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O IMAGINÁRIO POÉTICO NA OBRA DE RAÚL GONZÁLEZ TUÑÓN
Dayenny Neves Miranda
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Literários Neolatinos-Literaturas Hispânicas). Orientadora:Profª. Doutora Mariluci Guberman.
Rio de Janeiro Julho de 2008
RESUMO
O IMAGINÁRIO POÉTICO NA OBRA DE RAÚL GONZÁLEZ TUÑÓN
Dayenny Neves Miranda
Profª Drª Mariluci Guberman
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, da Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Literários Neolatinos – Literaturas Hispânicas).
O presente estudo consiste em analisar as imagens poéticas em alguns poemas do escritor argentino Raúl González Tuñón. A relevância dessa análise se deve à conjunção harmoniosa de seus versos e estrofes, tanto na produção citadina quanto na da Guerra Civil espanhola. Nesta pesquisa são abordadas as obras El violín del diablo, A la sombra de los barrios amados, La veleta y la antena, La rosa blindada e La muerte en Madrid. Pela participação ativa do poeta na Vanguarda argentina, tratou-se de contextualizá-lo nesse movimento. Por sua poesia apresentar características do surrealismo, pesquisou-se não só essa estética, mas também como se constrói a imagem surrealista na obra tuñoneana e como se apresentam seus personagens. Pela participação do poeta na Guerra Civil espanhola, verificou-se como estão reveladas as imagens bélicas do conflito espanhol, bem como as representações humanas na poesia social do escritor portenho. Este estudo também apresenta uma comparação entre a imagem poética e a imagem fotográfica, onde ambas tomam como tema o confronto espanhol ocorrido de 1936 a 1939.
Palavras-chave: surrealismo, Guerra Civil espanhola, Vanguarda argentina, poesia, Raúl González Tuñón.
Rio de Janeiro Julho de 2008
RESUMEN
O IMAGINÁRIO POÉTICO NA OBRA DE RAÚL GONZÁLEZ TUÑÓN
Dayenny Neves Miranda
Profª Drª Mariluci Guberman
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, da Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Literários Neolatinos – Literaturas Hispânicas).
Este estudio tiene como objetivo analizar las imágenes poéticas en algunos poemas del escrito argentino Raúl González Tuñón. La relevancia de ese análisis se debe a la conjunción armoniosa de sus versos y estrofas, tanto en la producción citadina como en la de la Guerra Civil espanhola. En esta pesquisa son abordadas las obras El violín del diablo, A la sombra de los barrios amados, La veleta y la antena, La rosa blindada y La muerte en Madrid. Por la participación activa del poeta en la Vanguardia argentina, se trató de contextualizarlo en ese movimiento. Por su poesía presentar características del surrealismo, se pesquisó no sólo esa estética, sino también cómo se construye la imagen surrealista en la obra tuñoneana y como se presentan sus personajes. Por la participación del poeta en la Guerra Civil española, se verificó cómo se revelan las imágenes bélicas del conflicto español, así como las representaciones humanas en la poesía social del escritor porteño. Este estudio también trae una comparación entre la imagen poética y la fotográfica, donde ambas tienen como temática el confronto español ocurrido de 1936 a 1939.
Palabras clave: surrealismo, Guerra Civil española, Vanguardia argentina, poesía, Raúl González Tuñón
Rio de Janeiro Julho de 2008
RÉSUMÉ
O IMAGINÁRIO POÉTICO NA OBRA DE RAÚL GONZÁLEZ TUÑÓN
Dayenny Neves Miranda
Profª Drª Mariluci Guberman
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, da Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Literários Neolatinos – Literaturas Hispânicas).
L’ objectif de cette étude consiste à analyser les images poétiques par quelqu’un poemes de l’écrivain argentine Raúl González Tuñón. L’ importante de cet analyse se doit à la conjoction harmonieuse de ses verses et strophes, autant la production citadine que dans la Guerre Civile spagnole. Cette rechercehe s’agit des oeuvres El violín del diablo, A la sombra de los barrios amados, La veleta y la antena, La rosa blindada e La muerte en Madrid. Pour la participation active du poète de la avant-garde argentine, on l’ a situé dans ce mouvement. Pour la caracterization de la poésie surréaliste de Tunon, on a recherché non seulement cet estetique, mais aussi la construction de l’image surrealiste dans l’oeuvre tononeana et l’apresentation de ses personnages. Pour la participation du poète à la Guerre Civile spagnole, on a examiné comment sont revelées les images belliqueuses de la confrontation spagnole et les représentations humaines dans la poésie sociale d’écrivain porteño. Cet étude present aussi une comparaison entre l’image fotographe et poétique, dans lesquelles parlent de la confrontation spagnole qui a apparue en 1936 à 1939.
Mots-clé: surrealisme, Guerre Civile spagnole, Avant-garde argentine, poésie, Raúl González Tuñón
Rio de Janeiro Julho de 2008
Dedicatória
A Deus, pela vida e pela benção de me conceder
saúde e força.
Ao meu marido Leonardo, pelo amor, pelo apoio e pela
compreensão incondicional.
À minha mãe e à minha avó Leda que sempre me
motivaram a prosseguir nos estudos, desde a minha
infância até essa etapa.
À Professora Mariluci, por sua dedicação, por sua
paciência e por sua confiança em mim e nesta
pesquisa.
Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela
inicial subvenção financeira, que me auxiliou no início das pesquisas.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo
amplo subsídio financeiro que me foi concedido, o qual me possibilitou aprofundar
minhas pesquisas e concluir o presente curso.
Ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da UFRJ pelo suporte
técnico e incentivo acadêmico durante o curso.
À Professora Doutora Mariluci da Cunha Guberman, que mesmo sendo uma
renomada pesquisadora sempre se mostrou amiga, humana e solidária. Sua
obstinação em transmitir conhecimento foi fundamental para o meu desenvolvimento.
Persistente, competente e atualizada, indicava novas bibliografias que poderiam me
auxiliar na tessitura da pesquisa, portanto uma excelente orientadora.
Além da orientação intelectual, a dedicação e o carinho da professora Mariluci se
mostraram presentes em todos os momentos e fases do desenvolvimento da pesquisa,
desde o empréstimo de aportes teóricos tão essenciais para a elaboração do trabalho
até as correções e os conselhos que foram fundamentais para o resultado final.
De suma importância também foi toda a motivação fomentada pela professora
Mariluci para que, desde a Graduação, eu participasse de eventos, como congressos e
colóquios, os quais me proporcionaram uma grande troca de experiências e
conhecimento, o que se tornou fundamental para minha vida acadêmica, profissional e
pessoal, resultando na presente dissertação de Pós-Graduação.
Serei eternamente grata, Mariluci, não apenas pela importante orientação
acadêmica investida em mim durante horas ao telefone e em diversas reuniões,
abdicando de seu tempo em prol de minha formação, mas, principalmente, pelos
preciosos conselhos que proporcionaram meu desenvolvimento como ser humano.
À Professora Doutora Isis Fernandes Braga, que com seriedade e competência,
expandiu minhas idéias na Pós-Graduação com uma importante base teórica durante o
curso “A fotografia, espelho da sociedade”, realizado na Pós-Graduação da Escola de
Belas Artes da UFRJ, contribuindo, ativamente, na tessitura do quarto capítulo da
minha dissertação, intitulado “A imagem da Guerra Civil espanhola”. Destaco também a
pronta dedicação em sugerir e acrescentar informações essenciais sobre a fotografia,
consequentemente sobre a imagem, que foram pertinentes à análise.
Ao Professor Doutor Edson Rosa da Silva, que no curso de mestrado “A
literatura como arquivo da história”, realizado na Pós-Graduação da Faculdade de
Letras da UFRJ, norteou-me para uma nova visão da história pelo olhar de Baudelaire,
contribuindo para ampliação da minha análise no que concerne ao estudo da obra de
Raúl González Tuñón como poeta, visto que este autor era um fervoroso leitor de
Charles Baudelaire.
À Professora Doutora Helena Gomes Parente Cunha que no curso “O pós-
modernismo na literatura”, ministrado na Pós-Graduação da Faculdade de Letras da
UFRJ, proporcionou-me uma visão mais detalhada dos conflitos e da descentralização
do indivíduo moderno, possibilitando assim, uma observação mais aguçada das
transformações sociais e citadinas que antecederam a época pós-moderna.
À Professora Doutora Mariluci da Cunha Guberman que nos cursos “Poesia e
contexto sócio-cultural” e “Poéticas da modernidade”, ampliou minha visão crítica sobre
a imagem poética da cidade. Com extrema habilidade e um conhecimento profundo
sobre o assunto, Mariluci aportou à discussão sobre a construção da imagem citadina,
conduzindo o aprofundamento da análise por diversos campos literários.
Ao Professor Doutor Luiz Edmundo Bouças Coutinho que, com muita
sensibilidade e embasamento teórico, encaminhou-me nos primeiros passos da
literatura e de seus movimentos literários no início da Graduação, através da disciplina
“Teoria Literária III”.
Ao professor Doutor Joel Rufino, já aposentado, que me direcionou na análise
dos aspectos formais e técnicos da narrativa literária durante a Graduação, através da
disciplina “Literatura Brasileira II”, despertando-me para o mundo dos romances.
À Kátia Maria Romeiro, pessoa que foi fundamental durante minha Graduação,
apoiando-me em alguns momentos difíceis da minha vida.
À Debora Ribeiro Lopes e à Bethania Guerra de Lemos, que me proporcionaram
o acesso a alguns recursos bibliográficos.
A todos meus familiares, principalmente Tio Ignácio e Tia Felicidade pelo
constante incentivo moral e financeiro, pela paciência, pela compreensão e pelo
carinho.
Aos meus amigos que me ajudaram e me apoiaram em todos os momentos.
Aos companheiros de faculdade que compartilharam comigo idéias e ideais tão
valiosos para a vida acadêmica e pessoal.
Me había ocurrido el nacer y el vagabundear adolescente -cuando era chico miraba llover y me gustaba los agrios dulces […] y cuando de pronto me vi corriendo delante de la muerte -estaba trémulo, solo en la soledad de los Llanos- la vida me pareció tremendamente deliciosa y tremendamente, verdaderamente peligrosa. Raúl González Tuñón
Sinopse
Análise crítico-literária da obra poética do
escritor argentino Raúl González Tuñón.
Abordagem da Vanguarda Argentina, bem como
dos percursos realizados pelo autor. Ênfase
para a análise da imagem surrealista e da
imagem da Guerra Civil espanhola. Estudo das
personagens populares de Buenos Aires e dos
atores do conflito bélico espanhol.
Sumário
INTRODUÇÃO........................................................................................... 13
1ª PARTE: A VANGUARDA ARGENTINA
I. A VANGUARDA ARGENTINA................................................................ 20
II. RAÚL GONZÁLEZ TUÑÓN, O CAMINHADOR..................................... 30
2.1 Em Buenos Aires................................................................................. 30
2.2 Na Espanha........................................................................................ 43
2ª PARTE: A IMAGEM NA OBRA DE RAÚL GONZÁLEZ TUÑÓN
III. A IMAGEM SURREALISTA................................................................. 55
3.1 O surrealismo em Buenos Aires....................................................................... 59
3.2 O olhar poético de González Tuñón sobre a capital argentina...................... 61
“Eche veinte centavos en la ranura”, entre o real e o sonho.......................... 61
“Poetango de la belle époque”, o cantor da cidade...................................... 68
“Motivo para una cajita de música”, sonhar é estar vivo............................... 82
IV. A IMAGEM DA GUERRA CIVIL ESPANHOLA
4.1 A defesa da República Espanhola........................................................... 91
4.2 A imagem do caos na Espanha de 1936................................................... 94
4.2.1 As imagens fotográficas da guerra................................................... 96
4.2.2 As imagens bélicas na poesia de González Tuñón............................ 105
“La Libertaria”, toda manchada de sangue............................................... 107
“Cuidado, que viene el Tercio”, da marcha militar ao ritmo do poema.......... 114
“Domingo Ferreiro”, toque a gaita... ...................................................... 120
CONCLUSÃO.......................................................................................... 131
BIBLIOGRAFIA........................................................................................ 139
Introdução
Em contato com as obras do escritor argentino Raúl González Tuñón, interessei-
me pela poética e estratégia de sua poesia, que conseguem exprimir simultaneamente
o real e o imaginário. Entretanto, deparei-me com um problema: a escassa divulgação
da vida e da obra de González Tuñón no Brasil. Esse fato foi um desafio que me
impulsionou a buscar e a aprofundar meus estudos sobre esse autor, visto que no
Brasil não se têm notícias de pesquisas a seu respeito, e seu nome é pouco conhecido
pelos pesquisadores brasileiros. Porém, cabe ressaltar a importância do poeta
argentino no universo literário, pois o autor percorreu diversos países como Brasil,
França, Espanha e grande parte da América do Sul e da Ásia, expressando
poeticamente o que observou nesses lugares: na Argentina, ampliou seu universo de
conhecimento e, a partir das inúmeras viagens, estreitou os temas de suas poesias,
como a cidade, a injustiça, as revoluções, a aventura e o cotidiano.
Priorizaram-se nesta pesquisa as experiências literárias que o autor teve na
Argentina (Buenos Aires) e na Espanha. Devido à falta de tempo hábil, torna-se
impossível, neste momento, analisar toda sua produção poética, mas seria importante
estudar a poesia de Raúl González Tuñón produzida na época em que descobre Paris.
Contudo, esta cidade será objeto de estudos futuros.
Nos últimos anos, ocorreu na Argentina um resgate da obra tuñoneana, a qual
foi a fonte de inspiração para grandes autores contemporâneos como Juan Gelman.
Assim começaram a reeditar alguns de seus livros e, inclusive, em 2005 ocorreu uma
homenagem ao centenário de seu nascimento, juntamente com um concurso de
poesia, que levou seu nome e a mostra de um vídeo sobre seu poema, intitulado
Juancito Caminador, entre outras homenagens.
Nesta dissertação de Mestrado, serão abordadas as seguintes obras de Raúl
González Tuñón: El violín del diablo (1926), A la sombra de los barrios amados (1957),
La veleta y la antena (1971), La rosa blindada (1936) e La muerte en Madrid (1939).
Nesta fase encontramos poemas que tratam das cidades de Buenos Aires e Madrid.
Todos esses espaços foram visitados pelo poeta, assim, será relevante pesquisar o
conceito de cidade na obra poética de González Tuñón.
Esta pesquisa está dividida em duas partes. Na primeira parte faz-se uma breve
contextualização do poeta na Vanguarda argentina. Por selecionar a cidade como
objeto de estudo, torna-se indispensável o conhecimento de como a capital argentina,
bem como as localidades espanholas, foram apreendidas pelo olhar do autor, e o que
essas urbes significaram para ele.
A obra de Raúl González Tuñón, participante ativo de movimentos artístico-
literários, que fizeram parte da Vanguarda argentina, como Florida e Boedo, exige a
contextualização do poeta nesta época tão fértil para o mundo artístico argentino. Com
este fim, estudar-se-á, no capítulo 1, a Vanguarda argentina (ZANETTI, 1980/1986);
(GARCÍA FELGUERA, 1993) e os manifestos da Vanguarda (OSORIO, 1988);
(SCHWARTZ, 1995), que são necessários para que se tenha uma maior compreensão
e dimensão de suas obras poéticas.
Raúl González Tuñón (1905-1974) nasceu em Buenos Aires, filho de imigrantes
espanhóis; sua mãe morreu quando ele ainda era criança e tinha sete anos; seu pai,
operário, morreu atropelado por um ônibus com um pouco mais de cinqüenta anos.
González Tuñón foi jornalista e poeta, mas pode-se dizer que foi mais poeta que
jornalista.
Desde a infância, González Tuñón viveu cercado de magia e política. Sua casa
no bairro Once, estava próxima da Praça do Once, que era um lindo bosque, de onde
partiam as famosas manifestações socialistas sempre no dia primeiro de maio. Já sua
imaginação era despertada pelos sons dos apitos dos trens e pelos constantes
passeios ao porto.
A todo esse contexto histórico do autor será dedicado o capítulo 2 desta
dissertação, intitulado “Raúl González Tuñón, o Caminhador”, que está subdivido em:
“Em Buenos Aires” e “Na Espanha”. Nesses subcapítulos faz-se um breve estudo do
poeta no seu momento argentino, bem como no seu momento espanhol.
Na segunda parte deste estudo pretende-se analisar a construção da
imagem poética na obra tuñoneana. Para esse fim, apresenta-se o capítulo 3, intitulado
“A imagem surrealista”, que está subdivido em duas partes. Na primeira parte, “O
surrealismo em Buenos Aires”, aporta-se à questão da estética surrealista nesta
cidade, para tanto toma-se como modelo os estudos sobre o conceito surrealista de
PAZ (1983). Na segunda parte, “O olhar poético de González Tuñón sobre a capital
argentina”, serão analisadas as imagens surrealistas de Buenos Aires e como atuam
nos poemas do escritor argentino.
Percebe-se a importância da cidade (LYNCH, 1999) em sua produção e, para
este fim, tratar-se-á de como o poeta observa e sente o espaço urbano, como o registra
e como esse espaço e seus símbolos (ELIADE, 1991) se imprimem em sua memória.
Ao se pensar no olhar do poeta em relação à cidade, tornam-se necessários os
estudos sobre o olhar (NOVAES, 1988) e a imagem (VILLAFAÑE, 2002).
Raúl González Tuñón, como quase todos os poetas de sua época, participou da
corrente surrealista, por isso algumas de suas poesias apontam para a transformação
do homem através da liberação do inconsciente (FREUD, 1966). Como se pode
verificar no poema “Eche veinte centavos en la ranura”, do livro El violín del diablo, o
poeta parte do real e ingressa subconscientemente em sua infância, com o propósito
de vivenciar de novo uma etapa feliz de sua vida, através de uma linguagem lúdica.
Dentro do contexto surrealista, encontra-se o poema “Motivo para una cajita de
música”, do livro A la sombra de los barrios amados, onde o eu-lírico exalta o cotidiano
e o bairro, revelando seu amor pela cidade, por seus locais. Como um excelente
observador, o poeta descreve nostalgicamente o ambiente citadino. Nesses versos o
sonho será o mecanismo empregado para provocar o lúdico, simbolizado pela caixinha
de música.
Na composição poética, “Poetango de la Belle époque”, do livro La veleta y la
antena, o poeta se posiciona como o cancioneiro da cidade, evocando de maneira
fantasiosa e criativa os espaços por onde passou. Com o seu rememorar, ele propicia
ao leitor a imersão em sensações nostálgicas e irreais, exaltando todo o ambiente
citadino de forma quase que universal.
No capitulo 4 desta dissertação, “A imagem da Guerra Civil espanhola”, a poesia
lírica cede espaço para o estudo da poesia social de Raúl González Tuñón. Esse
capítulo está dividido em “A defesa da República espanhola”, onde se faz um breve
estudo sobre o movimento republicano na capital espanhola durante o enfrentamento
com o General Francisco Franco, e em “A imagem do caos na Espanha de 1936”. Este
último subdivido em “As imagens fotográficas da guerra” e “As imagens bélicas na
poesia de González Tuñón”.
Para trabalhar a imagem do caos, empregou-se os estudos de CALABRESE
(1994), no qual o autor discorre sobre o conceito de objeto fractal, aplicado à literatura.
Este conceito será amplamente empregado na pesquisa durante a discussão sobre a
imagem poética e a imagem fotográfica.
Por trabalhar com algumas fotografias bélicas, fez-se necessário o estudo da
construção da fotografia de guerra, desde o seu princípio até o que se chegou com a
Guerra Civil espanhola, quando se empregou, neste trabalho, fotografias de um
importante fotógrafo espanhol desse período: Agustí Centelles (1909-1985).
O primeiro poema, que inaugura a série de análises sobre a Guerra Civil
espanhola, trata de “La Libertaria”. Nessa composição o eu-lírico deixa expresso sua
comoção diante de um acontecimento brutal que marcou o cenário mundial: a morte de
uma jovem de 13 anos durante um confronto entre os soldados e os mineiros
asturianos. Esse poema também se assemelha à espécie de hino republicano, pois
toda sua métrica garante o ritmo durante sua leitura.
O segundo poema aportado é “Cuidado, que viene el Tercio”. Nessa
composição, o autor usa seus recursos poéticos para, através do eu-lírico, alertar a
população perante a constante ameaça. Também, por sua rima e disposição de seus
versos, cria-se uma composição muito semelhante a um tipo de marcha comprometida
com a guerra. Apesar de manter propostas surrealistas, não podemos deixar de
destacar outro marco importante em sua obra que é o caráter social como tema
freqüente em alguns de seus livros. Devemos destacar o poema “Domingo Ferreiro”,
pertencente ao livro La Muerte en Madrid, que denuncia os desmandos e crueldades
praticadas na época da Guerra Civil espanhola. Devido à publicação de três obras
voltadas para essa temática, não se poderia deixar de abordar as cidades espanholas
na época do conflito bélico na Espanha.
Os problemas sociais e políticos sempre estiveram no centro de sua ação e de
sua reflexão, assim como também a consciência de que a poesia deveria acompanhar
os processos históricos. Apesar de possuir livros premiados, de integrar vários
movimentos de suma importância na arte literária e de ter convivido com grandes
nomes da literatura mundial, como Pablo Neruda, Jorge Luis Borges, Federico García
Lorca e Miguel Hernández, suas poesias são pouco divulgadas. Talvez tanto
esquecimento não seja casual, em se tratando de alguém cuja voz política se deixou
escutar muito longe dos círculos oficiais. Por convicção e eleição própria, sua conduta
foi transgressora do poder instituído e, por isso, ficou à margem. Seus poemas retratam
essa marginalidade.
Em uma entrevista ao escritor argentino Horacio Salas, González Tuñón elege
seus livros prediletos, El violín del diablo, 1926; La calle del agujero en la media, 1930
e La rosa blindada, 1936. O primeiro relata suas andanças juvenis no porto, nos
subúrbios, no baixo mundo portenho, tema de toda obra, onde descreve como ninguém
esse lado marginalizado de Buenos Aires, como os cafetões e os cabarés de
marinheiros, prostitutas, ladrões e canalhas; o segundo, relata o deslumbramento que
Paris lhe causou com suas mulheres, esquinas, bares e boemia; o terceiro é um livro
que reúne algumas idéias políticas da época: González Tuñón é a ante-sala da
sangrenta Guerra Civil espanhola.
Percebe-se que Raúl González Tuñón não se acovardava perante o sistema
político e que nunca deixou de cantar a alma humana em seus versos. O autor
considerava corretas todas as formas de expressão e todos os tipos temáticos, sua
única preocupação era que respeitassem o desejo primeiro do espírito humano, a
fidelidade ideológica. Afirma González Tuñón: “Para mí todas las formas, todos los
temas son válidos. Lo importante es que respondan a un impulso auténtico”. 1
Rául González Tuñón não tinha problemas em ser considerado pouco
rebuscado, pelo contrário, gostava disso. Segundo o autor, “um poeta popular puede
devenir poeta culto, pero difícilmente a la inversa”. 2 Para o autor, mais importante que
1 GONZÁLEZ TUÑÓN (1997) p. 42. 2 Ibidem.
se enclausurar em uma biblioteca, é ir para a rua e vivenciar a cidade, beber o
conhecimento que ela oferece, desfrutar do seu prazer, entregar-se à urbe e permitir o
embriagar-se dela, para assim retratá-la de forma fiel e sensível.
O objetivo de González Tuñón, durante sua caminhada em busca da forma
perfeita, era fazer-se entender, levar para o outro sua beleza poética. Cantar o amor e
a vida. Doar-se em verso e prosa. Entregar sua alma à sua lírica...
I. A VANGUARDA ARGENTINA
Durante o início do século XX, o movimento vanguardista se associou
diretamente ao Modernismo Hispano-Americano do final do século XIX, que teve como
expoente o escritor nicaragüense Rubén Darío. Escritores de ambos os períodos
apresentavam-se como homens do novo século, declarando uma literatura fruto de um
presente histórico, marcado por intensas transformações, e negando toda uma estética
tradicionalmente denominada como padrão e emblema da elite. Inaugura-se um novo
tempo, um novo pensamento se forma; agora, o momento é de Modernidade.
Enunciada através de um dualismo incessante, ora tradicional ora revolucionária, essa
nova perspectiva passa não somente a surpreender e extasiar, mas também a negar
movimentos artístico-culturais anteriores aos seus, iniciando, desta forma, o que
Octavio Paz (1989) chamou de “tradição da ruptura”.3
3 PAZ (1989) p. 17.
A partir dos anos 20, verifica-se uma divergência entre duas tendências
literárias: por um lado, o grupo dos pós-modernistas, que buscavam a simplicidade
lírica e condenavam o prosaísmo sentimental; por outro lado, estavam os mais
audazes, que lutavam radicalmente pela liberdade artística, culminando com a estética
de Vanguarda, partidária da ruptura e da renovação da arte até suas últimas
possibilidades.
O termo vanguarda origina-se do francês avant-garde, que se refere, no
contexto militar, a todo deslocamento de uma força que vai para frente do restante em
ação ou ataque. Essa palavra já era utilizada no século XIX para se referir às
tendências progressistas da época. A primeira menção registrada encontra-se no
ensaio de O. Rodrigues, L’artiste, le savant et l’industriel (1825), porém sua
abrangência ao conjunto de movimentos artísticos, que inovou o século XX, só
acontece a partir do período bélico. Por isso, foi amplamente utilizada para definir o
período artístico e literário que antecedeu a Primeira Guerra Mundial e inovou a época
de entre-guerras.
A vanguarda surge na Espanha diante de um cenário político e social
decadente, estabelecido pela crise de 98. O primeiro movimento vanguardista na
Espanha foi inaugurado por Ramón Gómez de la Serna ao publicar El concepto de la
nueva literatura em 1908. Em meio ao conceito de Gómez de la Serna também se
desenvolveu o Ultraísmo em 1918. Este aspirava uma arte liberada dos empecilhos da
razão, uma literatura que funcionasse como um jogo disparado e afortunado, sem
regras que limitassem a imaginação do poeta.
Na América Hispânica a vanguarda poética surge durante a Primeira Guerra
Mundial (1914-1918) e a Revolução Mexicana (1910), porém nesse início de
movimento os poetas parecem ignorar esses dois grandes conflitos políticos, detêm-se
na estética e decidem avançar na linguagem através da metáfora, que será a grande
fonte de inspiração desses escritores.
O movimento de vanguardas marcou as novas tendências artísticas do século
XX. Esse movimento primava pela plasticidade e pela espacialidade. Como uma crítica
aos valores tradicionais do Modernismo de Rubén Darío4, o início do século XX
representou um período de profundas mudanças da história literária e artística tanto
nos países hispano-americanos como nos países europeus.
Os diversos movimentos de vanguarda, nascidos tanto em solo europeu quanto
em solo hispano-americano, apontavam para uma mesma direção: a ruptura com o
tradicional. Devido à pluralidade de tradições influenciadas por diversos fatores
(sociais, culturais, políticos, econômicos e tecnológicos), os movimentos de vanguarda
tiveram várias ramificações na Europa: cubismo, expressionismo, futurismo, dadaísmo,
ultraísmo, surrealismo. Na América Hispânica as vanguardas surgem quase
simultaneamente em diferentes países, embora com distintas denominações
(criacionismo no Chile, Estridentismo e Contemporâneos no México; Ultraísmo,
Martínfierrismo e Surrealismo na Argentina).
A vanguarda pode ser dividida em duas fases. A primeira com os movimentos
criacionista, ultraísta e estridentista, que parecem culminar em 1926, quando se publica
a antologia Indice de la nueva poesía americana, que irá contribuir para a segunda fase
da vanguarda, o surrealismo.
A entrada oficial da Argentina no conturbado mundo da vanguarda ocorre com a
publicação (em 1921 e 1922) de Jorge Luis Borges dos dois números da revista mural
Prisma, afixados nos muros de Buenos Aires. Após tantos anos no exterior, Borges
4 Rubén Darío, poeta e prosador nicaragüense (1867-1916), foi o iniciador e o máximo representante do Modernismo literário em língua espanhola, um estilo rico em musicalidade, que pretendia inovar a arte poética.
redescobre sua cidade natal, e esse fato o leva a publicar seu primeiro livro de poemas,
Fervor de Buenos Aires (1923), no qual se verifica a influência da estética ultraísta.
O momento político que a Argentina presenciava era propício às
transformações. Em 1926, com sua eleição à presidência da República, Hipólito
Yrigoyen consegue abalar as forças oligárquicas e principia um governo de reformas
sociais que concederá à classe média almejar, pela primeira vez, a possibilidade de
uma real participação na vida nacional. O governo de Yrigoyen também foi
caracterizado, no ano de 1918, por uma respeitável reforma universitária, que provocou
a mudança do sistema educacional argentino e ressoou por toda América Latina. Do
mesmo modo, o pós-guerra e a Revolução Russa trouxeram grande influência
ideológica para os intelectuais e para a constituição do gosto literário.
A partir de 1922, toda ebulição intelectual argentina desencadeia uma explosão
de manifestos, editoriais, folhetos e, principalmente, revistas. Tais instrumentos
propiciaram maior dinamismo ao espírito de ruptura dos grupos vanguardistas. Nessa
década, a Argentina presenciou o surgimento de oitenta e três novas revistas. Toda
essa variedade multiforme refletia as polarizações e as tendências que não demoraram
a se apresentar. São exemplos os binômios nacional/cosmopolita e poesia pura/poesia
engajada, que determinaram os perfis ideológicos das revistas.
Após Prisma, a primeira dessas revistas foi Proa, organizada em sua primeira
fase (1922-1923) por Borges, Eduardo González Lanuza e Francisco Piñero. Se Prisma
e Proa foram as precursoras das revistas de vanguarda, foi com Martín Fierro (1924-
1927) que o movimento de fato se consolidou na Argentina.
Além dos manifestos, muitas dessas revistas eram dirigidas por Oliverio Girondo
e Jorge Luis Borges. Segundo Óscar Collazos “em 1924 o ultraísmo chegou a seu
ápice”. Borges e outros escritores retomam a revista Proa na sua 2ª etapa; enquanto
isso surge a publicação mais revolucionária da vanguarda argentina: a Revista Martín
Fierro dirigida por Evar Méndez e Oliverio Girondo. Essa revista, que já existia desde
1904, dirigida por Alberto Ghiraldo, e apresentava tendências anarquistas, foi a mais
representativa da vanguarda portenha, devido a sua íntima relação com as propostas
revolucionárias de inovação total da arte, bem como pelo caráter polêmico que
matizava a revista. De acordo com Evar Méndez,
MARTÍN FIERRO aparece quase exclusivamente como um jornal de poetas, e em suas páginas registrou-se o mais fiel reflexo do movimento literário de nossa juventude durante os últimos anos, no que havia de mais vivente e moderno e mais vinculado com a poesia, e precisamente a nova poesia.5
Segundo Jorge Schwartz6 (1995), o impacto das informações das novas
tendências e o caráter polêmico dos temas apresentados definiram Martín Fierro como
um divisor de águas na cultura Argentina. A revista possuía uma função crítica,
criadora e informativa, o que significou um abandono quase total dos critérios
tradicionais.
Oliverio Girondo, principal representante do movimento martinfierrista, como se
assumisse o papel de anunciador da nova estética portenha, escreve o Manifesto
Martín Fierro, publicado pela primeira vez no quarto número da revista, em 15 de maio
de 1924. Nesse manifesto, Girondo condena a arte mimética e afirma que existe a
capacidade de cada um criar sua verdadeira e única arte:
Frente el mimetismo que demuestran... Frente a la incapacidad de contemplar la vida sin escalar las estanterías de las bibliotecas… Martín Fierro tiene fe en nuestra fonética, en nuestra
5 OSORIO (1988) p. 232. 6 SCHWARTZ (1995) p. 105.
visión, en nuestros modales, en nuestro oído, en nuestra capacidad digestiva y de asimilación.7
Dentre todas as polêmicas contidas em suas páginas, destacam-se os
confrontos entre os grupos literários Boedo e Florida, pólos antagônicos da
intelectualidade argentina. Estes grupos surgiram de uma grande bipolarização
intelectual formada em Buenos Aires no inicio do século XX: de um lado, o grupo
popular Boedo, representado por escritores de acentuado localismo e com propostas
literárias socializantes; do outro, o grupo elitista Florida, representado por escritores de
exacerbado cosmopolitismo e favoráveis a uma aproximação entre a Argentina e os
mais importantes centros intelectuais e culturais da Europa.
Florida e Boedo nomeiam ruas de Buenos Aires, localidades com características
sociais totalmente díspares. A primeira é uma das vias mais importante da capital
argentina, localizada numa região elegante e comercial; a outra se localiza nos
arredores da capital, nos subúrbios onde os habitantes são na maioria imigrantes e
proletários.
Apesar da acepção das duas correntes ser pouco precisa e a distinção entre
ambas por vezes confusa, elas estão bem representadas. Do lado de Florida, os
martinfierristas, reunidos ao redor de uma série de publicações que abrangem desde a
folha mural Prisma e as revistas Proa (1ª e 2ª fases) até, sobretudo, a Martín Fierro (2ª
fase).
No lado adverso, empenhados na literatura como meio apropriado de refletir e
alterar os rumos da sociedade, estão Roberto Mariane, Leonidas Barletta, Álvaro
Yunque e os irmãos Tuñón. Seus modelos são o realismo-naturalismo, a literatura
7 Manifiesto Martín Fierro (1924). In: Vanguardas latino-americanas: polêmicas, manifestos e textos críticos (1995) p.203.
russa e a revista Clarté. Seu entusiasmo está na narrativa comprometida com a
realidade, que procura descrever um mundo recém-saído do caos da Primeira Guerra
Mundial e que tem na Revolução Russa um modelo de evolução social. O grupo possui
como instrumento de comunicação cultural as revistas Renovación, Los Pensadores,
Claridad e La Campana de Palo.
Apesar da polêmica entre os dois grupos, existem autores que não pertencem a
nenhum dos grupos e são de difícil classificação, como Roberto Arlt, ou aqueles que
participaram em revistas de ambos os grupos, como Álvaro Yunque, representante de
Boedo, que escreveu para Proa, ou Rául González Tuñón, para Martín Fierro.
Boedo e Florida discutiam também sobre a preocupação com o idioma espanhol,
ou melhor, com a língua “argentina”. Esta contestação tem sua raiz no século XIX,
acendida pelas tendências nacionalistas dos anos 20. “A Martín Fierro tem fé em nossa
fonética”, afirma Oliverio Girondo no Manifesto Martín Fierro. Já os autores boedistas,
consideram imprescindível agregar à língua literária as influências do enorme
contingente de imigrantes dos anos 20 e protestam contra a maneira como são
classificados pelo grupo Florida, que os define “filhos da espanholada, da italianada, da
russalhada, que escrevem mal, sem estilo porque escrevem como ouvem falar nas
ruas”.8 A procedência de ordem social do conflito entre Boedo e Florida reflete de forma
clara, no sistema dos sons articulados, tais crenças diferenciadas.
Outra polêmica ocasionada pela Martín Fierro foi a repercussão dada ao artigo
intitulado “Madrid, meridiano intelectual de Hispanoamérica”, publicado no jornal
madrilenho La Gaceta Literaria (abril de 1927), no qual o escritor Guillermo de Torre,
integrante do ultraísmo espanhol e colaborador de várias revistas de vanguarda latino-
americana, critica a influência francesa e italiana na cultura hispano-americana,
8 SCHWARTZ (1992) p.15.
enaltecendo o eixo Madri–América Hispânica como o único intercâmbio possível entre
seus antigos colonizados. Veja-se o trecho extraído do livro de Jorge Schwartz
(1992:103):
Pois chegou o momento de manifestar claramente o nosso critério. Não podemos mais contemplar com indiferença essa constante captação latinista das juventudes de fala espanhola, esse desfile enorme de estudantes, escritores e artistas em direção à França e Itália, elegendo tais países como centro de suas atividades (sem ao menos se dignarem tocar num ponto espanhol) ou considerando nosso país campo de turismo pitoresco. Daí então a necessidade urgente de propor e exaltar Madri como o meridiano intelectual da Hispano-América. A nosso ver, as novas gerações de estudantes e intelectuais deveriam romper a corrente equivocada de seus antepassados, aprestando-se a penetrar na atmosfera intelectual da Espanha, certos de que aqui podem encontrar não apenas uma acolhida cordial mas até mesmo uma atenção autêntica – mais desinteressada e eficaz do que a que encontram em Paris, por exemplo, representada por meia dúzia de hábeis aproveitadores do latinismo.9
Em meio a esta declaração desafortunada e preconceituosa, ocorre uma
indignação geral na América Latina, que apesar de desejosa pela inovação da arte,
possuía uma forte consciência patriótica. Logo, coube a Jorge Luis Borges a publicação
em Martín Fierro de um protesto ardente e anticolonialista, denominado “Madri,
¿meridiano intelectual de Hispanoamérica? Sobre el meridiano de una gaceta”,
publicado no número 42 da revista Martín Fierro de 10 de julho de 1927. Veja-se um
trecho extraído de Jorge Schwartz (1992:105):
A sediciosa nova geração espanhola nos convida a estabelecer em Madri (!) o meridiano intelectual desta América. Todos os motivos nos incitam a recusar com entusiasmo o convite. Hei de opinar numa só página de caderno; não os esgotarei. [...]
9 Ibidem p.103.
P.S. Não quero ser indigno de minhas lembranças nem pretendo me fazer forasteiro nas que sei guardar de Madri; mas o momento não é de salamaleques, é de verdades.
Borges, assim como todos os representantes da intelectualidade argentina, não
tinha a intenção de eliminar a cultura espanhola das tradições portenhas, tão pouco
menosprezá-la, mas jamais se condenaria a um colonialismo indireto conforme o
pretendido por Torre.
Está claro que o manifesto Martín Fierro representou a consolidação do
movimento vanguardista argentino, e que a questão do caráter nacional suscitada na
literatura deu inicio a um debate permanente nas letras latino-americanas, entretanto,
por motivos políticos a revista deixa de circular em 1927.
A Modernidade, período de negação e inovação, refletia no homem a angústia
diante da incerteza de se entregar a uma nova vida estabelecida nos modelos de uma
ideologia revolucionária. O medo do desconhecido, de não saber aonde todas essas
mudanças chegariam ou o que poderiam ocasionar, afloraram no homem um
sentimento de insegurança. O progresso avassalador, que destruía tudo a sua volta em
favor da modernidade, determinou a ideologia do inicio do século XX e propiciou o
surgimento da nostalgia, sentimento corrente em muitas obras poéticas.
II. Raúl González Tuñón, o ‘Caminhador’
2.1 Em Buenos Aires
Sabe-se que a biografia utilizada como a única maneira de valorizar a obra de
um autor não é pertinente muito menos adequada. Entretanto, para o estudo da poesia
de Raúl González Tuñón, a relação existente entre a vida e a obra pode permitir uma
leitura mais elucidativa, já que o conhecimento da biografia proporciona o entendimento
de certas alusões em seus poemas.
González Tuñón nasceu em 29 de março de 1905 na rua Saavedra 614, do
bairro do Once, em Buenos Aires, Argentina. Foi o sexto de sete irmãos de uma família
de imigrantes espanhóis. Junto a sua família também viviam seus avós maternos e
duas tias.
Certa vez o autor expressou, em entrevista ao escritor argentino Horacio Salas
(entrevista que deu origem a um livro), um resumo de sua vida, rico em detalhes,
anedotas e opiniões, que formam “o outro lado” de seus poemas. Ou seja, comentou
sobre as pessoas, os acontecimentos e os lugares que o estimularam a transformá-los
em matéria poética. Entre todas as recordações, provavelmente as que são mais
significativas e que o próprio autor declarou como decisivas em sua trajetória poética
são as referências a seus dois avôs:
Mirá, creo que el hecho de haber nacido oyendo los pitazos de una estación de ferrocarril, el haber ido todos los domingos durante mi infancia al puerto a comer pescaditos fritos con mi abuelo Manuel Tuñón, y las historias que me contaba mi padre sobre mi otro abuelo, el imaginero, incidieron en mi vida extraordinariamente. Porque mi amor por los puertos y el vagabundaje y los viajes me vienen de ahí. Y en mi sangre y en mi poesía siguen presentes. El imaginero, que es Juancito Caminador,[...]. Y el poeta social, que sería, de algún modo, Manuel Tuñón. 10
Durante toda sua infância, o autor viveu junto a seu avô materno, Manuel Tuñón,
um mineiro asturiano que trabalhava como metalúrgico na antiga casa Snockel -
palavra corrente em seus poemas - e que era socialista como o seu pai. González
Tuñón atribui a esse avô sua filiação às causas populares e políticas e, segundo ele,
todo esse deslumbramento foi despertado enquanto criança: “yo tenía nueve años
10 GONZÁLEZ TUÑÓN. “Autorretrato”. In: Recordando a Tuñón. (1997) p. 28.
cuando mi abuelo me llevó por primera vez a una manifestación. Yo estaba
fascinado”.11
Essa diferenciação entre seus dois avôs inaugura as duas vertentes de sua
obra, que a crítica tratou de caracterizar, como poeta lírico e poeta social. E o próprio
autor afirma: “en mí coexisten las dos constantes que existen en mi obra y en mi vida:
la poesía como diálogo del hombre con su tiempo y como aventura total del espíritu,
continúan configurando nuestra actitud, al margen de todo sectarismo”.12 O percurso
de González Tuñón pode ser identificado por quatro vocábulos: jornalista, viajante,
poeta e militante (do partido Comunista).
Raúl González Tuñón está longe de ser um poeta imêmore no contexto da
literatura argentina, entretanto, sua obra é pouco divulgada. O reconhecimento que se
realiza de sua produção, geralmente não provem da crítica oficial. Por todos os
motivos, esta situação um tanto quanto marginal é a que dificulta sua inclusão nos
grupos Florida ou Boedo, cuja vinculação a um ou a outro permanece ambígua. Ao
percorrer os textos sobre a polêmica, seria simples elaborar uma lista de autores que o
situasse em um ou outro grupo. Para se estabelecer conexões entre Florida ou Boedo,
deve-se considerar os poemas de El violín del diablo e Miércoles de Ceniza, que foram
produzidos durante o período em que os grupos disputavam o cenário literário.
Dos mais de vinte livros publicados por González Tuñón, é mínima a proporção
que poderia se vincular à discussão. Sua maior produção se une a outros
acontecimentos literários e/ou políticos. Considerando as inúmeras declarações do
próprio autor, torna-se notória sua filiação aos martinfierristas. Compartilha com eles o
interesse pela pratica poética, a ruptura contra todo academicismo, especialmente
contra os clichês modernistas sustentados pela literatura oficial, a valorização da
11 DOMÍNGUEZ, Nora. In: ZANETTI (1980/1986) p.123. 12 Ibidem.
imagem e da metáfora, a atitude lúdica, o exercício do verso livre e o aparente
abandono da rima. A estes elementos poder-se-ia somar a atração que exerciam as
correntes européias de ruptura nesses jovens. A maioria destes participava da redação
de Martín Fierro e pertencia a famílias da oligarquia ou relacionadas a ela, enquanto
González Tuñón, filho de imigrantes espanhóis, era vinculado ao proletariado urbano.
Além de sua atividade de jornalista, mantinha com a cidade, com seu povo, com sua
língua, outra relação. Essa procedência, essa atenção com personagens marginais e
carentes, certamente foi uma das causas que o levou a imprimir outro rumo a sua
produção.
No grupo Boedo, González Tuñón afirmou ter bons amigos, com os quais
compartilhou encontros de café e com os que chegou a colaborar na revista boedista
Conducta, somente em 1942, quando já tinha terminado a disputa. As atividades
sociais e políticas sempre estiveram no cerne de sua ponderação, assim como a
consciência de que a poesia deveria acompanhar as evoluções históricas; por isso, não
é incoerente que o tenham associado ao grupo Boedo.
Tanto sua atividade poética quanto seu trabalho como jornalista começam quase
que concomitantemente entre 1922 e 1925. Seu primeiro poema foi publicado em
Caras y Caretas13. Após essa publicação colabora nas revistas Inicial e Proa e, por fim,
integra ativamente a redação de Martín Fierro.
A partir de 1925 inicia efetivamente seu trabalho no periódico Crítica e, depois
em La Nación, El Hogar, Mundo Argentino e, em 1948, no Clarín. De todas essas
publicações foi no diário Crítica que sua carreira jornalística começou, pois foi onde o
autor registrou suas mais relevantes recordações. Com uma aguçada percepção, seu
13 Foi um semanário argentino publicado entre os anos de 1898 à 1941. Foi fundado por Eustaquio Pellicer e foi extremamente popular, sobretudo na primeira época dirigido por José Sixto Álvarez. Em seu desenho destacavam-se as imagens de grande qualidade e em seus textos combinava o humor com o jornalismo mais comprometido, que acompanhou a construção da Argentina moderna e deu conta dos fenômenos políticos, sociais e culturais que atravessaram o país.
diretor, Botana14, logo percebeu o espírito aventureiro e livre de González Tuñón,
afirmando: “Este Raúl [...] es un pajáro y hay que tratar de tenerlo siempre afuera”. Esta
precisa observação de Botana permitiu que o poeta viajasse, como correspondente do
diário, a Tucumán (1927), Brasil (1931), Chaco paraguaio durante a guerra em 1932,
Patagônia (1933). Suas vivências nesses lugares serviram de estímulo para sua
produção poética.
Seu primeiro livro, El violín del diablo, surge em 1926 graças a seu irmão
Enrique, também escritor, que tinha enviado os originais a um concurso
organizado por Manuel Gleizer15 para jovens escritores. O livro ganha o concurso e
como prêmio é publicado. Nessa obra, o poeta aborda os submundos portenhos e a
periferia, retratando ternamente essa Buenos Aires de pensões, cafetões, cabarés,
marinheiros, prostitutas, ladrões e canalhas. Livro de quarenta e nove poemas que
descrevem suas perambulações juvenis no porto, nos subúrbios e nos cortiços.
Em El violín del diablo encontra-se um poema escrito quando González Tuñón
tinha pouco mais de quinze anos, portanto, em 1920. Esta composição poética,
intitulada “Eche veinte centavos en la ranura”, é considerada pela maioria dos críticos
como a mais brilhante de seu início de carreira. Nesse poema o autor evoca a zona
portuária de Buenos Aires, onde com intensa atividade diurna e noturna existiam
insólitos estabelecimentos, nos quais abundavam salões de novidades: no hall se
encontravam máquinas, que ao se colocar a moeda de vinte centavos e girar uma
manivela, viam-se paisagens de países distantes, que despertavam o sonho de viajar,
14 Natalio Félix Botana Millares, empresário jornalístico uruguaio radicado em Buenos Aires, nasceu em 8 de setembro de 1888 e morreu em 7 de agosto de 1941 em um acidente de carro. O jornalista uruguaio fundou o diário Crítica em 15 de setembro de 1913. O Jornal possuía um tom sensacionalista e chegou a ser um dos mais vendidos do país. Deixou de ser editado em 1962. 15 Nascido em 5 de junho de 1889, imigrante da Rússia, Manuel Gleizer chegou à Argentina por volta de 1900; foi camponês, vendedor ambulante e livreiro. Em 1918, com 29 anos, passa a viver no bairro Villa Crespo. Após três anos de compra e venda de livros, Gleizer abre pela primeira vez as portas de sua livraria, La Cultura. Em 1922 fundou uma editora que entrou para a história por marcar o rumo da literatura argentina dos anos vinte. Manuel Gleizer, grande impulsor das letras argentinas, morreu em 3 de março de 1966.
fotografias de artistas e postais um tanto quanto pornográficos. Foi esse clima
alucinante, como afirma o escritor, que o inspirou a escrever o poema:
Fui al Paseo de Julio muchas veces y un día ya me deslumbró, me emocionó totalmente. Fue Eche veinte centavos en la ranura. En esos parques de diversiones increíbles, surrealistas antes del surrealismo, había de todo. […] Salí totalmente fascinado. Había una cantina muy atorranta y simpatiquísima y allí me metí para reunir esos elementos que me habían impresionado. Era un repentista.16
Com essa declaração e esse poema, Raúl González Tuñón antecipa o
surrealismo, como também ocorreu com o poeta peruano César Vallejo. A obra abarca
descrições do mundo marginal: a mulher mais gorda do mundo, o anão, as tristezas do
circo, os portos… O grotesco, a paródia gestual de um mundo desprezado, que
encantou a literatura da época, se opõem aos salões resplandecentes da belle époque.
Essa temática social cujos reflexos contemporizaram o período de entre-guerras marca
o início poético de González Tuñón e o seduz: o mundo canalha e menosprezado, que
o poeta vislumbra, torna-se envolvente.
O livro atinge um modesto êxito, Rául González Tuñón passa a ser notado nos
ambientes literários, atinge a redação do jornal Crítica, que, no âmbito jornalístico,
outorgava status de elite da modernidade a quem dele participava.
Sobre El violín del diablo vale ressaltar a opinião de Macedonio Fernández,
quando o jurado que devia julgar os prêmios municipais à nova geração, que esperava
algum reconhecimento, considera o seguinte:
El violín [...] seguirá siendo lo que es: una realidad poética de primera agua, un gran libro de un notable poeta, henchido de belleza, de originalidad y de gracia expresiva [...] Raúl González
16 GONZÁLEZ TUÑÓN. “Autorretrato”. In: Recordando a Tuñón. (1997) p. 32.
Tuñón, con o sin el premio, es una de las figuras más vigorosas de la nueva generación literaria.17
Segundo González Tuñón, essa espontaneidade e as inspirações que o mundo
visível o presenteavam refletiram-se em seus livros posteriores. Em contrapartida a
atividade jornalística também o seduzia, já que a imprensa argentina conheceu a maior
liberdade de expressão do país entre os anos 1918 e 1930, o jornalismo possibilitava
ao poeta estar atento às vivências e aos problemas do país e do mundo.
Buenos Aires vivia um momento de apogeu do teatro nacional, do circo, dos
tangos, do jazz norte-americano. Os poetas, principalmente, González Tuñón vivia com
uma extraordinária intensidade e enaltecia a cidade, ao mesmo tempo que cantava a
alma do portenho. Foi por essa época que o poeta se interessou pela composição
musical, o tango, após ter sido reconhecido no exterior, tinha retornado a seu país com
um intenso glamour e valorização. González Tuñón, que além de Ricardo Güiraldes e
Oliverio Girondo, era um grande bailarino, não podia excluir-se do ar de época que
pairava sobre a cidade, onde os compassos das orquestras, bem como a voz de Carlos
Gardel, presenteavam as caminhadas noturnas dos escritores por esse espaço
citadino. Assim, decide escrever alguns tangos exaltando a urbe em constante
processo de transformação, embora também marcasse, em algumas canções, a
nostalgia do deslumbramento primário por essa capital.
Em 1928, Raúl González Tuñón ganha o Prêmio Municipal com seu segundo
livro Miércoles de Ceniza, obra que retrata suas experiências durante o ano que
percorreu a região argentina de La Rioja18. Nessa produção literária o autor descobre o
17 SALAS, Horacio. “Centenario de Raúl González Tuñón: demanda contra el olvido”. In: Cuadernos
Hispanoamericanos (2005) p.111. 18 La Rioja é uma cidade da Argentina e capital da Província de La Rioja. Está localizada na porção centro-oriental da província. A cidade foi fundada, em 1591, pelo nobre espanhol Juan Ramírez de Veleasco, na época governador da
seu país, ou melhor, o interior de seu país e realiza um reconhecimento de si próprio,
bem como da história da Argentina. Com poucas variações das obras anteriores, o livro
continua com a mesma temática, salvo a incorporação do tango como tema
protagônico de diversos poemas. Era evidente: a música de Buenos Aires, depois de
ter conquistado as capitais européias, retorna com sua áurea de triunfo, contribuindo
para sua maior difusão e popularidade.
Com o valor da premiação, González Tuñón viaja para Europa, mais
precisamente, Paris em 1929. Essa viagem foi o marco para sua poesia. Sua trajetória
pelo velho mundo tem duração de um ano; percorre algumas cidades espanholas, mas
se estabelece realmente em Paris. Nessa cidade vincula-se a círculos literários e entra
em contato com o surrealismo. Apesar de não ter um profundo conhecimento da
estética surrealista, o autor já possuía inúmeros poemas que se inseriam nessa
corrente.
Da experiência vivida na cidade francesa surge, no mesmo ano, seu terceiro
livro La calle del agujero en la media, no qual exerce uma versificação menos formal e
amplia o verso livre. Sua poesia ganha liberdade e desprende-se de costumes poéticos
passados como os versos rítmicos alexandrinos. Desta forma escreve poemas, como
“La cerveza del pescador de Schiltiheim”, “La calle del agujero en la media” e “Escrito
sobre una mesa de Montparnasse”, que muitos críticos consideram sua melhor
composição poética e que integra o conjunto de trabalhos mais representativos da
vanguarda latino-americana de inícios do século XX. Nesse último poema González
Tuñón expressa seu deslumbramento por Paris, sua sensação de solidão e comenta:
“Vengo de Buenos Aires, digo a mis amigos desconocidos, de Buenos Aires que es tres
província de Tucumán, que batizou a nova cidade de “Todos los Santos de la Nueva Rioja”, em homenagem à sua terra natal na Espanha. Em 20 de maio de 1591, foi instalada a prefeitura e traçou-se o tecido urbano citadino. Por ter sido uma das primeiras cidades fundadas na região e devido ao isolamento geográfico, até hoje, a localidade conserva características coloniais tanto da arquitetura quanto das antigas tradições.
veces más grande que París y tres veces más pequeña.”19 Em toda sua obra poética
percebe-se um argentino apaixonado por Paris, por suas mulheres, por suas esquinas,
por sua boemia, enfim pelo surrealismo.
Em Buenos Aires, próximo ao porto, proletários, estudantes e desempregados
ocuparam antigos imóveis criando a “Villa Desocupación”, e González Tuñón foi
designado pelo jornal a contar o que acontecia naquele lugar. Figurando entre o povo,
escreveu uma grande reportagem sobre essas vidas, intitulada “La ciudad del hambre”.
Também quando organizaram uma passeata em protesto, González Tuñón esteve com
eles enquanto a polícia atirava e batia na população, que corria entre suas casas de
papelão. Como reação imediata, Raúl González Tuñón fundou na capital argentina, em
1933, a revista Contra e publicou seu poema “Las brigadas del choque”, uma espécie
de arte poética e discurso ideológico, que define seu posicionamento contra a
burguesia e contra a guarda civil. Por causa desse poema é preso, solto após pagar
fiança e processado. Após esse acontecimento, viaja para Espanha e lá tem
conhecimento de sua sentença: dois anos de prisão condicional por incitação à
rebelião, o que gera, imediatamente, um manifesto de protesto redigidos por seus
companheiros. Assiste, em Paris, ao Primeiro Congresso de Intelectuais para a Defesa
da Cultura e retorna à Argentina. A revista desaparece após a publicação de cinco
números.
González Tuñón, quando esteve no Brasil, na revolução liderada por Getúlio
Vargas, escreveu quase todo o livro que seria publicado anos mais tarde, em 1934,
com o título El otro lado de la estrella. Por isso, o poeta não acreditava na poética
nacionalista e afirmou: “La poesía es internacional, porque cuando más nacional es,
más internacional se torna”.20 Nesta obra, González Tuñón continua esta mesma fase
19 GONZÁLEZ TUÑÓN (2005) p.28. 20 GONZÁLEZ TUÑÓN. “Autorretrato”. In: Recordando a Tuñón. (1997) p. 33.
de sua poesia: o verso amplo que chega a se fundir com a prosa. Ainda escreve um
dos seus melhores poemas de amor, “Lluvia”, dedicado a sua primeira esposa Amparo
Mon: “Te quiero con toda la ternura de la lluvia. Te quiero con toda la furia de la lluvia.
Te quiero con todos los tambores de la lluvia. Te quiero con todos los violines de la
lluvia”.
Em 1935 publica seu quinto livro, Todos bailan, poemas de Juancito Caminador,
uma espécie de “alter ego” do poeta, imaginado a partir de uma etiqueta de whisky
Johny Walker, donde se via uma personagem com bastão e um chapéu caminhando
pelo mundo. Certo de seu ofício como poeta, González Tuñón canta agora não
somente o amor e a vida descomprometida, mas também os homens dispostos a uma
atitude de solidariedade e de combate. Seus poemas alertam para o clima de pré-
guerra europeu, o apogeu do jazz, os gangsters dos Estados Unidos, ou seja, já
preparavam o leitor para o advento de sua poesia social.
Após passar alguns anos na Espanha, o escritor regressa a sua pátria e segue
suas viagens pela América Latina. Viaja por Guadalupe, Martinica, Lima e Valparaiso,
onde permanece por algum tempo. Em 1940 morre sua primeira esposa Amparo Mon,
com quem havia se casado em 1935. Em 1941 publica sua décima obra, Canciones del
tercer frente, que reúne quatro livros: Himnos y canciones, A nosotros, la poesía, Las
calles y las islas e Los caprichos de Juancito Caminador. O escritor dedica essa obra
aos amigos que fez pelo mundo, e nela segue a presença da personagem “Juancito
Caminador”. Ainda em 1941 se muda para o Chile onde vive até 1945. Na terra de
Pablo Neruda funda o diário El siglo, escrevendo duas colunas diárias, dando
continuidade ao seu estilo mordaz e irreverente.
Ainda no Chile, em 1943, publicou Himno de pólvora, com poemas e textos em
prosa, cujo tema central trata dos feitos da guerra, e a belíssima Elegía en la muerte de
Miguel Hernández. Após o conflito bélico espanhol, sua poesia será um entrelaçado,
onde o social e o político se entrecruzarão com uma atitude lírica gerida pela nostalgia
e pela ternura. Afirma o poeta:
Creo que todo tiempo por venir será mejor. Creo, sí, que en el tiempo pasado […] siempre hay algo que fue mejor, entrañable, que es lo que merece perdurar y forma la base sutil de ese sentimiento tan puro que es la nostalgia. […] Creo que no es uno el que se mete en la época, es la época la que se mete en uno, con sus ráfagas puras e impuras.21
Com a explosão do peronismo, em 1943, quando se inicia a política populista
argentina, González Tuñón regressa a Buenos Aires e publica seu Primer Canto
Argentino em 1945. Essa composição poética está estruturada em quatro partes, nas
quais se alternam a história passada e a presente, uma condição de canto geral das
lutas do povo argentino. É a etapa de acentuação política na obra de González Tuñón,
portanto, pode-se dizer que o acento está colocado na poesia e que os sonhos, a vida
cotidiana, a magia são quase imperceptíveis perante seu discurso político.
No início dos anos cinqüenta, Raúl González Tuñón conhece outro amor de sua
vida: Nélida Rodríguez Márquez, que o acompanharia até sua morte. Casa-se com ela,
em 1952, e publica Hay alguien que está esperando. Nesse livro, como os que se
sucederão, o autor retoma o lirismo dos primeiros poemas e recorda as pessoas
queridas já ausentes.
Em Todos los hombres del mundo son hermanos (1954), o poeta volta a buscar
os objetos poéticos que o arrebataram no início de sua carreira. Desta forma,
reaparecem em seus poemas o bairro, o tango, o porto e sua vida pessoal; embora
21 Ibidem (1997) p. 36.
nenhum desses elementos deixassem de ser aludidos em suas composições, eles se
encontravam mais discretos e menos evidentes.
A la sombra de los barrios amados (1957) constitui uma etapa de síntese da
poética tuñoneana, retomando os objetos e os lugares que o deslumbraram quando
jovem. Também escreve poemas em homenagem às pessoas com quem vive ou viveu.
Nessa fase sua poética, totalmente consolidada, reflete o convívio harmonioso do
poeta social com o poeta lírico.
A partir de então sua vida transcorre em pleno exercício poético. Admirado pelos
jovens poetas, surpresos com a sua generosidade, seu tratamento sempre amável com
os que se iniciam nessa profissão, um grupo juvenil, próximo à estética de González
Tuñón, formou uma aliança literária chamada “El pan duro”, que funcionou do ano de
1955 a 1957. Desta coligação surgirá o primeiro livro de Juan Gelman: Violín y otras
cuestiones, em que González Tuñón escreve o prólogo, e José Luis Mangieri criará a
editora La Rosa Blindada, na qual serão publicadas algumas das últimas produções de
Raúl González Tuñón.
Entre 1945 e o ano de sua morte, o escritor vive em Buenos Aires, porém sua
disposição para as viagens o leva em 1953, 1958 e 1971 a participar de diferentes
celebrações na União Soviética. Também viaja para La Habana em 1963 onde forma o
corpo de jurado de poesia para o Premio Casa de las Américas. Na primeira dessas
viagens, além de conhecer a União Soviética, como integrante da primeira delegação
cultural, visita Varsóvia, Praga, Pequim e Shangai. Anos mais tarde viaja como
convidado especial ao Primeiro Congresso de Escritores de Ásia e da África,
percorrendo ainda Moscou, Estocolmo, Amsterdam e Genebra.
A ultima década de vida de Raúl González Tuñón foi intensamente produtiva:
Demanda contra el olvido (1963), Poemas para el atril de una pianola (1965), Crónicas
del país de nunca jamás (1965), El rumbo de las islas perdidas (1969), La veleta y la
antena (1969) e dois livros póstumos La literatura resplandeciente (1976) e El banco en
la plaza (1977).
Diferente dos seus outros livros, La literatura resplandeciente (1976) é um texto
teórico onde o autor desenvolve o conceito de “realismo romântico” , pois essa era a
denominação que ele atribuía a sua estética literária. O termo substantivo, e por isso
central, é o do realismo ao que se acrescenta o qualificativo romântico. Inverter a
ordem seria alterar a proposta do poeta. Este conceito parte da compreensão de que
todo grande escritor reflete a sua época e, portanto, é realista. Para fazê-lo, usa fatos
cotidianos, situações da vida e os transforma em linguagem literária, imprimindo a
marca pessoal do autor. É uma composição de vocábulos que remetem a uma época
específica, porém poderia ajustar-se a todas, inclusive a atual. Para González Tuñón
houve realistas românticos em todos os tempos. Ainda nesse livro, inclui várias
crônicas.
Raúl González Tuñón também se atreveu a produzir obras de teatro. No total
foram quatro: Reunión a medianoche (La casa de remate) em 1934, La calle donde
yace el corazón (El desconocido), escrita durante a década de trinta, mas incluída em
seu último volume, Dan tres vueltas y luego se van, em colaboração com Nicolás
Olivari em 1934 e La cueva caliente em 1957.
O escritor também produziu quatro antologias poéticas, uma delas publicada
pela editora Losada em 1974, Antologia poética de Raúl González Tuñón; antes havia
organizado: La luna con gatillo (1957), em dois volumes, Diálogo del hombre con su
tiempo (1965), seleção breve que inclui poemas escritos entre os anos de 1925 e 1964;
nesse mesmo ano, Poesía de Raúl González Tuñón.
Em 1972 recebe o Grand Premio de Honor de la Sociedad Argentina de
Escritores (SADE). Na noite anterior a sua morte escreve seu último poema. Estava por
completar setenta anos e parte no dia 14 de agosto de 1974 para se encontrar com
Federico García Lorca, Miguel Hernández, Amparo Mon, seu irmão Enrique e seu avô
socialista, para caminhar pelo céu, pintando-o de poema e de revoluções...
2.2 Na Espanha
Esta etapa corresponde à segunda fase da obra de González Tuñón. Nela o
poeta assinala sua confiança no papel do artista como indivíduo dentro da sociedade e
indica a mobilidade do escritor, membro do Partido Comunista, que aceitava a doutrina
do mesmo, sem contudo abandonar o olhar crítico pessoal de sua poesia, acreditando
que o poeta deve estar sempre muito consciente de suas convicções e sentimentos.
González Tuñón, por ter vivenciado o processo político do peronismo22, na
Argentina, e observado a lentidão das mudanças sociais, tratou de mostrar em sua
poesia civil e heróica o caminho a seguir e o exemplo dos grandes lutadores. Os versos
de González Tuñón possuem uma qualidade lírica exemplar, bem como a identificação
sensível do autor com os temas que aborda. O político e o poeta vivem em busca de
um mundo melhor. Foi um fervoroso militante antifascista e participou de alguns
acontecimentos políticos europeus, como a greve dos mineiros de Asturias (1935) e a
Guerra Civil espanhola (1936-1939). Toda sua obra, composta nessa fase, toma como
22 Peronismo é a denominação dada genericamente ao movimento nacional justicialista criado e liderado a partir do pensamento de Juan Domingo Perón eleito presidente da Argentina em 1946, 1951 e 1973. Perón possuía um governo popular apoiado pela Igreja, pelo Exército e pelo Movimento sindical, e baseava-se num forte nacionalismo, centralizado no poder do Estado. Perón ainda contava com o carisma da primeira-dama, Eva Perón. Apesar disso, seu governo mostrava-se autoritarista e punia de forma severa quem fizesse críticas ao governo.
tema fundamental esses dois eventos. Ao visualizar os confrontos ocorridos em terras
espanholas, durante os anos que ali permaneceu, o poeta foi arrebatado por um
sentimento comovedor, que o levou a escrever La rosa blindada (1936), Las puertas
del fuego (1938), La muerte en Madrid (1939) e Ocho documentos de hoy (1936).
Em sua segunda viagem à Europa em 1935, Raúl González Tuñón chega à
Espanha pela primeira vez, ainda que antes tivesse estado em vários portos desse
país. Essa foi uma viagem de lua de mel, após seu casamento com Amparo Mon, sua
primeira esposa. De acordo com o autor, sua segunda viagem corresponde ao que ele
chamou de memorável em sua vida de poeta, de jornalista, de homem do seu tempo,
foi a que mais deixou marcas em suas experiências. Viveu por quase um ano na capital
espanhola, e conforme suas palavras:
Viví en constante estado de exaltación lírica, pero también de exaltación civil. Me encontré allí (ya en Buenos Aires había escrito el poema “La Libertaria”) y fui a saludar a La Pasionaria23 y ella me contó- minuciosamente- todo el drama de Asturias, me sentí tremendamente tocado. 24
Assim que chega à Espanha, González Tuñón, que já tinha conhecido a
Federico García Lorca em Buenos Aires, entra em contato com ele e com Pablo
Neruda, na época Cônsul do Chile naquele país. O escritor argentino ao saber de sua
condenação na Argentina, por incitação à rebelião, ganha a solidariedade dos poetas
espanhóis, Vicente Aleixandre, Rafael Alberti, Miguel Hernández e León Felipe, que
assinam um manifesto de protesto, levado por César Vallejo para Paris, onde o
ratificam também André Gide, André Malraux, Louis Aragon, Jean Cassou, entre
outros.
23 Isidora Deolores Ibárruri Gómez (também conhecida como La Pasionaria) foi uma líder comunista espanhola. Nasceu em Gallarta, uma localidade de Biscaia (província do País Basco) na Espanha, em 9 de dezembro de 1895. Em 1918 escreve seu primeiro artigo assinado com o pseudônimo de La Pasionaria, que a acompanha a vida toda. Em 15 de abril de 1920, filia-se ao Partido Comunista espanhol, no qual permaneceria por toda sua vida, e o qual presidiria a partir de 1960. Ela distinguiu-se durante a Guerra Civil espanhola, na oposição ao General Franco. Exilou-se na URSS após a vitória de Franco, e regressou a Espanha em 1977. Faleceu em Madri em 1989. 24 GONZÁLEZ TUÑÓN. “Autorretrato”. In: Recordando a Tuñón. (1997) p.37.
Imediatamente González Tuñón se associa ao mundo intelectual madrilenho e
se comove intensamente com a repressão do levantamento de Asturias. A ideologia se
unia nesse caso à origem de seu avô asturiano, que despertou seu sentimento
revolucionário, expresso nos poemas “Recuerdo de Manuel Tuñón” e “La copla al
servicio de la revolución”: Este último registrado a seguir.
En Mieres nació mi abuelo, mi abuela en Pola de Siero. La capital de mi sangre se debe llamar Oviedo.
O poema autobiográfico “La copla al servicio de la revolución”, expressa a
identificação irrestrita avô-poeta através de comparações, que levaram González
Tuñón ao mundo do combate e da poesia.
Esse confronto dos mineiros asturianos, em 1935, impressionou o poeta, posto
que jamais tinha visto uma realidade tão violenta e cruel, nem mesmo durante os anos
em que foi correspondente do diário Crítica. O resultado desse choque com a realidade
foi a elaboração poética, esta vez dura e combativa de La rosa blindada em 1936, onde
a partir de um tema bélico a poesia se expressa tanto em verso rimado quanto em
longos períodos de verso livre e prosa. Essa obra reúne todos os elementos
fundamentais da épica de González Tuñón, ações heróicas dos mineiros com suas
mulheres e filhos, a história de Aída La Fuente morta em um vale mineiro de Asturias e
poemas onde anteciparia o sangrento levantamento de Franco.
A península estava em ebulição: o enfrentamento entre esquerda e direita era
iminente e chegaria em julho de 1936. González Tuñón começa a escrever La rosa
blindada. Esse livro foi o precursor da poesia de guerra na América Latina. Raúl
González Tuñón também seria o responsável pela transformação na poesia de Miguel
Hernández, em direção a uma temática mais enraizada com sua circunstância política,
conforme afirma o autor Andrés Sorel no seu livro Miguel Hernández, escritor y poeta
de la revolución (1976). Conforme González Tuñón,
Miguel Hernández [...] continuaba la línea de una retórica muy brillante. [...], pero trabajaba dentro de las formas tradicionales hispánicas. Él me oyó discutir alguna vez con Neruda. Yo estaba muy dolido por el drama de la cuenca minera […] Yo reiteraba aquellas palabras de Jacques Roumains, el gran poeta haitiano […] La frase es de su ensayo La poesía como arma, y expresa: “Hay momentos en la historia del mundo en que la poesía deviene un arma, puede y debe convertirse en un arma”. Miguel me dio una cita en una tabernita […] Tenía los ojos llenos de preguntas. Yo insistía en la posibilidad de una eventual interpretación poética en determinados hechos sociales, y le insistía en que el caso es buscar la forma que corresponda mejor al contenido […]. No sé si aquel día Miguel quedó convencido, aunque más tarde tuve motivos para pensar que sí.25
A poucos meses do regresso de González Tuñón a Buenos Aires, explode a
Guerra Civil na Espanha. Na Argentina reinava o autoritarismo e o poeta era observado
pelo governo. Após publicar Ocho documentos de hoy, onde reunia parte de seu
trabalho solidário com a República espanhola, teve conhecimento do assassinato de
Federico García Lorca e decidiu que seu lugar seria na Espanha. Consegue, então,
que La Nueva España, um jornal republicano editado em Buenos Aires, o enviasse
como correspondente de guerra. Dessa experiência surgiram Las puertas del fuego e
La muerte en Madrid. Nesse último livro dedica o poema “Muerte del poeta” a seu
grande amigo García Lorca. Abaixo está um dos trechos do poema:
¡Qué muerte enamorada de su muerte! ¡Qué fusilado corazón tan vivo! ¡Qué luna de ceniza tan ardiente en dónde se desploma Federico!...26
25 CUADERNOS HISPANOAMERICANOS. “Raúl González Tuñón: un modo de tutear a Dios”. In: Sección de
notas (1978) p. 97. 26 GONZÁLEZ TUÑÓN (1939).
Como jornalista, conservou a mesma comoção nas notas que enviara a El Diario
de Buenos Aires, e ao jornal republicano La Nueva España, para os quais fora
designado correspondente afim de noticiar tais confrontos. Nessa função, visita as
frentes de Jarama e Utrera, testemunha a defesa de Madri, percorre Barcelona e
Valencia, participa ativamente do “Segundo Congreso Internacional en Defensa de la
Cultura” e do “Congreso de Intelectuales Antifascistas” em Valencia em 1937. Nesta
época, um fato marca profundamente a vida do poeta das revoluções: em 1935,
Federico García Lorca, León Felipe e, sobretudo, Miguel Hernández, que segundo o
poeta o seguiu, sabiam que ele estava escrevendo os poemas de La rosa blindada;
imediatamente, León Felipe organizou um ato no Ateneu de Madri, durante o qual
González Tuñón leu os poemas mais combativos do livro em questão. Conforme o
escritor argentino, ao terminar sua leitura, aproxima-se uma jovem de luto e pede-lhe
uma cópia da composição poética “La Libertaria”, alegando ser irmã de Aida La Fuente,
a protagonista do poema. Passam-se dois anos e González Tuñón volta à Espanha
como correspondente, de acordo com suas próprias palavras:
[...] se realizan en Madrid un homenaje a los periodistas de todo el mundo que estábamos allí. Era un acto con el folklore de los distintos países representados. En una de esas, el acto termina con un coro solemne que canta La libertaria. Me quedé impresionado con eso. No dijeron quién era el autor. Fui al escenario dispuesto a decirlo, pero una lamparita me iluminó. […] en lugar de decir que yo era el autor, pregunté quién era el autor. Me dijeron: “Un autor desconocido, autor anónimo”. ¡Autor anónimo! ¡A los 32 años!27
27 GONZÁLEZ TUÑÓN. “Autorretrato”. In: Recordando a Tuñón. (1997) p. 38.
Ao contrário de outros poetas para os quais a militância adquiriu um papel
primordial, González Tuñón pôde fugir à doutrina a golpes de poesia. Inclusive seus
artigos em jornais comunistas revelam sua lucidez e seu espírito crítico. É fundamental
confrontar os poemas sociais com o prólogo de González Tuñón em La rosa blindada,
no qual ele define o que deve ser poesia:
Y si una pretensión tengo es la de ser un poeta revolucionario, la de haber abandonado esa especie de virtuosismo burgués decadente, no para caer en la vulgar crónica chabacana que pretende ser clara y directa y resulta ñoña, sino para vincular mi sensibilidad y mi conocimiento de la técnica del oficio a los hechos sociales que sacuden al mundo. Sin que lo político menoscabe a lo artístico o viceversa, confundiendo, más bien, ambas realidades en una. 28
Ainda no prólogo, González Tuñón explica que uma poesia revolucionária deve
conter três características, para ser autêntica:
1º Cuando poesía y revolución se confunden, son consubstanciales […]. Es decir no menoscabando la poesía en sí, haciéndola perdurable por su contenido estético además de su contenido humano. 2º Cuando el contenido social corresponde a la nueva técnica. No se trata de negar el proceso poético […], pero resulta absurdo componer hoy poemas ceñidos a tal o cual regla formal. 3º Pero no hay que confundir técnica nueva […] con travesuras gramaticales, etc., o poemas sin ritmo […]. Porque, generalmente, esa actitud poética que fue una reacción saludable contra el academismo, está reñida con ese ritmo de marcha, de himno […] que debe tener casi siempre el poema revolucionario. Llamo “técnica nueva” al conocimiento y a la superación de todas las técnicas, a la desenvoltura que nos da ese conocimiento, a la libertad de tonos, ritmos, imágenes, palabras, y a lo que siempre tuvieron los poetas de cada época creadora,[…] a lo que sigue la línea poética que nació con la primera palabra pronunciada por el hombre en la tierra: a la personalidad de un poeta.29
28 GONZÁLEZ TUÑÓN (1962) p. 12. 29 Ibidem p. 13/14.
Já foi dito anteriormente que La rosa blindada e La muerte en Madrid
correspondem ao período de aproximação de González Tuñón à Espanha e à Guerra
Civil, e que nessa época sua poesia sofre uma profunda transformação. No seu
primeiro momento ficaram a exaltação do eu e de seu mundo; no segundo, que trata da
poesia bélica, não se dissipam essas características, mas se incorporam de outra
maneira: o eu-lírico se direciona para o outro, transformando-se em um sentimento
universal.
Em La rosa blindada, o poeta recorre à narrativa e, em La muerte en Madrid,
insere estrofes populares da guerra em forma de epígrafes. Esta eleição implica uma
mudança em sua concepção poética, sobre a qual adverte no prólogo. A transformação
identifica-se com a problemática espanhola: utilizar a narrativa ou as estrofes é
inscrever-se em uma tradição; neste caso, tipicamente popular, é dar conta da
Espanha ainda que não se a nomeie. Raúl González Tuñón afirma “Si quiero llegar al
pueblo español debo partir de él, de su lenguaje, de sus tradiciones, y por ello elige el
romance o las coplas”.30 A narrativa não é o único registro empregado por González
Tuñón, abundam os poemas compostos com quartetos ou tercetos octossilábicos.
Contudo o poeta conserva o gosto e a liberdade de empregar diversos tipos de estrofes
em um mesmo poema ou o verso livre ou o poema em prosa. A rima também preserva
a mesma independência.
É considerável o papel de pioneiro que exerce Raúl González Tuñón entre os
poetas espanhóis dessa época. O episódio sobre a difusão que teve seu poema “La
Libertaria” serve de exemplo. O poeta se empenhava em descobrir uma forma poética
significativa que amalgamasse e acompanhasse os processos históricos.
30 GONZÁLEZ TUÑÓN. In: ZANETTI (1980/1986) p.134.
A carta que o poeta mexicano Octavio Paz envia ao sobrinho de Raúl González
Tuñón aborda essa importante influência que a poesia tuñoneana gerou, tanto nos
poetas hispano-americanos quanto nos poetas espanhóis:
México D. F., 12 de noviembre de 1993 Sr. Eduardo Álvarez Tuñón … Aún está viva en mi memoria la tarde en que lo conocí, en julio de 1937, en Madrid. Me lo presentó mi compatriota Sequeiros, en las vísperas del Congreso de Escritores para la Defensa de la Cultura. Él ya era un consagrado y me impresionó ese hombre suave y firme, que había escrito los más encendidos poemas sobre el pueblo español. Recuerdo haberlo oído leer “La libertaria”, ese poema en el cual todos los oficios de España confluyen como un rezo. Para esa generación escribir poesía combativa era escribir a la sombra de Raúl González Tuñón. Es el Rubén Darío de la poesía social y no cometo una herejía si afirmo que España en el corazón de Neruda y España aparta de mí este cáliz, de Vallejo, no hubieran podido ser sin La rosa blindada. […]
Desconozco su restante producción, pero recuerdo que Luis Cernuda me dijo que era también un importante poeta lírico.
Todo me aleja de aquellos años, pero en mi biblioteca guardo La rosa blindada porque es un hito.
Lo saluda, Octavio Paz31
O estudo de certos vocábulos que se repetem e adquirem outro significado
dentro da obra tuñoneana, constituindo um campo semântico, é essencial para que se
elabore uma adequada análise crítica de sua produção. Um bom exemplo é o caso do
livro La rosa blindada, em que é notória a conjunção de formas tradicionais e formas
modernas. Nele o substantivo “rosa” adquire outro significado, que somado ao adjetivo
“blindada”, remete ao campo da guerra. Essa é uma das construções marcantes da
poética de González Tuñón, sendo fácil localizá-la em diferentes momentos. A
metáfora nucleadora, “rosa blindada” abriga signos aparentemente antagônicos, visto
que “rosa” representa a vida, e “blindada” o que não pode ser visto; portanto, a
31 ORGAMBIDE, Pedro. (1997) p. 119.
anulação da vida, a morte. Este jogo antitético pode ser apreciado na produção
tuñoneana. Segundo o autor, em Conversaciones con Raúl González Tuñón (1975),
afirma ao escritor Horacio Salas que não tinha medo de repetir-se em seus poemas:
“Pienso que citar varias veces el barco en la botella, las cajitas de música, las veletas,
no es repetirse, sino seguir moviéndose en medio de los símbolos que siempre he
amado”. 32
Raúl González Tuñón assiste o surgimento das milícias populares. Vive nas ruas
e seu coração está em guerra. Observa as crianças mortas por um bombardeio. Blinda
a rosa. Saúda o quinto Regimento. Marcha com os voluntários. Descobre o caos.
Conhece La Pasionaria. Sua poesia é um registro fiel: a morte de García Lorca, os
tanques de guerra, os aviões, a morte de Antonio Machado... Toda a Espanha está
nele, nessa poesia em ação à serviço do combate contra o fascismo. Enlutada.
Rebelde. Revolucionária. Guerreira. Em um trem, no caminhão de soldados, entre os
estampidos das bombas e a conversa sincera dos companheiros, Raúl González
Tuñón escreve seus poemas. Canta. Conta. Resplandece as evidências da destruição:
Donde el carbón se junta con la sangre y la ametralladora bailarina lanza sus abanicos de metralla donde todo termina.
Em meio ao choque, à desordem do espaço citadino, surge a melhor poesia
social de Raúl González Tuñón, a que se alimenta do imediato, da indignação perante
a realidade urgente do compromisso civil e da paixão individual. A poesia que carrega o
ritmo compadecido da guerra e a experiência vital de sensações vis:
32 SALAS, Horacio. (1975).
miran crecer aromo, mirto y parra y entre los huesos la raíz del grito; para su tumba campo de granito y el polvo de oro para su guitarra.33 ------------------------------------------------- Hay que ser piedra o pura flor o agua conocer el secreto violeta de la pólvora, haber visto morir delante del relámpago, conocer la importancia del ajo y el espliego, haber andado al sol, bajo la lluvia, al frío, haber visto un soldado con el fusil ardiente, cantando, sin embargo, la libertad querida. 34
Esse importante poeta, que procurou amalgamar sua vida à sua obra, como se
as fusionasse para alcançar a perfeita composição poética, a que aflorasse no leitor a
diversidade de sentimentos que se tem e que por vezes se esquece em uma gaveta.
Esse bravo autor, enunciador do bem e do mal, da fantasia e da realidade, que
proporciona ao leitor abrir essa gaveta e dela tirar sua bandeira, pode ser lembrado
conforme suas próprias palavras:
Fue un poeta completo de su vida y su obra. Escribió versos casi celestes, casi mágicos, de invención verdadera, y como hombre de su tiempo que era, también ardientes cantos y poemas civiles de esquinas y banderas.35
33 GONZÁLEZ TUÑÓN (1989) p. 90. 34 Ibidem, p. 91. 35 GONZÁLEZ TUÑÓN (1983) p. 26.
III – A imagem surrealista
A arte moderna surgiu de uma ruptura com os ideais do século XIX. Pode-se
identificar esse século, devido às influências dos diversos fatores, como sociais,
culturais, ideológicos, etc. A partir desses fatores, houve o surgimento de diferentes
movimentos de vanguarda na Europa do século XX: cubismo, futurismo,
expressionismo, dadaísmo, ultraísmo e surrealismo. Na América Latina, a Vanguarda
começa quase simultaneamente em diferentes países, só que com outras
nomenclaturas, como criacionismo, estridentismo, contemporâneos, martinfierrismo,
ultraísmo, surrealismo etc.
O Criacionismo foi a primeira manifestação vanguardista na América Hispânica.
Ocorre no Chile, com a publicação do Manifesto Non Serviam, em 1914, pelo poeta
chileno Vicente Huidobro. Esse movimento é marcado pela ruptura com a arte
mimética: para os criacionistas a poesia não deve ser mimética, mas sim criação pura.
O poeta expressa em seu manifesto: “No he de ser tu esclavo, madre Natura, seré tu
amo”. Dessa forma, Huidobro expõe seu desejo de fazer uma poesia criada por si
mesmo e, portanto, diferente de toda a que já foi feita, ou seja, não a quer imitar, mas
sim criar uma nova realidade. Essa nova tendência estética evidencia a busca pela
verdadeira criação poética. Vicente Huidobro valoriza o poeta criador e condena o
imitador. Ele mesmo afirma em seu poema, intitulado “Arte poética”: “Por qué cantáis la
rosa, ¡oh, Poetas! Hacedla florecer en el poema”. Com essas palavras, o autor sintetiza
o criacionismo, pois ele critica nitidamente a idéia da arte como imitação da natureza.
Com o descobrimento da fotografia, no século XIX, modifica-se o sentimento da
verdadeira arte, pois para expressar a arte mimética já existe esse novo invento. Daí a
grande repulsa da arte como cópia da natureza. Nessa fase o mais importante, era a
expressão do sentimento perante a natureza, ou seja, o que interessava era o que ela
despertava no poeta, não mais o reflexo do real, e sim o que se apreende desse real.
O criacionismo de Huidobro, influenciado por Paul Valèry, preocupa-se com a
imagem poética. A poesia, que em 1888 se transformara em palavra-música, com o
poeta chileno volta-se para a plasticidade e funda a palavra-pintura. Em seu poema
“Canción Nueva”, Huidobro ilustra o criacionismo, pois faz uma espécie de canto à
poesia inovadora. Ele utiliza um conjunto de elementos e princípios teórico-poéticos
que oferecem uma percepção de suas concepções: “La primera condición del poeta es
crear, la segunda, crear, y la tercera, crear”. Por meio da preocupação com a
plasticidade das imagens e do movimento no poema, Huidobro insere efeitos estéticos
que proporcionam à obra o surgimento de uma poesia-pintura, valorizando o aspecto
visual.
A partir desse movimento, surgiram dois mais, o ultraísmo espanhol e o
argentino, ambos vistos por Vicente Huidobro como imitações de seu criacionismo.
Após a publicação, em Madri, do Manifesto Ultraísta (1918), por autores como
Guillermo de Torre, Rafael Cansinos Assens entre outros, Jorge Luis Borges em 1921,
por meio de seu manifesto Ultra, lança o movimento Ultraísta em Buenos Aires. Nesse
texto o autor comenta a chegada de uma nova estética, a qual tinha como objetivo
mudar o panorama literário, por isso faz uma critica à estética Modernista, afirmando
que: “la belleza Ruberiana es cosa madura y colmada [...] y por esto es una cosa
acabada, concluida”; portanto, é preciso haver mudança na arte literária.
Para o movimento ultraísta, a poesia deve ser múltipla, possuir vários
significados e por isso seu elemento primordial é a metáfora. As frases medianas, os
nexos e os adjetivos inúteis devem ser abolidos; os trabalhos ornamentais, a
nebulosidade rebuscada também devem ser esquecidos e as imagens precisam ser
simplificadas em uma. Essas são as propostas estéticas para a nova forma poética que
denota a negação, e seu objetivo com tal negação era o de despir a arte como forma
de alcançar a “poesia pura”. Com a publicação da revista Martín Fierro, em 1924, surge
o martinfierrismo na Argentina.
A Vanguarda foi uma estética, uma linguagem, uma visão do mundo, ou seja, se
funda e se rompe com a intenção de mudar a realidade. Em 1924 surge uma nova
linguagem na poesia, que permite ao poeta utilizar livremente as palavras, as idéias e
as associações. Trata-se da segunda fase da Vanguarda, o Surrealismo, fundado por
André Breton, em Paris, com a publicação do Primeiro Manifesto Surrealista.
A palavra surrealismo foi criada em Paris, em 1917, pelo escritor Guillaume
Apollinaire, que a empregou para descrever a inovação artística, que não poderia ser
descrita como “surrealista”, no sentido hoje atribuído ao termo. No entanto, no
manifesto que lançou o movimento surrealista, Breton adotou essa palavra, “nomeando
de surrealismo o novo modo de expressão de que dispomos e que gostaríamos de
apresentar aos nossos amigos”. Breton, (1985:58) define “surrealismo” da seguinte
maneira:
Substantivo, masculino. Automatismo psíquico puro pelo qual se propõe exprimir, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de todo controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral.
A escritura automática, a expressão verbal, seja através do poema ou através da
prosa, constitui um dos patamares angulares do surrealismo. Breton utilizou o vocábulo
surrealismo para descrever as práticas literárias e artísticas dele próprio e de seus
“amigos”. Iniciada em Paris, na década de 20, terminou por abranger a poesia, a
pintura, a prosa, a escultura, a fotografia, o cinema e o intervencionismo. Inicialmente,
o surrealismo se restringiu à arte literária e só depois se estendeu para as artes visuais
com Surrealismo e Pintura, escrito em 1925 por Breton.
Em 1924, no Manifesto do surrealismo, Breton conceituou o automatismo
psíquico puro como a prática artística surrealista mais importante, o principal caminho
de acesso ao maravilhoso. A definição proposta por Breton enfatiza a natureza
absoluta do automatismo surrealista: poesia, pintura, prosa, deveriam se originar do
encadeamento das primeiras palavras ou imagens que ocorressem à mente.
Ao longo dos anos 20, o surrealismo foi uma sucessão de encontros,
vernissagens, publicações e lançamentos. Como um apelo em favor da renovação das
atividades surrealistas, Breton escreveu um segundo manifesto do surrealismo em
1930, no qual relata as dificuldades experimentadas pelos movimentos e insiste em sua
visão do surrealismo como um caminho rumo a um mundo mental de infinitas
possibilidades, enfatizando a obsessão do primeiro manifesto pelo irracional, o
espontâneo e o inconsciente.
3.1 O surrealismo em Buenos Aires
O escritor argentino Aldo Pellegrini foi o responsável por organizar o primeiro
grupo surrealista em Buenos Aires. Autor da primeira Antología de la Poesía
Surrealista, apreciada por Breton, ele divulgou essa prática para outros escritores
argentinos da época. Conforme Pellegrini, o surrealismo:
Promueve la manifestación espontánea de la imaginación por medio del automatismo, el material de los sueños, y los estados crepusculares, mediúmnicos y delirantes. De esta manera consigue derribar las fronteras entre la ficción y la realidad, y desencadenar aproximaciones insólitas entre elementos originariamente alejados u opuestos.
É notório que Raúl González Tuñón, na Argentina, pertenceu à geração de
Jorge Luis Borges, Oliveiro Girondo, Roberto Arlt, Ricardo Güiraldes entre outros,
compreendendo assim a corrente surrealista. Na poesia, junto a Borges, González
Tuñón foi um dos poetas que desenvolveu com mais coesão o tema urbano, porém a
diferença está na abordagem tuñoneana que focaliza mais o papel do ser humano,
sobretudo o do homem e o da mulher pobre na cultura citadina, situando-os no seu
espaço social e no seu trabalho. Como uma constante, desenterra os elementos de
uma mitologia urbana, onde o simples, o popular, possui o papel protagônico.
Raúl González Tuñón elabora suas poesias urbanas a partir da observação de
espaços comuns, como o porto, a rua, o cortiço... Passa a descrever esse mundo, em
seus poemas, localizando o leitor na Buenos Aires da época em questão, seus
costumes e as peculiaridades dos grupos sócio-econômicos oprimidos. Seu amor pelo
povo operário, assim como sua fé na possibilidade de mudança e transformação social
tornam sua poesia única.
Essa atitude de tomar uma grande cidade como tema poético não tinha
antecedentes literários na América Latina. Até o século XIX, era quase desconhecida,
um dos primeiros que se atreveu a dedicar uma obra total à grande metrópole foi o
renomado poeta francês Charles Baudelaire, o qual descreveu Paris com enorme
fervor. Na Argentina, à partir do escritor Evaristo Carriego, com seu poema “La canción
del barrio”, o subúrbio de Buenos Aires, espaço da cidade, ingressou na literatura
como tema poético habitual. Seguidores dessa temática, os jovens poetas da década
de XX, entre eles González Tuñón, decidiram revelar a cidade mediante palavras,
contribuindo a edificar uma mitologia portenha, que não estivesse somente povoada de
personagens baderneiros, de cortiços e de casas pouco conceituadas. A nova poesia
teria que resgatar do esquecimento a simplicidade, a população trabalhadora, o clima
peculiar e familiar dos bairros e ruas, enfim, o cotidiano da urbe moderna. Raúl
González Tuñón foi um dos poucos poetas que assumiu esta temática citadina ao
longo de toda sua obra, tanto que alguns poemas desse cunho aparecem inclusive em
seu livro póstumo El banco de la plaza (1977) e, segundo o seu mais expressivo
biógrafo Héctor Yánover “quien no lo ha leído no ha leído poesía argentina”.36
As poesias de González Tuñón exercem uma influência singular quando se
escondem nas dobras da memória, aglutinando-se com o inconsciente coletivo ou
36 CUADERNOS HISPANOAMERICANOS. In: Sección de notas. Nº 334 (1978) p. 101.
individual. Nesse território do surrealismo encontram-se poemas como “Eche veinte
centavos en la ranura”, “Escrito sobre una mesa en Montparnasse”, “Poetango de la
Belle Époque”, “Motivo para una cajita de música” e as inúmeras andanças de
“Juancito Caminador”, poemas que contribuem para fundamentação da modernidade
literária na poesia argentina do século XX.
Nessa liberação do inconsciente, isto é, nesse automatismo psíquico dos poetas
foi que surgiram poesias de suma importância para toda a literatura mundial. O
surrealismo foi a libertação do pensamento mais íntimo, que possibilitou,
principalmente, para González Tuñón o desabrochar de sua produção literária. É
importante ressaltar que antes mesmo da chegada da corrente surrealista na
Argentina, o autor já elaborava composições dentro dessa linha poética. Esse
movimento literário foi o marco da obra tuñoneana e, a partir dele, foram desenvolvidas
outras formas de expressão, surgiram novas correntes de cunho social que também
arrebataram o escritor argentino, mas a imagem surrealista nunca se fez ausente em
suas obras.
3.2 O olhar poético de González Tuñón sobre a capital argentina
”Eche veinte centavos en la ranura”
Na primeira parte deste estudo, será tratada a cidade de Buenos Aires. Raúl
González Tuñón foi um dos melhores observadores e amantes dessa urbe: bairros,
personagens típicas dos locais mais marginalizados dessa cidade, como o porto,
predominam em sua poesia. O autor, ao mesmo tempo que aborda o cosmopolitismo,
observa atentamente o que ocorre na cidade argentina, bem como no mundo.
Raúl González Tuñón é um poeta citadino, pois trata sua própria cidade e as de
outros países. Seus temas preferidos foram “os submundos portenhos”, o que levou
Jorge Luis Borges a considerá-lo conforme Nora Domínguez (In: Zanetti,
1980/1986:128) “o outro poeta suburbano”, na dedicatória de Luna de enfrente. Embora
haja muitos temas que coincidam com os da produção de Borges como, por exemplo, a
valorização dos bairros, dos armazéns, dos instrumentos musicais, a poesia de Raúl
González Tuñón, durante muito tempo esteve marginalizada: ele não conseguiu, como
a maioria dos poetas, um significativo reconhecimento em vida.
O poema “Eche veinte centavos en la ranura”, de sua autoria e que compõe El
violín del diablo (1926), é uma sensível retratação do porto de Buenos Aires e de suas
personagens típicas, construídas no poema através de arquétipos37 e alegorias38,
formando um mundo de metáforas.
Em “Eche veinte centavos en la ranura” o autor flutua entre o real e o sonho. Por
meio do real ele regressa à infância criando assim dois grandes campos semânticos,
que, nesse poema, formam parte das imagens poéticas de uma cidade: circo e porto.
Esses campos semânticos figuram como alegorias da vida. Para entendê-los é
necessário lançar mão do conhecimento de mundo, assim teremos suporte para
comprovar que ambos despertam em cada um de nós sensações e recordações
similares:
A pesar de la sala sucia y oscura de gentes y de lámparas luminosa si quiere ver la vida color de rosa
eche veinte centavos en la ranura. Y no ponga los ojos en esa hermosa
que frunce de promesas la boca impura. Eche veinte centavos en la ranura si quiere ver la vida color de rosa.
El dolor mata, amigo, la vida es dura, 37 [arquétipo] modelo de seres criados; padrão; exemplar; que serve de modelo; original. In: Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa (1993). 38 [alegoría] [sirve] para expresar poéticamente un pensamiento, a partir de comparaciones o metáforas [y] se establece una correspondencia entre elementos imaginarios. Tomadas literalmente, las alegorías ofrecen un sentido insuficiente, pero éste se [completa] con el sentido del contexto. In: BERISTÁIN (1992).
y ya que usted no tiene hogar ni esposa si quiere ver la vida color de rosa eche veinte centavos en la ranura
O poema “Eche veinte centavos en la ranura”, divide-se em seis partes. Na
primeira, o poeta se dirige ao leitor tentando persuadi-lo a fugir do real e entrar num
mundo de fantasias, na “vida color de rosa” (vv. 3, 8 e 11). Há um jogo de antíteses,
como claro x escuro no primeiro e segundo verso, puro x impuro no sexto e sétimo
verso, além de duas grandes metáforas nucleadoras do poema, que são: vida cor de
rosa x vida dura. Essas metáforas harmonizam toda a composição poética, imprimindo
um sentido explícito. Feita a leitura da estrofe, percebe-se também a representação
sutil de um ambiente de luxuria, onde se encontram mulheres livres do porto, cafetões
e outros tipos:
Lamparillas de la Kermesse,
títeres y titiriteros, volver a ser niño otra vez
y andar entre los marineros de Liverpool o de Suez.
Na segunda parte do poema há uma nítida regressão por parte do poeta ao
mundo infantil, que se comprova principalmente no verso “volver a ser niño otra vez”.
Surge ao final um novo espaço lírico que será predominante em toda a obra, o porto. A
criação desse espaço poético é comprovada através de um recurso muito utilizado pela
poesia tuñoneana, denominado nomeação. Nesse caso a nomeação se deu pela
citação de “Liverpool o de Suez”, que apesar de serem lugares distantes da realidade
argentina, conseguem estabelecer um clima de familiaridade, pois ambos são portos:
Teatrillos de utilería. Detrás de esos turbios cristales
hay una sala sombría:
Paraísos artificiales.
Na terceira parte o poeta, através de metáforas, retoma o porto de modo realista: um lugar onde se tira proveito, onde as futilidades predominam, nada é tão nítido nesse local, até mesmo os cristais, que lá se encontram, não são claros e escondem um mundo sem luz, escuro, onde trabalham mulheres escravizadas que por meio da sedução criam a ilusão desse falso paraíso:
Cien lucecitas. Maravilla de reflejos funambulescos
¡Aquí hay mujer y manzanilla! Aquí hay olvido, aquí hay refrescos.
Pero sobre todo mujeres para los hombres de los puertos
que prenden con alfileres sus ojos en los ojos muertos.
No debe tener esqueleto el enano de Sarrasani,
que bien parece un amuleto de la joyería Escasany. Salta la cuerda, sáltala,
ojos de rata, cara de clown y el trala-trala-trálala
ritma en tu viejo corazón.
Estampas, luces, musiquillas, misterios de los reservados donde entrarán a hurtadillas
los marineros alucinados.
Y fiesta, fiesta casi idiota y tragicómica y grotesca.
Pero otra esperanza remota de vida miliunanochesca...
A quarta parte foi dividida em quatro estrofes. Na primeira, o poeta retrata o
porto, agora não mais distante da realidade argentina, por se tratar do próprio porto de
sua cidade. Entretanto, esse ambiente poético, que é tão característico de algumas
cidades, não tem nada de belo à primeira vista. González Tuñón revela literalmente
todo cotidiano de impureza, promiscuidade e mistério que envolve o porto:
Cien lucecitas. Maravilla de reflejos funambulescos
O primeiro verso inicia com uma expressão luminosa, mas os reflexos que são
produzidos por essa luz não iluminam, não trazem vida, somente escuridão e morte. No
porto existem mulheres, bebidas, esquecimentos, recordações e marinheiros que
procuram essas mulheres desesperançadas para se satisfazerem. Tudo isto é
expresso pelo autor através de um sublime jogo de metáforas que dá mais amplitude à
imaginação do leitor.
Na segunda estrofe, González Tuñón cria uma atmosfera circense, ao trazer à
tona seus pensamentos de criança, relembrando o circo que um dia viu nesse lugar.
Para atribuir a essa parte um caráter verossímil, o autor emprega palavras que
simbolizam lugares reais nessa sociedade, como “Sarrasani e Escasany”. Esta é mais
uma das características da poética tuñoneana, e se denomina auto-referência. Além de
utilizar o vocábulo “clown” da língua inglesa para manter a rima e o vínculo com a
imagem do circo, também emprega, nessa parte, a carnavalização das personagens,
embora o anão e o palhaço sejam verdadeiros arquétipos.
Na terceira e quarta estrofe, o poeta volta à realidade e continua retratando esse
ambiente periférico portenho. Ainda sobre um olhar pessimista, ele deixa subentendido
todo o “poder” que a vida marginal exerce nos homens, criando um ar misterioso ao
redor desse espaço. Lugar este onde nem tudo é revelado, onde a sedução impera e
cria uma falsa ilusão de felicidade, através de festas que iludem os homens, levando-os
a uma vida de prazeres.
Na quarta estrofe, a intertextualidade apresenta-se através da expressão “vida
miliunanochesca”, uma alusão ao livro das Mil e uma Noites, enfatizando ainda mais
essa vida de prazeres que é o sonho da maioria dos seres humanos. A imagem criada
neste momento do poema é um cenário vivo mentalizado a partir de referenciais, como
bordéis, prostíbulos e lugares semelhantes a esses. Nesses lugares ocorrem festas
fúteis e grotescas, onde, muitas vezes, os homens por um momento feliz de prazer
levam, como presente para suas mulheres, enfermidades. Percebe-se nesse momento
que o autor com a artifício da linguagem conseguiu produzir uma imagem bem definida,
capaz até de revelar um aspecto social.39 Embora o ambiente seja repudiado pela
sociedade, por seu papel negativo, é a partir dessa negatividade que se espelha o
poema:
¡Qué lindo es ir a ver
la mujer la mujer más gorda del mundo!
Entrar con un miedo profundo
pensando en la giganta de Baudelaire...
Nos engañaremos, no hay duda, si desnuda nunca muy desnuda, si barbuda nunca muy barbuda
será la mujer Pero ese momento de miedo profundo...
¡Qué lindo es ir a ver la mujer,
la mujer más gorda del mundo!
Na penúltima parte, o autor retorna ao circo e imagina certa personagem desse
lugar. Só que agora ele trata essa personagem de forma grotesca. O autor novamente
joga com a intertextualidade quando cita “la giganta”, elemento também da composição
poética “A giganta” de As Flores do Mal, do poeta francês Charles Baudelaire 40. Esse
elemento, por sua vez, cria um elo entre sonho e fantasia, imprimindo um pouco de
erotismo à obra, já que nesse poema um homem passeava pelo corpo desnudo da
giganta.
Em toda essa parte há a alusão à personagem do circo, “la mujer más gorda del
mundo”, que causa curiosidade e espanto em todos os homens. Assim, pode-se
39 LYNCH (1997) p.5. 40 BAUDELAIRE (1985) p. 149.
afirmar que essa mulher por despertar imaginação e fazer parte da fantasia circense é
mais um dos arquétipos tuñoneanos.
Y no se inmute, amigo, la vida es dura, con la filosofía poco se goza.
Si quiere ver la vida color de rosa. Eche veinte centavos en la ranura
Na última parte o autor volta a se dirigir ao leitor e, mais uma vez, o convida a
entrar nesse mundo de sonho e fantasia, onde tudo é alegre e perfeito. O poeta afirma
que com discurso pouco se aproveita a vida e que para vivê-la intensamente é
necessário experimentá-la, senti-la, deixar-se levar por ela sem medo. A vida cor de
rosa que González Tuñón vem oferecendo ao longo do poema é uma fuga do real para
o imaginário do prazer.
Pode-se concluir que o poeta criou “Eche veinte centavos en la ranura”, como já
afirmamos, apoiado em duas grandes metáforas nucleadoras41 “vida cor de rosa” e
“vida dura”, nas quais se inserem outras, como o porto e o circo. O autor empregou
muitas metáforas nesse poema por acreditar, certamente, na força semântica dessa
figura de linguagem, a metáfora, um elemento capaz de unir o real e o sonho. O porto
simboliza a “vida dura”, pois o trabalho é árduo, as pessoas que circulam são na
maioria marginalizadas, quase tudo de mais baixo e promíscuo se encontra no porto.
Já o circo simboliza a vida de sonho e fantasia, de brincadeiras e esperanças, “vida cor
de rosa”, que leva o homem a retornar a sua infância e sonhar com uma vida melhor.
Tanto o porto quanto o circo surgem como imagens da cidade e, em algum momento,
vistas aos olhos sensíveis de um autor, podem se transformar em poesia, sendo
41 [Metáfora nucleadora] [Las] metáforas ligadas a los elementos primitivos y a la experiencia común, se prestan de una manera peculiar al proceso de rejuvenecimiento de la imagen por el empleo de otra metáfora tomada del mismo campo semántico. In: LE GUERN (1985).
configuradas como alegorias da vida, por fazer parte das fantasias que cada indivíduo
guarda em sua memória.
Em cada um desses espaços poéticos encontramos pessoas comuns a esses
lugares, que servem portanto para caracterizá-los: no porto, estivadores, marinheiros,
mulheres livres; no circo, palhaços, anões, mulheres barbudas... Todas essas
personagens não só se constituem como arquétipos, mas também como alegorias da
ilusão, visto que através delas o homem pode viver o real ou regressar à infância e
sonhar em ser feliz...
“Poetango de la belle époque”
A poesia “Poetango de la belle époque” a ser analisada a seguir, foi extraída do
livro La veleta y la antena de 1971, a penúltima obra poética de Raúl González Tuñón.
Tanto A la sombra de los barrios amados (1957), como La veleta y la antena
constituem uma etapa de síntese da obra tuñoneana. Como afirma a escritora Nora
Domínguez:(1980/1986:130)
… en esta etapa conviven en una situación de equilibrio el llamado poeta social y el más individual. Es, tal vez, su etapa más homogénea; en las anteriores había en todos los casos un libro que descollaba sobre los otros, aquí no se puede hacer esa distinción.
Em La literatura resplandeciente (1976), seu único livro teórico, González Tuñón
desenvolve, como afirmado anteriormente, o conceito de realismo romântico, o qual,
segundo ele, deve estender toda poesia, porém este conceito se fortalecerá nesta
etapa de conjunção entre fantasia e consciência, que são os espaços a que nos
remetem La veleta y la antena. Raúl González Tuñón utiliza o substantivo realismo
acrescentando a ele o qualificativo romântico. Para o autor houve realistas românticos
em todas as épocas. O escritor argentino afirma:
Eso que tiene el arte auténtico: la realidad (no su copia, mediocre, además, y de inspiración libresca) el hecho humano y el artista que lo interpreta, lo desentraña, lo explica, lo muestra, lo da vuelta, si se quiere, lo inventa, pero siempre real, humano y aún demasiado humano. Y absolutamente en proyección universal. (De “El camino” en Hay alguien que está esperando, 1952)
Em “Poetango de la belle époque”, percebe-se a presença desse conceito
mesclado ao surrealismo. O título do poema sugere esse realismo romântico. O eu-
lírico, para marcar seu envolvimento total com a poesia, joga com as palavras numa
apreciável junção de poeta + tango, criando assim um neologismo que nomeia o poeta
como um cantor e, no caso de González Tuñón, um cantor da cidade. Essa
identificação com a música é revelada pelas palavras do próprio autor quando afirma:
“porque no soy un químico del verso sino un cantor, en el sentido más neto de la
palabra”.42
Em quase toda sua obra percebemos a marca da musicalidade, tanto que muitas
de suas poesias foram transformadas em canções, especialmente em tangos, como é
o caso de “Eche veinte centavos en la ranura”, “Juancito Caminador”, “La Libertaria” e
muitas outras.
Este poeta-cantor do poema também faz menção à corrente a qual pertence, ou
seja, apresenta sua filiação literária, no caso La belle époque. Esta foi uma época na
história da França, que começou no fim do século XIX e durou até a Primeira Guerra
mundial. A belle époque foi considerada uma era de ouro da beleza artística e
intelectual, marcada por profundas transformações culturais, que se traduziram como
novos modos de pensar e viver o cotidiano. Ao se intitular “poetango de la belle 42 GONZÁLEZ TUÑÓN “Autorretrato” In: Recordando a Tuñón. (1997),p. 33.
époque” o sujeito do poema atribui a seus versos todo aquele período áureo da arte
literária. Ele evoca para sua poesia todo o glamour que rodeia esta época de inovação,
emblematizando e embelezando, desta forma, sua lírica.
O poema está divido em duas partes, cada parte com três estrofes de versos
díspares. Na primeira parte o sujeito poético revela uma cidade com seus locais e
personagens típicas. São imagens aludidas a uma cidade que se modificou,
abandonando o encanto do antigo para ceder passagem ao novo, ao moderno. Na
segunda parte o eu–lírico se dirige diretamente à cidade e, em meio aos relatos de
experiências passadas neste ambiente urbano, ele renova a esperança de futuros
cantos poéticos.
La noche de la razzia los herreros cantaban y quedaron después de la tormenta súbita
la sombra vigilante del árbol esquinero y el silencio insolente del arrabal herido. … Sin embargo, Raúl, ¿no te acordás? tenía su encanto, eh, la belle époque,
mirada desde el ángulo de nuestra adolescencia implacable y ansiosa.
Nos quatro primeiros versos, da primeira estrofe, dessa primeira parte, o poeta
indica uma mobilização perante o objeto de sua observação (a cidade), não somente o
pensamento, a verbalização (linguagem – ideologia) do poeta, mas também os
mecanismos (consciente-inconsciente) de sua percepção. Esses dados de sua
percepção informam muito pouco sobre sua visão poética, porém indicam a presença
de uma atitude receptiva, mobilizadora e, sem dúvida, sensível aos estímulos do real
concreto.
Nos versos acima o autor descreve um acontecimento situando tempo (“la
noche”) e espaço (“arrabal”). Por meio de metáforas, deixa expresso conscientemente
os problemas sociais que ocorrem nesse ambiente citadino: “sombra vigilante” /
“arrabal herido”. Também mostra a preocupação da população, aqui representada
pelos ‘herreros’, que vivem nos subúrbios, atentos a possíveis tribulações.
Ainda se pode entender esses versos como se o poeta estivesse mergulhado no
sub-consciente e de lá fosse arrancado ferozmente, para logo a seguir refletir sobre o
real. Esta interpretação seria possível se comparada a este momento literário do eu-
poético com o próprio momento do autor. Como já foi citado, o início da obra tuñoneana
está marcado pelo surrealismo, depois esse estilo é sobreposto por um estilo mais
social, mais tenaz e, nas suas obras posteriores, o escritor retoma de dentro de sua
memória o fabuloso e inquietante mundo dos sonhos.
Uma das características da poética de Raúl González Tuñón é o emprego de
citações e referências. É o que se verifica no quinto verso da estrofe: (... Sin embargo,
Raúl, ¿no te acordás?), quando o eu-lírico utiliza, apesar de ter alterado o pronome
pessoal tú para vos, um verso do poema “España en el corazón”: “Raúl, te acuerdas?”
elaborado pelo escritor chileno Pablo Neruda (2004:118) em homenagem ao autor
argentino. Essa intertextualidade adotada estabelece uma interação entre o texto
original e o que o cita, revelando um novo objeto de leitura.
Com referência ao mesmo verso, a pontuação adotada no início é um recurso
muito recorrente na poética tuñoneana, pois segundo seu criador, permite que a
imaginação do leitor, a partir do que já leu, crie suas próprias inferências, construindo
assim uma significação individual. Esse apelo para a recordação do autor feito pelo eu-
lírico, sendo uma forma de personificação, reforça a vinculação do gosto de ambos por
um mesmo estilo de época; ao mesmo tempo, marca um saudosismo, uma nostalgia
por aquela época que tanto assombrava aos jovens escritores do mundo, sedentos
daquela “nova arte”.
Absorvido pelo inconsciente43, o eu-poético perambula por esse ambiente oculto,
voltando seu olhar para antigos espaços e formando imagens aparentemente
desconexas do mundo real.
Por sobre los exilios y las muertes, los gobiernos volteados y el último tranvía que dobló hacia la vaga estación del ocaso
veo ahora en la gris esfumatura de la distancia, que es el tiempo,
el íntimo esplendor de la Vuelta de Rocha con su perfil de patio, con su siempre domingo.
La tarima del trío musicante en Barracas palpitando en el ritmo grave y cordial de un tango
y ese Bar y Billares saliendo a la vereda donde una vez Aieta sacó viruta al fueye
junto al cine Buen Orden cuyo antiguo esqueleto cayó luego de haber proyectado en su sábana
la última película del hondo cine mudo.
Nesses versos o sujeito do poema emerge num túnel do tempo e recorda fatos e
locais que estiveram presentes em sua vida em algum momento anterior. Cita a
sucessão de governos fracassados que se estabeleceram na Argentina, explicitando
como foi o término dos mesmos “exilio y muertes”. E como representante do último
sopro de imaginação, que conduz o processo criador até a nostalgia, o “tranvía”. Esse
condutor ao chegar a alguma estação, qualquer ponto, permite que o eu-lírico
vislumbre, através do tempo, a época esplendorosa de um local familiar “perfil de
pátio”, extremamente vivaz, que era a “Vuelta de Rocha”. Este ambiente portenho era
conhecido por seus vários eventos de domingo e, principalmente, pelas apresentações
de tango.
43 [Inconsciente] o psquismo não é redutível ao consciente e [...] certos “conteúdos” só se tornam acessíveis à consciência depois de superados certas resistências [...]. In: Lampanche e Pontalis (1992).
No poema há uma identificação do bairro “Vuelta de Rocha” através da
recordação. A partir da observação do sujeito-poético se conhece esse espaço urbano.
Contudo esse olhar é um olhar mais maduro, um olhar do viajante. González Tuñón já
havia percorrido diversos países e vivenciado inúmeras culturas, logo, o seu olhar
havia se transformado, e sua cidade agora era vista com outros olhos. Conforme o
sociólogo Sérgio Cardoso: “[...] o distanciamento das viagens não desenraiza o sujeito,
apenas diferencia seu mundo”44. González Tuñón, apesar de ter conhecido várias
localidades, nunca deixou de ser o mais legítimo portenho e admirador do tango.
A nostalgia precede e sucede Raúl González Tuñón. Sua cidade é nostalgia, é
tango. De acordo com Héctor Yanóver, “Poesía y música son una misma cosa. Y en la
medida que buscamos la expresión de Buenos Aires, escribimos innumerables tangos
con música de poema”45.
O autor sempre declarou seu amor pelos bairros dos subúrbios da capital
argentina que fizeram parte de sua vida. Em muitas de suas obras é possível encontrar
referências a alguns desses bairros como el Once, el Judío, Riachuelo entre outros.
Nessa poesia ele descreve com saudosismo a região de La Boca. O eu-lírico cita seus
bares, sua música, seus cantores e o cinema Buen Orden que não existe mais. Nada
lhe escapa. Com o olhar aguçado do viajante, ele vai relatando, através de sua
memória, fatos, objetos, pessoas que emergem de seu sub-consciente.
De forma quase mecânica, como se mudasse a tela do cinema, o sujeito poético
mergulha ainda mais no interior de sua memória, aproximando-se ao automatismo
psíquico.
Y reflejada en otra pantalla, en la memoria,
44 CARDOSO, Sérgio (1988) p. 359/360. 45 YANOVER, Héctor “A la sombra de los barrios amados”. In: Recordando a Tuñón. (1997) p. 55.
pasa ahora la insomne y extraña singladura del Paseo de Julio con su ángel y sus monstruos.
Los vidrios de colores del bailetín insólito con su pianola henchida de cálidas mazurkas y el pop-art inefable de los muñecos móviles
y los juegos lumínicos vibrando en el inverosímil Salón de Novedades
-donde nació el surrealismo- con su violín de lata y el barco en la botella
que amamos para siempre. Y la noche soltando su empecinado grillo
por la gran selva de cemento. La buseca del Chanta y el vendedor de globos.
Nessa parte do poema se percebe “el máximo de precisión para el máximo de
desvarío"46, forma que, conforme o escritor mexicano Octavio Paz, pode condensar o
surrealismo. A partir de várias enumerações, que parecem aleatórias, o poeta reflete
em sua poesia seu sub-consciente lúdico. Se anteriormente percebíamos a flutuação
do consciente, agora não mais, posto que há uma profunda absorção interiorizada de
suas percepções mentais.
A insônia também está associada ao sub-consciente e, nesses primeiros versos
a encontramos vinculada à memória. É uma espécie de “memória inconsciente”
ocasionada pela ausência do sono.
A aparente dicotomia “angél/monstruos” forma um jogo análogo a outros pares,
luz/trevas, claro/escuro, bem/ mal, quando o sujeito do poema registra esse ambiente
citadino (Paseo de Julio) efetuando um intenso confronto urbano entre o bem e o mal.
Essa dualidade de Raúl González Tuñón é adequada a sua preocupação também
dicotômica pela política e a literatura, o real e o mágico, o militarismo e a aventura, o
nacional e o universal, interesses que não se submetem uns aos outros, mas sim que
complementam a visão do poeta por esse mundo que tanto o perturbava, e que jamais
o deixou de assustar. Ele mesmo declara em seu auto-retrato:
46 Paz, Octavio (1983) p. 15.
Contempla el mundo. Porque contemplando el mundo se aprenden más cosas que encerrándose años y años en una biblioteca como hicieron muchos escritores. Porque contemplando el mundo uno aprende a luchar por todo aquello que pueda embellecerlo y contra todo aquello que lo afea.47
De acordo com Mircea Eliade, “as imagens, os símbolos e os mitos não são
criações irresponsáveis da psique; elas respondem a uma necessidade e preenchem
uma função: revelar as mais secretas modalidades do ser”48. Por meio dessas
inúmeras imagens, o sujeito lírico deixa registrado, no poema símbolos que são
freqüentes em sua obra, como : “el barco en la botella”, “el vendedor de globos” e “el
grillo”. Estas alegorias formam parte do mundo infantil sempre retomado nos poemas
tuñoneanos. A insistente recorrência ao sub-consciente infantil aciona a liberação da
memória individual que desembocará no surrealismo, uma importante estratégia usada
por González Tuñón para se atingir o consciente lúdico em suas obras.
No surrealismo as palavras ganham vida. É como se elas fossem auto-
suficientes e, por isso, comandassem o fluir do canto imagístico, representado em
versos e estrofes poéticas. Assim, ao mencionar “bailetín” e “mazurkas”, o sujeito do
poema concede ritmo e sensualidade à estrofe já que os dois vocábulos se referem à
dança.
Ainda na mesma estrofe, verifica-se uma vez mais o comprometimento do poeta
com o surrealismo. Ele vê nas grandes invenções do século (“muñecos móviles”,
“juegos lumínicos”) a perpetuação dessa corrente literária: “el inverosímil Salón de
Novedades -donde nació el surrealismo”. Também marca a importância da supra-
47 GONZÁLEZ TUÑÓN “Autorretrato”. In: Recordando a Tuñón (1997) p. 32 48 ELIADE, Mircea Imagens e símbolos (1991) p.8/9.
realidade em sua obra, pois retoma parte do título do seu primeiro livro El violín del
diablo, “violín” totalmente surrealista, para demonstrar a retomada desse estilo em sua
produção poética.
A imagem desta grande selva de cimento, ou seja, a cidade moderna, mais uma
metáfora utilizada como recurso poético, não afugenta seu canto de amor e nostalgia
de uma urbe que mescla o novo com o antigo. Conforme Justo Villafañe: “o mundo da
imagem esta aí, com seu tremendo poder de sugestão e sua indubitável influência
social, suas incógnitas e problemas, que exigem uma solução imediata, mesmo que
seja ilusória”.49
Na segunda parte do poema há um direcionamento da observação do eu-lírico,
que antes passeava pelas ruas e bairros da cidade, e agora se dirige a ela como um
todo.
Buenos Aires, yo amo tu aire impuro y puro que inspiró largamente mi verso impuro y puro
a la luz de la estrella del bosque de ladrillo. Te caminé, te olí, te bebí, te canté:
dejada la bohemia, su lado oscuro y áspero, nunca olvidé al bohemio ni al francotirador
que vigila en mi sangre.
Em um momento de profunda exaltação lírica o sujeito do poema declara seu
amor pela cidade, um amor incondicional, pois ama tanto o ruim quanto o bom
(impuro/puro) que ela tem. Essa dicotomia o inspirou a criar seus versos, que assim
como a cidade, são sujos e limpos, e estão impregnados totalmente com o urbano, mas
principalmente com o marginal do lado urbano.
Buenos Aires desde o início da lírica tuñoenana foi cantado exaustivamente
como principal motivo poético. Conforme o escritor alemão Walter Benjamin “o
49 VILLAFAÑE, Justo (2002) p. 13
surrealismo dá voz a esse mundo de coisas, em cujo centro está a cidade”50. González
Tuñón fundou a cidade mediante palavras, contribuindo a edificar uma mitologia
portenha que não estivesse só povoada de marginais, cortiços e lupanares. A poesia
trataria de resgatar do esquecimento cenas de suas ruas, matizes da paisagem e
personagens anônimos, não o épico, e sim o cotidiano; não somente o heróico, mas
também o monótono. De acordo com Kevin Lynch, um ambiente não se apresenta de
uma única forma. A cada observador lhe é atribuída a função de recriar uma imagem
mental da realidade, que naquele momento é captada pelo seu olhar:
O ambiente visual torna-se parte integrante da vida dos habitantes. A cidade não é de modo algum perfeita, mesmo no sentido restrito da imaginabilidade, nem todo o seu sucesso visual se deve apenas a essa qualidade, mas parece haver um prazer simples e automático, um sentimento de satisfação, presença e certeza, que decorre da simples contemplação da cidade ou da possibilidade de caminhar por suas ruas.51
O sujeito do poema revela sua vivência citadina como experiência desde o
sensorial. Ele emprega os cincos sentidos do corpo humano para retratar tudo que
absorveu da capital argentina. O caminhar é a ação mais completa porque envolve
todos os sentidos. Talvez, por isso a mesma se represente na poética de González
Tuñón de forma constante e incansável. Ao caminhar vemos, ouvimos, tocamos e
sentimos aromas que nos recordam sabores, enfim nos envolvemos mutuamente numa
interação ímpar entre o sujeito e o ambiente. Porém, o eu-poético enfatiza essas
sensações ao discriminá-las; “Te caminé, te olí, te bebí, te canté” e registra toda sua
comoção por essa urbe evocadora através de sua música poética. Certa vez disse o
poeta: “...la música amontonada del mundo...”
50 Cf. Walter Benjamin. PEIXOTO (2004) p.99. 51 LYNCH, Kevin (1997) p. 103.
A poesia de Raúl González Tuñón é um entrelaçado onde o social e o político se
entrecruzam com uma atitude lírica regida pela nostalgia e pela ternura. Percebe-se
uma confirmação da relação entre sua vida e sua fundamentação poética: “nunca
olvidé al bohemio ni al francotirador que vigila en mi sangre”. Essas duas vertentes, a
lírica e a social, sempre freqüentaram as páginas das escrituras tuñoneanas: o sujeito
do poema afirma que abandonou o lado escuro e áspero da boemia, mas que a mesma
segue presente em seu interior.
En las cosas que nombro está la poesía y aún crece en mi duende tu aventura
y se asoma a mis ojos reflejando al destino de esa magia plural de ciudades que forman
el país argentino, imán de las bitácoras, en cuyo azul transfondo transcurre la esperanza.
Verifica-se que o eu-lírico se intitula nomeador da poesia e, portanto, detentor do
conhecimento poético. Como um sujeito criador, o poeta dá vida às palavras, aos
objetos e aos espaços, transformando-os em alegorias ilusórias. Conforme Octavio Paz
“las palabras son paracaídas que se abren en pleno vuelo [...] Antes de tocar tierra,
estallan y se disuelven en explosiones coloridas”52. Desta forma seria como se os
vocábulos se despregassem do inconsciente poético e fossem se juntando para
compor a poesia que, no momento da leitura, se dissipam.
De acordo com o autor Kevin Lynch “olhar para as cidades pode dar um prazer
especial”53. Encontramos indícios de prazer nessa poesia, que através de detalhes da
observação funda a constante exaltação desse ambiente urbano. Para o poeta, a
grande aventura do inconsciente está na comoção, no assombro que os objetos,
52 Paz, Octavio (1983) p.201. 53 LYNCH, Kevin (1997) p.1.
espaços citadinos lhe causam. Esse descobrir, desvendar o desconhecido, surpreender
o destino é o que move o sujeito-poético.
Conforme o sujeito do poema, o país é formado por cidades tão plurais que
encantam o transeunte. Essa diversidade é derivada dos muitos substratos culturais da
Argentina, especialmente de Buenos Aires, onde vários imigrantes se estabeleceram.
Os poetas mais autênticos que cantaram a capital argentina, advertiram que não se
poderia cantar o inexistente e, por isso, buscaram seus motivos nas histórias simples e
nos seres desconhecidos; retiraram seus ídolos do próprio povo e acrescentaram a
cadência do tango à poesia. Baseando-se nessa busca, González Tuñón resgata os
elementos de uma mitologia citadina, onde o simples, o popular desempenha um papel
principal.
A imagem espelhada é uma imagem aflorada do sub-consciente, uma imagem
do desejo poético sobre Buenos Aires. O eu-lirico deixa evidente a esperança que
habita no país argentino, o qual denomina como aglutinador de direções “imán de las
bitácoras”. A realidade e a imaginação sobrevivem na memória e afloram por meio dos
símbolos empregados pela poesia. Percebe-se que o eu-lírico se relaciona com o
poema por meio do sub-consciente, do qual saltam as imagens plurais da sociedade
argentina.
Y ese perfil de niebla de ciudades que anduve -laboriosas, angélicas o canallas y absurdas-
y el resplandor de las belles époques en los mapas sutiles de soñados países que me están esperando en el futuro.
De acordo com o poeta Jorge Luis Borges “la ciudad es el teatro por excelencia
del intelectual, y tanto los escritores como su público son actores urbanos”54. Nessa
estrofe, o sujeito do poema realiza uma síntese de seu percurso como espectador
desse ambiente. As cidades por onde andou estão sendo resgatadas de seu sub-
consciente: “ese perfil de niebla de ciudades que anduve”. Através de adjetivos “-
laboriosas, angélicas o canallas y absurdas”, o poeta qualifica as cosmópolis por onde
percorreu seu canto. Essa dualidade constante entre o bem e o mal “angélicas o
canallas” reflete a incansável busca pela exaltação do marginal, não o discriminando,
mas revelando que em todo lado negativo reside o positivo. Conforme palavras de
González Tuñón: “Era un mundo increíble, canalla, sombrío y tremendo, pero dentro de
esa canallería había algo de angelical también [...] todo lo imaginable y lo inimaginable,
un mundo sórdido y al mismo tiempo puro”55.
O olhar que Raúl González Tuñón lança sobre a cidade se deve a sua obstinada
busca pelo novo sem desprezar o antigo. Sérgio Cardoso56 em seu texto o “Olhar do
viajante” exemplifica essa forma de enxergar o mundo ao seu redor. Para ele o olhar
não se anestesia na amplitude de um espaço; ao contrário, está sempre em busca de
barreiras que despertem e fixem sua atenção. Essa procura pelo novo é o que
impulsiona González Tuñón a percorrer o mundo, é o que o motiva a seguir sonhando
com espaços, pessoas ou objetos cotidianos distantes de sua realidade, mas que o
assombram vivazmente e proporcionam a ele projetar-se no amanhã, no desconhecido
de maneira destemida. Para o autor ainda há paises a descobrir e esse é o desejo que
mantém pulsando sua imaginação. Certa vez afirmou: “y mi corazón continúa alegre y
54 Cf. Jorge Luis Borges. SARLO (1995) p.20. 55 SALAS, Horacio Conversaciones con Raúl González Tuñón (1975). 56 CARDOSO, Sérgio. In: NOVAES (1988) p.358.
violento como el corazón alborotado de un mundo nuevo”57. Sua fé é inabalável. Não
pode deixar de crer, é um poeta...
“Motivo para una cajita de música”
A poesia “Motivo para una cajita de música” a ser analisada a seguir compõe o
livro A la sombra de los barrios amados (1957), que é considerado como seu livro mais
explicitamente portenho. Mesmo após terem passados trinta e um anos da publicação
de seu primeiro livro, a poesia de González Tuñón é tão fresca como a inicial. Nessa
obra convivem em equilíbrio o individual do poeta e o social. É uma etapa de síntese do
poeta, na qual há uma conjunção da fantasia e da consciência, que são espaços a que
nos remetem suas obras. O poeta retoma sua escritura inicial carregada de lirismo,
metáforas e arquétipos, embora agora a mesma tenha um matiz nostálgico.
“Motivo para una cajita de música” está composta por três estrofes com números
de versos desiguais, além de dois versos livres, este último recurso é frequentemente
usado na poética tuñoneana.
Qual seria o motivo para uma caixinha de música? Será que ela é capaz de
despertar o consciente para o sonho? Sabe-se que caixinha é um símbolo feminino
interpretado como uma representação do inconsciente, mas caixinha de música teria a
mesma simbologia? Essas indagações buscam responder acerca de um objeto tão
comum e ao mesmo tempo tão fantástico.
Toda menina já sonhou ou sonha com o encanto de receber um presente como
este. Ao abrir a caixinha de música, emerge-se subitamente, no sub-consciente e,
57 GONZÁLEZ TUÑÓN (1997) p. 48.
pode-se passar o tempo sem se dar conta dele, é como se o tempo parasse por alguns
instantes. Esse objeto é capaz de produzir sensações ímpares e fabricar, através dos
desejos, os sonhos. Nesse mundo mágico, que a caixinha de música aflora, nota-se
que o escritor empregou esse título em seu poema, por representar um canto de amor
ao cotidiano fabuloso das ruas do bairro da cidade moderna.
A caixinha, criadora da fantasia, estímulo do inconsciente é sujeito do desejo
sendo, portanto, um objeto que provoca a escritura surrealista. Através das armas da
imaginação junto com a poesia, o movimento surrealista propunha a transformação do
mundo.
En otoño, las calles, en el barrio, se tiñen
de una especial atmósfera, de silencio con alas. Casi con el aroma de un estío
apenas olvidado. Son calles como sueños pero despiertas, lúcidas.
Os três primeiros versos da primeira estrofe anunciam a chegada do outono, por
meio de efeitos causados em certos elementos citadinos, as ruas. Para o sujeito-
poético essa estação o comove, pois o envolve em uma atmosfera que desperta sua
imaginação, representado no poema pela metáfora “silencio con alas”. Pode-se
entender essa comparação, posto que em silêncio há ausência de som, supondo-se
um estado de inércia. Como asas (“alas”) simbolizam alçar vôo, a junção dessas duas
palavras significa a imaginação do poeta no momento de sua inspiração artística. De
acordo com o sujeito-poético essa atmosfera é especial, pois propicia o mergulho
psíquico aflorando o sub-consciente e liberando de forma automática os seus mais
reclusos pensamentos.
À liberação do inconsciente, deu-se o nome de surrealismo, termo muito
utilizado durante a segunda fase da vanguarda argentina. Entretanto, cabe lembrar que
a essa parte desconhecida o autor não tem acesso, ele pode chegar ao sub-
consciente. Para o escritor mexicano Octavio Paz, o surrealismo:
... no parte de una teoría de la realidad: tampoco es una doctrina de la libertad. Se trata más bien del ejercicio concreto de la libertad, esto es, de poner en acción la libre disposición del hombre en un cuerpo a cuerpo con lo real. Desde el principio la concepción surrealista no distingue entre el conocimiento poético de la realidad y su transformación: conocer es un acto que transforma aquello que se conoce. La actividad poética vuelve a ser una operación mágica.58
Essa atitude do poeta em ir de encontro com a realidade está impressa na
poesia pela utilização de um espaço concreto, real, “las calles del barrio”. A criação
dessa imagem, interiorizada e intimista, revela que essas ruas são conhecidas ou
peculiares ao cotidiano do eu-lírico.
O escritor Fernando Aínsa (1998:171) sintetiza muito bem a relação entre o
espaço externo e o interno:
La espacialidad externa que genera el orden urbano, tiene siempre el reverso de una espacialidad intensa vivida interiormente, lo que no supone un espacio dual, sino un solo y mismo espacio que, por un lado, es exterioridad y por otro interioridad, peculiar manifestación “in-tensa” de lo “extenso”.
Evidencia-se que esse espaço social (bairros), comum à população, tem no
agente do poema uma representação própria, fruto de seus íntimos desejos. Assim, o
bairro tem como função ser o tópico para a nostalgia intimista.
58 PAZ (1986) p.138/139.
À semelhança do poema anterior, Raúl González Tuñón emprega como recurso
poético marcas sutis dos sentidos humanos, como visão, tato, olfato, paladar e
audição. Nessa primeira estrofe do poema está explicitado o sentido da visão, pois
para perceber a transformação das cores, “las calles [...] se tiñen”, é necessária a
percepção visual. Também nos dois versos, que se seguem, o poeta faz uso do olfato:
“el aroma de um estio”. Dessa forma ele atribui características humanas a sua poesia,
ele a humaniza, dando-lhe vida.
Ao citar “otoño” e “estío”, o agente do poema deixa evidente a recente mudança
de estações. Através do vocábulo “casi” e “olvidado” se registra esse fortuito momento,
em que a transição de uma estação para outra deixa seu fugaz aroma. Para o poeta, o
outono é a época que propicia a imaginação, pois é a temporada de transformação das
árvores, que perdem suas folhas e depois ganham novas folhagens. Do mesmo modo
atua o sujeito criador, que abandona conceitos passados, emerge num silêncio e
permite a fluidez da consciência como o vento que se propaga nas ruas, além de lograr
uma nova folha poética.
Na sua busca constante pela perfeição poética, o sujeito do poema se apropria
da imagem das ruas e por meio dessa interação entre o sujeito e o objeto, ou seja, por
essa interferência do homem, o objeto se subjetiva. Segundo Octavio Paz “Nunca es
posible ver el objeto en sí; siempre está iluminado por el ojo que lo mira, siempre está
moldeado por la mano que lo acaricia, lo oprime o lo empuña”59.
No processo de seu delírio, o sujeito do poema pousa seu olhar sobre o
ambiente mais vivaz da cidade, as ruas. Estas são responsáveis pela circulação da
população e de seus bens de consumo. O poeta apropria-se dessa situação e baseia
59 PAZ (1986) p.139.
seu canto nesse espaço social e integrado, como se quisesse atribuir a sua obra a
mesma fluidez e vivacidade das ruas.
No universo das ruas a vida acontece. Esses espaços urbanos quase sempre
habitaram o inconsciente humano, pois eles representam a liberdade e o desejo de se
conhecer o desconhecido. Geralmente o que se procura ou o que se precisa se
encontra na rua, logo, esse ambiente comovedor da cidade é responsável por
despertar o desejo e incitar a imaginação, pois como afirma Octavio Paz:
…el hombre tiene “poderes” que constituyen nuestra propia manera de ser y se llaman: imaginación y deseo. El hombre es un ser que imagina y su razón misma no es sino una de las formas de ese continuo imaginar. En su esencia, imaginar es ir más allá de sí mismo, proyectarse, continuo trascenderse. Ser que imagina porque desea, el hombre es el ser capaz de transformar el universo entero en imagen de su deseo60.
O agente do poema compara as ruas com os sonhos, com os desejos ocultos,
com as fantasias que permeiam os pensamentos de todos nós e que através do
inconsciente libertamos. Apesar dessas ruas representarem o “mundo dos sonhos”,
elas são para o poeta despertas e lúcidas, pois carregam a realidade. Novamente há
uma humanização na poesia ao se atribuir características humanas, “despiertas,
lúcidas”, a um espaço físico.
Soñar es estar vivo.
Siempre amaré estas calles, con su color de pueblo, cuna de la esperanza, camino del recuerdo.
Sus tendidos crepúsculos y sus mañanas altas me dieron el fervor. Yo les devuelvo sueños.
60 Ibidem p. 137.
“Soñar es estar vivo”. Com esta afirmação, percebe-se que o sonho é a força
motriz do ser humano. Sem os sonhos continuaríamos existindo? Talvez, mas
deixaríamos de viver, de vivenciar experiências lúdicas, de nos projetar no futuro. A
noção de tempo perderia o sentido, já que o amanhã não teria qualquer significação na
vida do homem. Por isso, para o poeta a necessidade de sonhar, de imaginar é vital e a
utilização do surrealismo faz-se necessária. O surrealismo continuará representando
um convite à aventura interior, ao redescobrimento de nós mesmos.
O homem movido pelo desejo, almeja somar-se à imagem de seu desejo e
assim se transformar em imagem. O homem é imagem, e a faz sua o surrealismo.
Através de diversas metáforas, que propiciam a criação da imaginação, funda-se
uma imagem sentimental e subjetiva das ruas. Como foi dito, neste estudo, as ruas
cantadas no poema, provavelmente, têm vinculação com a história do sujeito poético,
que afirma seu amor eterno pelo espaço urbano. Essas ruas também mostram parte da
vida de Raúl González Tuñón. Sabe-se que o autor cresceu em um bairro de operários,
sendo assim, a metáfora “calles con su color de pueblo” remete às ruas desse bairro
repleto de trabalhadores. O poeta percebe o seu amanhã no espaço social carregado
de simbologias; segundo ele, as ruas carregam a possibilidade do devir, guardam a
esperança.
Quando caminhamos por alguma rua, que fez parte de nossa vida, ativamos o
mecanismo da memória e mergulhamos dentro do túnel do tempo, relembrando
episódios que marcaram o nosso viver. Imergimos no consciente com a intenção de
trazer à tona a consciência esquecida. Seria possível recordar o passado sem
interferências fantasiosas? Não podemos garantir a pureza da consciência anterior,
pois o passado é algo pertencente ao sub-consciente, já está impregnado pelo que foi
e pelo que gostaríamos que tivesse sido. Nenhuma pessoa poderá relatar puros
acontecimentos de sua vida sem que os mesmos carreguem substratos imaginativos
impossíveis de se afirmar como discursos féis ao acontecido. O passado é um tempo
que pertence também ao inconsciente e, portanto, um dos mecanismos do surrealismo.
O convívio diário do poeta com as ruas foi fundamental, pois proporcionou
inspiração para seus futuros cantos à cidade: “Sus tendidos crepúsculos y sus
mañanas altas - Me dieron el fervor. Yo les devuelvo sueños”. Toda experiência
citadina do eu-lírico propiciou a escritura de sua poesia. Como uma espécie de
retribuição, o poeta devolve para essas ruas a liberdade do inconsciente, o sonho. O
fato de González Tuñón ter sido boêmio das altas madrugadas, de ter um particular
gosto pela vida, principalmente noturna, aproxima sua biografia a sua poesia. Certa vez
o escritor afirmou “no conozco nada más conmovedor que la vida”. Assim sendo, após
ter usufruído de madrugadas e recarregado sua energia, o eu-poético se pôs a
escrever para essa mesma cidade, presenteando-a com seu poema.
El poema es sueño.
En otoño, las calles… En otoño, las calles
melancólicas, sueñan que viven porque saben
que saben porque sueñan.
O poema para o eu-lírico é sonho, já que o sonho vem do desejo e este vem da
imaginação, conformando o inconsciente e o sub-consciente que irão desemborcar no
surrealismo. Nesse sentido, a poesia constituiria, então, uma expressão do espírito
humano.
Na última estrofe o poeta usa reticências para permitir que o leitor deixe sua
imaginação fluir. Ao empregar essa pontuação também transmite a sensação do
transcorrer da poesia: “En otoño, las calles…”. As ruas estão repletas de melancolia, de
tristeza, porém não deixam de sonhar. Essa melancolia pode ser atribuída ao outono
onde as ruas espelham uma imagem de decomposição da paisagem. É como se não
houvesse mais vida e o mundo tivesse se apagando, visto que as plantas mudam suas
colorações ou perdem suas folhagens. O sonho, então, é o responsável pela vitalidade
desse espaço social, é indispensável para que se mantenha vivo, pulsante no
imaginário citadino.
Através do paralelismo “viven porque saben / saben porque sueñan”, o sujeito do
poema enfatiza sua fé no amanhã. Segundo ele, as ruas fervem, têm o seu fluir
assegurado porque são, antes de tudo, motivadoras do desejo, do sonho, e esse poder
de imaginação, que elas carregam, proporciona sabedoria e transmissão da cultura
popular, dos mitos e lendas tão correntes nas avenidas citadinas. Sonhar é saber
esperar uma nova estação.
IV. A IMAGEM DA GUERRA CIVIL ESPANHOLA
4.1 A defesa da República espanhola
A Guerra Civil espanhola (1936-1939) foi o evento mais traumático que ocorreu
antes da segunda Guerra Mundial. Nela estiveram presentes quase todas as idéias de
um conflito bélico, que marcou o século XX. De um lado se posicionavam as forças do
nacionalismo e do fascismo, aliadas às classes e instituições tradicionais da Espanha
(o Exército, a Igreja e o Latifúndio); de outro lado, a Frente Popular que formava o
governo Republicano, representando os sindicatos, os partidos de esquerda e os
partidários da democracia.
Para a Direita espanhola tratava-se de uma Cruzada para libertar o país da
influência comunista e reintegrar os valores da Espanha tradicional, autoritária e
católica. Portanto era preciso acabar com a República, que havia sido proclamada em
1931, com a queda da monarquia. No entanto para a Esquerda, era necessário
terminar com o avanço do fascismo que já havia conquistado a Itália, a Alemanha e a
Áustria. Conforme as decisões da Internacional Comunista de 1935, ela deveria
aproximar-se dos partidos democráticos de classe média e formar uma Frente Popular
com o intuito de acabar com a onda de vitórias nazi-fascistas. Desta maneira,
socialistas, comunistas, anarquistas e democratas liberais deveriam unir-se a fim de
terminar com a tendência mundial favorável aos regimes direitistas.
Esse panorama de amplo enfrentamento ideológico fez com que a Guerra Civil
deixasse de ser um acontecimento singularmente espanhol para se converter numa
prova, em que forças disputavam a hegemonia do mundo. Nela envolveram-se a
Alemanha nazista e a Itália fascista, que apoiavam o golpe do General Francisco
Franco. Em contrapartida a União Soviética aderiu ao governo Republicano.
A Espanha de 1930 vivia uma era de completo atraso em relação aos outros
países europeus. Era governada pelo exército, pela igreja católica e pelo latifúndio.
Mantinha seu passado imperial grandioso a alto custo. A Igreja continuava a condenar
a modernidade. No campo existiam mais de três milhões de camponeses pobres que
eram submetidos ainda às práticas feudais e dominados por cinquenta mil fidalgos
proprietários de terras. Como resultado da grave crise econômica de 30, iniciada pela
quebra da bolsa de Nova Iorque, a ditadura do General Primo Rivera foi derrubada e,
por conseguinte, caiu também a monarquia. O Rei Alfonso XIII foi obrigado a exilar-se e
proclamou-se a República em 1931, chamada de “República de Trabalhadores”. Seus
idealizadores esperavam que a Espanha pudesse alinhar-se com seus vizinhos
ocidentais e partir para uma reforma modernizante, que separasse Estado e Igreja,
inserindo assim as grandes conquistas sociais e eleitorais recentes, além de assegurar
a diversidade política e partidária, a liberdade de expressão e organização sindical.
Porém o país terminou por conhecer um cruel enfrentamento de classes, posto que a
crise, seguida de uma grande depressão econômica, gerou uma frustração total na
sociedade espanhola.
Iniciam-se assim inúmeras eleições que acabam por incitar ainda mais a
população que descontente vai para as ruas protestar. Com um golpe militar dado pela
direita em 18 de julho de 1936 explode uma das mais sangrentas guerras que a Europa
vivenciaria.
A Guerra Civil espanhola movimentou diversas correntes ideológicas e
partidárias. Dentre as que apoiaram a direita podemos destacar nomes como Hitler,
Salazar juntamente com os fascistas da Falange espanhola liderados por José Antônio
e pelo General Francisco Franco. A esquerda teve o apoio de diversos partidos e
organizações como PCE (Partido Comunista Espanhol), FAI (Federação Anarquista
Ibérica), UGT (União Geral dos Trabalhadores) entre outros, além de contar com os
democratas liberais, com os republicanos e mais alguns partidos autônomos (Esquerda
catalã, os galegos e o Partido Nacional Basco).
Na literatura, esse conflito bélico ganhou inúmeros representantes, dentre eles
estão alguns dos poetas mais famosos do mundo hispânico, como Raúl González
Tuñón, Pablo Neruda, Federico García Lorca, César Vallejo, Antonio Machado, Miguel
Hernández e Rafael Alberti. Esses poetas contribuíram muito com a República
espanhola, pois através de suas críticas, crônicas e poesias enviadas para os jornais
da época, eles transmitiam todo o horror dessa guerra tão cruel, dando a conhecer ao
mundo o caos que vivia a Espanha. Também organizavam alianças intelectuais que
tinham a intenção de ajudar os republicanos.
No mundo das imagens contamos com grandes fotógrafos, que vão contribuir
com suas fotografias pulsantes, para a chegada da informação à população mundial.
Entre eles cabe destacar as fotografias de Robert Capa, David Seymour, Cartier-
Bresson, José Suárez e Agustí Centelles. A maioria destes fotógrafos escolheu sem
hesitar o lado dos republicanos por compartilharem das mesmas visões românticas e
utópicas. Essas fotografias vão causar grande horror e tristeza na população, por
retratarem com veracidade os milhares de mortos e a destruição desmedida que
ocorria em solo espanhol.
4.2 A imagem dos caos na Espanha de 1936
Para entender melhor o período caótico da Guerra Civil espanhola é preciso
analisar a proporção e a dimensão que representa a palavra caos, bem como suas
implicações dentro desse contexto. “Confusão dos elementos, antes da criação do
mundo; grande desordem; balbúrdia; babel”, assim está definido o vocábulo caos pelo
dicionário brasileiro da língua portuguesa. Esta definição explica o que é este evento,
porém não atenta para dimensão e implicação do estabelecimento caótico dentro do
contexto mundial, termo que foi muito empregado durante a revolução industrial e que,
nos atuais tempos, é frequentemente usado no chamado mundo moderno pelos mais
variados ramos de estudo.
Para um melhor aprofundamento do termo, tem-se o estudo do investigador e
professor italiano Omar Calabrese. No capítulo sexto de seu livro La era neobarroca, o
estudioso problematiza o caos. Segundo ele (1994:132), desde as origens do
pensamento filosófico ocidental se contrapõem duas séries de noções: a ordem e a
desordem. A ordem é denominada por Calabrese como “un principio de regularidad”,
ela pode definir e prever fenômenos, enquanto a desordem abarca tudo que foge à
regularidade, ou seja, tudo o que é irregular, azar, caos, indefinido, imprevisível e
inteligível.
Para Calabrese, fenômenos aparentemente sistêmicos podem ser suscetíveis a
dinâmicas de turbulências, que propiciam a transformação do que era regular e
ordenado em desordenado e irregular. A dinâmica de certos fenômenos, que tendem a
grandes complexidades, hoje nomeamos de caos.
Omar Calabrese (1994:136) se baseia na concepção matemática de Benoit
Mandelbrot, Les objets fractals, na qual o “objeto fractal” consiste em “cualquier cosa
cuya forma sea extremadamente irregular, extremadamente interrumpida o accidentada
[...]. Un ‘objeto fractal’ es, por tanto, un objeto físico (natural o artificial) que muestra
intuitivamente una forma fractal” Não só se baseando nesta consideração, como
também em algumas outras, o professor italiano amplia o sentido de objeto fractal
agregando a ele a noção de cultura e arte. Segundo ele (1994:142),
[...] cualquier objeto se torna en objeto estético sólo después de una valorización por parte de un sujeto individual o colectivo. Sin embargo, también es verdad que las figuras fractales poseen al menos un carácter capaz de ser valorizado como estético: lo maravilloso.
Com base nesta afirmação de Calabrese, pode-se entender de que maneira
acontecimentos trágicos, como por exemplo, os conflitos bélicos, transformam-se em
maravilhosas obras artísticas. Dentro desta concepção é compreensível que
reconheçam a beleza de Guernica, quadro pintado por Pablo Picasso, que retrata o
horror de uma batalha e da literatura latino-americana de Juan Carlos Onetti, que
aborda o caos através da fragmentação, do vazio, da desolação. Com as fotografias de
guerra também se pode observar esse aspecto de lo maravilloso, pois as mesmas
retratam a captação de um instante caótico da realidade, imortalizado pela
fragmentação da imagem impressa em concretismos, que ao ser recebido e observado
por um receptor, visualiza uma verdadeira obra prima.
Diversos acontecimentos trágicos, como a Guerra Civil espanhola, revelaram ao
mundo o caos. Depois ocasionaram na população a sensação de vazio e a constatação
da impotência humana perante a ciência, que associada a uma desordem do poder, a
sua fragmentação, pode arruinar não só o planeta mas também a todos os seres vivos.
4.2.1 As imagens fotográficas da guerra
A fotografia, nascida em um âmbito positivista, foi vista quase unicamente como
registro visual da verdade, tendo sido adotada, nessa condição, pela imprensa. Com a
evolução das práticas foto-jornalísticas, esses gêneros realistas passaram do domínio
do real para o domínio do crível, já no final do século, devido à manipulação das
imagens em função de objetivos que nada tinham a ver com a verdade, mas de fato,
com o que se podia crer.
Em meio a esse processo de criação dos fotógrafos surge o foto-jornalismo,
carregado de cultura e ideologia, representando através das fotografias a realidade
histórica e testemunhal de uma sociedade, embora às vezes influenciado pela visão
realista de seu autor.
Até se chegar ao foto-jornalismo, a fotografia passou por diversas fases. Nasce
na chamada câmara clara e escura, depois surge o pictoralismo movimento, que
objetivava a integração da fotografia às artes plásticas, bem como a fotografia de
retrato, que imitava os cenários utilizados pela pintura e, assim por diante, até o
aparecimento das primeiras manifestações do foto-jornalismo no momento em que os
fotógrafos apontam a câmera para um episódio, tendo em vista fazer chegar essa
imagem a um público com intenção testemunhal.
O foto-jornalismo se nutre principalmente de acontecimentos bélicos e
revoluções. A primeira guerra para onde os jornais enviaram seus correspondentes foi
a Guerra Americano-Mexicana de 1846-1848. Apesar de serem feitas por um
daguerreotipista anônimo, as imagens registravam soldados e oficiais de guerra antes
da batalha. A muitas revoluções foram enviados fotógrafos e com isso o
desenvolvimento da fotografia de imprensa foi-se transformando com afinco e, em
meados do século XIX, inicia-se a edição de publicações ilustradas da revista The
Ilustrated London News. Seu fundador, Herbert Ingram, afirmou que daria aos seus
leitores informação continuadamente dos acontecimentos mundiais e nacionais mais
relevantes da sociedade à política, com a ajuda de imagens variadas e realistas. Nos
seus primeiros cinco anos a tiragem dessa revista aumenta relevantemente e indica o
crescente gosto social pela imagem.
A fotografia de imprensa foi e é de suma importância para a evolução da
população enquanto indivíduos participantes de uma sociedade. Ela proporciona
integração, interação e contribui assiduamente para o desenvolvimento tanto de seu
emissor quanto de seu receptor. Além disso, o foto-jornalismo possui cinco forças que
ocasionaram e ocasionam sua evolução, são elas: a ação pessoal onde cada fotógrafo
elege por influência própria adotar ou não certos recursos; a ação social que a
fotografia de imprensa produz nas pessoas e na sociedade; a ação ideológica onde se
verificam as semelhanças de visões do mundo por parte dos fotógrafos; a ação cultural
que vê o foto-jornalismo como produto de cultura e a ação tecnológica que perspectiva
a fotografia jornalística como um produtor da tecnologia. Essas ações, expostas pelo
autor Jorge Pedro Sousa,61 confirmam a importância da fotografia de imprensa para
seu próprio meio, bem como para os indivíduos e a sociedade.
Foto-jornalismo, segundo o site Wikipedia "é a prática do jornalismo por meio da
linguagem fotográfica em substituição à linguagem verbal”62. O foto-jornalismo
61 T ermo extraído do site http://ubista.ubi.pt/~comum/sousa-jorge-pedro-historia_fotojorn1.htm 62 http://pt.wikipedia.org/wiki/Fotojornalismo
preenche uma função bem determinada e tem características próprias. O impacto é
elemento fundamental. A informação é imprescindível, assim como a atualidade e o
interesse social.
Já na década de cinqüenta do século XIX, a fotografia havia se beneficiado dos
avanços técnicos, químicos e óticos, que lhe possibilitaram abdicar dos estúdios e
partir para a documentação de imagens do mundo com o realismo que a pintura não
conseguia. Portanto a fotografia de pronto se tornou instrumento de prova, testemunho
e verdade e, depois, a época lhe deu status de “espelho do real”. Essa qualidade de
autenticidade e sentido utilitário da fotografia é desde suas origens uma particularidade
essencial que faz deste meio o ideal para criar testemunhos de forma verídica, como
por exemplo as batalhas, uma importante forma de propagar essa prática.
Desde sua origem as guerras foram adotadas como tema principal pela arte de
fotografar. Até o descobrimento da fotografia, os conflitos bélicos eram algo longínquo
e de certo modo excitante. A população desconhecia os cruéis detalhes desses
conflitos: cadáveres, feridos e mutilados estavam somente nos textos ou nas pinturas.
Foi assim que a participação britânica na Guerra da Criméia (1854-55), com o
conseqüente interesse da população, levou o editor Thomas Agnew a convidar o
fotógrafo oficial do Museu Britânico, Roger Fenton, a ir à frente da batalha, para cobrir
“foto-jornalísticamente” o evento.
As fotografias produzidas por Fenton na Guerra da Crimeia foram publicadas na
imprensa sob a forma de gravuras, e constituíram o primeiro indício do privilégio que o
foto-jornalismo vai conceder à cobertura de conflitos bélicos. Roger Fenton,
considerado como primeiro repórte fotográfico, tinha como missão realizar fotos do
referido conflito com o intuito de acalmar os temores da opinião pública britânica sobre
as tropas que ali estavam. Suas fotografias não mostram o horror da dor e da morte, ao
contrário, são imagens de soldados e oficiais sorridentes, posando para o fotógrafo, ou
imagens dos campos de batalha limpos de cadáveres, porém repletos de bala de
canhão.
Com a primeira cobertura foto-jornalística de guerra, realizada por Fenton, nasce
a censura prévia ao foto-jornalismo. Por isso as fotos de Fenton não revelavam a
dureza dos combates, mas sim a “guerra fictícia”, com soldados longe da frente de
batalha. É ainda a guerra com sua mácula de heroísmo, tão habitualmente apresentada
pela pintura. Cabe ressaltar também as limitações técnicas, já que nessa época os
materiais utilizados eram pesados e difíceis de operar, fato que impossibilitava chegar
a tempo de fotografar os instantes fugazes de uma batalha.
Durante a Guerra da Secessão americana de 1861, realizam-se inúmeras
fotografias dos acontecimentos. Ao contrário do que aconteceu a Fenton, durante a
Guerra da Secessão, sem censura, começou a aparecer uma estética do horror.
Utiliza-se a fotografia para denunciar as atrocidades da guerra, assim como para
denunciar o adversário ou para registrar episódios importantes da memória coletiva do
país. Diferente de Fenton, muitos dos que fotografaram a guerra civil americana eram
independentes, e não possuíam nenhum tipo de censura na hora de forjar a crueldade
dos acontecimentos.
A Guerra da Secessão contribuiu em vários aspectos para o desenvolvimento da
fotografia de guerra, bem como para o foto-jornalismo. A guerra foi despida de sua
auréola de epopéia, a fotografia passou a ser vista como força atuante e capaz de
persuadir devido ao seu realismo. Os fotógrafos tiveram a noção de que era preciso
estar perto do acontecimento quando este ocorresse. Também a noção de que a
fotografia possuía uma carga dramática superior à da pintura levaram os fotógrafos a
vislumbrar o poder do novo meio.
Outro conflito que propagou a fotografia de guerra foi a Guerra Civil espanhola.
Nela vários fotógrafos espanhóis, até então desconhecidos, distinguiram-se durante o
conflito que ensangüentou seu país. Dentre eles está Agustí Centelles, que cobriu
exaustivamente a frente de Aragão. Conforme C. Brothers, a fotografia sobre a Guerra
Civil da Espanha tinha notoriamente fins persuasivos, especialmente porque o conflito
provocou intensa polarização política na Europa.
A conseqüente exposição das fotos traumáticas dos acontecimentos violentos
nas casas de família ocasionaram mudanças em toda sociedade. Depois da fotografia,
a guerra nunca mais seria a mesma. Com o novo meio, o leitor era projetado num
mundo mais próximo, mais real, mais cruel. Neste momento a escrita cede espaço para
a imagem. É desta forma que a publicidade utilizará a fotografia de guerra a seu favor.
Agustí Centelles nasceu em Grao (Valencia) na Espanha em 1909, e foi junto
com seus pais viver em Barcelona a partir de um ano de idade, por isso pode ser
considerado mais barcelonês que valenciano. Já muito jovem se iniciou na fotografia
trabalhando no jornal El día gráfico, onde publicou suas primeiras fotografias. Foi neste
diário, onde começou a trabalhar como aprendiz de Ramón Baños, que assimilou a
técnica do retrato. Anos mais tarde foi ajudante de Josep Baldosa, o qual haveria de
introduzi-lo no mundo do foto-jornalismo. Porém em 1934 principia por conta própria
sua carreira de fotógrafo fazendo reportagens nas ruas, espetáculos, esportes para
vender aos jornais da época como: La Publicitat, Diari de Barcelona, Última hora,
L’Opinió, La Vanguardia e La Rambla .
É considerado o precursor do foto-jornalismo na Espanha (denominado como o
Robert Capa espanhol), no entanto, sua obra sobre a Guerra Civil espanhola só foi
reconhecida após muitos anos. Com a morte de Franco (1975) e a chegada da
democracia na Espanha, Centelles retorna à França (1976), recupera a mala com seus
negativos e publica-os; com isso recebe, em 1984, o Prêmio Nacional de Fotografia
pelo Ministério de Cultura da Espanha. Autor de Agustí Centelles: La lucidez de la
mejor fotografía de guerra, falece em 01 dezembro de 1985, aos 76 anos, em
Barcelona, esse grande nome do foto-jornalismo espanhol.
Centelles foi um dos primeiros fotógrafos que utilizou uma câmera Leica na
Espanha. Essa câmera possibilitou-lhe colaborar como reporte gráfico em diversos
jornais da época. Sendo o terceiro fotógrafo a utilizar este tipo de câmera, conseguiu
realizar através dela um tipo de fotografia diferente das que existiam na época. Os
retratos de Centelles tinham uma grande força expressiva abandonando as clássicas
fotografias planas, sem relevo, que até então eram feitas e que estavam, de certo
modo, condicionadas pelas câmeras de placas e pela utilização do magnésio.
Como fotógrafo não buscava a criatividade, mas sim mostrar a crua realidade.
Suas fotografias eram autênticas, verídicas e expressavam o cotidiano de preocupação
e horror da sociedade espanhola. As primeiras fotografias de um conflito bélico,
considerando como o primeiro evento foto-jornalístico, a Guerra da Criméia, realizadas
por Roger Fenton não apresentavam nenhum indício de guerra. Eram imagens
manipuladas de soldados bem instalados, longe da frente, campos de batalhas sem
mortos, ou seja, imagens de uma “falsa guerra”, em que o fotógrafo se preocupava em
retratar o “glamour” bélico como se fazia na pintura. Esse primeiro registro visual de
uma guerra é totalmente distinto do registro visual de Centelles, pois enquanto o
fotógrafo espanhol fotografava o real, a dor, a morte e o desespero o outro fotografava
o falso heroísmo, a falsa alegria dos soldados, os falsos campos sem corpos. Em certa
ocasião, Agustí Centelles declarou em uma entrevista: “Yo me daba cuenta de que el
reportaje gráfico de entonces era muy
amanerado y estético. Y a mí esto no me
gustaba. Yo sentía la necesidad de reflejar una cosa más viva”.63 Por isso buscava
realizar fotos livres de qualquer intervenção, puras, num cenário real e vivo conhecido
pela população.
Na fotografia64 exposta ao lado, a objetiva de Centelles capta uma imagem de
tristeza onde se percebe indícios de uma revolução. Cavalos mortos, pessoas tapando
o nariz para não sentir o mal-cheiro; nesse momento, o fotógrafo consegue registrar até
mesmo a fumaça produzida pela incineração dos eqüinos mortos. Mais uma vez, ele
marca com a veracidade de suas fotografias a imagem caótica que será exposta para a
população.
O presente fotógrafo tinha como perspectiva apresentar os objetos focados
sobre um plano principal tais como são
percebidos pela vista, para que assim suas
fotos resultassem no mais natural
possível. Sua lente captava o centro, porém
nunca deixava de registrar e dar a devida
importância ao todo. Em muitas de suas
fotografias o todo simbolizava mais que o centro, ou seja, o objeto focado em segundo
plano tinha mais significação do que o objeto focado em primeiro plano. Esta afirmação
pode ser confirmada pela observação da foto acima.
Pioneiro da reportagem moderna,
considerando que a Guerra Civil da Espanha foi o
primeiro grande conflito bélico que mereceu uma
atenção especial por parte dos meios de comunicação
internacional, o que pode determinar o começo do
63 http://es.wikipedia.org/wiki/Agust%C3%Ad_Centelles 64 Centelles. Incineração de cavalos mortos na Praça Catalunha – 19/07/36.
Centelles. Tomada de Montearagón pelos
milicianos – 09/1936
Centelles. Jogos de crianças – 1936.
fotojornalismo, Centelles foi uma figura que marcou definitivamente esse gênero. Ele
conseguiu através de sua Leica e de sua técnica criar imagens impactantes, cheias de
dinamismo e espontaneidade; movimentou-se entre os campos de batalha e os
conflitos citadinos, e com isso pôde registrar na íntegra e com beleza o caos espanhol
de 1936-1939. Agustí Centelles foi o primeiro fotógrafo a registrar, em 18 de julho de
1936, as primeiras imagens do fracassado levantamento dos militares fascistas nas
ruas de Barcelona. Com grande risco de vida, ele sai pela cidade colhendo imagens
chocantes do que seria o início da Guerra Civil espanhola.
Ao iniciar o conflito bélico, Centelles foi destinado para a frente de Aragón e
Catalunha junto com as milícias populares do exército republicano, e se dedicou a
elaborar reportagens sobre as tropas dessas frentes para La Revista, sendo suas
imagens também exploradas por ambas as frentes em suas propagandas. Realizou
reportagens sobre a conquista de Truel e sobre a batalha de Belchite. Foi também
colaborador do Comissariado de propaganda da Generalitat de Catalunha e
encarregado do arquivo do exército da Catalunha em Barcelona.
Uma fotografia muito divulgada durante o conflito, conhecida por muitos e que
também foi capa de importantes jornais, é a dos três guardas de assalto armados com
fuzis atrás de um cavalo morto. Esta fotografia,
exposta ao lado, na época, foi muito utilizada em
cartazes propagandísticos a favor dos republicanos. Nela
percebe-se que a desordem ocasionada pela ruptura da
ordem política, inaugurou uma cidade caótica.
Centelles. Guardas de assalto fazem barricadas (Barcelona,19/07/1936)
Em 1939, Centelles se auto-exilou na França e
levou consigo os negativos mais relevantes assim
como as câmeras fotográficas. Esteve preso em
diversos campos de concentração onde conseguiu
salvar seus negativos, devido a uma carteira de
jornalista expedida pelas autoridades francesas,
estabelecendo um pequeno laboratório fotográfico no
campo de Bram. Desta forma, conforme mostra a
fotografia ao lado, consegue registrar a dramática situação dos refugiados espanhóis.
Em 1976, Agustí Centelles ao recuperar a maleta com seus negativos e, já com
a chegada da democracia, expõe suas imagens, transformando-se num símbolo do
foto-jornalismo de guerra. Portanto, esse conflito bélico tornou-se para o referido
fotógrafo o maior acontecimento de sua vida profissional, que proporcionou seu
reconhecimento nacionalmente como um dos maiores fotógrafos da Espanha.
4.2.2 As imagens bélicas na poesia de González Tuñón
Raúl González Tuñón foi um poeta preocupado com o social, com a classe
proletária, com as injustiças, entre tantos outros temas. Com a Guerra Civil espanhola
se pode ver sua vertente política e solidária. O conflito bélico espanhol trouxe para o
autor argentino não só três novos livros, como foi citado no segundo capítulo e
importantes amizades, mas principalmente um novo olhar sobre a poesia, um novo
fazer poético com abordagem social, como um meio de comunicação com a massa,
visto que ele também era jornalista.
Campo de concentração de Bram (França, 1939)
Ao chegar à Espanha, e se deparar com a violenta crise dos mineiros asturianos,
González Tuñón decide regressar à Buenos Aires, escrever notas para um jornal e
organizar a Seção Hispano-Americana da Aliança de Intelectuais Antifascistas, com o
intuito de informar os acontecimentos que ocorriam na Espanha. Porém, antes de voltar
à Argentina, o poeta conversa com mineiros asturianos, que o fazem recordar de seu
avô Manuel Tuñón. A partir deste fato, o autor começa a escrever La Rosa Blindada,
livro chave que abre o caminho da poesia de guerra na América Latina.
Em terras espanholas, como correspondente de guerra, Raúl González Tuñón
verá que a morte está nas ruas e nos campos, compartirá a dor e os bombardeios com
Nicolás Guillén, Antonio Machado, García Lorca entre outros. Raúl González Tuñón
passa a ser o primeiro a escrever poemas em solidariedade aos que lutavam pela
liberdade da Espanha, retratando toda a comoção vivida nessa guerra. Por este motivo,
o poeta chileno Pablo Neruda afirma que “Rául, fue el primero que blindó la rosa” e
Octavio Paz sentencia que sem La Rosa Blindada não teria existido nem España en el
corazón, de Neruda, nem España aparta de mí este cáliz, de César Vallejo.
A Guerra Civil espanhola teve em González Tuñón um intérprete poético à
altura dessas façanhas. O próprio autor afirma, em seu auto-retrato, que a Guerra Civil
não só lhe modificou na forma lírica, mas também lhe permitiu ser mais atuante na
sociedade. Após suas experiências de viagens afirmou (Zanetti, 1980/1986:124): “Así
que aprendí que no somos subdesarrollados, es una sabrosa mentira, nosotros somos
mal aprovechados, mal organizados y mal dirigidos”.
“La Libertaria”, toda manchada de sangue
O poema “La Libertaria” foi escrito em memória de Aída Lafuente, uma jovem de
16 anos que morreu defendendo sua região durante a revolução de outubro de 1934,
ocorrida na bacia de Cuenca em Asturias. O poema foi cantado como uma homenagem
ao encerramento do II Congreso de Escritores Antifascistas para la Defensa de la
Cultura realizado na cidade de Valencia em 1937.
Essa composição poética está formada por seis estrofes com alternância nos
números de seus versos. A maioria das estrofes possui versos paralelos e anafóricos,
que sustentam a cadência rítmica da poesia, tornando-a semelhante a um hino
suavizado e caracterizando-a como uma espécie de “copla popular”, muito comum na
obra tuñoneana desse período.
Estaba toda manchada de sangre, estaba toda matando a los guardias, estaba toda manchada de barro, estaba toda manchada de cielo, estaba toda manchada de España.
A estrofe que inaugura o poema é uma descrição de Aída Lafuente no momento
de sua morte, pois o sujeito poético afirma através do verso inicial a impregnação de
seu corpo pelo sangue, uma alusão ao fim da vida de Aída. Relatos da época revelam
que essa jovem armada com uma metralhadora se juntou a um defensor da cidade na
tentativa de evitar a entrada dos inimigos em Asturias, por isso o poeta descreve
“estaba toda matando a los guardias". Nos versos seguintes, por meio da repetição de
“manchada”, enfatiza-se o idealismo dessa figura, pois esse vocábulo contribui para a
formação de uma imagem de profundo comprometimento com o conflito asturiano, que
ora deixa marcas de barro, ora de céu e até mesmo de seu país. O barro, por
simbolizar tanto a matéria-prima que encontramos na natureza quanto a formação do
ser humano, imprime no poema um valor local e, ao mesmo tempo humano, pois estar
manchado de barro implica na exaltação de sua região por carregar a terra em seu
corpo e do homem por ser oriundo do barro, conforme o relato bíblico. Uma das
simbologias do vocábulo céu é o absoluto das aspirações humanas65. Essa significação
se adequa ao contexto poético da composição, visto que marca a morte dessa jovem.
O verso final revela uma imagem patriótica de Aída, a qual foi capaz de sacrificar sua
vida em virtude de seus ideais políticos.
Na segunda estrofe o eu-lírico convoca a população espanhola ao enterro de
Aída Lafuente, para isto emprega o verbo venir no imperativo “ven”:
Ven catalán jornalero a su entierro, ven campesino andaluz a su entierro, ven a su entierro yuntero extremeño, ven a su entierro pescador gallego, ven leñador vizcaíno a su entierro,
ven labrador castellano a su entierro, no dejéis solo al minero asturiano.
Através de uma enumeração de pessoas de distintas regiões espanholas e
ocupações de diversos tipos, o poeta passeia por várias localidades da Espanha,
pedindo a presença indiscriminada de todos no sepultamento. Assim, vincula-se a
imagem dessa jovem ao comprometimento político de toda uma nação. O vocábulo
“entierro” empregado repetidamente em todos os versos, exceto no último, enfatiza o
fim do ideal de vida de uma jovem; ao mesmo tempo, alerta para que a luta mineira não
seja enterrada com ela. Pela cultura popular, o enterro seria uma forma de reunir
pessoas em um encontro final para despedidas. González Tuñón aplica esse
significado com intuito de unir, provocando reflexão na população espanhola pela luta
65 O símbolo deste vocábulo se encontra em: CHEVALIER, Jean – GHEERBRANT, Alain. Diccionario de
símbolos. 5ª ed. Barcelona: Herder, 1995
da permanência de seus objetivos e, conseqüentemente, pela repulsa daquele crime
cruel. Essa comoção é justificada no último verso quando o sujeito poético pede para
que essa população, convocada ao enterro, não deixe sozinho o mineiro asturiano,
mineiro este que representa todos os outros que lutaram contra aquela fatal revolução
outubriana de 1934, a qual seria o ponto de partida para a eclosão da Guerra Civil
espanhola.
Sabe-se que Raúl González Tuñón usa, freqüentemente, como recurso poético
dados de sua vida particular. Em vários poemas o autor deixa registrado pessoas,
gostos e lugares comuns de sua vivência. Em “La Libertaria”, há uma personificação
representada pela presença do mineiro asturiano, que se vincularia à imagem de seu
avô materno Manuel Tuñón, que era de Asturias, operário e socialista.
A imagem nessa obra tuñoneana encontra-se mediada por impressões
particulares do autor, construindo assim uma imagem social e de caráter individual.
Contudo, deve-se ressaltar que o olhar, que apreende essas imagens e as decodificas
em versos poéticos, é o de um argentino, portanto, um olhar estrangeiro, que de acordo
com o autor Nelson Brissac Peixoto (1988:363), “aquele que não é do lugar, [...] acabou
de chegar, é capaz de ver aquilo que os que lá estão não podem mais perceber”.
Dessa forma a poesia de González Tuñón é fundamental para entender que ver é
apenas uma atitude mecânica e passiva, enquanto olhar implica em um
questionamento daquilo que se vê, sendo completamente reflexivo. O que conduz os
versos de “La Libertaria”, bem como os outros poemas contidos nos seus três livros
sobre a Guerra Civil espanhola, é a reflexão.
Na terceira estrofe o sujeito poético segue convocando a população para o
enterro de Aída, explicando os motivos pelos quais o povo deve vir:
Ven, porque estaba manchada de España, ven, porque era la novia de Octubre, ven, porque era la rosa de Octubre, ven, porque era la novia de España.
Através de uma gradação em série de adjuntos adnominais, ele atribui a essa
personagem feminina um caráter nacional “manchada de España”, tornando-a assim
um emblema daquela revolução mineira que assolava o país. Com conotação afetiva
“novia”, ele a situa dentro do movimento da insurreição asturiana, ocorrido exatamente
no mês citado no poema. Assim “novia de octubre” se refere à mulher comprometida
com aquela insurreição.
Como é mundialmente conhecida, a rosa simboliza mulher e beleza, no entanto,
em 1919, uma mulher lutadora contra o governo em favor de seus ideais comunistas,
chamada de Rosa de Luxemburgo, foi assassinada durante o regime que formava os
primórdios do nazismo alemão, marcando assim seu nome como um emblema de
mulheres revolucionárias. Pode-se dizer que Aída Lafuente era conhecida como “La
rosa roja de Asturias” devido a esse ícone feminino de luta. Também se observa que
quando o sujeito poético nomeia “la rosa de octubre” ele a toma como a maior
representante daquele sangrento conflito, além de atribuir a essa jovem uma singela
beleza.
Verifica-se no último verso que por meio do adjunto adnominal “novia de
España” se estabelece na composição poética uma justificativa central para a presença
permanente dos ideais asturianos dentro da insurreição, pois a metáfora marca o
comprometimento e o amor que essa figura feminina tinha por seu país.
Nessa estrofe o eu lírico pede que a morte de Aída não se perca, que a ideologia
dessa luta não seja abandonada, “no dejéis sola su tumba del campo”, visto que, no
campo, em conjunção com a natureza, a vida intensifica seu caráter cíclico.
No dejéis sola su tumba del campo donde se mezcla el carbón y la sangre,
florezca siempre la flor de su sangre sobre su cuerpo vestido de rojo, no dejéis sola su tumba del aire.
Tanto “carbón” quanto “sangre” estão relacionados na obra tuñoneana com
guerra e morte. Por sua vez, “el carbón” se relaciona com pó, com ruínas, com ossos,
sendo um objeto fractal (fragmentado) peculiar ao ambiente caótico e indicador de
início e fim, pois conforme as escrituras bíblicas “do pó viemos ao pó retornaremos”. O
poeta, ao misturar a cinza com o sangue, amplia o sentido inicial de “carbón” já que,
por estar debaixo da terra, essa mescla pode germinar, crescer e se transformar em
árvore. Assim, a cinza se humaniza porque, ainda que subterrânea, trabalha.
Comprova-se essa humanização no verso seguinte pelo florescer da flor que simboliza
a regeneração da vida. Também, pode-se assinalar o verso “florezca siempre la flor de
su sangre”, como uma exposição do desejo do poeta pela permanência da ideologia
combatente dos mineiros através da imagem da flor.
Cinza-morte, entendidos no poema como carvão-sangue, são geradores de vida,
deles florescerá sempre a flor, ou seja, nascerá sempre o pensamento, a reflexão
sobre o que acontece naquele ambiente de intensos combates. Também é possível
confrontar o sangue com a relação morte-vida. Morte quando alude a “rio de sangue” e
vida como doadora universal, “flor de su sangre”, sangue que não se estanca, flui
constantemente, é móvil e fecundo. Ao final, o sujeito poético retoma a palavra “tumba”
para enfatizar a relevância do sepultamento. Através do adjunto adnominal “tumba del
campo” e “tumba del aire”, o eu lírico cria um paradoxo, marcando a morte como uma
metáfora da vida e o ar como a consciência do homem que pelo cotidiano tende a
esquecer os fatos.
Cuando desfilan los guardias de asalto, cuando el obispo revista las tropas, cuando el verdugo tortura al minero,
ella, agitando su túnica roja, quiere salir de la tumba del viento, quiere salir y llamaros hermanos y renovaros valor y esperanza
Na penúltima estrofe o sujeito lírico enumera acontecimentos comuns naquele
cotidiano, como: invasão dos soldados, revistas das tropas e os crimes de torturas,
porém essa aparente citação é uma alusão irônica às barbáries que ocorriam durante o
confronto mineiro. Daí o motivo para o levante daquela que foi a mártir da revolução de
Cuenca, daquela que empunhou a bandeira do movimento asturiano. Mais uma vez o
poeta retoma o vocábulo “tumba”, estabelecendo junto com “viento” a memória da
heroína, que quer simbolicamente sair do túmulo, figurar eternamente como uma
esperança, por isso o poeta incita “renovaros valor y esperanza”.
O sujeito lírico ressalta na poesia duas imagens, uma que está no nível explícito
e outra, no nível implícito, por isso mesmo intuída a partir da observação minuciosa dos
detalhes concedidos pelo poeta. Em primeiro plano é revelada a imagem de Aída
Lafuente, marcada em todo o poema através do gênero e dos símbolos universais
femininos: flor, noiva e rosa. No nível implícito é descrita uma imagem abstrata,
percebida pela junção dos significados de algumas palavras ao acontecimento de
outubro. Trata-se de uma representação ideológica e política que começava a
despontar dentro da obra tuñoneana.
y recordaros la fecha de Octubre
cuando caían las frutas de acero y estaba toda manchada de España y estaba toda la novia de Octubre y estaba toda la rosa de Octubre y estaba toda la novia de España.
Ao final, o poeta insiste na rememoração constante do dia e mês em que Aída
foi morta, mês este que marca na Europa o outono, estação onde caem as folhas, por
isso “Cuando caían las frutas de acero”. No entanto, essas frutas não saciam a fome,
são frutas que não podem ser comidas, são de aço. A imagem que esse alimento
revela, o anunciador de momentos difíceis, prevê um cruel futuro para a Espanha.
Frutas simbolizam abundância, porém “frutas de acero” seria abundância de ferros,
aços, elementos que compõem as munições e as armas, objetos agora habituais
dentro das casas e regiões espanholas, indicadores de uma possível guerra.
Ainda na última estrofe, percebe-se que o poeta retoma, por meio de aliterações,
a idéia inicial, pois emprega uma parte da primeira estrofe com adjuntos adnominais
usados na terceira estrofe para aludir a la libertaria. Observa-se também que “novia de
Octubre”, “rosa de Octubre” e “novia de España” formam uma gradação que parte de
um valor regional para um valor nacional, já que o conflito ocorrido na região de
Asturias se refletiu em toda Espanha.
“Cuidado, que viene el Tercio”, da marcha militar ao ritmo do poema
O poema “Cuidado, que viene el Tercio” pertence ao livro La Rosa Blindada,
publicado em maio de 1936, sendo o primeiro livro de poesias de González Tuñón com
a temática de revoluções populares na Espanha, incluindo a Guerra Civil. Por sua
cadência e disposição de seus versos e estrofes, a composição poética, assemelha-se
a uma espécie de marcha suavizada. Nesse período da obra de González Tuñón suas
poesias se impregnavam de ritmo e, concomitantemente, se caracterizavam pelo verso
livre, como se poderá verificar nesse poema.
A imagem poética nessa obra surge através de uma linguagem que anuncia a
guerra. Já no título da poesia, o poeta chama a atenção para as batalhas que
começavam ocorrer em solo espanhol, devido a visões políticas divergentes entre o
governo da época e a monarquia, que havia sido derrubada anos antes pelos
republicanos. Em todas as estrofes há um alerta para a chegada dos soldados, os
quais combatem a serviço de seu general. Essa constância de chamadas, que o sujeito
poético ressalta dentro do poema, causa no leitor uma sensação de insegurança, que
acaba envolvendo-se nesse clima de tensão tão peculiar à população na época do
conflito espanhol. Com isso o autor revela para seu leitor a imagem de uma sociedade
amedrontada e acuada pela ameaça das tropas franquistas que trouxeram o caos.
La Legión ha entrado a España.
O primeiro verso que inaugura o poema é de sobreaviso para o leitor, que
representa a população espanhola, visto que na época em questão o texto em prosa ou
verso era a maior e melhor forma de comunicação com a massa. Observa-se que o
autor coloca o vocábulo “Legión” em maiúscula. Poder-se-ia entender essa atitude
como exaltação dos soldados que compõem o exército inimigo atribuindo a eles poder,
mesmo sendo este poder destrutivo. Outra maneira de compreender este vocábulo é
vê-lo como uma forma mascarada de insulto às tropas militares, pois “legión” também
se define, conforme a Bíblia, por demônios. Assim o autor estaria denominando
pejorativamente tal exército e expondo sua posição em relação à guerra.
A primeira estrofe do poema expressa uma preocupação do eu lírico em alertar
as pessoas comuns da sociedade para cuidarem e protegerem aquilo que amam, pois
os soldados franquistas, denominados por González Tuñón de “lobos” (termo que o
autor retoma no poema Domingo Ferreiro), estavam chegando e vinham para destruir.
Eles tinham “el desierto en el alma”, ou seja, eram desalmados.
Hombre, cuida tu mujer, obrero, guarda tu casa.
Mira que vienen los lobos con el desierto en el alma.
Na segunda estrofe o sujeito poético alerta ao trabalhador rural, que para o autor
é uma pessoa com poucos recursos.
Pobre colono, defiende tu finca, la hipotecada, que no te van a dejar ni verdura ni majada.
O eu-lírico avisa ao colono que defenda sua fazenda que está hipotecada, pois
os que chegam não deixarão nenhuma forma de sobrevivência para ele, reafirmando a
entrada em terra espanhola dos que trazem a ruína e a dor.
A terceira estrofe dá indícios da crise econômica que sofria a Espanha, não era
só o fazendeiro que tinha seu bem hipotecado, mas também o comerciante tinha sua
loja com baixos lucros. Novamente o poeta pede ao povo que tenha cuidado com sua
família e com seus bens, já que o vil exército condecorado, como o próprio sujeito-lírico
afirma no poema, pode tomar tudo sem qualquer explicação.
La Legión ha entrado a España.
Cierra, pequeño burgués
tu tienda de renta flaca. Guarda tu novia, muchacho,
de la hez condecorada.
Todos, segundo o poeta merecem ser alertados, inclusive a meretriz, depreciada
pela sociedade. Para o eu-lírico esta mulher de vida livre é como qualquer outro
membro da comunidade, que luta, sofre e trabalha pela sobrevivência.
Prostituta, ten cuidado que no te invadan la casa los rufianes de la arena
que pegan, pero no pagan.
Raúl González Tuñón, em muitos de seus poemas, retrata essa personagem
menosprezada, com o intuito de elevar sua condição humana perante a sociedade e,
assim, diminuir o preconceito em torno desse arquétipo da realidade citadina. Por este
motivo o autor canta em seus versos essa mulher tão esquecida propositalmente pela
população. Ele humaniza a prostituta, marginalizada perante o olhar popular. Na obra
tuñoneana a imagem da meretriz nunca é representada negativamente, ao contrário, é
apresentada com respeito e até com pesar. Sabe-se que é de seu interesse lírico
revelar as personagens que estão à margem, expô-las de forma bela, nunca com
preconceitos ou desprezos. Nessa estrofe o poeta descreve a atitude covarde dos
soldados, chamados por ele de “rufianes de la arena”, que invadem, abusam e
usufruem da prostituta, simplesmente pela imposição de seu poder e de sua força.
Mais uma vez o eu-lírico registra a entrada dos militares franquistas que trazem a
desordem para a Espanha.
Na quinta estrofe o sujeito poético volta seu olhar para a Igreja e segue
recomendando cuidados. Ainda na mesma estrofe ele cita de uma forma irônica a
figura do “tahur” que representa o malandro portuário.
La Legión ha entrado a España.
Cura, cuida tu sobrina y el tesoro de tu arca.
Tahur, ándate a los puertos que para fulleros basta.
Cria-se então um paralelo entre a imagem do representante eclesiástico e a do
homem errante que perambula nos portos à procura de um bom negócio. Essas
imagens, como as anteriores, são imagens sociais. Em toda poesia o eu-lírico alude a
personagens comuns singulares que permeiam a cidade e o campo. Assim, mesclando
diferentes classes sociais, “obrero, colono, burgués, prostituta, cura, tahur, bodeguero”,
o poeta deixa transparecer seu olhar igualitário, no qual todos os homens são dignos e,
como todos, podem ser vitimados pelo governo. Apesar de a sociedade diferenciar
pessoas por classe econômica e social, o sujeito do poema deixa representado através
de seus versos uma imagem igualitária de todos os homens, pois todos podem ser
submetidos ao poderio dos que lutam pela monarquia.
Na sexta estrofe o poeta segue avisando às pessoas comuns do povo que
tomem cuidado. Nesse momento, o eu lírico se volta para uma personagem que vive
em um ambiente comum, como as bodegas, os bares, as casas de show.
Bodeguero, tus corambres esconde en la cueva vasta que ya vienen los que traen el desierto en la garganta.
O sujeito poético determina que o dono da bodega esconda na cova sua fome
de vingança e sua raiva. O poeta se utiliza de um recurso estilístico, o neologismo
(“corambres”), para que a personagem possa dissimular sua fome de justiça, de
coragem e rancor perante as tropas franquistas. Dessa forma ele aglutina o vocábulo
“color” (cor) ao vocábulo “hambres” (fomes) formando “corambres” que, no plural,
associa sua fome biológica a sua fome de vingança.
La Legión ha entrado a España.
Que ya vienen galopando sobre la angustia de España,
asesinando palomas y fusilando cigarras,
que ya vienen galopando
sobre la angustia de España los soldados enemigos de la dignidad humana.
La Legión ha entrado a España.
Nas duas últimas estrofes o eu poético se apóia no paralelismo para expressar
sua idéia final. Repete os dois primeiros versos da penúltima estrofe, na última estrofe,
enfatizando a situação de desespero e angústia que começava a se estabelecer na
Espanha. Assim, pode-se afirmar que a regularidade e ordem citadina habitual,
destruídas pela fragmentação social, estabelecem na sociedade espanhola a
desordem, que culminará no vazio caótico deixado pela guerra.
Na penúltima estrofe o sujeito do poema além de descrever a entrada das tropas
de Franco em solo espanhol, revela também um panorama de caos, horror, morte,
enfim desolação, pois afirma que os soldados vêm para acabar com a paz e harmonia,
simbolizada no poema pelo vocábulo “palomas” (pombas). Ainda evidencia a morte
brutal da celebração da vida, representada pelas cigarras, as quais cantam para
celebrar o dia vindouro.
Ao final o sujeito poético segue com sua crítica algoz sobre o exército do general
Francisco Franco. Afirma que eles são soldados inimigos da dignidade humana, pois os
mesmos vinham espalhando desgraça, crueldade e dor sobre toda população
espanhola. Termina justificando novamente que todo esse ambiente de intensa
fragmentação geradora do caos, acontece devido à entrada dessas tropas na Espanha.
Desta forma percebemos que o poema “Cuidado, que viene el tercio” trata-se de uma
composição poética cíclica, pois começa e termina com versos idênticos: “La Legión ha
entrado a España”. Por ser cíclica, também se auto-recria, ou seja, a ordem inicial é
interrompida pela desordem, porém ao final o poeta retoma o princípio de regularidade
para novamente estabelecer o caos, com isto a poesia não se finda.
“Domingo Ferreiro”, toque a gaita...
Tanto a imagem fotográfica quanto a poética apresentam singularidades e
pontos em comum com o meio que a produz, como se pode verificar nas diversas fotos
do fotógrafo espanhol Agustí Centelles e na poesia do poeta e jornalista argentino Raúl
González Tuñón. Ambas têm em comum o mesmo tema ou pano de fundo, a Guerra
Civil espanhola, onde fotógrafo e poeta se aproximam com o mesmo objetivo:
denunciar o brutal massacre em terras espanholas.
O poema “Domingo Ferreiro” pertence ao livro Muerte en Madrid (1939), de Raúl
González Tuñón, e as fotografias são do fotógrafo Agustí Centelles, as quais retratam
alguns conflitos ocorridos durante a Guerra Civil espanhola. Poesia e fotos serão
expostos paralelamente e as suas análises.
A criação da imagem nesta poesia se dá através do conhecimento que temos
sobre guerras. Esse saber irá aflorar nossa sensibilidade, e no decorrer da leitura
formaremos continuamente imagens associadas ao período bélico. Ao final nos
deparamos com uma imagem que define bem o que é uma guerra: “perdas contínuas
de compaixão, de alegrias, de esperanças, enfim perdas de vidas”.
Toca la gaita Domingo Ferreiro toca la gaita... «¡Non queiro, non queiro!» Porque están llenas de sangre las rías, porque no quiero, no quiero, no quiero.
Na primeira estrofe o poeta incita a
Domingo Ferreiro que toque sua gaita, mas ele
se nega a tocá-la. Esta negação tão
particular é representada em língua galega no
verso: “¡Non queiro, non queiro!”, assim se cria no poema um pequeno diálogo entre
autor e personagem. Este diálogo apresenta uma linguagem de ruptura: o autor em
linguagem imperativa ordena que Domingo Ferreiro toque a gaita, logo a seguir a
personagem responde negativamente em língua galega. No terceiro verso, Ferreiro
retoma sua voz e justifica o motivo de tal negação: as “rías” estão repletas de sangue,
sangue de uma guerra de difusas ideologias, onde ambos os lados estavam mais
preocupados em impor suas idéias políticas e eliminar seus adversários.
As “rías”, freqüentemente, na literatura simbolizam a vida, pois além de
possuírem seu ciclo vital ativo, também são as responsáveis pelo alimento da
população. Entretanto, a obra revela as “rías” como anunciadora da morte, do caos que
(Praça de Catalunha, o coração de Barcelona ao final do dia – 19 /07/36)
havia se transformado a Espanha de 36. Naquele momento a terra passou a não ser
digna de música, mas sim de lamento. A imagem criada nessa primeira estrofe, através
da forma simbólica das “rías”, desperta no leitor a sensação de horror e morte vivida
pelas pessoas daquela época. Os leitores sentem essa mesma sensação ao verem
expressas a destruição e a morte na fotografia. A imagem fotográfica exprime essa
tristeza, pois retrata o que ocorria nas cidades espanholas, através do olhar preciso de
Centelles.
As imagens poéticas são produzidas através da ordenação de vocábulos, versos
e estrofes, dependendo, portanto, da competência de um poeta para despertar a
imaginação do leitor, já as imagens fotográficas são produzidas por um aprisionamento
físico de partes do mundo visível, isto é, imagens que dependem de um instrumento de
registro, implicando então a presença de objetos reais e preexistentes.
Por tratar-se de um cenário físico, real e integrado a nosso mundo (a Guerra
Civil espanhola e o local onde ela aconteceu), a imagem criada nesta poesia
desempenha um papel social, pois por meio dela se pode sentir como o autor percebeu
tal acontecimento.
Y se secaron los ramos floridos que ella traía en la falda del viento, que ella traía a su novio soldado o pescador, labrador, marinero.
A segunda estrofe expressa todo o
espírito de tristeza que se vivia na Espanha: a
alegria morrera juntamente com as cores vivas,
as flores secaram, o vento não trazia mais
(Saída de milicianos em Barcelona – 07/1936)
(Trincheira em Belchite – 09/1937)
aquela doce melodia da gaita aos homens daquela terra. Essa fotografia foi exposta
juntamente com esta estrofe, neste estudo, pois simboliza a despedida de um casal. Na
foto encontram-se tanto o soldado quanto “ela”, e ao lê-se a estrofe e compará-la com
a foto, percebe-se um ambiente de desilusão e falta de esperança, que é finalizado
com o beijo de um futuro incerto. Seria a despedida de tempos brandos para o início de
tempos revoltos.
O registro da imagem poética depende de um suporte, quase sempre uma
superfície, como o papel, que possa servir de receptáculo para a fixação dos
significados, registrados pela caneta esferográfica, que um artista utiliza para deixar
impressos no papel seus significantes. Sem dúvida o principal instrumento
possibilitador da fixação da imagem poética é a caneta, que como prolongamento dos
dedos e dos movimentos da mão, permite desenvolver com maestria sua utilização. É
na visibilidade da escritura que está
impressa a marca de seu agente.
Sobre Galicia ha caído la peste, ay, los oscuros sargentos vinieron. Están colgando en los pinos los hombres, toca la gaita, no quiero, no quiero.
“Sobre Galicia ha caído la peste”:
assim se inicia a terceira estrofe que vem
revelar nitidamente, através de seus harmoniosos versos, como atuavam as tropas
franquistas, denunciando os desmandos e crueldades praticados naquela região. O
General Franco e seu exército haviam chegado à Galicia e junto com eles, a dor, a
morte e a destruição. Aquele momento não era mais propício para a música festiva
galega e, novamente, o autor se nega a tocar a gaita. O terceiro verso, “Están colgando
en los pinos los hombres”, revela horror, crueldade e dor, porque “colgar en los pino”
seria pendurar as pessoas nos pinheiros, ou seja, cravá-las nas árvores. A quem
cravar? Certamente aos homens a favor da república que lutavam contra o exército de
Franco.
A fotografia acima, exposta concomitantemente com o poema, nos revela que
esses homens estariam entrincheirados nesse ambiente caótico estabelecido pela
fragmentação política da sociedade. Seus olhares para cima esboçam preocupação, o
que marca verdadeiramente a tensão que sofriam esses soldados, resultado do
congelamento de um fato enquadrado. Essa imagem, sendo uma cena real, funciona
como registro do confronto entre o sujeito e o mundo. O que resulta disso não é só uma
imagem, mas um objeto único autêntico e, por isso mesmo, carregado de certa
solenidade, fruto do privilégio da impressão primeira daquele instante raro, no qual
poeta e fotógrafo pousaram seus olhares sobre o mundo, dando forma a esse olhar
num gesto irrepetível.
Nuestros hermanos que están allá abajo pronto vendrán a vengar a los muertos, pronto vendrán en mitad del verano, pronto vendrán en mitad del invierno.
Na quarta estrofe, o poeta expõe
claramente sua posição em relação à
guerra quando cita: “Nuestros hermanos que están allá abajo”, com isso ele se insere
no grupo dos que são a favor da República espanhola, pois os que estavam
geograficamente abaixo eram os republicanos, que ainda mantinham o controle da
capital. Na sua esperança guerreira, o autor afirma que sua “gente” virá vingar os
(Guardas de Assalto e Civis comemoram a vitória sobre os militares revoltosos em Barcelona – 19 /07/36)
(Miliciano na Frente de Aragão – 1937)
amigos mortos, não importando se virão no verão ou no inverno, pois certamente
perceberão a humilhação e o sofrimento do povo galego.
A imagem formada nessa estrofe é de revolta e vingança. O autor desperta
esse sentimento no leitor através de um misto de imagens: uma, espaço vivo e real,
região onde estão os companheiros da república; outra, imagem sensorial de rancor e
raiva.
A fotografia de guerra paralelamente à essa estrofe vêm marcar a esperança de
ajuda e reparação dos vários companheiros assassinados e, simultaneamente,
simbolizar todo o contingente indiscriminado de pessoas que morriam. Nessas fotos
observamos ora a gana com que lutavam os republicanos, ora o caos de dor e
destruição que assolava o país. Nessas imagens instauradoras, fundem-se, num gesto
indissociável, o sujeito que a cria, o objeto criado e a fonte da criação.
El que no ha muerto andará por el monte y en las aldeas cayeron los buenos. Ay, que no vayan los lobos al monte, toca la gaita, no quiero, no quiero.
Na quinta estrofe, o autor louva os
sobreviventes da guerra, aproximando-os a Deus
e colocando-os no monte66, já que este é o
símbolo da ligação entre terra e céu.
Evidentemente, González Tuñón também
demonstra solidariedade aos que morreram pela República, pois mesmo que os
sangrentos soldados não subam ao monte para acabar com os poucos que restaram,
ele não tocará a gaita em memória a seus companheiros mortos.
66 [Monte] Esta definição encontra-se em CHEVALIER & GHEERBRANT (1995) p.616.
Nessa estrofe o elo estratégico foi criado através da imagem ambiental física. O
leitor percebe o quadro mental do mundo físico exterior e o apreende. O ambiente
trabalhado foi o monte e a aldeia. Buscando as imagens que temos sobre esses
referentes, descobrimos que o monte refere-se a um ambiente alto, de difícil acesso;
enquanto a aldeia, a planície, lugar acessível. Desta maneira, depreende-se que os
republicanos estão no monte, tentando proteger-se, e seus amigos mortos na aldeia,
onde ocorreu possivelmente a batalha.
A imagem anterior, do homem andando no monte, assinala claramente esse
momento da poesia, onde o soldado protege seu território de possíveis invasões. A
posição focada pelo fotógrafo nesta foto, coloca o objeto em posição elevada e próxima
do céu (assim como no poema), o que pode indicar uma possível simpatia do repórter
com a República. O emissor da imagem, através do enquadramento, recorta o real sob
seu ponto de vista e, por isso pode propor diversas interpretações em função da sua
subjetividade.
Ya llegarán las valientes milicias para acabar con la hez del desierto. Ya llegarán en mitad de la Historia, ya llegarán en mitad de los tiempos.
A sexta estrofe anuncia a vinda
das milícias republicanas, que
mesmo em desvantagem, lutavam bravamente para combater aquelas deploráveis
tropas franquistas vindas do deserto ocidental. Essas valentes milícias chegarão na
metade da guerra, na metade do tempo que resta para o triunfo. A imagem que surge
nessa estrofe é a da esperança, uma imagem sensorial. Percebe-se com essa imagem
(Frente de Aragão – setembro de 1938)
que o autor tinha certeza da vitória das tropas republicanas e, a partir desse
pensamento utópico, fica nítido o posicionamento de González Tuñón durante a guerra.
A figura das tropas em direção à frente de batalha, captada pela objetiva de
Centelles, demonstra através do cenário toda a dimensão que o referido fotógrafo
conseguia impor entre o sujeito e o mundo. Por meio da poesia, pode-se imaginar o
ambiente e, através da fotografia, o constatá-lo. Enquanto o criador das imagens
poéticas deve ter, fundamentalmente, sensibilidade e imaginação para a figuração, o
agente fotográfico necessita de capacidade perceptiva e prontidão para reagir no
momento certo.
Toca la gaita... ¡que baile el obispo! Toca la gaita, no quiero, no quiero. Porque no es hora de fiesta en España, porque no quiero, no quiero, no quiero.
Na sétima estrofe, o autor ironiza a Igreja
Católica com a expressão “¡que baile el
obispo!” referindo-se à grande indiferença
mantida pelo clero aos intensos massacres que
ocorriam durante a Guerra Civil espanhola.
Normalmente, tocar a gaita é festejar com música bons momentos, mas como
tocar a peculiar melodia desse instrumento se os únicos sons ouvidos eram os dos
gritos e dos bombardeios daquela sangrenta batalha?
A fotografia exposta transmite esse desespero, essa tristeza, esse momento
impróprio para festas. Com tamanha vivacidade, Centelles reproduz nessa imagem
uma realidade singular, uma propaganda da violência para qual o mundo atentava. No
entanto, se as imagens poéticas resultam de um gesto idílico, fruto de uma simpatia, ou
(Bombardeio de Lleida – 2 /11 / 3 7)
de seu oposto, em relação ao mundo, as imagens fotográficas decorrem de uma
espécie de rapto, captura do real, por trás do qual se insinua um ato não destituído de
certa perversidade. O que se imagina através dos harmoniosos versos, na fotografia,
com toda sua credibilidade documental, expõe-se explicitamente.
(Guardas civis- 1936) Ya llegarán los soldados leales para acabar con los pájaros negros, ya llegarán en mitad de la Biblia, ya llegarán en mitad de los muertos.
“Ya llegarán los soldados leales para
acabar con los pájaros negros”, nesta estrofe
o autor anuncia uma possível vitória da Frente
Popular sobre os mensageiros da morte, assim
denominados pelo poeta às tropas franquistas. Vê-se, claramente nesses versos, o
quão esperançosos eram os republicanos, que sustentavam a idéia de um novo país,
livre de qualquer regime autoritário que pudesse impregnar com sangue o solo
espanhol.
Mais uma vez Agustí Centelles fotografa os soldados, ainda sorridentes e
confiantes em uma possível vitória, marchando em direção à frente de batalha para
acabar com seus inimigos. Essa imagem é capaz de estimular na população
autoconfiança e trazer a esperança de um possível final da guerra. Entretanto a
imagem fotográfica anterior, a mulher chorando o cadáver, vem destruir por completo
todo ânimo causado pela fotografia acima, pois metade da população havia morrido, e
nem mesmo mulheres e crianças escapavam dos massacres.
(Corpo de um guarda de assalto coberto com a bandeira catalã – 19/07/36)
Toca la gaita. ¡Que baile la víbora! Toca la gaita, no quiero, no quiero. Porque la gaita no quiere que toque. Porque se ha muerto Domingo Ferreiro.
A última estrofe faz uma feroz crítica, possivelmente ao general Francisco
Franco, chamando-o de víbora, ironizando-o com a expressão “¡Que baile la víbora!”,
que pode ser interpretada como o simples ato de dançar ao som da gaita ou como uma
provável expulsão, a eliminação desse ditador. Ao final da estrofe é explicitado o
principal motivo de não querer tocar a gaita, pois ela também está de luto em
sentimento à morte de Domingo Ferreiro, que certamente foi um grande lutador galego
da tão sonhada República espanhola.
A última fotografia é uma simbólica representação dessa personagem bélica
exposta no poema, porém real e integrada por ser uma imagem verídica de um soldado
existente na sociedade espanhola, que provavelmente faleceu com bravura lutando em
busca de seus ideais.
CONCLUSÃO
Ao se analisar a poesia de Raúl González Tuñón, encontrou-se, primeiramente,
as alternâncias temáticas que abarcam sua produção literária. Sabe-se que o início e o
final da obra tuñoneana estão marcados por uma poesia lírica; enquanto entre essas
duas etapas de sua produção, verifica-se uma poesia de cunho social. Essa visão
totalizante do espaço foi proporcionada ao poeta devido a suas inúmeras viagens pelo
mundo, na companhia indissociável de seu amigo imaginário Juancito Caminador.
Desde pequeno González Tuñón se mostrava sensível aos estímulos do mundo
visível. Essa sensibilidade é percebida pelas constantes alusões a momentos, objetos,
pessoas e lugares que circulam dentro de suas linhas poéticas. A maior parte desses
elementos foi conhecida pelo escritor. O descobrimento juvenil do poeta pela
vanguarda argentina o impulsionou a ingressar de forma atuante nessa fase fértil da
cultura e da arte na capital portenha. Sua participação e contribuição nos grupos
antagônicos Florida e Boedo foi conflitante, porém, intensamente enriquecedora. Sabe-
se que, dos poucos críticos existentes sobre a poética de Raúl González Tuñón, raros
foram aqueles que conseguiram localizar o poeta dentro de um ou outro grupo.
A maioria dos poetas da época possuía vínculos unitários com Florida ou com
Boedo, entretanto González Tuñón circulava entre ambos de forma pacífica e influente,
como um perfeito caminhador. Por ser ainda muito jovem, o poeta oscilava entre
Florida e Boedo, conseguindo compartilhar suas escrituras com os dois grupos.
A vanguarda argentina foi responsável por iniciar poeticamente González Tuñón.
A revista Martín Fierro proporcionou ao autor o aprimoramento da lírica, com seus
recursos e suas metáforas, e o grupo Boedo foi indispensável para a iniciação de sua
vinculação política e social.
A experiência vivida por Raúl González Tuñón na capital argentina foi
circundada por elementos imaginários e reais. Com um espírito tipicamente patriota, o
autor procurou conhecer quase todas as regiões da Argentina e, assim, cantar a
extensão de seu país em seus versos. Contudo, seu temperamento inquieto o
impulsionava a descobrir o mundo, seu Juancito Caminador o instigava a viajar e
retratar em lírica suas mais belas e cruéis experiências. As viagens proporcionavam um
aprimoramento da sua estética, estabeleciam grandes amizades e o levavam a
conhecer novas formas métricas, novas concepções poéticas.
Durante algum tempo, o circo foi uma obsessão do jovem poeta, tanto que seu
primeiro poema foi publicado quando o escritor tinha dezessete anos, em homenagem
a um palhaço chamado Frank Brown. De acordo com González Tuñón, Frank Brown o
deslumbrou, era um palhaço maravilhoso, um inglês totalmente influenciado pelos
costumes da América Latina, de grande atração para as crianças. O ambiente circense
o contagiava desde o tempo em que seu avô o levava ao porto; por isso, González
Tuñón, quando tinha aproximadamente dezoito anos, seguiu um circo que estava
saindo da cidade e partindo em direção ao interior.
Outro espaço de suma importância na obra tuñoneana é o porto, que está
presente em quase todos os seus poemas. O porto é para o poeta o símbolo da busca,
da esperança e do sonho, é através dele que partem os navios que levam Juancito a
caminhar pelo mundo mágico.
A leitura inicial que o poeta realiza de seu mundo tem os limites precisos de um
bairro, um bairro de Buenos Aires, na Argentina do início do século XX: um pequeno
universo que reúne em seus cortiços os imigrantes italianos, espanhóis e os próprios
argentinos que exerciam modestos ofícios. Nesse rico e limitado universo se reflete a
vida cotidiana do simples proletariado. Dessas simplicidades é que González Tuñón
nutre sua primeira poesia. Saltimbancos, mulheres fatais do cinema mudo, ecos de
Evaristo Carriego, acompanham o poeta em suas iniciais incursões pelos bairros, pelo
subúrbio, pelo porto e pela poesia.
Aos vinte anos Raúl González Tuñón publica seu primeiro livro. Nele aparece o
poema que resume sua visão de adolescente vagabundo e lúcido: “Eche veinte
centavos en la ranura”. Este poema anuncia o surrealismo, antes mesmo de que o
surrealismo aparecesse na França em 1924, época em que o poeta se encontrava com
dezenove anos. Logo, não é nenhum absurdo afirmar que González Tuñón foi o
precursor do surrealismo, pois as diversas correntes, como cubismo, dadaísmo,
criacionismo, que antecederam esse movimento originário da França, faziam parte do
universo tuñoneano.
“Eche veinte centavos en la ranura” representa o surreal, o inimaginável, o
delirante mundo dos sonhos, estimulado pela apreensão do mundo visível, o
consciente-subsconsciente gravado pela imortalidade poética. Nesses versos,
encontra-se o porto, o marinheiro, o palhaço, o circo e algumas personagens que
constituem a alma circense. Percebe-se a intimidade com que González Tuñón se
refere a esse ambiente portenho, seu amor pelo descobrimento insólito do novo e pelo
vagar nas ruas da cidade de Buenos Aires, que se abria diante de seus olhos.
Em vez de temer a cidade, que se transformava violentamente, com as
mudanças abruptas, González Tuñón se extasiava perante essa urbe. A liberdade de
passear por todos os lugares, de estar em um local e rapidamente em outro o
encantava. O poeta experimentava, pela primeira vez, o prazer de sentir, de viver a
cidade em sua totalidade.
O gosto pelo popular, pelo simples, pela embriaguez da vida noturna da cidade,
o faz criar um companheiro que pode brincar com as cidades, esgotar seus recursos e
reinventar-se na próxima página. Juancito Caminador se funde com a vida particular do
poeta, com seu inconsciente lúdico, podendo entrar e sair de sua obra sem causar
dano, perambular em qualquer espaço e tempo. Ser o herói romântico do real-surreal.
González Tuñón canta as belezas pobres do ambiente citadino, seus
submundos, sua gente. Na composição poética “Poetango de la belle époque”, pode-se
encontrar marcas de suas primeiras poesias, ele ainda é um cancioneiro, mesmo que
nostálgico. Também se encontram registrados em seus versos o insólito, o inábil, o
surreal. Sua eterna paixão pela capital argentina segue revelada em seus poemas.
O aludido mundo infantil, na obra tuñoneana, resplandece no título do poema
“Motivo para una cajita de música”. São freqüentes os elementos tomados da infância e
registrados nos poemas, como: os cata-ventos, os barcos dentro das garrafas e a
própria caixinha de música. Essas constantes repetições afirmam o amor do poeta por
esses símbolos e, consequentemente, por sua infância. Essa composição também é
um convite ao “país das maravilhas”, da imaginação. O autor, ao ingressar no mundo
dos sonhos, possibilita ao ser humano vivenciar por mais uma vez a felicidade
primaveril, a inocência de um olhar sobre um espaço comum, transformado por
instantes em fabuloso.
Em toda obra de González Tuñón a alternância contemplação/mudança ocorre
de uma forma fluida, em uma correspondência dialética entre o mundo observado e o
mundo a transformar. Uma palavra se renova ao longo de sua obra, uma palavra-
chave, “cordial”. É cordial, amigável, sua primeira aproximação ao bairro e ao subúrbio;
cordial e alegre sua aproximação aos circos, às feiras e ao mundo dos marinheiros;
cordial e nostálgica sua visão dos seres e dos objetos queridos; cordial e combatente...
Sua poesia está marcada pela nomeação, pelas citações e referências, pela
auto-referencialidade, pelas intensas e inúmeras metáforas. O mundo dos objetos é,
em geral, o que atrai o poeta. Mediante um processo de composição, as nomeações e
as metáforas se humanizam, aproximando-se desta forma ao mundo dos homens sem
exceder nunca os limites impostos, já que dentro do espaço tuñoneano imperam
sempre o homem e suas lutas cotidianas e sociais.
No terreno dessa substantivação, percebe-se também o uso de nomes que remetem à
esfera familiar ou à esfera da amizade, como por exemplo o poema “Lluvia”, dedicado a
sua esposa, o “Poema para un niño que habla con las cosas”, dedicado a seu filho e os
inúmeros poemas dedicados a seu irmão Enrique. Tanto essas referências como as
nomeações de lugares, países, bairros, cafés, travam com o leitor uma relação de
reconhecimento, ao mesmo tempo, que têm um efeito de verossimilhança.
Apesar de ter elaborado um número maior de poesias influenciadas pela estética
surrealista, González Tuñón foi mais conhecido como poeta social. Suas obras não
retratam o sistema político, mas sim o homem submetido ao sistema governamental.
Embora seu trabalho poético possa parecer engajado, González Tuñón soube discernir
a arte literária da política, seus poemas de rara beleza aludem ao compromisso do
homem com o seu semelhante.
É evidente que o autor era uma pessoa extremamente sensível ao mundo real,
porém a cruel realidade era combatida com a esperança, com a solidariedade e com a
cordialidade do poeta argentino. Ainda antes de sua estada na Espanha, González
Tuñón se entristeceu com os conflitos que eclodiam na terra de seus antigos
colonizadores, escrevendo “La Libertaria”. A Guerra Civil foi o divisor de sua carreira
poética. Antes do livro La rosa blindada, ele era um poeta comum, com pouca projeção,
após a publicação torna-se modelo para outros renomados poetas.
Os poemas da Guerra Civil, analisados ao longo deste estudo, possuem a forma
de hino, marcha combatente em ritmo de arte. O poeta emprega a imagem em sua
escritura para denunciar os conflitos bélicos. Continua sendo um cantor citadino, mas
agora seu objetivo é ser solidário, atuante em um momento caótico.
“La Libertaria” e “Cuidado que viene el Tercio” mostram a posição de González
Tuñón, um homem comprometido com seu tempo. Nas suas linhas poéticas formam-se
as imagens da luta, da repulsa por atitudes bárbaras, pelo desrespeito à seu
semelhante em 1936.
A bipolarização partidária, que surge com o caos, rompe com a fluidez das
relações humanas. Essa fragmentação revela-se de forma rítmica, através das
imagens realistas na poesia de González Tuñón, que aludem a esse conflito cruel. O
poeta transfere para o papel o que sente, as imagens que foram registradas em sua
memória se imortalizam em seus versos, portanto, também se configuram como
imagens históricas, à semelhança do quadro Guernica, pintura de Pablo Picasso.
O olhar que vê absorve a realidade para transformá-la em arte através da mão
que escreve, ou da mão que pinta, ou da mão que modela. São artes que refletem o
aprisionamento do real pela sensibilidade de um artista. À semelhança dessas artes, as
fotografias produzidas na época do conflito bélico na Espanha, também produzem esse
aprisionamento. Trata-se de um evento marcante para o cenário do foto-jornalismo,
pois possibilitaram perceber de forma um pouco mais vivaz essa sangrenta guerra. As
fotografias dessa época podem ser tomadas como representações de objetos fractais.
Nelas, verifica-se a destruição do ambiente pelo próprio cunho de veracidade que
carrega. O objeto focalizado pelo olhar do fotógrafo transmite sua concepção dos fatos,
assim, a fonte de criação, o objeto criado e seu criador se transfiguram em um objeto
único e irrepetível, impregnado de simbologia.
Tanto a imagem fotográfica quanto a imagem poética estão impregnadas pelo
olhar do outro. Ambas revelam a fragilidade do ambiente espanhol, completamente
fragmentado, arruinado. Se o poeta cria imagens de dor, de revolta, de comoção, a
fotografia, por retratar a pura realidade, aflora intensamente essas emoções. Se a
fotografia congela um instante, para torná-lo permanente, a poesia também é o retrato
do fugaz, eternizado na imagem da composição poética.
Tanto a poesia social quanto a poesia citadina do autor em questão, reunidas
nesta pesquisa, comprovam a harmoniosa síntese do fazer poético do escritor
argentino, revelando a habilidade de Raúl González Tuñón na construção do artifício da
linguagem literária.
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Trata-se de um CD que contém poemas de González Tuñón, musicados pelo Quarteto
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1ª PARTE1ª PARTE1ª PARTE1ª PARTE
A VANGUARDA ARGENTINAA VANGUARDA ARGENTINAA VANGUARDA ARGENTINAA VANGUARDA ARGENTINA
2ª PARTE2ª PARTE2ª PARTE2ª PARTE
A IMAGEM NA OBRA DE RAÚL GONZÁLEZ TUÑÓNA IMAGEM NA OBRA DE RAÚL GONZÁLEZ TUÑÓNA IMAGEM NA OBRA DE RAÚL GONZÁLEZ TUÑÓNA IMAGEM NA OBRA DE RAÚL GONZÁLEZ TUÑÓN
I. A VANGUARDA ARGENTINA
Allí estaba la gente de Florida, que representaba una inquietud, la búsqueda de nuevas formas expresivas. […] Igualmente respetable era la inquietud social del grupo Boedo. Ambos son dos grupos interesantes de la pequeña historia literaria porteña. Raúl González Tuñón
II. RAÚL GONZÁLEZ TUÑÓN, O CAMINHADOR
Corto sueño y larga andanza en constante despedida; todo nos falta en la vida, todo, menos la esperanza. Raúl González Tuñón
III. A IMAGEM SURREALISTA
Yo traigo la palabra, el sueño y el juego de lo inconsciente, lo cual quiere decir que yo trabajo con toda la realidad
Raúl González Tuñón
IV. A IMAGEM DA GUERRA CIVIL ESPANHOLA
Raúl, si el cielo azul se constelara sobre sus cinco cielos de raúles a la Revolución sus cinco azules como cinco banderas entregara. Hombres como tú eres pido para amontonar la muerte de gandules, cuando tú como el rayo gesticules, y como el rayo al rayo des la cara. Enarbolado estás, como el martillo, enarbolado truenas y protestas, enarbolado te alzas a diario y a los obreros de metal sencillo invitas a estampar en turbias testas relámpagos de fuego sanguinario.
Miguel Hernández Madri, dezembro de 1935.