de aperfeiçoamento, o próprio currículo oficial, mas nem sempre as teorias que

compõem o ser profissional transita livremente para a prática docente.

Os livros didáticos analisados, de uma maneira geral, são representativos da sua época,

apresentam marcas, características do seu presente histórico. Assim, o livro é um

objeto/documento que se caracteriza, por si só, como histórico-social-cultural-educativo e

didático, uma vez que viabiliza uma leitura mais próxima possível das representações que

constituíram as concepções de educação e da própria disciplina língua portuguesa. Variações

aconteceram de acordo com as necessidades surgidas em espaço-tempo determinado e em um

dado momento, que se constituíram em objetivos e concepções diversas, de acordo com o

contexto sócio-político e cultural em que se encontra inserido.

De uma maneira geral, é possível inferir pelas entrevistas, que o modo de pensar frente

a relevância do texto didático no contexto da escola, tanto para os professores da década de 70

quanto para os que estão em fase inicial da carreira, pode-se dizer assim, permanece de forma

semelhante.

Nesse sentido, aumenta mais a responsabilidade do professor ao propor a condução

das suas aulas via a utilização do livro didático. O professor sabendo das reais necessidades

dos alunos da inserção ao mundo escolarizado e leiturizado, precisa estar atento para

viabilizar oportunidades para além do livro didático, assim, o próprio professor deve tomar as

rédeas das suas aulas, ser autor, e, apenas deixar a revelia dos livros, a co-autoria do seu

planejamento. Assim, poder-se-á dizer, eu adotei o livro x ou y, caso contrário, permanecerá à

revelia do livro e acaba que o livro didático é que adota o professor e este último ficará à

margem da autonomia da sala de aula. Com isso, não se evidencia que se deva abolir esse

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material do espaço escolar, ao contrário, sabendo do real momento histórico que atravessa o

país, é preciso considerar o livro didático como recurso de informações, tanto para alunos

como professores, e explorá-lo de forma dinâmica e produtiva.

Hoje, a autonomia da sala de aula passa, em primeiro lugar, pela possibilidade de

escolha do livro didático. Assim, o professor pode conjugar concepções e instrumento

didático para melhor atender as reais necessidades tanto do professor quanto do aluno. O

processo de escolha do material didático pelo professor, aos poucos veio ganhando espaço no

cenário educacional. Gradativamente, os agentes políticos foram destinando méritos às

escolhas feitas pelo professor. Pelos depoimentos, ainda que, contraditórios em certos

momentos, pode-se notar um deslocamento de responsabilidade das mantenedoras para os

professores.

Com relação ao processo de escolha do livro didático pelo professor, as entrevistas

revelaram que o professor escolhe o livro de acordo com suas concepções de educação e de

língua, ou seja, tem a expectativa de que ele vá ao encontro das suas convicções. Porém,

quando o livro adotado contraria as suas concepções, há uma forte tendência para subadotar

outro título que melhor as contemple. Assim, o professor utiliza dois títulos para a suas aulas,

no entanto, assume a frente das atividades o material que deveria ser secundário.

O livro didático continua sendo uma fonte valiosa de informações tanto para

professores quanto para alunos. Independente da época, de 70 a 2000, os sujeitos

evidenciaram ter em casa uma biblioteca de livros didáticos, aqueles que têm afinidade, para

recorrer nos momentos em que precisa diversificar as atividades de sala. Eles funcionam

como fonte de apoio e pesquisa no momento do planejamento. No transcorrer da investigação

ficou evidente que os professores têm também um livro internalizado, ou seja, habituados a

trabalhar nos padrões do livro, reproduzem atividades semelhantes no momento em que

necessitam.

No transcorrer da análise das entrevistas foi possível inferir que tanto as teorias quanto

o próprio livro didático não são apropriados pelos professores de formas homogêneas. Há

uma heterogeneidade na receptividade dos textos didáticos, assim, há semelhanças e

divergências em seu uso. Essa diversidade de receptividade e de utilização acontece em

função das matizes variantes entre o contorno-mundo do texto e o contorno-mundo do leitor,

as quais determinam as leituras e releituras diferentes para cada contexto, em períodos

diferentes ou até mesmo em um mesmo período. Assim, a professora Neide quase sempre

apresenta depoimentos divergentes dos das suas colegas de profissão, Marly, Vânia e

Marlúcia. Talvez em razão de ter vivido em sua carreira docente experiências diversas e

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distintas dos outros sujeitos se apropriando com características diferentes tanto do livro

didático como da prática do ensino de língua portuguesa.

O trabalho com os sujeitos evidenciou que os professores dispensam uma atenção

acentuada à questão da leitura e, menos intensivamente, à produção de textos. Percebe-se uma

certa preocupação com o trabalho pedagógico com a finalidade de formação de leitores e

produtores de textos, embora transpareça uma certa aflição com os resultados apresentados

pelos discentes. Os professores, que estão em sala de aula, demonstraram insatisfação com as

atividades de leitura e escrita propostas pelos livros com vistas ao ler e escrever escolarizado.

Desejam atividades que proporcionem condições de letramento, ainda que demonstraram ter

dificuldades para efetivá-las na sala de aula. Assim, há uma leve tendência para que o

professor enxergue o livro didático como seu instrumento de apoio no trabalho docente e não

como um planejamento pronto e acabado para ser apenas colocado em prática.

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APÊNDICES

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APÊNDICE 1: QUESTIONÁRIO – PESQUISA PRELIMINAR

*QUESTIONÁRIO PARA PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO FUNDAMENTAL

Prezado (a) colega, solicito e agradeço sua colaboração ao meu trabalho de pesquisa. Luciana Data___/___/___ Cidade__________________________________________________________________________ Nome da escola ___________________________________________________________________ Nome do professor (a): _____________________________________________________________ 1- Em que ano você nasceu: _________________________________________________________ 2- Cite sua formação acadêmica: Ensino Médio: curso: ________________________________ano de conclusão: _______________ Ensino Superior: curso: _________________ ( ) completo / ano de conclusão_________________ Incompleto ( ) 3- Em que ano iniciou a docência?___________________________________________________________________ 4-Quantos anos você tem de experiência docente em Língua Portuguesa?_____________________ 5- No transcorrer da carreira profissional com que séries (ciclos,fases) já trabalhou a disciplina Língua Portuguesa? ___________________________________________________________________________ 6- Atualmente trabalha com: Ensino Fundamental 5ªsérie ( ) 6ªsérie( ) 7ªsérie( ) 8ªsérie( ) Ciclos ___ A) 2º ciclo 1ª fase( ) 2ª fase ( ) 3ª fase ( ) B) 3º ciclo 1ª fase( ) 2ª fase( ) 3ª fase ( )

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Ensino Médio 1ºano( ) 2ºano( ) 3ºano ( ) 7- Mencione livro(s) didático(s) de língua portuguesa: A)Usado(s )durante sua escolaridade; Ordem Título (livro) Autor Série/ciclo

em que usou

Ano em que usou

B)Usados com os seus alunos no início da carreira profissional: Ordem Título (livro) Autor Série/ciclo

em que usou

Ano em que usou

C)Usados, atualmente, com seus alunos: Ordem Título (livro) Autor Série/ciclo

em que usou

Ano em que usou

8- Com relação aos itens A e B, você preservou algum livro mencionado? Qual? ________________________________________________________________________________ * Este questionário fará parte da pesquisa: Concepções de linguagem, livros didáticos e práticas pedagógicas em Mato Grosso (1970 a 2000). Dissertação de Mestrado em Educação pela UFMT, turma 2005.

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APÊNDICE 2: ROTEIRO DE ENTREVISTA Qual o seu nome completo? Data de nascimento: Qual a sua formação acadêmica?Poderia falar um pouco sobre sua formação acadêmica?Quando começou a lecionar? Quanto tempo tem de experiência com a disciplina língua portuguesa? Durante sua carreira usou livros didáticos nas suas aulas? Fale um pouco sobre o uso do livro nas suas aulas. Por quem foram escolhidos os livros utilizados por você? Em caso de escolha: Quais foram os critérios de escolha? Lembra-se de algum livro usado no início da sua carreira? Fale um pouco sobre ele: sobre sua estrutura, a sua linguagem, os exercícios que trazia... Os alunos tinham os mesmos livros?As crianças gostavam de usá-lo, manuseá-lo? Como poderia ser evidenciado?Você gostava de usá-los? Por quê? Comente um pouco sobre os conteúdos que você considera mais importantes em língua portuguesa. Além do livro você usa/usava outros materiais? Quais? Você professor, considera que houve mudanças nos livros didáticos veiculados no início da sua carreira para os utilizados, nos últimos anos? Que tipos de mudanças ocorreram neles: (estrutural, na estrutura metodológica, nas concepções de aluno, de professor, de ensino...) Como você avalia a linguagem empregada pelos livros usados ultimamente? Com qual dos livros prefere trabalhar, os do início da sua carreira ou os mais recentes. Pó quê? O processo de escolha também alterou? Quais foram as mudanças? A maneira como você usava o livro, na fase inicial da sua carreira, é basicamente a mesma ou sofreu alterações? Quais foram essas alterações? Quais os fatores que viabilizaram a sua mudança de postura com relação ao uso do l.d. em suas aulas? No processo de escolha do livro: quais são os critérios que você estabelece para escolher o livro, o que você leva em consideração para escolher este ou aquele livro? Como avalia as atividades propostas? O livro didático contribui para a formação do aluno? Como avalia as atividades sugeridas de leitura, produção e análise lingüística nos livros didáticos de língua portuguesa?

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APÊNDICE 3: Análise parcial77 de prova de concurso público para professores no Estado de

Mato Grosso.

Encontrei no Arquivo Público provas de concurso público para professores que

enfocavam a questão do livro didático e o seu uso no contexto da sala de aula, assim

denominado: “CONCURSO PARA PROVIMENTO DO CARGO DE PROFESSOR

NORMALISTA EFETIVO DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA DO

ESTADO”. Essas provas eram compostas de questões objetivas e subjetivas, distribuídas em

cinco disciplinas: Fundamentos da Educação, Psicologia Educacional, Metodologia e Prática

do Ensino Primário, Sociologia da Educação e Português.

Chamou-me a atenção o número de questões destinadas ao livro didático. Esse fato

permite realizar uma leitura que, provavelmente, o Estado já vinha discutindo sobre o texto

didático. Relaciono algumas questões da prova78:

1.A professora A disse aos seus alunos: “Abram o livro de leitura à página 47 e leiam.” E os alunos passaram a ler uma lição sobre insetos. A professora B mostrou uma caixinha à classe e perguntou se alguém adivinhava o que havia dentro. Depois, abriu a caixinha e mostrou o besouro que havia dentro. Contou um caso engraçado sobre a caça daquele besouro e observou que no livro são contadas várias coisas sobre os insetos. Qual das duas professoras “deu uma razão ou propósito para a leitura?” a.Professôra A b.Professôra B 2.Ao preparar-se para usar a lição do livro didático, um professor “esqueceu-se” do item “d” abaixo. Qual é esse item? a Ler a lição b. Assinalar as idéias principais c. Ver se há erros e assinalá-los d. ------------------------------------ e. Planejar uma razão ou propósito para a lição f. Determinar as dificuldades que os alunos poderão encontrar g. Preparar material para a lição h. Planejar atividades associadas à lição 3.Os alunos de uma certa professora do 3º ano passam a maior parte do tempo de leitura em sala de aula, lendo em voz alta as lições dos livros didáticos. Essa professora dá importância àquilo que é mais importante ou mais freqüente na vida real? A Sim b. Não 4.Indique qual dos itens abaixo corresponde a uma das características do bom livro didático para crianças: a. Não leva em conta o nível de compreensão dos alunos b. Serve tanto para uma criança como para um aluno de Universidade c.Usa linguagem simples

77 É uma análise parcial porque me detenho apenas nas questões que propõem reflexões sobre o livro didático, objeto de estudo desta dissertação. 78 Optei por permanecer escrita de época nas questões transcritas das provas do concurso público.

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d. Tem o maior número possível de palavras pouco usadas ou de significado confuso. e. Apresenta assuntos mais simples numa linguagem complexa. (Mato Grosso, 1971)

Em um outro tipo de prova:

1. Finalmente, no ano de 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei que declarou livres o escravos do Brasil: “a Lei Áurea...” Eis um relato Histórico de um livro didático. O livro didático é uma das maneiras de fazer com a criança tenha uma experiência indireta com o fato. a) Sim b)Não 2.As professoras devem: Limitar-se a usar o livro didático a) Sim b) Não 3.As professoras devem: Usar o livro didático da melhor maneira, explorando todas as suas vantagens e, além disso, propor sugestão para melhorar cada vez mais a qualidade do livro a) Sim b)Não (Mato Grosso, 1971)

Uma terceira prova encontrada, denominada “Testes de Didática Geral”, apresenta

mais questões relacionadas com o livro didático e o uso em sala de aula:

IV- Um bom livro didático deve atender às seguintes exigências: 1------------------------------------------------------------------------ 2------------------------------------------------------------------------- 3------------------------------------------------------------------------- 4------------------------------------------------------------------------- (Mato Grosso, 1969)

Percebe-se que as discussões aconteciam. Em três tipos de provas, sete questões eram

direcionadas à Metodologia e Práticas de Ensino e abordavam a temática do livro didático. As

questões direcionadas às normalistas e aos professores secundaristas, via provas de concurso

público, denotam uma certa preocupação com relação ao uso do texto didático na sala de aula.

Não há uma negação do livro didático, ao contrário, há uma aprovação do seu uso para

conduzir as aulas, mas com a preocupação de utilizá-lo como um instrumento nas aulas. Em

uma das questões, fica evidente que o livro apresenta falhas, caracterizados como erros, e as

opções de respostas deixam a compreender que o professor tem a obrigação de planejar suas

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aulas, ainda que orientadas pelo livro, mas deve examiná-lo; as atividades do livro devem ser

criteriosamente observadas, e, quando apresentar falhas, devem ser reparadas.

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