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PÁG. - 3-6 ECO DE ANGOLA TRAJECTÓRIA DA NAÇÃO ANGOLANA II – POVOAMENTO PRÉ-COLONIAL PÁG. - 15 BARRA DO KWANZA RECORDAR ADÃO CANOA, DO UNIÃO 54 PÁG. - 7-8 LETRAS ACORDO ORTOGRÁFICO E MOEDA PÁG. - 13-14 GRAFITOS NA ALMA QUO VADIS CULTURA TRADICIONAL ANGOLANA? 12 a 25 de Outubro de 2015 | Nº 93 | Ano IV Director: José Luís Mendonça •Kz 50,00 ARTES P. 11 ´GAGOS´ FICÁMOS TOP DOS MAIS QUERIDOS 2015

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PÁG. - 3-6ECO DE ANGOLA

TRAJECTÓRIA DA NAÇÃO ANGOLANA

II – POVOAMENTO PRÉ-COLONIAL

PÁG. - 15BARRA DO KWANZA

RECORDAR ADÃO CANOA,DO UNIÃO 54

PÁG. - 7-8LETRAS

ACORDO ORTOGRÁFICO

E MOEDA

PÁG. - 13-14GRAFITOS NA ALMA

QUO VADIS

CULTURA TRADICIONALANGOLANA?

12 a 25 de Outubro de 2015 | Nº 93 | Ano IV Director: José Luís Mendonça •Kz 50,00

ARTES P. 11

´GAGOS´FICÁMOS

TOP DOS MAIS QUERIDOS 2015

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2 | ECO DE ANGOLA 12 a 25 de Outubro de 2015 | Cultura

Conselho de AdministraçãoAntónio José Ribeiro (presidente)

Administradores ExecutivosCatarina Vieira Dias CunhaEduardo MinvuFilomeno ManaçasSara FialhoMateus Francisco João dos Santos JúniorJosé Alberto Domingos

Administradores Não ExecutivosVictor Silva

Mateus Morais de Brito Júnior

Propriedade

Sede: Rua Rainha Ginga, 12-26 | Caixa Postal1312 - Luanda Redacção 222 02 01 74 |Telefone geral (PBX):222 333 344Fax: 222 336 073 | Telegramas: ProangolaE-mail: [email protected]

CulturaJornal Angolano de Artes e Letras

Um jornal comprometido com a dimensão cultural do desenvolvimento

Nº 93 /Ano IV/12 a 25 de Outubro de 2015

E-mail: [email protected]: www.jornalcultura.sapo.aoTelefone e Fax: 222 01 82 84

CONSELHO EDITORIAL:

Director e Editor-chefe: José Luís MendonçaSecretária: Ilda RosaAssistente Editorial: Coimbra Adolfo (Matadi Makola)Fotografia: Paulino Damião (Cinquenta)Arte e Paginação: Sandu Caleia, Jorge de Sousa, AlbertoBumba e Sócrates SimónsEdição online: Adão de Sousa

Colaboram neste número:Angola: Armindo Jaime Gomes (Arjago), Filipe Zau, Imannida Silva, Jonuel Gonçalves, Lito Silva, Mário Araújo, MárioPereira Moçambique: Amosse MucavelePortugal: Sérgio O. Sá

Normas editoriaisO jornal Cultura aceita para publicação artigos literário-científicose recensões bibliográficas. Os manuscritos apresentados devemser originais. Todos os autores que apresentarem os seus artigospara publicação ao jornal Cultura assumem o compromisso denão apresentar esses mesmos artigos a outros órgãos. Apósanálise do Conselho Editorial, as contribuições serão avaliadas e,em caso de não publicação, os pareceres serão comunicadosaos autores.

Os conteúdos publicados, bem como a referência a figuras ougráficos já publicados, são da exclusiva responsabilidade dosseus autores.

Os textos devem ser formatados em fonte Times New Roman,corpo 12, e margens não inferiores a 3 cm. Os quadros, gráficose figuras devem, ainda, ser enviados no formato em que foramelaborados e também num ficheiro separado.

FOTOEMAS de Amosse Mucavele (Moçambique)

ALMA DO PRATOEntre o vazio do prato e ageografia das barrigascheias transformadas emdepósitos das possibilida-des de interpretar a voz dotempo que ilumina a nossafome.Reside uma luz, veloz,acende nas palmas da es-perança, limpa a penum-bra que cobre o olhar silenciado pelo desejo , onde o próximo torna - semais próximo.Os sinos da procura, tocam em surdina em cada olhar dos meninos. Ei-los de novo na conquista do tempo que não cabe na alma do prato.NO RIO

1No rio o tempo não precisa de relógiosseu curso permanece vaziono eterno jogral de sonhos ao relento2Nenhuma lágrima cabeneste olhar alegrequando nem mesmo o solconsegue tatuar a alma das mulheresNOTÍCIAS DE UM SORRISOQuando olho para esta imagem, com uma satisfação de dominar umabraço pela magia de um sorriso, o olhar de Charles Uqueio traduz o quequer se dito e o que quer ser conhecido. Eis a fonte da realização total e dagigantesca descoberta deste povomoçambicano, Uqueio reflecte asvárias linguagens do tempo paraexpressar uma realidade plural, in-terrogante, desta época de regres-sos, dos movimentos atemporais.Olhamos com os olhos prostra-dos na equação da "história do fu-turo" ou na multiplicação do "futuro da história".

Fotos: Charles Uqueio

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Consideramos povoamento pré-co-lonial o processo de reassentamento,essencialmente, dos povos da falaBantu dos séc. XVI a XVIII, dentreBayaka ou Imbangala, Ovimbundu,Cokwe, etc., cujo processo se atrelouàs dinâmicas mercantilistas ociden-tais com consequências que propor-cionaram a evolução socio-política si-multânea, por um lado ocidental aolongo do litoral, nomeadamente,Luanda, Benguela, Namibe e por outrotradicional endógena dando azo aafricanistas como N. Gonzaga ao afir-mar que teria acontecido “[…] nãoapenas ligeiramente ulterior […] aodesembarque […] de Diogo Cão, mas,algo posteriormente à radicação dumsem número de núcleos portuguesescolonizadores” (s/d:35).Povoamento CokweO povoamento em causa aparece nocontexto de reassentamento comocorrente dissidente Lunda dos Tum-bungu (SÁ, 1996), também conhecidapor Nganda de povos de Kazembe cujafragmentação das estruturas e siste-mas de parentesco do séc. XVII permi-tiu a consolidação das instituições so-cio-políticas do Viye e desta evolução,o reordenamento sociocultural de An-gola actual conheceu considerávelprogressão com a emersão de entida-des políticas em detrimento de outras. A narrativa começa com a decepçãode Cinguli, título político-militar per-pétuo (MILLER, 1995) Lunda, tal co-mo ficou a Musumba, com a novidadeda intromissão de Cimbinda1 Ilungade origem Luba, no sistema políticoesposando Lueji na condição de her-deira do lukano, o símbolo do poderLunda (SÁ, 1996). Revoltado Cinguli(MILLER, 1995), em função de irmãoprimogénito daquela, instabilizou agovernação de sua irmã kasule aban-donando o país com inúmeros segui-dores. A decepção foi abrangente aosirmãos uterinos. Assim, Mbumba Ci-

nyama2 errou pelo sul liderando achefatura que terminou com a criaçãode um povo que ficou com o etnónimode Cokwe. Na mesma perspectiva eem condições similares, Ndumba waTembwe, atravessou os rios Cikapa3 ,Kwangu, Kwandu, etc. (SÁ 1996),emergindo as correntes sociocultu-rais Ngangela, Lwena do Alto Zambe-ze, Lucaze4 , Mbunda, Mwela, Mpengo,Katolo, etc.Por seu turno, enquanto caçador-guerreiro, Cinguli atravessou rios erios: Lwi, Kasay, Lonyi, Kwanza, Kam-weji, Luhembe5 , Kaximo, Lwanda, Ci-humbo, Sombo, Lwaximu, fazendoemergir as estruturas políticas de Ka-sanji mas, foi no Viye onde municiou oseu comando através da adopção deovilombo, singular de ocilombo, omesmo que kilombo (MILLER, 1995)na língua kimbundu, designação dequartéis, acampamentos militares nalíngua umbundu, que a partir do séc.XVII, os portugueses rotularam de “Ja-gas”, aos ovilombola, o mesmo quesoldados-comandos dos ovilombocom os quais, interrompendo Kulem-be, influenciou a evolução dos pode-res políticos da Matamba, Pende,Khongo, Mona Kimbundu de Itengo,Songo, Kisama, Ndembu, Kalandula,Kabuku ka Ndonga, Holo, Mwa Ndonji,Kibala, Sele, Wambu, planalto de Ben-guela, Matamã, Kakonda, etc., (SÁ1996) dando nova paisagem civiliza-cional do que viria ser Angola.Povoamento MbangalaAcusados de antropófagos (PAR-REIRA, 1998) os “Jagas”, corruptelaocidental de Yaka, plural de Bayaka,do verbo okuyaka que em línguas um-bundu e kikhongo significa combater,guerrear, conflituar, pelo que a aplica-ção de tal etnónimo foi para os portu-gueses um factor mais ideológico quede identidade (VANSINA, 1966), sen-do um problema depreciativo nas másrelações com africanos que os comba-tiam, enquanto organizações nóma-das de índole socio-político militar,vocacionaram-se a guerrilhas comtécnicas de rapinas, razias e saques(VANSINA, 2007). Partícipes activosdos êxitos de Njinga6 a Mbande daMatamba (séc. XVII), chamaram-lhesassim a partir da segunda metade doséc. XVI (apud Andrew Battell) pois oseu protagonismo inicialmente des-provido de lutas pelo poder, teve in-fluências políticas sem precedentesmas os portugueses lidaram-se comeles como inimigos (MILLER, 1973) ealiados na guerra contra Ambundu e

parceiros ao mesmo tempo no merca-do de escravos e como intermediáriosnão obstante à imprevisibilidade quelhes era característico.Vindos do leste como afirma J. Van-sina (1966:651-653) ao invadir oKhongo de Mpangu-a-Nimi LukeniLwa Mvemba (1568-1574), o factoajuda a identificar o nó da encruzilha-da entre a realidade Lunda/Luba e olitoral Atlântico (MILLER, 1995), a de-signação Bayaka, Yaka ou “Jaga” Ca-

dornega (1972), evoluiu a etnónimoque identificava os africanos pré-colo-niais de origens diversas (CARVALHO,1898) com características diferencia-das, organizados em torno de objecti-vos socio-económicos concretos fa-zendo guerras.Foram as descrições de AndrewBattell do séc. XVI (CARVALHO,1898), que permitiram fazer ligaçõesidentitárias entre os “Jagas” e os Im-bangala originários do Leste em pleno

ECO DE ANGOLA| 3Cultura | 12 a 25 de Outubro de 2015

Rainha Ginga

TRAJECTÓRIA DA NAÇÃO ANGOLANACONTRIBUIÇÃO SINTÉTICA PARA O 40º ANIVERSÁRIO DA INDEPENDÊNCIA

I – DAS COMUNIDADES PROTO-HISTÓRICAS AO POVOAMENTO BANTU

ARMINDO JAIME GOMES(ARJAGO)

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séc. XIX. No entanto os “Jagas” das civi-lizações do séc. XIX do baixo Kasanjiao longo do vale do Kwangu eram re-ferenciados como Imbangala (HEINT-ZE, 2007), portanto, o mesmo falar decorrentes Cinguli das Lunda que che-garam no Khongo pela travessia do rioKwanza através de Kulembe7 e não doKwangu como seria de esperar (MIL-LER, 1995). Em suma a extinção dosditos “Jagas” quer em termos de dinâ-micas, quer do ponto de vista da orga-nização dos ovilombo, fez-se coincidircom a consolidação das entidades so-cio-políticas do planalto de Angola(cfr., op. cit.).Povoamento Umbundu8A tradição Kulembe, designação deum país segundo Miller (1995:149-173), toponímia derivada do verbookulembeleka, o mesmo que consolarem umbundu, de acordo com Niane(2010:645) estava “localizado ao Sulde Libolo, que talvez tenha sido umadas primeiras organizações estaduaisOvimbundu”, cuja realidade sociopo-lítica destes povos se tenha configura-do no reassentamento de cinco paísescom estados característicos e conse-quentes satélites do planalto nomea-damente Mbalundu, Ekovongo doViye, Wambu, Ndulu e Ngalangi. Estesresultaram do desenvolvimento dasforças produtivas tributárias e do im-pacto da colisão mercantil entre euro-peus e Bayaka da corrente Cinguli, dosquais emergiram os povos da fala um-bundu (MALUMBU, 2005). Autonomi-zaram-se em consequência do declí-nio de Kulembe ora fragmentado se-gundo Miller (1995:167) “em muitospequenos chefados guerreiros lidera-dos por chefes de kilombo” cujas ori-gens explicadas são de lideranças dechefatura com títulos políticos “Ja-

gas”, patriarcas caçador-guerreiro,detentor de meios metalúrgicos (NIA-NE, 2010). Entre outros actores, se co-nhecem as correstes do título perpé-tuo Cinguli, Wambu Kalunga, Kateku-lu Mengu (V/A, 1963), etc., pois na óp-tica de Miller (1995:42), o reassenta-mento de falantes da língua umbundubaseou-se no “princípio de considerara descendência e herança através demulheres e o facto de deixar a maiorparte das formas de autoridade nasmãos dos homens através de celebra-ções de alianças”. Este princípio ca-racterizou o assentamento Bantu9 ,razão das migrações Cinguli10 mas, osplanálticos Ovimbundu precisaramde instituições uterinas songo e patri-lineares nkhumbi, no caso do Viye epatrilineares Ambundu e Bayaka, nocaso de Ngalangi11 e Kakonda en-quanto todos cruzavam com os valo-res ocidentais para a criação de enti-dades politicamente consolidadas.O país Mbalundu12 Da emersão das instituições socio-políticas consta que Mbalundu (SAN-JUKILA, 1997), topónimo evoluído aetnónimo de elundu, singular de alun-du, valundu significando montanhas,foi da fundação de um patriarca Ku-lembe de chefaturas Kibala, dado porKajinga (MILLHER, 1995) [a] Mbulu(SANJUKILA, 1997) da socioculturambundu de Ambundu (COELHO,2010). Dissidente de guerras de resis-tência à penetração europeia do sécu-lo XVII (V/A, 1963) ocorridas ao longodo médio Kwanza (DUARTE, 1975) foicontemporânea de Ngola a Kilwanjikya Samba. A figura em si tem sido so-negada pela tradição e substituída portítulo de Katyavala a quem se atribui omérito da emersão socio-política deHalavala (SANJUKILA, 1997), tido porberço do Bailundo. Entretanto, tal co-

mo descreve Miller (1995:98) Kajingaa Mbulu e Katyavala, um depois do ou-tro, lideraram chefaturas com descen-dência mbundu da margem direita domédio Kwanza e do baixo de Kasanji.O país Viye13do EkovongoO reordenamento das estruturassociopolíticas do Viye, capitalizadona Ombala Ekovongo, tinha a ver como desenvolvimento das forças produ-tivas tributárias do povo nkhumbicujas consequências provocaram ci-sões políticas, à semelhança de Mba-lundu, Civava14 Ndalu (MALUMBU,2005), patriarca conhecido por Vin-golombada, liderou o êxodo de umafranja populacional ao encontro deoutras motivações.Para a sua hegemonia institucionaladoptou os valores patriarcais ngan-gela e lwimbi fazendo emergir o Eko-vongo que para efeitos, implicou poralianças as socioculturas periféricassongo e cokwe, adstrita aos Ambundu,(REDINHA, 1970) tal como caracteri-za B. Duarte (1975:60). Apesar de tersido de origem nkhumbi há narrativasque lhe atribuem a identidade Lunda enoutras, admitem que seja parte da ci-vilização Zumbi.Na prática, ao contrário do que temsido em história, em que a transiçãode mera chefatura ao estado bem es-truturado obedece a celebração dealianças entre linhagens matrilinea-res e patrilineares (MILLER, 1995) co-mo forma de aquisição de reforços, oprogresso sociopolítico do Viye exigiualiança entre sistemas patriarcais semter produzido danos institucionais.Tratou-se da presença de correntesCinguli de origem Lunda que trouxe-ram ao Ekovongo um conjunto de va-lores socio-religiosos relativos a so-ciedades secretas segundo E. Santos(1973:7-27) e J. Miller (1995:51)

adoptados por entidades Bayaka quefundaram o estado do baixo Kasanji.Não obstante ao grau de influênciado Viye no contexto de reassentamen-to de Angola pré-colonial por lhe ca-ber maior abertura às mudanças, per-mitindo a criação de uma área socioe-conómica intermédia privilegiadacom características agro-pecuáriasresultantes do cruzamento entre pas-tores do sul, agricultores do norte eartesãos do leste, paradoxalmente àsua envergadura traduzida no domí-nio socioeconómico, predomínio de-mográfico, experiência de guerras derazia e saque, prestígio diplomático eboas relações internacionais, a opçãoao mercado sertanejo internacionaldos séc. XVII, XVIII e XIX, permitiu apenetração concorrencial de árabes,norte-americanos, escoceses, cana-denses, húngaros, brasileiros consti-tuintes de núcleos familiares ao pontode alterar a paisagem demográfica eracial do planalto.Tal como os Imbangala, que E. San-tos (MCMLXVI: 30) garante serem“um povo amalgamado com gentes deBungos (Lundas) do Libolo e da «Jin-ga»” (VANSINA, 1966), referindo-seaos Ambundu, segundo Heintze(2004:46), paralelamente ao Mbalun-du e Wambu, sem perder de vista a po-sição estratégica na geopolítica inter-nacional de Pungu a Ndongo, Ambakae Kambambe (cfr., VANCINA, 2007), oViye foi o centro de difusão estratégi-ca do mercado sertanejo pré-colonialbem posicionado servindo de entre-posto comercial internacional comoelucida Heintze (Íd:66) ao interligaras rotas caravaneiras euro-planáltico-árabes do Atlântico, Grandes Lagos,Índico e vice-versa (Íd:67). Além de Imbangala, Songo, Cokwe,Lwimbi, Ngangela, Lunda, Nkhumbi,Luba, o reassentamento do planaltoconheceu a presença de entidades deorigem Zulu, Matembele, Árabo-swa-hili do Zanzibar, Zimbi, escravo e li-bertos centro-africanos, etc. Outros-sim, não se pode falar do processo mi-gracional de Mbalundu e Viye sem asdinâmicas do mercado do séc. XVII aXIX, da mesma maneira que não se po-de falar dos Estados planálticos semque, pela mesma razão, se fale da coló-nia presidiária de Benguela e dos en-trepostos da Catumbela e baixo de Ka-sanji15 dos Imbangala.Na perspectiva de Heintze (2004:261-297), para a aquisição de escravos, mar-fim, cera e látex, em troca de pacotilha vá-ria como descreve Yambo (1997:11),aderiram à região planáltica pombeirosde toda ordem e raça que no final do séc.XVIII, “até 1798 mais de duzentos serta-nejos [estrangeiros, autóctones e adopti-vos] estavam dispersos pela região doEkovongo (Yambo, 1997:12) e no iníciodo séc. XIX a cifra tinha se triplicado.O país Wambu16 O reassentamento do Wambu tem aver com o patriarca Wambu Kalungadescendente mbangala de Kasanji(VANSINA, 1963), originário de enti-

4 | ECO DE ANGOLA 12 a 25 de Outubro de 2015 | Cultura

União Sagrada Esperança do Rangel

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ECO DE ANGOLA| 5Cultura | 12 a 25 de Outubro de 2015

dades políticas sele emergidas de Ku-lembe. A sua trajectória é reafirmadapor E. Santos, (MCMLXVI:30) ao afir-mar que liderou chefatura “de um nu-meroso grupo de gentes que mais tar-de receberam o nome de Jingas” falan-tes da língua kimbundu do planalto daMatamba. Na sua progressão institu-cional apoderou-se de uma localidadeque em tempos idos, chamou-seovambo, plural de ymbo, o mesmo quealdeias. Por esta razão a tradição justi-fica que Wambu tenha evoluído de an-tropónimo a etnónimo por corrupçãoo topónimo Wambu como descritopor V. Coelho (2010:248).Noutras narrativas Wambu Kalun-ga é caracterizado como sendo um “Ja-ga” temido de origem Lunda da cor-rente difusionista Cinguli (HEINTZE,2007), vindo do vale do rio Kuvu queacampando no planalto por dissidên-cia, fundou Mbola, entre pedras co-nhecidas por Nganda la Kawe, a 7 kmao norte da Kahala17 mas, é Samisasaa 18 km ao norte do Huambo onde seencontra a jazida dos Akokoto da suadinastia, razão porque se consideraOmbala do Wambu. Independente-mente das versões, sele ou cimbanga-la para a formação política do Wam-bu, o importante é dizer o mesmo porpalavras diferentes pois Sele está li-gado a Kibala, Kulembe, Libolo, Ma-tamba e mbangala aos Lunda, Viye,Bayaka, Matamba, Kasanji sem dis-tâncias das entidades políticas Am-bundu (REDINHA, 1975).O país Ngalangi18 Uma tradição bastante popular re-colhida por L. Keiling (1934) eviden-cia melhor a perspectiva do parentes-co das entidades socio-políticas doplanalto partindo de (CHILD, 1964)Ngalangi que se tornou entidade polí-tica umbundu com a génese da chefa-tura interpretada na perspectiva cós-mica do fórum etnolinguístico Bantu.Trata-se da figura cósmica de Fetique foi pai de três filhos; Ngola, entãoprimogénito de Coya19 , Ngalangi eViye, dos três casamentos poligínicoscom progenitora Coya, Civim20 eTembo. A narrativa diz que a relação

com Coya resultou de uma tentativade caça de hipopótamos para o consu-mo que Feti efectuara junto à nascentedo Kunene [área correspondente comas localidades de Kalukembe, Cipin-du21 , Kahala, Galange22 , Kakonda Ci-pindu] e assistiu emergir dela a mu-lher que chamou de Coya, do verbookwoya, na língua umbundu desig-nando enfeite, ornato, perfeição. Co-mo solução encontrada das desaven-ças entre o primogénito e a sua ma-drasta Cinvim, Feti partiu com ele pelamata afora tendo se acomodado aolongo da margem esquerda do médioKwanza, o mesmo que Kwanja do ver-bo okuliyanja, distender em umbun-du, e lá fundou a nação (a)mbundu. Os demais descendentes não fica-ram por terem errado pelo planalto aoleste onde fundaram as nações(ovi)mbundu (MALUMBU, 2005). Osegundogénito dado por Ngalangi tor-nou-se pai de caçadores-guerreirosdo sul e a kasule conhecida por Viye,do verbo okwya, o mesmo que vir, tor-nou-se mãe dos planálticos ágro-pas-tores (CHILD, 1964).Na narrativa depreende-se haveruma relação na descendência dos falan-tes de línguas (u)mbundu e (ki)mbun-du, correspondendo com a análise deMiller (cfr., op. cit.), deixando explícita aideia de que o médio Kwanza serviu deelo de (des)construção triangulada denações ovi(a)mbundu, pois diz Miller(1995:81) que de acordo com os an-ciãos do reino da Kibala, no planalto dosOvimbundu para lá do rio Longa, osquais são descendentes de alguns dosportadores de títulos Ngola que maislonge foram nesta diáspora, vários títu-los teriam atravessado o Kwanza quaseao mesmo tempo.Dos filhos de Feti, a narrativa esta-belece alianças do mesmo sistema queé o patriarcato, justificando a relaçãoentre falantes de línguas kimbundu eumbundu particularmente. Por exem-plo, diz o autor citado (cfr. op. cit.) que“alguns títulos isolados, descendentesdo Ngola a Kilwanji podem ter pene-trado mais para o sul, chegando aosHanya [referindo-se ao planalto deBenguela] que viviam nas montanhas

acima do que foi depois a cidade por-tuguesa de Benguela”. Esta região,confinada entre as áreas adjacentesao litoral e faixa montanhosa dasprovíncias de Benguela e Kwanza-sul, caracteriza-se por constante ne-voeiro, cujo fenómeno em umbunduse designa por «mbundu», o mesmoque nevoeiro, plural de ambundu,ovimbundu, olombundu.As dinâmicas mais conhecidas fluí-ram da faixa direita à esquerda do mé-dio Kwanza (MILLER, 1995) mas ga-rante Silva (1997:14) queo kilombo(instituição política e militar) sendocorrente entre Ovimbundu nas terrasdo planalto central, da Angola actual,chegou ao Ndongo23 (reino fixado en-tre as margens do Kwanza, Dande eBengo e ao tempo sob o comando Ngo-la) pela mão dos Imbangala, em plenoséculo XVII, e ai se instalou.Há um incontestável movimento dereassentamento pré-colonial do norteao sul do vale do Kwanza e vice-versaencruzilhando-se pelo planalto comtítulo cósmico de Feti, encarnado nafigura patriarcal, anagrama resultan-te do verbo da língua umbundu “oku-fetika” o mesmo que começar ou efeti-kilo, significando génese [da humani-dade ntu]. Aparece na tradição para ainterpretação literal da travessia dokilombo em kimbundu, o mesmo queocilombo em umbundu, descrito porMiller (cfr. op. cit.) e Silva (cfr. op. cit.).Na relação poligínica com Coya, Civime Tembo, há uma perspectiva trinomi-nal da expansão dos povos de Angolasustentada pelo bem, o mal e o tempodepreendendo-se os nós das relaçõesentre: os binómios tempo/espaço;conflitos/migração; os trinómios nor-te/centro/sul;terra/fertilidade/água. Ngalangi éFeti, de onde tudo começou e os de-mais conheceram trajectórias paraemergir dispersando os valores detudo que hoje é paisagem sociocultu-ral da República de Angola tal comodescreve Naine (2010:645) à seme-lhança dos sistemas de parentesco,político consuetudinário, religioso esocio-económico.O país Ndulu24Na génese do estado do Ndulu, re-ferencia-se o título «Jaga» de Kateku-lu Mengu um cimbangala, contempo-râneo de Njinga a Mbande, desgasta-do das correntes Cingulu sendo incur-sionista militar contra os ibéricos aolongo do corredor médio Kwanza(PELISSIER, 1997) e no Khongo. Ocerto é que o estado Ndulu passou adesignar-se assim memorizando osexto patriarca que do golpe consu-mado por ele resultou o reassenta-mento faseado de chefaturas ambun-du de Mpungu a Ndongo (COELHO,2010). Entretanto, a tradição da ex-pansão do povo Ndulu faz menção auma aristocracia Libolo liderada porNgonge25 , errante das margens do rioKutatu, pela rota de Kibala, Waku-kungu, Mungu e seguindo até Civaulo26 .

Em suma, Libolo aparece na tradi-ção Ndulu, tal como apareceu mban-gala, dando crédito do reassentamen-to pré-colonial de raiz ntu de emer-são de entidades políticas ovimbun-du erguidas no espaço socioculturalsongo por chefaturas ambundu deorigem Kulembe com influência cok-we, nkhumbi27 , lwimbi e demais en-tidades ngangela.Ainda sobre o assunto, J. C. Miller,(1995:90) esclarece que “os antigosmbundu provavelmente usavam o no-me Libolo apenas para as regiões aosul do Kwanza onde os reis hango ti-nham as suas capitais”, fazendo-secoincidir com a região geográfica daemersão triangulada por instituiçõesde índole mbundu, compreendendo omédio Kwanza, as nascentes de Lon-ga, Kunynga, Kutatu e o vale do Keve,áreas hodiernas de Calulu, Quienha,Quibala, Waku-kungu, Andulo, Mun-go, Mussende, Nharêa. E, por fim, relativamente à encruzi-lhada socio-política do planalto, o re-ferenciado autor enfatiza (Íd.:91) queLibolo “foi um dos mais antigos dosgrandes estados que surgiram entrepovos de língua kimbundu. De igualinterpretação, Mpungu a Ndongo fa-zia parte de uma região que J. Miller(Íd.:199) classificou como terras “ro-deadas por um anel de novos estadosmbundu, fundados em meados do sé-culo dezassete por titulares Lunda quechefiavam bandos de Imbangala”. O au-tor em epigrafe caracteriza os estadossatélites mbundu na sua natureza am-bígua não separando os ovi(a)mbunduque nesta fase fundamentavam-se empé de igualdade.Não obstante serem entidades dasvariadas “origens”, as igrejas protes-tantes capitalizadas no meio ruralcom o centro no Dôndi (1974-1915),protagonizaram a uniformização dalíngua umbundu, criando um colégiode intérpretes para a unificação dotexto formal. O mesmo não aconteceucom os falantes da variante hanya porcausa da tardia evangelização destaregião limitada pelos municípios deBocóio, Cubal, Caimbambo, Chongo-roi, actual província de Benguela.Povoamento MbaliA terminologia «mbali» apareceuno cenário etnolinguístico angolanopor volta de 1850, designando umacomunidade que servia as actividadescoloniais de toda espécie incluindo as-salariadas ao mesmo tempo que erautilizada para o fomento povoacionalda região que compreende as provín-cias do Namibe, Huíla e Benguela (GO-MES, 1995), enquanto reserva demão-de-obra barata ao mesmo tempoque era utilizada como ponta de lançapara abrir novas rotas territoriais deíndole comercial. Nas circunstânciasem que é descrita, a terminologia refe-re-se a qualificação sociocultural(CARDOSO, 1963), tendo em conta assuas especificidades, pois a fixaçãodesta comunidade contribuiu para a

União Kiela do Sambizanga

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edificação de um novo modelo no pai-nel demográfico da região; - os Kimba-li, Ovimbali, Quimbaris (GOMES,1995), plural de mbali, ocimbali28 .Formalmente, este povoamento te-ve início com a publicação da Portariade 5 de Novembro de 1839, com asmedidas de protecção à colonizaçãoque Portugal havia tomado (CASTE-LO, 1998 & NASCIMENTO, 1910), con-cedendo passagens gratuitas aos po-bres camponeses católicos que quises-sem emigrar à Angola sendo possível apartir de 1840 (TORRES, 1950) comcontingentes esclavagistas portugue-ses expulsos do Brasil (s/a, 1974) paraa baia do Namibe (1848/1850). Alémde escravos do Brasil, parte do con-tingente acima descrito, comunida-des adicionais desembarcaram deAlgarve em 1861.Àquelas comunidades adicionou-se a primeira mão-de-obra barata deorigem nativa, na condição de escra-vos e libertos Bakhongo de Luanda,Soyo e Cabinda que aderiu o Namibeparticularmente entre 1836 e 1839, afim de sustentar a actividade relativaao exercício do mar (CARDOSO,1963) tal como aconteceu na Catum-bela. Em consequência destas e dou-tras originalidades africanas, commaior incidência aos Ovimbundu, es-cravos regressados do Brasil e liber-tos, a partir de 1839 emergiu uma co-munidade que passou a chamar-sembali (GOMES, 1995), querendo di-zer em muitas línguas nacionais,dois, dúbio, crioulo, ambíguo, nãoidentificado. Caracteriza a sociocul-tura de miscigenação afro-africana. Ahegemonia dos Ovimbundu nos ele-mentos da composição mbali justifi-cou-se pela característica capacidadede adaptação e a afeição pela agricul-tura que dispunham.Enquanto socioculturas atípicasconstituindo-se a partir do cruzamen-to de valores endógenos e exógenos,no contexto de reassentamento de An-gola, a questão das particularidadesdo povoamento mbali do Namibe(CARDOSO, 1963), ovimbali do Dom-be-Grande e de Catumbela (GOMES,1995) é abordada de forma acaute-

lada pois há tempo que formaramcomunidades quase homogéneascom os seus sistemas socio-econó-micos, dialectos, hábitos, usos e cos-tumes: em breve, duas culturas ‘au-tónomas’ em locais geográficas dis-tintas com os mesmos etnónimosque as particularizavam. À semelhança do Dombe-Grande eCatumbela, (NETO, 1994) os “Mbali(Quimbares) mais antigos de Moçâ-medes eram descendentes dos anti-gos escravos e libertos do século XIX etambém de negros livres aí estabeleci-dos”. Em função do movimento aboli-cionista internacional da época(183671856), Portugal forçou-se a to-mar medidas, segundo M. Torres,(1950:443) “ditas moderadas até queno decurso abrangido pelos anos de1860 a 1870 a Lei de 29 de Abril e o re-gulamento de Dezembro do mesmoano extinguiram [...] a condição servile regularam os contratos para a pres-tação de trabalho” e paulatinamenteos escravos foram obtendo a liberda-de dos seus patrões e das autoridadescoloniais passando ao regime simula-do de contratos.No início da colonização efectivaocorrida na segunda década do séc.XX (CASTELO, 1998 & NASCIMEN-TO, 1910), a composição na impor-tância da miscigenação mbali par-tindo de registos estatísticos fune-rários (CARDOSO, 1963), distribuí-da ao logo do caminho ferroviáriodo Namibe e na faixa litorânea cen-tro e sul de Angola, incluía cerca de40% dos valores Ambundu, 29% deOvimbundu, enquanto 13% cabiamaos Vanyaneka e Nkhumbi, 4% aosOvambo, 4% dos Valwimbi, 3% aosBakhongo, 1% aos Vahelelo, 0,5%aos Balunda e Cokwe, 0,1% aos gru-pos do extremo sudoeste de Angola.Pelo seu carácter socioculturaldúbio, os Kimbali, Ovimbali, Quim-baris não resistiram o impacto daguerra civil pós-independência edas estratégias do I Congresso doMPLA de 1977, tendo se diluídosnoutras socioculturas durante asdécadas de 1980 e 1990.

Povoamento da CatumbelaFundado por Decreto régio portu-guês de 1836, o reassentamento colo-nial de Catumbela foi feito por fases,inicialmente até 1846 (DELGADO,1944), em sobreposição de povoaçõesndombe do grupo etnolinguístico He-lelo assentados entre os vales do Ku-pololo e de Catumbela, à semelhançado que aconteceu com o presídio deBenguela, sobreposto na povoação deCingongo29 (cfr., op. cit.) das mesmascomunidades. Respondeu às dinâmi-cas do mercado sertanejo imposto pormercadores Ovimbundu, Vangangelae seus aliados do interior de África(HEINTZE, 2004), por não terem con-seguido atravessar o vale da Katom-bela com mercadorias forçando aclientela europeia de Benguela aacampar ao longo da margem esquer-da devido a distância que não permi-tia o regresso no mesmo dia.Desta maneira a localidade ressen-tiu com o aumento gradual da popula-ção, pelo menos, até 1856 com a ade-rência de Ovimbundu do planalto deBenguela; Vaciyaka30 , Vahanya31 , Va-sele e Vacisanji32 (REDINHA, 1970),assim como os Vakhumbi do sul, Van-dombe, assim como escravos e liber-tos de todas origens, Bakhongo origi-nários de Luanda, Soyo e Cabinda, ex-esclavagistas brasileiros, etc.Com a decadência gradual do mer-cado de coconote, azeite de palma, ur-zela, goma e couros secos, produtoscaracterísticos do mercado pós-escla-vagista, entre 1874 e 1886 (SILVA,1994) a população urbana da Catum-bela passou a crescer devido à concor-rência de marfim, cera e látex, sendoeste do interior de África o mais pro-curado (HEINTZE, 2004) entre as per-mutas e exportações do séc. XIX(YAMBO, 1997 & HEINTZE, 2004).O comércio crescente de látex (SIL-VA, 1994) engrandeceu o reassenta-mento africano do planalto ao litoralcentro de Angola valendo à Catumbela(DELGADO, 1945) o progresso socio-económico e político de 1886 a 1900,pelo que sob Decreto de 5 de Junho de1905, a povoação ascendeu à catego-ria de vila tendo promovido rivalida-des com Benguela.Povoamento da HuílaCom os primeiros sinais de povoa-mento europeu conhecidos na região,por volta de 1880, pertencentes aosbóeres, o reassentamento colonial doLubango, inaugurou-se com famíliasmadeirenses particularmente campo-nesas (CASTELO, 1998), pobres, cató-licas, com passagens subsidiadas peloestado português. Os primeiros con-tingentes desembarcaram em 1884no Namibe mas foi em 1885 que acon-teceu de facto a fundação da colóniado Lubango com os barracões ergui-dos ao longo do rio Kakuluvale. O po-voamento europeu foi crescendo dequalidade e quantidade com a chega-da de mais contingentes (NASCIMEN-

TO, 1910), com Nyaneka, Khôy-saan,Ovambo, Nkhumbi, Ovimbundu, Hele-lo, Ngangela à mistura e em 1901 foielevada à categoria de vila mas foi em1923 que ascendeu a cidade.A opção pelo tipo de povoamento,tornou a Huíla uma excepção no pro-jecto de criação de colónias portugue-sas em Angola (CASTELO, 1998 &NASCIMENTO, 1910), por ter se bene-ficiado de famílias europeias emquantidade, comparando com as coló-nias litorâneas de Luanda, Catumbela,Benguela e Namibe (S/A, 1974 & DEL-GADO, 1955). Por esta razão ainda seconsidera a região como sendo euro-peia em Angola.CONTINUA NA PRÓXIMA EDIÇÃO

1- Ler Tchimbinda2- Ler Tchinhiama3- Ler Tchikapa4- Ler Lutchaze5- O “h” é aspirado6- Nzinga em kikhongo7- Com muito poucas referências for-

mais, esta realidade sociopolítica tradicio-nal endógena, adstrita aos Ovimbundu (cfr.Miller, op. cit.)

8- Conjunto de realidades sociopolíticasunidas na cultura e línguas que compreen-dera o planalto de Angola

9- O mesmo que Vantu10- Ler Tchinguli11- Ler Ngalangui12- Realidade sociopolítica tradicional

endógena que subentendera a região entreactuais províncias do Huambo, Benguela eKwanza-sul

13- Realidade sociopolítica tradicionalendógena que subentendera a região cen-tro-sul da actual província do Bié.

14- Ler Tchivava15- Realidade sociopolítica tradicional

endógena que subentendera a região entreas províncias de Malanje e Lunda Norte.

16- Realidade sociopolítica tradicionalendógena que subentendera a região pla-náltico-central do Huambo e Benguela.

17- O “h” é aspirado18- Realidade sociopolítica tradicional

endógena adstrita à região compreendidaentre actuais províncias do Huambo, Ben-guela e Huíla.

19- Ler Tchoia20- Ler Tchivim21- Ler Tchipindu22- Ler Ngalangue23- Realidade sociopolítica tradicional

endógena adstrita à área correspondentecom actuais províncias de Luanda, Bengo,Kwanza-norte ao longo do médio Kwanza.

24- Realidade sociopolítica tradicionalendógena adstrita à área correspondentecom actual região norte da província do Bié.

25- Ler Ngongue26- Ler tchivaulo27- O “h” é aspirado28- Ler otchimbali29- Ler tchingongo30- Ler Vatchiyaka31- O “h” é aspirado32- Ler Vatchisanji

6 | ECO DE ANGOLA 12 a 25 de Outubro de 2015 | Cultura

Serra da Leba (Huíla)

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LETRAS| 7Cultura | 12 a 25 de Outubro de 2015ACORDO ORTOGRÁFICO E MOEDA

JONUEL GONÇALVES

A rejeição do Acordo Ortográfi-co significa, entre outras coisas,rejeição dos símbolos da moedanacional. Tanto Kwanza como aabreviatura Kz., seriam erros se-gundo o português antigo, onde le-tras fundamentais do alfabeto lati-no – K, W, Y – são proibidas. Nesteraciocínio muitos nomes de locali-dades e de pessoas (incluindoprestigiosos nomes de guerra) oucomunidades inteiras (por exem-plo, Kwanyama e Nkumbi) esta-riam errados também.Este é um apenas um primeiro factocausador de perplexidade num país co-mo Angola que, logo a seguir à indepen-dência, teve a coragem de acabar com aignorância de letras importantes e usá-las sem pedir licença a ninguém.Mas outro ponto saliente não podeser esquecido: este é o primeiro acordocom participação africana, ou seja, au-tentica descolonização no plano da lín-gua, considerada comum. Durante anos,delegações oficiais debateram as alte-rações necessárias a uma ortografiamais articulada, capaz de evitar que asdiferenças então existentes continuas-sem a aumentar e, com o tempo, crias-sem a aberrante situação de falarmos amesma língua mas escrevendo-a deforma bastante diferente. Os efeitos anível educacional e científico seriamcatastróficos e reduziriam o impactodo português no mundo. As pequenasdiferenças na escrita são observáveis

em outras línguas transnacionais, po-rém, o português (talvez junto comoespanhol) continuava a registar au-mento delas, por ausência de regras ede autoridade central. É como no trân-sito: se as vias, veículos e condutoresdevem continuar muitos, os sinais têmde ser idênticos para evitar mortaisriscos de acidente.Como uma autoridade central, as-sente num país, seria prolongamentoda colonização através da língua, a op-ção é o Acordo e a troca de informa-ções constantes entre as entidades re-presentativas de cada Estadoe Socie-dade, sejam as Academias ou os mi-nistérios da Educação e/ou Cultura.Um dos princípios essenciais des-te acordo é facilitar a escrita aproxi-mando-a da fala. É um avanço queneste momento coloca o português áfrente de outras línguas, onde muitagente propõe caminho semelhanteporque facilitador. Assisti a conver-sas nesse sentido em França e naÁfrica do Sul. No nosso caso, significaabolir as consoantes mudas (aquelas

que não se pronunciam e foram im-postas por decisão “aristocrática” ,dando muitas vezes ao texto um per-fil complicador da compreensão)) esuprimir acentos desnecessários.As línguas africanas de Angola nãoapresentam nenhuma incompatibili-dade de transcrição segundo o Acor-do. Mesmo quando surgem duas con-soantes juntas ambas são pronuncia-das. Vejamos o exemplo de Ndalatan-do. A incorporação de palavras emqualquer dessas línguas ao portu-guês falado em Angola tem longa His-tória e a sua integração oficial na pró-pria língua portuguesa não é obstá-culo nem requer aprovação prévia doprincípio. Pelo contrário, aprovandoo Acordo Ortográfico fica-se em posi-ção de força para exigir tal integra-ção, caso seja essa a política oficial.Na verdade, há muitos linguistas afri-canos contrários a tais integraçõespor julgá-las “assimilação”.É um ponto de vista a ser debati-do – que inclusive pode dar lugar acompromissos - que foge ao quadro

deste pequeno artigo. O importanteé que, em qualquer dos casos, oAcordo é neutro.Por vezes apontam-se os custos co-mo dificuldade maior. Os livros esco-lares são usados como pretexto. Falso.Primeiro porque não há nenhumaedição escolar (nem deve haver paraacautelar as óbvias atualizaçõescientificas) que ultrapasse os limitesde dois ou três anos letivos. Se al-guém ultrapassou isso cometeu umerro grave. O período de transiçãopara entrada em vigor total do Acor-do tem sido de seis anos, ou seja, dátempo para usar as edições existen-tes e substituí-las sem perdas.Manuais universitários, grandesnovidades científicas, tratados, códi-gos ou dicionários, são importados(em português) de países onde o acor-do entrou em vigor. Neste caso, ficadesfasado quem não o adotou.Todas as mudanças por que passou alíngua portuguesa ao longo dos séculos,geraram resistências tremendas. As daprimeira metade do século passado, de-fendiam manutenção de “pharmácia”“commércio”, “nocturno’ “manuscrip-to” etc. Vinham daquelas faixas da so-ciedade com dificuldades de acompa-nhar o movimento da inovação, indis-pensável ao progresso humano.Agora aparecem até os ultradireitis-tas a propor proibição de textos segun-do as regras do Acordo, atitude que se-ria de grande recuo democrático comimposição duma censura não apenasaos conteúdos mas até à forma.Assim, estamos perante o desafiode não nos condenarmos ao arcaico,nem desautorizarmos iniciativas ar-rojadas pós independência ou a assi-natura que colocamos no Acordo, cujaratificação pela Assembleia Nacionalaguardamos. E orgulhosamente conti-nuaremos a tomar medidas para valo-rizar o nosso Kwanza (Kz.).

Pintura de Ângelo de Carvalho

O escritor Lopito Feijó esteve em Portugal onde, na qualidade deconvidado, participou no 2° encontro literário de Montemor-o-Velhono âmbito do festival MUNDO LUSÓFONO que decorreu nos dias 10 e11 de Outubro no distrito de Coimbra. No decorrer do encontro o escritor Lopito Feijó participou de umamesa redonda com outros nomes sonantes da cultura e literatura lu-sófona e apresentou o seu mais recente título de poesia editado pelaUnião dos Escritores Angolanos, REUMIVERSOS DOUTRINÁRIOS.O "Mundo Lusófono" é um festival multicultural e multidisciplinarque abrange para além da literatura, a ilustração, a música, as artesplásticas e o teatro e visa a promoção e a divulgação dos autores inter-venientes bem como proporcionar um mais estreito relacionamentonão só com o público mas também com alguns agentes ligados à edi-ção, circulação, comercialização e internacionalização dos livros e ou-tros bens culturais da lusofonia.

LOPITO FEIJÓ NO FESTIVAL MUNDO LUSÓFONO

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8 | LETRAS 12 a 25 de Outubro de 2015 | CulturaDe volta a Angola nas palavras que ela me ensinou a escrever

O ACORDO ORTOGRÁFICO

SÉRGIO SÁ

Depois de prolongada ausência,por ter estado a contas com outrasescritas, eis-me de volta ao CULTU-RA, desta vez para abordar umaquestão que se prende, precisa-mente, com a representação gráfi-ca do sistema linguístico comumaos países ditos lusófonos: o Por-tuguês escrito e, consequentemen-te, falado. Em causa o polémicoAcordo Ortográfico, que tanta con-versa tem suscitado e tanta tintatem feito correr.Não sendo especialista na maté-ria, valer-me-ei de linguagem sim-ples, mas tanto quanto possível su-ficiente para que o meu ponto devista sobre o assunto possa ser par-tilhado e compreendido.Independentemente de quem tenhasido o ideólogo de tão baixa ousadia ede quem tão “sabiamente” se debru-çou sobre o modo de a transformar emrealidade, a verdade é que, na minhamodesta opinião, tal Acordo padece defalta de justificação, sendo mesmocontraditório quanto ao que para osseus obreiros possa fazer sentido.Tal “feito” não terá acontecido emlouvor da Língua Lusa nem por acaso.Ele (como outros de diferentes géne-ros) foi levado a cabo devido a razõesvárias, sobretudo de ordem políticacom vista à consecução de objectivosque só quem esteve e está por detrás detal aberração conhece. Por um lado, ointeresse de alguns brasileiros em di-fundir o seu falar, pouco se importandoque a Língua-Mãe, que talvez nem co-nheçam, não seja preservada. Por outrolado, a incapacidade dos governantesportugueses (que parecem não enten-der o que representa a Língua de Ca-mões no âmbito do conceito de Pátria)agirem como seria de esperar, justa-mente no sentido de credibilizar a lín-gua que falam, infundindo-a no contex-to alargado da globalização, em vez dedesacreditarem o que crianças, jovens,professores e população em geral dePortugal foram obrigados a aprender ea ensinar, e imporem às criancinhas oInglês e até já estarem a pensar no Man-darim. Pensam, certamente, que pro-mover a Língua Portuguesa é brincaraos acordos. Daí o absurdo da questão,que continua na ordem do dia.

O Português, como língua viva,veio sofrendo, naturalmente, ao lon-go dos séculos, alterações. E se a Se-mântica se deixou, em certos casos,contaminar, com o tempo (que resol-ve sempre tanta coisa) a confiar-lhe ocrédito de que os linguistas e outrosestudiosos se servem, e a sua orto-grafia se veio depurando, tornando-omoderno, primeiro, e actual, depois,a Etimologia, por seu turno, continuafundamental como suporte, a váriosníveis, das palavras de que nos servi-mos para comunicar.Ora, o que o injustificado Acordopromove de grave é a extinção depalavras correntes, com sentidopreciso, e a criação de palavras no-vas sem significado.No Guia para a Nova Ortografia, edi-tado pelo Governo Português, atravésdo Ministério da Educação, é afirmadoque «apenas a ortografia é alterada,continuando a pronúncia e o uso daspalavras a serem os mesmos».Tal afirmação reflecte algo que nemsei qualificar. Mas não parece difícilconcluir que a alteração ortográficaimplica desvios da pronúncia. E quan-to ao uso das palavras, depende daspalavras a verbalizar, pois não se pre-vê que alguém, empenhado na correc-ção linguística, tenha usado ou venhaa usar palavras que dificultem ou mes-mo impeçam a comunicação.Não pretendendo ser demasiadomaçador, anoto, no entanto, três dosexemplos de alteração que originamconfusão ou distúrbio lexical. Vejamos:Na acentuação, surgem situações

em que a sua eliminação é susceptívelde transformar palavras homógrafasem homónimas ou, continuando ho-mógrafas, de lhes retirar o sentido.No caso das consoantes mudas aomitir, surgirão vocábulos homófo-nos dos anteriores, mas sem a mesmagrafia. Em certos casos, a falta dessasconsoantes poderá até implicar no-vas palavras, sem significado por re-jeição do seu étimo.Quanto à omissão do hífen, algu-mas vezes isso obriga a alteraçõesgráficas, ao dobrar a consoante ini-cial de palavras que se revestem designificado autónomo. E mesmo quea pronúncia não sofra alteração, a du-pla consoante contraria a ortografiacorrecta dessas palavras.É a estas situações que o AcordoOrtográfico conduz, podendo-se afir-mar que, neste caso, «é bem pior aemenda do que o soneto». É ao que le-vam os interesses de ordem política eoutros de dúbios objectivos, como jáalvitrei. Mas a política, sempre hábil afazer acordos, mesmo que mal feitos,como é habitual, em linguística é ig-norante, analfabeta. Este Acordo Or-tográfico confirma isso.A importância da Língua Lusa émaior do que pensa quem nela quismexer e teima em descaracterizá-la,como têm feito em relação a tudo que aPortugal diga respeito. Completa, bemestruturada, com uma Sinonímia que,em vez de a tornar complicada, só a en-riquece, é a mais bela língua do planeta.A língua, qualquer língua, não é umfenómeno que tenha de se sujeitar so-

bretudo a vontades políticas ou a di-rectivas institucionais. É também, eainda mais, parte integrante da pátriaque a fale, neste caso da Pátria dosportugueses, como elemento funda-mental da sua cultura, como testemu-nho do que Portugal foi e fez ao longodos séculos e da sua afirmação nomundo, independentemente de se terde admitir que nem toda a sua históriaesteja emoldurada a oiro e diamantes.Assim sendo, a que pretexto quise-ram tocar-lhe? Porque a acentuação,as consoantes mudas e, em certos ca-sos, a utilização do hífen constituíam econstituem algum estorvo? Um impe-dimento à sua uniformização ortográ-fica? Não, não constituem! Essa uni-formização pode ser feita, não pelaLíngua-Mãe, mas pelos povos que aqueiram seguir, se isso lhes convier,pois não são obrigados. Tudo não passa de uma falsa questão,tanto mais que nenhum falante da Lín-gua Lusa (europeu ou de qualquer outrocontinente) com dificuldade de ler ou deescrever passará, só por consequênciado Acordo, a fazê-lo correctamente.De resto, se os exemplos tidos emconta pelo Acordo são, mesmo quede modo forçado, justificação para oque fizeram e teimam em confirmar,que dizer, então, dos dialectos, co-mo o Barranquenho ou o Mirandês?Ou será que os dialectos estão con-forme ao Acordo?Não se trata de desvalorizar e muitomenos de contestar os dialectos. Estabrevíssima referência a tais variantesda língua padrão serve apenas para

Missionário capuchinho rumo ao Reino do Kongo com a sua comitiva

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LETRAS| 9Cultura | 12 a 25 de Outubro de 2015ajudar a ilustrar a “treta” que é o tãopropalado Acordo Ortográfico.Aliás, as diferenças nos falares,adentro de um mesmo país, como é ocaso dos exemplos referidos, são tam-bém património valioso que não podeser posto em causa. Porque faz senti-do que seja assim, de igual modo é le-gítimo que os países que adoptaram oPortuguês como língua oficial tenham,em paralelo, os seus falares diferentesdo falar adoptado.No caso de Angola – como, aliás, nodos restantes países que se decidirampela Língua de Camões –, que tem oPortuguês como idioma oficial, com-preende-se que, dada a diversidade delínguas nativas, a opção pela LínguaLusa tenha sido a solução mais viável.Se, por um lado, ela permitiu, logo àpartida, a comunicação com o exte-rior, como veículo fácil de manobrar,quer em termos políticos quer comer-ciais e diplomáticos, por outro lado seconservou como meio de agregação,de união entre etnias, contribuindopara a compreensão de que, apesardas diferentes origens das gentes an-golanas, elas constituem o mesmo Es-tado, um só país, não obstante a sua di-mensão territorial.

Outro aspecto que os angolanos nãoporão de lado, tem que ver com o factode o Português, sendo a língua daquelaque foi a “potência” colonizadora,po-der interferir, positiva e negativamen-te, na sua história.Todavia, independentemente daimportância, maior ou menor, doaproveitamento da língua portu-guesa como língua oficial, é de espe-rar que os angolanos saibam valori-zar os seus falares primitivos que

indiscutivelmente são parte inte-grante do seu património imaterial,tal como os crioulos resultantes da“miscigenação” linguísticaque osséculos proporcionaram.E não será de estranhar nem haveráprejuízo se alguns dos seus vocábulosacabarem por integrar a língua adop-tada. Se a Língua Lusa falada e escritaem Portugal vai aceitando, e cada vezcom mais frequência, os mais diversos“estrangeirismos”, qualquer que sejaa sua origem, parecendo até, para al-guns, um sinal de evolução, embora setenha de reconhecer tal facto comoaproveitamentos de mau gosto, maislegítimo é que os povos que a adopta-ram nela incorporem palavras, pala-vrinhas e palavrões originários dosseus ancestrais idiomas.Essas pala-vras, palavrinhas e palavrões têm, ne-cessariamente, significado e referen-te, ou não existiriam. Daí serem umacrescento vocabular à vertente dossinónimos, mas não, seguramente, fo-co de perturbação relativamente à es-tabilidade da Língua Lusa.Não serão esses acrescentos que adescaracterizarão. O mesmo não sepoderá dizer dos acordos como o quesuscitou este comentário.

Poderia escrever sobre música ouum evento relacionado com a mes-ma, mas quase que... Já que os prota-gonistas em questão fazem partedesta indústria. Estava eu de fériaspelas europas quando já farta de nãopoder aceder à internet em casa re-corro a um cybercafé para me poderactualizar e informar, quando depa-ro com imensas publicações de ami-gos do Facebook com selfies com ohastag “Escuro, sim”. A minha intui-ção disse logo que algo se passava ede certeza que se tratava de uma for-ma de protesto e até pensei que fossecontra a aplicação da bandeira multi-color da comunidade LGBTI que to-mou conta das redes sociais a favorda união de casais do mesmo sexo,mas até isso passou praticamentedespercebido e quem diria que umabandeira de várias cores seria ofus-cada pela preferência entre ser escu-ro ou claro. Perguntar-me-eis do por-quê da minha manifestação sobre oassunto. Pra começar mexeu com to-dos nós, de uma certa forma, pois osartistas que deram a cara na rejeiçãodo seu tom natural de pele queriamchegar a parecer-se comigo “Lol”. De-pois porque quando algumas pes-soas reivindicam a triste e lamentá-vel acção dos mesmos esquecem-seque, apesar de manifestarem o seuorgulho em terem pele escura, po-

dem vir a ferir aqueles que, como eu,também não sentem nenhum proble-ma em terem a pele um pouco maisclara. Já de regresso à grande aldeia,edepois de me informar melhor sobreo sucedido, estava eu rodeada depessoas, algumas mais chegadas, ou-tras nem tanto,e noto, por várias ve-zes,sair da boca de alguns a frase “Es-curo sim, claro não”, quando se que-ria tirar alguma selfie. Eu entendoque era uma forma de ir contra os ar-tistas que mostraram vergonha deter a pele escura e uma forma de de-monstrar o orgulho de vesti-la, masnão nos esqueçamos que algumaspessoas podem achar que estão a ne-gar de uma certa maneira a existên-cia de gente de pele mais clara que asua. Há muitos anos que se ouve falarem diversos métodos que tornam apele mais clara e até hoje muitos dis-cutem se Michael Jackson foi vítimado Vitiligo ou propositadamente tor-nou-se mais claro já que estetica-mente também alterou a sua fisiono-mia. O fascínio por traços mais euro-peus já vem de alguns tempos pracá.Nos anos 50 as mulheres negrasnos EUA não pensaram duas vezesem experimentar a grande novidadeque era o desfrisar a sua carapinhadura, buscando assim uma maioraceitação da sociedade e, nos anos80, as mulheres angolanas começa-

ram a aderir em massa, indo contra ojuramento feito a Teta Lando. O maisengraçado é que a mudança do narizde alguém já não causa tanto furor,porque talvez muitos acreditem deque não se trata da rejeição da raçamas sim de aperfeiçoamento da suaaparência. Ninguém ri ou criticaquem quer se tornar mais escuro aoapanhar um banho de sol, pois, ape-sar de dar um ar mais saudável e sen-sual, é temporário e hoje em diaquem muito escurece por exposiçãosolar é chamado de irresponsáveltanto quanto um fumador. Curiosa-mente me pergunto da reacção da so-ciedade se existisse um método paraescurecer a pele permanentemente?Seria motivo de indignação ou vaida-de da nossa parte?Já viram o vídeoque se tornou viral, da menina loiraque chora implorando à mãe para sernegra? “Mamãequelo ser negla” cho-ra a coitada fazendo lembrar a todosque a África nunca esteve tão na mo-da. Eu, pelo menos, sou gozada pelosmeus amigos quando estou muitopálida e faço o mesmo quando achoque está na hora de alguns amigos to-marem um pouco de sol. Mas mais es-cura ou clara, nunca neguei quem soue de onde venho, embora dependen-do da época do ano e do penteado po-der passar por latino-americana, tai-landesa ou árabe. Pergunto-me se os

artistas que detonaram a bomba demanifestações contra aqueles quenegam a sua própria raça receberãouma segunda chance já que o seu ta-lento permanece intacto. Não sou afavor da mudança permanente danossa pele pois ela diz muitoquemsomos antes dos nossos nomes. De-pois de muito tempo lutarmos contrao racismo que ainda prevalece,a últi-ma coisa que se precisa é negarmosos nossos antepassados e termosmedo de sermos valorizados e acre-ditados pelas nossas capacidades, se-gundo a pele que cada um veste. Talcomo todas as cores do arco-íris, to-das as raças são igualmente belas. Jádiz a letra de uma bela canção nacio-nal “Se você é preto, branco ou mula-to isso não interessa a ninguém, maso que interessa é a tua vontade de fa-zer Angola melhor”.

CRÓNICA

ESCURO, sim, CLARO, sim

IMANNI DA SILVA

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10 | LETRAS 12 a 25 de Outubro de 2015 | CulturaMAWUTOKOJI MA DIZWI DYA KIMBUNDU

CURIOSIDADES DA LÍNGUA KIMBUNDU

Numa aula de Kimbundu, umaluno defende, perante o pro-fessor que o indaga, a ideia daevolução quantitativa das sílabasdos verbos nessa língua. Assim, co-meça a sua exposição dizendo: O Infinitivo dos verbos em Kim-bundu pode evoluir, do ponto de vis-ta silábico, de Y=N para Y=N+1, combase na conjugação do PMQP (Preté-rito Mais-Que-Perfeito) e escolha dasua CONSTANTE. Assim, se os INFI-NITIVOS: KUSAMBA (orar); KULEM-BA (ofertar); KUTUNGA (construir);KUSUNGA (puxar); KULENGA (fu-gir); …, etc. têm 3 silabas, significadizer que têm N sílabas, com N=3. Aconjugação dos respectivos PMQPtraz-nos as constantes:SAMBELE (1ª. Pes.sing. emengasambele= orara/ tinha orado,2ª. Pess. Sing. Eye wasambele=ora-ras/ tinhas orado. 3ª. Pess. Sing.Mwene wasambele= ele/ela orara/tinha orado. 1ª. Pess. Do Pl. Etutwasambele = nós oráramos/ tí-nhamos orado. 2ª. Pess. Pl. Enunwasambele= vós oráreis/ tínheisorado. 3ª. Pess. Pl. Ene asambele=eles oraram/ tinham orado. …LEMBELE (1ª. Pes.sing. eme nga-lembele= ofertara/ tinha ofertado,2ª. Pess. Sing. Eye walembele=ofer-taras/ tinhas ofertado. 3ª. Pess. Sing.Mwene walembele= ele/ela oferta-ra/ tinha ofertado. 1ª. Pess. Do Pl.Etu twalembele= nós ofertáramos/tínhamos ofertado. 2ª. Pess. Pl. Enunwalembele= vós ofertáreis/ tínheisofertado. 3ª. Pess. Pl. Ene alembele=eles ofertaram/ tinham ofertado;TUNGILE (1ª. Pes.sing. eme ngatun-gile= construira/ tinha construído. 2ª.Pess. Sing. Eye watungile=construi-ras/ tinhas construído. 3ª. Pess. Sing.Mwene watungile= ele/ela construí-ra/ tinha construído. 1ª. Pess. Do Pl.Etu twatungile= nós construíramos/tínhamos construído. 2ª. Pess. Pl. Enunwatungile= vós construíreis/ tínheisconstruído. 3ª. Pess. Pl. Ene atungile=eles construíram/ tinham construído;SUNGILE (1ª. Pes.sing. eme nga-sungile= eu puchara/ tinha pucha-do, 2ª. Pess. Sing. Eye wasungile = tupucharas/ tinhas puchado. 3ª. Pess.

Sing. Mwene wasungile= ele/elapuchara/ tinha puchado. 1ª. Pess.Do Pl. Etu twasungile= nós puchá-ramos/ tínhamos puchado. 2ª.Pess. Pl. Enu nwasungile= vós pu-cháreis/ tínheis puchado. 3ª. Pess.Pl. Ene asungile= eles pucharam/tinham puchado;LENGELE (1ª. Pes.sing. eme nga-lengele= eu fugirara/ tinha fugido,2ª. Pess. Sing. Eye walengele= fugi-ras/ tinhas fugido. 3ª. Pess. Sing.Mwene walengele= ele/ela fugira/tinha fugido. 1ª. Pess. Do Pl. Etutwalengele= nós fugíramos/ tínha-mos fugido. 2ª. Pess. Pl. Enu nwalen-gele= vós fugíreis/ tínheis fugido.3ª. Pess. Pl. Ene alengele= eles fugi-ram/ tinham fugido. Assim, SAMBELE, LEMBELE, TUN-GILE, SUNGILE e LENGELE (CONS-TANTES do PMQP de KUSAMBA,KULEMBA, KUTUNGA, KUSUNGA eKULENGA, serão a fonte da forma-ção de outros INFINITIVOS, mais DI-NÁMICOS na sua significação, semabandonar a sua raiz, deixando, pa-ra o efeito, as características ESTÁ-TICAS que lhe eram inerentes, pas-sando a ser: KUSAMBELA; KULEM-BELA; KUTUNGILA; KUSUNGILA;KULENGELA; etc. que, como resul-tado, passam de Y=N sílabas(3 síla-bas, neste caso) para Y=N+1 sílabas(4 sílabas, neste caso). Se convier, é justo realçar que apassagem de y=N para Y=N+1 é apassagem de um IMPERATIVO paraoutro IMPERATIVO e tem como ba-se a identificação do Pretérito Per-feito e do Pretérito Mais Que Per-feito, fontes estruturais da sua ela-boração. Assim:

As CONSTANTES do PMQP enun-ciadas passam para IMPERATIVOSdos referidos verbos em formação,por um processo de substituiçãoda última vogal (e) pela vogal (a),passando a ser SAMBELA; LEMBE-LA; TUNGILA e SUNGILA e LENGE-LA, verdadeiros IMPERATIVOS nomodo SINGULAR. Havendo estesimperativos, só resta adicioná-loso prefixo KU, para serem de facto

verdadeiros INFINITIVOS ou seja:KU(SAMBELA) = KUSAMBELA;KU(LEMBELA) = KULEMBELA;KU(TUNGILA) = KUTUNGILA;KU(SUNGILA) = KUSUNGILA;KU(LENGELA) = KULENGELA.NOTA: é no contexto de Y=N+1 sí-labas do INFINITIVO, que aparecemcomo substantivos, neste caso,USAMBELU; ULEMBELU, UTUNGILU;USUNGILU, ULENGELU também eles

caracterizados por Y=N+1 sílabas,significando também, essencialmen-te: a reza; a oferenda; a construção; opuchão; etc. RESUMINDO: se o infini-tivo do verbo tem Y=N+1 sílabas, osubstantivo daí derivado e com as ca-racterísticas enunciadas têm tam-bém Y=N+1 sílabas. Realça-se que qualquer substanti-vo derivado de um radical e que tem oseu início de escrita com a VOGAL(U), ele tem origem no INFINITIVOinserido em Y=N+1 (verbo mais dinâ-mico) e não Y=N (verbo mais estáti-co). Assim sendo, o número de síla-bas dos substantivos concordam como número de sílabas do INFINITIVOque lhes deu origem.O professor, tomando notas sobreo que acabara de ouvir, dirige-se aosalunos e pergunta se alguém quer in-tervir e, perante o alvoroço da tur-ma, sugere que a aula termine, conti-nuando o tema no dia seguinte.

MÁRIO PEREIRA

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ARTES| 11Cultura | 12 a 25 de Outubro de 2015

MATADI MAKOLA| Feitas as contas destes 10 meses devotação pública, ́ Gago´, de Yuri da Cu-nha, foi a mais eloquente, a mais cha-mativa, a que melhor conquistou o co-ração dos amantes da música em2015. Assim podemos considerá-ladesde a noite de 2 Outubro, dia em quefoi consagrada canção vencedora doTop dos Mais Queridos 2015, anúnciofeito na gala realizada no Centro deConvenções de Belas, promovida pelaRádio Nacional de Angola. Saída no ál-bum “O Intérprete”, lançado no princí-pio deste ano, ficou com 23 por centodos votos. Foi a vontade do público,justa ou não para alguns artistas quefizeram muito neste intervalo de2014-2015. Aliás, ainda a começar agala, já Afonso Quintas, nas vestes demestre de cerimónia, tinha logo aler-tado que não estava em causa a me-lhor música ou percurso mas sim omais votado neste ano, e mais tarde, adescortinar a franja que mais vota, foioportuno ao trazer a público que sãoas pessoas entre os 18 e 25 anos quemais votaram, ateando desta forma adiscussão dos públicos da música ac-tual, seus prós e contras e as variáveisidade versus qualidade musical. Diz um velho adágio que difícil seriaagradar a gregos e troianos ao mesmotempo, bem como também seria justoparafrasear o célebre verso de Ca-mões que diz: “Mudam-se os tempos,mudam-se as vontades”, querendocom isto aclarar que os públicos têmos seus gostos e devem ser respeita-dos, tal como os artistas são influen-

ciados pelas tensões sociais dos seustempos, para não produzirem um ob-jecto artístico desenraizado do seumomento. Quem esteve presente vi-veu esse dilema segundos após tereminformado o resultado inapelável queo Yuri, este showman da novíssimageração do semba e que nos últimostempos tem procurado beber maisfulgor do semba trasbordante da ca-baça de Bonga, seria então o mais que-rido de 2015. Na plateia, maioritaria-mente jovem, de imediato mais deuma dúzia de pessoas se levantou gri-tando o nome de Kyaku Kyadaff, estapromessa que conquistou o coraçãoda juventude e dos kotas, dos sembis-tas de farras de quintal aos de salões,bem como de alguns polidos amantesde jazz, que apreciaram e deram boanota ao registo que deu título a este ál-bum de Kyaku lançado no final de2014, ´Se Hungwile´. Era claro que orapaz do Zaire podia mesmo ter mere-cido esta edição do Top e não ser nadaexcessivo, pelo sucesso que tem esta-do a fazer desde 2014 (prémio Coca-cola do Top dos Mais Queridos) a2015, sempre com o seu nome nosmais importantes eventos que servemde factos irrefutáveis para conside-rarmos o nível de popularidade desteou daquele cantor. Kyaku, que concor-reu com a música ́ Prazer quebrado´,conseguiu o terceiro deste Top, com12 por cento dos votos. Outro artista com grande notorie-dade nestes dois anos tem sido C4 Pe-dro, que conseguiu impor a sua marcaentre guerozouk e kizomba com o seumodo característico de torcer as pala-

vras até ganharem uma sonoridadealiterada, para não falar de Yola Seme-do, que desta vez o seu ´Abana´ nãoaqueceu o suficiente, de Ary, que em-pregou rapidez ao interpretar ́ Despe-dida do Lar´, da autoria de Beto Cruz,ou de Nelo de Carvalho, com a acerta-da letra de ́ Minha Linda´. Estaríamos com certeza diante demais um daqueles momentos marcan-tes do nosso showbiz doméstico, seMatias Damásio se consagrasse o maisquerido de 2015, igualando assim oromântico Pedrito, até agora o queri-díssimo com três edições no seu per-curso. Matias, que concorreu com amúsica ́ Beijo rainha´, ficou em segun-do lugar com 17 por cento dos votos,deixando esta proeza da sua carreirapara edições futuras. ´Me agarra só no uhm´

faz Landrick Prémio CocacolaSobre factos novos ou sinais de umageração nova à cabeça do showbiz damúsica angolana, na edição passada,em Malange, vimos NGA a casar musi-calmente com a versátil guitarrada deTedy e Yanick (Afromem) numa dasposições cimeiras. Se há águas que ba-tem até a pedra furar, também há esterap que se esforça por conquistar oseu público e que se faz presença no-tória nas últimas edições do Top, dei-xando até já a possibilidade de um diaser o mais querido do ano, como esca-pou em Malange quando o quadro dosdez tinha Yanick, Dji Tafinha e NGA. Sópara recordar, já em Malange, o pró-prio Yanick, um exemplo do lado posi-tivo do rap, tinha se mostrado feliz pe-

lo espaço que o rap começava a ga-nhar no seio de individualidades damassa crítica angolana que outroranão fazia mais do que lançar pedras edesdenhar este estilo marcadamentejuvenil. Hoje, o rap deu a volta por ci-ma e se mostrou consciente, por umlado. Por outro lado, há um rap queserve para infestar um problema quetem sido a febre da juventude, elevan-do valores ao extremo com a exibiçãode uma luxúria surreal para a realida-de económica de muitos dos seusamantes, nudismo, sexo explícito, dro-gas e gangues, as mesmíssimas coisasdo pacote americano para montar amentira do carpe diem, de viver a vidae suscitar uma atitude hedonista.Na noite do dia 2, os The Groovemostraram o seu house mas foi Lan-drick a notícia da noite. O rapaz daBom Som, produtora de AnselmoRalph, foi o Prémio Cocacola, pelo su-cesso que tem feito nos últimos meses,sustentando com letras que insinuamtermos e discrições descaradamentesexuais como remexer que cuia bwé,encostar até roçar e me agarra só nouhm, este último o novo termo intro-duzido por Landrick como contribui-ção do possível dicionário, quase todoele recheado de intenção erótica, determos musicados na explosão musi-cal 2000, parte do coro da canção quetem feito sucesso no seio da juventu-de, uma realidade da novíssima músi-ca angolana que cada vez mais se im-põe com mais força, sem correcçõesatempadas, como se todos estivésse-mos gagos ao analisar a moral musicalde uma época.

Yuri da Cunha (à esquerda) recebe a chave simbólica do prémio Matias Damásio (à esquerda) recebe o galardão e posa para foto Kyaku Kyadaff (à esquerda) recebe o galardão e agradece aos fãs

Top dos Mais Queridos 2015

´GAGOS´ FICÁMOS

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12 | aRTeS 12 a 25 de Outubro de 2015 | CulturaDianne, Nneka e Totó no JAZZING

A VOZ PERFUMADA, A VOZ POEIRADA E O RIO

MATADI MAKOLA|

No dia 24 de Setembro, quandoo relógio marcava exactamente 21horas, o mar esbelto que banha acidade foi outro mero espectadordo espectáculo musical que acon-teceu na Baia de Luanda: Jazzing.Foi a primeira edição deste pro-jecto musical de estimável quali-dade e que promete trazer duasvezes por ano artistas do melhorque há, tanto de África como domundo. O angolano Totó foi o anfi-trião de uma noite que prometiaDianne Reeves, cantora america-na detentora do Grammy de Me-lhor Álbum de Jazz Vocal de 2015 eque já leva na bagagem mais de 15

álbuns lançados, e Nneka, a nige-riana que Luanda não esquece de-vido aos seus incontornáveis su-cessos que são transversais nocontinente berço e por ser tam-bém um exemplo excelso que a ac-tual África gera no mundo.

Voz perfumadaA voz de Dianne Reeves é mais doque um canto, é uma marca distintaque fica gravada no coração. Por isso,quando abriu o espectáculo, decidiuoferecer-nos a sua singela presençacomeçando com uma breve perfor-mance vocal sua, feita a partir dos bas-tidores, enquanto o quarteto que aacompanhava ia se instalando intima-mente no palco. Mal soou o seu canto,

nada mais se fez silêncio, tudo pareciacumprir uma regra sonora. Havia or-dem, cantava como quem construía.Parece-nos não muito dúbio adivinharque Dianne traz na garganta uma floraromatizante e que o seu canto não émais senão do que o perfume destaflor a desabrochar, a exalar directa-mente o coração como se fosse o únicodestino do seu canto. Apenas ao cora-ção, levado na gravitação de todas assuas memórias e sentimentos sob osom perfumado da sua voz. A america-na não ficou apenas nas pitadas de jazztorradas à medida que o sibilante sa-xofone dava às pessoas a inverosímilsensação de que o corpo levitava à for-ça da sua melodia, misturou no seucanto um pouco de bossa nova.

Voz poeirada Nneka não é uma flor, embora separeça. Fez-se pedra. É uma pedraatirada nas águas do rio calmo daalma, para a consciência despertarsob a mais incómoda sedução destenota cujos espinhos que retira dasmazelas da África ateou o seu cantoempoeirado pelas estradas aindanão asfaltadas que fazem as arté-rias para o mato África, e comocriança que brinca de desenrolarum novelo composto de imagensdesfiguradas, Nneka solta de den-tro para fora um canto de voz poei-rada. Do êxtase do reggae, com´Book of Job´ começou como quemse debatia por questões espirituais,levou-nos a uma sensação de ago-nia existencial, enquanto a figurada artista, diante do seu canto do-lente e quebrado, ainda conservavanas feições e no sorriso a imaculadainocência das crianças. Mas tam-bém quebrou-se com ´My Love´,´Babylon´, ´Shiningstar´, ´Heart-beat´ e outros que lhe fizeram vol-tar à alma, ser sopro de um cantoem prece para um continente, comofoi em ́ Pray for You´.O rioNuma passagem pelos sucessosque o fizeram uma voz promissoranas músicas de fusão entre soul eR&B, refazendo de modo calmo re-gistos como ́ Abre a Porta Tânia´, pa-ra grande delírio dos presentes, Totófez-se mais rio nesta noite em que ga-nhou mais afluentes. Vamos ver aon-de desaguará.

Dianne Nneka Totó

No Memorial Dr. António Agostinho NetoGUIZEF EXPÕE KIZUATA YA IXI YETU

SHOWBIZJOSÉ DIOGOJOSÉ DIOGO

O artista plástico angolano Guizefvoltou a chamar a atenção na cenaartística das artes plástica de Luan-da com Kizuata ya ixi yetu (vestir danossa terra), exposição individualaberta ao público no dia 1 de Outu-bro no Memorial Dr. António Agosti-nho Neto e encerrada no dia 11 doreferido mês. São mais de uma deze-na de obras que exploram os váriosmomentos do universo feminino,realçando-lhe as formas, desabo-toando os seus sorrisos e colorindo-lhes a alma, mostrando-nos da “Pre-ta Formosa” à “Cozinheira Vaidosa”. “O seu excelente desenho fixa-senos rostos da mulher, na própriamulher, nas mãos, nos dentes, e nosadornos da mulher. Ele expõe ao pú-blico a mulher mas sem maldade.

Oxalá fosse sempre assim incessan-te entre os humanos”, detalha o ar-tista plástico Van no texto de apre-sentação da exposição. E continua:“Pintura algo prazenteira, envol-vente. Uma arte despreocupadacom o brilhantismo. Uma pinturabaça, carregada de magia realista,quer no estilo como nas imagens,que a torna endógena e universal”. Do seu enquadramento e influên-cias de artistas angolanos de mãocheia e cujas obras são hoje protóti-pos para novos caminhos da arteplástica angolana, refere que “sente-se nele uma reentrada dos seus an-tecessores das artes angolanas co-mo que uma continuidade dessesclássicos, apesar de não nos lem-brarmos desses artistas já falecidos

em datas aproximadas da época emque Guizef nascia. Nomes como Ro-berto Silva, Carlos Ferreira e Neves eSousa, apenas citar alguns.”Contudo, numa comparação sin-tética aos seus contemporâneos,Van o distingue como sendo diferen-

te. E explica: “Deixa-se envolver nosestilos e técnicas conservadoras,mas questiona-os com incursões detécnicas contemporâneas. E é tam-bém interessante porque revela-seconhecedor daquilo que muitos evi-tam: a anatomia humana e artística”.

Guizef à frente de uma das suas obras expostas

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GRAFITOS NA ALMA| 13Cultura | 12 a 25 de Outubro de 2015

A comemoração dos 40 anos da in-dependência nacional constitui umaocasião sublime para a reflexão so-bre a idiossincrasia da nossa popula-ção, particularmente da citadina. O passado legou-nos uma socieda-de organizada, com princípios moraise valores familiares bem vincados, ve-rificáveis ainda em famílias conserva-doras; tradições e hábitos culturais,como a música, visceralmente enrai-zada no nosso povo; a gastronomia eo artesanato peculiares, dentre in-contáveis elementos endémicos.No presente, pelos sopros da glo-balização, pelo longo período de con-flito pós-independência que impôssofrimento às populações, como édisso exemplo o desmembramentodas famílias, vivemos numa socieda-de em fase de amadurecimento dasua identidade.Diária e inopinadamente, testemu-nhamos situações da vida citadinatradutoras do modus vivendi da nos-sa população. È nesse contexto que seinserem os laivos de angolanidadededutíves dos multifacetados casosda vida real doravante relatados: 12 Mar13Ao chegar ao prédio onde residimosdeparámo-nos com um enorme écran àentrada do edifício: está a decorrer o jo-go de futebol entre o Barcelona e o ACMilan referente à 2ª eliminatória da Ligados Campeões Europeus. Uma vintenade espectadores acompanha as peri-

pécias da contenda, sentada no pátiode acesso ao edifício; outros fazem-nodo lado de fora do muro, alguns agar-rados à armação do mesmo, motiva-dos, talvez, pelo nervosismo provoca-do pelas incidências da partida. Unsenvergam a camisola do Barcelona;muitos torcem pelo clube catalão.A cantineira, azafamada, assa fran-gos e pinchos e distribui bebidas, nasua maioria cerveja. Mesas e cadeirasde plástico, espalhadas, transfor-mam a entrada do prédio numa im-provisada e concorrida esplanada. Já em casa, vamos escutando a en-surdecedora gritaria dos simpatizan-tes ao celebrarem cada um dos trêsgolos com que o Barcelona elimina oAC Milan, depois de, no primeiro jo-go, ter perdido em S. Siro por 0 – 2. 27Abr13Estamos a almoçar num aparta-mento situado junto ao Cine São Pau-lo. Espevitados por uma algazarraproveniente da avenida, assomamosà janela. Nos passeios, os vendedoresde rua e clientes, no frenesim comer-cial, parecem formigas! Vislumbramos, a contornarem a ro-tunda, adeptos vindos do Bairro Pa-lanca para apoiar o Kabuscorp no jogocom o Recreativo do Libolo, relativo auma das jornadas do Girabola. Fazem-se transportar em duas carrinhas,uma de caixa fechada. Nesta, os jovenspenduram-se nas janelas e sobres-saem da escancarada porta de trás,

agitando cachecóis e bandeiras; gesti-culando; dançando de pé, agarradosuns aos outros; bebendo cerveja emlata e entoando cantos peculiares des-ta popular e rugidora falange clubista. 01Abr14Frequentemente, moças, sozinhasou aos pares, simploriamente atavia-das, batem à porta dos apartamentosa oferecer os seus préstimos: «Bomdia, tio. Nós tamos procurá trabalho:assim lavá, ingumá…» Invariavel-mente, respondemos: «Não, moças,não precisamos. Já temos a Cândida.»Mas elas insistem: «O pai grande numsabe quem precisa?» Olhando com-passivamente para as suas fisiono-mias expectantes, rematamos: «Per-guntem aos vizinhos ou nas duas can-tinas existentes no rés-do-chão.»No fim da tarde do dia seguinte, so-mos alertados por batedelas vindasda rua. Celeremente, corremos para amarquise, abrimos uma das janelas eobservámos duas senhoras, de pa-nos, a passar em frente à LavandariaSessenta, com imbambas na cabeça,batendo, com colheres de sopa: a jo-vem, numa lata de leite Nido vazia egasta; e a mais-velha, atrás, na baseduma panela virada ao contrário. Ca-minhavam mudas. O caso, inesperado e caricato, fez-nosrecuar 40 anos e relembrar os costu-meiros e apregoados desaparecimen-tos de crianças, no Golf da nossa infân-cia: «Estariam à procura de alguma?»

Sábado, de manhã, fomos sobres-saltados pelo chamamento estriden-te da mana:- Depressa, vem ver!Atónitos, corremos para a varandatraseira da habitação.Vindo do sentido do Serviço deIdentificação, aproxima-se um corte-jo de imensas motorizadas. Simultaneamente, outras tantasmotas concentram-se na zona dos se-máforos da Av. Hoji Ya Henda, à es-quina do prédio, enquanto um políciavai orientando a circulação de veícu-los, procurando minimizar a incon-veniência do aparato motorizado.À medida que o desfile se aproxi-ma, vamos descobrindo a razão domesmo: a última mota traz, atrelado,um… caixão!Provocado pelo pavimento escor-regadio, pela copiosa chuva que caírana véspera, pela quantidade de bura-cos existentes na via, ou devido à con-dução descuidada do motociclista, aurna cai para o chão lamacento!Rapidamente, alguns jovens aban-donam as motas para auxiliar o con-dutor a recolocá-la no improvisadoreboque. O cortejo fúnebre junta-se aos mo-tociclistas sitiados, e, seguidamente,partem roncando em direcção ao ce-mitério de Santana!Enquanto recolhíamos aos aposen-tos, procurámos contextualizar a ocor-rência que acabáramos de testemu-nhar: «Moda ou episódio insólito?»

Casos da nossa vida socialI. Quo Vadis Cultura Tradicional Angolana?

Ilustrações de GUIZEF MÁRIO ARAÚJO

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14 | GRAFITOS NA ALMA 12 a 25 de Outubro de 2015 | CulturaNa segunda-feira, caminhávamospara a Lusíada pela Rua Capêlo eIvens. Duas moçasem frente de nós,uma trajando uma blusa alaranjada ecalças de ganga; a outra, um vestidode chita com minúsculas flores espa-lhadas pelo mesmo. À determinadaaltura, a primeira tira da mala um pe-queno saco de plástico e deste um pe-daço de pano, e, curvando-se parafrente, vai limpando as sandálias,igualmente alaranjadas. Assim curvada, enquanto vailimpando o calçado, aprimorandoo cromado das fivelas, com a mãoesquerda segura a presilha centraldas calças, puxando-a para cima,ao encontro da bainha da blusa,num gesto intencional para impe-dir, aos demais transeuntes, a vi-são do cós das cuecas. Esta acção constitui um hábito pu-dico levado a efeito por muitas moçasangolanas, quando estão sentadasem bancos, sobem escadarias e, prin-cipalmente, em cerimónias religio-sas, como a eucaristia.Contrariamente, muitos rapazescaminham colocando a t-shirt por ci-ma do cós das cuecas, boxers ou cal-ções, cintando as calças ao meio dasnádegas, a fim de mostrarem a meta-de cimeira desta peça de vestuário!Esta recente cópia masculina domodo de vestir juvenil, e já vulgar, emalguns países estrangeiros, vem es-tando aliada à outra, igualmente re-cente, de inúmeros jovens passea-rem, na via pública, fazendo-se acom-panhar de cães – sem açaime – dos ti-pos pit bull e pastor-alemão. Ora, estes dois procedimentosafiguram-se perniciosos por trêsrazões: no primeiro caso, além daimpudicícia na amostragem da lin-gerie masculina, os jovens, que as-sim vestem as calças, tendem a ca-minhar com as pernas arqueadas,como se fossem cambaios, para evi-tar que as mesmas caiam, o quelhes pode entortar as pernas, numaidade em que a sua estrutura ósseaainda está em desenvolvimento. Oprocedimento canídeo é um claroatentado à integridade física dosdemais transeuntes.Ao cimo da via, junto ao semáforo,um número considerável de jovens,exibindo as saquetas de plástico, in-terpelam, diariamente, os passantespara a venda de impressos e selos fis-cais – cujo preço varia em função dacapacidade argumentativa do com-prador – para os vários tipos de docu-mentos relacionados com automó-vel, a serem tratados na contígua Di-recção Nacional de Viação e Trânsito. No fim do dia, observámos a mano-bra perigosa de um motoqueiro que,desrespeitando a linha divisória dasfaixas de rodagem, apenas imaginá-ria, pois já inexistente, embate contraum carro ligeiro: moto e condutor es-tatelam-se no chão! O polícia de trân-sito, habitual naquele cruzamento,toma conta da ocorrência. Depressaum magote de transeuntes circunda

os envolvidos, explicando a causa, di-tando sentenças sobre o aparatosoacidente. Uma das testemunhas ocu-lares coloca o sinistrado no carro em-batido, acompanha o dono do mesmono transporte do acidentado para ohospital, enquanto outros ajudam oagente a retirar a moto para cima dopasseio, em frente à Lavandaria Ses-senta. Entretanto, uma senhora pas-sa, transportando, à cabeça, uma bo-tija de gás assente numa rodilha. 22Nov14Atrás do prédio onde residimos,um rapaz, com cerca de 15 anos, lavaa roupa em dois dos três tanques depedra existentes no pátio, (seme-lhantes àqueles onde a saudosa lava-deira Ana, nas décadas de sessenta esetenta, lavava a roupa da família,nos bairros do Prenda e do Golf), ati-rando as peças lavadas para outro,para as repassar por água limpa ex-traída da cisterna aí existente. Mas não está só. Além da criançadaque brinca no espaço comum, outrosrapazes retiram o precioso líquidopara encher os bidões amarelos, de20 litros – originalmente utilizadospara óleo vegetal ou de palma – paravenda, em alguns dos apartamentosdo prédio ou no seu exterior.28Ago15Atendendo ao facto de a Universi-dade Lusíada ficar localizada na bai-xa da cidade, aproveitámos a dispo-nibilidade diária para, por vezes, en-trar nas igrejas aqui situadas, para al-guns momentos de introspecção.Cultivamos este hábito desde ten-ra idade, quando entrávamos paraesses templos levados pela mão dapiedosa mãe. Nessa era, “respirava-se” um clima extático, em que as ora-ções em grupo, como o rosário, eramrecitadas numa voz candidamenteharmoniosa; o silêncio e a obscurida-de imperavam, convidando à con-templação e à meditação. Actualmente, um crente raramen-te encontra, no interior das igrejas, oambiente ideal para o procurado re-colhimento. De tal modo que, em di-ferentes períodos do dia: de manhã,à hora do almoço ou à tarde, gruposde senhoras, envergando lenços, ca-misolas e panos com motivos reli-giosos, postadas nos bancos diantei-ros, rezam o terço, e outros tipos deorações, num tom de voz demasia-damente alteado, dificultando, aosrestantes e singulares fiéis, a im-prescindível concentração para adesejada “conversa” com Deus e/ouNossa Senhora. Outra moda que tem tido a adesãode mulheres dos diferentes estratossociais é a do tipo de tratamento quedispensam ao cabelo, preferindoadereços ao cabelo natural.Fazem-no por o terem encarapi-nhado, ou para extensão do liso quepossuem, ou, ainda, para alterarem

o visual: encobrem o cabelo naturalcom tranças postiças, grossas ou fi-nas, viradas, “sanguita”, “escamas”,“Bobs” “cocks” ou “Leila”; falhas loi-ras, com cabelo brasileiro, cachea-do ou liso; tissagens, aplicadas fiopor fio ou por costura, feitas comcabelo de fibra ou… humano! Fa-zem-no, simplesmente por estilo,sem razões de queda ou inexistên-cia de cabelo natural.A preocupação em não expor a ca-rapinha é de tal modo aflitiva quemuitas empregadas domésticas, porexemplo, socorrem-se de chapéuspara a esconderem durante o curtoperíodo da mudança de peruca ou depenteado; sacrificando muitos dosparcos kwanzas que auferem, nessetipo de vaidade capilar!Se o alindamento artificialprocu-rado é duvidoso, certos são os seusinconvenientes: a frequente comi-chão na cabeça e a quebra do cabelooriginal. Acrescente-se outro danocolateral: os cabelos de baixo custonão raras vezes são comercializa-dos com piolhos!O cidadão mais distraído poderiaser levado a cogitar que, a esta moda,aderem apenas as moças e mulheresjovens; puro engano, pois idosas háque usam este tipo de ornamento ca-pilar! A moda já vai abrangendo algu-mas bessanganas que, debaixo do

tradicional lenço, deixam à mostra afranja, ou pontas, da intervençãoefectuada no cabelo! Quanto às estudantes, vimos cons-tatando que algumas passam as aulasmais preocupadas em ajeitar a peru-ca, ou a alisar a tissagem, do que a ti-rar apontamentos sobre a matériaque está a ser explanada! Este fenómeno social tem-nos leva-do a cogitar: «Será que a globalizaçãotrouxe para África o costume dos cabe-los lisos das negras norte-america-nas?»; «Será que, num futuro próximo,deixarão de existir senhoras com len-ços na cabeça, na sociedade angolana?»Então, damos connosco a lembrarde que esta tendência já estava profe-tizada na velha canção popular, emvoga na nossa infância: «Negra de ca-rapinha dura não estraga o teu cabe-lo, me jura! Você não vai estragar oque vovó deixou pra você!» De resto, «tranças corridinhas»usam-nas as adolescentes e, «commissangas a cair», as menininhas.Que encantadoras elas ficam, com asbatas brancas a caminho da escola,ou com vestes cuidadas para a missadominical!Quo vadis cultura tradicional angolana?CONTINUA NA PRÓXIMA EDIÇÃO

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BARRA DO KWANZA |15Cultura|12 a 25 de Outubro de 2015 HOMENAGEM AO ZECA

FILIPE ZAUQuando decidi escrever este pe-queno texto de homenagem ao JoséPinto da Silveira Machado, vulgo José“Zeca” Machado, (que, quando músi-co, foi também Paulo Machado), de-corria em Lisboa, na Igreja do CampoGrande, uma missa de corpo presen-te, antes do seu definitivo embarquepara Angola. José Machado, saiu doLobito, sua terra natal, muito antes daIndependência, para estudar no Se-minário Maior de Carcavelos. Quando, posteriormente, abando-nou o Seminário, residia em casa doseu já falecido tio, André Tati Gomes,marítimo de Cabinda (onde, por sinal,também eu vivia com os meus pais epadrinhos de baptismo). A verdadei-ra vocação que teve pela música, fê-lovocalista de, pelo menos, três agrupa-mentos de música moderna. Os “Kee-pers” e o “Octógono” foram dois dosconjuntos musicais, que, na década de60, esteve envolvido, com actuaçõespermanentes, principalmente, em ba-res e discotecas do Algarve. Cantar,em Luanda, em parceria com PercySledge, um “soulman” de referêncianos EUA e no mundo, não foi por aca-so. Tinha a tarimba e anos de estradasuficientes para o fazer e fê-lo com anecessária competência.José Machado abandonou (possi-velmente em finais da década de 60ou início da década de 70) a sua car-reira musical para ser comissário debordo da TAP e, depois da Indepen-dência, foi comissário da TAAG, ondese distinguiu como bom profissional,

o que, concomitantemente, fez deletambém um bom formador daqueleramo de actividade. Foi também pro-fessor de inglês e de ética e bons cos-tumes. Mas, maioritariamente, foi umexcelente comunicador, um bom pa-triota, um bom cidadão… e um gentle-men de referência, como muito pou-cos existem até hoje na sociedade an-golana, fruto da sua boa formação edos valores inculcados que sempresoube cultivar. Depois de ter saído do Seminário,o casaco castanho cor de mel foi, du-rante muitos anos, marca de estilo doZeca, para além da sua paixão pelofutebol. Dele recebi algumas explica-ções no decurso dos meus estudos li-ceais, o gosto pela música (ao ouvir-mos, em conjunto, os discos de 78, 45e 33 rotações de música variada(maioritariamente latino-americanae brasileira) que tocavam no “pickup” automático de marca “Loewe Op-ta”, trazido da Alemanha pelo nossotio André. Não raras vezes, este bomaparelho sonoro animou farras doClube Marítimo Africano, em finaisda década de 50.Ao Zeca Machado, meu queridoprimo, devo, entre outras coisas, ogérmen motivador para me dedicarà música angolana. Dele ouvi, deforma entusiástica, as estórias queserviram de mote para às minhasprimeiras composições: “DomingasCanhari” (Nha Kicoio) e “VelhoAndjolo” (Tambula M’bolo), figurasemblemáticas do quotidiano lobi-tanga de outros tempos. Há pouco mais de um ano a estaparte, prometi-lhe musicar a estóriado “Xico Nkuma”, que também me ha-via sido contada pelo Zeca, na décadade 60, quando, da última vez, estive-mos juntos na festa do 10º aniversá-rio da UnIA. Temo já não ser capaz dea fazer, porque, para mim, não tem si-do nada fácil digerir, assim, de umahora para a outra, a notícia da suainesperada e prematura partida.

A doença levou para o reino de Kalunga, no passado dia 25 de Se-tembro, Adão Canoa, co-fundador do grupo União 54, do distrito Urba-no da Maianga.Adão Canoa deu o melhor do seu saber e da sua arte para o engran-decimento da agremiação e a sua participação no Carnaval de Luanda,a maior festa do povo angolano.Foi sob a sua liderança que o União 54 conquistou, em 1998, o pri-meiro lugar no desfile do Carnaval de Luanda.O dedicado mestre do carnaval assumiu plenamente a missão cultu-ral de transmitir o seu legado à juventude, como forma de manter vivaa mística do grupo e fazer renascer a alegria do bem dançar o Carnaval.Adão Canoa teve participação activa na fundação do grupo carnava-lesco União 54, em 1954, fruto da fusão de quatro agremiações daMaianga.

RECORDAR ADÃO CANOA, DO UNIÃO 54

Segues, mais à noite, para a tuaderradeira viagem, meu querido pri-mo. Lamentavelmente, terei de acei-tar que a vida foi, a vida é e será sem-pre algo que começa e um dia (inde-pendentemente das circunstânciasque vierem a ocorrer) ter fim, disse-me, por outras palavras e para meconsolar, o Mito, seu irmão mais no-vo, que seguiu a profissão do Zeca co-

mo comissário de bordo da TAAG. Sóme resta desejar, do fundo do meucoração, paz à sua alma e que a suamemória nunca se perca. Que se nosapresente como exemplo permanen-te de um verdadeiro homem, de umverdadeiro pai, cujos princípios e ri-gor viabilizaram sempre uma sã con-vivência com os seus próprios fami-liares e os demais.

José Machado ( Zeca )

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16| BANDA DESENHADA 12 a 25 de Outubro de 2015 | Cultura