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Gestão Empresarial em Cooperativas de Saúde http:// www.administracaovirtual.com/ A MODERNA ADMINISTRAÇÃO EM COOPERATIVAS Professor José Horta Valadares, PhD. [email protected]

Administr Cooperativas

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Administrar, é uma palavra exuberante e a mesmo complexa quando trazida a luz da realidade de cada organização. Muito se tem feito, dito e estudado sobre esse tema, tão expansivo e abrangente. Afinal de contas quem não já administrou ou administra algo, seja no âmbito particular até mesmo em um universo amplo e competitivo.

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Gesto Empresarial em Cooperativas de Sade

http://www.administracaovirtual.com/

A Moderna Administrao em Cooperativas

Professor Jos Horta Valadares, PhD.

[email protected]

Realizao

Fundao Getulio Vargas

FGV Consulting Curso in Company

Todos os direitos em relao ao design deste material didtico so reservados Fundao Getulio Vargas.

Todos os direitos quanto ao contedo deste material didtico so reservados ao(s) autor(es).

Valadares, Jos Horta.

A Moderna Administrao em Cooperativas. Rio de Janeiro. MBA em Gesto Empresarial em Cooperativas de Sade Realizao Fundao Getulio Vargas Cursos in Company.

p.

Bibliografia

1. Administrao 2. Cooperativas I. A Moderna Administrao em Cooperativas

Coordenador Acadmico:

Prof. Jos Horta Valadares

Sumrio

51. Programa da disciplina

1.1 Ementa5

1.2 Carga horria total5

1.3 Objetivos5

1.4 Metodologia5

1.5 Critrios de avaliao5

Curriculum resumido do professor6

2. Introduo7

3. Breve Histria da Cooperao5

3.1 INTRODUO5

3.2. FORMAS PRIMITIVAS E TRADICIONAIS DE AJUDA MTUA6

3.3. SURGIMENTO DO COOPERATIVISMO MODERNO8

3.3.1.Contribuies dos socialistas utpicos para o pensamento cooperativo9

3.4. A REGULAMENTAO COOPERATIVA10

3.4.1. Princpios do Negcio Cooperativo17

3.4.2. Histria dos Princpios Cooperativistas17

3.4.3. Os Princpios Cooperativistas na Atualidade18

3.5. O PENSAMENTO COOPERATIVISTA CONTEMPORNEO20

3.6. O COOPERATIVISMO NO BRASIL25

4. A Moderna Administrao de Cooperativas31

4.1. O CONCEITO DE COOPERATIVA31

4.2. A ORGANIZAO COOPERATIVA28

4.3. A DUPLA NATUREZA DA COOPERATIVA28

4.4. A AO COOPERATIVA39

4.5. A Estrutura Organizacional da Cooperativa41

4.6. A Organizao Formal do Poder46

4.7. Conselho de Administrao e Diretoria49

4.8. Os Desafios do Cooperativismo na Sociedade Moderna52

4.9. Sobrevivncia e Competitividade das Cooperativas48

4.10. PARTICIPAO E EDUCAO COOPERATIVISTA60

5. Poder e Deciso em Cooperativas68

5.1. A Gesto Democrtica68

5.2. O Controle Democrtico69

5.3. Participao e Estratgia Empresarial62

5.4. Atividades dos Dirigentes62

5.5. Papis dos Dirigentes e dos Gerentes64

5.6. EFICINCIA EMPRESARIAL E RELACES COM ASSOCIADOS64

ANEXOS66Como Acabar com a cooperativa De quem a decisoCaractersticas das cooperativas decadentes e de futuroCooperativas de Trabalho: organizaes comunitrias autogestionadasPADRONIZAO...EM REDE ASSOCIATIVA

1. Programa da disciplina

1.1 Ementa

Histrico do Cooperativismo. O Cooperativismo e o Contexto Econmico Brasileiro e Internacional. A Empresa Cooperativa. A Moderna Administrao em Cooperativas. Direo e Gesto de Empresas Cooperativas. Modernizao, Globalizao e Competitividade. A Nova Gerao de Cooperativas. Reformas no cooperativismo.

1.2 Carga horria total

22 horas/aula

1.3 Objetivos

Oportunizar a reflexo sobre aspectos tericos e prticos do cooperativismo tendo em vista os impactos das transformaes na economia e na sociedade mundial.

1.4 Metodologia

Aulas expositivas, trabalhos de grupo, estudo de casos e leitura de textos.

1.5 Critrios de avaliao

Realizao de prova escrita.

Curriculum resumido do professor

Jos Horta Valadares Mestre em Administrao Rural (UFLA), Administrador (UFV), e Tecnlogo em Cooperativismo (UFV). Professor Assistente da Universidade Federal de Viosa, Departamento de Economia Rural, Professor da Fundao Getulio Vargas RJ, Diretor-Presidente do IDECOOP Instituto de Desenvolvimento da Cooperao, Consultor do SEBRAE Nacional, SEBRAE-MG e SEBRAE-RJ, Consultor de organismos internacionais (FAO, Banco Mundial, FIDA) e nacionais ligados ao cooperativismo, de rgos governamentais e de empresas cooperativas, Assessor do Sistema OCB/SESCOOP.

2. Introduo

Estima-se que 800 milhes de homens e mulheres so associados de cooperativas em todo o mundo. Alm disso, pelo fato de os negcios cooperativos serem importantes no somente para seus associados e funcionrios, mas tambm para seus familiares, o total de pessoas que, direta e indiretamente, tm suas vidas ligadas ao cooperativismo estimado em 3 bilhes, o que representa a metade da populao mundial.

Em muitos pases, os associados de cooperativas atingem elevadas propores em relao populao total. Considerando somente as cooperativas vinculadas Aliana Cooperativa Internacional ACI, esta proporo atingia, no ano de 1994, entre 70% e 79% da populao da ustria, Canad, Chipre, Finlndia, Israel e Uruguai. Alcanava 61% na Frana, entre 50% e 59% na Blgica e Noruega, e se situava entre 40% e 49% na Dinamarca, ndia, Japo, Malsia, Portugal, Sri Lanka e Estados Unidos.

Em termos econmicos, o movimento cooperativista mundial bastante significativo. Por exemplo, em 1993 as cooperativas na Sucia produziam cerca de 8% do PIB. Em outros pases de economia desenvolvida a participao da produo cooperativa no PIB bastante elevada: na regio basca da Espanha chegou a 15% do PIB regional em 1989. Nos pases em desenvolvimento, a exportao de produtos agrcolas gerados por cooperativas possui uma participao entre 10% a 20% do PIB desses pases.

Os empreendimentos cooperativos esto presentes em todas as reas da atividade econmica e, praticamente em todos os pases, o cooperativismo se destaca em, pelo menos, uma rea.

Por exemplo, em 1993 na Unio Europia, ustria, Finlndia e Sucia, 14 milhes de empreendimentos rurais participavam como membros-proprietrios de cooperativas, que lhes forneceram 55% dos insumos agrcolas e comercializaram 60% da sua produo. No Japo, as cooperativas de comercializao movimentaram 95% do comrcio de arroz e 90% do pescado. Na ndia, o movimento cooperativo conhecido como Anand, que rene 57.000 cooperativas de laticnios, com 6 milhes de associados, constitui-se no maior fornecedor de laticnios do mercado nacional. No Brasil, na relao das dez maiores empresas de laticnios, quatro so cooperativas.

Quarenta e trs por cento do crdito rural da ndia viabilizado pelas cooperativas de crdito ou pelos bancos cooperativos. No Brasil, um tero dos mdicos so associados maior cooperativa mdica da Amrica Latina. Em 1991, as cooperativas de consumo foram responsveis por 50% das vendas na Sua e 34% na Dinamarca; em 1992, os bancos cooperativos foram responsveis por 17% dos negcios de captao de poupana; em 1993, as cooperativas de seguros assumiram 20% do mercado europeu. Ao final de 1992, os associados das cooperativas de crdito do tipo credit unions representavam entre 35% a 45% da populao adulta da Austrlia, Canad, Irlanda e Estados Unidos da Amrica.

No Brasil, o SICOOB, Sistema das Cooperativas de Crdito Integrantes do BANCOOB Banco Cooperativo do Brasil S/A, situa-se entre os 20 maiores conglomerados financeiros do pas. Por sua vez, o BANCOOB ocupa a sexta posio em nmero de agncias e pontos de atendimento ao pblico cooperado. No Canad, o grupo de cooperativas conhecido como Caixas Populares Desjardins ocupa a sexta posio entre as empresas financeiras do pas e, na Frana, o Credit Agricole, segundo banco do pas, com 5 milhes de associados, movimenta US$350 bilhes, o que corresponde ao oramento da Frana. O Rabobank, na Holanda, o 50 banco do mundo. Alis, entre os cinqenta maiores bancos do mundo trs so cooperativas de crdito (DG-Bank, na Alemanha, o Rabobank e o Credit Agricole).

As Naes Unidas admitem que os empreendimentos cooperativos provem os meios organizacionais para que significativa parcela da humanidade seja capaz de conduzir, com as prprias mos, a misso de gerar empregos produtivos, superar a pobreza e promover a integrao social(Relatrio do Secretariado Geral, Julho, 1994).

So inegveis as vinculaes entre a filosofia e a prtica empresarial cooperativista e as necessidades e os desafios atuais do desenvolvimento da humanidade. A livre adeso, expresso mxima da liberdade de expresso sem discriminao de raa, credo ou religio. O controle democrtico dos cooperados, que se soma distribuio equnime da riqueza gerada pela economia cooperativa, base da democracia econmica e em franca oposio acumulao da riqueza e francamente favorvel ao fortalecimento social e poltico das comunidades. Outro princpio cooperativo nos remete chave do mundo moderno: a educao, nico acesso ao conhecimento e s tecnologias de todos os tipos e para todas as finalidades. A convivncia comunitria preconizada pelo cooperativismo como modelo de um novo comportamento que se oponha excluso global e ruptura cultural entre os povos.

As necessidades do mundo moderno se enquadram no mesmo conjunto de valores que o cooperativismo vem depurando h mais de 150 anos, em torno do valor maior, qual seja a promoo de um ambiente social no qual a Humanidade seja o centro das consideraes para um desenvolvimento sustentvel e voltado Paz.

A despeito de todas as consideraes de ordem prtica decorrente do fato de ser um empreendimento negocial de natureza econmica, o Cooperativismo demonstra que a natureza do econmico s se completa na dimenso social da vida em comunidade. possvel gerar desenvolvimento econmico sem excluso, desemprego, concentrao de renda e fome.

3. Breve Histria da Cooperao

3.1 Introduo

COOPERAO uma das palavras mais utilizadas na atualidade. Fala-se de cooperao entre pases, entre empresas, entre instituies de ensino e pesquisa, e entre todo tipo de organizaes. Acredita-se que possvel alcanar melhores resultados atuando por meio de parcerias, acordos e aes conjuntas, do que atuando isoladamente.

A Cooperao no nova. Em todas as sociedades, das mais primitivas s mais modernas, a cooperao aparece ao lado de dois outros processos sociais em que os indivduos e grupos so envolvidos simultaneamente: o conflito e a competio. A organizao social de qualquer comunidade ou sociedade reflete o equilbrio que se processa entre essas foras. Mas a forma pela qual esses processos sociais se apresentam em diferentes sociedades afetada pela cultura e pelo tipo de organizao econmica dominante. medida que uma sociedade se diferencia, e aprofundada a diviso do trabalho, torna-se cada vez mais necessrio o desenvolvimento de formas mais avanadas de trabalho associado.

Quando os indivduos trabalham juntos, tendo em vista um objetivo comum, seu comportamento chamado cooperao. Quando lutam um contra o outro, temos o conflito; algumas vezes essa disputa se caracteriza como competio. A acomodao, por sua vez, uma forma de ajustamento decorrente de situaes de conflitos no resolvidos.

Os dicionrios definem a Cooperao como a associao de um determinado nmero de pessoas que visam um benefcio comum por meio de uma ao coletiva, ao essa que ocorre em alguns processos empresariais, industriais ou comunitrios objetivando a produo de bens ou de servios.

De acordo com Rolf Eschenburg, e no contexto da Teoria da Cooperao, o conceito de cooperao utilizado como conceito de ao, e tambm como conceito institucional.

Como conceito de ao a Cooperao (= trabalho conjunto) a ao consciente de unidades econmicas (pessoas fsicas ou pessoas jurdicas) para uma finalidade comum, sendo as atividades individuais dos participantes coordenadas atravs de negociao e acordo.

Neste conceito, a Cooperao implica na interao consciente de vrias pessoas, uma vez que o estabelecimento da finalidade comum exigir uma conduta individual interdependente. Alcanar o resultado individual s possvel se houver um comportamento mutuamente adaptado e consciente de vrias pessoas.

Quando dois ou mais indivduos cooperam entre si significa que, geralmente, eles adaptam mutuamente o seu comportamento em pelo menos um campo de atividade e que, pelo menos em um campo de atividade, eles no competem entre si. Ou seja, suas motivaes e aes conseqentes so paralelas e mutualsticas.

Como conceito institucional Cooperao se refere a uma instituio ou organizao, que denominada cooperativista. Esta organizao se baseia essencialmente no livre acordo de vontades individuais para alcanar objetivos de emancipao e de expanso econmica e social. O alcance desses objetivos se d pela imposio de uma organizao relativamente complexa de gesto e de planejamento voltada, por um lado, para as questes econmicas da produo e de mercado, e por outro, para a melhoria das condies de vida e, sobretudo, para a educao e a solidariedade. O prprio grupo de membros da organizao tem ou delega, a um rgo decisrio subordinado a seu controle, a competncia de decidir sobre a finalidade da ao comum e sobre a sua realizao.

Como conceito institucional, e concretizada na forma organizacional cooperativa, a Cooperao no somente um grupamento humano formado a partir de boas intenes e vontades. A cooperativa , tambm, dependente do conjunto de meios materiais e financeiros em torno dos quais se dar a reorganizao das relaes de produo.

3.2. Formas Primitivas e Tradicionais de Ajuda Mtua

Em sentido lato, cooperar quer dizer unir e coordenar os meios e os esforos de cada um para realizao de uma atividade comum, visando alcanar um resultado procurado por todos. um comportamento que se observa ao longo de toda a histria da humanidade.

A despeito do sentido prprio que o termo COOPERAO adquiriu nos tempos modernos, conveniente ressaltar que esta palavra apenas uma aplicao particular de uma noo mais geral.

Os povos antigos j praticavam a cooperao na sua luta pela sobrevivncia. A caa e a pesca em comum, a construo de habitaes e a defesa da comunidade eram realizadas em conjunto pelos membros dos grupos. Alm dessas atividades, nas sociedades mais primitivas, a cooperao aparecia nas manifestaes religiosas, componentes da vida social, mantendo-se pelo costume ou pela autoridade dos chefes tradicionais. Em qualquer caso, a cooperao exprime a solidariedade instintiva do grupo. Em todos os povos encontramos vestgios e instituies baseadas na cooperao sem prvias formulaes jurdicas ou normatizaes escritas. Constituem espontneos movimentos de mutualidade, benefcio comum, solidariedade e ajuda-mtua.

A antigidade, vrias vezes secular, e a persistncia desses costumes e instituies trazem um conhecimento de ordem mais geral e evidenciam o instinto e a tradio de ajuda mtua para a ao, a posse e a gesto em comum, que se manifestam na conscincia e na vida comunitria de todos os tempos e em todos os povos.

Este instinto e esta tradio so relevantes para explicar as regras e os costumes cooperativos, possibilitando perceber a origem e a impulso autenticamente populares do movimento cooperativo moderno. Na afirmao de Charles Gide, o cooperativismo um movimento radicalmente popular, originado diretamente do povo e para seu prprio benefcio.

Algumas das regras que regem essas instituies tradicionais so simples, outras complexas; raramente so susceptveis de serem formuladas em termos contratuais mas incorporam-se duma maneira natural no comportamento dos indivduos. Possuem capacidade de se adaptar s novas circunstncias e de evoluir juntamente com o grupo social que as produziu. Se, na origem, essas regras correspondem s necessidades da convivncia comunitria primitiva, historicamente evoluem para expressar o livre acordo das vontades individuais estruturadas em torno de um empreendimento econmico coletivo.

Em todos os povos sempre existiram slidas tradies de solidariedade social, com primitivas significaes rituais. Esses costumes tradicionais revelam que a cooperao responde a uma necessidade profunda da Humanidade.

As diferenas essenciais entre essas associaes baseadas na tradio e a organizao associativa moderna consiste em que as primeiras respondem, mediante uma organizao interna espontnea, s condies externas originadas localmente: necessidade de proteo do grupo e de centralizao do mando; imperativos de diviso da produo e das terras; satisfao de necessidades coletivas, etc. e se baseiam em regras rituais ou culturais. Este tipo de organizao no comporta nenhuma noo de planejamento, de crescimento ou de promoo, no indo alm da satisfao imediata de necessidades fragmentadas do grupo originadas da prpria coletividade, num quadro de economia de subsistncia.

A associao cooperativa moderna, por outro lado, baseia-se essencialmente no livre acordo de vontades individuais para alcanar objetivos de emancipao e de desenvolvimento econmico e social, estabelecendo formas de articulao dos grupos cooperados com o mercado, por meio de um empreendimento econmico complexo.

Na Babilnia, no Egito e na Grcia antiga, j existiam formas de cooperao muito bem definidas: nos campos comunitrios de plantio de trigo, no artesanato e no sepultamento dos mortos. Na Babilnia, muito antes de Cristo, j existia um sistema de explorao em comum de terras arrendadas. Na Grcia antiga, havia diversas formas de associao, entre as quais as que objetivavam garantir enterro e sepultura decente aos seus associados. Quatrocentos anos antes do nascimento de Cristo, os mercadores chineses se organizavam em grupos para o transporte de mercadorias no Rio Amarelo.

No Mxico, os indgenas organizavam-se em comunidades chamadas ejidos, hoje transformadas em cooperativas integrais de produo agrcola. O mesmo aconteceu com os indgenas peruanos que, organizados em comunidades chamadas aylhos, semeavam e colhiam suas lavouras com instrumentos de propriedade coletiva.

Uma das formas mais completas de cooperao foi desenvolvida no sculo XV, poca do descobrimento da Amrica, pelas civilizaes Asteca e Maia na Amrica Central, e pela civilizao Inca, na Amrica do Sul. Esses povos viviam em regime de ajuda-mtua, sustentado pela organizao cooperativa das atividades agrcolas.

Entre nossos povos indgenas, a realizao de atividades econmicas e sociais em comum deu origem prtica do mutiro, comum em nosso pas.

As queijarias cooperativas nas montanhas francesas de Jura nasceram das "frutarias" cuja existncia foi assinalada desde o sculo XIII. Do mesmo modo, na Iugoslvia, o nome de "Zadruga", que sempre designou as cooperativas, tambm o da "grande famlia" srvia, agrupamento igualitrio ancestral que explora um patrimnio comum indivisvel e elege o seu chefe.

3.3. Surgimento do Cooperativismo Moderno

Tal como as instituies comunitrias tradicionais, a instituio cooperativista moderna nasceu nos meios populares. Historicamente, o cooperativismo moderno surgiu como um instrumento de defesa, de reabilitao e de emancipao de trabalhadores, como reao s condies sociais e econmicas adversas originadas da evoluo do capitalismo. significativo que a maior parte das cooperativas tenham sido criadas entre os trabalhadores da industria txtil, rudemente atingidos pela evoluo econmica e tecnolgica durante a Revoluo Industrial nos sculos XVIII e XIX.

Para garantir acesso ao trabalho e mnimas condies de sobrevivncia, os teceles estabeleceram as primeiras cooperativas (Fenwick, 1761; Govan, 1777; Darvel, 1840) na Esccia; (Lyon, 1835) na Frana; (Rochdale,1844) na Inglaterra; (Chemnitz, 1845) na Alemanha.

procura de uma soluo para o problema social, os socialistas utpicos da poca imaginaram criar colnias auto-suficientes. Mais notvel ainda que os Pioneiros de Rochdale, clebres pelo seu sentido prtico, primeiramente tenham dado como fim sua cooperativa criar, ou ajudar a criar tais colnias, cujos membros seriam no apenas os prprios comerciantes, mas tambm os prprios produtores empregados.

Refletindo toda a angstia de uma sociedade em rpida transformao, as primeiras cooperativas so resultado da economia industrial no momento histrico em que se rompe o equilbrio econmico e social das comunidades domsticas e faz pesar sobre as classes populares uma presso que se tornaria cada vez mais intolervel.

3.3.1. Contribuies dos socialistas utpicos para o pensamento cooperativo

Lembrar a origem popular da instituio cooperativa no eqivale a dizer que o movimento cooperativo se desenvolveu em ambiente fechado, isolado de todo o pensamento e influncia exteriores.

O pensamento socialista utpico dos sculos XVII e XVIII expressa o desejo de um mundo novo, de uma nova organizao social alicerada na solidariedade entre os homens e na justia social.

De acordo com Paul Hugon, o socialismo utpico surge com o advento da grande indstria e desenvolve-se do final do sculo XVIII metade do sculo XIX, principalmente na Frana e na Inglaterra. O socialismo utpico tem como caractersticas principais os fundamentos de justia e de fraternidade voltados melhoria do meio econmico, organizao social eqitativa e mais justa repartio da riqueza.

A corrente socialista utpica associacionista v, no regime de livre-concorrncia, a principal causa dos problemas econmicos e sociais da poca, sendo responsvel pela m produo e pela injusta repartio das riquezas. A soluo, para os associacionistas, est na transformao do meio econmico e social, substituindo o indivduo pela associao, constitutiva do novo meio ambiente. Deste forma, o antagonismo dos interesses privados, oriundos da concorrncia, seria substitudo, nos setores da produo e da repartio, pela colaborao destes mesmos interesses, decorrentes da associao. Duas principais correntes associacionistas contribuem para a formao do pensamento econmico cooperativo:

a corrente liberal, que defende a livre iniciativa e adeso dos indivduos associao, representada por Robert Owen e Charles Fourier, devendo ser consideradas, tambm, as contribuies de Plockboy e Bellers;

a corrente autoritria, que considera indispensvel uma autoridade superior que imponha o comportamento associativo aos indivduos, representada por Buchez e Blanc.

Todos esses pensadores contriburam para a formao da concepo cooperativa e para definio dos princpios bsicos da organizao e do funcionamento das instituies cooperativas modernas.

Encontramos neles elementos que formam a concepo e a poltica cooperativa moderna. Existem, entre eles, diferenas de pontos de vistas sobre certos aspectos tericos da cooperao econmica; essas diferenas persistem, ainda, entre os diversos ramos do cooperativismo mundial. Salientam-se nesses autores certos pontos comuns suficientes para imprimir ao movimento cooperativo o carter de um sistema econmico e de uma ao social unitrios.

As caractersticas fundamentais do movimento cooperativo moderno, encontradas na obra dos grandes precursores e aceitas atualmente, podem assim ser resumidas:

1. A idia de associao: a cooperao realiza a associao das foras econmicas na consecuo de um fim comum. Apela para o esprito de solidariedade, e no para a competio dos associados. Estabelece o princpio da harmonia de vida e no o de luta pela vida.

2. A cooperao uma ao de emancipao das classes trabalhadoras da nao partindo-se da idia de organizao dos interesses do trabalho.

3. A organizao do trabalho, a ao de emancipao das classes operrias, se faz por iniciativa prpria de interesses. uma ao de autoajuda, muito diferente das aes filantrpicas e de autoridade pblica, cujo objetivo a defesa de interesses econmicos dos fracos. O poder pblico s eventualmente coordena esta ao de self help.

4. A cooperao faz um apelo ao homem para que se associe com seus semelhantes. Assim, o capital no seno o meio de realizao dos fins da instituio. A cooperao no tem em vista o lucro, mas a procura de trabalho para os associados. Esta idia de eliminao do lucro industrial ou comercial encontrada em muitos desses pensadores.

5. As unidades empresariais cooperativistas no so consideradas isoladamente, mas como clula de uma grande organizao federativa, a servio do interesse geral.

6. Esta organizao tem carter permanente. Os fundos acumulados pelas instituies durante anos serviro para o desenvolvimento futuro do movimento.

3.4. A Regulamentao Cooperativa

O Cooperativismo moderno se origina em torno de 1844, pela iniciativa de um grupo de operrios da cidade de Rochdale, na Inglaterra. Naquela poca, a modernizao da indstria substituiu o trabalho artesanal e outras atividades pelas mquinas, e os operrios tiveram que enfrentar vrios problemas: o desemprego, as ms condies de vida, a escassez de alimentos e de moradia, etc. Passaram, ento, a se preocupar com outras alternativas para garantir o sustento de suas famlias.

Discutindo suas dificuldades e buscando solues para problemas que j se tornavam angustiantes em toda a Europa, o grupo de operrios de Rochdale decidiu pela criao de uma sociedade de consumo popular, baseada no cooperativismo. Combinaram que cada um economizaria pequenas parcelas de seus poucos rendimentos, pelo menos durante um ano, para formarem uma empresa que pudesse tir-las da situao de misria em que se encontravam.

Em reunio, que teve a participao de 28 pessoas, no dia 21 de dezembro de 1844, deliberaram pela fundao de um armazm comunitrio, com um capital de 28 libras, representando uma libra de cada membro do grupo. Estava formada a Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale, a primeira empresa cooperativa moderna.

Dispondo de pequenos estoques de acar, gordura, farinha e outros gneros de primeira necessidade, o modesto estabelecimento comercial, administrado pelos prprios fundadores, foi alvo da descrena e da inveja dos tradicionais comerciantes da cidade. Porm, despertou a ateno dos consumidores locais e principalmente da classe trabalhadora, pela considervel prosperidade alcanada em pouco tempo.

A partir da criao dessa empresa, seu modelo organizacional passou a ser copiado no mundo todo, dando origem ao movimento cooperativista. As normas que regulamentavam o funcionamento do estabelecimento comercial comunitrio deram origem aos Princpios do Cooperativismo, adotados posteriormente por cooperativas surgidas em diversos pases do mundo.

Ainda durante o sculo XIX, outros grupos de pessoas promoveram a criao de empresas comunitrias, na forma de cooperativas, dedicadas a outras atividades econmicas. Na Frana e Inglaterra, surgiram as empresas cooperativas de trabalho, na Alemanha e na Itlia, apareceram as primeiras cooperativas de crdito rural e crdito urbano, na Blgica e pases vizinhos, surgiram as primeiras organizaes cooperativas de produo agropecuria. A partir dessa poca, o cooperativismo, como proposta de organizao empresarial na forma de empresas cooperativas, disseminou-se pelo mundo.

3.4.1. Princpios do Negcio Cooperativo

O negcio cooperativo se fundamenta em um conjunto de orientaes que estabelecem a forma de relacionamento entre a cooperativa e seus membros. Estas orientaes so denominadas Princpios Cooperativistas e distinguem a Cooperativa de outros tipos de empreendimento econmico.

Uma Cooperativa definida como um empreendimento econmico controlado pelos seus proprietrios-usurios que se beneficiam de seus servios de forma eqitativa de acordo com a necessidade de cada um. Sob certos aspectos, as cooperativas se assemelham a outros tipos de empresas. Possuem instalaes fsicas similares, executam funes semelhantes e necessitam orientar-se por prticas administrativas, financeiras e operacionais idnticas a outros empreendimentos econmicos de mesma natureza. Alm de serem normatizadas por lei especfica, a elas se aplicam as normas legais prprias aos negcios a que se dedicam. Seus cooperados elegem dirigentes que estabelecem polticas para o desenvolvimento empresarial e contratam gerentes para a administrao das atividades do dia-a-dia empresarial.

Por outro lado, as cooperativas se distinguem acentuadamente de outros tipos de empresas. Estas diferenas so encontradas na finalidade da cooperativa, a forma de propriedade e de controle, e como so distribudos os benefcios. Estas diferenas so usualmente definidas pelos Princpios Cooperativistas e explicam como as cooperativas funcionam. Para compreender como os Princpios Cooperativistas so definidos na atualidade necessitamos conhecer a sua histria.

3.4.2. Histria dos Princpios Cooperativistas

Uma das primeiras empresas cooperativas foi a Sociedade dos Pioneiros de Rochdale, fundada na Inglaterra, em 1844. O grupo original dos fundadores era formado por 28 pessoas, incluindo desde operrios da indstria de tecelagem at sapateiros. Eram profissionais liberais ou pequenos empreendedores que se reuniram para a aquisio de gneros alimentcios em comum. A subscrio inicial de capital correspondia a uma libra inglesa.

A Sociedade de Rochdale reuniu as melhores idias desenvolvidas ao longo da histria do cooperativismo e deu a elas a forma de polticas e prticas administrativas e operacionais as quais, ao longo destes 150 anos, evoluram na forma dos atuais Princpios Cooperativistas. Estes princpios distinguem as empresas cooperativas de outras formas empresariais no-cooperativas.

Um princpio cooperativista expressa uma doutrina geral ou uma idia que define ou identifica uma caracterstica. De forma clara, separa a cooperativa de outras formas de organizao empresarial. A prtica cooperativa uma ao ou atividade que d suporte, complementa ou torna praticvel um princpio. A prtica particularmente importante para o sucesso de uma cooperativa, mesmo considerando que tais prticas no so necessariamente de aplicao nica s cooperativas.

3.4.3. Os Princpios Cooperativistas na Atualidade

Os Princpios Cooperativistas na atualidade definem e identificam as caractersticas distintivas da forma empresarial cooperativa:

O Princpio do Dono-Usurio: os cooperados proprietrios e financiadores da cooperativa so as mesmas pessoas que utilizam seus servios e dela se beneficiam.

O Princpio do Usurio-Controlador: os cooperados que controlam a cooperativa so as mesmas pessoas que utilizam seus servios e dela se beneficiam.

O Princpio do Usurio-Beneficirio: a finalidade da cooperativa propiciar e distribuir benefcios e ganhos aos usurios proporcionalmente sua participao no negcio.

A Declarao sobre a Identidade Cooperativa enunciada pela Aliana Cooperativa Internacional ACI, em seu Congresso realizado em 1995, define a Cooperativa, estabelece os valores cooperativos e renova o enunciado dos princpios cooperativos. De acordo com esta Declarao, uma cooperativa uma associao de pessoas que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspiraes e necessidades econmicas, sociais e culturais comuns, atravs de uma empresa de propriedade comum e democraticamente gerida.

PRIVATEAs cooperativas baseiam-se em valores de ajuda e responsabilidade prprias, democracia, igualdade, equidade e solidariedade. Na tradio dos seus fundadores, os membros das cooperativas acreditam nos valores ticos da honestidade, transparncia, responsabilidade social e preocupao pelos outros.

Os princpios cooperativos so as linhas orientadoras atravs das quais as cooperativas levam prtica os seus valores. Em sua mais recente formulao, em 1995, pela Aliana Cooperativa Internacional ACI, os princpios cooperativistas passaram a ter a seguinte redao:

PRIVATE1 Princpio: Adeso Voluntria e livre

As cooperativas so organizaes voluntrios, abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus servios, e dispostas a assumir as responsabilidades como membros, sem discriminaes de sexo, sociais, raciais, polticas ou religiosas.

2 Princpio: Gesto Democrtica pelos Membros

As cooperativas so organizaes democrticas controladas pelos seus membros, que participam ativamente na formulao das suas polticas e na tomada de decises. Os homens e as mulheres eleitos como representantes dos outros membros so responsveis perante estes. Nas cooperativas de primeiro grau, os membros tm igual direito de voto (um membro, um voto), e as cooperativas de grau superior so tambm organizadas de forma democrtica.

3 Princpio: Participao Econmica dos Membros

Os membros contribuem eqitativamente para o capital das suas cooperativas e controlam-no democraticamente. Pelo menos parte desse capital , normalmente, propriedade comum da cooperativa. Os membros recebem, habitualmente, e se houver, uma remunerao limitada ao capital subscrito como condio da sua adeso. Os membros afetam os excedentes a um ou mais dos seguintes objetivos: desenvolvimento das suas cooperativas, eventualmente atravs da criao de reservas, parte das quais, pelo menos, ser indivisvel; benefcio dos membros na proporo das suas transaes com a cooperativa; apoio a outras atividades aprovadas pelos membros.

4 Princpio: Autonomia e Independncia

As cooperativas so organizaes autnomas, de ajuda mtua, controladas pelos seus membros. Se estas firmarem acordos com outras organizaes, incluindo instituies pblicas, ou recorrerem a capital externo, devem faz-lo em condies que assegurem o controle democrtico pelos seus membros e mantenham a autonomia das cooperativas.

5 Princpio: Educao, Formao e Informao

As cooperativas promovem a educao e a formao dos seus membros, dos representantes eleitos, dos dirigentes e dos trabalhadores de forma a que estes possam contribuir, eficazmente, para o desenvolvimento das suas cooperativas. Informam o pblico em geral - particularmente os jovens e os lderes de opinio - sobre a natureza e as vantagens da cooperao.

6 Princpio: Intercooperao

As cooperativas servem de forma mais eficaz os seus membros e do mais fora ao movimento cooperativo, trabalhando em conjunto, atravs das estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais.

7 Princpio: Interesse pela Comunidade

As cooperativas trabalham para o desenvolvimento sustentado das suas comunidades atravs de polticas aprovadas pelos membros.

Fonte : ICA News, No. 5/6, 1995.

3.5. O Pensamento Cooperativista Contemporneo

Durante muito tempo, quase todos os estudiosos do cooperativismo s se preocuparam com a concepo do sistema cooperativista de inspirao doutrinria rochdaleana, ou seja, o cooperativismo inspirado no pensamento e na prtica originada pela experincia de Rochdale.

Recentemente, surgiram tentativas de elaborao do arcabouo terico de um sistema cooperativista com um contedo doutrinrio voltado para a racionalidade econmica, genericamente denominado de cooperativismo no-rochdaleano de carter empresarial.

Esse movimento terico representado essencialmente pelos autores que rejeitam completamente o mito de Rochdale e enfatizam a necessidade da empresa cooperativa ser apenas eficaz.

Boettcher, um dos principais autores da Teoria de Munster, ou Teoria Econmica da Cooperao, considera os princpios rochdaleanos uma espcie de teoria econmica de empresas criada por alguns dos dedicados pioneiros de Rochdale, mas cujos conhecimentos eram reduzidos. Por isso to inferior teoria acadmica de economia de empresas como um aviozinho de papel diante de um moderno avio a jato e com ela nunca ser possvel organizar cooperativas superiores s organizaes empresariais privadas nem eliminar a concorrncia ou a economia de mercado. Esse modelo, que o mais difundido, tem causado e continua causando grande dano, sobretudo aos pases emergentes: ...por um lado, porque essa teoria desperta a grande esperana entre os homens de que, ao se eliminar a concorrncia econmica e ao se passar a uma economia de cooperao (cujos problemas ningum conhece), tudo melhoraria como por milagre...; por outro lado, porque os fracassos sofridos pelo movimento cooperativista em todas as partes do mundo no tm passado desapercebidos...

No mesmo sentido, afirma Benecke que comum, nos pases emergentes, esperar-se verdadeiros milagres das cooperativas. Mas no se esclarece que teoria fundamenta essas expectativas e a mera referncia ideologia cooperativa no suficiente para justificar tais esperanas.

Laidlaw, em seu estudo sobre as tendncias de desenvolvimento do cooperativismo mundial, critica o cooperativismo rochdaleano afirmando que: a viso rochdaleana tornou-se uma imagem confusa e longnqua de uma idade terminada, sem grande significao atual. Raros so aqueles que participam ainda da crena de que o mundo moderno possa ser reformado ou mudado por um sistema limitado de comrcio varejista. Quase ningum est verdadeiramente satisfeito com a maneira pela qual os princpios cooperativos so presentemente formulados. (...) medida que a estrutura cooperativa torna-se mais vasta e mais complexa, cada vez mais difcil assegurar como a democracia econmica professada pelas cooperativas poderia encontrar sua expresso e tornar-se operatria. Apesar dessa observao sobre a viso rochdaleana, as cooperativas so encaradas como soluo a vrios dos mais srios problemas do final deste sculo, especialmente a produo de alimentos e a criao de emprego produtivo.

Com o desenvolvimento da economia moderna, tem sido cada vez mais necessrio superar a colocao romntica da cooperativa como instrumento de defesa dos mais dbeis atores econmicos, posio que conduz a uma ao marginal e limitada. A proposta desenvolver uma concepo empresarial da cooperativa como esquema organizatrio com dimenses suficientes para afirmar sua capacidade competitiva dentro do quadro de uma economia de mercado, frente s respectivas organizaes no-cooperativas.

As tentativas tericas atuais de elaborao terica do cooperativismo encontram seu exemplo mais elaborado na Teoria de Munster, ou Teoria Econmica da Cooperao, desenvolvida por um grupo de professores do Instituto de Cooperativismo da Universidade de Munster, na Alemanha. Nos comentrios de Pinho, a Teoria de Munster tem como principais pressupostos:

1. a cooperao no exclui o interesse pessoal, nem a concorrncia (tal como afirmam as outras teorias cooperativistas); ao contrrio, permite aos fracos desenvolverem-se dentro da economia competitiva;

2. os associados buscam satisfazer seus interesses pessoais atravs de cooperativas quando verificam que a ao solidria mais vantajosa do que a ao individual que a capacidade equilibradora da cooperativa;

3. a cooperativa adquire sua prpria importncia econmica, independentemente das unidades econmicas dos associados;

4. os dirigentes (conselheiros de administrao, diretores e gerentes) atendem aos seus prprios interesses na medida em que fomentam os interesses dos membros da cooperativa; suas rendas e seu prestgio devem aumentar proporcionalmente melhoria da situao dos associados; da, a necessidade de fiscalizar a gesto empresarial e estabelecer controles institucionalizados contra aes negativas dos membros (como sabotagens na entrega de produtos, afastamento, etc.);

5. entre os associados e a cooperativa deve haver solidariedade ou lealdade consciente, embasada em normas contratuais ou estatutrias que legitimam essa lealdade e no solidariedade cega tal como preconizam as outras teorias cooperativistas. Neste particular, o grupo de Munster desenvolveu tambm uma teoria econmica da democracia.

Para a teoria de Munster, tanto o interesse individual dos associados quanto o interesse coletivo so importantes na cooperativa, uma vez que os interesses econmicos individuais so realizados por meio da empresa que mantm conjuntamente.

As cooperativas no esto em contradio com a economia competitiva. Para isto, devem utilizar as modernas tcnicas de organizao empresarial, garantir a qualidade dos seus produtos e servios, utilizar as inovaes tecnolgicas e apresentar as vantagens tpicas das empresas econmicas, para a atividade cooperativista ser competitiva. Dessa forma, as vantagens produzidas pela sociedade podem retornar aos associados, sem discriminaes. Torna-se, portanto, necessria a participao de todos nos processos de tomada de decises do grupo, bem como a necessidade dos associados controlarem a cpula dirigente.

evidente a pertinncia dessas consideraes tericas em relao s mudanas estruturais pelas quais atravessa o cooperativismo no Brasil e no mundo. Alguns fatores so relevantes na conformao do cenrio de competio na atualidade e suas conseqncias mais imediatas para o cooperativismo moderno. As mudanas recentes ocorridas no cooperativismo agropecurio norte-americano e europeu, relatadas por Michael Cook e Adrei Zwanenberg, podem ilustrar a aplicabilidade dos preceitos tericos de Munster ao cooperativismo contemporneo. A despeito da explcita referncia ao cooperativismo agropecurio, as observaes e concluses de Michael Cook e Adrei Zwanenberg so importantes e teis para o entendimento dos processos de mudana que ocorrem em outros tipos de cooperativas.

Em sua conferncia no XI Congresso Brasileiro de Cooperativismo, o prof. Michael COOK, analisando o cooperativismo agropecurio norte-americano, assinala a semelhana da crise e dos processos de modernizao do cooperativismo ligado agricultura em diversos pases de agricultura avanada. Em sua discusso, importante para o entendimento da situao atual do cooperativismo agropecurio mundial, e em particular do caso brasileiro, COOK afirma que:

a partir de 1983, os Estados Unidos presenciam uma das piores crises que seu setor agrcola j enfrentou. Com a chamada Depresso Agrcola, as cooperativas de produtores perdem grande parte de sua importncia econmica; at 1989, a participao das cooperativas na comercializao de produtos agrcolas cai para cerca de 25% do total norte-americano, enquanto que a fatia ocupada na venda de insumos para produo tambm decresce, para um igual montante de 25%.

Esta nova situao provoca uma parada para reflexo nas empresas cooperativas. Os lderes destas empresas passam a tomar cincia dos novos desafios que o sistema cooperativista deveria enfrentar para sobreviver num novo ambiente, muito mais hostil a suas empresas.

O novo contexto que se apresentava significava a industrializao cada vez maior dos produtos de origem agropecuria, a globalizao crescente dos mercados, com conseqente aumento da concorrncia nos diversos setores de atividade, inclusive no setor agrcola.

Outro fator perceptvel neste novo ambiente a intensificao do uso de capital nos sistemas agroalimentares, com novas tecnologias e processos de produo mecanizados e altamente demandantes de recursos financeiros.

O desafio destinado s cooperativas de produtores rurais dizia respeito inabilidade intrnseca destas empresas em evolurem como organizaes originalmente defensivas em suas estratgias para uma atuao mais agressiva de mercados, fazendo frente a empresas de capital aberto.

A inabilidade inerente s empresas cooperativas neste novo ambiente estava muito relacionada s caractersticas naturais da maiorias das cooperativas no mundo. Originalmente constitudas por produtores rurais, que procuravam uma melhor condio de comercializao de sua produo e de compra de insumos e produtos, as cooperativas sempre carregaram como principais caractersticas a tradio, o gerenciamento ineficiente de seus negcios empresariais e a dificuldade de adoo de novos modelos de administrao, graas a uma mentalidade tradicionalista e at mesmo retrgrada de seus dirigentes, em sua totalidade produtores rurais.

Alm disso, questes institucionais tratavam de dificultar ainda mais o processo evolutivo das cooperativas, j que os princpios legais, nos quais se baseavam estas empresas, eram elementos desestimuladores da participao do capital de terceiros neste empreendimento.

Desta forma, cooperativas originalmente formadas para defenderem seus associados, produtores rurais, do elevado poder de barganha das empresas com os quais estes estabeleciam relaes, baseavam-se em premissas como, por exemplo, o limitado retorno sobre o capital nelas investido e o controle democrtico, que afastavam o capital de risco, proveniente de terceiros e necessrio para estabelecimento de novos investimentos na atividade da empresa. Desta forma, a nica opo para as cooperativas foi a de capitalizao atravs de lenta aquisio de capital via reteno de lucros da prpria empresa, em detrimento ao capital proveniente de fora da cooperativa.

Mais do que um fenmeno local particular s cooperativas norte-americanas, o fato descrito pode ser generalizado como comum s cooperativas da maioria dos pases de agricultura avanada. Dentre eles, podem ser citados a Austrlia, a Argentina, o Canad, a frica do Sul, os pases europeus de forma geral e tambm o Brasil.

Em seu estudo sobre o cooperativismo de leite na Europa, ZWANENBERG analisa os desafios principais que aquelas cooperativas tm que enfrentar nos anos noventa: (i) a escolha de produtos e de mercados, (ii) as estratgias de captao de leite, (iii) o financiamento das atividades empresariais, e (iv) as condies e exigncias para a associao de produtores rurais.

No caso europeu, ZWANENBERG ressalta que a situao no mercado de produtos lcteos mudou nas ltimas dcadas e ainda tem modificado consideravelmente devido a alteraes na situao poltica na Europa, nos padres de consumo e nas preferncias do consumidor e na reorganizao do setor de varejo. Do ponto de vista das polticas agrcolas, a indstria de leite foi e tem sido confrontada com as repercusses de acordos polticos e de concesses como a liberalizao do comrcio mundial (GATT), diminuio dos subsdios para processamento e exportao de produtos lcteos para pases no europeus (Common Agricultural Policy, CAP) e a crescente preocupao e interveno governamental em questes relacionadas a controle ambiental. Essas mudanas tm provocado impactos diretos tanto a nvel da propriedade rural quanto a nvel das estruturas empresariais de processamento industrial do leite.

Mudanas nas polticas governamentais, na demanda do consumidor, no comrcio varejista internacional, nas tecnologias de produo a nvel de fazenda e a nvel da indstria tm provocado a necessidade de reconsiderar as estratgias empresariais usualmente aceitas pelas cooperativas de leite.

Atualmente, as cooperativas de leite europias no s analisam se esto produzindo os produtos certos para os mercados certos, mas tambm avaliam e testam novas estratgias de captao de leite, sua estrutura e seus mtodos de financiamento das atividades bem como as relaes empresariais entre os produtores rurais associados e a cooperativa processadora de leite.

O estudo de ZWANENBERG enriquece a discusso sobre o moderno cooperativismo mundial, independente do tipo de cooperativa, e no somente no caso europeu, medida em que considera os quatro aspectos estratgicos como necessrios e passveis de serem trabalhados simultaneamente. Em todos os tipos de cooperativas observa-se a necessidade de desenvolver novas formas de ao no mercado, de gesto de captao dos insumos dos cooperados (leite no caso agropecurio; depsitos no caso de crdito; trabalho especializado no caso do cooperativismo mdico; etc. ), de financiamento das atividades e novas formas de relacionamento entre o cooperado e sua cooperativa.

Confrontadas com a necessidade de se adaptar com eficincia e rapidez s mudanas econmicas, as cooperativas tm que evitar duas rotas para seu futuro desenvolvimento e que podem comprometer sua posio no mercado e sua identidade empresarial cooperativa:

a) a primeira rota focaliza a unidade de produo associada como centro do negcio empresarial cooperativo. Em virtude dos inmeros problemas especficos de produo de produtos ou de servios a serem colocados no mercado, a nvel de unidade de produo de produtos ou de servios (por exemplo, produo dos diversos servios mdicos realizada, pelo mdico, em seu consultrio ou clnica), os cooperados instintivamente podem optar por esta perigosa estratgia. O resultado provvel que o empreendimento cooperativo no sobreviver competio do mercado, nacional ou internacional. Nesse caso, s teoricamente os interesses bsicos dos cooperados so atendidos.

b) A segunda rota focaliza excessivamente o mercado dos produtos ou servios como centro do negcio empresarial cooperativo, ainda que a custa do distanciamento entre a cooperativa e as unidades de produo de produtos ou servios associadas, com perda das caractersticas cooperativas. Administradores e gestores com incipiente formao cooperativa e com experincia anterior em empresas privadas de prestao de servios (mdicos, por exemplo) tendem a seguir instintivamente esta perigosa orientao. O resultado provvel o fortalecimento das relaes de mercado da cooperativa e a postergao dos interesses dos cooperados.

Considerando essas duas estratgias, ambas indesejveis pelo extremismo das posies assumidas, defende-se modernamente a adoo de um terceiro enfoque do empreendimento cooperativo evitando tanto o foco nos interesses da unidade de produo de produtos ou servios associada cooperativa quanto o foco nos interesses exclusivos do mercado. Ou seja, trata-se de desenvolver uma estratgia empresarial que responda questo: como as cooperativas podem combinar o desenvolvimento de novas estratgias para seus negcios empresariais com a manuteno de uma organizao verdadeiramente associativa/cooperativa?

Os dois casos ( Cook e Zwanenberg) exemplificam, por um lado, a incapacidade do instrumental terico rochdaleano em atender as necessidades de competitividade e de gerar benefcios ao cooperado face os nveis de competio nos mercados modernos; por outro lado, refora o elemento central do conceito de cooperativa um empreendimento econmico que, em decorrncia de suas caractersticas empresariais, demanda a utilizao das modernas tcnicas de gesto de negcios, aspectos centrais das modernas abordagens tericas da cooperao.

3.6. O Cooperativismo no Brasil

O desenvolvimento do cooperativismo brasileiro reflete as duas principais tendncias que marcaram a evoluo do pensamento cooperativo europeu: das suas origens no final do sculo XIX at o incio da dcada de 1970, o cooperativismo brasileiro marcado pelo contedo doutrinrio rochdaleano; a partir da dcada de 1970 observa-se a preocupao na adoo de modelos cooperativos empresarialmente dinmicos, combinando a promoo da economia solidria com a racionalidade empresarial.

As primeiras cooperativas brasileiras s surgiram com o advento da Repblica. A Constituio Republicana de 1891, que assegurou a liberdade de associao, a chegada de imigrantes europeus, o surgimento de trabalhadores livres e o crescimento das cidades, garante as mnimas condies para o aparecimento das primeiras cooperativas no setor de consumo dos centros urbanos, no final do sculo XIX. Desse perodo, podem ser mencionadas: a iniciativa da cooperativa de consumo de funcionrios pblicos de Ouro Preto, MG (1889), a Associao Cooperativa dos Empregados da Companhia Telefnica, em Limeira, SP (1891); a Cooperativa Militar de Consumo do Rio de Janeiro (1894); a Cooperativa de Consumo de Camaragibe, PE (1895), exemplos das primeiras cooperativas brasileiras.

As primeiras cooperativas surgidas no meio rural foram as Caixas Rurais Raiffeisen, no Rio Grande do Sul (a partir de 1902), as cooperativas de plantadores (de diversos produtos agrcolas, principalmente de caf) e de laticinistas, promovidas por Joo Pinheiro em Minas Gerais (iniciada em 1907). Nesse primeiro momento (at o incio dos anos 30), o cooperativismo agrcola aparece vinculado necessidade de comercializao da produo e de abastecimento dos centros urbanos. Constitui-se em um mecanismo utilizado pelos produtores para enfrentar diretamente a ao dos intermedirios. Consistia de uma ao cooperativa ligada agricultura, formada por pequenos produtores, tendo um carter de defesa da remunerao do trabalho familiar frente ao comrcio e indstria de transformao, restringindo-se comercializao dos excedentes agrcolas. A sua dependncia em relao ao Estado era mnima, uma vez que a pequena agricultura, nessa fase histrica, possua um grau maior de autonomia em relao agroindstria e s polticas oficiais.

O cooperativismo agrcola ligado cafeicultura e promovido pelo governo de Joo Pinheiro em Minas Gerais no se enquadra nessa tendncia geral; no caso da cafeicultura, era uma proposta de criao de cooperativas sob o patrocnio do Estado para viabilizar a comercializao do caf sem as ingerncias dos grupos de exportadores do porto de Santos, SP. Essas cooperativas, formadas por mdios e grandes produtores de caf, rapidamente desapareceram, combatidas pelos grupos dos grandes exportadores deste produto.

At a dcada de 1930, alm do cooperativismo agrcola e de crdito, principalmente desenvolvido nas regies de imigrao estrangeira, surgiram algumas cooperativas de consumo ligadas a empresas nos principais centros urbanos.

A partir de 1932, com a promulgao do Decreto 22.239, normatizando a constituio e o funcionamento das cooperativas, facilitando e simplificando a sua fundao e isentando-as de uma srie de impostos, o Estado procurou incentivar ao mximo o desenvolvimento do cooperativismo no Brasil. Ao abrigo desse texto legal, floresceram nos centros urbanos o cooperativismo de consumo, escolar, de prestao de diversos servios, e, no meio rural, o cooperativismo agropecurio com a funo primordial de produzir alimentos para o mercado interno.

Nesse segundo momento, o cooperativismo agrcola no pode ser interpretado apenas como um movimento isolado dos produtores, caracterstica predominante no perodo anterior dcada de 1930. Muito mais do que naquele perodo, o cooperativismo foi tutelado e estimulado pelo Estado, na medida em que esta forma de organizao dos produtores se adequava aos interesses representados pelo novo modelo de desenvolvimento nacional. Nesse perodo, tem origem a caracterstica fundamental do cooperativismo brasileiro que perdurar at o final da dcada de 1980: a tutela do Estado.

As transformaes capitalistas que se processaram a partir de 1930, com a crise econmica mundial, provocando o fechamento do comrcio internacional e a crise do setor cafeeiro, conduz ao redimensionamento da economia nacional, no sentido de substituio de importaes e de industrializao de bens no durveis.

Conforme aponta Duarte estas transformaes iriam refletir-se diretamente no setor rural, posto que, a partir de ento, caberia agricultura a funo primordial de produzir alimentos para o mercado interno, barateando os custos da fora de trabalho do setor industrial e urbano em expanso. As cooperativas foram vistas como um mecanismo de organizao da produo em moldes associativos, que tanto atenderiam aos interesses do Estado, quanto aos dos produtores.

Duas razes levam o Estado a intervir na economia agrria, e tambm urbana, por meio do cooperativismo: o potencial econmico e o potencial ideolgico do movimento cooperativista. Como observa Fleury, a nvel econmico, o cooperativismo se apresentou como elemento fundamental no processo de modernizao agrcola, facilitando sua integrao no mercado. E, em termos ideolgicos, o cooperativismo, pelo seu contedo doutrinrio rochdaleano, revestia-se de carter reformista, necessrio para justificar suas intervenes na economia, pois estas seriam feitas em nome das classes menos favorecidas, bem ao gosto do estilo populista do governo da poca. Assim, as foras produtivas seriam desenvolvidas e mantidas as tenses e conflitos sociais nos limites do politicamente vivel para os interesses do Estado populista.

Este potencial reformista, que se traduz em termos concretos apenas em um projeto de modernizao agrcola e integrao dos produtores no mercado, evitava o conflito com os interesses das classes dominantes agrrias, estratgia esta que ainda permanece nos dias atuais.

Se na dcada de 1930 a poltica do Estado foi no sentido de incentivar ao mximo a criao de cooperativas agrcolas, na dcada seguinte grande parte dessas cooperativas se encontravam paralisadas ou sequer chegaram a funcionar. A razo comum para este fato era a no correspondncia das cooperativas s necessidades reais dos grupos de produtores. Somente as cooperativas que lidavam com produtos de abastecimento (hortigranjeiros, leite, avicultura) foram bem sucedidas, uma vez que se orientavam pelas crescentes necessidades de abastecimento das cidades das regies Sul e Sudeste, em virtude da intensificao da industrializao e da urbanizao.

Com as alteraes efetivadas na economia nacional a partir do final da dcada de 1950, o setor rural e o cooperativismo agrcola passariam por profundas alteraes. Tambm o cooperativismo urbano, fundamentalmente formado pelas cooperativas de consumo e de crdito mtuo, so influenciados pelo novo padro de desenvolvimento econmico e social que o pas atravessa.

O novo modelo de desenvolvimento nacional se caracterizava pela: a) insero do pas no padro de acumulao capitalista internacional; b) execuo de polticas de desenvolvimento industrial de bens durveis; c) acelerao do desenvolvimento do complexo agroindustrial, de capital nacional e internacional. Nessa perspectiva desenvolvimentista, fazia-se necessria a modernizao tecnolgica do setor rural visando o desenvolvimento de uma agricultura de exportao para gerar divisas, e de abastecimento do mercado interno, fundamentalmente uma agricultura consumidora de produtos industrializados.

O cooperativismo se apresenta como instrumento preferencial do Estado para viabilizar a execuo das polticas dirigidas ao setor rural, inserindo-o no novo padro de desenvolvimento capitalista, assentado na associao do capital externo, estatal e privado nacional. As cooperativas apresentavam uma srie de vantagens, tais como: a reduo dos custos operacionais e os gastos de circulao da produo; facilidades para a compra de gros; a difuso e incorporao de tecnologia avanada; garantia de maior produtividade fsica e econmica da lavoura.

Entretanto, o cooperativismo ento existente apresentava-se inexpressivo economicamente e sem estrutura organizacional que lhe possibilitasse operar nos moldes requeridos pelas polticas estatais. Desta forma, diante das exigncias importadas pelo novo modelo econmico e por um mercado altamente competitivo composto por empresas capitalistas rurais ligadas ao capital financeiro internacional e nacional, ao cooperativismo restou a alternativa de se transformar no sentido de uma modernizao organizacional e expanso econmica, o que s foi possvel alcanar com o seu desenvolvimento empresarial e com sua adaptao dinmica do modelo de acumulao e expanso do capital.

A transformao do cooperativismo agrcola d-se no sentido da integrao da produo agrcola ao capitalismo industrial-urbano, em especial agroindstria, e atuao do Estado brasileiro. Nesse contexto, o advento da Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971, apresenta a adequada flexibilidade renovao e modernizao estrutural das cooperativas brasileiras, possibilitando sua atuao como empresas modernas e dinmicas. Operaes com terceiros, atualizao dos valores do ativo imobilizado, participao em sociedades-no-cooperativas, pblicas ou privadas, por exemplo, so algumas das atividades propiciadas por este instituto legal.

Concomitantemente, florescem nos centros urbanos novas categorias cooperativistas para atender s mltiplas necessidades da populao. As cooperativas de trabalho, especialmente, multiplicam-se com intensidade significativa em atividades as mais heterogneas, gerando emprego ou reunindo grupos de profissionais, desde tcnicos altamente especializados at mo-de-obra semiqualificada; as cooperativas de economia e crdito-mtuo; as cooperativas de crdito rural; as cooperativas de eletrificao e telefonia rural; as cooperativas habitacionais, etc.

O quadro geral do desenvolvimento do cooperativismo brasileiro, nas dcadas de 1960 a 1980, pode ser sintetizado da seguinte maneira:

1. Cooperativas de consumo apresentam grande prosperidade at o incio da dcada de 1960. Declinam por fora da supresso do benefcio tributrio de que gozavam (iseno de ICM), rpida descapitalizao provocada pela inflao dos anos 63/64 e 79/81, e forte concorrncia de grandes redes de supermercados que contam com grandes recursos financeiros, modernas tcnicas de marketing, racionalizao administrativa e linhas especiais de crdito. De um total de 2.420 cooperativas de consumo registradas na dcada de 1960, restaram cerca de 350 na dcada de 1980. Atualmente, as cooperativas de consumo renascem apoiadas em novas tcnicas administrativas.

2. Cooperativas de Crdito a mortalidade cooperativista foi igualmente muito intensa nos anos 60. A partir de 1964, sobretudo, o Banco Central extinguiu quase completamente as cooperativas raiffeisen e os bancos luzzatti, com base nas restries importas pela reforma bancria e pelas normas da poltica financeira do governo federal. Alm disso, at os primeiros anos da dcada de 1980, o Banco Central no concedia autorizao de funcionamento a cooperativas de crdito, excetuando somente as de crdito-mtuo, cooperativas fechadas a trabalhadores de empresas nos centros urbanos. A partir dos anos 80, principalmente na dcada de 1990, o cooperativismo de crdito se fortalece no pas, principalmente no meio rural, com o aparecimento das cooperativas de crdito rural do modelo SICREDI, que se organizam atualmente, em conjunto com as cooperativas de crdito-mtuo, em torno de dois grandes bancos cooperativos, o BANSICREDI e o BANCOOB.

3. Cooperativas Habitacionais a estrutura cooperativista habitacional foi criada com base na legislao que instituiu o BNH, e pouco expressivo no contexto do cooperativismo brasileiro. Dez anos aps a instituio do Plano Nacional de Habitao, em 1974, j funcionavam mais de 500 cooperativas habitacionais. Como so cooperativas de durao limitada ou seja, construdas as habitaes, so extintas as cooperativas -, o total de cooperativas oscila periodicamente, de modo que mais significativos so os dados sobre unidades habitacionais: em 1979 o total de unidades foi da ordem de 300.000 e em 1980, de 400.000.

4. Cooperativas de trabalho at 1965, os tipos de cooperativas de trabalho contemplavam cooperados que, freqentemente, eram mo-de-obra semi-qualificada ou trabalhadores braais: transportadores de carga, motoristas de caminho, artesos, pescadores artesanais e trabalhadores em edifcios. A partir dessa dcada, outros profissionais, inclusive tcnicos especializados, comearam a se reunir em cooperativas: mdicos, dentistas, professores universitrios, jornalistas, escritores, msicos, cineastas, radialistas, etc. Na rea rural, entretanto, a utilizao da forma cooperativa como mecanismo para burlar a legislao trabalhista, o cooperativismo de trabalho encontra dificuldades em se caracterizar como alternativa vivel gerao de emprego e renda. Atualmente, esta modalidade de cooperativa desponta como o segmento que mais cresce no cooperativismo brasileiro, principalmente no meio urbano.

O sistema cooperativista no Brasil movimenta perto de R$ 30 bilhes na economia e congrega perto de 4 milhes de associados. composto de 5.102 cooperativas, sendo 34,4% no setor agropecurio, estando presente nos importantes setores de consumo, financeiro, de educao, de trabalho, de prestao de servios, da habitao, de produo, de minerao, e da sade. Isto certamente faz do cooperativismo brasileiro um importante agente na economia nacional. O quadro seguinte mostra o nmero de cooperativas, de cooperados e de empregados, por segmento:

Nmero de Cooperativas, Cooperados e Empregados, por Segmento

Base: 31 de dezembro de 1998

PRIVATESegmentos

Nmero de Cooperativas

Nmero de Cooperados

Nmero de Empregados

Agropecurio

1.408

1.028.378

107.086

Consumo

193

1.412.664

8.017

Crdito

890

825.911

5.800

Educacional

193

65.818

2.330

Energia e Telecomunicaes

187

523.179

5.161

Especial - escolar

4

1.964

6

Habitacional

202

46.216

1.226

Minerao

15

4.027

24

Produo

91

4.372

35

Sade

585

288.929

15.443

Trabalho

1.334

227.467

5.057

Total

5.102

4.428.925

150.185

Fonte: OCB/DETEC/Banco de Dados

4. A Moderna Administrao de Cooperativas

4.1. O Conceito de Cooperativa

Na literatura especializada, encontramos diversos conceitos para o termo cooperativa. Alguns exemplos esto listados abaixo em ordem cronolgica:

Mariani 1906: Uma associao cooperativa a associao voluntria de compradores ou vendedores de trabalho ou de outros produtos com o objetivo de melhorar os preos pagos ao trabalho ou aos produtos, por meio da organizao de um empreendimento comercial que se responsabiliza pelas operaes de compra e de venda.

Emelianoff 1942: A cooperativa (cooperation, no original) um conjunto de unidades econmicas cujas atividades so autogestionadas, mantendo cada uma das unidades a sua independncia e individualidade econmica.

Ohm 1955: A cooperativa forma uma economia auxiliar comum s economias de seus membros.

Kaarlehto 1956: A cooperativa uma entidade formada por um certo nmero de firmas ou unidades domsticas os membros da cooperativa que tem por objetivo atuar como uma empresa de propriedade dos seus membros conduzindo atividades econmicas e prestando servios diretamente s atividades dos associados da forma mais vantajosa para todos.

Robotka 1959: A organizao empresarial cooperativa uma associao de duas ou mais unidades de produo (ou unidades domsticas) que voluntariamente estabeleceram um acordo entre si com a finalidade de coordenar e conduzir em comum determinadas atividades negociais das suas unidades econmicas individuais, e juntamente fornecer, controlar e operar quaisquer servios necessrios ao alcance dos objetivos.

Barton 1989: A cooperativa um empreendimento de propriedade de seus donos-usurios que distribui benefcios com base na utilizao dos servios prestados.

Cosgrave 1994: A cooperativa de produtores rurais uma organizao empresarial de propriedade de seus controladores - os associados, consistindo de uma forma especial de integrao vertical de produtores nos mercados.

Discutindo as tentativas tericas de definir um conceito de cooperativa, diversos autores concluem que a busca de uma definio concisa do termo cooperativa improdutiva em virtude da multiplicidade de aspectos que tal definio deve incorporar. Em outras palavras, existe um nmero excessivo de aspectos que devem ser considerados e que no caberiam em uma nica frase. Alm disso, no existe acordo entre os tericos sobre todos os aspectos relevantes que caracterizam uma cooperativa. Os conceitos acabam reforando simplesmente o ponto de vista subjacente em suas definies particulares (veja, ao final deste captulo, outros conceitos de cooperativa).

Nilsson relaciona trs elementos encontrados na maioria das definies de cooperativa: (i) a cooperao uma atividade econmica, que (ii) conduzida na direo da satisfao de necessidades comuns das pessoas (associados) envolvidas, e que (iii) propriedade e controlada pelos membros associados.

Podem ser distinguidas quatro correntes tericas cooperativistas: (i) a corrente terica cooperativa-socialista, (ii) a corrente terica cooperativa-solidria, (iii) a corrente terica cooperativista germnica, e (iv) a corrente terica econmica ou norte-americana, que possuem abordagens diferenciadas sobre o cooperativismo, os objetivos dos cooperados e as condies societrias em relao s quais os negcios empresariais so realizados.

A corrente terica cooperativa-socialista adota uma posio social-reformista na qual o movimento cooperativo busca inspirao em ideais polticos e sociais. A abordagem original nesta corrente terica evidencia um ponto de vista anticapitalista. A evoluo dessa linha de pensamento conduziu a um movimento social-democrata preconizando o estabelecimento de uma economia cooperativa, uma Terceira Via, como alternativa aos sistemas econmicos capitalista e socialista. Os mais importantes representantes desta corrente terica foram Robert Owen na Inglaterra e Charles Fourier na Frana. A criao da Cooperativa de Rochdale em 1844 considerada um smbolo do cooperativismo socialista. Esta corrente terica considera a cooperativa como um instrumento de polticas econmico-sociais.

A corrente terica cooperativa-solidria surge no sculo XIX, no contexto de movimentos religiosos europeus, que promoviam a criao de cooperativas como instituies sociais-crists baseadas na solidariedade. Seus promotores consideravam o cristianismo como a base para a mudana e renovao da sociedade. Foram promovidas a criao de sindicatos de trabalhadores e de produtores rurais e de cooperativas como demonstrao de que a solidariedade crist poderia ser levada prtica econmica e poltica. Raiffeisen, na Alemanha, Van del Elsen, na Holanda, e Mellaerts, na Blgica, so os mais importantes pioneiros na criao de cooperativas, principalmente cooperativas de crdito, utilizando a abordagem social-crist.

A corrente terica cooperativista germnica analisa a organizao cooperativa como um complexo fenmeno social no qual as motivaes sociolgicas, psicolgicas, ideolgicas e econmicas so reunidas para consolidar uma organizao econmica-social. Seus mais importantes tericos so Draheim e Henzler. Desse ponto de vista terico, a cooperativa deve ser interpretada como um negcio empresarial diretamente vinculado s questes de mercado e cuja organizao deve se pautar pelos princpios gerais da administrao empresarial. Existe uma convergncia terica entre esta corrente e os pressupostos da abordagem econmica ou norte-americana.

A corrente terica econmica (ou norte-americana) da cooperao significa uma reao s correntes de pensamento descritas anteriormente. Os principais tericos dessa corrente (Emelianoff, Phillips, Robotka, Ohm, Ter Woorst) interpretam a cooperativa como uma forma de organizao econmica independente. Esta abordagem possibilitou a emergncia do conceito de cooperativa como uma extenso da propriedade do cooperado.

De acordo com Barton, a perspectiva terica econmica possibilita a identificao de quatro distintas classes de princpios: 1) Rochdale, 2) tradicional, 3) proporcional, e 4) contemporneo.

Os pioneiros de Rochdale foram mais realistas que idealistas. Imaginaram um empreendimento cooperativo que correspondesse s suas necessidades e sobrevivesse enquanto negcio. A partir de sua prpria experincia, e de outros, formularam e aperfeioaram regras de conduta e premissas organizacionais para orientar a execuo dos negcios da sociedade empresarial.

Os princpios tradicionais coincidem com sete dos princpios de Rochdale. Alguns princpios tradicionais no foram formulados por Rochdale mas, como Barton identifica, podemos certamente assumir que constituam prtica comum dos pioneiros de Rochdale. Atualmente so expressos nos princpios cooperativistas definidos pela Aliana Cooperativa Internacional ACI, em 1965.

Os princpios proporcionais se baseiam em uma definio mais precisa e especfica de cooperativa como um empreendimento baseado na proporcionalidade no que se refere ao mecanismo de controle baseado no voto, na formao do capital e no investimento pelos prprios membros e na distribuio das sobras.

De acordo com Barton, os princpios contemporneos so simples, flexveis e pouco numerosos. No incluem aspectos especficos do funcionamento cooperativo, tais como polticas e prticas empresariais. Representam um conjunto de orientaes relativas a trs aspectos fundamentais do cooperativismo: o controle democrtico, a propriedade cooperativa e o retorno dos benefcios. Para o entendimento dos princpios contemporneos, necessrio considerar a distino entre princpios e prticas cooperativas: um princpio uma doutrina fundamental que implica no estabelecimento de caractersticas distintivas; uma prtica uma ao que suporta e implementa um princpio.

A despeito da multiplicidade de definies, de diferentes interpretaes do que sejam os princpios, da infinidade de caractersticas e orientaes na teoria cooperativista, alguns aspectos da realidade cooperativa so motivo de concordncia entre os estudiosos: (i) na sua essncia, a cooperativa uma empresa econmica; (ii) a empresa cooperativa deve servir aos interesses dos seus membros; (iii) por extenso, a cooperativa beneficia a comunidade de um modo geral; (iv) como empreendimento econmico, a cooperativa realiza a intermediao dos interesses dos seus membros com o mercado; (v) e nesse caso prevalecem as questes imperativas de eficincia, produtividade e competitividade econmica, tanto no que se refere s relaes internas da cooperativa com seus cooperados, quanto no que se refere s relaes externas com o mercado.

4.2. A Organizao Cooperativa

Uma organizao cooperativa surge de um acordo voluntrio de colaborao empresarial - cooperao entre vrios indivduos, com a finalidade principal de solucionar problemas ou satisfazer s necessidades comuns que excedem a capacidade individual. A inteno melhorar a situao econmica individual por meio de tal colaborao.

Os indivduos buscam satisfazer seus interesses pessoais por meio de cooperativas, quando verificam que a ao solidria mais vantajosa do que a ao individual ( a capacidade equilibradora da cooperativa). Embora se considere o interesse individual dos associados como o objetivo da entreajuda cooperativa, no se prioriza o indivduo em detrimento do coletivo: ambos so importantes na cooperativa.

Assim, as cooperativas no esto em contradio com a economia competitiva, quer se trate de cooperativas que trabalhem apenas para cobrir os custos, quer se trate de empresas que devem gerar benefcios, tais como as demais empresas voltadas para o mercado.

A colaborao empresarial entre indivduos, quando relacionada, por exemplo, com organizao do trabalho agrcola, pode processar-se por meio de duas opes bsicas. A primeira, em que os produtores se unem em ampla unidade de produo de servios agropecurios empresa cooperativa de produo a ser explorada coletivamente. E a segunda, em que apenas determinadas atividades ou funes econmicas dos produtores so transferidas para uma empresa orgnica uma cooperativa auxiliar especialmente criada com o fim de prestar servios a esses produtores. Tanto na primeira quanto na segunda opo, a cooperao tem por objetivo atender aos interesses dos diversos grupos de produtores organizados.

4.3. A Dupla Natureza da Cooperativa

A organizao cooperativa um sistema impulsionado por metas individuais, metas organizacionais e metas do marco institucional da sociedade em geral. As negociaes econmicas que a cooperativa realiza internamente com seus membros, para incrementar-lhes a situao econmica, regem-se pelo princpio de identidade: os usurios dos servios so os mesmos proprietrios. O interesse do cooperado e o da cooperativa, nessas negociaes ou operaes, obedece mesma causa final: a cooperativa visa servir o associado, para melhorar sua atividade econmica, e o associado serve-se da cooperativa para o mesmo fim. O interesse em ser comum o fim faz ser comum o interesse.

Distingue-se, portanto, dupla natureza orgnica na cooperativa: de um lado, o grupo cooperativo (a associao) e, de outro, a atividade cooperativa (a empresa), destinada ao servio das economias individuais associadas (Figura 1).

A natureza dplice constitui uma das caractersticas fundamentais desse tipo societrio. A associao a entidade formada pelo agrupamento de pessoas com interesses semelhantes, enquanto a empresa a unidade econmica criada pela associao para produzir bens e/ou servios requeridos pelos indivduos cooperados. Gierke, numa citao de Walmor Franke, j advertia que a cooperativa (...) uma associao econmica, de natureza mutualstica, cuja misso fundamental se concentra na efetivao de relaes negociais dirigidas para a sua esfera interna.

preciso ressaltar que esses negcios internos, em que o interesse das partes - cooperativa e cooperado idntico, constituem o ato cooperativo, s podendo ser realizado, com benefcio do cooperado, se precedido ou sucedido de um negcio externo ou de mercado. Enquanto associao econmica, a cooperativa consiste no acordo multilateral entre as unidades de produo ou de consumo dos indivduos cooperados e, como empresa, o empreendimento econmico que, como parte integrante das unidades econmicas individuais associadas, se encontra na propriedade e explorao comuns. Na realidade, ocorre a transferncia de parte da atividade econmica das unidades de produo ou de consumo individuais para o empreendimento comum, quando essas unidades econmicas individuais, nas suas relaes com o mercado, no querem ou no podem exercer, isoladamente, as funes de relacionamento com o mercado.

COMUNICAO

INFORMAO

ESTRUTURA

DE PODER

ASSOCIAO

EMPRESA

INSTRUMENTO

Relaes Societrias

Participao Poltica

Educao e Desenvolvimento

Relaes Operacionais e

Funcionais

Participao Econmica

O Princpio da Transparncia e da Identidade

Cooperativa se Realiza neste Espao da

Prtica Cooperativa

CANAIS DO

PODER

Assemblias,

Conselhos,

Diretoria,

Gerncia, Ncleos

Comunitrios,

Comits de

Cooperados

AO DO

PODER

Planejamento,

Organizao,

Direo, Controle

e Avaliao

DUPLA

DIMENSO DA

COOPERATIVA

Figura 1 A dupla natureza da cooperativa

Na realidade, as concepes de associao e de empresa se interpenetram de maneira indissolvel e no devem simplesmente se justaporem. Raymond Louis observa que a cooperativa de produtores rurais um conjunto de estruturas de trabalho ou produo e de prestao ou utilizao de servios, que surge sob a forma de um organismo econmico que tem por base a associao dos membros, e no qual cada um tem a qualidade de proprietrio, usurio, trabalhador e empresrio.

Dessa afirmao se deduz a dupla condio ou posio da pessoa associada: co-proprietrios da empresa e usurios de seus servios. So, portanto, idnticos os que possuem a empresa (donos) e os que fazem uso dos seus servios ou de suas instalaes (usurios). De acordo com Benecke, essa identidade intencional, quer dizer, os associados (donos) da cooperativa pem seu capital disposio da empresa cooperativa, com o objetivo de produzir um servio que eles, donos, necessitam, assumindo, ento, a funo de usurios.

A identificao ocorre toda vez que ao menos duas qualidades dos componentes acima se identificarem. Os associados no so s co-proprietrios, mas tambm os usurios da empresa cooperativa. Assim, na Cooperativa Habitacional, a identificao d-se entre donos do capital e usurios. Na Cooperativa Agrcola, h identificao entre fornecedores e donos do capital. Numa Cooperativa de Consumo, identifica-se o consumidor com o dono do capital. Nas cooperativas de Trabalho, o prprio trabalhador ou funcionrio se identifica com o dono do capital. Na Cooperativa UNIMED, o prprio mdico, usurio e beneficirio dos servios prestados pela empres, se identifica com o dono do capital.

Ao se analisar a motivao fundamental dos indivduos para a criao de uma organizao societria sob a forma de empreendimento coletivo, observa-se que os empreendimentos econmicos cooperativos surgem em virtude da posio que tomam entre as economias dos scios, de um lado, e o mercado, de outro. Constituem-se em economias comuns intermedirias, que, incumbidas pelos scios, obtm ou colocam determinados servios, executando, mediante essa obteno ou colocao, uma atividade prpria (Figura 2).

MERCADO

COOPERATIVA

Agrega valor

Fortalece o Poder de Barganha

dos Cooperados

Prestao de Servios

COOPERADOS

RELAO COOPERATIVA / MERCADO

RELAO COOPERATIVA / QUADRO SOCIAL

Figura 2 A posio intermediria da cooperativa com relao aos cooperados e o mercado.

Essas economias cooperativas intermedirias constituem, de conformidade com sua misso e sua atividade, rgos de interesse comum das economias cooperadas. Estas, quando e medida que se servem do empreendimento cooperativo, no mais realizam, por si prprias, o contato com o mercado. Nessa posio intermediria, por meio de um empreendimento negocial comum, reside a causa das peculiaridades que distinguem, na sua essncia, o empreendimento negocial cooperativo dos demais tipos de organizaes empresariais. Da se considerar a cooperativa como empreendimento integrante das economias associadas, como prolongamento ou extenso dessas economias. No caso das Cooperativas Mdicas, a empresa cooperativa surge como extenso da unidade produtora de servios mdicos representada pelo mdico em si, pelo seu consultrio ou clnica. A empresa cooperativa mdica absorve algumas funes econmicas antes realizadas exclusivamente pela unidade de produo associada (por exemplo, funes de comercializao, marketing, pesquisa de mercado, realizao de contratos, assessorias jurdica, contbil, financeira, etc.) e estrutura mecanismos administrativos capazes de oferecer comunidade associada todos estes servios.

Na realidade, as concepes de associao e de empresa se interpenetram de maneira indissolvel e no devem simplesmente se justaporem. Com efeito, observa-se que a cooperativa um conjunto de estruturas de trabalho ou produo e de prestao ou utilizao de servios, que surge sob a forma de um organismo econmico que tem por base a associao dos membros, e no qual cada um tem a qualidade de proprietrio, usurio, trabalhador e empresrio.

Dessa afirmao se deduz a dupla condio ou posio da pessoa associada: co-proprietrios da empresa e usurios de seus servios. So, portanto, idnticos os que possuem a empresa (donos) e os que fazem uso dos seus servios ou de suas instalaes (usurios). Essa identidade intencional, quer dizer, os associados (donos) da cooperativa pem seu capital disposio da empresa cooperativa, com o objetivo de produzir um servio que eles, donos, necessitam, assumindo, ento, a funo de usurios.

Uma viso mais complexa do papel de intermediao desempenhado pela empresa cooperativa entre cooperados e mercado pode ser observado no modelo operacional terico representado na Figura 3. bom salientar que o insumo associado a que se refere o esquema pode ser representado, na prtica, pela produo agrcola do cooperado (cooperativa agropecuria), pela fora de trabalho especializado (cooperativa mdica), potencial de compra (cooperativa de consumo), demanda de insumos para produo (cooperativa agropecuria), demanda de informaes e tecnologia, etc.

4.4. A Ao Cooperativa

Considerando as organizaes como a reunio de pessoas que tm um objetivo comum, dois elementos definem seu carter: os fins para os quais foi criada e os meios para alcan-los.

A organizao econmica, estruturada na empresa cooperativa, tem seus fins formalmente estabelecidos, no momento de sua criao, pelos indivduos associados. Os fins da organizao possuem sua dinmica prpria e correspondem interao dos fatores operantes no sistema social. Referem-se promoo da defesa e ao fomento da economia individual dos associados, mediante a prestao de servios definidos pelos estatutos. A cooperativa tem, portanto, carter instrumental ou auxiliar em relao s economias individuais.

Os meios para alcanar esses fins so, essencialmente, dois: a estrutura organizacional e as normas ou regras de conduta que determinam o processo da administrao. Esses meios esto sujeitos a um processo dinmico de mudanas no qual a tomada de deciso e a conduta dos administradores tm importncia fundamental, mesmo quando no sejam produto espontneo da interao social, uma vez que tenham sido definidos a priori para guiar as atividades da organizao.

Modelo Terico de empresa cooperativa

MERCADO

COOPERADOS

COOPERATIVA

Agregao de valor ao insumo cooperado

Aumento da capacidade de barganha do cooperado

CENRIO 1 - Relao Cooperativa/Cooperados

Prestao de

Servios

Informao

Sada do Insumo

Processado pela

Cooperativa para o

Mercado

Resposta do

Mercado ao Insumo

Processado pela

Cooperativa

Insumo Associado

para a Cooperativa

Resultado

Lquido da Ao

Cooperativa

para os

Cooperados

CENRIO 2 - Relao Cooperativa/Mercado

Sada do Insumo

Processado pela

Cooperativa para o

Mercado

Resposta do

Mercado ao

Insumo

Processado pela

Cooperativa

CENRIO 2 - Relao Cooperativa/Mercado

4.5. A Estrutura Organizacional da Cooperativa

Dois elementos definem o carter de uma organizao: os fins para os quais foi criada e os meios para alcan-los. Os meios so constitudos pela estrutura da organizao e pelas normas ou regras de conduta que determinam o processo administrativo. A estrutura estabelece a hierarquia e o papel de cada membro no interior da organizao. As normas ou regras de conduta so derivadas: (a) da tecnologia utilizada pela organizao; (b) do tamanho da organizao; (c) dos valores, e, no caso das cooperativas, dos princpios em que se fundamenta a organizao.

O modelo weberiano, utilizado como fundamento das teorias modernas de administrao, considera a organizao formal como o principal instrumento para mobilizar as energias necessrias para alcanar os fins das sociedades modernas. Esse modelo estabelece trs critrios bsicos que determinam a estrutura da organizao: a diviso do trabalho, a coordenao entre as diversas funes, e a autoridade ou as hierarquias de autoridade.

Do ponto de vista funcional e com base na idia de que a organizao, como qualquer sistema social, deve resolver quatro problemas bsicos, quais sejam: a adaptao ao meio ambiente, o alcance dos objetivos explicitamente estabelecidos, a integrao de seus componentes em uma nica entidade, e assegurar a permanncia de sua motivao, podem ser identificados trs nveis administrativos que definem a estrutura da organizao:

nvel tcnico, no qual se processa o produto ou os servios prestados pela organizao, caracterizado por trabalhadores, tcnicos, etc.

o nvel diretivo, dedicado a mobilizar recursos e a coordenar as atividades das diversas partes que compem a organizao.

o nvel institucional, que conecta a organizao com o sistema social circundante.

Herbert Simon concebe a organizao, do ponto de vista administrativo, principalmente como uma estrutura de tomada de deciso. Essa concepo est fundamentada na conduta humana e, tratando-se da sua capacidade de decidir ou escolher entre vrias alternativas. Simon assume, semelhana dos economistas clssicos, que o homem trabalha racionalmente. Evidentemente que a racionalidade do homem administrativo diferente daquela do homem econmico, pois uma racionalidade relativa e limitada. Para Simon, a descrio cientfica apropriada da Organizao aquela que, at onde seja possvel, assinala as decises tomadas pelos indivduos da organizao e as influncias a que eles esto sujeitos ao tomar cada uma dessas decises.

Trs fatores primordiais limitam tal racionalidade: (a) as limitaes do conhecimento, (b) as dificuldades em antecipar as conseqncias das decises, e (c) as limitaes provenientes dos comportamentos alternativos.

Esses diferentes enfoques tericos da estrutura das organizaes no so, necessariamente, excludentes ou incompatveis, e podem aparecer sobrepostos na anlise da estrutura organizacional de cooperativas. Dentro desses enfoques tericos, ser analisado o caso especfico da organizao cooperativa.

Os manuais de organizao cooperativa resumem as prticas usuais nas organizaes cooperativas por meio de um organograma estereotipado, que aplicado indiscriminadamente a todo tipo de cooperativa. Essa estrutura consiste de trs ou quatro instncias: a Assemblia Geral, o Conselho de Administrao, o Conselho Fiscal e a Gerncia, conforme o seguinte diagrama:

evidente que esse esteretipo demasiado vago e no responde s demandas especficas de distintos tipos de organizao, nem resiste anlise mais profunda com o instrumental terico da administrao moderna.

Podemos apreciar algumas limitaes desse desenho de estrutura de organizao cooperativa, comparando-o com a definio de Parson. Essa estrutura apenas corresponde ao que Parson denomina de nvel institucional ignorando os demais nveis que so to decisivos para o processo administrativo.

Para as finalidades deste texto, a estrutura organizacional da cooperativa ser dividida em trs nveis distintos:

Nvel Estratgico

Define objetivos e metas

Estabelece poltica

Escolhe estratgia Aloca recursos

Exerce controles

Funes

Planejar

Organizar

Controlar

Nvel Ttico

Estabelece as tticas

Delega autoridade

Distribui tarefas

Orienta e controla a execuo das tarefas

Funes

Coordenar

Dirigir

Supervisionar

Nvel Operacional

Executa as tarefas

Funes

Executar

Estabelecidos os nveis e determinadas as respectivas funes, torna-se bem mais compreensvel a estrutura vertical da organizao cooperativa, como mostra o diagrama seguinte.

Tendo por base essas proposies podemos distinguir trs instncias na estrutura organizacional da empresa cooperativa, com os seguintes rgos sociais:

1. A instncia deliberativa que governa a organizao, formada pela ASSEMBLIA GERAL, cuja funo deliberar e definir sobre assuntos importantes que serviro de orientao para o funcionamento da cooperativa; e o CONSELHO DE ADMINISTRAO ou DIRETORIA que delibera sobre questes de ordem poltico-administrativa da empresa;

2. A instncia de controle e de fiscalizao representada pelo CONSELHO FISCAL, cuja funo fiscalizar a gesto da empresa e certificar-se de que a deciso dos associados e seus interesses esto sendo cumpridos e atendidos.

3. A instncia administrativa e executiva, formada pela GERNCIA e pelo q