Texto 1 - De Geografia, De Epistemes e de Politica e de Suas Relacoes

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    De geografia, de epistemes e de política e de suas relações 

    Carlos Walter Porto Gonçalves1 

    Cada sociedade é, antes de tudo, um modo próprio de

    estar-junto (proxemia) o que implica, sempre, que todasociedade ao se instituir enquanto tal o faz construindoo seu-espaço não cabendo, pois, uma separação entre osocial e o geográfico que serve, quase sempre, para,num segundo momento lógico, estabelecer umarelação de causalidade unidirecional seja da sociedade para o espaço (sociologismo), seja do espaço para asociedade (espacismo, geografismo) (Porto-Gonçalves,2003).

    Considerações iniciais

     Neste artigo trato das implicações teóricas da relação sujeito-objeto naanálise da organização do espaço geográfico. Aqui insisto em reafirmar aênfase que venho dando ao  sujeito da ação  em geografia, esforço teórico- político que se deve, sobretudo, à percepção de que embora haja umverdadeiro consenso acerca do papel do agir humano na conformação doespaço geográfico é escassa a atenção teórica que os geógrafos dão à açãohumana, de certa forma tomando-a como auto-evidente. Por outro lado, é precária a reflexão acerca do espaço geográfico nas ciências sociais, emboraobservemos um importante “giro espacial” nesse campo desde os anos 1970, o

    que não significa que tenha sido incorporada na mesma proporção ageograficidade do social (Porto-Gonçalves, 2003).Estamos imersos num processo profundo de reorganização societário

    em que o lugar privilegiado atribuído ao Estado na conformação das relaçõesde poder vem sendo deslocado, não porque o estado tenha deixado de terimportância, mas porque outros grupos sociais (gênero, etnia/raça, classesentre outros) vêm protagonizando a cena política o que nos obriga a buscaruma nova episteme que dialogue com esses outros lugares de enunciação e práticas sociais que não emanam do Estado. E como o Estado no sistemamundo moderno-colonial é um Estado territorial, esse “container   de poder”

    1  Doutor em Geografia pela UFRJ. Professor do Programa de Pós-graduação em Geografia daUniversidade Federal Fluminense e Ex-Presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1998-2000). Foiganhador da Medalha Chico Mendes em Ciência e Tecnologia em 2004. Membro do Grupo de TrabalhoHegemonias e Emancipações de Clacso. É autor de diversos artigos e livros publicados em revistas científicasnacionais e internacionais, sendo os mais recentes: - “Geo-grafías: movimientos sociales, nuevasterritorialidades y sustentablidad ”, ed. Siglo XXI, México, 2001; “Geografando –   nos varadouros domundo”, edições Ibama, Brasília, 2004; O “Desafio ambiental”, ed. Record, 2004; “A Globalização da

     Natureza e a natureza da globalização”, ed. Civilização Brasileira, 2006. 

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    (Giddens) materializa um conjunto de relações e grupos sociais (e de poder)que se afirmam através dessa forma espacial. Dizer que o Estado territorialestá sendo posto em questão implica que dizer que essa forma naturalizadaestá sendo posta em questão pelos movimentos que o desnaturalizam. Comisso, não são só os territórios geográfico-políticos mas também os campos dosaber (territórios epistêmicos?) que estão sendo postos em questão. Afinal, osterritórios estão sendo desnaturalizados, se é que algum dia foram naturais.

    Contextualizando a questãoDesde 1648, com o Tratado de Westfallia, que uma ordem internacional

    foi instituída consagrando o Estado Territorial como forma geográfica deorganização das sociedades contemporâneas. Até então não cabia falar deEstado  Nacional   posto que a  soberania  era do Estado constituído porMonarquias Centralizadas, que se afirmava sobre um espaço delimitado por

    fronteiras forjadas a partir de alianças políticas de oligarquias territorialmentefragmentadas que delegavam poder a um soberano2. O povo haveria deesperar por Revoluções, na verdade haveria de fazê-las, como a Americana(1776) e a Francesa (1789), para que visse formalmente reconhecida a suasoberania. Até então,  soberano era o Príncipe  –  o Estado –  que reinava sobreum território3 e não o povo. Até essas revoluções estávamos diante do EstadoAbsolutista, o que dá conta do caráter hierárquico e centralizado daconstituição do Estado Territorial, forma geográfica de organização do poder político das sociedades moderno-coloniais. Havia súditos e não sujeitos, oumelhor, havia uma dimensão implicada na ideia de sujeito, a de estar sujeito, ade estar sujeitado.

    Perry Anderson, um dos mais destacados historiadores dedicados aotema da constituição dos estados europeus, em seu livro  Linhagens do Estado Absolutista nos informa que os estados que se desenharam na Europa desde aIdade Média se conformaram como verdadeiros “ senhorios centralizados”, namedida que respondiam às tensas lutas sociais que tinham como palco o

    2  - Antonio Gramsci percebeu isso com acuidade com seu conceito de “blocohistórico”, tão bem exposto em seu A Questão Meridional . Ali pode ser percebido que, naItália, o Sul e o Norte são constituídos por dois “blocos históricos” distintosgeograficamente. O conceito é histórico-geográfico. Para cada estado territorial é possívelidentificarmos os diferentes “blocos históricos” a partir dos quais se constituem e sereproduzem os estados territoriais.3  - A partir daqui, sim, poderíamos começar a falar de Estado Nacional porque, dealguma forma, uma nação enquanto sujeito identitário (cultural) começa a ser forjado,mesmo que sobre os despojos de outras nações no sentido estritamente antropológico, comose deu na formação da quase totalidade dos Estados hoje existentes (Ver Gonçalves, SãoPaulo, 1996 e Gonçalves, México, 2001). 

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    campo europeu com suas  jacqueries, revoltas dos camponeses que semobilizavam contra o que acreditavam injusta opressão dos senhores feudais(direito de pernada, corvéias, entre tantos). Assim, a centralização do podernas mãos de uma Monarquia (Centralizada) que a partir de então passava adeter um poder soberano que lhes era delegado pelos senhores feudaisterritorialmente fragmentados não pode ser compreendida como se tivessesido constituída em nome da razão, como se fosse uma razão sem sentido, semhistoricidade. Na medida em que esse poder soberano era delegado sua fontedeve ser procurada em outro lugar, enfim, num poder local cuja relação socialconstitutiva estava sendo questionada pelos camponeses. Assim, o que aoligarquia feudal estava perdendo à escala local, na relação cara a cara, érecuperado enquanto relação de mando-obediência numa outra escala, a de umestado territorialmente centralizado, enfim, por meio da constituição de um poder centralizado substituindo poderes dispersos. As escalas não são

    inocentes.A importância dessa relação entre espaço e política, entre escala e poder, entre saber e poder é destacada de distintas formas por diferentesestudiosos como Eric Hobsbawn em  Nações e Nacionalismo, AntonioGramsci em A Questão Meridional , Michel Foucault em Microfísica do Poder  e em O Nascimento da Clínica e Hannah Arendt em  A Condição Humana e,sobretudo, em Sobre a Revolução. Retomaremos o diálogo com esses autoresmais adiante. Antes disso, façamos uma breve incursão pelo mundo grego quenos ajudará a interpelar essa relação entre espaço, epistemes e política.

    De espaço e de epistemes 

    Limite entre saberes, limite entre disciplinas, limite entre países. Por todo lado se fala que os limites já não são rígidos,que os entes já não são tão “distintos e definidos” como umcerto positivismo quis até aqui. Cada vez mais se fala deempresas inter nacionais, ou transnacionais oumultinacionais, assim como se fala de inter disciplinaridade,transdisciplinaridade ou multidisciplinaridade, enfim, portodo lado são usados os prefixos inter , trans  ou multi indicando que novas pontes, novas relações devem ser

    estabelecidas. Sabemos que foi na crise da democracia grega que começou a se

    afirmar uma razão que queria se impor sobre a  polis e queria distinguir, comrigidez, o que seria filosófico do que seria mítico e religioso. E nessa distinçãofez-se, também, hierarquias de saberes e de seus detentores, onde a Filosofiaocupava o lugar de destaque vis a vis os outros saberes. Diga-se, de passagem,

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    que misticismo e religião são não só distinções de saberes feitas em abstrato,mas distinções feitas a partir da filosofia e, assim, mais que qualificação,desqualificação4. Assim, a crise da democracia grega foi marcada também portensões entre epistemes distintas. As crises epistêmico-políticas não se dão novazio, mas sim nos lugares habitados por “homens e mulheres de carne eosso” (Thompson).

    Os saberes têm lugares no sentido forte do termo e não no sentidometafórico somente (Mignolo, 2006). Não há como não ver que por detrás davalorização da Filosofia vis a vis o saber mítico e religioso, distinção feita a partir do olhar da Filosofia, insisto, está a valorização da cidade, lugar da Razão  e da  Política  por excelência, em detrimento do campo, lugar dos sentidos  e da natureza. A cidade é um lugar em que não só a morfologia éconstruída como obra humana, mas também pelas idéias abstratas que selibertam dos sentidos, do contato do corpo a corpo. A cidade é, assim, lugar do

    homem em sua liberdade plena de criação, de invenção, ao contrário do campoonde o homem viveria impelido pela necessidade, pelos sentimentos derivadosdo contato com a materialidade, ou platonicamente, com a mundanidade. Maistarde, capital - “o que é relativo à cabeça”, “principal, essencial”, segundo oDicionário Etimológico da Língua Portuguesa, será o nome dado à cidade quedeverá comandar o corpo da pátria, que é o território. A distinção entretrabalho intelectual e trabalho manual e, mais uma vez não só distinção, mastambém qualificação/desqualificação, atravessa a distinção entre cidade ecampo, entre homens plenos e outros inferiores. Haverá até aqueles quemesmo vivendo nas cidades não serão cidadãos posto que não terão o direito à palavra, onde habita a idéia, por não disporem de tempo livre por viverem noreino da necessidade (escravos), por serem estrangeiros (por serem de fora, portanto, categoria geográfico-política) e, no caso das mulheres, a quemtambém era vedada a vida pública, por se deixarem levar pelos sentimentos e pelas emoções e, assim, inferiores. Deste modo, sem direito à palavra falta-lhes essa condição preliminar para que sendo ouvida/os possam serreconhecida/os. Assim, os amigos (filia) da sabedoria (sofia) não são oshomens de qualquer lugar nem tampouco todos os membros da espécie: asmulheres, por exemplo, estavam excluídas no contexto da polis grega

    ( Mulheres de Atenas, como diria Chico Buarque de Hollanda).A crise da democracia ateniense se manifestou como crise epistêmico- política e, com a filosofia, o lugar do conhecimento já não está entre oshomens mortais de carne e osso na praça, na ágora, na polis debatendo o seu

    4  - A mesma distinção qualificadora/desqualificadora pode ser vista entre língua edialeto, entre cultura e folclore. 

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    destino democraticamente, mas sim num sábio isolado que, de fora, trará oconhecimento verdadeiro posto que construído numa relação sujeito-objeto enão mais numa relação entre sujeitos. É como se a sabedoria (sofia) deixassede ter amigos (filia) aqui na terra e só nos chegasse após os esforços de algumsábio isolado livre do trabalho e da vida mundana (Platão). Assim, a verdadeou a razão5 não habitaria entre os homens e mulheres mortais, mas sim trazidade fora como se fôra ungida por um sábio, como se fôra um Deus - Theo-ria.

    Aqui é interessante registrar que os chamados filósofos pré-socráticos(Anaximandro, Demócrito, Epicuro, Heráclito entre tantos) não construíramsistemas filosóficos e doutrinários enquanto sistemas fechados com pretensõesde perfeição, como será característico do bom filósofo para quem só as idéiassão perfeitas e o mundo mundano é o mundo da imperfeição, como nos ensinaPlatão. Para os pensadores chamados pré-socráticos, a verdade se constrói pormeio do diálogo –  a maiêutica socrática, por exemplo - e daí valorizarem tanto

    a palavra, a retórica enquanto arte da argumentação e, desse modo, seus pensamentos estão abertos para que o outro com ele interaja. Sócrates sequerdeixou suas idéias escritas como que indicando que elas não deveriam sedesprender do contexto onde foram formuladas. A escrita permite que asidéias abandonem os contextos espaço-temporais e os corpos. O Estado e osImpérios enquanto estruturas de poder que implicam domínios territoriaisamplos devem muito de sua existência à invenção da escrita.

    O momento que hoje vivemos nos coloca diante de questões do mesmogênero que as invocadas acima. Vivemos a crise da forma geográfica dasociedade moderno-colonial que é o Estado Territorial. Essa forma é formadae, assim, o Estado Territorial que-aí-está (em crise) foi (é) instituído, o queimplica dizer que houve (há) processos e sujeitos que o instituíram (instituem).

    O território tem espessura, como dissera Milton Santos, e não é somenteuma superfície sobre a qual a sociedade se instala ou se debruça, como se fôraalgo que lhe é externo. Como destaquei em outro lugar

    A sociedade no seu devir histórico não é a-geográfica. A expressão, porcerto, causa um certo estranhamento, embora já tenha sido amplamenteaceito que o espaço geográfico está impregnado de história. É como se fossenatural falar da historicidade do espaço geográfico e não de geograficidadeda história. Poderíamos, à guisa de provocação epistemológica, afirmar que

    5  - É interessante observar como na linguagem do senso comum verdade e razão sãotermos que se equivalem. Sempre se debate para saber quem tem razão, quem está com averdade. O mais interessante é que “o dono da verdade” é, quase sempre,   visto comressalvas o que indica que tão importante como saber quem está com a razão ou quem estácom a verdade é o debate para se chegar à razão e à verdade. Mais uma vez retornamos àágora grega.

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    se a história se faz geografia é porque, de alguma forma, a geografia é umanecessidade histórica e, assim, uma condição de sua existência que, comotal, exerce uma coação que, aqui, deve ser tomada ao pé da letra, ou seja,como algo que co-age, que age com, co-ação” (Porto-Gonçalves, 2001).

    O território não é externo à sociedade que o criou, havendo uma relaçãode imanência entre ambos. Assim, numa sociedade determinada é sempre possível instituir-se novas configurações territoriais a partir do territórioexistente. O território é, sempre, o que é e as possibilidades que nele existemem potência. Há, sempre, múltiplas territorialidades em potencial e o fato determos mais discutido o território do que as territorialidades nos indica que senaturalizou uma determinada territorialidade como se fora o territórioenquanto substância, como substantivo. Valoriza-se mais o objeto do que aação, o objeto mais que o sujeito, o substantivo mais que o verbo.

    Todo território enquanto algo instituído realiza os sujeitos que oinstituíram e convive com/contra outras territorialidades em potencial. Oconflito social se revela, assim, como um conceito chave para as análisesgeográficas. Afinal, o conflito é a contradição em estado prático, em seu modoconcreto, tal como os sujeitos de carne e osso a colocam. No conflito a ordemestá sendo tensionada e é ali que podemos ver os  possíveis  sendoconcretamente tecidos. Assim, é preciso recuperar o conflito como categoria positiva na medida em que sinaliza, concretamente, novas possibilidadeshistóricas a partir dos lugares/dos grupos sociais que se forjam politicamenteatravés dos conflitos.

    Assim, a crise do Estado Territorial que-aí-está é a crise dos protagonistas que o instituíram. A questão dos territórios só é possível porqueos territórios estão sendo postos em questão, revelando o seu caráter históricoe não natural. Por aqui vislumbramos o significado dos movimentos sociais naconformação de novas e outras territorialidades.

    A geografia enquanto saber que, sobretudo, a partir do século XVI passou a sistematizar informações acerca do novo território que passará a ficarsob o domínio das monarquias centralizadas ficará marcada por esse lugar deenunciação que é o Estado que a convocou para que ela o viabilizasse. EsseEstado que se afirmava enquanto “senhoria centralizado” trás dentro de si amemória das lutas camponesas contra as quais se conformou. É, assim, uma“geografia da ordem”, uma geografia preocupada com a organização doespaço que, por sua vez, é uma prerrogativa do Estado que monopoliza asações (ou assim se crê, se pensa, se quer).

    Acompanhando Milton Santos pode-se dizer que todo um sistema denormas, todo um sistema de ações será posto em prática para organizar o

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    sistema de objetos, inclusive das pessoas coisificadas (população enquantonúmero, densidade). Mas, até aqui, o sistema de ações tem sido analiticamentevisto uma prerrogativa do Estado. Deste modo, valoriza-se mais o Estado doque a sociedade, o Poder com maiúscula mais do que a tessitura do poder comminúscula, para ficarmos com a formulação de Claude Raffestin na esteira deMichel Foucault. As relações sociais e de poder que, nos procedimentos docotidiano, tramam os territórios e suas redes escalares foram praticamenteeludidas. Valoriza-se o Estado como Príncipe no sentido que lhe atribuiuMachiavel. Olvida-se, assim, o sentido da política que, segundo HannahArendt, depende da iniciativa da ação  que é de onde vem a palavra protagonista6. E Príncipe, não olvidemos, é aquele que principia, que teria a prerrogativa da iniciativa. O poder tem sido confundido com o Estado. Para aciência política e a geografia, o Estado, o Príncipe de Machiavel, é aquele queteria a prerrogativa de iniciar a ação. Na verdade, o monopólio da ação. É

    como se o poder tivesse uma essência e esta estivesse no Estado. O Estado e o poder não são vistos como relação, mas como substância. É compreensívelque até o advento das Revoluções americana (1776) e francesa (1789), quetrouxeram as gentes comuns à cena política, a prerrogativa de principiar aação fosse do príncipe. Depois desses eventos o poder está em discussão, estáem debate permanente e não mais somente entre sábios.

    Tal como entre os gregos na época clássica que afirmaram a Filosofiacomo o saber por excelência vis a vis a Religião, a conformação do novosistema-mundo (Wallerstein) moderno-colonial (Quijano, Lander, Mignolo,Porto-Gonçalves) também vai sobrevalorizar seu regime de verdade(Foucault), a Ciência, em detrimento de outros saberes.

    O êxito da ciência deu ao Estado moderno um modelo legitimador natomada de decisões ‘racionais’. O descobrimento dos fatosverdadeiros levava a tomar as ações corretas. Em outras palavras, oVerdadeiro conduzia ao Bem. A racionalidade se converteu emsinônimo de ‘racionalidade científica’ e o conhecimento foi sinônimode ‘conhecimento científico’. Outras formas de conhecimento eoutras apelações à racionalidade, como o conhecimento práticoagrícola, medicinal ou artesanal, foram considerados de segundacategoria (Funtowicz y de Marchi, 2000: 58).

    Até mesmo o Direito, por excelência lugar de interesses e tensõescontraditórias, será tomado como Ciência Jurídica, lugar da Verdade com

    6  Segundo o  Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, protagonista é o personagem principal cuja ‘variante anterior  protogonista  deve ter sido formada em português com os vocábulos gregos  protos  ‘primeiro, principal’ e agonistes  ‘lutador,competidor’ (Cunha 1982: 641). 

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    maiúscula, para o que tem seus experts, os juristas. O Direito Romano será afonte desse novo direito que conformará, com seu sistema de normas, oterritório, espaço do império da lei, enfim onde uma determinada lei impera.Diz-se menos que o Direito Romano é, sobretudo, um direito fundado na propriedade privada e, portanto, direito dos proprietários privados. Numterritório forjado sob esse princípio haverá, sempre, os privados de propriedade e, assim, a relação estabelecida a partir daí será uma fonte permanente de conflitos e tensões. Eis uma das ambiguidades do pensamentoliberal, tradição que funda a ideia de liberdade no direito de propriedade privada (individual) e, assim, o sem-terra é um sem-palavra. A propriedade privada da terra será o fundamento último da propriedade.

    O direito das gentes, o direito forjado nos costumes, o direitoconsuetudinário, aquele protagonizado pelas pessoas comuns, serádesqualificado em nome de um saber e de um direito universal que se impõe a

    todo o território que se autodenomina nacional, ignorando e negando outros povos, outras culturas, outras epistemes.Esse poder soberano que se impõe de fora sobre cada um –  o Estado –  é,

    também, uma episteme que valoriza o geral, o universal por sobre o local. Há,assim, uma íntima relação entre as transformações históricas sócio-espaciais eas epistemes. A sobrevalorização de um saber universal em detrimento dosaber local é mais que uma questão epistêmica. É, também, política. É acolonialidade do saber e do poder. Enfim, um direito conformado de modo presencial e comunitário, com fortes valores morais, é substituído por princípios epistêmicos com pretensões universalistas.

    Os dois primeiros estados territoriais moderno-coloniais, Portugal eEspanha, se forjaram a partir da intolerância religiosa com a expulsão dosmouros da península ibérica. Mais tarde expulsaram os judeus. Anteciparam oque, mais tarde, seria chamado de limpeza étnica. O caráter colonial do estadoterritorial nacional não precisa atravessar o Atlântico para ser visto. Aimposição de um sistema de pesos e medidas, de uma mesma língua´nacional’, de uma mesma religião e, enfim, a imposição de uma epistemehegemônica, oligárquica, gestorial, burguesa foi feita ao preço de invisibilizaroutros modos de pesar, de medir, de falar, de sentir, de agir. Fernando Pessoa

     já dissera que “minha pátria é minha língua”.Eric Hobsbawn em Nações e Nacionalismo nos informa que quando daunificação da Itália somente 2,5% dos habitantes do novo território que seforjava falavam o italiano, o que levou o ideólogo Mazzinni a declarar que“acabamos de inventar a Itália. Agora precisamos inventar os italianos”. NaEspanha, os bascos, os catalães e os galegos ainda hoje tensionam com Madride a língua de Castela (o Castelhano). Enfim, o colonialismo antes de ser um

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    fenômeno ligado à relação da Europa com o “resto do mundo” é um fenômenoque está relacionado ao próprio Estado Territorial Nacional. Pablo GonzalezCasanova e Rodolfo Stavenhagen já nos alertaram sobre a importância de setomar essa fato em consideração com suas finas análises do “colonialismointerno” para além da dinâmica econômica, embora a englobando.

     Na América o outro - os povos originários do Tawantinsuyo e deAnauac, por exemplo –  também será negado, oprimido, explorado. O africanoserá para cá trazido e submetido à escravidão, oprimido e explorado. O Estadoque aqui se impõe, mesmo depois das revoluções de independência, não podeser compreendido sem que se leve em conta sua episteme moderno-colonial. AAmérica experimentará essa razão colonial-modernizante de um modo muito próprio. Angel Rama, o ensaísta uruguaio, nos chamou a atenção em seu  ACidade das Letras  que as primeiras cidades verdadeiramente planejadasracionalmente no mundo moderno surgiram na América, sendo concebidas

    sob o signo do controle, da dominação. Já, ali, havia  plaza e desplazados, osque faziam parte da  polis  e os que dela estavam excluídos. As primeirasmanufaturas modernas (coloniais) se montaram em Cuba, no Haiti e no Brasilhaja vista o açúcar não ser exportado para a Europa in natura, mas, sim,manufaturado7. Não havia manufaturas na Europa como os engenhos que aquise instalaram para produzir para um mercado global (commodities?).

    Mesmo após a independência, como bem destacou Aníbal Quijano, acolonialidade sobreviveu ao fim do colonialismo. Os indígenas foraminvisibilizados e a escravidão negra mantida pela elite criolla. As melhoresterras foram monopolizadas em latifúndios produtivos de injustiça e deconcentração de poder. Entre nós, Raça e classe se conformaram no mesmomovimento, como salientaram Florestan Fernandes e Aníbal Quijano.

     Não sem sentido a primeira revolução moderna surgiu no mundocolonial, em 1776, nos Estados Unidos. Não sem sentido essa revolução foirepublicana e, sobretudo, antimonárquica onde se buscava um sentido público para o que deveria ser público  –   res publica8. A geografia política mundial

    7  - A própria monocultura, enquanto técnica, inicialmente para o cultivo da cana, erauma imposição haja vista a impossibilidade material de um povo ou um agrupamentohumano qualquer se reproduzir fazendo monocultura para si próprio. Assim, a monoculturanão é só a cultura de um só produto, mas também a cultura para outrem, o que não se deunaturalmente mas sim por imposição. Foi necessária a energia da chibata para mover osistema. Afinal, ninguém faz monocultura espontaneamente até que tenha subjetivado asrelações sociais e de poder assimétricas e contraditórias (Porto-Gonçalves, 2004 e 2006). 8  - O Brasil foi o único país da América cuja independência não foi republicana e,sim, monárquica. A manutenção da integridade do antigo território colonial pelo novo paísse deu como Império, com Imperador. Aqui reside uma das razões principais da difícilrelação do Brasil com os demais países latino-americanos, com a crença das elites políticas

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    começa a tentar se descolonizar por meio de movimentos de libertação, muitoembora ao se reivindicarem como nacionais preservam a colonialidade quesubmete indígenas e afrodescendentes. Em 1789 são os de baixo  –   os  sanscullotes   –   do campo e da cidade que buscam liberdade, igualdade efraternidade. As jacqueries camponesas se encontram com os communards dacidade. Relembremos que os burgueses haviam lutado para libertar os burgos,as comunas (daí communards)9, do controle senhorial –  “o ar da cidade tor naos homens livres”, como se dizia na Idade Média. A partir de então, “todos oshomens são iguais” e “todo o poder emana do povo” e essas idéiasrevolucionárias mostrarão toda a sua força quando agenciadas pelos maisoprimidos e explorados entre os mais oprimidos e explorados do mundo10.

    O eurocentrismo e a colonialidade do sistema-mundo fará sentir comtoda a força a clivagem sócio-política que sempre a constituiu quando osnegros tentam fazer a dupla emancipação no Haiti, em 1804. Ali, tanto os

    Estados Unidos11 como a França se uniram contra a ideia de que a liberdadedeveria valer para todos os seres humanos independentemente de sua cor e desua latitude. O Haiti, que fora a mais rica colônia francesa, se tornará um dos países mais pobres do mundo por sua ousadia libertária no contexto dosistema-mundo que permanece moderno-colonial.

    Se 1648 consagrou a idéia de soberania territorial dos estados, 1804 oslimites da moderno-colonialidade para tornar universais os valores deliberdade, igualdade e fraternidade, 1848 denunciará os limites doscommunards, enfim, dos burgueses, e nos convidará a pensar a igualdade demodo substantivo com o Manifesto Comunista, os novos communards, já nãomais atento somente ao burgo, à comuna, mas numa perspectiva que se querinternacionalista, mundializada - “proletários de todo o mundo, uni-vos”. Em1871, a Comuna será reivindicada como base da revolução (Vainer, 2008 ePorto-Gonçalves, inédito).

    e intelectuais de uma superioridade que se afirmam pela afinidade com a Europa e não comos “caudilhismo latino-americano”, expressão que se reproduz com frequência ainda hoje.9  - Chamo a atenção para o fato, de enormes implicações políticas mas poucoapreciado entre os geógrafos, que diz respeito aos termos típicos do campo da política esuas referências espaciais, a saber; burgo  –   burguês; campo- camponês; comuna  –  communard; cidade –  cidadão; polis (limite bem grego) –  política; terror –  território; conde –  condado; príncipe - principado; marcas (limites) - marquês - marquesado. 10  - Todas as revoluções importantes que colocaram abertamente a questão datransformação radical das estruturas de poder ocorreram fora do centro geográfico-políticohegemônico mundial, ou seja, fora da Europa e dos Estados Unidos (Vide México, 1910;Rússia, 1917; Espanha, 1935-38; China, 1949; Cuba, 1959). 11  - Thomas Jefferson declarou que a ousadia dos negros libertários haitianos deveriaficar confinada à ilha. 

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    E esse ethos proletário não foi obra de ideólogos, como muitas vezes sequer fazer crer. Para acreditar nisso é preciso ignorar o espaço de conformaçãosubjetiva dos bairros operários com suas casas pobres, seu ar e suas águas poluídas, seu ambiente insalubre tão bem descrito seja em Os Miseráveis deVitor Hugo (1802-1885), em Tempos Difíceis  de Charles Dickens (1812-1870), ou ainda em  A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra deFrederic Engels (1820-1895). Entre esses proletários poucos sabiam o que eraa Inglaterra, posto que não conheciam nada além do que seus próprioscondados e comunidades rurais de origem, conforme pesquisa citada por KarlMarx em O Capital . O espaço geográfico foi decisivo na conformação de umasubjetividade proletária e não sem sentido se criaram ligas, uniões,associações  expressões que revelam a busca para superar o atomismoindividualista em que se encontravam no novo contexto sócio-geográfico emurbanização. Com suas lutas e organizações esse contexto foi se tornando

    urbano12. Aqui o ethos  proletário re-ligou, daí a tensão com a religiãodominante que não tinha tradição urbana. Foi a materialidade do sofrimento eda dor conformadas por jornadas de trabalho intensivas e extensivas, porrelações sociais e de poder extorsivas e injustas, num espaço bem concretoque se forjou uma verdadeira cultura operária (Zibechi, 1999 e 2006).

    Todavia, quando a conformação desse ethos  proletário desborda docampo social para a política, indo do Manifesto Comunista (1848) à Comunade Paris (1871), a resposta das classes dominantes passa a girar em torno donacionalismo e, depois, com sua exacerbação colonial, o imperialismo. Omilionário inglês Cecil Rhodes não deixa dúvidas quando, em 1895, assim seexpressou no Die Neue Zeit :

    Ontem estive no East-End londrino13 e assisti a uma assembléia dos sem-trabalho. Ao ouvir na referida reunião discursos exaltados cuja notadominante era: Pão! Pão, e ao refletir, de volta para casa, sobre o queouvira, convenci-me, mais do que nunca, da importância do imperialismo... Estou intimamente convencido de que minha ideia representa a soluçãodo problema social: para salvar da guerra funesta os quarenta milhões dehabitantes do Reino Unido, nós, os políticos coloniais, devemos dominarnovos territórios para neles colocar o excesso de população, para

    12  - Não se pode entender a paisagem das cidades e dos campos europeus de hoje semas lutas sociais encetadas, sobretudo a partir dos bairros proletários. A diminuição da jornada de trabalho, uma das principais conquistas das trade unions, permitiu quediminuísse a taxa de mortalidade, mesmo antes que avanços significativos ocorressem namedicina. Mais do que a ciência foram as lutas sociais que fizerem baixar os níveis demorbidez e mortalidade. 13  - O East End  à época era um bairro operário de Londres.  

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    encontrar novos mercados onde colocar os produtos de nossas fábricas ede nossas minas. O império, tenho-o sempre dito, é uma questão deestômago. Se não querem a guerra civil, devem converter-se emimperialistas (C. Rhodes apud Lenin, 1947: 102).

    A colonialidade do saber e do poder não poderia ser mais explícita,assim como a imbricação da questão nacional com a geopolítica mundial: “éuma questão de estômago. Se não querem a guerra civil, devem converter-seem imperialistas”. A África verá grafada a imagem desse políticocolonial/imperialista - Cecil Rhodes - na Rodésia do Norte (atual Malawi) e naRodésia do Sul (atual Zimbabwe).

    A universalização das instituições que determinadosgrupos/segmentos/classes sociais europeus inventaram para resolver os problemas que se colocaram a partir de um contexto histórico-geográfico

    muito específico tem sido um dos maiores problemas com que vêm sedefrontando, principalmente, os povos da África, da Ásia e da América Latina.A superação do Estado Territorial centralizado se coloca como um dosmaiores desafios epistêmicos e políticos, como vem sendo explicitado pelosmovimentos sociais como os indígenas, afrodescendentes, camponeses e sem-terras equatorianos, bolivianos, paraguaios, peruanos, colombianos,nicaragüenses (miskitos) guatemaltecos, hondurenhos, salvadorenhos,chilenos (Mapuche), mexicanos (zapatistas, entre tantos).

    A questão das territorialidades vem sendo colocada junto com o debateacerca do território, como ora se vê na Bolívia quando se debate abertamente

    como “descolonizar el estado”. O intelectual peruano José Carlos Mariátegui já havia nos alertado que na América Latina nenhuma transformação efetivaem direção a uma sociedade justa e livre poderia olvidar dos indígenas. Aafirmação poderia ficar restrita aos países onde é expressiva a presença de populações originárias, como são os casos do Peru, Equador, Bolívia,Paraguai, Colômbia, Guatemala, entre outros. Todavia, a questão que seapresenta como indígena nesses países é mais do que isso posto que implica acolonialidade do saber e do poder que constitui a clivagem étnico-racial queatravessa nossa formação social latino-americana.

    Enquanto na América Latina essa questão vem sendo posta abertamente pelo movimento indígeno-camponês, onde vários movimentos trazem aodebate a questão da terra e do território. Observemos, ainda, as implicaçõestambém urbanas desses movimentos que põem em questão a territorialidadehegemônica e aponta em direção a novas territorialidades. É comum nas periferias urbanas de vários países andinos se falar de minga, assim como noBrasil, Paraguai e Bolívia nessas mesmas periferias se fala de mutiró, ou

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    mutirão ou putirum. Tanto minga como mutiró, mutirão ou putirum significamem linguagem indígena trabalho comunitário, que é o termo invocado pelas populações das periferias urbanas para construírem suas casas e outrosatividades em comum. Nossas cidades são mais indígenas do que imaginamos. Nesses espaços das periferias urbanas foi de onde muitos jovens pobresconformaram movimentos que vem pondo em questão lugares sagrados daselites, como as universidades, conforme podemos ver no debate atual sobrecotas para negros e pobres. Não olvidemos que enquanto se debate cotas nasuniversidades se debate a demarcação dos territórios quilombolas/cimarronese a demarcação de territórios indígenas. A questão social ganha contornos políticos mais densos quando posta pelos mais oprimidos e explorados entreos mais explorados e oprimidos (os sem-terra, os negros, os índios, asmulheres e, cada vez mais, pelos jovens, isto é, aqueles que têm o futuronegado).

    Assim, quando descolonizamos o olhar do Estado vemos que são novosterritórios epistêmicos que estão sendo reinventados juntamente com os novosterritórios de existência material. Mais do que uma geografia da ordem, o quenecessitamos é de uma geografia do movimento. Mais do que de umageografia da circulação, de uma geografia de fluxos e de fixos, o quenecessitamos é de uma geografia dos movimentos sociais. Afinal, já odissemos, movimento é mudança de lugar, é recusa do lugar que umadeterminada ordem (im)pôs a cada qual. Como a ordem é, sempre, o modocomo os entes estão dispostos uns em relação aos outros, a mudança de lugar posta por aqueles que se movimentam enquanto movimento social trás sempreem potencial uma mudança da ordem. Daí serem desqualificados como des-ordeiros como se a crítica à ordem existente não fosse portadora de uma outraordem. O maior desafio que se coloca aos movimentos sociais, enquanto portadores de novas instituições, é levar a sério as implicações espaciais-geográficas das relações de poder e não vê-las somente como metáforas14.

    Como vimos, o estado territorial se constituiu enquanto hierarquia aomesmo tempo espacial e de poder. A cidade capital configura a cabeça do poder territorial. Para aqueles que se propõem construir relações de igualdade já é hora de superar um viés tecnicista e economicista que acredita que é pelo

    desenvolvimento técnico e econômico que se haverá de superar asdesigualdades. A economia não é algo que se desenvolva fora da sociedade ese há desigualdade econômica ela deve ser vista onde é produzida, ou seja, a partir das relações sociais e de poder (Porto-Gonçalves, 2006). Milton Santos

    14  - Afinal, todo movimento social propõe ocupar espaço (as mulheres e os negrosquerem ocupar espaços; os sem-terra ocupam espaço; a idéia de opressão mantém umarelação íntima com restrição de espaço, com restrição de deslocamento, com prisão).

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    explicitou que se tratava de buscar constituir uma confederação de lugares emseu manifesto  Por Uma Outra Globalização. É exatamente isso que, dediferentes maneiras, vem sendo contraditoriamente proposto pelos miskitos na Nicarágua desde 1979, pelos zapatistas desde 1994, pelo movimento indígenaequatoriano e boliviano desde 1990 e pelo vigoroso movimento social boliviano, desde 2000, com a Guerra da Água e, mais recentemente, com aquestão aberta das autonomias territoriais (Diaz-Polanco).

    Uma das questões centrais que se apresenta nos dias de hoje dizrespeito, portanto, às novas grafias na terra, aos novos limites territoriais e se adefinição de limites é a própria essência da política, como vimos, é toda aquestão dos protagonistas que está em jogo. Assim, se impõe, de imediato, anecessidade de des-substantivar o espaço geográfico. Enfim, a questão que seapresenta é, ao mesmo tempo, epistêmica e política como bem sintetizou LuisMacas, membro da Coordenadora de Nacionalidades Indígenas do Equador -

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