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Revista Brasileira de Bioética Volume 1 Número 2 2005

Volume 1 Número 2 2005 - rbbioetica.files.wordpress.com · Escuela de Salud Pública y Departamento de Bioética y Humanidades, Universidad de Chile, Santiago, Chile. [email protected]

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Revista Brasileira de Bioética

Volume 1 Número 2 2005

Revista Brasileira de Bioética - RBB

Editor Interino Volnei Garrafa

Editora Executiva Dora Porto

Revisão Dora Porto, Kenia Alves (espanhol), Ana Claudia Almeida Machado(inglês), Mauro Machado do Prado e Volnei Garrafa.

Jornalista Responsável Gustavo Tapioca (MTB/BA - 547)

Capa Marcelo Terraza

Apoio Departamento de Ciência e Tecnologia-DECIT / Ministério da Saúde

Conselho Editorial Interino Antônio Carlos Rodrigues da Cunha, Christian dePaul de Barchifontaine, Edvaldo Dias Carvalho Júnior, Erli Helena Gonçalves,Elma Zoboli, José Eduardo de Siqueira, Marco Segre, Marlene Braz, MauroMachado do Prado, Nilza Maria Diniz, Paulo Antônio de Carvalho Fortes.

A SBB estimula e autoriza a reprodução total ou parcial por

todos os meios desde que citada a fonte.

Diretoria / 2001-2005

Presidente Volnei Garrafa (DF)1º Vice Leo Pessini (SP)2º Vice José Eduardo de Siqueira (PR)3º Vice Délio Kipper (RS)1º Secretário Dirce Matos (DF)2º Secretário Elma Zoboli (SP)1º Tesoureiro Mauro Machado do Prado (GO)2º Tesoureiro Marcos de Almeida (SP)

CONSELHO FISCALJoão dos Reis Canela (MG)Maria Clara F. Albuquerque (PE)Maria Cristina K. B. Massarollo (SP)

COMISSÃO DE ÉTICACláudio Cohen (SP)Fermin Roland Schramm (RJ)Livia H. Pithan (RS)Roberto L. D’ Ávila (SC)Sérgio Ibiapina F. Costa (PI)

Sociedade Brasileira de Bioética - SBB

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133

145

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Sumário

Editorial

Artigos Especiais

BIOÉTICA Y BIOPOLÍTICABioethics and BiopoliticsMiguel Kottow

INCLUSÃO SOCIAL NO CONTEXTO POLÍTICO DA BIOÉTICASocial inclusion in the political context of bioethicsVolnei Garrafa

Artigos Originais

¿ES UNA BIOÉTICA SEPARADA DE LA POLÍTICA MENOSIDEOLOGIZADA QUE UNA BIOÉTICA POLITIZADA?Is a bioethics disconected from politics less desired as apolitics-oriented bioethics?Pedro L. Sotolongo

BIOÉTICA DAS INSTITUIÇÕES PIONEIRAS - PERSPECTIVASNASCENTES AOS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADEBioethics of the pioneer institutions and rising perspectivesconnected to some challenges of contemporaryLeo Pessini

CLONACIÓN HUMANA REPRODUCTIVA, TERAPÉUTICA Y SOCIALReproductive, therapeutic and social human cloningJosé Maria Cantú

Diana Resendez Pérez

Ute Schmidt Osmanczik

O NINHO VAZIO: A DESIGUALDADE NO ACESSO ÀPROCRIAÇÃO NO BRASIL E A BIOÉTICAThe empty nest: bioethics and the unequality in the access toprocreatin in BrazilMarlene Braz

Fermin Roland Schramm

A VULNERABILIDADE E O PACIENTE DA CLÍNICAODONTOLÓGICA DE ENSINOVulnerability and teaching odontologic clinic patientsEvelise Ribeiro Gonçalves

Marta Inez Machado Verdi

Seções

Resenha de livros

Atualização científica

DocumentosDECLARAÇÃO UNIVERSAL DE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS

Teses, dissertações e monografias

180

195

206

208

212

228

Editorial

Otrabalho de um editor é plantar palavras e assim dar corporeidade a

uma idéia. Quando escrito, o pensamento se torna perene. Ao ser impressa,

a palavra alcança dimensão coletiva, disponível em tempo e espaço para

toda pessoa que queira acercar-se dela, usufruí-la, apoderar-se de seu(s)

sentido(s).

A palavra impressa tem, no mundo das idéias, o valor do cultivo de uma

planta na realidade concreta. Ela produz valor. Plantar propicia vida material

porque estas podem se transformar continuamente em frutos, numa

metamorfose cíclica. E a fertilidade pode brotar, indistintamente, nos campos

de cultivo ou no campo das idéias.

Como editores interinos da Revista Brasileira de Bioética, estamos

procurando preparar e regar essa seara, satisfeitos com o fruto produzido, e

acreditando que alguma eventual falha não seja capaz de diminuir o valor

intrínseco que é a existência manifesta da RBB.

A publicação oficial da Sociedade Brasileira de Bioética já existe; pode

ser vista, tocada, manuseada e lida (é o que esperamos...) por todos aqueles

que se interessam pela bioética. E mais que isso, pode vir a ser ferramenta

para revolver o terreno, arejando a discussão coletiva. Pode, por fim,

consubstanciar-se em instrumento para semear o processo dialético e para colher

a praxis, que liberta da teoria estéril e do cotidiano do automatismo cego.

Nesse momento histórico, em que está para ser homologada a Declaração

Universal de Bioética e Direitos Humanos, unir teoria e prática é tarefa de

todos aqueles que querem ver a ética aplicada à vida social, gerando um

novo mundo mais comprometido com a realidade, no qual as diferenças não

sejam inequívocos sinais de desigualdade.

Nesse sentido, estamos certos que os artigos apresentados neste volume

trazem, de maneiras diversas, a inquietação de bioeticistas latino-americanos

frente à realidade dos países em desenvolvimento. Apontam cada um a seu

modo, mas todos de maneira clara, que a reflexão autóctone só se estabelece

na intersecção entre a existência material e a interpretação que se concebe

sobre ela. Portanto, para nós, não se faz ética só na teoria: a ética, para ser

ética, deve necessariamente ser prática, aplicada. Ao bom entendedor, meia

palavra basta...

Os Editores

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Revista Brasileira de Bioética

BIOÉTICA Y BIOPOLÍTICA

Bioethics and Biopolitics

Miguel Kottow

Escuela de Salud Pública y Departamento de Bioética y Humanidades, Universidad

de Chile, Santiago, [email protected]

Resumen: En este artículo discuto el actual esfuerzo por facilitar el acercamientode la bioética a la política, dentro de la propuesta de la derivación de los conflictosbioéticos a la arena política, ante todo los que se relacionan con la pobreza, lainequidad social y la exclusión. Al aclarar algunas definiciones de la política,introduzco la idea de que el ideario del poder es foráneo a la bioética, paraargumentar que Bioética y política obran en ámbitos distintos, y con métodos quedifieren entre sí. La bioética no puede, por lo tanto, adoptar el lenguaje del poder.Una convergencia entre bioética y política en el plano de la deliberación no espensable para la biopolítica. La propuesta de la bioética en general, y de la bioéticade protección en particular, reconoce una profunda incompatibilidad con labiopolítica, en tanto la primera se ocupa del bíos – existencia- y la biopolítica seensaña con la destruyendo el bíos pues, como su nombre lo indica, la vida nudase acerca a la vida animal y es despojada de su humanidad. En este antagonismo, labioética tiene precisamente el rol de proteger al bíos de no ser tratado como mera

, y de argumentar en oposición a las perspectivas biopolíticas, que operan enforma excluyente de los valores de libertad.

Palabras-clave: Bioética. Política. Biopolítica. Poder. Ética de protección.

Abstract: In this article it is discussed the present effort that aims at an approach ofbioethics and politics, following a proposal which sustains that bioethical conflictsreach a political scenery, specially the ones which are connected to poverty, socialinequity and exclusion. By elucidating some definitions of politics, it is introducedthe idea that bioethics and politics act in different ambito and with different methods.Bioethics thus cannot adopt power discourse. A consonance between bioethics andpolitics in a deliberation plan is not contrivable to biopolitics. The proposal ofbioethics, in general, and of protection bioethics, in specific, recognizes a deepincompatibility with biopolitics. The first one is formed by bíos – existence – andbiopolitics is componed by zôì, destroying the bíos, as the name indicates, lifeapproximates from animal life and is deprived from its humanity. In this antagonism,bioethics has precisely the task of protecting the bios of not being treated as only azôì, and of arguing in resistance to the biopolitical perspectives, which work excludingfreedom values.

Key words: Bioethics. Politics. Biopolitics. Power. Protection ethics.

Artigos especiais

Esta seção destina-se à publicação de artigos de autores convidados. Os textos serão

publicados no idioma original.

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Volume 1, no 2, 2005

esde hace algunos lustros se presentan la inquietud y el esfuerzo por

facilitar el acercamiento de la bioética a la política, sobre todo desde la

perspectiva que reconoce la estrecha relación entre lo sanitario y las

condiciones socioeconómicas de las sociedades. El tema se vuelve más

candente en la medida en que van claudicando los grandes referentes de la

filosofía política y cediendo el espacio al pensamiento utilitarista y a las

estrategias pragmáticas. El nacionalismo cede ante la globalización, y el

comunismo ha arrastrado en su caída a los socialismos, limpiando el escenario

para la hegemonía neoliberal. La idea del Estado – social o benefactor –

empalidece frente al libre mercado que sostiene poderlo todo, y que todo lo

quiere. Los problemas de que se ocupa la bioética – notablemente los

biomédicos y ecológicos: salud pública, atención médica, investigación en

seres vivos, adaptación al medio social y ambiental, conservación de recursos

naturales – no pueden ser entendidos e influidos únicamente desde la reflexión

académica. De allí la sugerencia de derivar los conflictos bioéticos a la arena

política, ante todo los que se relacionan con la pobreza, la inequidad social

y la exclusión.

Desde hace algunos lustros se presentan la inquietud y el esfuerzo por

facilitar el acercamiento de la bioética a la política, sobre todo desde la

perspectiva que reconoce la estrecha relación entre lo sanitario y las

condiciones socioeconómicas de las sociedades. El tema se vuelve más

candente en la medida en que van claudicando los grandes referentes de la

filosofía política y cediendo el espacio al pensamiento utilitarista y a las

estrategias pragmáticas. El nacionalismo cede ante la globalización, y el

comunismo ha arrastrado en su caída a los socialismos, limpiando el escenario

para la hegemonía neoliberal. La idea del Estado – social o benefactor –

empalidece frente al libre mercado que sostiene poderlo todo, y que todo lo

quiere. Los problemas de que se ocupa la bioética – notablemente los

biomédicos y ecológicos: salud pública, atención médica, investigación en

seres vivos, adaptación al medio social y ambiental, conservación de recursos

naturales – no pueden ser entendidos e influidos únicamente desde la reflexión

académica. De allí la sugerencia de derivar los conflictos bioéticos a la arena

política, ante todo los que se relacionan con la pobreza, la inequidad social

y la exclusión.

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Revista Brasileira de Bioética

Política y Bioética

La política es la administración – legítima, por lo general - del poder

civil con fines de gobernabilidad. Este lenguaje ha sido depurado en las

democracias hacia el afán de obtener de la ciudadanía el mandato de ejercer

ese poder. Siendo reconocidamente compleja y multifacética, la definición

de política se sustenta medularmente como el arte de gobernar. Pero esta

definición pierde toda inocencia al reflexionar sobre la íntima relación entre

Estado, poder y violencia. M. Weber genera un primer eslabón en esta

preocupante relación cuando, basándose en lo dicho por Trotski – “todo Estado

se basa en violencia” –, define a su vez Estado como “el dominio de hombres

sobre hombres basado en medios legítimos, es decir presuntamente legítimos,

de violencia” (WEBER, 1994), a lo cual C. W. Mills agrega: “toda política es

una lucha por poder; la forma definitiva de poder es la violencia” (ARENDT,

1970).

El poder necesariamente implica desigualdad entre los que lo detentan

y quienes se someten a él. El ideario del poder es foráneo a la bioética, pues

en esta última el pensamiento gravita más hacia la equidad y la comunicación.

Ambas, política y bioética, obran en ámbitos distintos, con métodos que

difieren entre sí y, aplicando el lenguaje sistémico-funcional, cada uno debe

actuar según su código (RODRÍGUEZ & ARNOLD, 1991), que para la política

es el dipolo poder/impotencia y para la ética es bien/mal.

La asociación entre gobierno, poder y violencia es contraria al

pensamiento bioético y crea una brecha infranqueable entre ésta y la política.

Algunos cultores de la disciplina, impacientes y enardecidos por la inequidad

social que reina y prevalece en el mundo, proponen “para los países periféricos

un nuevo enfoque bioético basado en prácticas intervencionistas, directas y

duras, que instrumentalicen la búsqueda de una disminución de las

inequidades” (GARRAFA & PORTO, 2003). Esta bioética de intervención,

que propone una redistribución del poder a fin de lograr justicia, se acerca

en forma notoria a un planteamiento político.

Desde una vertiente similar pero más propia de la bioética, se habla

de una bioética activa, cuya misión es reconocer que “necesitamos un

debate intelectual profundo y creativo, acerca de los nuevos problemas

generados por los avances de la ciencia, y en una conciencia alertada al

impacto de elecciones bioéticas en el diario vivir, que sólo es posible

enfrentar con la participación de energías múltiples” (BERLINGUER,

2003). La preocupación por la miseria y las angustias que sufren los

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Volume 1, no 2, 2005

pueblos es aquí enfocada por la bioética hacia asuntos sanitarios de su

directa incumbencia.

En la imposibilidad de adoptar el lenguaje del poder, la bioética queda

marginada frente a la política contingente y se produce la paradoja de que

el poder político tiene escasa sensibilidad para los insumos éticos. Notorio

es, asimismo, que el gran auge de la bioética ocurre en países donde el

espectro político es relativamente uniforme y facilita la convivencia que en

las naciones del tercer mundo continúa muy conflictiva. La impostergable

irritación con la inequidad social, también sentida por la bioética, se esfuerza

por delatar las patologías sociales y fomentar las terapias socio-políticas

requeridas. Estos testimonios no poseen la fuerza necesaria para lograr

cambios efectivos, pero tienen la intención de alertar y orientar acciones

correctivas.

Biopolítica

La biopolítica ha sido entendida de muy diverso modo, siendo algunas

definiciones más rigurosas que otras. M. Foucault inicia el uso del término

distinguiendo dos vetas: la anatomía política de los cuerpos individuales

entendidos como fuerzas productivas, y el control regulador de la reproducción

humana en el nivel demográfico, que se desarrolla como biopolítica de los

pueblos. El poder busca ocupar y administrar a la vida:

“si es probable hablar de <biohistoria> con relación a aquellas presiones

ejercidas sobre los movimientos que imbrican vida e historia, se deberá

entonces hablar de <biopolítica> para señalar el ingreso de la vida y

sus mecanismos en el ámbito del cálculo consciente y de la transformación

del poder sapiente en un agente modificador de la vida humana”

(FOUCAULT, 1997).

Una de las interpretaciones más amplias y alejadas de la propuesta

foucaultiana deriva un concepto ambicioso de biopolítica a partir de una

definición holística de bioética, al sugerir que:

“la ética es, por definición, un problema humano, en tanto que bioética

se ocupa, con lo humano, de una dimensión bastante más amplia y rica:

el cuidado y el posibilitamiento de la vida en general: de la vida humana,

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Revista Brasileira de Bioética

pero, además y principalmente, de la vida en general, actual y posible,

conocida y por conocer”. Por ende, “[l]a biopolítica es in extremis una

política de la vida y hacia la vida: de la vida en general y no, ya única y

principalmente, de la vida humana” (MALDONADO, 2003).

Para la visión tradicional, que entiende la ética como una reflexión

filosófica y las éticas aplicadas como fragmentos del discurso ético enfocados

sobre prácticas sociales específicas y determinadas, resulta extraño que se

plantee, a la inversa, la bioética como “más amplia y rica” que la ética. En

cuanto al concepto de biopolítica planteado por Maldonado, éste es

diametralmente opuesto e incompatible con el pensamiento de Foucault y de

Agamben, a su vez apoyados en Arendt, Benjamín y otros.

Otra visión presenta la biopolítica como entretejida en el conflicto de

vida y muerte, tema que ha sido asimismo central para la bioética en la

polémica del aborto, que oscila entre el primado de la vida – pro vida del

embrión – en contraposición a la elección por la libertad de la mujer

desinclinada a un embarazo no deseado. Un enfrentamiento similar ocurre

en el nivel ecológico entre los conservacionistas – derecho a la vida de la

naturaleza – y los intervencionistas – derecho a elegir acciones humanas

sobre el entorno. La biopolítica concentra y reduce la argumentación a la

dicotomía vida/libertad, enfocando el cuerpo como realidad estrictamente

biológica y entendiéndolo como portador de alguna característica esencial:

género, raza, etnia, edad. Con esta reducción de la persona a un rasgo

biológico, la biopolítica se abstrae a los factores culturales e históricos que

diferencian a los integrantes de un grupo entre sí y a una comunidad de

otra, en un discurso monocorde que arriesga volverse intolerante y autoritario,

eventualmente totalitario (HELLER & FEHER, 1995).

Interpretaciones más descarnadas, apoyadas en Foucault, ven en la

biopolítica “la creciente implicación de la vida natural del hombre en los

mecanismos y los cálculos del poder” (AGAMBEN, 2003). De aquí derivan

dos tractos de singular importancia: la vida nuda y la biopolítica como estado

de excepción. Reeditando pensamiento y vocabulario griegos, la vida o

como mero facto biológico se diferencia de la existencia humana, o bíos, que

es el ser humano inmerso en su cultura, en su historicidad y sustentado por

sus derechos. La vida nuda, el homo sacer, es despojada de todas sus

características existenciales: ya no es ciudadano ni miembro de la sociedad.

Se es homo sacer cuando el poder lo convierte en tal y eso ocurre con recurso

a alguna denotación que justifica el despojo: se es clasificado como mero

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Volume 1, no 2, 2005

ente biológico por ser judío, islámico, negro, VIH (+), gay o poseer cualquier

otro atributo que la miopía biopolítica se empecine en descalificar. A ese

efecto, el poder tiene que ejercerse a despecho de la ley, es decir, se crea un

estado de excepción que realiza el desnudamiento. Por estado de excepción

se entiende la proclamación de una supuesta necesidad crítica de ejercer la

soberanía por fuera de la ley, de los derechos y de la moral. Antecedentes

históricos como los campos de concentración del nazismo y del Gulag dieron

un horroroso realismo a esta degradación humana de bíos a , con la

consecuente impunidad para aniquilar esa vida reducida a biología (LEVI,

2003).

Lo más aterrador, sin embargo, es el diagnóstico de Foucault y de

Agamben, que observan el subrepticio desplazamiento contemporáneo del

Estado de derecho hacia un estado de excepción crónica, y la indiferente

contemplación con que este proceso es tolerado. Un signo delatorio de esta

tendencia a desmantelar el Estado de derecho se presenta en el afán de

erosionar los límites y reformular las definiciones y los criterios diagnósticos

de vida y muerte, esfuerzos que se debaten en una zona gris de

incertidumbres y discrepancias. El sesgo biopolítico de definir escuetamente

vida como no-muerte, y muerte como la pérdida de todo residuo vital, ha

sido ejercitado en la muy reciente polémica sobre Terri Schiavo, una mujer

desde hacen 13 años en estado vegetativo persistente que finalmente fue

dejada a morir de inanición. Todas las decisiones en este caso fueron tomadas

o revocadas por los tres poderes públicos, sin que se observara la participación

de la medicina ni valiesen los argumentos de los allegados, que sólo podían

expresarse a través de instrumentos biopolíticos.

El origen del concepto de biopolítica lo sitúa, de inicio, en la cercanía de

las preocupaciones bioéticas, ya que trata del ejercicio de poder sobre el

cuerpo humano. Los abusos de este poder, compartidos en el Tercer Reich

por los médicos, llevan a decir: “y esto implica que la decisión soberana

sobre la nuda vida se desplaza, desde motivaciones y ámbitos estrictamente

políticos, a un terreno más ambiguo, en que el médico y [el] soberano parecen

intercambiar sus papeles” (AGAMBEN, Op. cit.).

La biopolítica no sólo transforma al individuo en nuda vida biológica,

desprovisto de ciudadanía, de derechos, de nexos sociales y atributos

personales, como también es agresiva con los pueblos:

“hoy el proyecto democrático-capitalista de poner fin, por medio del

desarrollo, a la existencia de clases pobres, no sólo reproduce en su

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Revista Brasileira de Bioética

propio seno el pueblo de los excluidos, sino que transforma en nuda

vida a todas las poblaciones del Tercer Mundo” (AGAMBEN, Op. cit.).

También en el nivel colectivo, todo lo que la salud pública pudiese hacer

por los pueblos queda sepultado bajo las maniobras de despojo biopolítico.

La política tiende a desembocar, eventualmente, en una violencia cuya

manifestación más extrema es la biopolítica que reduce la existencia humana

a vida biológica. Estos procesos de ejercicio del poder tienen por característica

la caducidad de las normas jurídicas y morales, supuestamente con el objeto

de preservarlas. El discurso legal, no menos que el ético, queda marginado

de participar en decisiones, silenciado en la crítica y desactivado en la práctica.

Por lo tanto, la tendencia de la biopolítica a reducir a los pueblos y a los

individuos a nuda pervivencia se sitúa en un nivel pre-moral, donde la

bioética no tiene acceso porque su lenguaje se vuelve absurdo en situaciones-

límite: ¿cómo puede un principio bioético encontrar aplicación frente a la

realidad de un campo de concentración o, en escenarios contemporáneos,

tener vigencia cuando combatientes capturados no son considerados

prisioneros de guerra y por ende no reciben el trato humanitario que

internacionalmente se ha acordado?

Bioética y Biopolítica

Si el campo de concentración es el paradigma del estado de excepción

donde opera la biopolítica, será ingenuo pensar que la bioética tendrá alguna

influencia o capacidad de regulación: “pero aquí, en el Lager… no hay

criminales porque no hay una ley moral que infringir” (LEVI, Op. cit.). Su

campo de acción se sitúa allí donde una incipiente biopolítica aventura ciertas

posturas sin todavía haberse apropiado del poder. Se entiende así que la

política se mueva siempre en el espacio público, en tanto la biopolítica se

inmiscuye en lo privado y lo desnuda en público. En esa correlación, la

bioética sería la protectora del espacio privado y del individuo, protestando

cuando lo público produce daño al individuo.

El argumento biopolítico insiste en que el embarazo – y la sospecha de

embarazo como ocurre en la controversia sobre la píldora del día después –

es sagrado y confirma su deber de defender la [presunta] vida en comienzos,

sin considerar los múltiples contextos que pudiesen hacer valer otras posturas

y llevar a decisiones diferentes. La biopolítica cae aquí, como también en su

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Volume 1, no 2, 2005

defensa de la violencia y la guerra, en la paradoja de destruir vidas para

defender la vida nuda. La biopolítica defiende vida, frente al aborto por

ejemplo, sin abrirse a las circunstancias que rodean la solicitud de aborto y

que, desde la bioética, podían ser respetadas de un modo prioritario para

desaconsejar el nacimiento de una vida con grandes riesgos de ser nuda. Al

respecto es ilustrativo cómo países – Chile – bajo un régimen biopolítico

militar han decretado la ilegalidad absoluta del aborto, no contemplándolo

siquiera en caso de violación o incesto.

De modo análogo, la biopolítica es contraria a la eutanasia voluntaria,

aunque puede caer en la inconsecuencia de desarrollar programas de

eutanasia impuesta, con el mismo argumento de aniquilar vidas para proteger

la vida. La bioética se opone a estas prácticas, reclamando que la eutanasia

impuesta es homicidio, y que la radical negativa de conceder eutanasia

voluntaria es una forma de ir deslizando al ser humano desde una existencia

propia a una vida nuda sufriente.

Toda polémica con relación a la eutanasia es el enfrentamiento entre

bioética y biopolítica, pues ésta insiste en el resguardo y la conservación de

la vida, en tanto la bioética reconoce vidas reducidas a tal grado que no

pueden llevar una existencia significativa y no desean permanecer en la

residualidad crónica, desesperanzada y torturante. Son existencias para las

cuales seguir viendo es peor que morir (HARRIS, 1984). La situación del

donante de órganos en proceso de muerte es otro terreno de conflicto, en

que se debate el hecho biológico de no estar muerto y los esfuerzos médicos

por mantener indefinidamente esa situación, frente a la intención de no

prolongar innecesariamente una muerte inminente y, en ciertos casos, poner

en riesgo la vitalidad de los órganos ofrecidos en donación.

Las conflictivas prácticas de investigación con seres humanos pueden

ser la mejor ilustración de la convergencia de posiciones bioéticas críticas,

ya sean políticas, biopolíticas o disciplinarias, que articulan su protesta desde

diversas perspectivas frente a las iniquidades de estas prácticas que albergan

cada vez más situaciones de abuso, en tanto los proyectos de investigación

se desplazan desde el ámbito académico al netamente mercantil, generando

la doctrina del doble estándar en ética de la investigación: uno aspiracional

para países desarrollados, otro pragmático para naciones pobres. En la

medida en que la ética de la investigación se vuelve demasiado rigurosa en

los países desarrollados, hace atractivo el traslado de las investigaciones a

países pobres donde es posible desarrollar protocolos más flexibles, y donde

los mecanismos de compensación y beneficio son literalmente ignorados.

118

Revista Brasileira de Bioética

La protesta desde la bioética de intervención se complementa con el

rechazo a la actitud biopolítica de estas prácticas que clasifican a los seres

humanos en probandos vulnerables y los señalan pro forma como frágiles,

pero sin que patrocinantes e investigadores se sientan obligados a desarrollar

programas de ayuda y protección más allá de las precauciones y

consideraciones requeridas por el protocolo de estudio. La bioética

disciplinaria, por su parte, se ocupa de los sujetos involucrados cuyos reales

desmedros y privaciones dan espacio a las injusticias e insensibilidades

sociales que caracterizan a las investigaciones foráneas traídas al tercer

mundo. Esta perspectiva bioética concentra sus esfuerzos en desbaratar los

intentos de abuso, depurando los mecanismos de operación de los estudios

mediante el análisis crítico del consentimiento informado, de la

equiponderación, de la atingencia y relevancia de los ensayos, del apoyo a

las necesidades que generan las susceptibilidades de los probandos, y de

los beneficios posteriores que corresponden tanto al probando como a la

comunidad huésped.

Ética de Protección y Biopolítica

Una forma de entender la recientemente desarrollada ética de protección

(KOTTOW, 1999; SCHRAMM & KOTTOW, 2000) es otorgando el resguardo

a los marginados y excluidos, dando cobertura al homo sacer víctima de

dominaciones políticas, injusticias sociales y privaciones económicas

(SCHRAMM, 2004). La Bioética de Protección, no obstante, comparte con

otras perspectivas la imposibilidad de acceder a plantear valores y a cautelar

intereses cuando las personas ven amenazada su nuda sobrevida, aquende

de todo derecho o participación ciudadana y aquende, también, de todo

discurso moral. En otras palabras, la bioética ha de hacerse presente antes

que los individuos o las comunidades hayan perdido la capacidad de reclamar

sus derechos y de bregar por sus intereses.

La Bioética de Protección ha sido sugerida, por otra parte, para resguardar

a seres humanos que no están en condiciones de desarrollar su existencia

por falta de maduración de su autonomía, por vulneración social, económica

o biológica, o por déficit de empoderamiento, pero que potencialmente podrían

ser protegidos mediante acciones terapéuticas apropiadas (O’NEILL, 1998;

KOTTOW, 2003; KOTTOW, 2004) ha venido la propuesta de proteger al medio

ambiente para futuras generaciones, lo cual significa extender el concepto

119

Volume 1, no 2, 2005

de Bioética de Protección a seres que, potencial y probablemente, tendrán

que desarrollar una existencia humana, a diferencia del homo sacer que ha

sido despojado de la potencialidad de ser rescatado terapéuticamente o de

ser resguardado para su futura existencia, y que por ello se encuentra fuera

del ámbito toda posible protección bioética. En otras palabras, la Bioética de

Protección necesita la conservación de una cierta humanidad y de un orden

social mínimo que sean capaces de incorporarse al discurso ético. La radical

deshumanización provocada por acciones biopolíticas vuelve imposible la

aplicación de normativas legales, morales y, por ende, bioéticas.

La propuesta de la bioética en general, y de la Bioética de Protección en

particular, reconoce una profunda incompatibilidad con la biopolítica, en

tanto la primera se ocupa del bíos – existencia- y la biopolítica se ensaña con

la destruyendo el bíos pues, como su nombre lo indica, la vida nuda se

acerca a la vida animal y es despojada de su humanidad. En este antagonismo,

la bioética tiene precisamente el rol de proteger al bíos de no ser tratado

como mera , y de argumentar en oposición a las perspectivas biopolíticas,

que operan en forma excluyente de los valores de libertad.

Conclusiones

Una convergencia de bioética y política en el plano de la deliberación no

es pensable para la biopolítica, que por definición se excluye de cualquier

argumentación y desconoce toda norma ética y legal que no sea

unilateralmente erigida por ella. Ninguna deliberación, tampoco la bioética,

tiene cabida en un clima opresivo. Tanto mayor ha de ser el esfuerzo de la

bioética por detectar intrusiones morales en nuestras sociedades, que

dicotomizan artificialmente los problemas en vida versus libertad, donde la

biopolítica en ocasiones dará preferencia al vida sin importar su calidad, en

otras a la libertad sin preocuparse para qué.

La relación entre bioética y política es compleja. En uno de sus más

recientes libros, se esfuerza Habermas por señalar que la legitimidad debe

preceder a la legalidad (HABERMAS, 1994) es decir, la justificación ética ha

de dar los fundamentos para las normativas que rigen el orden social, lo

cual apunta en dirección similar a la racionalidad deliberativa que Rawls

propone para desarrollar un esquema de justicia. D. Gracia cita a E. Emmanuel

como reconociendo el compromiso de la bioética en materias colectivas y

sociales, al punto de indicar que la bioética va más allá de la ética profesional

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120

Revista Brasileira de Bioética

y se constituye como parte de la filosofía política. “La bioética necesariamente

se ocupa de los valores involucrados en salud y enfermedad. Por lo tanto, la

bioética es un proceso de deliberación sobre fines individuales y colectivos

de la vida humana” (GRACIA, 2001).

Pero la bioética no puede “deliberar sobre la vida humana” por cuanto se

convertiría en ética filosófica; para mantener su carácter de ética práctica,

tendrá que ser deliberativa pero ceñirse a los temas de su agenda: biomédicos,

ecológicos, de investigación con seres vivos. Por otra parte hay acuerdo que

la ética es una reflexión, una deliberación, un discurso comunicativo que

opera con métodos diversos a los de la política fáctica. En ese sentido, su

accionar se centra en el escenario de la racionalidad razonable, vale decir,

de la deliberación entendida como argumentación racional y valórica. Si la

política se adscribe a la deliberación en forma de una democracia ética

dispuesta a legitimar su proceder, estará en un terreno común y fructífero

con la bioética. Es menester que la política reconozca sus raíces éticas y la

proveniencia moral de su legitimidad, mas que pedirle a la bioética que

intente desarrollar un discurso político.

Referências Bibliográficas:

AGAMBEN, G. Homo sacer, Valencia Pre-Textos, 2003.

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Revista Brasileira de Bioética

INCLUSÃO SOCIAL NO CONTEXTO POLÍTICO DA BIOÉTICA

Social inclusion in the political context of bioethics

Volnei Garrafa

Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal,

Brasil.

[email protected]

Resumo: O presente artigo reforça a necessidade de politização da bioética comoforma de construção da justiça social. Analisa a inclusão social a partir dos conceitosde empoderamento, libertação e emancipação, como possíveis ferramentasepistemológicas da Bioética de Intervenção. Além das características relacionadasao rigor acadêmico, o texto defende a necessidade da ação política concreta para atransformação social. Apresenta o teor da Declaração Universal de Bioética e Direitos

Humanos construída pela UNESCO com a participação efetiva dos países emdesenvolvimento, discutindo o avanço representado pela incorporação dos temassociais e ambientais à agenda da bioética do século XXI.

Palavras-chave: Bioética de Intervenção. Bioética e política. Empoderamento.Libertação. Emancipação. Direitos Humanos.

Abstract: This article reinforces the need of a politics-oriented bioethics as aninstrument to build social justice. It analyzes social inclusion from some conceptssuch as empowerment, liberation and emancipation, as they are the epistemologicaltools of Intervention Bioethics. The text defends the necessity of a concrete politicalaction aiming at social transformation. It presents the content of the Universal Draft

Declaration on Bioethics and Human Rights assembled by UNESCO with the effectiveparticipation of developing countries, discussing the advance attained by the inclusionof social and environmental themes to the bioethics agenda of 21st century.

Key words: Intervention Bioethics. Bioethics and politics. Empowerment. Liberation.Emancipation. Human Rights.

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os países latino-americanos, de modo geral, e no Brasil, especificamente,o tema da justiça sanitária faz parte da agenda bioética. As imensasdesigualdades no acesso aos recursos - a tudo que caracteriza a qualidadede vida - tornam esse tema efetivamente orgânico quando se pretende aplicara ética para garantir a dignidade da vida humana. Isso não significa que emoutras regiões do mundo o assunto seja aceito pacificamente. Pelo contrário,em alguns países desenvolvidos e mesmo em determinados núcleosacadêmicos das nações em desenvolvimento, existem fortes resistências àutilização, no campo sanitário, dos paradigmas referenciais da bioética, quese volta preferencialmente à biotecnologia e, com a mesma ênfase, recusa apolitização da pauta bioética internacional.

Duas são as razões básicas para essa resistência. Em primeiro lugar, opreciosismo acadêmico de alguns estudiosos da área que, utilizando a lógicaformal e assépticas argumentações teóricas, tentam desqualificar oacademicismo do debate sócio-político da bioética, afirmando que a temáticapolítica, que inclui temas da saúde pública e coletiva, como a inclusão sociale outros, está fora do escopo epistemológico da disciplina, constituindo narealidade outra área, que denominam de “biopolítica” (KOTTOW, 2005).

Em relação a essa primeira razão, pode-se questionar o sentido intrínsecode tal posicionamento. Como aponta Castoriadis, o filósofo foi, desde o inícioda civilização grega, um cidadão plenamente inserido no seio da sociedadeda qual fazia parte, a polis, atuando como tal na vida social, a exemplo deSócrates. Dessa forma, a filosofia se dedicava a questionar a ordemestabelecida, em lugar de meramente justificar sua reprodução por meio defórmulas que se descolam da realidade concreta, experimentadacotidianamente.

Desde Platão e, de maneira crescente em Kant e outros filósofos modernos,a dissociação entre a razão e a ação vem provocando um tipo de “perversidadeedificante” que privilegia a primeira em detrimento da segunda. Tal tendência,que na pós-modernidade ganhou contornos de niilismo estagnado, impedetanto a reflexão quanto a ação - o processo dialético - que hoje é indispensávelna medida em que a tecnociência institui novas fronteiras para o exercíciodo poder. Esse limite não se restringe apenas ao adestramento da corporeidadepelo desempenho “autônomo” das regras e normas sociais, como sempreaconteceu. Pela ação da tecnologia, o controle social imiscui-se nesse mesmocorpo e recria-o a partir de uma linha divisória que secciona inexoravelmenteaqueles que têm direito à qualidade de vida e bem-estar, dos demais que,privados disso, são cerceados à condição de sustentáculos da desigualdade.

N

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Revista Brasileira de Bioética

Nesse sentido, cabe um reparo à idéia de transformar o princípio justoda proteção em uma epistemologia de cunho mais abrangente como formade suprimir as desigualdades. Ainda que proteger os que suportam a ordemestabelecida, a custa da expropriação de seus corpos e vidas, e defender suaintegridade frente aos que usufruem todos os benefícios dessa divisão espúriaseja uma ação que pode melhorar sua qualidade de vida, restringir apossibilidade de intervir na realidade à proteção aos menos favorecidos nãodeixa de ser uma concessão com a manutenção da desigualdade, dosprivilégios e da exclusão. Por isso, deve-se considerar a proteção como umprincípio, essencial para a construção da justiça social, mas que não deveser alçado à condição de matriz teórica.

Sob a capa de um humanismo paternalista e patriarcal a maximização doprincípio da proteção acaba revelando, em última análise, a assimetriaconcreta entre quem protege e quem é protegido. De certa forma, revelatambém uma admiração acrítica pelo pensamento escolástico, mesmo quandoeste somente reproduz uma retórica esvaziada do sentido que deve impregnara relação entre teoria e prática, entre o plano ideal e a realidade. Com relaçãoa isso, Castoriadis afirma que:

“só sairemos da perversão que caracterizou o papel dos intelectuais desdePlatão, e de novo agora nos últimos setenta anos, se o intelectual setornar verdadeiramente cidadão. Um cidadão não é (não énecessariamente) ‘militante de um partido’, mas alguém que reivindicaativamente sua participação na vida pública e nos negócios comuns, tantoquanto os outros. Aqui aparece com toda a evidência uma antinomia,que não tem solução teórica, que somente a phronésis, a sabedoria, podepermitir ultrapassar. O intelectual deve pretender ser cidadão como osoutros, deve também pretender ser, de direito, porta-voz dauniversalidade e da objetividade. O intelectual só pode se manter nesseespaço, reconhecendo os limites do que sua suposta objetividade euniversalidade lhe permitem. Deve reconhecer, e não com desdém, queo que ele tenta fazer entender é ainda uma doxa, uma opinião, e nãouma epistémé. Cumpre sobretudo reconhecer que a história é o domínioonde se desenvolve a criatividade de todos, homens e mulheres, eruditose analfabetos, de uma humanidade na qual ele mesmo é apenas um átomo.E isso ainda não deve vir a ser pretexto para que se afiance, sem crítica, asdecisões da maioria, nem para que se incline diante da força, por ser elaa expressão dos mais numerosos” (CASTORIADIS, 1992).

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Em segundo lugar, e talvez, como decorrência lógica dessa primeiraposição, tal resistência pode ser imputada ao conservadorismo ou estreitezapolítica de certos pesquisadores, que acreditam que toda gama de conflitoséticos relacionados à vida e à saúde pode ser circunscrita ao âmbito biomédico,mesmo com certas inclusões tangenciais de alguns deles pelo campo social.Sob tal argumento, criticam as tentativas de transportar essa discussão parao campo onde verdadeiramente se dão as grandes decisões, que alijam ouincluem indivíduos como beneficiários do desenvolvimento científico etecnológico, ou seja, a seara das decisões políticas.

Disfarçados sob as vestes do vazio ideológico deixado pela modernidadetardia (ou pós-modernidade, se preferirem os leitores...) e, com outra linguagem,ressuscitam uma superada contradição fortemente constatada na AméricaLatina dos anos 1960 e 1970. Naqueles tempos, notáveis sanitaristas comoos saudosos Juan Cesar Garcia, Cecília Donângelo e Sergio Arouca, entretantos outros que ainda seguem vivos nas mesmas trincheiras, tiveram queempreender heróica resistência às ditaduras militares plantadas no continente.Nas suas áreas de trabalho, combateram e transformaram os estreitosreferenciais da antiga medicina social e os conteúdos preventivistas em modana época, por meio da construção concreta de pautas socialmentecomprometidas com a essência democrática e inclusiva da saúde pública ecoletiva.

A bioética social, para ser efetiva, além de disposição, persistência epreparo acadêmico, exige uma espécie de militância programática e coerênciahistórica por parte do pesquisador. De minha parte, é o que venho tentandofazer há alguns anos com a linha de pesquisa que denominei inicialmentede Bioética Dura (hard bioethics) e posteriormente Bioética de Intervenção(GARRAFA, 2000; GARRAFA & PORTO, 2003). A Encyclopedia of Bioethics,no capítulo dedicado à América Latina, em sua última edição, traz comentáriospositivos do responsável pela matéria, prof. José Alberto Mainetti, sobre osurgimento da Bioética Dura na região.

Com vistas a aprofundar os fundamentos epistemológicos dessa vertentelatino-americana da bioética, analiso neste artigo o tema da justiça social emsaúde e sua relação com a bioética, a partir dos diferentes conceitos utilizadospara promover inclusão social e a expansão significativa que o assunto adquiriucom sua inserção na Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, aser homologada pela UNESCO em outubro de 2005, na sua Assembléia anual.Neste sentido, após a consagração da Declaração, com o considerável avançologrado no conteúdo referido ao campo social, pretendo passar a incorporar a

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Bioética de Intervenção, definitivamente, à “Bioética Social”, uma vez que játerá sido alcançado um dos principais motivos de sua criação, ou seja, anecessária visibilidade política ao tema.

Discutindo a Inclusão Social na Epistemologia da Bioética

O tema da inclusão social recebeu suporte teórico de diversos conceitoscunhados no campo da saúde pública nos últimos anos. Algumas destaspalavras revelaram-se bastante apropriadas, outras nem tanto... No campoda bioética, igualmente, diferentes autores têm tratado o assunto sob ângulose interpretações diversas. Tão importante quanto o significado da expressãoescolhida, naturalmente, são as justificativas e a sustentação argumentativacom relação a sua utilização. Para o objetivo dessa discussão, analiso trêsexpressões recorrentes - empoderamento, libertação e emancipação - quepodem embasar o debate sobre quais princípios se prestam a sustentar aintervenção bioética no campo social.

A palavra empoderamento, tradução livre e direta do inglês, teve seuuso fortalecido a partir do momento em que o cientista indiano Amartya Sen,recebeu o Prêmio Nobel de Economia. Sem dúvida, em nosso idioma, estaversão cunhou uma palavra feia, de difícil pronúncia e audição, mas que,não obstante, possui um apelo prático especialmente grande. De qualquermodo, justiça seja feita, ao longo de toda sua vasta obra, para dar idéiade empoderamento, Sen utiliza com freqüência a palavra liberdade, comona seguinte passagem: “Para que se torne possível superar a fome, apobreza, as ameaças de destruição do meio ambiente e outras formas deiniqüidade, exige-se da sociedade uma postura de cumplicidadefortalecedora da idéia de liberdade, da qual ela mesma não pode se furtar”(SEN, 2000).

Tal como apontado neste trecho, a idéia de empoderamento dos sujeitosindividuais, vulnerabilizados em decorrência do processo histórico e dacaracterística cultural das sociedades nas quais estão inseridos, perpassa otodo social, atuando como elemento capaz de amplificar as vozes dossegmentos alijados do poder de decisão, e promovendo sua inserção social.A idéia do empoderamento estaria, portanto, alicerçada na articulação orgânicaentre os diferentes grupos e segmentos, processo que, como já apontavaDurkheim, é o que transforma um mero aglomerado de indivíduos em umasociedade (DURKHEIM, 1990).

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A meu ver, o que confere humanidade aos seres biologicamentereconhecidos como humanos, decorre de um processo coletivo, que seconsubstancia na produção e reprodução contínuas dos significados atribuídosàs práticas sociais. Neste sentido, a proposta inclusiva aqui desenvolvidapassa pelo pressuposto que a ação social politicamente comprometida é aquelacapaz de transformar a práxis social.

Essa definição coaduna-se aos marcos teóricos delineados pela Bioéticade Intervenção, que aponta o corpo como parâmetro da intervenção ética(GARRAFA & PORTO, Op. Cit.). Ela identifica e incorpora a dimensãosocial, a percepção da pessoa como uma totalidade somática na qualestão articuladas as dimensões física e psíquica, que se manifestam demaneira integrada nas inter-relações sociais e nas relações com o meio.Nesse sentido, a visão de empoderamento delineada por Sen estabelece aponte entre os indivíduos, cuja corporeidade sustenta o processo de produçãoe reprodução social e a coletividade da qual essas pessoas fazem parte.Explicita-se, assim, a relação dialética entre reflexão e ação naresponsabilidade individual e coletiva pelo impacto que as escolhas dosindivíduos produzem na realidade.

Assim, parece claro que a idéia de empoderamento reporta justamente àimportância de perceber que as escolhas dos sujeitos sociais não podem sermarcadas apenas por uma visão míope e estereotipada de autonomia, quecircunscreve a opção individual ao exercício narcísico e antropocêntrico,levando o pensamento em direção à questão do poder de uns e outros cidadãosem mundos desiguais. E se a desigualdade é construída no meio social - naformação do indivíduo - suplantá-la implica em reconhecer a relaçãoinequívoca entre autonomia e responsabilidade. A autonomia se manifestanão só na capacidade de responder a uma situação de forma a atender aomesmo tempo à moralidade social, às normas legais, aos desejos, necessidadese vontades do indivíduo, como também no reconhecimento da interconexãoentre os seres humanos e todas as formas de vida, assim como naresponsabilidade existencial exigida frente a elas.

Em abril de 2004, proferi a conferência de encerramento do V Congresso

Brasileiro de Bioética, realizado em Recife cujo tema foi “A bioética no séculoXXI”. Tendo, como de costume, levado a discussão para o âmbito social e dapolitização da bioética, comparei as idéias de Sen e a também extraordináriaprodução do educador brasileiro Paulo Freire. Guardadas as peculiaridadesde cada palavra e de cada contexto, Sen de certa forma expressa com o usoda categoria empoderamento o que Freire denomina libertação.

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Porém, a idéia de libertação implica em mais do que o simplesreconhecimento da existência do poder. Ela, necessariamente, aponta para olocus aonde se instalam a força capaz de obrigar à sujeição, e a fragilidade,manifesta na incapacidade de desvencilhar-se da submissão. Ao definir essespólos, Freire identifica a oposição entre cativeiro, ou a privação do direito deescolha, e a libertação, o verdadeiro exercício da autonomia. Dessa forma,assinala que os sujeitos sociais são, eminentemente, atores políticos, cujaação pode tanto manter como transformar o status quo. A categoria libertaçãodesvela as posições de poder e permite pressupor uma tomada de posiçãono jogo de forças pela inclusão social.

A utilização desta categoria na Bioética de Intervenção pretende apontarem que direção se deve conduzir a luta política para garantir tal liberdade.Sua adoção visibiliza a luta das cidadãs e cidadãos que logram sua inclusãosocial, seja no contexto da saúde ou em contextos mais amplos, a partir datomada de consciência sobre as forças que os oprimem e pela ação concretaem oposição a elas. Paulo Freire é particularmente contundente ao criticar opreciosismo acadêmico e sua malvada conseqüência, a assepsia moral, queconstituem obstáculos à libertação:

“Daí o tom de raiva, legítima raiva, que envolve o meu discurso quandome refiro às injustiças a que são submetidos os esfarrapados do mundo.Daí o meu nenhum interesse de, não importa que ordem, assumir um arde observador imparcial, objetivo, seguro, dos fatos e dos acontecimentos.Em tempo algum pude ser um observador ‘acinzentadamente’ imparcial,o que, porém, jamais me afastou de uma posição rigorosamente ética.Quem observa o faz de um certo ponto de vista, o que não situa oobservador em erro. O erro na verdade não é ter um certo ponto de vista,mas absolutizá-lo e desconhecer que, mesmo do acerto de seu ponto devista é possível que a razão ética nem sempre esteja com ele. O meu pontode vista é o dos ‘condenados da Terra’, o dos excluídos” (FREIRE, 2001).

No entanto, o que se vê no meio da saúde pública brasileira é que apalavra empoderamento tem uma utilização bastante aceita e incorporada aonosso léxico sanitário, enquanto libertação é raramente utilizada. Entre outrasrazões, imputo essa constatação ao fato de Sen trabalhar na área de economia,de grande visibilidade no contexto capitalista contemporâneo, ao passo queFreire se debatia em meio a teorias educacionais, de menor apelomercadológico, trabalhando a idéia da educação como prática de libertação.

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Embora os dois autores tenham desenvolvido seus estudos no sentido defavorecer as populações dos países pobres do Hemisfério Sul do mundo, oapelo da economia, infelizmente, é flagrantemente maior que o da educação,no atual contexto histórico pelo qual passa a humanidade.

A terceira expressão que incluo nessa análise é emancipação. O sujeitoemancipado não deixa de ser um sujeito livre. O jovem emancipado, porexemplo, é aquele que adquiriu status de maioridade e passa a ser senhor eresponsável pelos seus próprios atos. Emancipação significa alforria,independência, liberdade, o caminhar que se inicia com a libertação. Só éemancipado aquele que suprimiu sua dependência, que alcançou o domíniosobre si mesmo e pode garantir não apenas a sobrevivência, mas suas escolhasfrente aos meios de alcançar essa sobrevivência. O poder sobre si mesmo é oque outorga a emancipação, tornando a pessoa imune às forças que buscamsua sujeição. Portanto, suprimir a dependência é pré-condição para aemancipação, e isso vale tanto para a pessoa quanto para o Estado. É nessaconcepção que a categoria emancipação se presta à Bioética de Intervençãocomo ferramenta ou veículo para direcionar a luta pela libertação e paracolocar essa luta na dimensão coletiva.

No entanto, parece-me que, pelo menos ao ouvido, a emancipação temum sentido mais jurídico do que político, sublinhando o reconhecimentolegal da capacidade de decidir. Porém, para que a inclusão social (inerente aocidadão emancipado) reflita efetivamente sua autonomia, ela deve ser fruto deuma conquista pelo direito de decidir e pela possibilidade real do exercíciodesse direito, não podendo decorrer de mera concessão, como um presenteque sem luta foi ofertado e que, por isso, da mesma forma, pode ser tirado aosabor da vontade de quem concedeu a dádiva, como ocorre no caso da proteção.

Para a Bioética de Intervenção, a inclusão social é a ação cotidiana depessoas concretas e precisa ser tomada na dimensão política, como umprocesso no qual os sujeitos sociais articulam sua ação. Na medida em que aação cotidiana direciona as escolhas não apenas em função de uma inclinaçãopessoal, mas considerando a dimensão do todo - a necessidade de garantir aexistência das pessoas e de todas as formas de vida - ela se torna inclusiva,tendendo, como decorrência, à maior simetria.

De qualquer modo, creio que qualquer uma das três expressões –empoderamento, libertação e emancipação - embora com conotaçõesdiferentes, auxiliam à compreensão do fenômeno de inclusão social comoum processo dinâmico que necessita ser construído e levado à prática,objetivando a conquista da verdadeira justiça social em saúde.

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Revista Brasileira de Bioética

A Agenda Social na Declaração Universal de Bioética e Direitos

Humanos

Depois de mais de dois anos de intensas discussões e a produção deconsecutivas versões, entre os dias 20 e 24 de junho de 2005, foi realizadana UNESCO, em Paris, a reunião definitiva de experts dos diversos governosfiliados àquela Organização, com o objetivo de definir o teor da futuraDeclaração Universal de Bioética e Direitos Humanos. Após a superação deinúmeras dificuldades, tendo em vista posições antagônicas de diferentespaíses sobre as mesmas questões, finalmente chegou-se a um documentoconsensual.

Desde o início das negociações, ficou patente o interesse dos paísesricos e seus satélites, guiados por Estados Unidos, Alemanha e Canadá, emreduzir a agenda bioética aos temas relacionados exclusivamente àbiotecnologia/biomedicina, alijando sumariamente os outros dois pilares dadisciplina, caros aos países em desenvolvimento do Hemisfério Sul: a bioéticasocial e a bioética ambiental. A delegação brasileira teve um papel políticofundamental na condução da reação dos países periféricos, com o apoio dasnações latino-americanas – muito especialmente da Argentina - africanas,de alguns países árabes e da Índia.

Embora se saiba que uma Declaração Internacional deste tipo contenhaapenas normas não vinculantes, que não podem ser consideradas como lei,servem como guias futuros para a construção das legislações nos diferentesEstados. Neste sentido, o documento construído em Paris pode ser consideradoum avanço extraordinário para os países em desenvolvimento. Sua construçãomostra um preâmbulo substancial composto de vários considerandos, ondesão mencionados como referência documentos e tratados internacionais jáaprovados pelas Nações Unidas. Posteriormente, vem a Declaraçãopropriamente dita, com 28 artigos, divididos em cinco capítulos: um capítulointrodutório com as disposições gerais que incluem o escopo e objetivos dabioética (dois artigos), seguido de outros dois que trazem os princípios (emnúmero de 15) e sua aplicação (quatro artigos), além de duas partes finaisrelativas a sua implementação e promoção (quatro artigos), finalizando comas considerações finais (três artigos).

O mais importante, para os objetivos deste texto, se refere às conquistasobtidas na Declaração com relação ao campo da saúde pública e da inclusãosocial. Entre outros, foram incluídos tópicos sobre dignidade humana e direitoshumanos; respeito pela vulnerabilidade humana e integridade pessoal;

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igualdade, justiça e eqüidade; respeito pela diversidade cultural e pluralismo;solidariedade e cooperação; proteção do meio ambiente, biosfera ebiodiversidade; responsabilidade social e saúde pública e divisão dosbenefícios. Em relação a esses dois últimos pontos ficou claro o compromissodos Estados-membro em proporcionar acesso a sistemas sanitários dequalidade, aos benefícios do desenvolvimento científico e tecnológico, a novosmedicamentos e à nutrição, assim como à redução da pobreza e outros temasafins, tão caros à pauta contemporânea da saúde pública.

Além disso, deve ser mencionada a inclusão de um tópico que poderáservir de antídoto contra o avanço da teoria do duplo-standard nas pesquisasem países pobres e ricos, embora se tenha conseguido colocá-lo apenas nopreâmbulo do documento: “... os seres humanos, sem distinção, deveriamser beneficiados pelos mesmos elevados padrões éticos nas pesquisas emmedicina e nas ciências da vida” (UNESCO, 2005).

De modo geral, portanto, a Declaração Universal de Bioética e Direitos

Humanos re-define a agenda bioética para o século XXI, expandindogenerosamente seu campo de interpretação, pesquisa e ação. As firmes elegítimas ações políticas dos países latino-americanos foram decisivas paraa mudança do panorama. Ou seja: a Bioética incursionou pela política paraincluir as questões sociais em sua agenda. E isso não é biopolítica. É abioética intervindo em uma dimensão mais ampla: a política. Esse grandepasso trará, sem dúvida, conseqüências positivas e concretas no sentido deampliar as discussões éticas em saúde, proporcionar melhores condiçõespara implementação de medidas de inclusão social e favorecer a construçãode sistemas sanitários mais acessíveis; criando, assim, condição para que associedades humanas alcancem uma qualidade de vida mais justa.

Para a Bioética de Intervenção, o reconhecimento dessas pautas tevedistintos significados. A inclusão de tais temáticas no contexto das NaçõesUnidas reafirmou a relevância de seus pressupostos teóricos, legitimando apertinência da intervenção ético-política nesse âmbito. Por outro lado,consubstanciou uma ação efetiva de intervenção no sentido de conformar arealidade a partir de parâmetros de eqüidade, inclusão social e justiça. Maisdo que isso, porém, a criação desse documento traçou uma orientaçãouniversal e objetiva a partir da qual a bioética pode lutar pelo empoderamento,pela libertação e pela emancipação dos “condenados da terra”.

Agradecimento: Agradeço a Dora Porto, companheira de primeira hora naconstrução da Bioética de Intervenção, pelas preciosas sugestões ao presentetexto, bem como pela parceria constante nas reflexões sobre o tema.

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Revista Brasileira de Bioética

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¿ES UNA BIOÉTICA SEPARADA DE LA POLÍTICA MENOSIDEOLOGIZADA QUE UNA BIOÉTICA POLITIZADA?

Is a bioethics disconected from politics less desired as apolitics-oriented bioethics?

Pedro L. Sotolongo

Instituto de Filosofía de La Habana, La Habana, Cuba.

[email protected]

Resumen: En este artículo examino, en una aproximación primera, una cuestiónpresente tanto en la agenda de las reflexiones y debates actuales como en las urgenciasde la práctica contemporánea de los bioeticistas latinoamericanos y caribeños. Esésta la disyuntiva entre la orientación hacia una bioética que se demarque de lapolítica, dado su carácter supuestamente apolítico, y una propuesta distinta, que seposiciona en defensa de la construcción de una bioética politizada. Además, explicitolas premisas en las que sostengo mi argumentación (desde la epistemología, lateoría social, la ética, la política, la bioética y la práxis social) en favor de unabioética declaradamente articulada con la política.

Palabras-clave: Bioética. Política. Complejidad. Poder. Latinoamérica y Caribe.

Abstract: In this article the autor discusses a topic which is part of the presentreflections and debates and also of the contemporaneous practice of Latin Americanand Caribbean biethicists. It is the dissimilarity between a bioethics disconnectedfrom politics, due to a supposed bioethics apolitical feature, and a different proposal,which supports the construction of a politics-oriented bioethics. The argumentationis sustained by the elucidation of premises such as epistemology, social theory, ethics,politics, bioethics, and social práxis, in favor of an assumed politics-articulatedbioethics.

Key words: Bioethics. Politics. Complexity. Power. Latin America and Caribbean.

Artigos originais

Esta seção destina-se à publicação de artigos enviados espontaneamente pelos

interessados.

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Revista Brasileira de Bioética

esde la Lógica, toda conclusión vale lo que valen las premisas en las que

se sustentan su argumentación. Por más agudo y bien intencionado que

pueda ser lo que se argumenta, esto sigue siendo así. Las conclusiones

concernientes a la compatibilidad o incompatibilidad entre la bioética y la

política no constituyen excepción: valen lo que valen las premisas que la

sustentan. Expresaré entonces, desde ya, algunas de las premisas de las

cuales parto para entretejer las ideas defendidas en este artículo.

Desde la epistemología, en una época signada por la tendencia

contemporánea hacia una convergencia multi, inter y transdisciplinar, el

reconocimiento de la articulación entre conocimiento y valor y la reivindicación

de la importancia de la vida cotidiana, toda conclusión que reafirme la

permanencia de la bioética y de la política en compartimientos separados

merece, cuando menos, una sospechosa mirada y/o un suspicaz exámen

epistemológicos.

Desde la teoría social, las fuertes evidencias de una indefectible

articulación circular entre nuestras prácticas cotidianas de poder, de saber,

de deseo y de discurso, presentes aún en las más diarias de las interacciones

sociales, tornan sociológicamente problemática en sí misma - como genuino

contradictio in adjectum - la aspiración a la inarticulidad, y más aún si se

pretende que ella sea, por principio, entre bioética y política (GARRAFA &

PORTO, 2003; KOTTOW, 2004; KOTTOW, 2005; y SOTOLONGO, 2005).

Desde las propias ética y política, su historia permite constatar como

sus relatos más fructíferos y enriquecedores para los seres humanos han

tenido lugar en las situaciones en que ambas se han articulado

coherentemente: cuando la política se ha eticizado y la ética se ha politizado.

Desde la bioética misma, pues al estar ésta al servicio del reconocimiento

y de la reivindicación de los valores concernientes a la vida y a la propiciación

de la sustentabilidad de la vida como tal, no puede ser ajena a ninguna

realidad social con relación a la cual ejercer su labor de crítica, reconstrucción

y propiciación del cambio social humanamente enriquecedor, incluyendo en

esto al ámbito de la(s) política(s) concerniente(s) a la(s) vida(s).

Desde la práxis social, la constatación que, desde la vida cotidiana, se

impone aún al más inadvertido, de las enormes desigualdades, inequidades

e injusticias sociales del mundo en que aún vivimos, y que son

particularmente contrastantes en nuestra región latinoamericana y caribeña,

hace con que cualquier conclusión que nos lleve a separar la bioética de la

política parezca, desde su dimensión y alcance prático-cotidianos, al menos

ingenua y riesgosa, cuando no francamente irresponsable.

D

135

Volume 1, no 2, 2005

Desde la Epistemología: la reflexividad de todo saber y laarticulación conocimiento-valor

Desde que la indefectible labor objetivizadora del sujeto de indagación

ha revelado el indisoluble nexo entre el indagador y lo indagado, la

contemporaneidad ha sido testigo del desarrollo de la nueva epistemología,

o epistemología de segundo orden, que ha evidenciado la reflexividad de

todo saber.

En la ciencia clásica, tal reflexividad objetivizadora quedaba enmascarada

tras la denominada problemática-del-error-de-la-medición que es, en

realidad, fruto del error del indagador. Ya en la ciencia no-clásica, e incluso

en la que se ocupa de la naturaleza, dicha reflexividad se hizo patente, con

toda la claridad, en la siempre presente relatividad espacio-temporal del

indagador con relación a lo indagado (Einstein) y en la incidencia del

indagador en el tipo de ente a indagar (onda o partícula) a través del diseño

experimental elegido (Bohr, Heisenberg, Dirak, Schroedigner). Aunque

muchos se han empeñado en no verla, tal reflexividad ha estado patente en

la ciencia que se ocupa de los problemas sociales y humanos, ya que es

imposible indagar lo social y lo humano situándose desde afuera de toda

sociedad y/o desde afuera de todo ser humano.

Asimismo, se ha ido evidenciando la futilidad, característica del intento

de presentarnos un conocimieno ascético, axiológicamente neutro, incluso

en las ciencias calificadas como más duras, alimentada siempre por el(los)

positivismo(s). Al constatar que todo saber queda tramado en los

posicionamientos a partir de los cuales se construye, la relación conocimiento

y valor se evidencía, ya sean estos posicionamientos engendrados por

parámetros cultural-civilizatorios, de género, de raza, de etnia y de clase,

para nombrar sólo los más notorios. El saber bioético, sus conocimientos y

sus valores no son una excepción a esta condición de articulación manifiesta.

Por otra parte, es cada vez más perceptible la tendencia, en múltiples

campos del saber contemporáneo, hacia la transgresión de la mentalidad y

de la práctica cognitiva disciplinares. La multidisciplina, la interdisciplina y,

más recientemente, la transdisciplina, han ido plasmando la actual tendencia

hacia un saber cuyo carácter es tanto más integrador como abarcante y holista.

Entre éstas, es la transdiciplina - donde por cierto se ubica la bioética - que,

junto al permanente diálogo entre saberes que preconiza, trasciende más

consecuente y radicalmente con tal mentalidad y práctica disciplinares

(GARRAFA, 2005). Este diálogo entre saberes incluye la reivindicación de la

136

Revista Brasileira de Bioética

importancia del saber del no-experto frente al del experto, del saber del

hombre y de la mujer de la calle, y de la propia vida cotidiana, reforzando

así el reconocimiento de la articulación entre conocimiento y valor.

Desde la Teoría Social: poder, saber y vida cotidiana

La teoría social contemporánea ha puesto en claro que es desde la

vida cotidiana - desde el interaccionar diario de hombres y mujeres - que

emergen las estructuras objetivas de las relaciones sociales, y que se

constituyen las subjetividades individuales y colectivas. Ambos procesos

dimanan simultáneamente de la siempre presente circularidad de nuestras

practicas locales de poder, de deseo, de saber y de discurso. Éstas, vinculadas

entre sí, transcurrren en el marco de las situaciones de interacción social

cotidianas de co-presencia, asociadas a uno u otro de nuestros patrones de

interacción social, también cotidianos (SOTOLONGO, 2002). Tales prácticas

locales de poder, de deseo, de saber y de discurso emergen de ciertas

asimetrías sociales generadoras de la complejidad social, articuladas

circularmente todas con todas, a saber:

- las asimetrías de circunstancias sociales en favor de algunos de los

involucrados (con nombre y apellidos) y en desfavor de otros (también con

nombres y apellidos): ciertas cuotas locales de poder y de contrapoder;

- las asimetrías sociales de satisfacciones (placer) e insatisfacciones

(dis-placer) de los involucrados: ciertos circuitos locales deseantes;

- las asimetrías en las factibilidades y no factibilidades epistémicas a

la disposición de los involucrados: ciertos posicionamientos en la positividad

epistémica de la época;

- asimetrías en las factibilidades y no factibilidades enunciativas a la

disposición de los involucrados: ciertos posicionamientos en una positividad

discursiva epocal.

Resumiendo, tenemos que el ejercicio de cuotas locales de poder y de

contrapoder induce los circuitos de deseo (de satisfacción e insatisfacción)

que, subyacentemente, lo alimentan. Además, este ejercicio requiere y propicia

la construcción de las cuotas de saber que lo legitiman, profiriéndose y

tramándose en enunciaciones locales de un discurso que tributa a él y lo

difunde intersubjetivamente. Así se constituye la articulación circular entre

el poder y los demás ámbitos de la práctica social que venimos caracterizando.

Tal circularidad se plasma, siempre, a partir del ejercicio articulado de prácticas

137

Volume 1, no 2, 2005

sociales (de dominio - poder, y de búsqueda de placer - deseo), de prácticas

epistémicas (saber) y de prácticas enunciativas (discurso) cotidianas. Todo

lo cual produce, y no puede no producir:

- efectos locales legitimadores de poder, provenientes del deseo, del

saber y del discurso que ponen localmente en juego (y que no pueden no

poner en juego), añandiéndose a los efectos inmediatos de sus cuotas locales

de poder, y reforzándolas;

- efectos locales deseantes de placer provenientes del poder, del saber

y del discurso que ponen en juego (y que no pueden no poner en juego),

añadiéndose a los efectos inmediatos de sus circuitos locales del deseo, y

reforzándolos;

- efectos locales de verdad - de saber - provenientes del poder, del

deseo y del discurso que ponen en juego (y que no pueden no poner en

juego), añadiéndose a los efectos inmediatos de sus posicionamientos locales

epistémicos, y reforzándolos;

- efectos locales de discurso provenientes del poder, del deseo y del

saber que ponen en juego (y que no pueden no poner en juego), añadiéndose

a los efectos inmediatos de sus posicionamientos locales discursivos (de

discurso).

El poder no es algo que se posee o se otorga. Al contrario. Inherente

a toda práctica social, el poder se ejerce. Si no se ejerce por uno, es ejercido

por otros. El poder no deja vacíos sociales en su trama. Al plasmarse en

estrategias y tácticas atraviesadas por uno u otro cálculo, visa a mantener

unas u otras circunstancias en favor de algunos, y en desfavor de otros1.

Las prácticas bioéticas no constituyen excepción alguna al respecto.

Implican siempre la puesta en juego - el ejercicio - de cuotas locales de

poder y de contrapoder bioético. Inducen indefectiblemente circuitos locales

de deseo bioético, de satisfacción o insatisfacción bioéticas. Éstos, alimentando

de forma subyacente a aquellas cuotas de poder bioético, requieren y propician

la construcción de un saber bioético que las legitime, profiriéndose y

tramándose en enunciaciones de un discurso bioético que les tributa e difunde

intersubjetivamente. Así se constituye la circularidad de articulación entre el

poder bioético y los demás ámbitos de las prácticas bioéticas locales que

venimos caracterizando.

1 Fue Foucault el pensador contemporáneo que, a juicio nuestro, ha puesto más de relieve

en la teoría social esta omnipresencia del poder en todos los poros del socium.

138

Revista Brasileira de Bioética

2 Caso paradigmático de ello lo tenemos en el desenlace indeseado de la perestroika

soviética, para quienes la llevaron a cabo con sinceros propósitos de re-estructurar aquél

socialismo, en el propósito de hacerlo avanzar ulteriormente en un sentido democrático y

socialmente enriquecedor para aquella sociedad.

Desde múltiples situaciones de interacción social con co-presencia

(escenarios sociales) se va tejiendo, “anónimamente”, toda una trama

socialmente articulada de ejercicio de poderes y contrapoderes locales. Esta

co-relación de fuerzas, de estrategias de poder y de resistencias locales,

ocurre en el seno mismo de lo social. Ahí se generan los patrones de

interacción familiares, educacionales, laborales, religiosos, recreativos, de

género, de raza, de etnia, de clase, de prácticas bioéticas etc., que componen

a cada caso. En la medida en que uno u otro de estos patrones de interacción

se propaga espacial y temporalmente en un socium dado, se extiende la

correspondiente trama local de poderes y contrapoderes, de co-relaciones

de fuerza y de estrategias sociales de resistencia.

Así, a partir de lo local se generan los efectos agregados de poder,

conformándose asimetrías sociales más amplias que, articuladas a las

asimetrías locales, producen escisiones en el entretejido social. Tales

asimetrías sociales agregadas pueden y, de hecho, es común que lo hagan,

llegar a constituirse en verdaderas líneas de falla o de fractura en el socium,

a lo largo de las cuales se alinean los diferentes polos – favorecidos y

desfavorecidos – involucrados en las asimetrías sociales de que se trate en

cada caso, según sea el patrón de interacción social concernido.

Se llegan a conformar, entonces, verdaderos efectos de hegemonía social.

Son las grandes asimetrías sociales, que reconocemos entonces como las

grandes dominaciones globales, ya sean familiares, religiosas, educacionales,

laborales, de género, de raza, de etnia, clasistas, de las prácticas bioéticas

etc. etc. etc. Son los ya más familiares macro-poderes, presencia inequívoca

en el socium, evidente en sus macro-correlaciones de fuerzas y macro

estrategias, que no son otra cosa que los efectos globales de aquellos poderes

locales, con sus co-relaciones locales de fuerzas y sus estrategias locales

mucho menos evidentes y, por lo mismo, menos reconocibles.

Tales macro-poderes y macro-resistencias surgen, a menudo, incluso

sin que los poderes y resistencias locales hayan sido considerados seriamente

o mismo percibidos socialmente. Es cuando nos preguntamos, de súbito,

¿pero, y cómo nos pudo pasar eso? Con frecuencia la respuesta a esta

interrogante llega ya demasiado tarde2. Es curioso, pero innegable que, una

139

Volume 1, no 2, 2005

vez plasmadas, tales hegemonías sociales, por su propia masividad y

evidencia, invisibilizan a los poderes y resistencias locales que las hicieron

posibles y de los cuales surgieron.

Al hablar, en las páginas anteriores, de la tejitura “anónima” del poder,

nos hemos referido al sentido que le otorga el carácter extremadamente local

de las miríadas de situaciones interactivas de co-presencia que suceden en

un socium cualquiera. Como se trata de situaciones que co-existen, se vuelve

imposible distinguirlas a todas desde su comienzo mismo, en sus

manifestaciones primeras o en sus efectos primarios de poder. Pero no en el

sentido de admitir que cada una de ellas no involucre - siempre - a

determinadas personas: hombres y mujeres concretos y con su propia

identidad individual, nombre y apellidos.

La relevancia de esta circunstancia radica en que permite salirle al

paso a objeciones, quizá bien intencionadas, pero muy simplistas, de que en

semejante enfoque (y se menciona siempre a Foucault) del poder, éste como

que cuelga del aire, no siendo ejercido por nadie en concreto. La articulación

que hacemos del enfoque foucaultiano del poder con los patrones de

interacción social de la vida cotidiana inmuniza nuestra argumentación contra

semejantes críticas. Por otra parte, las ya aludidas asimetrías sociales,

inherentes a una u otra situaciones de interacción social de co-presencia,

son empíricamente descriptibles por la aplicación de metodologías cualitativas,

ya ampliamente disponibles, para la indagación en el estudio de los

escenarios sociales de que se trate en cada caso.

En semejante contexto, esclarecido por la teoría social contemporánea,

se vuelve particularmente problemática, sociologicamente hablando, cualquier

aspiración a una inarticulación entre bioética y poder, entre poder bioético y

poder político.

Ética y Política

Todo régimen social necesita de personas que, incluso en el nivel de

la subjetividad, actúen en correspondencia con determinado ethos y cierta

politeia: hombres y mujeres cuyo comportamiento sea pautado en consonancia

a un conjunto de valores y reglas de conducta socialmente aceptadas,

propiciadas por dicho régimen, y que tiendan a sostenerlo. La

institucionalización de un régimen social se verifica precisamente en la

construcción de los esquemas de permisividad y prohibiciones que plasman

y afianzan al ethos y a la politeia.

140

Revista Brasileira de Bioética

El ámbito institucional, una vez constituido, se erige como una especie

de inconsciente colectivo que atraviesa transversalmente a todas las esferas

de lo social - económico-productiva, sociológica, política y cultural -

signándolas con la particular dialéctica de mostrar/ocultar, decir/callar, propia

de las instituciones con relación a lo que, en virtud de ellas, queda

concomitantemente permitido o prohibido en el socium.

En el Occidente, el ámbito institucional de la política remonta, en sus

orígenes, a la Antiguedad ateniense (siglo V a.C.), en donde ya se planteaba

la cuestión de la politeia como el problema de la constitución que asegurara

la isonomía y la igualdad ante la ley. Eso, mutatis mutandi, llevó al

surgimiento de una nueva forma de gobierno, el democrático, que constituía

entonces creación eminentemente revolucionaria. Sin embargo, no debemos

olvidar ni dejar pasar inadvertido el hecho de que tal forma de gobierno

excluía de todo derecho político a las mujeres, a los extranjeros y a los esclavos

- la aplastante mayoría de la población de Atenas.

Semejante evidencia nos debe de servir como antídoto contra los intentos

- frecuentes y casi siempre provenientes del norte desarrollado - de

proponernos a los latinoamericanos y a los caribeños una democracia abstracta

(sin apellidos), como si en algún lugar o tiempo haya existido tal, y una

democracia concreta (con apellidos) que ha tenido efectivamente existencia,

comenzando por la democracia para los nobles atenienses.

El interés por tales cuestiones ha ido constituyendo el saber político:

el origen de la reflexión política que se desarrollaba en el seno de la filosofía

del tiempo de Péricles. En la filosofía ateniense, incluso en el pensamiento

socrático y aristotélico, no se admitía la posibilidad de la vida social si no

fuera ésta dirigida al conocimiento de lo justo, lo bueno y lo bello - la única

manera de llegar a la verdad.

Lo bueno, lo bello, lo justo y lo verdadero eran considerados, entonces,

las piezas de un sistema de valores que es, en su totalidad, irreductible a la

sumatoria de sus partes: ellos se reclamaban y se sostenían recíprocamente.

La razón teórica, propia de la reflexión cognitiva, era entonces inseparable

de la razón práctica, propia de la acción política y del obrar moral. Ética y

Política debían practicarse, por lo tanto, en el movimiento de una reciprocidad

irreductible. La política - para las personas admitidas en su ámbito de ejercicio,

para los no-excluidos - no podía ser pensada como una esfera de conocimientos

y acciones desvinculada de los valores éticos.

Esta articulación entre ética y política puede aún trazarse a lo largo

del Medioevo, si bien que refractada, en el Occidente, por la subordinación

141

Volume 1, no 2, 2005

de la filosofía a la teología, de la razón a la fe; en fin, de los asuntos terrenales

y carnales a los celestiales y divinos.

Ya en la Modernidad - y en el pensamiento de Kant, uno de sus mayores

filósofos - la ética y la política institucionalizadas, correspondientes al ethos

y a la politeia de la burguesía en ascenso, mantuvieron similar relación de

imbricación mútua. Los seres humanos no sólo eran los sujetos del

conocimiento; eran también los sujetos de la moralidad. No sólo aspiraban a

la verdad sobre el reino natural, sino también al conocimiento del mundo

moral, que no es otro que el reino de los fines. Kant llamaba cultura a la

capacidad o disposición de los seres humanos de proponerse fines a su arbitrio.

Como se ve, la ética y la política siguieron marchando juntas. Tal

unidad, en las sociedades burguesas de la modernidad temprana, se había

extendido, aunque fuese indiferente al conocimiento de los fines y de los

valores morales. Ninguna de las dos - ni la ética, ni la política - se ubicaban

hacia afuera de la esfera de la racionalidad.

Aunque no siempre ni en todo lugar haya sido admitida por todos, la

unidad entre la ética y la política es una conquista cardinal que debe ser

salvaguardada; bien como propiciada, en su extensión, a todo ámbito posible.

Y eso no apenas formalmente, como lo hace la burguesía con su proverbial

hipocresía y el doble discurso de la clase explotadora, sino que respondiendo

a un contenido real y concreto. No todas las épocas han podido, sin embargo,

lograrlo.

A partir de Kant, se produce una escisión entre la razón teórica y la

razón práctica. Como tal, la escisión es profundizada ulteriormente cuando

del surgimento, en el siglo XIX, de una racionalidad instrumental. Ésta,

incorporada por la política en nuestra contemporaneidad posmoderna, ha

producido una ruptura dentro del ámbito propio de la razón práctica,

rompiéndose así la unidad entre lo ético y lo político.

Con la revolución industrial, y la subsiguiente revolución técnico-

científica, cúspides del acelerado avance en las ciencias naturales a lo largo

de los siglos XVIII, XIX y XX, se ha ido produciendo una alianza cada vez

más estrecha entre la ciencia, sus resultados técnicos y su implementación

tecnológica en la industria. Así surgió el modo tecnológico de producción

fabril-mecanizado de los bienes materiales, marcando la madurez del sistema

capitalista y el inicio del proceso de transformación de la ciencia en fuerza

productiva directa, que ha llegado, hoy, a fases ulteriores y más significativas.

En la segunda mitad del recién finalizado siglo XX, y aún más

aceleradamente en el siglo recién iniciado, cabalgamos en un proceso de

142

Revista Brasileira de Bioética

globalización inevitable, pero que es, en su acepción estrictamente neoliberal,

aún evitable. Frente a tal constelación de circunstancias, el “yo pienso” deja

de ser una proclama crítica para convertirse en una razón humanamente

empobrecida, aunque poderosa. Una razón que se limita a ofrecer el

conocimiento de los medios científicos más apropiados para alcanzar, de

forma eficaz, a determinados fines, propios de las empresas, de los Estados

y de los que financían a aquellas y a éstos. Dirigidos básicamente a formular

prescripciones técnicas con relación a prognósticos, tales fines fundamentan

a la razón instrumental.

Tal escisión entre la ética y la política se debe al abandono de la

racionalidad crítica. El mejor antídoto para evitar tal escisión es, entonces, la

recuperación de la razón crítica por parte del pensamiento contemporáneo,

incluyendo al pensamiento bioético. Junto a la bioética (especialmente la

que se orienta hacia una bioética global o profunda, de índole potteriana),

otras direcciones de pensamiento y práxis, como el ambientalismo holista y

la teoría o enfoque de la complejidad, intentan articular un saber

transdiciplinario, holista y no lineal. Éste, a través de sus más lúcidos

representantes, puede coadyuvar a la recuperación de una racionalidad crítica

y a la subsiguiente conformación de un nuevo ideal - no clásico - de

racionalidad (SOTOLONGO, Op.cit.).

Bioética y Política: a modo de conclusiones

La bioética es una criatura dimanada de las contradictorias realidades

del recién terminado siglo XX. Aún no resueltas, tales contradicciones

persisten en el presente siglo, vinculadas a la reflexión y las prácticas vigentes

acerca de la inserción de la subjetividad, de los valores y de los intereses

sociales tanto en las tomas de decisión atañentes a la vida como en las

estrategias para su apropiación.

La complejidad de las problemáticas bioéticas se desplaza del terreno

ascético de la vieja epistemología de primer orden, en la que se concebía a

lo bioético como totalidad conformada por un espacio teórico constituido por

diferentes paradigmas al interior de este saber bioético. Ha adentrado el campo

de la nueva epistemología, de segundo orden. La reflexividad del bioeticista

para con lo bioético y las articulaciones de poder/saber bioéticos constituyen

estrategias diferenciadas de apropiación cognitiva crítica de las realidades

bioéticas, indisolublemente imbricadas a las estrategias empoderantes (o

143

Volume 1, no 2, 2005

desempoderantes), deseantes (de satisfacción o de privación) y discursivas

(legitimadoras o deslegitimadoras). Éstas articulan las teorizaciones y los

imaginarios sobre lo bioético con las prácticas y con los discursos de apropiación,

producción y transformación bioéticos, orientados o bien por los principios

de la sustentabilidad de la vida o bien por su depredación.

Lo bioético no constituye una mera articulación entre ciencias en una

totalidad objetiva de conocimientos. Se trata de una articulación de

conocimientos, valores y estrategias en un campo antagónico (contradictorio)

de intereses sociales en conflicto, de identidades sociales diferenciadas, de

relaciones sociales de alteridad. Lo bioético constituye, así, un campo social

conflictual atañente al desarrollo sustentable de la vida en todas sus

manifestaciones, vegetal, animal y humana. Este campo tiene un fuerte e

indefectible asidero en las contradictorias - por injustas - realidades del mundo

en el que nos ha tocado vivir. Son estas realidades contradictorias las que

otorgan a la práctica bioética su sentido más legítimo.

Los sentidos a plasmar de lo bioético son eminentemente contextuales.

Dependen de contextos materiales, culturales, económicos, sociales y políticos

específicos, bien como de las historias de vida de quienes los construyeron.

Así, se pueden distinguir, grosso modo, dos sentidos diferenciales y

diferenciables de lo bioético: una bioética del consenso social, concomitante

con una política bioética dirigida a conciliar intereses dentro del status quo

social, obviando contradicciones sociales insalvables; y una bioética de las

contradicciones sociales, concomitante con una política bioética orientada a

revelar las contradicciones de intereses y a subvertirlas en aras de promover

la justicia y la equidad sociales.

Una bioética no articulada con la política - apolítica - resulta no ser

otra cosa más que un determinado posicionamiento político dentro del

movimiento del bioeticismo latinoamericano y caribeño. Si tal posicionamiento

se constituye ya como ingenuo o como avisado, es una cuestión a resolver

caso por caso. La defensa de una bioética apolítica es, así, un posicionamiento

político que tributa objetivamente a favor de una conciliación de intereses

dentro del status quo social vigente. Cuando se trata de intereses conciliables,

acierta. Cuando se topa, más temprano que tarde, con intereses sociales

inconciliables - como en el caso de la explotación, la marginación, la exclusión

social imperantes a lo largo y ancho de nuestra región latinoamericana y

caribeña – yerra, y no puede no errar.

Por otra parte, una bioética de las contradicciones sociales

latinoamericanas y caribeñas, articulada con la política, constituye el

144

Revista Brasileira de Bioética

posicionamiento político dirigido a revelar las contradicciones de fines,

intereses, necesidades e interpretaciones bioéticamente relevantes en nuestro

ámbito regional.

Los intentos de construcción de una bioética demarcada de la política

nos recuerdan a aquella pretensión de afirmarse como “ser apolítico” que,

estoy seguro, más de una vez hemos todos escuchado. Como si “ser apolítico”

no constituyera, desde un principio, un posicionamiento tan politizado como

otro cualquiera.

Referências Bibliográficas

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la bioética. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas - UNAM / UNESCO: 67-86, 2005.

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KOTTOW, M. Por una ética de protección. Revista de la Sociedad Internacional de

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SOTOLONGO, P. Complejidad social y vida cotidiana. Revista Emergence (número

doble especial dedicado ao 1er. Seminario Bienal Internacional Complejidad, La

Habana, enero del 2002). E. U. A., septiembre, 2002.

______________. Bioética y complejidad. El tema de la complejidad en el contexto dela bioética (La bioética, su estatuto epistemológico y el nuevo ideal de racionalidad).In: Garrafa, V.; Kottow, M. & Saada, A. (orgs.) Estatuto epistemológico de la bioética.

México: Instituto de Investigaciones Jurídicas - UNAM / UNESCO: 95-124, 2005.

Recebido em 16/6/2005Aprovado em 28/7/2005

145

Volume 1, no 2, 2005

BIOÉTICA DAS INSTITUIÇÕES PIONEIRAS - PERSPECTIVASNASCENTES AOS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE

Bioethics of the pioneer institutions - rising perspectivesconnected to the challenges of contemporary

Leo Pessini

Centro Universitário São Camilo, São Paulo, Brasil.

[email protected]

Resumo: Este artigo divide-se em duas seções que serão apresentadassequencialmente aqui e no próximo volume da RBB. Nesta primeira seção analisa-se o pioneirismo de Van Rensselaer Potter, conhecendo a pessoa, seu legadointelectual, sua concepção de ciência e religião juntas com o objetivo de garantir ofuturo da vida no planeta terra, o seu credo bioético e uma apreciação crítica de suaobra a partir de dois de seus discípulos, Gerald M. Lower e Peter J. Whitehouse.

Palavras-chave: Bioética. Ciência. Religião. Ecologia.

Abstract: This article is divided in two sessions that will be presented here and in thenext volume of RBB. In the first one, the pioneeiring work of Van Renselaer Potter isanalised, considering to some important aspects of his personal history andoutstanding academic work. One special issue is the discusson on the relation betweenscience and religion in the quest for global survival of humankind and bioesfere.Potter´s bioethical creed for individuals is presented as well as an critical apraisalfrom two of Potter´s followers, Gerald M. Lower e Peter W. Whitehouse.

Key words: Bioethics. Science. Religion. Ecology.

146

Revista Brasileira de Bioética

bioética consolidou-se com uma espetacular história de sucesso,especialmente quando se considera seu pouco tempo de existência. Há apenas35 anos do surgimento do neologismo bioethics, pela intuição de VanRenselaer Potter e pouco mais de duas décadas da fundação dos primeirosinstitutos de bioética estadunidense - o Kennedy Institute em Washington eo Hastings Center em Nova York - é utilizada em todo mundo, conquistandoadeptos e o respeito de eminentes estudiosos.

Após o estabelecimento de inúmeros institutos e programas emuniversidades em todo o mundo, estamos entrando em nova fase, com aimplantação dos primeiros mestrados e doutorados na área. Fazer umaprospecção do futuro relacionando-a às origens da bioética é o desafioenfrentado neste texto. Dividido em duas partes, iniciamos com o resgate dafigura pioneira de Potter, apresentando a pessoa, seu legado intelectual, ocredo bioético potteriano, além da apreciação crítica de dois de seus discípulos,Gerald Lower e Peter J. Whitehouse. Na segunda parte do texto, que seráapresentada no próximo volume, discorreremos sobre a Enciclopédia deBioética (Encyclopedia of Bioethics), obra fundamental e referencial da bioéticanascente e contemporânea, comentando sua concepção, sua evolução ao longodo tempo nas três edições de 1978, 1995 e 2004. Traçaremos uma caminhadacom o idealizador e editor-chefe das duas primeiras edições, Warren ThomasReich, da Universidadee de Georgetown, conferindo atenção especial à últimaedição da Enciclopédia, levantando com seu editor-chefe, Stephen Post,algumas das questões candentes da bioética atual.

O Pioneirismo de Potter

Conhecendo a pessoa

Nascido no Estado da Dakota do Sul em 27 de agosto de 1911, Potterfaleceu em 6 de setembro de 2001, em Madison, pequena cidade do Estadode Wisconsin, no meio-oeste dos Estados Unidos, ao completar 90 anos,deixando esposa, três filhos, seis netos e duas irmãs.

De seu avô, que morreu de câncer um ano antes de seu nascimento, aos51 anos, herdou o nome, vindo a se chamar Van Rensselaer Potter II. Desdea morte de sua mãe em um acidente de carro quando tinha sete anos deidade, Potter passou a ser muito ligado ao pai.

Por ocasião de seu falecimento recebemos um comunicado de suaneta Lisa Potter, que trabalhou muito perto do avô, entre 1994-1997,

A

147

Volume 1, no 2, 2005

auxiliando-o nas publicações de bioética e em conferências. Nessecomunicado ela relata:

“Lamentamos informar que Van faleceu ontem (6/09) às 5h20 da tarde.Ele estava confortável e a família mantinha-se presente ao lado do leito. Eusegurava sua mão quando exalou o último suspiro. Sei que ele sentiu oapoio e amor da família. Ele morreu logo após seu 90º aniversário e teve achance de ver muitos membros da família. Sentiremos muito sua falta”.

Como é amplamente conhecido, foi Potter quem cunhou o neologismobioethics em 1970. Entretanto, chamá-lo de “pai da bioética”, como muitosfazem, seria um exagero, segundo alguns críticos, estudiosos da história dabioética. Não obstante, dizer que ele é somente autor do neologismo quebatizou esse campo de estudo não seria uma afirmação justa, especialmentequando se considera sua envergadura moral, sua dedicação como pesquisadore pioneiro da bioética.

Poucos dias antes de seu falecimento Potter deixou uma mensagem final,endereçada aos amigos da sua “rede de bioética global”. Nesta mensagemdemonstra ressentimento pelo não reconhecimento de seu trabalho em bioéticaem seu próprio país:

“Por um longo período de tempo, 1980-1990, ninguém reconheceu meunome e quis ser parte de uma missão. Nos EUA houve uma explosãoimediata do uso da palavra bioethics pelos médicos, que falharam aonão mencionar meu nome ou o título das minhas quatro publicações de1970-1971. Infelizmente, a sua imagem da bioética atrasou o surgimentodo que existe hoje”. (HARVARDSQUARELIBRAY, 2004).

A biografia de Potter é particularmente relevante para a história de umaidéia - o conceito de autonomia - que desempenha até hoje papelpredominante na ética biomédica norte-americana. De acordo com essa visão,que pautou seu comportamento pessoal e profissional, antes de enfocar direitosindividuais deve-se enfatizar responsabilidades pessoais. Seguindo fielmenteessa assertiva, Potter não só elaborou, mas viveu seu credo de ativista,formulado a partir da responsabilidade social e ambiental. Como bioeticistavirtuoso que foi, não apenas viveu sua visão de bioética, como tambémconclamou outros a fazê-lo, alertando que, para merecer ser chamado debioeticista se deve seguir tal credo, que apresentaremos na íntegra neste

148

Revista Brasileira de Bioética

texto. A forte ênfase na ética das virtudes destaca-se na bioética potteriana,que adquire um tom quase de pregação.

Potter era considerado um distinto membro da Sociedade Unitariana deMadison (Unitarian Society of Madison), organização de inspiração cristãque segue o espírito de Jesus de Nazaré e defende a perspectiva de umareligião liberal. Trata-se de uma associação aberta, em que o ateu honestopode se declarar como tal, sem nenhum medo, bem como o crente piedosofalar de sua ligação pessoal com o universo e com Deus sem embaraço. Osunitarianos constituem-se uma confraria de livre pensamento em que sãoaceitos como membros “... pessoas de todas as opiniões teológicas, quedesejam se unir a nós na promoção da verdade, justiça, reverencia e caridadeentre os homens” (HARVARDSQUARELIBRAY, Op. Cit.). Entre os objetivosdessa organização, destaca-se o primeiro, que diz respeito à integridade devida, que significa a totalidade (wholeness). Para as pessoas de genuínaintegridade, todos os objetivos e questões de vida estão interrelacionados.

Na página virtual desse grupo lê-se textualmente: “... a única exigênciaque fazemos e que esperamos é que sejamos honestos conosco mesmos ecom os outros” (HARVARDSQUARELIBRAY, Op. cit.). Embora não hajanenhuma menção à ligação entre a visão de Potter e a organização dosunitarianos, é perceptível a profunda associação entre o credo bioéticopotteriano e a filosofia dessa organização.

Potter doutorou-se em bioquímica e trabalhou mais de 50 anos naUniversidade de Wisconsin, nos Laboratórios MacArdle para a pesquisa decâncer, aposentando-se em 1982. Sua contribuição original sobre acompreensão do metabolismo das células cancerígenas foi reconhecida,contribuindo para sua eleição para a Academia Nacional de Ciências. Foipresidente da Sociedade Americana de Pesquisa sobre o Câncer em 1974,além de ter atuado em inúmeras outras organizações científicas de grandeprestígio nos EUA.

Após sua aposentadoria, Potter praticamente passou a residir em suacasa de campo, localizada em meio a um bosque, nas cercanias de Madison.Ali recebia amigos e estudantes na varanda de madeira rústica, sentindo-seem comunhão com a natureza. Nos últimos anos de vida, dedicou-se aocuidado de sua esposa, Vivian, tragicamente deficiente em decorrência deartrite. Por opção, deixa de viajar e dar conferências pelo mundo afora, ficandojunto a sua companheira.

A última viagem que realizou ao exterior foi em 1990 para a Itália, aconvite de Bruneto Chiarelli, professor de antropologia da Universidade de

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Florença, quando falou sobre Bioética Global. Estava com 79 anos, e quasenão mais viajava, embora recebesse inúmeros convites para participar deeventos de bioética, para os quais enviava vídeos de suas três palestras:palestra sobre Bioética Global, em 1998, por ocasião do IV Congresso Mundialde Bioética, em Tóquio a convite de Hyakuday Sakamoto; palestra para oCongresso Mexicano de Bioética, em 1999, a convite do falecido ManuelVelasco Suarez; e palestra para o Congresso Internacional de Bioética, em2000, organizado pela Sociedade Internacional de Bioética (SIBI) na Espanha,a convite de Marcelo Palácios.

Uma resolução elaborada pelo corpo docente da Universidade deWisconsin em memória de Potter destaca a importância de sua vidaprofissional como pesquisador e professor de oncologia no LaborátórioMcArdle de Pesquisa de Câncer, durante mais de 50 anos, e enfatiza aimportância da fase final de sua vida, justamente os últimos 30 anosdedicados à bioética:

“...sua maior contribuição para a comunidade científica são os mais de90 doutorados que orientou e estudantes de graduação que inspirando-se nele, muitos tornaram-se proeminentes em vários campos da ciência,sendo que um deles foi agraciado com o Prêmio Nobel. (....) Para Vana ciência, não era um ́ trabalho´ mas, uma experiência ética, apaixonadae criativa. Além do mais, ele não separava o cientista do processo científicoou o cientista do contexto social do empreendimento científico. Estafilosofia, motivado pelo seu conceito de ‘humildade com responsabilidade’,o conduziu à fase final de sua produtiva carreira” (MCARDLE, 2002).

Potter é lembrado por seus colegas de docência na universidade como“um ser humano iluminado, preocupado com o cuidado humano de tudo,para que todos pudessem viver, não numa utopia, mas em um mundoesteticamente belo e sustentável, uma vida satisfatória e feliz” (MCARDLE,Op. cit).

O legado intelectual

Potter, que chamou a bioética de “ciência da sobrevivência humana”,traçou uma agenda de trabalho para a mesma que vai desde a intuição dacriação do neologismo em 1970, até a possibilidade de encarar a bioéticacomo uma disciplina sistêmica ou profunda em 1988. É interessante recordar

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alguns momentos mais importantes deste itinerário, iniciando pela históriado surgimento do neologismo bioética (POTTER, 1971).

Nos anos 1970-71, Potter cunha o neologismo bioethics, utilizando-o emdois trabalhos: no artigo Bioethics, science of survival, e no livro Bioethics:bridge to the future. Esta publicação é dedicada a Aldo Leopold, renomadoprofessor na Universidade de Wisconsin, que pioneiramente começou a discutiruma “ética da terra”. O termo apareceu na mídia em abril de 1971 quando aRevista Time publicou um longo artigo entitulado “Man into superman: thepromisse and peril of the new genetics”, citando o livro de Potter.

No termo bioética (do grego bios = vida e ethos = ética) o primeirorefere-se ao conhecimento biológico, a ciência dos sistemas vivos, e o segundorelaciona-se ao conhecimento dos valores humanos. Potter almejava criaruma nova disciplina que propiciasse uma verdadeira e dinâmica interaçãoentre o ser humano e o meio ambiente, perseguindo a intuição de Leopold eantecipando-se ao que hoje se tornou uma preocupação mundial, que é aecologia. Na contracapa de Bioethics: bridge to the future, ele destaca:

“Ar e água poluída, explosão populacional, ecologia, conservação - muitasvozes falam, muitas definições são dadas. Quem está certo? As idéias seentrecruzam e existem argumentos conflitivos que confundem as questõese atrasam a ação. Qual é a resposta? O homem realmente está colocandoem risco o seu meio ambiente? Não seria necessário aprimorar as condiçõesque ele criou? A ameaça de sobrevivência é real ou se trata de purapropaganda de alguns teóricos histéricos?” (POTTER, Op. cit.).

“...Esta nova ciência, bioethics, combina o trabalho dos humanistas ecientistas, cujos objetivos são sabedoria e conhecimento. A sabedoria édefinida como o conhecimento de como usar o conhecimento para o bemsocial. A busca de sabedoria tem uma nova orientação porque asobrevivência do homem está em jogo. Os valores éticos devem sertestados em termos de futuro e não podem ser divorciados dos fatosbiológicos. Ações que diminuem as chances de sobrevivência humanasão imorais e devem ser julgadas em termos do conhecimento disponívele no monitoramento de ‘parâmetros de sobrevivência’ que são escolhidospelos cientistas e humanistas” (POTTER, Op. cit.).

Potter pensa a bioética como uma ponte entre a ciência biológica e aética. Sua intuição consistiu em pensar que a sobrevivência de grande parte

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da espécie humana, numa civilização decente e sustentável, dependia dodesenvolvimento e manutenção de um sistema ético. A respeito, afirma naintrodução daquele livro:

“Se existem duas culturas que parecem incapazes de dialogar - as ciênciase humanidades - e se isto se apresenta como uma razão pela qual ofuturo se apresenta duvidoso, então, possivelmente, poderíamos construiruma ponte para o futuro, construindo a bioética como uma ponte entre asduas culturas” (POTTER, Op. cit.).

Anos depois, em 1998, ratificando suas convicções, Potter relata:

“O que me interessava naquele momento, quando tinha 51 anos, era oquestionamento do progresso e para onde estavam levando a culturaocidental todos os avanços materialistas próprios da ciência e datecnologia. Expressei minhas idéias do que, segundo meu ponto de vista,se transformou na missão da bioética: uma tentativa de responder àpergunta frente à humanidade: que tipo de futuro teremos? E temosalguma opção? Por conseguinte a bioética transformou-se numa visãoque exigia uma disciplina que guiasse a humanidade como uma ‘pontepara o futuro’” (POTTER, 1998).

É importante registrar que existe outro pesquisador que reivindica apaternidade do termo bioética. É o obstetra holandês, André Hellegers, daUniversidade de Georgetown, que seis meses após a aparição do livro dePotter utiliza esta expressão no nome do novo centro de estudos: Joseph andRose Kennedy Institute for the Study of Human Reproduction and Bioethics.Hoje esse centro é conhecido simplesmente como Instituto Kennedy deBioética. No Instituto Kennedy, Hellegers conduziu um grupo de discussãode médicos e teólogos (protestantes e católicos) que viam com preocupaçãocrítica o progresso médico e tecnológico, os quais apresentavam enormes eintrincados desafios aos sistemas éticos do mundo ocidental. Para WarrenThomas Reich, historiador da bioética e organizador das duas primeirasedições da Enciclopédia, o legado de Hellegers está no fato deste entendersua missão em relação à bioética como “uma pessoa ponte entre a medicina,a filosofia e a ética”. Este legado é o que acabou conquistando maiornotoriedade, tornando-se hegemônico, fazendo da bioética um “estudorevitalizador da ética médica” (REICH, 1995).

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Potter não deixou de expressar sua decepção em relação ao curso que abioética seguiu. Reconheceu a importância da perspectiva de Georgetown,porém afirmou que “minha própria visão da bioética exige uma visão muitomais ampla”. Pretendia que a bioética fosse uma combinação de conhecimentocientífico e filosófico e não, simplesmente, um ramo da ética aplicada, comofoi entendida em relação à medicina. Seja como for, fica claro que desde omomento de seu nascimento, a bioética tem dupla paternidade e duploenfoque, apontando perspectivas distintas: os problemas da macrobioética,com inspiração na perspectiva de Potter; e, os conflitos da microbioética, oubioética clínica, com clara inspiração no legado de Hellegers.

Em 1988 Potter amplia sua visão da bioética em relação a outrasdisciplinas, não somente como ponte entre a biologia e a ética, mas alçando-a à dimensão de uma Ética Global:

“A teoria original da bioética era a intuição da sobrevivência da espéciehumana, numa forma decente e sustentável de civilização, exigindo odesenvolvimento e manutenção de um sistema de ética. Tal sistema (aimplementação da bioética ponte) é a Bioética Global, fundamentada emintuições e reflexões fundamentadas no conhecimento empíricoproveniente de todas as ciências, porém, em especial do conhecimentobiológico... Na atualidade este sistema ético proposto segue sendo onúcleo da bioética ponte com sua extensão para a Bioética Global, o queexigiu o encontro da ética médica com a ética do meio ambiente numaescala mundial para preservar a sobrevivência humana” (POTTER,1988).

Em suas palavras finais no vídeo apresentado em Tóquio no IV CongressoMundial de Bioética, traça a agenda dos desafios futuros da bioética:

“À medida que chego ao ocaso de minha experiência sinto que a bioéticaponte, a bioética profunda e a Bioética Global, alcançaram o umbral deum novo dia que foi muito além daquilo que eu imaginei. Sem dúvida,necessitamos recordar a mensagem do ano de 1975 que enfatiza ahumildade com responsabilidade com uma bioética básica, quelogicamente segue da aceitação de que os fatos probabilísticos, ou emparte a sorte, têm conseqüências nos seres humanos e nos sistemasviventes. A humildade é a conseqüência característica que assume o‘posso estar equivocado’, e exige a responsabilidade de aprender daexperiência e do conhecimento disponível. Concluindo, o que lhes peço é

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que pensem a bioética como uma nova ética científica que combina ahumildade, responsabilidade e competência, numa perspectivainterdisciplinar e intercultural e que potencializa o sentido de humanidade”(CONGRESSO MUNDIAL DE BIOÉTICA. 4, 1998).

Naquela mesma palestra fala também de Hans Küng, célebre teólogocatólico, mundialmente conhecido, da Universidade de Tubinguen, naAlemanha, lembrando que este já havia chamado atenção para uma éticaglobal, voltada à política e economia, em relação a qual todas as nações epovos das mais diferentes tradições culturais e crenças deveriam seresponsabilizar. Ressalta que o coração da ética global de Küng está nohumano, o que lhe parece louvável, e que, embora essa ética global não sejabioética, seus preceitos básicos parecem totalmente aceitáveis, podendo serseguidos por todos. Sublinha, porém, que esta perspectiva não é suficiente,pois é preciso explicitar o respeito pela natureza e pelas diferentes culturas,para além das culturas judaica e cristã.

Em 1998, Potter expõe a idéia da Bioética Profunda, retomando opensamento de Whitehouse, da Universidade de Cleveland. O trabalho deWhitehouse incorporou os avanços da biologia evolutiva, em especial opensamento sistêmico e complexo que comporta os sistemas biológicos. ABioética Profunda pretende entender o planeta como locus de grandessistemas biológicos entrelaçados e interdependentes, cujo centro já nãocorresponde ao homem, como em épocas anteriores, mas à própria vida,sendo o homem somente um pequeno elo nesta grande rede.

Ciência e religião juntas frente ao desafio ético de garantir o futuro

da vida

Em artigo publicado na revista The Scientist com o sugestivo título Aciência e a religião devem partilhar da mesma busca em relação àsobrevivência global Potter afirma que não podemos mais ficar confortáveiscom a idéia de que no futuro - se as coisas piorarem - a ciência terá asrespostas. Para ele o momento de agir e provar nossa competência ética, bemcomo técnica, é agora:

“Uma questão central para os nossos esforços deve ser a promoção dodiálogo entre a ciência e a religião em relação à sobrevivência humana e

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da biosfera. Durante séculos, a questão dos valores humanos foiconsiderada como estando para além do campo científico e propriedadeexclusiva dos teólogos e filósofos seculares. Hoje devemos sublinhar queos cientistas, não somente têm valores transcendentes, mas também osvalores que estão embutidas no ethos científico, necessitam ser integradoscom aqueles da religião e filosofia para facilitar processos políticosbenéficos para a saúde global do meio ambiente” (POTTER, 1994).

Na busca de companheiros para a causa, registra que muitos livros eartigos abordam os problemas do meio ambiente e saúde humana, masrelativamente poucos enfocam a questão da sobrevivência da espécie humanano futuro. Entre estes destaca a obra de Hans Jonas, The imperative ofresponsibility: in search of an ethic for the technological age; a do sociólgoManfred Stanley, The technological conscience: survival and dignity in anage of expertise; e a Declaração para uma Ética Global do já citado Küng,mentor e redator documento final, apresentado no Parlamento Mundial dasReligiões, que se reuniu em Chicago em 1993 (KÜNG & SCHMIDT, 1998).

É sobre este último que Potter tece comentários, relativos à construção daponte entre ciência e religião. Criticando a perspectiva da Ética Global deKüng, afirma que no cerne da moral religiosa por este defendida não estáincorporada a preocupação com o rápido crescimento populacional. Destacaque dentre os seguidores das maiores religiões mundiais, em particular ocatolicismo e o islamismo, estão as populações que mais contribuem para aatual e assustadora taxa de crescimento populacional.

Segundo Potter, somente a ciência tem as técnicas para analisar mudançaspopulacionais e seu impacto. Ao formular sua Ética Global, Küng apontouuma questão chave para a sobrevivência humana, idéia que nenhum outroteólogo até então sequer tinha mencionado. Embora outros líderes religiosostenham proclamado que a vida é sagrada e defendido os direitos humanos,somente Küng colocou a sobrevivência humana na agenda da reflexão ética.Os cientistas, por sua vez, há muito tempo abraçaram o desafio do bem estarhumano e implicitamente a sobrevivência humana; portanto, estão credenciadospara colaborar na causa pela sobrevivência humana e da biosfera.

Potter vai além ao dizer que não somente os teólogos, mas também osfilósofos seculares falharam em pensar sobre a sobrevivência humana e dabiosfera como uma questão ética. Restritas a relações interpessoais ou sociaisentre os humanos, tais reflexões excluíram questões que para ele sãofundamentais, relacionadas ao crescimento populacional e aos problemas

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ecológicos. Como ponto importante da famosa Declaração sobre Ética GlobalPotter destaca: não pode haver sobrevivência sem uma ética mundial, e nãoexistirá paz mundial sem a paz entre as religiões e uma aliança entre crentese não-crentes (ateus, agnósticos e outros) respeitando-se mutuamente, podetambém ser necessária para a concretização de uma ética mundial comum atodos os humanos. A respeito enfatiza:

“Os cientistas devem aplaudir os esforços de Hans Küng ao apontarpara construção de uma aliança reconciliatória entre crentes e aquelesque não são fundamentalmente caracterizados como religiosos, incluindoentre estes, penso, a maioria dos cientistas. Precisamos unir as forçasfrente à responsabilidade global da sobrevivência humana e seu apelopelo ‘respeito mútuo’, é necessário para uma ética mundial comum”(POTTER, Op. cit.).

Em vários trabalhos Potter manifesta profunda preocupação com o rápidocrescimento da população mundial, lembrando que os demógrafos projetama duplicação da população em meados do século XXI. A abordagem destaquestão revela seu lado de militante obcecado com a questão populacional,que não deixa de ter um viés um tanto alarmista. Suas constantes assertivasno sentido de interromper o crescimento populacional, tornam-se ironicamentevisíveis na placa de seu velho carro, YES ZPG (Zero Population Growth),que significa “Sim, crescimento populacional zero” (WHITEHOUSE, 2001).Sabe-se hoje, que a questão demográfica tem uma série de novos fatores,cruciais e preocupantes, que Potter sequer mencionou.

No seu credo bioético Potter explicita que o compromisso em relação àsaúde pessoal e familiar se expressa no sentido de limitar os poderesreprodutivos de acordo com objetivos, nacionais e internacionais. Pensandoque o problema da superpopulação não pode ser resolvido enquanto asmaiores religiões se opuserem a qualquer tentativa de limitar a fertilidade,deixa claro que o diálogo entre ciência e religião não é fácil. Tal constataçãogera o questionamento sobre a possibilidade de construir um consenso sobreo assunto e a aceitação dessa diretriz política pelos governos: a busca poruma ética mundial, partilhada tanto pela religião como pela ciência nãopoderia ser expressa em princípios concretos para a ação? Para ele ainquietação angustiante desta busca permanece sem resposta, pois não hácerteza de que se possa encontrar solução satisfatória para tais questões, aomenos no presente momento histórico.

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Sintetizando as questões chave do diálogo entre ciência e religião, valedestacar o que Potter diz a propósito da Declaração das Religiões sobre umaÉtica Global:

“Estamos conscientes de que as religiões não podem resolver os problemaseconômicos, políticos e sociais da terra. Contudo, elas podem prover oque não podemos conseguir através dos planos econômicos, programaspolíticos e regulamentações legais. As religiões podem causar mudançasna orientação interior, na mentalidade, nos corações das pessoas elevá-las para uma ´conversão` de um ´falso caminho’ para uma novaorientação de vida. As religiões contudo, são capazes de dar às pessoasum horizonte de sentido para suas vidas e um lar espiritual.Certamente as religiões podem agir com credibilidade somente quandoeliminarem os conflitos que surgem entre elas mesmas edesmantelarem imagens hostis e preconceitos, medos e desconfiançamútuas” (POTTER, Op. cit.).

Esse trecho demonstra a profunda compreensão de Potter em relação àciência e à religião, apontando um caminho para aplacar a longa batalhahistórica que travam pela hegemonia sobre a verdade. Cada uma delas,quando em posição hegemônica, tenta negar a outra, restringindo apossibilidade dos seres humanos alcançarem verdadeira compreensão(PETERS & NENNETT, 2003). A visão de Potter, à qual fazemos coro, mostraque agora ambas precisam caminhar juntas, de mãos dadas, em função deum objetivo maior, uma causa que interessa a toda a humanidade: garantir ofuturo da vida, humana e cósmico-ecológica, no planeta terra.

Nesse sentido, um dos documentos mais reveladores da personalidade edas convicções de Potter, que fez da bioética sua causa de vida, se expressano chamado credo bioético.

O credo bioético de Potter

1. Creio na necessidade de uma ação terapêutica imediata para melhorareste mundo afligido por uma grave crise ambiental e religiosa.

Compromisso: Trabalharei com os outros para aperfeiçoar a formulaçãode minhas crenças, desenvolver credos adicionais e procurar um movimentomundial que torne possível a sobrevivência e o aprimoramento do

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desenvolvimento da espécie humana em harmonia com o meio ambientenatural e com toda a humanidade.

2. Creio que a sobrevivência futura bem como o desenvolvimento dahumanidade, tanto cultural quanto biológico, é fortemente condicionado pelasações do presente e planos que afetam o meio ambiente.

Compromisso: Tentarei adaptar um estilo de vida e influenciar o estilode vida dos outros, bem como ser promotor para um mundo melhor para asfuturas gerações da espécie humana, e tentarei evitar ações que coloquemem risco seu futuro, ao ignorar o papel do meio ambiente natural na produçãode alimentação e fibras.

3. Creio na unicidade de cada pessoa e na sua necessidade instintiva decontribuir para o aprimoramento de uma unidade maior da sociedade, deforma que seja compatível em longo prazo com as necessidades da sociedade.

Compromisso: Ouvirei os pontos de vistas dos outros, sejam estes deuma minoria ou de uma maioria, e reconhecerei o papel do compromissoemocional em produzir uma ação efetiva.

4. Creio na inevitabilidade do sofrimento humano que resulta da desordemnatural das criaturas biológicas e do mundo físico, mas não aceitopassivamente o sofrimento que é resultado do tratamento desumano depessoas ou grupos.

Compromisso: Enfrentarei meus próprios problemas com dignidade ecoragem. Assistirei aos outros na sua aflição e trabalharei com o objetivo deeliminar todo sofrimento desnecessário à humanidade.

5. Creio na finalidade da morte como uma parte necessária da vida.Afirmo minha veneração pela vida, creio na necessidade de fraternidadeagora, e que também que tenho uma obrigação para com as futuras geraçõesda espécie humana.

Compromisso: Viverei de uma forma tal que será benéfica para as vidasde meus companheiros humanos de hoje e do futuro, e que serei lembradocom carinho pelos meus entes queridos.

6. Creio que a sociedade entrará em colapso se o ecossistema fordanificado irreparavelmente, a não ser que se controle mundialmente afertilidade humana, devido ao aumento concomitante na competência deseus membros para compreender e manter a saúde humana.

Compromisso: Aperfeiçoarei as habilidades ou um talento profissionalque contribuirão para a sobrevivência e aprimoramento da sociedade emanutenção de um ecossistema saudável. Ajudarei os outros nodesenvolvimento de seus talentos potenciais, mas ao mesmo tempo cultivandoo autocuidado, auto-estima e valor pessoal.

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7. Creio que cada pessoa adulta tem uma responsabilidade pessoal emrelação à sua saúde, bem como, uma responsabilidade para o desenvolvimentodesta dimensão da personalidade em sua descendência.

Compromisso: Esforçar-me-ei por colocar em prática as obrigaçõesdescritas como compromisso bioético para a saúde pessoal e familiar. Limitareimeus poderes reprodutivos de acordo com objetivos, nacionais ou internacionais.

Apreciação Crítica da Obra de Potter

Gerald M. Lower Jr., um dos estudantes que completava seu doutoradonos Laboratórios McArdle quando Potter publicou seu livro pioneiro, observao seguinte: “Naquele momento, Potter não estava imune da crítica dospesquisadores locais por se aventurar numa área de filosofia e ética e nãoem seu laboratório” (LOWER, 2002). O que os críticos de seu trabalho viramcomo erro, justificando seu não envolvimento público, Lower viu como sendouma profunda e significativa contribuição.

Lower relata que o termo bioethics foi rapidamente assumido pelacomunidade médica, como um rótulo para seu esforço de estabelecer padrõeséticos para o exercício de uma medicina de alta tecnologia. Programas debioética emergiram em muitas partes dos EUA e o neologismo popularizou-se, sem que se mencionasse Potter ou sua publicação. Para tornar essa situaçãopior, o tipo de bioética promovida nos EUA, de cunho pragmático e nãoconceitual, realmente não tinha nenhuma relação com a vertente potteriana.

Também Peter J. Whitehouse reconhece a pouca relação entre as duasmaneiras de conceituar o termo bioethics. Para esse autor o conceito de bioéticade Potter não influenciou o desenvolvimento da ética biomédica porque, desdeo início, a identificação da palavra bioethics com o Instituto Kennedy inclinouseu uso à medicina clínica.

Segundo esse autor, nos anos 1970 as pessoas estavam preocupadas comas implicações da tecnologia médica, particularmente tecnologia reprodutiva.Este enfoque das implicações éticas relacionadas às descobertas médicas sobreos valores humanos continua dominante na ética biomédica. A trágica falta depreocupação do sistema de saúde relacionado com a saúde pública e meioambiente pode estar associada com as mesmas forças sociais que levaram Pottera não considerar na sua visão de bioética, questões de medicina de altatecnologia, medicina genética, orientada pelas forças do mercado.

Fazendo uma crítica dessa vertente da bioética elaborada em seu própriopaís, Whitehouse afirma:

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“À medida que a população mundial cresce, as espécies animaiscontinuam a ser eliminadas e preocupações com meio ambiente saudáveltoma cada vez mais vulto, o que provavelmente faz com que a perspectivapotteriana de bioética ganhe maior proeminência. Por outro lado,preocupações com a profissionalização da ética em torno de certosconceitos limitados de ética médica também continuarão. O enfoque sobrea autonomia individual, como um princípio ético dominante nos EUA,deve mudar para questões mais amplas, de responsabilidade comunitáriae de cuidado com o meio ambiente” (WHITEHOUSE, 2003).

Buscando resgatar a memória intelectual de Potter e reafirmar sualegitimidade como autor do termo bioethics, Whitehouse afirma logo no iníciode seu artigo: “Van Rensselaer Potter foi a primeira voz a emitir a palavrabioethics, mas ele é muito pouco apreciado pela comunidade bioética”(WHITEHOUSE, Op. cit.).

Segundo este autor a maior contribuição de Potter deu-se no sentidoconceitual e não factual, influenciando a maneira como vemos e pensamosas coisas e o mundo. Potter estava essencialmente preocupado com odesenvolvimento de uma ética que pudesse guiar o comportamento parapermitir a sobrevivência da humanidade e de outras espécies. A bioética dePotter era explicitamente orientada para o futuro, como sugere o título deseu primeiro livro, no qual considera o desenvolvimento do campo da bioéticacomo um aspecto essencial da sobrevivência humana. Para Whitehouse, osconceitos criados por Potter para explicar sua concepção de bioética sãoinfinitamente mais poderosos que os fatos, mesmo que não tenham granjeadoreconhecimento ou sido simplesmente ignorados pela comunidade biomédicanorte-americana, marcada pela ideologia de mercado e sem uma filosofiabiomédica coerente de base.

Para ilustrar a grande habilidade de Potter em construir palavras paracapturar conceitos complexos, Whitehouse relata que durante mais de cincoanos de trabalho conjunto pode observar várias ocasiões nas quais Potterconstruiu novos conceitos para descrever sua concepção de bioética. Os doischegaram a cunhar juntos o termo deep bioethics em uma dessas ocasiões,buscando expressar a mistura entre ecologia profunda e Bioética Global:

“Os ecologistas profundos nos pedem para refletir sobre nossas conexõesespirituais com o mundo natural, como o fez Leopold, por exemplo, emseu famoso ensaio sobre olhar nos olhos de um lobo agonizante. Portanto,

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existe algo explicitamente espiritual em relação à ética de Potter queexige algum tipo de conexão sagrada aos sistemas naturais, talvezrelacionado ao conceito de Wilson, de biofilia. Quando cunhamos o termo‘bioética profunda’, tivemos o sentimento de eureka, justamente comoPotter descreveu seu estado mental original, ao estar andando de bicicleta,quando teve o insight do termo bioethics” (WHITEHOUSE, Op. cit.).

Whitehouse diz ainda que durante seu trabalho com Potter este tambémtestou o termo priviledge ethics para enfocar os problemas que dividem ospovos do mundo entre os que têm acesso aos recursos e à riqueza e os que nãotêm essa possibilidade de acesso. Relata que Potter também considerou o conceitode bridge ethics para focar a necessidade de conectar diferentes formas deética médica, ambiental, social e religiosa. Já no final de sua vida trabalhava aperspectiva de desenvolver a noção de uma ética de sustentabilidade da vidahumana e qualidade do meio ambiente com um grupo de bioeticistasinternacionais, buscando organizar-se para criar um centro de bioética naUniversidade de Wisconsin.

Numa visão prospectiva, Whitehouse fala do renascimento da bioética,em termos de ir além das formulações originais de Potter:

“O campo da bioética encontra-se hoje num estágio crítico de evolução,após trinta anos de desenvolvimento de programas de bioética. Encontra-se numa fase de profissionalização, respondendo a demandas éticas docontexto clínico e consultoria bioética para a indústria biotecnológica, bemcomo no nível acadêmico organizacional surgem os primeiros departamentose programas de doutorado na área” (WHITEHOUSE, Op. cit.).

Contudo, na raiz de todos estes neologismos está a concepção originalda própria bioética. O trabalho precursor de Potter preparou o caminho paraque a bioética se estabelecesse a partir de uma perspectiva global. Nestesentido, Bridge to the future contém vários insights que são a base para aemergência de uma filosofia científica global que abraça não somente aevolução biológica, mas também acata a diversidade cultural. Assim, a BioéticaGlobal deve ser percebida como uma metáfora que comunica a preocupaçãopara com todo o planeta bem como a abrangência do sistema intelectual.

Embora Potter fosse reconhecido como alguém sempre rápido em apontarque uma ética viável deve estar fundamentada num conhecimento científicode base, o que implica que uma ética global deve ser baseada numa filosofia

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global, foi somente em 1988, quando publicou Global Bioethics: Building onthe Leopold Legacy, que seu trabalho ganhou rapidamente a admiração doseuropeus, sendo paulatinamente reconhecido também entre os estadunidenses.Este trabalho é inspirado e dedicado a Aldo Leopold, pesquisador da mesmauniversidade na qual trabalhava (que não chegou a conhecer), que construiuo conceito de land ethics, uma articulação pioneira no ocidente de uma éticado meio ambiente.

Além desses dois colaboradores, que trabalharam diretamente com Potter,consideramos necessário apresentar algumas observações de Warren Reich,sobre a importância de seu trabalho. Para Reich, Potter foi o primeiro a cunharo termo bioethics em 1970 (REICH, 1995). Embora possamos discutir a respeitode um nascimento em dois lugares, parece claro que Potter cunhou, usou epublicou os termos antes do seu uso pelo Instituto Kennedy de Bioética.Embora seja interessante, a acurada reconstrução histórica feita por esseautor não é tão importante quanto as diferenças fundamentais entre asconcepções de bioética de Potter e o que se tornou a forma dominante dopensamento corrente da ética biomédica.

A ética de Potter era inspirada por uma compreensão aguda da biologia,bem como por uma profunda preocupação pessoal em relação à sobrevivênciae sustentabilidade da vida no planeta. Embora Potter tivesse explorado asimplicações clínicas de seu trabalho na bioética, estava mais preocupadocom as relações básicas entre biologia e valores humanos, antes que comaquelas questões levantadas pelos avanços clínicos e científicos da medicina.O interesse de Potter em valores e biologia era prioritário devido seuconhecimento mais especifico da biologia do câncer e implicações docrescimento descontrolado das células e formas de vida em geral. Suacontribuição científica para compreender o metabolismo das célulascancerígenas foi fundamental no sentido de capacitá-lo a compreender ascomplexidades dos sistemas biológicos e sua influência na vida humana. Aesse respeito Whitehouse observa:

“É tempo para os bioeticistas levantarem questões mais profundas sobreos objetivos da pesquisa e dos sistemas de saúde. Se considerarmoscomo um dos objetivos subjacentes da medicina o de promover asobrevivência da humanidade e a vida no planeta, então o conceitopotteriano de bioética merece um renascimento. Isto exigirá sabedoria,não ainda tão evidente em nossos sistemas de saúde. Potter realmenteantecipou-se aos tempos ao definir a bioética como sendo uma ponte

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para o futuro, porque sem este pensamento bioético, do qual foi pioneiro,poderemos não ter um futuro” (WHITEHOUSE, Op. cit.).

Se a perspectiva potteriana desde o início era abrangente, tornou-se cadavez mais ampla quando Potter desenvolveu a noção de Bioética Global. ComoReich aponta, o conceito “global” tem vários significados. O primeiro é a idéiaque uma bioética precisa abranger as preocupações sobre os diversosecossistemas e culturas humanas. A bioética de Potter era tambémintelectualmente ampla e incorporou uma variedade de domínios de deliberaçãoética, para além daqueles associados com medicina clínica. Porém, talvez amais importante diferença entre a bioética de Potter e as outras formas de éticabiomédica, seja o seu credo pessoal, especialmente porque esse conjunto devalores é vivido concretamente. Para ser um verdadeiro bioeticista, na perspectivade Potter, é necessário adotar alguns comportamentos e decisões pessoais emrelação ao cuidado com o meio ambiente, incluindo o uso dos recursos, o controlepopulacional e o compromisso com a sustentabilidade do planeta.

Consoante à concepção de Potter, nos parece pertinente alertar para osefeitos devastadores de conflitos de interesse que podem vir a ocorrer se abioética envolver-se e comprometer-se com questões mercadológicas. Oressurgimento da ética das virtudes pode renovar o interesse na visão dePotter, fortalecendo a idéia de que para alguém ser chamado de bioeticista éimprescindível adotar valores pessoais e comportamento, consistentes com osistema intelectual de crença por ele desenvolvido.

Nas origens da bioética temos a intuição original Potter e a obra referencialdeste campo, que é a Enciclopédia de Bioética. Curiosamente, no cursohistórico das origens é a perspectiva de Bioética de Georgetown (bioéticamédica, clínica) que vai produzir a Enciclopédia de Bioética, a qualpraticamente ignorou Potter e sua perspectiva da Bioética Global. Porém, édo encontro destas duas vertentes que nasce a reflexão bioética dos últimosanos e a compreensão que temos hoje de bioética.

Assim, neste resgate histórico fica claro que a reflexão potteriana sobre abioética se antecipa a toda a problemática ecológica de hoje. Potter, lá nasorigens da bioética na década de 1970, se antecipa e aponta para um dosmaiores desafios que a humanidade tem neste início de milênio: garantir ofuturo da vida no planeta terra. Resgatarmos sua contribuição intelectualpara o campo da bioética é uma questão de justiça histórica.

163

Volume 1, no 2, 2005

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Recebido em 22/7/2005Aprovado em 10/8/2005

164

Revista Brasileira de Bioética

CLONACIÓN HUMANA REPRODUCTIVA, TERAPÉUTICA YSOCIAL

Reproductive, therapeutic and social human cloning

José Maria Cantú

Centro Universitario de Ciencias de la Salud de la Universidad Nacional Autónomade México, México - D. F., Mé[email protected]

Diana Resendez Pérez

Facultad de Ciencias Biológicas de la Universidad Autónoma de Nuevo León,Monterrey, Mé[email protected]

Ute Schmidt Osmanczik

Instituto de Investigaciones Filológicas de la Universidad Nacional Autónoma deMéxico, México D. F., Mé[email protected]

Resumen: El término clonación ha tenido diversos usos y significaciones. Despuésde describir los procesos de desarrollo y diferenciación celular y los primerosexperimentos, pasamos al problema de la clonación humana propiamente dicha.Ésta, puede realizarse teniendo en vista dos finalidades: la reproductiva y laterapéutica. Sobre éstas, discutimos tanto las circunstancias que las justifican comolas objeciones éticas, legales y sociales a estas prácticas. Discutimos también elimpacto de la clonación en la fabricación de productos biofarmacéuticos, suslimitaciones y ventajas. Al fin, trazamos consideraciones éticas y sociales relacionadasal tema, sus perspectivas y límites éticos, denunciando la clonación social que severifica en la reproducción del “paupericidio” y en la peligrosa homogenizaciónpropiciada por la masiva tecnología de la comunicación que pretende enseñarnos avivir con lo inaceptable.

Palabras-clave: Clonación humana. Clonación con fines reproductivos. Clonacióncon fines terapéuticos. Clonación social. Bioética. Derechos Humanos.

Abstract: The term “cloning” has been used in many different ways. That can beundertaken for reproductive or therapeutic purposes. We present the circumstancesthat would justify those kinds of cloning as well as medical, legal and social objectionsrelated to these practices. We also discuss the impact of cloning in the manufacturingof biopharmaceutical products, including its limitations and advantages. At last, thearticle makes ethical and social considerations about this topic, its perspectives andethical limits. The study denounces the social cloning that can be found in thereproduction of the genocide of the poor (“poorcide”) and also the dangeroushomogenization made possible by the massive communication technology whichintends to teach us how to live with the unacceptable.

Key words: Human cloning. Reproductive cloning. Therapeutic cloning. Socialcloning. Bioethics. Human Rights.

165

Volume 1, no 2, 2005

l término clonación procede del griego klon, que significa retoño, rama o

brote. Inicialmente, fue utilizado para designar a un conjunto de plantas

generado por multiplicación vegetativa, de manera que la población así

obtenida conserva la información genética presente en la planta que le dio

origen. Posteriormente, el concepto de clon se aplicó, por extensión, a

poblaciones de células y organismos obtenidos mediante reproducción

asexual. La palabra clonación también se ha utilizado para definir al

procedimiento que lleva a la obtención de copias de moléculas de ADN

(ácido desoxirribonucleico). En el presente trabajo, nos enfocamos a la

clonación que implica la generación de uno o varios organismos a partir del

núcleo de una célula somática obtenida de un donador, de forma que los

organismos clonados son idénticos o casi idénticos al genoma original. En

este proceso, se transfiere el núcleo proveniente de una célula somática de

un donador a un óvulo al que previamente se le eliminó el núcleo

(enucleación), para luego ser implantado en el útero de una hembra preparada

para la gestación. El producto es casi idéntico al individuo donante. La

diferencia podría deberse al genoma citoplásmico (mitocondrial) procedente

del óvulo receptor y/o a las mutaciones somáticas producidas en la célula

donante.

La reproducción asexual constituye, en sí misma, una forma de clonación.

En aquellos organismos que son capaces de reproducirse a partir de la división

de una célula de un sólo individuo, la población generada compartirá

información genética idéntica, a menos que ésta sea modificada por algún

evento de mutación espontánea. Por otra parte, también es posible, aunque

sea de rara frecuencia, la producción de clones de organismos superiores

mediante reproducción asexual, como es el caso de la partenogénesis

(“originado por una virgen”).

En animales superiores, la única forma de reproducción es la sexual: en

la que se unen dos células germinales o gametos (óvulo y espermatozoide),

provenientes de cada uno de los padres, formando un huevo, o cigoto, que se

desarrollará hasta constituir al organismo adulto. Este nuevo organismo

contendrá el genoma proveniente de ambos gametos, es decir, una combinación

de genes nueva y única. La reproducción sexual es el “invento” evolutivo que

garantiza que, en cada generación, existan nuevas combinaciones de genes

para incrementar la variabilidad genética de los diferentes organismos, necesaria

en los procesos de la selección natural y la evolución.

E

166

Revista Brasileira de Bioética

Desarrollo y Diferenciación Celular

El desarrollo del embrión se inicia con la fertilización del óvulo por el

espermatozoide, dando origen al cigoto o protoembrión unicelular. Éste sufre

una serie de divisiones celulares, generándose células denominadas

blastómeros. En las primeras divisiones, cada una de las células es

totipotente, es decir, en forma individual, tienen la capacidad de dar

lugar a un organismo completo. Estas primeras células del embrión son

conocidas como células madre (también llamadas troncales, tallo,

estaminales, seminales: son totipotenciales que pueden diferenciarse a

cualquier tipo de célula somática.

Después de cuatro divisiones celulares, y hasta la novena, las células

madre pierden la capacidad de formar un organismo, pero pueden

diferenciarse en cualquier tipo de célula, excepto placenta. Se les llama,

ahora, pluripotenciales. Posteriormente, se forma el blastocisto, y de ahí en

adelante las células madre pierden versatilidad, ya que reducen el número

de tipos de célula en los que pueden diferenciarse. Se les conoce, ahora,

como multipotenciales. Después de eso, se crea una capa externa, que genera

el trofoblasto para dar origen a la placenta y a la masa celular interna, que

formará las tres capas de tejido embrionario - el endodermo, el mesodermo y

el ectodermo - de dónde se formarán todos los tejidos del embrión.

El desarrollo de un organismo es el proceso en que cada una de las

células se especializa para desarrollar las funciones del tejido u órgano

específico que van a integrar. La diferenciación celular es un mecanismo

altamente complejo, que se lleva a cabo mediante la activación y represión de

un gran número de genes en una forma muy precisa en espacio y tiempo, que

está “secuencialmente programada” en respuesta a estímulos extracelulares y

intracelulares. Las células somáticas, que constituyen los tejidos de un animal

adulto, son el producto de la división y diferenciación del cigoto que, a diferencia

de las células madre, han perdido la totipotencia y se han diferenciado para

realizar una función específica, aunque mantienen el mismo material genético

y no presentan alteraciones en la organización del genoma.

Primeros Experimentos de Clonación

El primer experimento de clonación en vertebrados fue realizado en 1952

(BRIGGS & KING, 1952) usando ovocitos de rana pues, por ser células

167

Volume 1, no 2, 2005

grandes, ellas facilitan la manipulación necesaria para la eliminación del

núcleo. En este experimento, fue posible micro-inyectar núcleos

indiferenciados de un organismo donador a huevos fertilizados previamente

enucleados. La progenie resultante contenía la información genética del

donador, por lo que los organismos constituyeron una clona genética del

mismo. Posteriormente, Gurdon logró colecciones idénticas de Xenopus laevis

al introducir núcleos de células de fases larvarias tempranas en ovocitos

enucleados (GURDON, 1962). Este experimento funcionó únicamente con

núcleos obtenidos de células en fases larvarias. No se tuvo éxito cuando se

utilizaron núcleos de células donadoras adultas ya diferenciadas (GURDON

et. al., 1975). Estos resultados mostraron que el núcleo de las células

diferenciadas no fue capaz de activar el proceso de diferenciación del ovocito

tal y como se había observado en los experimentos previos con el núcleo de

las células embrionarias.

Ante la interrogante sobre ¿si era posible la clonación en organismos

superiores? diferentes grupos de investigación llegaron a la siguiente

conclusión: no era posible reiniciar el desarrollo de un organismo completo

a partir del núcleo de una célula diferenciada (MCGRATH et al., 1984). Esta

conclusión, que ahora sabemos era errónea, se consideró cierta durante mucho

tiempo, estableciendo que el genoma de una célula especializada estaba

restringido exclusivamente a las funciones de la célula diferenciada.

Clonación de Mamíferos a Partir de Una Célula Diferenciada

El procedimiento de clonación dejó de ser una fantasía, convirtiéndose

en realidad, cuando la mundialmente famosa oveja Dolly fue clonada a partir

del núcleo de una célula diferenciada. En este experimento fue utilizada

una célula de glándula mamaria de una oveja adulta de la raza Finn Dorset

como donadora del núcleo (WILMUT et al., 1997) Éste fue transferido a un

óvulo enucleado de otra oveja e implantado en una hembra de la raza Scottis

Blackfase para la gestación. En este experimento, de los 277 ovocitos enucleados,

se lograron obtener sólo 29 blastocitos fenotípicamente normales después de

seis días de cultivo in vitro. Cuando los embriones fueron transferidos a hembras

receptoras preparadas hormonalmente, resultó un sólo producto viable: la oveja

Dolly. Los restantes fueron fetos y neonatos muertos, o productos con alteraciones

en el desarrollo. Esta baja eficiencia para obtener productos viables explica

el fracaso de los primeros experimentos de este tipo.

168

Revista Brasileira de Bioética

La producción del primer mamífero clonado a partir del núcleo de una

célula diferenciada mostró que es posible “reprogramar” el genoma de una

célula diferenciada por influencia del citoplasma del huevo, reiniciando el

complejo proceso de desarrollo embrionario.

Por otro lado, este avance científico permitió la clonación en otras especies,

aunque los individuos no siempre fueron obtenidos de núcleos de células

somáticas del organismo adulto. Como ejemplos de eso, podemos mencionar

el cordero Polly, conteniendo genes humanos (COLMAN, 1999); la producción

exitosa de los monos Rhesus Neti y Ditto, mediante transferencia nuclear de

células embrionarias; la clonación del gato doméstico CC (del inglés Copy

Cat - copia al carbón); diferentes ratones (HOSAKA et al., 2000) e incluso

cerdos (POLEJAEVE et al., 2000).

Transferencia Nuclear de Células Somáticas

Los estudios iniciales en la transferencia nuclear en anfibios y mamíferos

fallaron, en la mayoría de los casos, debido a la incompatibilidad entre los

ciclos celulares del núcleo donante y el ovocito receptor. El núcleo en fase S

o G2 se introducía en un ovocito detenido en metafase II, produciendo una

replicación adicional del ADN y una condensación prematura de los

cromosomas, dando como resultado aneuploidías y, por consecuencia, un

desarrollo anormal de los embriones. Para solucionar este obstáculo, en el

caso de Dolly las células de tejido mamario donador del núcleo fueron

cultivadas in vitro, en ausencia de suero, para detener el ciclo celular en G0.

La transferencia de un núcleo de estas células al ovocito enucleado permitió

la sincronización del núcleo donador y el citoplasma receptor, iniciando el

desarrollo embrionario y minimizando la probabilidad de alteraciones

cromosómicas (WILMUT et. al., Op. cit.).

La eficiencia en la producción de embriones clonados ha sido mejorada

debido a la utilización de métodos de electrofusión en lugar del método

tradicional de microinyección para la transferencia nuclear (HOSAKA et.

al., Op.cit.). El uso de la transferencia de núcleos de células somáticas (del

inglés SCNT - somatic cell nuclear transfer) ha permitido el desarrollo de

interesantes experimentos en los últimos seis años, después de la exitosa

clonación de Dolly con una célula adulta. Las técnicas de clonación descritas

a la fecha han proporcionado avances importantes en el conocimiento de la

interacción molecular y celular durante los procesos tempranos del desarrollo

169

Volume 1, no 2, 2005

y de la diferenciación celular (MOLLARD, et. al., 2002). Sin embargo, el

obvio progreso, y el gran impacto de estas nuevas biotecnologías, ha hecho

también evidente lo poco que se conoce del mecanismo de

“reprogramación molecular” que se presenta en la SCNT. Debido a lo

anterior, se han desarrollado nuevos enfoques experimentales, con los

que se está abordando el estudio de los diferentes tipos de células

donadoras, de los estadios del ciclo celular, del proceso de sincronización

celular, del tiempo de duplicación de las diferentes poblaciones celulares

hasta del nacimiento del organismo clonado, y de la influencia de la

SCNT en la viabilidad y la capacidad de reproducción de los clones

producidos (BREM & KUHHOLZER, 2002).

Transmisión del Genoma Nuclear y Mitocondrial

Las células eucarióticas contienen dos distintos genomas: el nuclear,

heredado a la progenie siguiendo el modelo mendeliano; y el mitocondrial,

transmitido mediante herencia materna. La clonación de mamíferos ha sido

llevada a cabo, típicamente, mediante SCNT, usando electrofusión. En este

proceso, la célula somática completa es transferida al ovocito enucleado. Por

consecuencia, la progenie clonada debería contener, además del genoma

nuclear, el genoma mitocondrial de los dos progenitores (heteroplasmia). La

transferencia del genoma nuclear fue verificada utilizando marcadores

somáticos específicos del ADN nuclear. Sin embargo, el análisis del origen

del ADN mitocondrial de Dolly, y de más nueve ovejas clonadas de células

fetales, mostró que el genoma mitocondrial de estos individuos clonados

provenía única y exclusivamente de los ovocitos enucleados sin

contribución de la células somáticas donadoras (EVANS et. al., 1999).

Con base en lo anterior, Dolly no fue una copia idéntica o clon de la

madre donadora del núcleo. Realmente, constituyó una auténtica quimera

genética, ya que contenía el genoma nuclear de la célula somática donadora

y el genoma mitocondrial del ovocito receptor. Públicamente, fue considerada

como el producto de tres “madres”: la donadora del núcleo que proporcionó

el material genético nuclear, la donadora del óvulo que contribuyó con el

citoplasma y el material genético mitocondrial, y la gestadora que

genéticamente no aportó nada.

170

Revista Brasileira de Bioética

Desarrollo y Envejecimiento Celular

Ha sido una preocupación científica la cuestión de “edad genética” de

los organismos clonados, ya que estos podrían envejecer prematuramente y,

potencialmente, presentar problemas en el desarrollo normal del organismo.

La presencia de telómeros 20% más cortos en Dolly, en comparación con el

promedio de ovejas de su misma edad, ha sido investigada. Este aspecto es

importante, ya que los telómeros se acortan en cada división celular, y han

sido considerados como marcadores de envejecimiento. En un estudio

realizado en 24 vacas clonadas, se observó la presencia de telómeros más

largos que el promedio que presentan los individuos de su misma edad.

Además, el análisis de terneros clonados de células fetales mostró la presencia

de telómeros normales, dejando abierta la pregunta de si los telómeros cortos

de Dolly son una excepción o un hecho general, que podría ser diferente en

las clonas derivadas de fetos (TIAN et. al., 2000).

En el marco anterior, existe una controversia abierta sobre la posible

ocurrencia de envejecimiento prematuro, ya que Dolly fue sacrificada debido

al cáncer de pulmón de origen vírico diagnosticado a ella y a otras ovejas

que convivían con ella. Asimismo, la presencia de artritis en la pata izquierda

de Dolly ha puesto en duda la factibilidad de los organismos clonados

para usos terapéuticos. Aunque la artritis es común en ovejas, ésta se

presenta a una edad típica de 10 años, en lugar de 5,5 años como fue el

caso de Dolly. Además, las articulaciones afectadas en ésta se encontraron

en lugares dónde normalmente no se presenta la artritis; por lo que,

muy probablemente, la enfermedad fue debida al desarrollo de inflamación

en las patas.

Por otro lado, un estudio publicado acerca de las condiciones de salud

de 335 individuos clonados, mostró que el 77% de vacas, ovejas, cabras,

cerdos y ratones no presentaron problemas de salud, porcentaje que es

representativo de lo que sucede normalmente en las poblaciones de los

mamíferos mencionados.

Adicionalmente, se tenían dudas sobre la fertilidad de Dolly, ya que ésta

podría verse afectada en comparación con una oveja concebida en forma

natural. La progenie de Dolly con seis corderos saludables muestra que, en

este caso, la fertilidad no se vio afectada.

171

Volume 1, no 2, 2005

Clonación Humana

La estrategia que permitió crear a Dolly puede ser usada para clonar

cualquier especie de mamíferos, incluyendo al ser humano. A la fecha, se ha

mostrado que tanto las células somáticas como las células del cúmulus, las

células de Sertoli y los fibroblastos pueden ser usadas como donadoras de

núcleos para la clonación en animales. Recientemente, los resultados del grupo

de Cibelli mostraron que efectivamente se han podido obtener embriones

humanos clonados mediante SCNT usando células de cúmulo. Sin embargo,

éstos se dividieron solamente en dos, cuatro y seis células, es decir, en etapas

tempranas del desarrollo (CIBELLI et. al., 2001). Los autores atribuyen esto a

problemas técnicos, como se ha mostrado en otros mamíferos. Sin embargo no

se pueden descartar, a la fecha, los problemas reales en la re-programación

del núcleo de una célula diferenciada, o los factores múltiples como el estadio

del ciclo celular, estructura de la cromatina, metilación del ADN etc.

Clonación reproductiva y terapéutica

La clonación de humanos podría tener implicaciones terapéuticas y

beneficios sociales si se usase bajo condiciones estrictas y excepcionales. La

clonación humana podría tener dos finalidades: la clonación reproductiva,

con el fin de crear un clon para parejas con problemas de fertilidad; y la

clonación terapéutica, para obtener células o tejidos con fines terapéuticos

y/o para regeneración de tejidos.

La clonación reproductiva implica la producción de embriones mediante

la disgregación de células del blastocisto o por la SCNT a un óvulo enucleado,

seguido, en ambos casos, de la implantación en un útero que permita su

desarrollo hasta el nacimiento. En lo que se refiere a la clonación reproductiva

humana, mucha especulación ha tenido lugar, con una profusión enorme de

publicaciones al respecto. Sin embargo, la posibilidad de lograr una clonación

humana con fines reproductivos exitosa es prácticamente nula. La

investigación en varias especies de mamíferos ha demostrado que hay una

incidencia muy alta - mayor del 95% - de aparición de problemas embrionarios

y fetales, con las subsecuentes pérdidas durante del embarazo; así como de

malformaciones y muerte en los recién nacidos.

No hay razón para suponer que el resultado sería diferente en seres

humanos. Esto se debe, fundamentalmente, a que se desconocen los

172

Revista Brasileira de Bioética

mecanismos moleculares de reprogramación de un núcleo adulto de modo

que puedan recobrar la plasticidad, la virginidad y pureza originales, i.e.,

tener las mismas características funcionales de sus genes que cuando tuvo

origen a partir de un cigoto. No obstante, se tiene la expectativa de lograr

evitar las fallas técnicas y, eventualmente, garantizar un producto con

características “normales”. De ahí que hayan surgido circunstancias

hipotéticas que justificarían la clonación reproductiva. Por ejemplo, cuando

se ha perdido un hijo, o se tiene uno con algún defecto evitable en un clon,

en parejas con esterilidad, o que han perdido la capacidad de reproducción;

o cuando no es posible la reproducción, como ocurre con las parejas

homosexuales. Estas situaciones, desde el punto de vista científico, quitarían

solidez al rechazo a la clonación reproductiva. Pero, esto no sería suficiente

para levantar el veto y permitir su práctica, ya que aún habría importantes

objeciones éticas, legales y sociales.

De manera similar a la clonación reproductiva, la clonación con fines

terapéuticos y de investigación implica generar un blastocisto humano vía

transferencia nuclear de la célula somática. Sin embargo, la diferencia crucial

es que el blastocisto clonado nunca se implanta en útero alguno para el

desarrollo de un organismo completo. En vez de esto, las células troncales

aisladas del blastocisto se utilizan para generar líneas de células troncales,

para investigaciones posteriores y para usos clínicos. Este tipo de clonación

es, más bien, una terapia reconstitutiva para recuperar el tejido, mediante la

producción de células de un individuo que permita la reposición de tejidos,

evitando el problema del rechazo inmunológico. En este procedimiento, se

requiere la clonación del individuo y, en las primeras etapas embrionarias,

la obtención de las células madre embrionarias (COLMAN & KIND, 2000).

Es decir, se tomaría el núcleo de una célula somática del paciente para su

transplante a un ovocito enucleado de una donadora. Este huevo, clonado,

se dejaría desarrollar hasta formar un embrión en etapa de blastocisto, del

que finalmente se obtendrían las células embrionarias, como fuente celular

para el tratamiento del paciente.

Las primeras líneas celulares embrionarias fueron obtenidas de ratón

y, posteriormente, de pollo, hamster, cerdo, mono Rhesus y, recientemente,

de embriones humanos producto de fertilización in vitro (THOMSON et.

al., 1998). En este trabajo, los embriones humanos fueron cultivados hasta

la etapa de blastocisto, de dónde se aislaron las células de la masa interna,

permitiendo obtener cinco líneas celulares que crecieron indiferenciadas

durante cinco meses. Sin embargo, dado que los estudios sobre la

173

Volume 1, no 2, 2005

producción de líneas celulares son recientes, gran parte del conocimiento

que se tiene viene de los trabajos realizados en ratones, y no se han

caracterizado todos los componentes y factores requeridos en la diferenciación

celular.

Es indudable que la clonación terapéutica presenta todavía limitaciones

importantes, ya que aún no se ha determinado cómo se lleva a cabo la

diferenciación específica de estas células para ser eficientemente usadas en

la terapia reconstitutiva; y es necesario perfeccionar el procedimiento de la

clonación en el humano para la obtención de las células madre embrionarias.

Otro de los recientes logros adicionales derivados de la clonación, que

presenta perspectivas muy interesante y halagadoras, fue la obtención de

células madre mediante partenogénesis en ratones, monos y humanos

(CIBELLI et. al., Op.cit.; CIBELLI et al., 2002). Es decir, se logró iniciar el

proceso de la formación de un embrión a partir de un huevo no fertilizado

hasta la formación de la cavidad de blastocele. Los resultados obtenidos

presentan implicaciones muy relevantes en la clonación de células somáticas,

y ofrecen una alternativa muy interesante en la generación de células madre

sin la necesidad de contribución paterna.

Además, Rideout y colaboradores realizaron la corrección de un defecto

genético en ratones mutantes mediante la combinación del transplante nuclear

con la terapia génica (RIDEOUT et. al, 2002). En este trabajo, se llevó a cabo

el aislamiento de las células madre de los blastocistos clonados, y éstas se

utilizaron para la reparación de la mutación mediante recombinación

homóloga, así como en la diferenciación de la células madre y el transplante

de las células en los ratones afectados. Estos logros revolucionarios presentan,

sin lugar a dudas, un horizonte muy promisorio en el campo de la investigación

de las células madre, así como en su aplicación terapéutica.

Producción de Biofármacos

El impacto de la clonación también ha sido evidente en la fabricación de

productos biofarmacéuticos en el área biomédica. La generación de animales

transgénicos para la producción y secreción, a través de la leche, de proteínas

para usos terapéuticos, se inició a finales de los años 80 con la producción

de ovejas transgénicas. La oveja Tracy produce la proteína humana alfa-1-

antitripsima, representando el 50% de las proteínas de su leche. Hay muchos

otros ejemplos de productos biofarmacéuticos utilizados para combatir

174

Revista Brasileira de Bioética

enfermedades, como es el caso de la fibrosis quística, que se encuentra

actualmente en fase clínica. Estas tecnologías presentan varias limitaciones.

Por ejemplo, no se pueden dirigir las inserciones del ADN específicamente

en el genoma del animal, la producción de los animales es lenta y los niveles

de expresión de la proteína de interés son impredecibles. La tecnología de

clonación presenta ventajas debido al desarrollo de la transferencia de núcleos

somáticos, previamente manipulados genéticamente, en las células somáticas,

principalmente cuando las manipulaciones son dirigidas a sitios

predeterminados en el genoma hospedero. Este objetivo fue alcanzado con

el nacimiento de Polly, una oveja clonada que expresa una proteína

involucrada en la prevención de la hemofilia humana, codificada por el gen

para el factor IX de la coagulación (COLMAN, Op. cit.).

Consideraciones Éticas y Sociales

La clonación en humanos es un tópico altamente controversial, debido a

que la idea de crear una copia de un individuo mediante manipulación

genética es simultáneamente fascinante y, de alguna forma, aterradora.

Existen aún problemas técnicos y científicos para el éxito de la clonación

en humanos, ya que aún es muy prematuro determinar si los individuos

clonados pueden poseer susceptibilidad a enfermedades, a un envejecimiento

prematuro, entre otros problemas (PERRY & WAKAYAMA, 2002). Los riesgos

potenciales de la clonación, aunados a la baja eficiencia del proceso obtenido

a la fecha, han llevado a la sociedad en general a sostener el posicionamiento

de que no se justifica la clonación para generar individuos clonados, ya que

la reproducción asistida actualmente resuelve los problemas de infertilidad

mediante fertilización in vitro.

Por otro lado, la utilización de embriones humanos en experimentación y

clonación terapéutica ha causado también mucha inquietud. El tema central

de discusión es determinar el momento en que se puede considerar que se

inicia la vida del individuo, ya sea inmediatamente después de la fertilización,

a partir de la implantación del huevo fecundado; o hasta que el sistema

nervioso se vuelve funcional. Lo anterior se debe, principalmente, a que la

obtención de las líneas celulares madre implica la destrucción posterior del

embrión clonado. Es evidente que el uso de embriones humanos para la

obtención de líneas de células madre embrionarias abre nuevas perspectivas

para el tratamiento de una gran cantidad de enfermedades. Sin embargo, su

175

Volume 1, no 2, 2005

aplicación podría traspasar los límites éticos, a pesar de los beneficios que

pueda representar.

La respuesta legislativa de diferentes países con relación a la clonación

en humanos ha sido la de postular leyes para evitar cualquier investigación

en la clonación en humanos. Algunos beneficios potenciales han sido

resumidos en las leyes europeas y en la Convención Europea de los Derechos

Humanos (WOOD, 1999). Sin embargo, la pregunta latente e inevitable es si

estas restricciones legislativas serán suficientes para frenar la clonación en

humanos, y si estamos preparados para afrontar el complejo dilema, tanto

ético como moral, que se podría producir en la clonación reproductiva.

En lo que se refiere a la clonación terapéutica y con fines de investigación,

la perspectiva es sin duda prometedora, ya que podremos mejorar nuestro

conocimiento básico como, por ejemplo, en cuanto a: 1) reprogramar el núcleo

de la célula para activar el sistema de genes que caracteriza a una

determinada célula especializada; 2) entender las bases genéticas de las

enfermedades humanas; 3) entender mejor los mecanismos de la

reprogramación de genes y, por consiguiente, poder diseñar procedimientos

eficientes para corregir genes defectuosos. Otra meta es aprender a

reprogramar células somáticas para generar células madre que ocurren en

todas las etapas del desarrollo, desde el embrión al adulto. Pero su versatilidad

y abundancia disminuyen gradualmente con la edad.

Sin embargo, mientras las células madre embrionarias pueden producir

cualquiera de los aproximadamente 200 diversos tipos de células

especializadas que conforman el cuerpo humano, las células madre del adulto

parecen ser capaces de producir solamente un número muy limitado de tipos

celulares. La investigación usando huevos humanos es indispensable, ya

que los estudios en animales no pueden proporcionar una alternativa

apropiada para el objetivo perseguido. Estas técnicas ofrecen la posibilidad

de usos terapéuticos para los pacientes que requieren transplantes de células,

tejidos u órganos mediante células madre embrionarias genéticamente

compatibles con el donante, evitando así el problema del rechazo. Sin

embargo, aparte de los retos propiamente científicos, hay problemas con el

costo de tratamientos que resuelvan las necesidades particulares de cada

paciente, y del suministro de óvulos humanos no fertilizados. Actualmente,

como la clonación es un proceso poco eficiente, es probable que sean

necesarios muchos huevos para generar una sola línea embrionaria de células

madre; y aún no hay la certeza de que la clonación con fines terapéuticos

sea clínicamente viable.

176

Revista Brasileira de Bioética

La intensa discusión mundial acerca da la clonación humana ha dado

lugar a una multiplicidad de declaraciones, pronunciamientos etc., que van

desde la anuencia total a la prohibición absoluta. Para una revisión general

de tal tipo de pronunciamientos, basta con consultar los sitios en Internet:

http://www.humgen.umontreal.ca/en/, http://www.un.org/law/cloning/, y http:/

/www4.nas.edu/iap/iaphome.nsf?opendatabase.

Las Academias de Ciencia de más de 70 países concluyeron que la

clonación con fines terapéuticos y de investigación tiene un gran potencial

desde la perspectiva científica y médica, por lo que se debe diferenciarla

claramente de la clonación reproductiva y, por lo tanto, se debe excluirla

explícitamente de la prohibición de esta última, recomendando que ambas

políticas necesitan ser revisadas, periódicamente, a la luz de los progresos

científicos y sociales.

No obstante, el día 8 de marzo del 2005, la Asamblea General de las

Naciones Unidas aprobó el texto de la Declaración de las Naciones Unidas

sobre Clonación de Seres Humanos por 84 votos a favor, 34 en contra y 37

abstenciones. El texto aprobado establece, en su punto b), que los Estados

Miembros “habrán de prohibir todas las formas de clonación de seres humanos

en la medida en que sean incompatibles con la dignidad humana y la

protección de la vida humana”. Esta última parte condiciona, de alguna

manera, una permisibilidad de la clonación de seres humanos - al menos la

terapéutica - si se ofreciesen beneficios compatibles con la protección de la

vida humana. De cualquier manera, siendo una Declaración, y por lo tanto

no obligatoria incluso para los estados que votaron a favor, y que estuvo

lejos de una aprobación unánime, su implementación de manera global es

cuestionable. A pesar de ello, esperemos que las Organización de las Naciones

Unidas, que promueve la discusión mundial y los subsecuentes consensos,

no sólo sea respetada sino fortalecida por todos sus países miembros. Solo

así podremos lograr la armonía en la diversidad.

Como sea que se desarrolle la investigación de la clonación con fines

terapéuticos, el problema de fondo radica fundamentalmente en la inequidad

de acceso a los beneficios que promete, así como ocurre con la fertilización

in vitro, que sólo es factible en algunos países, con acceso preferencial para

aquellos que pueden solventar los altos costos requeridos. Los costos de

cualquier tipo de clonación humana seguramente serán lo suficientemente

onerosos y, en consecuencia, excluyentes de las mayorías pobres del planeta.

El ser humano tal vez no sea, por naturaleza, un “animal moral”: se ha

convertido como tal en el curso de la evolución. La moral sirve para regular

177

Volume 1, no 2, 2005

las relaciones entre los seres humanos. Sería, desde luego, excelente que

para esta regulación tuviéramos conocimientos con el grado de certeza del

conocimiento matemático. Sería deseable que tuviéramos una teoría ética

que permitiera hacer aseveraciones morales verificables y que nos diesen la

certeza de qué debemos hacer. Pero, todo ello no es possible:”nothing is

good nor bad; we make it so”, dice Shakespeare. La falacia naturalista es

prácticamente inevitable. Lo que sí es posible es no desprender el deber ser

del ser, y tener claridad de que ello no es posible. Es importante estar

conciente de que no hay postulados éticos absolutos; lo que se puede hacer

es no tener miedo a cometer la falacia naturalista - o metafísica - y a postular

un deber ser moral, anunciando claramente en qué corriente nos encontramos.

A propósito de falacias, tanto las formales - afirmación de lo consecuente,

quaternio terminorum, las falacias disectiva “del jugador”, expansiva y de

enfoque - como las informales - ignoratio elenchi, petitio principi y los

argumenta ad baculum, hominem, misericordiam, populum, verecundiam

etc. -- son de uso y abuso cotidiano. Si reflexionamos con rigor acerca del

aforismo de Korzybski lo cual habla que “el mapa no es el territorio y el

nombre no es la cosa nombrada”, tenemos que aceptar que todo es según el

color del cristal con que se mira, como querría Campoamor, y que sólo el

silencio evita caer en la falacia. La imposible perfección y su incesante

búsqueda, y la imposible conjunción de la moral y la economía, mantendrán

el debate inagotable.

Consideraciones Finales: la clonación social

Hoy vivimos un mundo de amplísima diversidad que, con el anhelo de

la globalización total, pretende una extremista clonación social que incluya

la aceptación de “guerras defensivas”, “invasiones preventivas” y toda clase

de horrores, en los que el destaca eminentemente el “paupericidio”, producto

de la explotación, de la discriminación y del acceso selectivo a la nueva

medicina.

Evidentemente, la clonación social es mucho más antigua que la ofrecida

por la nueva biotecnología. Las religiones; los sistemas políticos, económicos

y sociales; y la perpetua inercia auto replicante con los utópicos disfraces de

libertad, igualdad y fraternidad, han mantenido diversificada pero, en cierto

modo, en rivalidad a la comunidad mundial. Si bien la humanidad no es

imaginable sin ciertos principios universales de moral y convivencia, se está

178

Revista Brasileira de Bioética

propiciando ahora la forma más peligrosa de homogenización, a la que

pretende llevarnos la propaganda publicitaria mediante la masiva tecnología

de la comunicación, en la intención de enseñarnos a vivir con lo inaceptable.

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Recebido em 27/5/2005Aprovado em 18/8/2005

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Revista Brasileira de Bioética

O NINHO VAZIO: A DESIGUALDADE NO ACESSO ÀPROCRIAÇÃO NO BRASIL E A BIOÉTICA

The empty nest: bioethics and the unequality in the accessto procreation in Brazil

Marlene Braz

Instituto Fernandes Figueira/Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.

[email protected]

Fermin Roland Schramm

Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.

[email protected]

Resumo: Os autores abordam a problemática do acesso da população de baixarenda às novas tecnologias de reprodução (NTR) apontando para as importantesquestões bioéticas implicadas. Foram utilizados fatos veiculados pela mídia escrita,a Resolução Conselho Federal de Medicina - CFM nº 1.358/92 e os princípios éticosda autonomia e da justiça para a discussão do tema. A reflexão feita revela a carênciade um debate ético e jurídico aprofundado e a necessidade de encontrar soluçõespara colocarmos fim à omissão do Estado em relação a esta população e aos deslizeséticos cometidos pelos médicos em instituições públicas.

Palavras-Chave: Bioética. Reprodução assistida. Acesso aos serviços de saúde.Autonomia. Justiça.

Abstract: The problem of access to new reprodutive technologies (NRT) by lowincome populations is discussed by the authors, that point to important bioethicalissues. Written media events, the Resolução Conselho Federal de Medicina - CFM nº1.358/92 (CFM Resolution), and the ethical principles of autonomy and justice wereused to highlight the subject discussion. The lack of a thorough ethical and legaldebate; the need of finding solutions to the State omission, as far as those populationsare concerned; as well as ethical faults commited by doctors in public institutions,were disclosed.

Key words: Bioethics. Assisted reprodution. Access to health services. Autonomy.Justice.

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Volume 1, no 2, 2005

reprodução humana nunca foi algo puramente biológico, mas tambémcultural, pois nela participam aspectos emocionais, físicos, religiosos e sociais.De uma reprodução imposta pela natureza ao Homo sapiens, até umareprodução controlada e medicalizada, passaram-se muitos milênios. Por isso,o desejo da maternidade nas mulheres só foi objeto de interesse muitorecentemente. Acreditava-se num instinto materno e que toda mulher teriacomo missão fundamental de sua vida gerar filhos para o homem, para acomunidade, para a sociedade e, mais, deveria amá-los. Badinter, assimcomo Ariès concluem que a família como a conhecemos hoje, é fruto de umdeterminado contexto social e que tanto o desejo da maternidade quanto oamor dedicado aos filhos são uma construção sócio-cultural (BADINTER,1996; ARIÈS, 1996).

A “ revolução do feminino”, antecipada por Freud ao distinguirsexualidade e reprodução humana e gestada durante o século XX, teve seuapogeu nas décadas de 1960 e 1970. Nesta revolução, conduzida pelasmulheres e com o auxílio dos avanços das tecnologias reprodutivas deprevenção e interrupção da gravidez, finalmente a mulher “apropriou-se”de seu corpo: ele lhe pertencia e só ela poderia decidir se e quando teriafilhos. Desde então, os métodos contraceptivos (principalmente a pílula) e oaborto, conquistados duramente pelo movimento feminista, tornaram-serealidade em muitos países. Junto a esta conquista houve outras, dentre asquais: o direito de votar, de estudar, de trabalhar; enfim, uma gama de direitosque foram se expandindo até os dias atuais, nos quais a assimetria de gêneropassa a ser o foco de discussões nos mais variados âmbitos.

Todos estes avanços no campo dos direitos da mulher têm trazido à tonaoutras questões ora em debate, quais sejam: a postergação da maternidade,a tripla jornada de trabalho feminino (trabalho, casa, filhos e marido), amudança do papel masculino, a paridade de salários entre homens emulheres, dentre outras.

Interessa-nos aqui tratar do direito da mulher em ter filhos na atualidade.Tal questão é pouco aprofundada, principalmente quando se trata dapopulação pobre de nosso país. Partindo de alguns estudos e de fatosveiculados pela mídia, objetivamos refletir sobre as questões relacionadas àreprodução medicamente assistida ou como são denominadas as NovasTecnologias de Reprodução (NTR), em relação à população que a elas nãotem acesso em função de seu alto custo.

A

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Revista Brasileira de Bioética

O Problema da Infertilidade

A infertilidade é hoje considerada um importante problema de saúde, àdiferença de outras épocas, em que a “reprodução humana era umamanifestação exclusiva da vontade de Deus e, portanto, seria inadmissívelsua discussão pelo homem [pois a] interferência humana no processoreprodutivo constituía uma agressão à vontade de Deus” (NETO & JÚNIOR,1998). Em função disto, as pessoas teriam que se conformar com seu destinoe nada, ou quase nada, podia ser feito para reverter esta situação. Atualmente,com as NTR, vemos uma mudança na percepção deste “destino”, antesconsiderado inexorável.

A infertilidade que pode afetar um dos pares ou o casal implica, muitasvezes, em conflitos, que podem levar até o rompimento do casamento.Sabemos, hoje, que a decisão de engravidar e ter filhos não é um processosimples, pois envolve vários aspectos, já apontados. Este problema afeta de8% a 15% dos casais em idade reprodutiva (DIAZ et al., 2002). No Brasil,segundo o último censo do IBGE, 10 milhões de pessoas em idade fértil têmdificuldades para engravidar (COLLUCCI, 2003a), e isso constitui,certamente, um problema relevante de saúde pública e, também, um problemamoral, que a bioética deve enfrentar. Com efeito, mesmo que possamos concordarque a superpopulação mundial é uma questão grave com a qual o mundo sedefronta não se pode ignorar que a infertilidade tornou-se um sério problemaem vários países, onde, pelas mudanças sociais e científicas ocorridas nos últimos40 anos, a gravidez deixou de ser, em muitos casos, o primeiro objetivo docasamento e foi, cada vez mais, postergada para uma idade avançada, quandoo “relógio biológico” já é desfavorável à mulher. Além disto, os homens inférteisque vivenciam o problema tendem a identificá-lo com “pouca masculinidade”(NEVES & NETTO JÚNIOR, 2003; COLLUCCI, 2003b).

Com o advento das NTR e a adesão a elas, novas questões e dilemas secolocaram, não só para a sociedade como também para o aparato jurídico. Defato, normas mais liberais, mas também leis rígidas foram elaboradas. Aquestão colocada para o direito e para a bioética não está tanto na tecnologiaem si, mas em sua aplicação, que acaba por suscitar outras, que demandamdecisões jurídicas, no sentido de traçar balizas para a liberdade de procriare os direitos e limites previstos em lei:

“O papel crescente dos governos nacionais nas instituições de saúde(...) tem-se estendido também ao controle da doação e disposição dos

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Volume 1, no 2, 2005

gametas e embriões humanos. Desta forma a tecnologia reprodutiva seconverte numa desculpa para fomentar duas tendências: a já presente‘medicalização’ da reprodução e a ‘judicialização’ da gravidez” (DIAZet al., 2002).

Em todos os países onde as técnicas de reprodução medicamente assistidassão utilizadas, numerosos problemas de natureza ética e legal surgiram, oque implicou na necessidade de criar novas leis ou modificar as já existentes,no intuito de dar conta dos aspectos relacionados à filiação, herança,paternidade, maternidade, como também aos direitos de família e os direitosà vida (DIAZ et al, Op. cit.).

Não podemos, por outro lado, ignorar as repercussões pessoais dainfertilidade em nível privado, tais como: baixa auto-estima; depressão; edificuldades emocionais, refletidas quer nas relações do casal quer nasrelações interpessoais, como também no trabalho. Frente a isso, a definiçãode saúde, formulada pela Organização Mundial da Saúde OMS comocompleto bem-estar biopsicossocial, não é atendida e, portanto, podemosconsiderar a infertilidade como um problema de saúde a ser solucionado deacordo com as técnicas reprodutivas existentes.

Esta posição pode ser contraposta a outra, escorada na lógica utilitarista,que argumenta que em países como o nosso, com recursos escassos e outrosgraves problemas que afetam negativamente o bem-estar da população comoum todo, dever-se-ia priorizar políticas públicas de saúde capazes de enfrentare solucionar outras patologias, consideradas mais importantes do ponto devista do cálculo geral da utilidade social, devido ao fato de afetarem ummaior número de pessoas.

Aspectos Morais e Jurídicos

A bioética, desde seu surgimento nos anos 1970, debateu e ponderouprincípios morais norteadores das pesquisas médicas e dos tratamentos. Emsua versão principialista, propôs o modelo dos quatro princípios prima facieda beneficência, da não-maleficência, da autonomia e da justiça, consideradosfundamentais e universais quando aplicados às práticas humanas no campodas ciências, das técnicas da vida e da saúde. Interessa, aqui, nos determosnos princípios da autonomia e da justiça, pois consideramos que, apesar detodos os princípios estarem envolvidos quando tratamos do acesso à saúde

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Revista Brasileira de Bioética

reprodutiva, autonomia e justiça têm prioridade léxica sobre os outros dois,isto é, adquirem peso maior.

Com efeito, numa democracia todos os cidadãos são - ou deveriam ser -considerados iguais, recebendo o mesmo tipo de consideração, isto impediria– teoricamente –, a exploração de uma pessoa por outra, pois cada interesseindividual só pode, por princípio, contar como um interesse, igual a qualqueroutro interesse individual. Disso decorre – pelo menos numa visão utilitária– a igual consideração de cada interesse, isto é, a igualdade democrática.Para muitos, a palavra “interesse” talvez tenha uma conotação negativa, porsupostamente implicar numa visão puramente econômica da questão.Podemos, portanto, falar em “dignidade pessoal” e dizer que é a dignidadeda pessoa humana que está em jogo. Neste caso, podemos pensar tambémque a dignidade humana implica na possibilidade do exercício da autonomiapessoal; logo, em um regime democrático, a autonomia pode ser vista comorespeito à liberdade de escolha e de decisão do paciente. Já a justiça podeser vista de diferentes modos, dentre os quais podemos destacar o conceitode justiça como eqüidade, formulado em nossa época por Rawls, com o sentidode garantir a igualdade das oportunidades relativas a bens primários e aredução das desigualdades pela ampliação de oportunidades aos menosfavorecidos (RAWLS, 1997). Em suma, as desigualdades persistentes devemser priorizadas nas políticas públicas que visem uma maior justiça social, nosentido de promover uma maior igualdade entre os membros do corpo social,implementando inclusive medidas compensatórias em prol dos menosfavorecidos.

Assim, tendo definida as ferramentas conceituais que pretendemos utilizar,podemos comentar o que a Constituição Brasileira estabelece no que diz respeitoao acesso aos serviços de saúde, considerado um direito do cidadão.

Em relação ao nosso tema - a reprodução medicamente assistida - não setem ainda um ordenamento jurídico maior. Até agora a referência tem sidosomente a Resolução nº 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina - CFM.Indiretamente, podemos nos remeter à Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de1996, que regulamenta o planejamento familiar proposto no § 7 º do art. 226da Constituição Federal. O artigo 9 º da referida Lei nº 9.263 estabelece:

“Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos

todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção, cientificamenteaceitos e que não coloquem em risco a vida das pessoas, garantida aliberdade de opção. [grifo nosso]

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Parágrafo Único: A prescrição a que se refere o caput só poderá ocorrermediante avaliação e acompanhamento clínico e com informação sobreseus riscos, vantagens, desvantagens e eficácia” (BRASIL, 1996).

Em que pesem tais garantias asseguradas por Lei, vemos, na prática,esses direitos serem sistematicamente desrespeitados, seja pela carência naoferta dos serviços na rede pública de saúde, seja, com poucas exceções, naoferta de forma eticamente discutível.

Não entraremos nos detalhes de cada modalidade de reprodução assistida- fertilização in vitro (FIV); inseminação artificial; variantes da fertilização invitro, criopreservação e “barriga de aluguel” – visto que as técnicas em sinão nos interessam aqui. De fato, o que queremos discutir é o aspecto éticoda desigualdade no acesso à reprodução medicamente assistida como umtodo. O foco de nossa atenção será, portanto, a inacessibilidade de taistécnicas por parte da maioria da população brasileira.

Os Argumentos para a Indisponibilidade das NTR

Para começar, podemos enumerar alguns argumentos amplamenteutilizados pelos gestores para não implementar programas de medicinareprodutiva na rede pública:

a) a falta de profissionais treinados;b) o alto custo deste tipo de atendimento em função dos remédios que

devem ser ministrados (valor que gira em torno de US$ 3.500 porinseminação);

c) o fato, por um lado, da política atual ser a de planejar os filhos e, poroutro, a população pobre ter menos condições de criá-los de formarazoavelmente desejável; ou seja, a pouca vontade política de fazer com queas mulheres de tal segmento populacional engravidem a um custo consideradoalto, principalmente quando comparado aos benefícios potenciais.

Comentando, em particular o último argumento, Corrêa considera, noentanto, que essa tendência pode se reverter:

“No caso brasileiro (...) as atitudes que cercam em geral o processoreprodutivo - os constrangimentos relativos à infertilidade, o desejo defilhos e de constituição de uma família - levam a crer que a procura pelareprodução assistida deve aumentar. Notadamente se esses serviços

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tornarem-se acessíveis, principalmente do ponto de vista econômico, auma parcela menos limitada da população, contrariamente ao que ocorrena atualidade [visto que] a liberdade individual, motor da demanda porreprodução assistida, é limitada, antes de mais nada, por fatoreseconômicos” (CORRÊA, 2001).

Na realidade, para esta autora, a demanda das mulheres no Brasil não éespontânea, e sim induzida pelos médicos, o que não quer dizer que recorreràs NTR “não seja amplamente aceito e bem-vindo, visto que a reproduçãoassistida responde a um desejo de ter filhos e família, projeto altamentevalorizado” (CORRÊA, Op. cit.).

Para Oliveira, as NTR:

“propiciam a materialização de desejos sexistas, racistas, eugênicos epotencializam a exploração de classe, basta que se possa pagar por eles.O recorte de classe é o sustentáculo de tais desejos, cujas decorrênciasnefastas são: a exploração de classe (mulheres/casais ricos custeiam o‘tratamento’ das pobres e assim se livram de parte da super-hormonizaçãoe obtêm óvulos)” (OLIVEIRA, 2001).

Como a doação de gametas entre parentes é proibida pelo CFM por terque ser anônima para preservar a identidade dos doadores e evitar o comércio,de fato é sempre possível, “comprar” os óvulos de que se necessita. A autoradiz que:

“a solução mais simples usada pelas clínicas de fertilização é estimularacordos entre suas pacientes: as que têm maridos em tratamento, maspossuem óvulos saudáveis, doam gametas para casais em que a mulheré infértil. Em troca, têm o tratamento custeado pelo casal receptor”(OLIVEIRA, Op. cit.).

A International Conference on Population and Development sobre a saúdereprodutiva também considera que:

“Saúde reprodutiva é um estado de completo bem estar físico, mental esocial e não meramente a ausência de doenças ou enfermidades. Emtodos os casos relacionados ao sistema reprodutivo e ao estado de suas

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funções deveriam ser tomadas medidas apropriadas que asseguremacesso universal aos serviços de saúde incluindo aqueles relacionadoscom a saúde reprodutiva” (MONARES, 1999).

Apesar das recomendações internacionais, de nossa Constituição e dasnormas que regulamentam a reprodução assistida, pouco tem sido feito noBrasil para atender efetivamente os casais inférteis que demandam aosserviços de saúde pública a oportunidade de engravidar e respeitar, assim, odireito ao acesso universal aos meios de reprodução assistida. De fato, o sobo ponto de vista ético, é grave a situação quando abordamos o tema dareprodução assistida, mesmo quando realizada em clínicas particulares. Eisso não é de hoje, visto que, já em 1996, o jornal Folha de São Paulo trouxeuma matéria intitulada: “Clínicas de fertilidade no Brasil violam a lei”, naqual se afirmava:

“Grávida de trigêmeos decide eliminar dois embriões e o médico diz‘Ok’. Pai de três meninas quer porque quer um menino e o médico diz‘tudo bem, podemos fazer escolha de sexo’. Solteira aos 40 quer ter umfilho sem precisar de homem e o médico diz: ‘É possível. Temos banco deesperma’. (...) O cliente paga e tem quase tudo o que quer. O médicoembolsa e faz o que quer. Poderia ser o melhor dos mundos não fosse umdetalhe: reprodução envolve genética e pode tanto ajudar um homemestéril a ter filhos como um maluco a inseminar 70 mulheres com seusêmen, como aconteceu nos EUA. (...) Nakamura, ex-professor daUnicamp, afirma que as normas do Conselho Federal de Medicina sãoequivocadas cientificamente, mas que são melhores do que nada. Oproblema é que diverge filosoficamente de seus princípios. ‘O desejo docasal está acima de qualquer lei’, defende” (FOLHA DE SÃO PAULO,1996).

Os meios de comunicação têm historicamente desempenhado um duplopapel: o da denúncia e o da popularização de técnicas. Silva realizou pesquisareferente a matérias publicadas em jornais de grande circulação no paíspara estudar a representação dos casais inférteis. Esse trabalho revela aimagem de desespero dos casais frente à infertilidade e a percepção de queas técnicas de reprodução assistida seriam simples e inócuas, revelando oalto grau de confiança na ciência e na medicina para resolução de dificuldades(SILVA, 1991). A pesquisa mostra também que os casais acreditam que a

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Revista Brasileira de Bioética

única opção para quem não tem filhos é a inseminação artificial. De fato, háuma verdadeira mistificação em torno da técnica, considerada um milagrerealizado por médicos “santos” (SILVA, Op. cit.). Em relação a esta pesquisade Silva, as reportagens sobre o tema mostravam a inseminação como:

“um processo muito simples, indolor e isento de traumas, medos eansiedades; nenhuma reportagem faz alusão ao sofrimento ou ao sacrifícioexigido das mulheres que se submetem a estas técnicas; a sexualidadese vê afetada durante o processo, porém este dado não é citado; os casos‘exitosos’ são generalizados como se toda tentativa terminasse num filho;e não se faz alusão aos abortos que ocorrem durante o processo e muitomenos aos casos cujas tentativas não levam a nada” (DURAND &SALINAS, 1996).

Naquela reportagem também não há referências aos índices de fracassosque, de fato, são altíssimos. A notícia fala que o êxito é de 25%, podendochegar a 33% com técnicas mais avançadas. Outros autores falam de êxitosem apenas 8 a 10% dos casos (CHATEL, 1995; TUBERT, 1996). Estenúmero menor expressa as crianças que realmente nasceram, enquantoque as clínicas computam em seus dados desde a gravidez química (testepositivo para gravidez sem evolução da mesma) até os abortos, comoíndice de sucesso.

Quando se trata da população de baixa renda, as irregularidades legaise éticas são ainda mais graves. Podemos inferir isto a partir de uma reportagemmais recente, veiculada na revista Época. Com o título: “Mercado da Vida:médicos de Brasília retiram óvulos de mulheres de baixa renda para beneficiarclientes ricas de suas clínicas particulares”, a reportagem começa:

“Toda manhã de quarta-feira um grupo de mulheres deixa o setor deReprodução Humana do Hospital Regional da Asa Sul levando em baixodo braço sacos com remédios que não podem comprar. São moradoras debaixa renda das cidades-satélites de Brasília carregando injeções dotratamento de fertilização assistida. Todas querem muito ter filhos, mastêm dificuldades de engravidar. Elas não pagam pelo tratamento, o queconfere ao programa ares de obra social. Há, no entanto, umacontrapartida para o benefício. Em troca dos remédios, as mulheres têmde doar óvulos. Em recipientes refrigerados, eles são transportados parauma clínica particular, na área nobre da cidade. Lá, são implantados em

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mulheres de faixa de renda mais alta com problemas de fertilidade”(ÉPOCA, 2001). [grifo nosso]

A reportagem continua citando que o Hospital Regional da Asa Sul -HRAS, em Brasília, é um dos seis centros do país onde a reprodução assistidaé feita na rede pública. Informa também que os proprietários de uma clínicade reprodução assistida naquela cidade, criaram alternativa que conjugaseu trabalho na rede pública e seus interesses particulares. Primeiro captamas mulheres no setor de tratamento de infertilidade do Hospital Regional daAsa Norte - HRAN, onde é utilizada técnica para desobstruir as trompas emconjunto com medicação barata para aumentar a produção de óvulos. Comoo Hospital não possui laboratório para fazer o tratamento avançado dareprodução assistida, essas mulheres são encaminhadas para a clínica e lá,em troca de óvulos, ganham os remédios. Consultado, pelo repórter, umrepresentante do CFM, afirma: “Se o recebimento dos remédios for encaradocomo um pagamento ou troca de favor, é incorreto” (ÉPOCA, Op. cit.).

No Hospital de Clínicas de Porto Alegre são realizadas cerca de 350fertilizações ao ano, e lá não se faz trocas. No entanto, o chefe do setor deReprodução deste Hospital defende o escambo de seus colegas de Brasília,dizendo: “Em alguns casos, o compartilhamento é louvável, por ajudarpessoas sem condições de comprar medicamentos” (ÉPOCA, Op. cit.).

Já no Hospital Pérola Byintgton, da Secretaria de Saúde de São Paulo,que fertiliza cerca de 95 mulheres por mês, todas as mulheres recebem osremédios e o tratamento gratuitos. O diretor da Reprodução Humana doHospital é contra a permuta: “Sabemos que as pacientes fazem de tudo parater filhos e, ao sugerir a troca, estaríamos fazendo uma espécie de coação.Não posso concordar com isto” (ÉPOCA, Op. cit.).

Análise Bioética

As divergências de opinião relatadas mostram que o problema dareprodução assistida, quando referido a quem de fato tem acesso a ela, implicaem graves conflitos morais, pois ter acesso ou não, envolve questões relativastanto à justiça distributiva, e, portanto, à igualdade de oportunidades, comoà autonomia pessoal, visto que a liberdade de procriar está limitada pelatroca de favores. Com isso, a reprodução assistida se torna um problema dabioética, pois esta, reconhecidamente, se ocupa de conflitos e dilemas morais

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que surgem no âmbito das práticas humanas que se referem à qualidade devida e à saúde, logo, também a práticas que se referem à reprodução e aocomeço da vida.

Por outro lado, tais divergências mostram que se trata, também, de umproblema que diz respeito ao Direito, pois, como apontamos, as práticas dereprodução assistida infringem as normas e a própria Constituição. De fato,as graves irregularidades que ocorrem em nosso país neste campo, não sãopunidas. O Artigo IV, § 1 da Resolução CFM n º 1.358/92 dispõe que a“doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial”, sem, no entanto, definiro que é caráter lucrativo ou comercial.

Estas práticas ilegais parecem ser comuns no Brasil, ocorrendo às claras,o que só pode significar a certeza da impunidade. Como diz Oliveira, asclínicas de reprodução vendem óvulos sob a capa de doação voluntária:

“...usando a má fé de explorar o desejo de mulheres/casais pobres deobter um(a) filho(a). Diante da vulnerabilidade conferida pela pobreza,os capitães da indústria de bebês de proveta usam o poder de Deus, doqual estão investidos, e obtêm óvulos de modo espúrio. O governobrasileiro faz vistas grossas e é co-autor de tanta imoralidade, pois permiteserviços de reprodução assistida em hospitais públicos sem lhes fornecercondições adequadas de trabalho e os insumos exigidos - como osremédios necessários para maturar óvulos à força” (OLIVEIRA, Op. cit.).

Como visto, há muitos aspectos legais envolvidos nas NTR. Entretanto,interessa determo-nos às questões já sinalizadas: os temas da autonomia eda eqüidade. Se julgarmos moralmente errado o que vem ocorrendo nasclínicas de infertilidade, algumas perguntas de cunho moral devem guiar areflexão. Elas implicam em saber se a doação de óvulos das mulheres pobrespode ser considerada moralmente legítima, pois respeitaria o exercício daautonomia reprodutiva. Acreditamos que não, já que há questionamento tantosobre a efetiva autonomia exercida, quanto sobre a atuação dos profissionaisenvolvidos. Se há um consenso sobre a não eticidade do procedimento (defato uma troca de favores), pode-se apenas justificar tal prática pelapossibilidade dos benefícios? Admitamos que sim, mas, neste caso, os meiosjustificariam os fins? Também, admitindo que sim, será que é feito um Termode Consentimento Livre e Esclarecido, por escrito e assinado por essasmulheres, como dispõe a Resolução CFM nº 1.358/92? Em outros termos,podemos ver estas doações como coações? Se sim, então estaríamos

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desrespeitando o direito ao exercício da autonomia pessoal em matériareprodutiva, visto que não teríamos um consentimento autêntico. Ademaisestaríamos violando um direito, garantido pela nossa Constituição. Com efeito,em relação à autonomia e de acordo com Durand:

“Em situação normal, em face a um adulto capaz de dirigir sua própriavida, o princípio de autonomia exige o seu consentimento a todotratamento médico e a todo ensaio experimental. O direito toma um valorético quando proclama: ‘A pessoa humana é inviolável. Ninguém podeinvadir outra pessoa sem seu consentimento’ (Código Civil de Québec,artigo 19)” (DURAND, 1995).

Assim sendo, acreditamos que no caso das mulheres de baixa renda, oexercício da autonomia está prejudicado já que só lhes resta doar os óvulosse quiserem ter acesso à tecnologia desejada. E isso constitui abuso de poder,senão crime, pois a troca não é feita livre e espontaneamente, mas sobconstrangimento e baseada na desinformação. De fato, se as pessoas tivessemacesso à informação pertinente saberiam que, constitucionalmente, têm odireito à medicação necessária para seu tratamento sem ter que barganhartal direito dando, em troca, algo que lhes pertence e que concedem apenaspara garantir o acesso à tecnologia reprodutiva. Se não recorrem à justiçapor desconhecer seus direitos pode-se pensar que se soubessem recorreriam,criando assim um desequilíbrio, principalmente nas contas municipais eestaduais, como decorrência de despesas orçamentárias não previstas.

Mas, então, qual é o papel do Estado neste campo? Por que o Estado nãoprevê concretamente o acesso? Uma das respostas possíveis é que não seestaria privilegiando este procedimento. No entanto, o Programa deAssistência Integral à Saúde da Mulher - PAISM, criado em 1983 peloMinistério da Saúde, prevê o direito à anticoncepção e à concepção,acompanhando a política de saúde mais ampla que é voltada a dar toda aatenção aos métodos contraceptivos, o que, sem dúvida, também tem sido oaspecto mais enfatizado pelas feministas.

Agora, num país em que os índices de esterilização das mulheresalcançam níveis inaceitáveis, como informa o banco de dados do SistemaÚnico de Saúde - DATASUS a partir de dados de 1996, não é difícil preverque também o acesso à informação sobre os métodos contraceptivos éfalho ou ineficaz:

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“a porcentagem de esterilização feminina, entre as mulheres em idadefértil, era de 27,3%, ou seja, uma mulher esterilizada em cada quatrodeste grupo etário (...) o percentual de laqueaduras era próximo de 50%quando se consideram somente as mulheres de 30 anos e mais de idade”(DATASUS, 1998).

Assim, mulheres que querem um ou dois filhos vêem na laqueaduratubária o único procedimento de fato capaz de impedi-las de procriar. Ocorreque as condições de vida podem mudar: ou morre o único filho ou ocorre umnovo casamento e, nestes casos, estas mulheres esterilizadas podem searrepender e querer voltar atrás. Assim, esgotada a técnica cirúrgica tradicional,elas também querem a inseminação. Algumas nunca conseguiram engravidar;outras tantas sofreram seqüelas de abortos ou de doenças sexualmentetransmissíveis, o que as deixou estéreis. Todas podem querer engravidar e,nesse caso têm o direito de recorrer à reprodução assistida, mas o Estado lhesnega, de fato, o acesso, embora não possa fazê-lo de jure, visto serinconstitucional. Tal negativa pode ser vista como uma estratégia cujo foco é ointeresse em não aumentar a população, sobretudo a de baixa renda, o que épelo menos questionável.

Conclusão

Mas qual é o papel legítimo de um Estado democrático em uma sociedadecaracterizada por profundas e moralmente questionáveis desigualdades?Como deveria atuar para equacionar o direito individual ao exercício daautonomia, inclusive reprodutiva; a eqüidade e os inevitáveis limitesorçamentários nos programas de saúde, quando ponderados junto com outrosbens considerados essenciais e que também requerem recursos,reconhecidamente finitos, quando não escassos? De fato:

“(...) não é moralmente válido, ainda que talvez economicamentecompreensível, adaptar princípios éticos a situações locais quando traz,por conseqüência, a probabilidade de abandonar a população e os indivíduosmais vulneráveis a um destino determinado por mera ‘seleção natural’,como se essa não fosse também uma seleção econômica e política, o queseria, nas palavras de um filósofo norte-americano, uma autêntica tiraniada esfera econômica sobre as demais” (SCHRAMM & KOTTOW, 2000).

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Os problemas aqui apontados mostram a necessidade de questionar ocontrole, regulação, fiscalização, legislação e a ética da reprodução assistida.Com efeito, o controle sobre os resultados, os registros e a quase ausência depesquisas nesta área no Brasil, não impedem que se deva, com urgência,enfrentar essa problemática, inclusive do ponto de vista da bioética, a qualapesar de alguns exemplos contrários, tem abordado a questão de maneiraque consideramos insuficiente (SIMPÓSIO, 2001). Convém também lembrarque o fato desta técnica estar disponível em sua quase totalidade no setorprivado tem impedido a investigação por parte de pesquisadores, já que, emnome da privacidade da informação, não se tem acesso a estas clínicas e,muito menos, a seus resultados.

Finalizando, gostaríamos de recomendar que o acesso à reproduçãoassistida pelas mulheres pobres fosse respeitado, sem o quê, qualquerdiscussão sobre autonomia e justiça torna-se totalmente sem sentido. Afinal,a bioética é uma ética aplicada e, como tal, deve também dizer o que écorreto e o que é errado fazer em situações humanas específicas para melhorara qualidade de vida de todos e de cada um, inclusive daquelas pessoasresponsáveis por colocar no mundo outros seres humanos que poderãoconcordar, ou não, com os argumentos aqui apresentados.

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Recebido em 6/8/2005Aprovado em 16/8/2005

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A VULNERABILIDADE E O PACIENTE DA CLÍNICAODONTOLÓGICA DE ENSINO

Vulnerability and teaching odontologic clinic patients

Evelise Ribeiro GonçalvesUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, [email protected]

Marta Inez Machado VerdiUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, [email protected]

Resumo: As clínicas odontológicas de ensino são instituições de assistência que prestamatendimento com profissionais ainda em formação. Esta situação propicia osurgimento de conflitos e dilemas, principalmente porque a maioria das pessoas queprocuram atendimento busca atenção odontológica especializada, que não é fornecidapela rede pública. Com o objetivo de identificar as questões éticas que permeiam oatendimento a pacientes em uma clínica odontológica de ensino, realizou-se umapesquisa qualitativa de caráter exploratório descritivo com 10 professores do curso deodontologia de uma universidade pública federal. Foram investigadas as rotinas deacesso ao serviço e ao atendimento, marcados por situações peculiares, nas quais sepercebe que as pessoas em busca de tratamento tornam-se freqüentemente vulneráveis,sofrendo, em decorrência, desrespeito em sua autonomia, como pacientes, cidadãos eseres humanos. Este artigo pretende chamar a atenção da classe acadêmica para oproblema e reforçar a responsabilidade de todo o corpo docente dos cursos deodontologia na formação da competência ética dos futuros profissionais, bem comode sua postura frente aos pacientes atendidos nas clínicas de ensino.

Palavras-chave: Vulnerabilidade. Odontologia. Bioética. Clínicas odontológicasde ensino.

Abstract: The dental school clinics are unique assistance institutions providing healthcare through dental students. Moral conflicts and ethical dilemmas emerge speciallyas most people who attend these clinics are searching for specialized dental care notprovided for, under Brazilian public health care. A qualitative, exploratory anddescriptive research was performed at a dentistry course of a federal public universityaiming to identify the ethical issues involved in patient attendance at the dentalschool clinic of this institution. The access and attendance routines were investigated,through which was clear that the people assisted are frequently put into vulnerablesituations, and, as a result, their autonomy is not respected as patients, citizens andhuman beings. This article would like to bring this problem to the attention of theacademy and to emphasize the responsibility all dental school professors have in theconstruction of the ethical competence of the future dentists as well as in their attitudetoward the patients they assist at these institutions.

Key words: Vulnerability. Dentistry. Bioethics. Dental school clinics.

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o se falar de vulnerabilidade e das questões políticas, sociais ou huma-nitárias que engloba, deve-se atentar para os padrões sociais de desigualdadenas condições de vida, de saúde e de acesso aos serviços de saúde, uma vezque são situações que propiciam o surgimento de pessoas ou populaçõesvulneráveis (DINIZ, 2001). A versão revisada da Declaração de Helsinque

traz um parágrafo que trata da questão:

“As necessidades particulares dos que apresentam desvantagenseconômicas e médicas têm que ser reconhecidas. Também se requerespecial atenção àqueles que não podem dar ou recusar o consentimentopor si mesmos, àqueles que podem se sujeitar a dar consentimento emsituações de dificuldade...” (WORLD MEDICAL ASSOCIATION, 2000).

O vulnerável sofre necessidades não atendidas, o que o torna frágil epredisposto a sofrer danos. Sujeitos vulneráveis têm que ser protegidos,enquanto os predispostos à vulnerabilidade precisam de assistência pararemover a causa da sua fraqueza. Além da vulnerabilidade básica, intrínsecaà existência humana, alguns indivíduos são afetados por circunstânciasdesfavoráveis que os tornam ainda mais vulneráveis (KOTTOW, 2003).

A dificuldade de acesso à assistência odontológica caracteriza uma dessascircunstâncias, pois a cobertura da assistência odontológica pública brasileiranão consegue suprir a demanda da população. Não só as vagas paraatendimento são insuficientes, como os serviços prestados pelas unidadeslocais de saúde não atendem às necessidades por serviços odontológicosbásicos ou especializados.

O Governo Federal, por meio do Programa Brasil Sorridente, e lançadoem outubro de 2004, pretende investir em diversas ações em saúde bucal atéo final de 2006. Entre elas está a construção e instalação de Centros deEspecialidades Odontológicas - CEO, que vão prestar atendimentoespecializado à população (CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA,2004). Este programa está, no entanto, ainda em fase inicial deimplantação, do que se depreende que boa parte da população continuadesassistida.

As clínicas odontológicas de ensino são estabelecimentos vinculados aoscursos de odontologia das universidades, e, na sua maioria, são mantidaspor verba pública. Essas clínicas prestam atendimento odontológico básico eespecializado à população, por meio de profissionais ainda em formação, ouseja, os estudantes desses cursos.

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Segundo Beauchamp e Childress, “dentro de instituições de assistênciamédica que ensinam futuros profissionais através do atendimento a pacientes,surgem freqüentemente conflitos morais e dilemas éticos” (BEAUCHAMP &CHILDRESS, 2002). Sua realidade peculiar pode contribuir para colocar aspessoas atendidas em condição vulnerável, já que as rotinas adotadas nocotidiano institucional referem-se a práticas que nem sempre têm relação diretacom o tratamento do paciente, e sim, muito mais, com a formação do profissionale o cumprimento da produção acadêmica. Esses objetivos transformam as pessoasatendidas em objetos para o ensino aos estudantes. Em decorrência disso, aspessoas que procuram as clínicas de ensino dessas instituições, em busca deserviços que não lhes são fornecidos pela rede pública, tornam-se vulneráveis,e, conseqüentemente, sofrem desrespeito a sua autonomia.

Dito isso, é importante refletir sobre as diferentes questões éticasenvolvidas na relação terapêutica protagonizada pelo paciente, o aluno e oprofessor. Dentre estes questionamentos, destacam-se: qual a autonomiadessas pessoas durante o atendimento? Podem recusar determinadosprocedimentos? Como se processa na relação paciente/aluno/professor oconfronto de diferentes interesses: de um lado, a necessidade terapêutica;de outro, o interesse acadêmico? Há a supremacia de um em detrimento dooutro, quando o interesse acadêmico prepondera sobre a vulnerabilidadedos pacientes, desrespeitando seu direito individual em nome do ensino?

Para responder a essas indagações, este estudo busca caracterizardiferentes situações nas quais o paciente da clínica odontológica de ensino écolocado em condição de vulnerabilidade.

Metodologia

Em 2004, foi realizada pesquisa de abordagem qualitativa e de caráterexploratório descritivo, junto a dez professores do curso de odontologia deuma universidade pública federal, sorteados dentre o corpo docenteresponsável pelas seguintes disciplinas: Cirurgia, Clínica Integrada,Dentística, Endodontia, Estomatologia, Odontopediatria, Ortodontia,Periodontia, Prótese Parcial e Prótese Total. As informações foram coletadasem entrevista semi-estruturada, incluindo nove perguntas abertas, gravadasem fitas-cassete, e, posteriormente, transcritas na íntegra. A técnica escolhidapara a análise dos dados foi a análise de conteúdo proposta por Bardin(BARDIN, 1977).

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O projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisacom Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC,sendo aprovado sem restrições. A pesquisadora comprometeu-se a manter aidentidade dos participantes em sigilo, com uso de codinomes. Foramutilizados os nomes de dez capitais européias colocadas em ordem aleatória,correspondendo cada uma delas a um entrevistado.

A Vulnerabilidade do Paciente da Clínica Odontológica de Ensino

Quando uma pessoa procura uma clínica odontológica de ensino, consenteexplícita e implicitamente com certas perdas de privacidade, relativas aoexame e ao tratamento odontológicos. Porém, essa decisão não concede nemimplica em acesso irrestrito ao seu corpo. São poucos os pacientes, no entanto,que entendem a extensão da perda de privacidade que podem sofrer dentroda clínica odontológica de ensino, e, por outro lado, nem sempre osprofissionais envolvidos no atendimento respeitam o limite desta perda,pautada entre outros aspectos, pelo princípio do respeito à autonomia.

Beauchamp e Childress colocam que o paciente deve ser semprecorretamente informado sobre a realidade da instituição e sobre osprocedimentos a serem realizados, dando seu consentimento esclarecido evoluntário, e, também, nunca ser submetido a riscos desnecessários(BEAUCHAMP & CHILDRESS, Op. cit.). Somente deste modo, não estarãosendo violados princípios éticos de relacionamento entre profissional epaciente. Porém, a realidade relatada pelos entrevistados explicitou algumasquestões que claramente desrespeitam as pessoas atendidas na instituiçãopesquisada, colocando-as em condição de vulnerabilidade.

Uma primeira situação relatada pelos docentes, e que pode serconsiderada um reflexo das desigualdades sociais que caracterizam asociedade brasileira, é a luta por vagas para atendimento. Um dos docentesassim se manifestou: “É complicado [...] primeiro ele tem que entrar em umacompetição pra poder conseguir uma vaga [...] houve uma época que existiaum comércio [...] as pessoas vinham pra cá de madrugada, conseguiam avaga e depois vendiam pra comunidade” (Roma).

Trindade e colaboradores ressaltam que, devido a fatores econômicos,sociais ou mesmo de necessidade especial à saúde bucal, observa-se crescenteprocura por atendimento odontológico nas clínicas de ensino (TRINDADE et

al.,1999). Dessa forma, tem-se criado uma grande dificuldade para a obtenção

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de uma vaga para atendimento nessas instituições, sendo que a maioria dosque a conseguem, consideram o fato uma vitória, por mais contraditório queisso seja. Isso porque o serviço prestado ali é, na verdade, um direito adquiridodas pessoas, uma vez que essas são instituições públicas, mantidas pelapopulação com o pagamento de impostos. Apesar desse contra-senso, arealidade é que um grande número de pessoas procura as clínicasodontológicas de ensino das universidades em busca de serviçosespecializados “gratuitos” que não estão disponíveis na rede pública deatendimento e pelos quais não têm condição de pagar.

Uma vez tendo conseguido cadastrar-se na instituição, o paciente entrapara uma fila de espera por atendimento em uma disciplina que faz o exameodontológico inicial e a anamnese, e que estabelece a prioridade de tratamentopara cada paciente, encaminhando-o para outra lista de espera, a dasdisciplinas clínicas específicas. A partir daí, os pacientes deveriam serchamados para atendimento seguindo a ordem dessa lista; no entanto, arealidade percebida pelos professores é outra. Perguntados se o sistema oficialde triagem de pacientes era respeitado, assim se manifestaram: “Nãonecessariamente. Até porque muitas vezes alguns pacientes nos vêmencaminhados por outros colegas de dentro da faculdade, que nos pedemajuda para atender esse ou aquele paciente: um parente, um amigo” (Oslo).

Segundo Bellino, “um verdadeiro empenho ético deve garantir à ciênciaum máximo de liberdade compatível com o respeito devido aos outros valoresem jogo [...] e essas regras valem não só para os peritos e cientistas, mastambém para o homem comum” (BELLINO, 1997).

Privilegiar o atendimento de amigos, conhecidos e parentes de professoresou funcionários, expõe o uso de outros critérios para a distribuição de vagas,que não os previamente determinados pela instituição, ficando caracterizadoo abuso da autoridade de professores e funcionários, que desrespeitamaqueles que aguardam por atendimento, evidenciando, também, avulnerabilidade desses pacientes, que ficam aguardando o atendimento,pensando estar em uma lista de espera que, além de ser longa, parece tambémser permeada por atalhos e desvios.

Além da questão do privilégio no atendimento a pessoas conhecidas,outras situações também desrespeitam a autonomia das pessoas que aguardama chamada pelas disciplinas clínicas. Uma delas é a prioridade explícita queé dada por algumas das disciplinas ao atendimento de casos de interesseacadêmico, como relatou esse professor:

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“O paciente recebe uma orientação e fica sabendo que no momento quehouver uma vaga para o que a gente precise a gente chama. Mas nadependência também daquilo que nos interessa. [...]. Porque eu semprecoloco para o pessoal: isso aqui antes de tudo é uma escola, não é umposto de atendimento” (Londres).

A percepção do professor deixa explícito que os casos de interesseacadêmico são tratados com prioridade, sobrepondo-se à lista de espera e àsnecessidades dos pacientes. Para legitimar tal regalia, utiliza-se comoargumento a característica da instituição, formadora da clínica de ensino. Éfato que esta instituição é uma escola, cuja finalidade é capacitar novosprofissionais; entretanto, convém ressaltar que toda pessoa, na condição depaciente, ou seja, quando apresenta necessidades relativas a sua saúde,deve ser tratada para que tais necessidades sejam suprimidas. Ela não deveser prejudicada ou preterida por não apresentar a “necessidade certa”, quelhe possibilitaria obter o tratamento de maneira rápida, pois isso caracterizadesrespeito a um direito humano básico, que é o direito à saúde.

A importância e prioridade que são conferidas pela instituição à formaçãodos profissionais, e, conseqüentemente, ao cumprimento da produçãoacadêmica, ficam claras em outra situação, identificada nas práticas dosdocentes: o uso de pacientes como “reserva”. A dinâmica de trabalho adotadanas disciplinas clínicas prevê que o número de pacientes a terem acesso aoserviço deve corresponder ao número de alunos disponíveis para realizá-lo.Os “pacientes-reserva” são assim chamados porque representam um númeroexcedente de pacientes, marcados para ficar aguardando uma chance deserem atendidos em caso, principalmente, da falta de algum paciente quefoi agendado para aquele dia. Sobre isso, um docente assim se manifestou:

“Sempre se pede mais [...] um pouco não, normalmente o dobro, às vezesnão dá para atender [...] não deu, aí eles voltam na semana que vem.[...] normalmente eles ficam chateados, mas normalmente são pessoashumildes que estão acostumadas com esse tipo de coisa” (Lisboa).

Chama a atenção a “coisificação” das pessoas, explícita nessa prática.Pela sua necessidade de tratamento, o paciente é visto como um meio queobjetiva alcançar o fim proposto para a instituição, que é o atendimento a serrealizado pelo aluno. Segundo Fortes:

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“Todo ser humano, quando na posição de paciente, dever ser tratado emvirtude de suas necessidades de saúde e não como um meio para asatisfação de interesses de terceiros, da ciência, dos profissionais de saúdeou de interesses industriais e comerciais” (FORTES, 2002).

Além disso, a situação caracteriza também desrespeito à autonomia dopaciente, a quem não é dada nenhuma informação que lhe possibilite tomaruma decisão com pleno conhecimento de causa.

O uso do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido é frequentementeassociado ao respeito à autonomia do paciente. Em teoria, deve proteger osujeito na pesquisa ou no tratamento, informando-o sobre os procedimentos aserem realizados e seus objetivos, buscando desta forma respeitar a vontadedo indivíduo em consentir ou não com realização de determinada ação. Aclínica odontológica de ensino pesquisada adota como prática comum o usode um Termo de Autorização para diagnóstico e tratamento, localizado norodapé da ficha cadastral do paciente junto à instituição. A sua assinatura,que acontece quando o paciente é examinado pela primeira vez, é pré-requisito para que seja encaminhado para as disciplinas clínicas. Um docentese manifestou sobre o fato: “[...] ele quer ser atendido, então ele vai assinandoda mesma forma que eu assinei o teu consentimento informado [...] a maioriados pacientes que vão ler o consentimento informado, eles dão uma “passada”e assinam [...]” (Copenhague).

O termo em questão concentra, em algumas linhas, um grande númerode procedimentos e ações a serem realizadas, com as quais o pacienteteoricamente consente ao assinar, mesmo quando se encontra em situaçãode vulnerabilidade social. Segundo Zoboli e Fracolli, tal situação inclui, entreoutros fatores, a pobreza, as desigualdades sociais e de acesso às ações eserviços de saúde e educação (ZOBOLI & FRACOLLI, 2001). Frente àvulnerabilidade social, deve-se questionar se o sujeito que enfrentoudificuldades para conseguir acesso aos serviços de saúde, é verdadeiramentelivre para exercer sua opção autônoma, especialmente quando teme que suarecusa em assinar um termo de consentimento possa resultar na perda davaga para atendimento.

Além disso, freqüentemente há um longo período, de meses e até anos,de espera entre a assinatura da autorização e o atendimento propriamentedito, devido à grande demanda por vagas. O paciente acaba, portanto,consentindo com uma variedade de procedimentos em relação aos quaisdificilmente pode prever a efetiva realização.

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A maneira como o Termo de Autorização para tratamento é utilizado nainstituição, como mera formalidade burocrática, suscita o questionamentosobre até que ponto os pacientes estão realmente informados e de acordocom a realização de todos os procedimentos. Para avaliar isso, procurou-sesaber se existiam outras formas de informar os pacientes e de obter seuconsentimento voluntário quando realizados procedimentos terapêuticos etomadas imagens fotográficas. A respeito disso, alguns docentes assim semanifestaram: “Infelizmente não. Na verdade a única preocupação é com odiagnóstico, planejamento e tratamento, e não se presta nenhum outro tipode esclarecimento adicional ao paciente” (Estocolmo); “[...] eu não faço essetipo de coisa, mas eu acho que não é pedido o consentimento da pessoa.Acha um caso interessante, alguém pega a máquina, bate a foto e pronto”(Berlim).

O princípio da autonomia é desrespeitado devido à falta de informaçãodo paciente em relação ao procedimento que se pretende fazer e à ausênciado consentimento livre, esclarecido e voluntário, específico para cadaprocedimento. Vários professores argumentaram que os pacientes já haviamdado consentimento quando assinaram a autorização para tratamento. Noentanto, deve-se atentar para o conflito criado pelo uso da autorização paratratamento como forma única de esclarecimento e concordância do pacientecom a realização de todos os procedimentos que vão ser feitos na clínica,incluindo as fotografias. Além disso, essa autorização, além de não ser umdocumento específico, não contempla informações suficientes sobre osprocedimentos que serão realizados e, como já foi dito, é apresentada aopaciente muito tempo antes da realização do atendimento.

A dificuldade em conseguir atendimento parece gerar nas pessoas o medoconstante da perda da vaga, tornando-as vulneráveis. Em função disso,acabam assinando - muitas vezes sem saber com o que estão consentindo - aautorização para tratamento e se submetendo no cotidiano das clínicas deatendimento a todo e qualquer procedimento. Essa situação caracteriza arestrição da liberdade de manifestação dos pacientes atendidos, que ficaexplícita na fala deste docente:

“O paciente praticamente não fala nada, [...], porque ele já estavaesperando há muito tempo, então imagina se ele começar a fazer certosquestionamentos que seriam normais, ele pensa que naturalmente vaiperder a vaga. [...]” (Copenhague).

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Por fim, uma situação que constantemente coloca os pacientes atendidospela clínica odontológica de ensino em condição de vulnerabilidade é a prática,comum em algumas disciplinas, de exigir dos alunos o cumprimento deprodução acadêmica mínima como requisito para a aprovação: “[...] o alunotem que ter uma certa produção dentro da disciplina e ele pode ser penalizadopela recusa do paciente e ele vai ter que ir atrás de outra forma pra compensaressa perda” (Paris). A mesma situação é relatada por outro docente:

“Na nossa disciplina nós temos muito cuidado em não exigir dos nossosalunos produção mínima, porque pode ser que ele chegue no final e nãotenha produzido exatamente o número certo de procedimentos que agente considere ideal e por isso a gente atribua a ele uma nota inferior àde um indivíduo que tenha feito desnecessariamente o dobro”(Estocolmo).

A vulnerabilidade do paciente fica explícita se considerarmos que, damesma forma que algumas disciplinas se preocupam em coibir a “inclinação”de certos alunos em “sobretratar” alguns pacientes para cumprir a metaestipulada pela disciplina, outras podem não ter a mesma orientação ou terum corpo docente menos atento a esses acontecimentos.

Os pacientes confiam nos estudantes de odontologia e sempre esperamque eles atuem em nome da sua saúde bucal. Quando o estudante sugereum tratamento, que seja o indicado para o caso e também seja “útil” paracompletar a sua produção, ele não está necessariamente violando a autonomiado paciente ou ferindo o seu próprio dever de beneficência; mas, para queisso se configure, o paciente deve estar informado a respeito de toda a situaçãoe realmente dar seu consentimento voluntário para que o tratamento aconteça(VAN DAM & WELIE, 2001). Esses autores vão ainda mais longe, dizendoque, ao não informar o paciente sobre essa situação, os estudantes, e porconseqüência, os professores que os orientam, agem da mesma formadesonesta que pesquisadores que não esclarecem corretamente os sujeitosde pesquisa ou os profissionais que tentam convencer pacientes a fazertratamentos caros e desnecessários.

Todas as situações visualizadas nesta pesquisa, por mais questionáveis,constrangedoras e injustas, fazem parte do cotidiano de instituições similaresà pesquisada neste trabalho, remetendo a uma citação de Foucault, que podeser interpretada para a realidade pesquisada por este estudo. Ele questiona:

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“Com que direito se pode transformar em objeto de observação clínicaum doente ao qual a pobreza obrigou a solicitar a assistência hospitalar?Ele requer um auxílio do qual é o sujeito absoluto na medida em queeste foi criado pra ele; mas agora lhe é imposto um olhar do qual ele éobjeto, e um objeto relativo, pois o que se decifra nele está destinado aum melhor conhecimento dos outros” (FOUCAULT, 1987).

Considerações Finais

A vulnerabilidade intrínseca à existência humana é, até certo ponto,protegida pela sociedade. Afora essa vulnerabilidade, os seres humanos sãoafetados por vulnerabilidades circunstanciais, em decorrência da pobreza,da falta de acesso a serviços de saúde e da discriminação. Essas situaçõesimpedem as pessoas de terem suas necessidades atendidas, predispondo-asa infortúnios adicionais. A bioética tem particular preocupação com essavulnerabilidade secundária e circunstancial devido aos riscos que correm aspessoas vulneráveis de serem prejudicadas pela exploração advinda de açõesbiomédicas realizadas por profissionais da saúde.

A formação de futuros profissionais é a importante missão das instituiçõesde ensino. No entanto, quando essa formação envolve atendimentoodontológico prestado à comunidade e realizado por estudantes, a situaçãoassume características diferentes da simples democratização de informaçõese de conhecimento, havendo o risco de que se estabeleçam conflitos moraise dilemas éticos devido à submissão dessas pessoas à condição de objeto deensino para os futuros profissionais.

É importante sublinhar que o atendimento prestado pelas clínicasodontológicas de ensino representa, para parte da população brasileira, a únicachance de acesso a determinados serviços essenciais, que não são fornecidospela rede pública de atendimento. Tal situação pode tornar essas pessoasvulneráveis, o que freqüentemente ocorre, pois elas acabam se submetendo aqualquer situação para suprir sua necessidade de saúde, sendo, então,desrespeitadas na sua autonomia, como pacientes, cidadãos e seres humanos.

Assim, vale ressaltar que todo o corpo docente do curso de odontologiatem grande responsabilidade na construção da competência ética dos futurosodontólogos e na sua postura frente aos pacientes, que vivenciam, mesmoque por período determinado, a condição de objeto de ensino para osprofissionais em formação. Esta condição, além de questionável, não justificadesrespeitos a sua dignidade, valor primeiro e fundamental da vida humana.

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Referências Bibliográficas

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BELLINO, F. Fundamentos da bioética. Aspectos antropológicos, ontológicos e morais.Bauru, EDUSC. 1997.

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CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA, ano 12, n. 61, jul-ago., Rio de Janeiro.2004.

CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA, ano 12, n. 62, set-out., Rio de Janeiro.2004.

DINIZ, D. A vulnerabilidade na bioética. In: COSTA, S. I. & DINIZ, D. (Orgs.).Bioética: ensaios. Brasília: Letras Livres: 27-32, 2001.

FORTES, A. P de C. Ética e saúde. São Paulo, EPU, 1ª reimpressão, 2002.

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TRINDADE, O. & RAMOS, D. Análise das rotinas adotadas nos serviços de triagemde instituições de ensino odontológico para atendimento e encaminhamento depacientes: aspectos éticos. Revista da Pós-Graduação da Faculdade de Odontologiada USP, São Paulo, Universidade de São Paulo, 6: 291-297.1999.

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ZOBOLI, E.L. C. P. & FRACOLLI, L. A. Vulnerabilidade do sujeito de pesquisa.Cadernos de Ética em Pesquisa, Brasília, Ano IV(8): 20-21. 2001.

VAN DAM, S. & WELIE, J. Requirement-driven dental education and the patient’sright to informed consent. Journal of American College Dentistry, 68(3):40-47, 2001.

Recebido em 11/6/2005Aprovado em 9/8/2005

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Vida Ética: os melhores ensaios do mais polêmico filósofoda atualidade.

SINGER, Peter.

Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. 420p.

ISBN 850001055X

“Dizem freqüentemente que a vida é sagrada. Mas quase nunca isso é

dito no sentido literal. Não se quer dizer que a vida seja sagrada em si,

como parecem indicar as palavras. Se assim fosse, matar um porco ou

arrancar um repolho pareceria tão hediondo quanto matar um ser

humano. Quando dizem que a vida é sagrada, as pessoas têm em mente

a vida humana. Mas por que deveria a vida humana tem valor especial?”.

O livro Vida ética é uma excelente amostra do estado-da-arte da produçãoacadêmica do filósofo australiano Peter Singer. Num convite a reflexão sobretemas fundamentais e extremamente provocantes, esta coletânea é leituraobrigatória para bioeticistas e todos os que se interessam pela ética utilitarista,trazendo inquietação e incômodo aos espíritos moldados numa ética centradano homem. Esta seleção de artigos, feita pelo próprio autor, trata com clareza eexcelente articulação lógica os controversos meandros da filosofia moral.

Peter Singer é especialista em ética aplicada e professor na prestigiadaUniversidade de Princeton, onde estuda problemas como o aborto, a eutanásia,o estatuto moral dos animais, as responsabilidades morais perante os maispobres do mundo e outros temas persistentes, sob o prisma utilitarista daética prática, que pode ser entendida como um modo de dar relevância àfilosofia nas questões cotidianas.

O livro foi lançado em 2002 pela Ediouro (tradução da versão inglesalançada em 2000) e é uma espécie de resposta dada por Singer aos dilemasde uma visão unilateral de mundo. É um momento de reflexão acerca dainfluência de seus escritos sobre indivíduos engajados nas questões ambientaise na questão animal, e também um instante de reflexão crítica sobre conflitosmorais indiosincrásicos: militância ou academia?

Resenha de livros

Esta seção destina-se à apresentação de resenhas de livros de interesse para a bioética.

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A coletânea encontra-se dividida em cinco partes: “Natureza da Ética”com dois fragmentos sobre as diferentes interpretações do que é ética e doque é moral; “Cruzando a Barreira das Espécies” com sete textos, dos quaisdestaca-se o excelente “Todos os Animais são Iguais...” onde foi “embrionada”a questão do especismo; “Salvar e Tirar a Vida Humana” com 10 fragmentossobre eutanásia, início e fim de vida; “Ética, Interesse Pessoal e Política” ; epor fim, “Anotações Autobiográficas”, com dois fragmentos e uma entrevista,nos quais Singer expõe algumas situações onde sua cáustica análise utilitaristagerou desconforto em seus ouvintes e interlocutores, causando em algunsmomentos até uma franca hostilidade.

A prosa direta e cativante transforma os textos numa agradável leitura,onde os argumentos são apresentados em seqüente exposição de conceitos,induzindo os leitores a uma reflexão acerca de seus pré-conceitos emotivações. Singer, com brilhantismo e argúcia, conduz seu público a reverseriamente as conseqüências do agir cotidiano e o lugar do homem nanatureza, levando em consideração que, apesar de sua visão utilitarista,outras leituras de mundo podem e devem ser feitas.

O ponto mais contundente de sua obra reaparece em Vida ética e continuasendo sua principal bandeira: todos os seres sencientes devem ter seusinteresses levados em consideração, apesar de qualquer antropocentrismo.

Natan Monsores de Sá

Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Brasília, Distrito Federal, Brasil.

[email protected]

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Atualização científica

Esta seção destina-se à apresentação de resumos e comentários de artigos científicos

recentes.

HÄYRY, Matti. A defense of ethical relativism.

Cambridge Quarterly of Healthcare Ethics 14 (1): 07-12, 2005.

O filósofo finlandês Häyry discute a questão do relativismo, palavra queexprime idéia controversa na bioética ocidental, buscando demonstrar que oconceito vem sendo mal entendido e mal aplicado. Para isso cria uma tabelasimples onde se combinam seis “ismos”: absolutismo, relativismo e nihilismoem uma coluna; e objetivismo, inter-subjetivismo e subjetivismo em outra.

As normas e valores éticos que orientam as ações e o pensamento moraloriginam-se de três fontes básicas: do indivíduo, dos outros com os quaisesse indivíduo se relaciona e da realidade objetiva. Cada pessoa possui suaprópria vida, pensamento e características que, de alguma forma, orientamsuas ações. A convivência com outras pessoas também influencia valores,normas e ações. Outros fatores objetivos decorrem de vivermos em um mundoconcreto que não podemos de todo controlar, criando a necessidade deadaptação de nosso comportamento, ainda que seja simplesmente parasobreviver.

O poder prescritivo, mandatário ou a validade de normas e valores podemestar baseados em três atitudes. Uma possibilidade é considerá-losabsolutamente vinculantes, sendo moralmente inadequado deixar de segui-los. Este seria o caso do absolutismo, uma doutrina pela qual algumas normase valores devem ser obedecidos sem exceção. A versão objetiva dessa atituderemonta a Platão, para o qual normas e valores residem no mundo das idéiase devem ser seguidas mesmo em contradição com os costumes da sociedadee os desejos eventuais de cada um. Tomás de Aquino retoma essa perspectivaem sua teoria de direito natural, argumentando que Deus e a Razão seriamas origens da correta orientação moral. Para Kant, a racionalidade humana éa única fonte legítima de normas morais. O utilitarismo de Jeremy Benthamé igualmente uma forma de objetivismo absoluto embasado na moralidadedo prazer e da dor e na busca da maior satisfação possível para o maiornúmero de pessoas.

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É questionável se o intersubjetivismo existiria como doutrina, o queteoricamente significaria que normas contratualmente assumidas ou valoressociais ou comunitários tradicionais deveriam ter prevalência absoluta comofontes da ação e da moralidade. O problema, nesse caso, residiria naquelesque não fazem parte do contrato social ou não pertencem à sociedade emquestão. Rawls, em sua teoria de justiça, retorna ao ideal absolutista kantianode que todos os seres racionais devem aderir ao contrato. MacIntire, críticoda visão “comunitária” de Rawls, também termina por inspirar-se nas idéiasde Tomás de Aquino, de forma que essa posição, na matriz inicial, ficariavazia. Do mesmo modo, a versão subjetivista de que as normas de um indivíduodevam prevalecer sobre as demais, não parece ter jamais recebido defesafilosófica.

O relativismo estabelece que a validade de normas e valores está semprerelacionada a um fenômeno ou ponto de vista em transformação. Não rejeitatodas as normas, mas se opõe a regras e princípios absolutos. A relativizaçãode costumes e leis no ocidente remonta ao Século XVIII por meio das visões deAdam Smith, para quem o fator de mudança estaria na produção e distribuiçãode bens e serviços e não na forma de pensar sobre eles. Hegel argumenta queas idéias e as condições materiais que moldam o progresso histórico obedecema uma certa dialética em que conceitos morais são transformados e formas depensamento se sucedem. Neste sentido, Marx assume elementos de ambos osautores, rejeitando a maioria dos valores burgueses ocidentais.

No Século XX, o relativismo foi estendido a sociedades intersubjetivasespecialmente em decorrência de trabalhos antropológicos que produzemimpacto no ocidente, com visões de outras culturas. A necessidade dereconhecer a diversidade moral acentua-se após a II Guerra Mundial, com acriação as Nações Unidas, quando se inicia o processo de regulamentaçãodas relações internacionais, incluindo códigos morais. A partir daí tomarammaior vulto as tentativas para entender as moralidades de outros grupos egarantir que qualquer indivíduo, em qualquer sociedade, pudesse mudarsuas circunstâncias de vida caso não conseguisse viver conforme aspectosde sua cultura original. A variação subjetivista do relativismo lembra quecada pessoa, cultura ou nação possui pontos de vista próprios. O “egoísmoracional”, uma forma prudente ou tolerante de egoísmo, supõe que cada umdeva apreciar seus pontos de vista, reconhecendo que outros possuem suaspróprias visões a que igualmente concedem valor.

Outro ponto desta análise, o niilismo, estabelece que algumas ou todasas normas e valores não são válidos e devem ser rejeitados. As motivações

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para essa rejeição vão desde a irritação intelectual até considerações morais.Quando aplicamos idéias niilistas a teorias morais objetivistas, há duasconclusões possíveis. Se pudermos, por exemplo, ignorar regras kantianasou de Bentham (que são predominantemente altruístas), podemos estaradvogando alguma forma de egoísmo. Por outro lado, se combatemos ouniversalismo desses valores comunitários ou contratuais, tendemos aoexistencialismo ou ao emotivismo.

A exigência de rejeitar normas subjetivas ou intersubjetivas faz parte,geralmente, de formas tradicionais de objetivismo absoluto. Em termos devalores humanos, portanto, Platão, Tomás de Aquino, Kant e Bentham podemser vistos como niilistas, já que negam a validade de alguns valores. Doponto de vista do existencialismo, esses autores estariam induzindo as pessoasa viverem de modo “não autêntico” ou de “má fé”.

Após preencher as posições da tabela, o autor conclui o que seria, a seuver, o relativismo. Uma doutrina que: atribui valores a indivíduos, a todos osindivíduos e não a um indivíduo isoladamente; busca, identifica e definenormas válidas em termos de contratos e valores compartilhados, ou seja,em termos da interação humana e seus resultados; reconhece diferençasculturais, históricas ou outras entre normas e valores, sem desqualificarnenhum deles. Assim, segundo essa análise, o relativismo não é lealdadesocial ou comunitária irrefletida ou egoísmo absoluto, noções que parecemter sido inventadas por escolas antagônicas de pensamento. Tampouco éniilista, na medida em que não nega a validade de todas as normas e valores.

Caso a alternativa ao relativismo seja o objetivismo absoluto, isso iriaexigir um passo gigantesco para uma visão particular da natureza humana.E sendo essa visão uma visão individual, ela significaria, no fundo, o egoísmoabsoluto. Nesse caso, o autor defende o relativismo como uma idéia que nãoseria tão ruim.

O artigo é recomendável para todos aqueles que acompanham o panoramainternacional e as tentativas de julgamento de comportamentos específicos apartir de determinados parâmetros da cultura ocidental. A busca deabordagens conceituais contratuais para o estabelecimento de regras e valoreséticos pretensamanente universais, frequentemente deixa de fora gruposcom baixa capacidade de poder para garantir a validade de suas visões morais.Nesse processo, valores discordantes passam a ser desqualificados, levandoa situações de intolerância, discriminação e conflito, que no bojo de umavisão relativista poderiam ser resolvidas de forma mais construtiva ecompatível com a dignidade humana.

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É indispensável relembrar que diferenças no grau de desenvolvimento,condições de vida, tradição histórica e o pluralismo cultural entre populações,tornam imperativa a convivência de diversos sistemas de valores, quepermanecem existindo não obstante a imposição exógena de regras comuns.O respeito a valores diferenciados de grupos humanos distintos, não impedea identificação de eventuais parâmetros comuns que necessitam, contudo,ser trabalhados de modo inclusivo, permitindo que visões discordantes sejamapreciadas sem antagonismo a priori e que se conserve espaço para mudançasdecorrentes de novas situações e realidades.

O artigo de Häyry apresenta uma ferramenta interessante para avaliaçãodos rumos atuais da bioética. Desconstrói, de modo sistemático, a conotaçãonegativa do relativismo imposta pelas correntes prevalentes da bioética eamplia o espaço teórico para o surgimento de novas abordagens.

Ana Maria Tapajós

Assessoria de Assuntos Internacionais de Saúde – Ministério da Saúde, Brasília,

Distrito Federal, Brasil.

[email protected]

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Apresentação

Entre os dias 20 e 24 de junho passado foi realizada em Paris, França, nasede da UNESCO, a segunda e decisiva Reunião dos ExpertsGovernamentais de diferentes países membros daquele organismo para definiro texto final da futura Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos.O Brasil foi representado pela Delegação oficial do país na UNESCO chefiadapelo Embaixador Antonio Augusto Dayrell de Lima, secundado pelo MinistroLuiz Alberto Figueiredo Machado e pelo secretário Álvaro Luiz Vereda deOliveira. O prof. Volnei Garrafa, presidente da Sociedade Brasileira deBioética - SBB, assessorou a delegação brasileira como Delegado Oficial doEvento, designado pelo Presidente da República por meio de ato oficial.

A reunião teve a participação de 90 países e se caracterizou por umgrande divisor de posições entre os países ricos e pobres. As posições dosdesenvolvidos, encabeçada por Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Japão eReino Unido, defendia uma Declaração que restringisse a bioética aos tópicosbiomédicos / biotecnológicos. O Brasil teve papel decisivo na ampliação dotexto para os campos da bioética social e da bioética ambiental. Com o apoiode todas as demais delegações latino-americanas presentes, secundadasespecialmente a da Argentina, pelos países africanos, Índia e Síria, o teorfinal da Declaração pode ser considerado como uma grande vitória das naçõesem desenvolvimento. No momento, a UNESCO está adaptando o documentoaos idiomas oficiais: inglês, francês, espanhol, russo, chinês e árabe. O formatofinal será submetido à homologação, pela Assembléia Anual da UNESCO, aser realizada em outubro de 2005.

Pelo conteúdo da Declaração, principalmente no capítulo referente aosprincípios, os leitores poderão verificar o acerto da SBB quando a mesmadecidiu incursionar pelos caminhos da aproximação da bioética com a saúdepública e os temas sociais, há alguns anos atrás. A definição do tema oficial doVI Congresso Mundial realizado em Brasília, em novembro de 2002, jáprenunciava a ampliação da definição da bioética principalmente ao camposocial: “Bioética, Poder e Injustiça”. A tradução preliminar e livre da Declaração,aqui apresentada em português, está sob a responsabilidade da CátedraUNESCO de Bioética da UnB. Finalmente a América Latina e o Brasil estãomostrando ao mundo sua participação militante nos temas da bioética, comresultados práticos e concretos, como é o caso da presente Declaração.

Documentos

Esta seção destina-se a apresentar documentos de interesse relevante para a bioética.

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ESBOÇO DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE BIOÉTICA EDIREITOS HUMANOSParis, 24 de junho de 2005.

A Conferência Geral,

Consciente da capacidade exclusiva dos seres humanos de refletir sobresua própria existência e sobre o seu meio ambiente; de perceber a injustiça;de evitar o perigo; de assumir responsabilidade; de buscar cooperação e dedemonstrar o sentido moral que dá expressão a princípios éticos,

Refletindo sobre os rápidos desenvolvimentos na ciência e na tecnologia,que progressivamente afetam nossa compreensão da vida e a vida em si,resultando em uma forte exigência de uma resposta global para as implicaçõeséticas de tais desenvolvimentos,

Reconhecendo que questões éticas suscitadas pelos rápidos avanços naciência e suas aplicações tecnológicas deveriam ser examinadas com o devidorespeito à dignidade da pessoa humana e universal respeito por, ecumprimento dos, direitos humanos e liberdades fundamentais,

Decidindo que é necessário e oportuno para a comunidade internacionaldeclarar princípios universais que proporcionarão uma base para a respostada humanidade para os sempre-crescentes dilemas e controvérsias que aciência e a tecnologia apresentam para a raça humana e para o meio ambiente,

Recordando a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 deDezembro de 1948, a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e osDireitos Humanos, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 11 deNovembro de 1997, e a Declaração Internacional sobre os Dados GenéticosHumanos, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 16 de Outubrode 2003,

Considerando os dois Pactos Internacionais das Nações Unidas relativosaos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e aos Direitos Civis e Políticos,de 16 de Dezembro de 1966, a Convenção Internacional das Nações Unidassobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 21 de

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Dezembro de 1965, a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação deTodas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, de 18 de Dezembrode 1979, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de20 de Novembro de 1989, a Convenção das Nações Unidas sobre a DiversidadeBiológica, de 5 de Junho de 1992, os Parâmetros Normativos sobre a Igualdadede Oportunidades para Pessoas com Incapacidades, adotados pela AssembléiaGeral das Nações Unidas em 1993, a Convenção de OIT (n.º 169) referentea Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, de 27 de Junho de1989, o Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos Vegetais para aAlimentação e a Agricultura, adotado pela Conferência da FAO em 3 deNovembro de 2001 e que entrou em vigor em 29 de Junho de 2004, aRecomendação da UNESCO sobre a Importância dos PesquisadoresCientíficos, de 20 de Novembro de 1974, a Declaração da UNESCO sobreRaça e Preconceito Racial, de 27 de Novembro de 1978, a Declaração daUNESCO sobre as Responsabilidades das Gerações Presentes para com asGerações Futuras, de 12 de Novembro de 1997, a Declaração Universal daUNESCO sobre a Diversidade Cultural, de 2 de Novembro de 2001, o Acordosobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados aoComércio (TRIPS) anexo ao Acordo de Marrakech, que estabelece aOrganização Mundial do Comércio, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de1995, a Declaração de Doha sobre o Acordo de TRIPS e a Saúde Pública, de14 de Novembro de 2001, e outros instrumentos internacionais relevantesadotados pela Organização das Nações Unidas e pelas agênciasespecializadas do sistema da Organização das Nações Unidas, em particulara Organização para a Alimentação e a Agricultura da Organização das NaçõesUnidas (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS),

Observando, ainda, instrumentos internacionais e regionais no campoda bioética, inc1uindo a Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos eda Dignidade do Ser Humano com respeito às Aplicações da Biologia e daMedicina: Convenção sobre Direitos Humanos e Biomedicina do Conselhoda Europa, adotada em 1997 e que entrou em vigor em 1999, juntamentecom seus protocolos adicionais, bem como legislação e regulamentaçõesnacionais no campo da bioética, códigos internacionais e regionais de condutae diretrizes e outros textos no campo da bioética, tais como a Declaração deHelsinki, da Associação Médica Mundial, sobre Princípios Éticos para aPesquisa Biomédica Envolvendo Sujeitos Humanos, adotada em 1964 eemendada em 1975, 1989, 1993, 1996, 2000 e 2002, e as Diretrizes Éticas

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Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos, doConselho para Organizações Internacionais de Ciências Médicas, adotadasem 1982 e emendadas em 1993 e 2002;

Reconhecendo que a presente Declaração deve ser interpretada de modoconsistente com a legislação doméstica e internacional em conformidade comas regras sobre direitos humanos;

Tendo presente a Constituição da UNESCO, adotada em 16 de Novembrode 1945,

Considerando o papel da UNESCO na identificação de princípiosuniversais baseados em valores éticos compartilhados para o desenvolvimentocientífico e tecnológico e a transformação social, de modo a identificar osdesafios emergentes em ciência e tecnologia, levando em conta aresponsabilidade da geração presente para com as gerações futuras e que asquestões da bioética, as quais necessariamente possuem uma dimensãointernacional, deveriam ser tratadas como um todo, inspirando-se nosprincípios já estabelecidos pela Declaração Universal sobre o Genoma Humanoe os Direitos Humanos e pela Declaração Internacional sobre os DadosGenéticos Humanos e levando em consideração não somente o atual contextocientífico, mas também desenvolvimentos futuros,

Conscientes de que os seres humanos são parte integral da biosfera,com um papel importante na proteção um do outro e das demais formas devida, em particular dos animais,

Reconhecendo, com base na liberdade da ciência e da pesquisa, que osdesenvolvimentos científicos e tecnológicos têm sido e podem ser de grandebenefício para a humanidade inter alia no aumento da expectativa e namelhoria da qualidade de vida, e enfatizando que tais desenvolvimentosdevem sempre buscar promover o bem-estar dos indivíduos, famílias, gruposou comunidades e da humanidade como um todo no reconhecimento dadignidade da pessoa humana e no respeito universal e observância dosdireitos humanos e das liberdades fundamentais,

Reconhecendo que a saúde não depende unicamente dosdesenvolvimentos decorrentes das pesquisas científicas e tecnológicas, mastambém de fatores psico-sociais e culturais,

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Reconhecendo, ainda, que decisões sobre questões éticas na medicina,ciências da vida e tecnologias associadas podem ter um impacto sobre indivíduos,famílias, grupos ou comunidades e sobre a humanidade como um todo,

Tendo em mente que a diversidade cultural, como uma fonte deintercâmbio, inovação e criatividade, é necessária aos seres humanos e, nessesentido, é patrimônio comum da humanidade, embora enfatizando que estenão pode ser invocado à custa dos direitos humanos e das liberdadesfundamentais,

Tendo em mente que a identidade de um indivíduo inclui dimensõesbiológicas, psicológicas, sociais, culturais e espirituais,

Reconhecendo que condutas científicas e tecnológicas antiéticas jáproduziram impacto específico em comunidades indígenas e locais,

Convencida de que a sensibilidade moral e a reflexão ética deveriam fazerparte integral do processo de desenvolvimento científico e tecnológico e deque a bioética deve desempenhar um papel predominante nas escolhas queprecisam ser feitas com relação às questões que emergem de tal desenvolvimento,

Considerando o desejo de desenvolver novos enfoques relacionados àresponsabilidade social de modo a assegurar que o progresso da ciência eda tecnologia contribua para a justiça, a eqüidade e para o interesse dahumanidade,

Reconhecendo que conceder atenção à posição das mulheres é uma formaimportante de avaliar as realidades sociais e alcançar eqüidade,

Dando ênfase à necessidade de reforçar a cooperação internacional nocampo da bioética, levando particularmente em consideração as necessidadesespecíficas dos países em desenvolvimento, das comunidades indígenas edas populações vulneráveis,

Considerando que todos os seres humanos, sem distinção, deve sebeneficiar dos mesmos elevados padrões éticos na medicina e nas pesquisasem ciências da vida,

Proclama os princípios a seguir e adota a presente Declaração.

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DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 1 – Escopo

a) A Declaração trata das questões éticas relacionadas à medicina, àsciências da vida e às tecnologias associadas quando aplicadas aos sereshumanos, levando em conta suas dimensões sociais, legais e ambientais.

b) A presente Declaração é dirigida aos Estados. Quando apropriado epertinente, ela também oferece orientação para decisões ou práticas deindivíduos, grupos, comunidades, instituições e empresas públicas eprivadas.

Artigo 2 – Objetivos

Os objetivos desta Declaração são:

(i) prover uma estrutura universal de princípios e procedimentos paraorientar os Estados na formulação de sua legislação, políticas ou outrosinstrumentos no campo da bioética;

(ii) orientar as ações de indivíduos, grupos, comunidades, instituiçõese corporações, públicas e privadas;

(iii) promover o respeito pela dignidade humana e proteger os direitoshumanos, assegurando o respeito pela vida dos seres humanos e pelasliberdades fundamentais, consistentes com a legislação internacional dedireitos humanos;

(iv) reconhecer a importância da liberdade da pesquisa científica e osbenefícios resultantes dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos,evidenciando, ao mesmo tempo, a necessidade de que tais pesquisas edesenvolvimentos ocorram conforme os princípios éticos dispostos nestaDeclaração e de que respeitem a dignidade humana, os direitos humanos eas liberdades fundamentais;

(v) promover o diálogo multidisciplinar e pluralístico sobre questõesbioéticas entre todos os interessados e na sociedade como um todo;

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Revista Brasileira de Bioética

(vi) promover o acesso eqüitativo aos desenvolvimentos médicos,científicos e tecnológicos, assim como a maior circulação possível e o rápidocompartilhamento de conhecimento relativo a tais desenvolvimentos e aparticipação nos benefícios, com particular atenção às necessidades de paísesem desenvolvimento;

(vii)salvaguardar e promover os interesses das gerações presentes efuturas; e

(viii)ressaltar a importância da biodiversidade e sua conservação comouma preocupação comum da humanidade.

PRINCÍPIOS

Conforme a presente Declaração, nas decisões tomadas ou práticasdesenvolvidas por aqueles a quem ela é dirigida, os princípios a seguirdevem ser respeitados.

Artigo 3 – Dignidade Humana e Direitos Humanos

a) A dignidade humana, os diretos humanos e as liberdadesfundamentais devem ser respeitados em sua totalidade.

b) Os interesses e o bem-estar do indivíduo devem ter prioridade sobreo interesse exclusivo da ciência ou da sociedade.

Artigo 4 – Benefício e Dano

Os benefícios diretos e indiretos a pacientes, participantes de pesquisa eoutros indivíduos afetados devem ser maximizados e qualquer dano possível atais indivíduos deve ser minimizado, quando se trate da aplicação e do avançodo conhecimento científico e das práticas médicas e tecnologias associadas.

Artigo 5 – Autonomia e Responsabilidade Individual

Deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar decisões,quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia

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dos demais. Devem ser tomadas medidas especiais para proteger direitos einteresses dos indivíduos não capazes de exercer autonomia.

Artigo 6 – Consentimento

a) Qualquer intervenção médica preventiva, diagnóstica e terapêuticasó deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecida doindivíduo envolvido, baseado em informação adequada. O consentimentodeveria, onde apropriado, ser manifesto e pode ser retirado pelo indivíduoenvolvido a qualquer momento e por qualquer razão, sem acarretardesvantagem ou preconceito.

b) A pesquisa científica só deve ser realizada com o prévio, livre,expresso e esclarecido consentimento da pessoa envolvida. A informaçãodeve ser adequada, fornecida de uma forma compreensível e deve inc1uir osprocedimentos para a retirada do consentimento. O consentimento pode serretirado pela pessoa envolvida a qualquer hora e por qualquer razão, semacarretar qualquer desvantagem ou preconceito. Exceções a este princípiosomente deveriam ocorrer quando em conformidade com os padrões éticos elegais adotados pelos Estados, consistentes com as provisões da presenteDeclaração, particularmente com o Artigo 27 e com os direitos humanos.

c) Em casos específicos de pesquisas desenvolvidas em um grupo depessoas ou comunidade, um consentimento adicional dos representanteslegais do grupo ou comunidade envolvida pode ser buscado. Em nenhumcaso, o consentimento coletivo da comunidade ou o consentimento de umlíder da comunidade ou outra autoridade deve substituir o consentimentoinformado individual.

Artigo 7 – Pessoas sem a capacidade para consentir

Em conformidade com a legislação, proteção especial deve ser dada aindivíduos sem a capacidade para fornecer consentimento:

a) a autorização para pesquisa e a prática médica deve ser obtida nomelhor interesse da pessoa envolvida e de acordo com a legislação nacional.Não obstante, o indivíduo afetado deveria ser envolvido, na medida do possível,tanto no processo de decisão do consentimento assim como no de sua retirada;

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Revista Brasileira de Bioética

b) a pesquisa só deve ser realizada para o benefício direto à saúde doindivíduo envolvido, estando sujeita à autorização e às condições de proteçãoprescritas pela legislação e se não houver nenhuma alternativa de pesquisade eficácia comparável que possa incluir sujeitos de pesquisa com capacidadepara fornecer consentimento. Pesquisas sem potencial benefício direto à saúdesó devem ser realizadas excepcionalmente, com a maior restrição, expondoo indivíduo apenas a risco e desconforto mínimos e quando se espera que apesquisa contribua com o benefício à saúde de outros indivíduos na mesmacategoria, sendo sujeitas às condições prescritas por lei e compatíveis com aproteção dos direitos humanos do indivíduo. A recusa de tais pessoas emparticipar de pesquisas deve ser respeitada.

Artigo 8 – Respeito pela Vulnerabilidade Humana e pela IntegridadePessoal

A vulnerabilidade humana deve ser levada em consideração na aplicaçãoe no avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e de tecnologiasassociadas. Indivíduos e grupos de vulnerabilidade específica deveriam serprotegidos e a integridade pessoal de cada indivíduo deveria ser respeitada.

Artigo 9 – Privacidade e Confidencialidade

A privacidade dos indivíduos envolvidos e a confidencialidade de suasinformações pessoais devem ser respeitadas. Da melhor forma possível, taisinformações não devem ser usadas ou reveladas para outros propósitos quenão aqueles para os quais foram coletadas ou consentidas, em consonânciacom o direito internacional, em particular com a legislação internacionaissobre direitos humanos.

Artigo 10 – Igualdade, Justiça e Eqüidade

A igualdade fundamental entre todos os seres humanos em termos dedignidade e de direitos deve ser respeitada de modo que todos sejam tratadosde forma justa e eqüitativa.

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Artigo 11 – Não-Discriminação e Não-Estigmatização

Nenhum indivíduo ou grupo deve ser discriminado ou estigmatizadopor qualquer razão, o que constitui violação à dignidade humana, aos direitoshumanos e liberdades fundamentais.

Artigo 12 – Respeito pela Diversidade Cultural e pelo PluralismoA importância da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a

devida consideração. Todavia, tais considerações não devem ser invocadaspara violar a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdadesfundamentais nem os princípios dispostos nesta Declaração, ou para limitarseu escopo.

Artigo 13 – Solidariedade e Cooperação

A solidariedade entre os seres humanos e cooperação internacional paraeste fim devem ser estimuladas.

Artigo 14 – Responsabilidade Social e Saúde

a) A promoção da saúde e do desenvolvimento social para o seu povo éum objetivo central dos governos, partilhado por todos os setores da sociedade.

b) Considerando que usufruir do mais alto padrão de saúde atingível éum dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça,religião, convicção política, condição econômica ou social, o progresso daciência e da tecnologia deve ampliar:

(i) o acesso a cuidados de saúde de qualidade e a medicamentosessenciais, incluindo especialmente aqueles para a saúde de mulheres ecrianças, porque a saúde é essencial à vida em si e deve ser consideradacomo um bem social e humano;

(ii) o acesso a nutrição adequada e água de boa qualidade;

(iii) a melhoria das condições de vida e do meio ambiente;

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Revista Brasileira de Bioética

(iv) a eliminação da marginalização e da exc1usão de indivíduos porqualquer que seja o motivo; e

(v) a redução da pobreza e do analfabetismo.

Artigo 15 – Compartilhamento de Benefícios

a) Os benefícios resultantes de qualquer pesquisa científica e suasaplicações devem ser compartilhados com a sociedade como um todo e nacomunidade internacional, em especial com países em desenvolvimento. Paradar efeito a esse princípio, os benefícios podem assumir quaisquer dasseguintes formas:

(i) ajuda especial e sustentável e reconhecimento das pessoas e gruposque tenham participado de uma pesquisa;

(ii) acesso a cuidados de saúde de qualidade;

(iii) oferta de novas modalidades diagnósticas e terapêuticas ou deprodutos resultantes da pesquisa;

(iv) apoio a serviços de saúde;

(v) acesso ao conhecimento científico e tecnológico;

(vi) facilidades para geração de capacidade em pesquisa; e

(vii)outras formas de benefício coerentes com os princípios dispostos napresente Declaração.

b) Os benefícios não devem constituir indução inadequada paraestimular a participação em pesquisa.

Artigo 16 – Protegendo as Gerações Futuras

O impacto das ciências da vida nas gerações futuras, incluindo sobresua constituição genética, deve ser devidamente considerado.

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Artigo 17 – Proteção do Meio Ambiente, da Biosfera e da Biodiversidade

Devida atenção deve ser dada à inter-relação de seres humanos e outrasformas de vida, à importância do acesso e utilização adequada de recursosbiológicos e genéticos, ao respeito pelo conhecimento tradicional e ao papeldos seres humanos na proteção do meio ambiente, da biosfera e dabiodiversidade.

APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS

Artigo 18 – Tomada de Decisão e o Tratamento de Questões Bioéticas

a) Devem ser promovidos o profissionalismo, a honestidade, aintegridade e a transparência na tomada de decisões, em particular naexplicitação de todos os conflitos de interesse e no devido compartilhamentodo conhecimento. Todo esforço deve ser feito para a utilização do melhorconhecimento científico e metodologia disponíveis no tratamento e constanterevisão das questões bioéticas.

b) As pessoas e profissionais envolvidos e a sociedade como um tododevem estar envolvidos regularmente no diálogo.

c) Deve-se promover oportunidades para o debate público pluralista,buscando-se a manifestação de todas as opiniões relevantes.

Artigo 19 – Comitês de Ética

Comitês de ética independentes, multidisciplinares e pluralistas devemser criados, instituídos e mantidos em nível apropriado com o fim de:

(i) avaliar as relevantes questões éticas, legais, científicas e sociaisrelacionadas a projetos de pesquisa envolvendo seres humanos;

(ii) prestar aconselhamento sobre problemas éticos em situações clínicas;

(iii) avaliar os desenvolvimentos científicos e tecnológicos, formularrecomendações e contribuir para a elaboração de diretrizes sobre temasinseridos no âmbito da presente Declaração; e

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Revista Brasileira de Bioética

(iv) promover o debate, a educação, a conscientização do público e oengajamento com a bioética.

Artigo 20 – Avaliação e Gerenciamento de Riscos

Deve-se promover a avaliação e o gerenciamento adequado de riscoscom relação à medicina, às ciências da vida e às tecnologias associadas.

Artigo 21 – Práticas Transnacionais

a) Os Estados, as instituições públicas e privadas, e os profissionaisassociados a atividades transnacionais devem empreender esforços paraassegurar que qualquer atividade no escopo da presente Declaração, queseja desenvolvida, financiada ou conduzida de algum modo, no todo ou emparte em diferentes Estados, seja coerente com os princípios da presenteDeclaração.

b) Quando a pesquisa for empreendida ou conduzida em um ou maisEstados [Estado(s) hospedeiro(s)] e financiada por fonte de outro Estado, talpesquisa deve ser objeto de um nível adequado de revisão ética no(s)Estado(s) hospedeiro(s) e no Estado no qual o financiador está localizado.Esta revisão deve ser baseada em padrões éticos e legais consistentes comos princípios estabelecidos na presente Declaração.

c) Pesquisa transnacional em saúde deve responder às necessidadesdos países hospedeiros e deve ser reconhecida sua importância na contribuiçãopara a redução de problemas de saúde globais urgentes.

d) Na negociação de acordos para pesquisa, devem ser estabelecidosos termos da colaboração e a concordância sobre os benefícios da pesquisacom igual participação de ambas as partes.

e) Os Estados devem tomar medidas adequadas, em níveis nacional einternacional, para combater o bioterrorismo, o tráfico ilícito de órgãos, tecidose amostras, recursos genéticos e materiais genéticos.

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PROMOÇÃO DA DECLARAÇÃO

Artigo 22 – Papel dos Estados

a) Os Estados devem tomar todas as medidas de caráter legislativo,administrativo ou qualquer outro, adequadas de modo a implementar osprincípios estabelecidos na presente Declaração e em conformidade com alegislação internacional e com os direitos humanos. Tais medidas devem serapoiadas por ações nas esferas da educação, formação e informação ao público.

b) Os Estados devem estimular o estabelecimento de comitês de éticaindependentes, multidisciplinares e pluralistas, conforme o disposto no Artigo 19.

Artigo 23 – Informação, Formação e Educação em Bioética

a) De modo a promover os princípios estabelecidos na presenteDeclaração e alcançar uma melhor compreensão das implicações éticas dosdesenvolvimentos científicos e tecnológicos, em especial para os jovens, osEstados devem envidar esforços para promover a formação e educação embioética em todos os níveis, bem como encorajar programas de disseminaçãode informação e conhecimento sobre bioética.

b) Os Estados devem estimular a participação de organizaçõesinternacionais e inter-governamentais regionais e de organizações não-governamentais internacionais, regionais e nacionais neste esforço.

Artigo 24 – Cooperação Internacional

a) Os Estados devem promover a disseminação internacional dainformação científica e estimular a livre circulação e o compartilhamento doconhecimento científico e tecnológico.

b) Ao abrigo da cooperação internacional, os Estados devem promovera cooperação cultural e científica e estabelecer acordos bilaterais e multilateraisque possibilitem aos países em desenvolvimento construir capacidade departicipação na geração e compartilhamento do conhecimento científico, doknow-how relacionado e dos benefícios decorrentes.

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c) Os Estados devem respeitar e promover a solidariedade entreEstados, bem como entre indivíduos, famílias, grupos e comunidades, comatenção especial para aqueles tornados vulneráveis por doença ouincapacidade ou por outras condições pessoais, sociais ou ambientais eaqueles com maior limitação de recursos.

Artigo 25 – Ação de acompanhamento pela UNESCO

a) A UNESCO promoverá e disseminará os princípios da presenteDeclaração. Para tanto, a UNESCO buscará e o apoio e assistência do ComitêIntergovernamental de Bioética (IGBC) e do Comitê Internacional de Bioética(IBC).

b) A UNESCO reafirmará seu compromisso em tratar de bioética e empromover a colaboração entre o IGBC e o IBC.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Artigo 26 – Inter-relação e Complementaridade dos Princípios

A presente Declaração deve ser interpretada na sua totalidade e seusprincípios devem ser compreendidos como complementares e inter-relacionados. Cada princípio deve ser considerado no contexto dos demais,de forma pertinente e adequada a cada circunstância.

Artigo 27 – Limitações à Aplicação dos Princípios

Se a aplicação dos princípios da presente Declaração tiver que serlimitada, tal limitação deve ocorrer em conformidade com a legislação,incluindo a legislação referente aos interesses de segurança pública, para ainvestigação, descoberta e acusação por crimes, para a proteção da saúdepública ou para a proteção dos direitos e liberdades de terceiros. Quaisquerdessas legislações devem ser consistentes com a legislação internacionalsobre direitos humanos.

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Artigo 28 – Recusa a atos contrários aos direitos humanos, às liberdadesfundamentais e dignidade humana

Nada nesta Declaração pode ser interpretado como podendo ser invocadopor qualquer Estado, grupo ou indivíduo, para envolvimento em qualqueratividade ou prática de atos contrários aos direitos humanos, às liberdadesfundamentais e à dignidade humana.

Tradução: Mauro Machado do Prado e Ana TapajósRevisão: Volnei GarrafaCátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília, Brasília,Distrito Federal, Brasil.

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Revista Brasileira de Bioética

Teses, dissertações e monografias

Esta seção destina-se a divulgar as teses de doutorado, dissertações de mestrado e

monografias de especialização aprovadas em diferentes programas de pós-graduação em

bioética no país. Os trabalhos aqui elencados foram enviados pelos coordenadores dos

respectivos cursos. A RBB está aberta à divulgação de novos trabalhos.

Monografias de Especialização - 2003

V Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Bioética da UnB.Universidade de Brasília, Distrito Federal.Coordenador: Prof. Dr. Volnei Garrafa.

Autores: Cássia Regina de Paula Paz, Gilmar Gonzaga e Maria do Carmo F.Queiros.Título: A importância relacional entre o ser humano e o meio ambiente sob aperspectiva da guerra: um enfoque bioético.Orientador: Prof. Dr. Jorge Alberto Cordón Portillo.

Autores: Cláudia C. Guimarães e Ricardo J. de Faria.Título: Uma contribuição da bioética ao debate sobre os problemasrelacionados ao álcool.Orientadora: Profª Dra. Tereza Cavalcanti F. Araújo.

Autores: Bianca Barros Pedro e Marco Aurélio Versiani.Título: Enfoque bioético da autonomia e vulnerabilidade docente frente àviolência discente – estudo de caso.Orientador: Prof. MSc. João Geraldo Bugarin Júnior.

Autores: Anelise Krause G. Costa, Diane Maria Scherer K. Lago, Érica CorreiaCoelho e Sandra Mari Bachi.Título: A interdisciplinaridade nas práticas de saúde: reflexões bioéticas sobreo projeto de lei que define o “Ato Médico”.Orientador: Prof. MSc. Mauro Machado do Prado.

Autores: Irene Lôbo, Juliana Figueiredo de Andrade e Rodrigo Caetano.Título: Genoma humano, para quem?Orientador: Prof. Dr. Volnei Garrafa.

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III Curso de Especialização em Bioética da UEL.Universidade Estadual de Londrina, Paraná.Coordenador: Prof. Dr. José Eduardo de Siqueira.

Autor: Juliano Tutida.Título: Odontologia para bebês: reflexões sobre um fato ocorrido.Orientador: Prof. Dr. José Eduardo de Siqueira.

Autora: Lauana Bolzani Viana Rosa.Título: Em busca do cuidar e do cuidado.Orientador: Prof. Dr. Lourenço Zancanaro.

Autora: Luciana Grange.Título: O cientista e a sociedade: um resgate.Orientadora: Profª. Dra. Olívia Márcia N. Arantes .

Autor: Luis Javier Miranda Mc Nally.Título: Organizações não governamentais um novo paradigma ético-social.Orientador: Prof. Dr. José Eduardo de Siqueira.

Autora: Maria Sueli Benassi .Título: Mulheres intervindo na realidade para mudar a mentalidade.Orientador: Prof. Dr. Leonardo Prota.

Autora: Ogle Beatriz Bacchi de Souza.Título: Uma experiência de esclarecimentos em massa sobre doação de órgãose transplantes.Orientador: Prof. Dr. José Eduardo de Siqueira.

Autora: Sueli da Silva Paulino.Título: Visão ética: possibilitando uma ação holística de cuidar.Orientador: Prof. Dr. Nilson Giraldi.

Autora: Sueli Fernandes da Costa.Título: As faces a destruição e a busca pela reconstrução.Orientador: Prof. Dr. Nilson Giraldi.

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III Curso de Especialização em Ética Aplicada e Bioética da Fiocruz.Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.Coordenadora: Profª Dra. Marlene Braz.

Autora: Giselane L. Figueiredo Salamonde.Título: Os diferentes métodos clínicos em bioética.Orientadora: Profª. Dra. Marlene Braz.

Autor: Luiz Vianna SobrinhoTítulo: Estudo do agente moral. Avaliação de um grupo de médicos em umcentro de terapia intensiva frente à questão eutanásia – distanásia.Orientador: Prof. Dr. Fermin Roland Schramm.

Autora: Maria Cristina Lopes Pereira.Título: A ética e o patenteamento de seres vivos e material biológico.Orientador: Prof. Dr. José Luiz Telles de Almeida.

Autor: Paulo Augusto AlvesTítulo: A relação médico do trabalho/trabalhador. Discussão à luz da éticaaplicada.Orientadora: Profª. Dra Marisa Palácios.

Autor: Rafael Guimarães BotelhoTítulo: Análise dos aspectos éticos das memórias de Licenciatura em EducaçãoFísica que envolvem seres humanos de uma instituição de ensino superiorno Estado do Rio de Janeiro – 1997 a 2002.Orientadora: Profª. Dra. Rita Leal Paixão.

II Curso de Especialização em Bioética da USP.Universidade de São Paulo, São Paulo.Coordenador: Prof. Dr. Marco Segre.

Autor: Eduardo Nunes Pacheco de Morais.Título: A autonomia e o Planejamento Familiar.

Autora: Eliana Menabó.Título: Dilemas e evolução da pesquisa clínica em seres humanos noséculo XX.

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Autora: Elisabete da Silva Montesano.Título: A ética em pesquisas envolvendo seres humanos.

Autora: Erika Franco de Carvalho.Título: Morte encefálica.

Autor: Fábio José Donario Carvalho.Título: A importância dos documentos médicos na relação médico-paciente.

Autora: Felicia Knobloch.Título: Bioética e subjetividade.

Autor: Flavius Lucilius Buratto Nunes.Título: A bioética em face do sagrado.

Autor: Guilherme Rubino de Azevedo Focchi.Título: Assédio moral entre médicos.

Autora: Iara Alves de Camargo.Título: O emprego de cédulas tronco como recurso terapêutico e suasimplicações éticas.

Autor: José Arnaldo Soares Vieira.Título: DNA e crimes sexuais. Aspéctos bioéticos.

Autor: Liris Delma de Lima e Silva Azevedo.Título: O alumbramento do homem uma contribuição da poesia à bioética.

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Revista Brasileira de Bioética

Normas Editoriais

Para enviar seu artigo à Revista Brasileira de Bioética - RBB siga as normaseditoriais abaixo:

Serão aceitos manuscritos originais relacionados às seguintes seções

��Artigos originais – produção resultante de pesquisa de naturezaempírica, documental ou conceitual no campo da ética, ou revisão críticarelacionada a esta temática;��Resenha de livros;��Atualização científica - resumo e comentários de artigos científicos re-centes;��Relação de teses, dissertações e monografias.

Requisitos para apresentação de manuscritos

��Serão publicados textos em português, espanhol e inglês;��O texto deve ser precedido do título, em caixa alta e negrito, seguidopelo(s) nomes(s) do(s) autor(es);��Resumos: os textos deverão ser acompanhados de breve resumo (abstract);os artigos submetidos em português ou espanhol deverão ter resumo noidioma original e em inglês, com um máximo de 20 linhas cada um (apro-ximadamente 1.100 caracteres), incluindo as palavras-chave.��Palavras-chave: mínimo de quatro e máximo de seis palavras-chavedescritoras do conteúdo do trabalho, apresentadas na língua original eem inglês;��Notas de rodapé: deverão ser apresentadas no formato de pé de pági-na, sem ultrapassar 5 linhas, seguidas de autor e data.��Os textos devem ser acompanhados por folha de rosto com os seguin-tes itens: título do texto, autor(es), com e-mail e telefones; nome da res-pectiva instituição por extenso. Em caso de dois autores, ambos devemcumprir tais exigências;��Os artigos que divulgam pesquisa envolvendo seres humanos devemestar acompanhados da aprovação por um Comitê de Ética em Pesquisa –CEP; explicitar a qual comitê foi submetido; e anexar a cópia da aprova-ção da pesquisa no CEP;

��A revista não publicará gráficos, tabelas ou fotografias;��O artigo deve ser enviado em meio eletrônico (email ou disquete, emprocessador de texto Word for Windows), acompanhado por três cópiasem papel.��O tamanho limite dos artigos é de 20 laudas, ou aproximadamente 450linhas, em papel A4, letra Times New Roman, tamanho de fonte 12,espaço 1,5. As referências bibliográficas não contempladas nos exem-plos abaixo deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Nor-mas Técnicas – ABNT e as regras correntes do idioma brasileiro.

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Volume 1, no 2, 2005

Referências bibliográficas

No corpo do texto citar unicamente o sobrenome do autor e ano de publicação entreparêntesis, (AZEVEDO, 2002) ou (PESSINI & BARCHIFONTAINE, 2000.) Em cita-ções com mais de dois autores, deve aparecer apenas o sobrenome do primeiro,seguido da expressão et al., e o ano, como (SIQUEIRA et al, 2003).Todas as referên-cias citadas no texto devem fazer parte das referências bibliográficas. Títulos deperiódicos, livros, locais, editoras e instituições não devem ser abreviados. Nasreferências bibliográficas, artigos com vários autores devem ser citados com todosos nomes. No caso de mais de cinco autores, citar o primeiro seguido de et al.

Livro:

OLIVEIRA, M. de F. de. Oficinas mulher negra e saúde. Belo Horizonte, Mazza,1998.

Capítulo de livro:

ANJOS, M. F. dos. Bioética nas desigualdades sociais. In: GARRAFA, V. & COSTA,S. I. (Orgs.). A Bioética do Século XXI. Brasília, Editora Universidade de Brasília,49-65, 2000.

Artigo:

SCHRAMM, F. R. A autonomia difícil. Bioética. 6(1): 27-38, 1998.

ZOBOLI, E. L. C. P. & MASSAROLO, M. C. K. B. Bioética e consentimento: umareflexão para a prática da enfermagem. O Mundo da Saúde, 26 (1): 65-70, 2002.

Ávila, G. N. de; Ávila G.A. de & Gauer, G.J.C. Is the unified list system for organtransplants fair? Analysis of opinions from different groups in Brazil. Bioethics, 17(5-6): 425-431, 2003.

Tese/Dissertação:

ALBUQUERQUE, M. C. Enfoque bioético da comunicação na relação médico-paciente

nas unidades de terapia intensiva pediátrica. Tese de Doutorado em Ciências daSaúde - Área de Concentração: Bioética, Faculdade de Ciências da Saúde, Univer-sidade de Brasília, 2002.

Resumo publicado em Anais de Congresso:

CAPONI, S. Os biopoderes e a ética na pesquisa. VI Congresso Mundial de Bioética,Brasília: Anais, 219, 2002.

Publicações de Governo:

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional deÉtica em Pesquisa. Normas para Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (Res. CNSnº 196/96 e outras). Brasília, Ministério da Saúde, 2002.

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Documentos jurídicos:

BRASIL. Lei n° 8.974, de 5 de janeiro de 1995. Regulamenta os incisos II e V doparágrafo 1° do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas para o uso dastécnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos gene-ticamente modificados, e dá outras providências. Diário Oficial da República Fede-rativa do Brasil, DF, 6 jan., 1995.

Internet:

SEGRE, M. A propósito da utilização de células-tronco. Disponível, em :< http://www.consciencia.br/reportagens/celulas/11.shml/>. Acesso em: 5 set. 2004.

Para onde enviar:

Revista Brasileira de Bioética

Setor de Rádio e Televisão Norte, SRTVN, Quadra 702, Edifício BrasíliaRádio Center, conjunto P, sala 1.014.CEP: 70.719 – [email protected]

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