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Polticas sociais
Estratgias de governamentalidade
Vincius Armiliato102
RESUMOA partir da considerao de que as polticas pblicas so aes racionalizadaspelo Estado, pretendo apontar neste artigo o ponto de contato das discussestericas das polticas pblicas, com a ideia de governamentalidade biopolticaproposta por Michel Foucault. O artigo est delimitado em torno das polticas
sociais, marcantes no surgimento e desenvolvimento do Welfare State. Soapontados alguns fatores que fizeram do Estado um operador da proviso dedeterminados servios, sob a tica do conceito da governamentalidade biopoltica.Quais seriam os fins das polticas sociais e de que forma elas passam a serimportantes para a manuteno do Estado? Uma das interpretaes sobrepolticas sociais que estas se caracterizam como manobras que o Estado lanamo com o fim de manter-se em equilbrio enquanto entidade autnoma. Paratanto preciso canalizar, direcionar, controlar os fluxos da populao, oferecendoimpulso para desenvolvimento em determinados setores quando conveniente ou,de modo contrrio mas tambm conveniente, reduzindo incentivos. As polticassociais funcionariam como uma das ferramentas que assumem um compromisso
com a potncia do prprio Estado. A governamentalidade biopoltica, escancaradacomo um controle dos fluxos da populao, incentivando ou no que determinadasclasses acessem determinados saberes e lugares, pode ser contempladalanando um olhar para programas de polticas sociais, como de previdncia,educao, gerao de emprego, entre outros.
Palavras-chave: Governamentalidade. Polticas Sociais. Estado. Foucault.
ABSTRACTFrom the consideration of that public policy actions are rationalized by the state, Iwant to point out in this article the contact point of the theoretical discussions of
public policy, with the idea of biopolitical governmentality proposed by MichelFoucault. Article is delimited around social policies, outstanding in the emergenceand development of the Welfare State. Have pointed out some factors that madethe state an operator in the provision of certain services, from the perspective of
102 Mestrando em Filosofia (PUC-PR) e Especialista em Sociologia Poltica (UFPR). Possuigraduao em Psicologia (PUC-PR) e em Artes Cnicas (FAP). E-mail:[email protected]
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the concept of governmentality biopolitics. What would be the purpose of socialpolicies and how they come to be important for the maintenance of the rule? Oneof the interpretations of social policies is that these maneuvers are characterizedas the state launches hand in order to remain in balance as an autonomous entity.
Therefore it is necessary to channel, direct, control the flow of population, providingimpetus for development in certain sectors or when convenient, so contrary butalso convenient, reducing incentives. Social policies work as one of the tools thatassume a commitment to the power of the state itself. The biopoliticalgovernmentality, gaping like a control population flows, encouraging or not certainclasses knowledge and access to certain places, can be contemplated casting alook of social programs such as welfare, education, employment generation,among others.
Keywords:Governmentality. Social Policies. State. Foucault.
Pretendo, com este trabalho, situar o debate terico em torno das polticas
sociais, apontando alguns fatores que tornaram o Estado um operador da proviso
de determinados servios. Para tal estudo, pretendo contemplar as polticas
sociais sob a tica do conceito da governamentalidade biopoltica de Michel
Foucault. Procuro estabelecer quais seriam os fins das polticas sociais e de que
forma elas passam a ser importantes para a manuteno do Estado ou, para o
exerccio da governamentalidade. A hiptese que se procurar demonstrar a de
que as polticas sociais so a materializao da governamentalidade biopoltica,dentro daquilo que Michel Foucault entende por governamentalidade.
A EMERGNCIA DA ABORDAGEM TERICA DAS POLTICAS PBLICAS
As polticas pblicas ganharam nas ltimas dcadas significativa
visibilidade perante as cincias sociais. Essa visibilidade fez com que se
elaborassem estudos sobre as instituies que as regem, seus processos de
elaborao, bem como os de implementao e de avaliao. Frey (2000, p. 214-
215) aponta que essa rea de pesquisa inicia na dcada de 50, nos EUA, a partir
do pressuposto [...] de que, em democracias estveis, aquilo que o governo faz
ou deixa de fazer passvel de ser (a) formulado cientificamente e (b) analisado
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por pesquisadores independentes (SOUZA, 2006, p. 22).103Nesse sentido, Souza
refora que
A proposta de aplicao de mtodos cientficos s formulaes edecises do governo sobre problemas pblicos se expandiu depois paraoutras reas da produo governamental, inclusive para a poltica social(SOUZA, 2006, p. 23).
Di Giovanni (2009) cita um ethos pragmtico tpico da cultura norte
americana, no qual o objetivo com as polticas pblicas seria o de [...] fornecer
subsdios para ao dos governos104 (DIGIOVANNI, 2009, p. 8)
Considerando as polticas pblicas globalmente, Souza (2006, p. 20)
aponta trs fatores que viabilizaram um olhar mais apurado para estas: adoo depolticas restritivas de gasto, principalmente nos pases em desenvolvimento;
novas formas de conceber o papel dos governos na substituio de polticas
keynesianas do ps-guerra nas quais o Estado aparece como um agente
indispensvel para controlar a economia e estabelecer empregos105 ,
equilibrando o oramento (relao receita vesusdespesa) e restringindo aes do
103 No contexto do final dos anos 40, em decorrncia da Guerra Fria, a necessidade de um estudocientfico das polticas pblicas se evidencia com a criao da RAND Corporation, em 1948,por Robert McNamara: a instituio era composta por matemticos, socilogos, engenheiros,entre outros, cujos objetivos eram projetar a guerra comparando-a como um jogo racional, ouseja, pensar as aes do Estado em sua efetividade concreta:
104 Basta citarmos alguns textos mais recentes quanto anlise e tipos de polticas pblicas, osquais procuram categorizar aes de polticas, bem como propor modelos de implementao,anlise e avaliao: CAPELLA, Ana Claudia N. Perspectivas tericas sobre o processo deformulao de polticas pblicas. BIB, So Paulo, n. 61, 2006, pp 25-52.; DI GIOVANNI,Geraldo. As estruturas elementares das polticas pblicas. Caderno de Pesquisa. Campinas,NEPP, n 82 2009. SOUZA, Celina. Polticas Pblicas: uma reviso da literatura.Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n 16, jul/dez 2006, p. 20-45; VIANA, Ana Luiza.
Abordagens metodolgicas em Polticas Pblicas. Caderno de pesquisa. Campinas, NEPP,n 05, 1988; CARLSON, D. Trends and Innovations in Public Policy Analysis. Policy Studies
Journal, n. 39: 1326, 2011. FARIA, Carlos A. P. de. Ideias, conhecimento e polticaspblicas: um inventrio sucinto das principais vertentes analticas recentes. Revista Brasileirade Cincias Sociais. So Paulo, vol.18, n. 51, pp. 21-9, fev. 2003. FREY, K. Polticaspblicas: um debate conceitual e reflexes referentes prtica da anlise de polticas pblicasno Brasil. Planejamento e Polticas Pblicas. Braslia: IPEA, vol.21. 2000. p. 211-259. LOWI,Theodore. Four Systems of Policy, Politics and Choice. Public Administration Review, 32:298-310, 1972.
105 Segundo Carvalho O keynesianismo uma doutrina ativista, que preconiza a ao do estadona promoo e sustentao do pleno emprego em economias empresariais (CARVALHO,2008, p. 571).
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estado na economia e nas polticas sociais; e por fim, em especial nos pases da
Amrica Latina, a dificuldade em formar coalizes que elaborem e implementem
polticas pblicas que favoream o desenvolvimento econmico e a incluso
social106.
Constata-se que no debate terico sobre as polticas pblicas, pretende-se
entender os processos que esto envolvidos nas aes do governo. o que Frey
coloca com relao abordagem das polticas pblicas pelas cincias polticas,
situando que suas
[...] investigaes podem ser voltadas aos resultados que umdeterminado sistema poltico vem produzindo. Nesse caso, o interesseprimordial consiste na avaliao das contribuies que certas estratgiasescolhidas podem trazer para a soluo de problemas especficos(FREY, 2000, p. 213).
Destaca-se assim, o carter cientfico das anlises e modelos, por
basearem-se em estruturas formaisgoverno, decisores, atores, leis, regras, fator
tempo, efetivao das aes ou no considerando as relaes entre estas
mesmas estruturas.
Di Giovanni (2009) considera as polticas pblicas como uma maneira
[...] contempornea de exerccio de poder nas sociedades democrticas ,resultante de uma complexa interao entre o Estado e a sociedade,entendida aqui num sentido amplo, que inclui as relaes sociaistravadas no campo da economia (DI GIOVANI, 2009, p. 5, grifo doautor).
Nota-se uma recorrncia nas consideraes sobre as aes do governo
em si, naquilo que concreto em suas atividades, passvel de mensurao,
previso e correo, independente da figura de atores polticos, bem como de
discursos ideolgicos ou partidrios envolvidos em tais atividades.
Destacamos que o entendimento das polticas pblicas enquanto modelo
para pensar e visualizar a ao do estado, categorizado pela literatura em
setores, a fim de que se possa estabelecer de forma mais precisa as aes e
106 Di Giovanni (2009) aponta que as polticas keynesianas adotadas no ps-guerra contribuiriampara ampliar as intervenes do estado, em um carter regulador, na proviso de bens,servios, pleno emprego e formalizao de sistemas de proteo social
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intervenes do governo, na administrao do prprio Estado ou, naquilo que
compreende a vida social, econmica, ambiental, cultural, entre outras. Kauchakje
adverte que [...] embora a setorializao das polticas pblicas seja til em termos
de compreenso de sua abrangncia e, tambm, de ordenamento da gesto
pblica, isso no significa que elas so estanques (KAUCHAKJE, 2007, p, 62).
Sendo assim, as polticas, nos diferentes setores em que so aplicadas, acabam
interferindo-se mutuamente. Segue que as polticas pblicas, apesar de dividirem-
se em setores, apontam para um fim ltimo: a promoo da cidadania:
[...] como uma poltica pblica est estreitamente vinculada a outra, aseparao entre elas no que se refere ao planejamento, oramento eexecuo compromete o alcance da finalidade principal de todas elasindividualmente e em conjunto, ou seja, promover condies concretasde cidadania (KAUCHAKJE, 2007, p. 62)
Se considerarmos os requisitos que configuram as democracias modernas
(Di Giovanni, 2009), como poder mnimo de planificao nos aparelhos de Estado,
existncia e coexistncia de poderes, direitos de cidadania e, como consequncia,
o exerccio dessa cidadania atravs da formulao de agendas pblicas,
Do ponto de vista histrico, podemos dizer que tais requisitosconstituram-se de modo sempre uniforme, nas sociedades modernascapitalistas desde o sculo XIX, mas que foram consolidadosprincipalmente depois da segunda guerra mundial (DI GIOVANNI, 2009,p. 5)
Assim, no perodo do ps-guerra buscou-se, especificamente com as
polticas sociais, uma promoo do bem-estar da populao e uma manuteno
da legitimao do Estado. Para este trabalho, delimitarei a discusso s polticas
sociais, a fim de sustentar o objetivo de encontrar pontos de contato destas com
os estudos sobre a governamentalidade, de Michel Foucault. Acredito que essa
relao possvel pelo fato de que sendo a governamentalidade biopoltica umaracionalizao da ao do Estado com relao populao, o manejo terico das
polticas pblicas no estaria distante desta mesma racionalizao ao
considerarmos o destaque que estas ganharam no meio acadmico e poltico do
ps-guerra, sendo racionalizadas e construdas como ferramentas cientficas a fim
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de que se estabelecesse o melhor caminho para as aes do Estado naquele
perodo. Outrossim, tanto as polticas pblicas quanto a governamentalidade
biopoltica, debruam-se sobre aquilo que tange a populao, cidadania dessa
populao, a relao dessa mesma populao com a economia, o mercado de
trabalho, a previdncia, a sade e a educao. Relao essa que depende da
mediao da mquina estatal, como veremos adiante. Para tanto, se faz
necessrio situar o leitor no debate sobre a emergncia das polticas sociais, as
quais aparecem fortemente relacionadas na literatura com o Welfare State.
POLTICAS SOCIAIS: EMERGNCIA E CARACTERSTICAS
A caracterstica das prticas discursivas da cientificidade das aes do
Estado tambm se faz notar quanto s polticas sociais, mesmo antes do
momento histrico de serem intituladas como tal. Arretche (1995) investiga a
emergncia dos programas sociais a partir de uma reviso de literatura das teorias
explicativas para o aparecimento destes. As teorias apontam a industrializao
crescente durante o sculo XIX como elemento desencadeante da necessidade de
interveno estatal, naquilo que tange a aes de proviso de servios aostrabalhadores e queles que so incapacitados de competirem no mercado de
trabalho (como idosos e crianas).
[...] o homem se tornaria mais socialmente dependente na mesmamedida em que se tornasse mais individualizado e mais especializado.
Assim, a especializao do trabalho, fruto da industrializao, implicariaem crescimento da dependncia individual em relao sociedade(ARRETCHE, 1995, p. 15).
Para no prejudicar o andamento do processo produtivo, seria necessrio
tornar o trabalhador capaz de vender sua mo de obra, alm de restringir sua
mobilidade a determinados espaos da cidade, bem como estabiliz-lo em um
mesmo emprego. A partir de uma abordagem que leve em conta documentos do
final do sculo XIX e incio do sculo XX, Topalov aponta que as polticas sociais
contriburam para constituir [...] as bases da nova organizao do sistema de
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poder que, ao mesmo tempo, tanto pe frente a frente quanto une classes
dominantes e classes subalternas (TOPALOV, 1996, p. 23 -24).107
Legitimar esse poder se torna uma necessidade emergente devido aos
problemas demogrficos decorrentes do crescimento das cidades, e da
necessidade de legitimao social da venda da fora de trabalho, eliminando o
desemprego voluntrio, empecilho para o processo produtivo da indstria.
Podemos ver, ento, que suas polticas sociais progressistas (o seguro-desemprego e a reforma da moradia) tm sua origem em um projetoeducativo relativo aos trabalhadores urbanos e no nas exignciasdestes ltimos. Essas polticas sociais contrariavam dois hbitos bemarraigados nas classes populares: a mobilidade e a intermitncia doemprego assalariado e a preferncia pelas moradias baratas de seus
bairros tradicionais (TOPALOV, 1996, p. 27)
Juntamente com o processo de industrializao, discursos reformistas
viabilizaram o condicionamento do trabalhador s necessidades da indstria e s
necessidades de organizao demogrfica. Tambm da parte dos trabalhadores
houve um movimento por direitos. o que Topalov aponta com a descrio das
primeiras organizaes sindicais, estas no decorrentes de iderios reformistas,
mas sim, da necessidade de contribuir com dificuldades da prpria classe
trabalhadora.
[...] a colocao da mo-de-obra pelo sindicato e o seguro-desempregoso prticas intimamente vinculadas entre si. O seguro permite que otrabalhador sindicalizado sobreviva at que encontre trabalho, podendo,assim, recusar as ofertas de salrios inferiores aos da tabela sindical ouprovenientes de um empregador que conste na lista negra ou estejasubmetido ao boicote da organizao. O seguro incita o operrio a filiar-se ao sindicato, e, assim, este fortalece seu controle sobre a oferta demo-de-obra. (TOPALOV, 1996, p. 29)
A capacitao da mo-de-obra e as mudanas no estilo de vida do
trabalhador, foram apropriadas pelos reformadores com vistas a adapt-los sdemandas da industrializao. Aparecero assim, questes sociais a serem
resolvidas que, gradativamente, sero divididas em uma mirade de problemas
107 Esping-Andersen tambm apresenta esse pacto entre a acumulao de capital e ostrabalhadores, representado pela implementao gradativa de polticas sociais para apermanncia do modo capitalista de produo (ESPING-ANDERSEN, 1991).
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especficos decorrente da aglomerao das pessoas nos centros urbanos, devido
industrializao. Com relao aos problemas urbanos, os reformadores perdem
espao para os especialistas, que passam a aplicar tcnicas e modelos
especficos de trabalho para cada problema urbano:
Comea-se a diferenciar classe operria respeitvel de massasempobrecidas, s quais se classifica, progressivamente, em categorias,cada uma delas sujeita a um tratamento particular e adaptado a umasituao. Assim, os clientes habituais do hospital, do workhouse (asilo)ou das instituies de assistncia comearam a ser tratados de formadiferente, segundo sejam situados nas categorias dos velhos indigentes,das mes e crianas sem recursos, dos desempregados, dosvagabundos, dos retardados mentais e dos delinquentes juvenis [...]Desse modo, adquirem autonomia, por exemplo, os problemas doalcoolismo, a tuberculose, a escolarizao, a aprendizagem, a moradia, ourbanismo e o desemprego (TOPALOV, 1996, p. 34).
Para Topalov (1996), as medidas pelos agentes do Estado caracterizaro
um controle das massas ao lanarem mo de saberes e tcnicas especficas de
interveno, visto ser iminente a necessidade de eliminar especficos problemas
sociais. O contexto que permeia as aes dos reformistas ao conferir
especificidades a essa classe operria respeitvel, objetivava dar conta da
manuteno do processo de industrializao. Seria pertinente e til passar ao
controle do Estado as solues em proviso de servios s classes oprimidasdiante da industrializao. O resultado disso a racionalizao de aes do
estado, a partir da cientificidade dos discursos sobre os problemas urbanos, a
qual legitimar a verdade do trabalho, do salrio, da habitao estvel, dos
cuidados com a sade, da necessidade da educao formal. Uma virada
importante notada por Topalov est nas primeiras elucubraes e aes prticas
de poltica social que, passando pelas mos e pelos valores e interesses dos
filantropos, transferem-se para os novos especialistas [...] que no falam e atuam
para defender os interesses particulares de nenhum grupo, mas em nome dos
interesses superiores da sociedade. Esta pretenso est baseada na objetividade
da cincia a que servem (TOPALOV, 1996, p. 36).
O discurso da necessidade de interveno social aparece no debate
poltico, imiscuindo duas necessidades: a do capital e a da harmonia social. Esse
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discurso, segundo Esping-Andersen, foi atravessado pelos iderios democrticos
que, com a industrializao, evidenciavam ainda mais a desigualdade na
distribuio de renda para a classe trabalhadora,
A democracia tornou-se o calcanhar de Aquiles de muitos liberais.Enquanto o capitalismo se mantivesse com um mundo de pequenosproprietrios, a propriedade em si pouco teria a temer da democracia.Mas, com a industrializao, surgiram massas proletrias, para quem ademocracia era um meio de reduzir os privilgios da propriedade(ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 86)
O discurso e a ao do estado unia ento, a democracia por um lado e a
continuidade do processo de industrializao, por outro. As medidas de proviso
de servios que seriam tomadas por parte do Estado, equalizariam as
necessidades da economia e as necessidades da classe trabalhadora como [...]
quando os trabalhadores desfrutam de direitos sociais, pois o salrio social reduz
a dependncia do trabalhador em relao ao mercado e aos empregadores e
assim se transforma numa fonte potencial de poder108 (ESPING-ANDERSEN,
1991, p. 89).
Offe e Lenhardt (1984) situam a poltica social por parte do Estado, como
meio viabilizador da transformao no modo de vida do trabalhador (da atividade
de campons para a de operrio). As polticas sociais serviriam para o
acondicionamento de uma massa de indivduos a determinadas tarefas. A poltica
social a forma pela qual o Estado tenta resolver o problema da transformao
duradoura de trabalho no assalariado em trabalho assalariado (OFFE;
LENHARDT, 1984, p. 15). As Polticas Sociais viriam de encontro a uma
necessidade de satisfao no s dos trabalhadores, que podem capacitar-se e
assim adentrar no mercado de trabalho com melhores condies de renda, como
tambm ao Estado, ao possibilitar um suposto avano tecnolgico, otimizando a
108 O conceito que se enquadraria entre essas duas facetas, segundo Esping-Andersen, seria ode social-democracia [...] em que a poltica social resultaria tambm em mobilizao depoder. Ao erradicar a pobreza, o desemprego e a dependncia completa do salrio, o welfarestate aumenta as capacidades polticas e reduz as divises sociais que so as barreiras paraa unidade poltica dos trabalhadores (ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 89-90).
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produo a partir da capacitao da fora de trabalho. As polticas sociais
entrariam como uma forma de fazer a massa trabalhadora acompanhar o
desenvolvimento do capitalismo: [...] a transformao em massa da fora de
trabalho despossudaem trabalho assalariadono teria sido nem possvel sem
umapoltica estatal (OFFE; LENHARDT, 1984, p. 17).
Para os autores, a aceitao do trabalho assalariado s seria possvel se
as polticas sociais criassem aparelhos que (a) fizessem os trabalhadores estarem
dispostos a oferecer sua capacidade de trabalho, (b) proporcionassem condies
para que o trabalho assalariado funcione como tal e (c) equilibrassem
quantitativamente tanto uma proletarizao passiva (trabalhadores forados)
quanto ativa (trabalhadores demandando uma ocupao). Assim, o Estado seria oagente responsvel pela integrao da fora de trabalho em um status de
normalidade.
[...] a poltica social no uma mera reao do Estado a problemas daclasse operria mas contribui de forma indispensvel para aconstituio dessa classe. A funo mais importante da poltica socialconsiste em regulamentar o processo de proletarizao (LENHARDT;OFFE, 1984, p. 22).
A poltica social concebida como parte de uma estratgia, pela poltica
do Estado, com mecanismos que assegurem permanncia e manuteno da fora
de trabalho. As instituies do Estado visariam o controle das motivaes dos
trabalhadores, a adaptao da capacidade de trabalho (preparo tcnico) e a
regulamentao quantitativa da oferta de fora de trabalho (como as polticas
sociais que regulam a amplitude da populao economicamente ativa, a oferta de
creches para que os pais trabalhem, os incentivos para estudar determinadas
reas do conhecimento, ou ainda, o condicionamento do acesso de classes
sociais distintas a distintas reas do conhecimento.
A poltica social se desenvolve no s em funo das necessidades e das
exigncias dos detentores da fora de trabalho, mas sim do processo de
transformao dessas mesmas exigncias em polticas, cuja mediao oriunda
[...] de estruturas internas de organizao do sistema poltico, as qua is, em
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verdade, decidem se tais necessidades podem ou no ser admitidas como temas
que merecem elaborao (LENHARDT; OFFE, 1984, p. 34).
Nota-se nessa vertente de anlise, que o Estado procura oferecer uma
manuteno ao modo de produo e, as polticas sociais, seriam os mecanismos
utilizados tal. Draibe (1988) aponta que a anlise de Offe e Lenhardt, faz visualizar
uma espcie de pacto ou troca de benefcios entre classes, pontuando que no
ps-guerra o alto crescimento econmico e a ampliao de programas de Bem-
Estar, se deu devido a essa parceria entre poltica social e poltica econmica, [...]
sustentada por um consenso acerca do estmulo econmico conjugado com
segurana e justia sociais (DRAIBE, 1988, p. 55).
Sendo assim, a evaso do trabalhador, alm da adequao de seu modode vida, seria um problema a ser resolvido pelas polticas sociais. O processo
produtivo da indstria exigiu um hbito comportamental: [...] a atividade industrial
(na fbrica) exige um novo tipo de trabalhador com novos hbitos, uma nova
disciplina, diferente daquela compatvel com a atividade produtiva do
campons109 (ARRETCHE, 1995, p. 9). Alm disso, a crescente industrializao
tornou o trabalhador um sujeito submetido ao mercado de trabalho,
demasiadamente frgil para os avanos e a competitividade da industrializao.
GOVERNAMENTALIDADE BIOPOLTICA: CARACTERSTICAS QUE TANGEM
AS POLTICAS SOCIAIS
Na ltima aula do curso proferido no Collge de France, entre os anos de
1975 e 1976, intitulado Em Defesa da Sociedade, Foucault comea a apontar
109 Para Foucault o desenvolvimento aparelhos disciplinares, se deu para alcanar aprodutividade mxima dos corpos e o controle das aes dos trabalhadores. A fbrica parececlaramente um convento, uma fortaleza, uma cidade fechada [...] porque, medida que seconcentravam as foras de produo, o importante tirar delas o mximo de vantagens eneutralizar seus inconvenientes (roubos, interrupes do trabalho, agitaes e cabalas); deproteger os materiais e ferramentas e de dominar as foras de trabalho (FOUCAULT, 2010,p. 137-138).
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para um novo tipo de poder que aparece se sobrepondo ao poder disciplinar110.
Candiotto (2011) aponta que a problematizao da biopoltica por Foucault,
Pareceu ter provocado na investigao de Foucault um deslocamento, daconstituio do indivduo moderno como homem-mquina no poderdisciplinar para a constituio da populao, definida no em termosgeogrficos pelo conjunto de seres humanos pertencentes a umaunidade territorial, mas sim em seu aspecto vital, como espcievivente agrupada em torno de uma caracterstica biolgica peculiar:doena, ascendncia gentica, insanidade e assim por diante.(CANDIOTTO, 2011, p. 470)
Esse deslocamento fez estender do poder disciplinar, o biopoder. Assim,
somente depois de o poder disciplinar se estabelecer e, consequentemente,
determinando os comportamentos individuais, que foi possvel o surgimento do
biopoder (FOUCAULT, 1999, p. 189). Essa nova tcnica de poder, no disciplinar,
no voltada para o corpo individual, atua no conjunto, na espcie, na
multiplicidade de homens, de maneira que interfere em processos da vida que
envolvem o corpo social (nascimento, morte, produo, doena).
Foucault vai delineando nos cursos do Collge de France a questo da
populao, que vai crescendo aos olhos da mentalidade de governo:
dos problemas do territrio para os problemas da populao, daadministrao dos recursos para a administrao do poder sobre a vida(ou seja, o biopoder), dasameaas exteriores ao Estado paraos riscosinternos que emergem em relao populao (FIMYAR, 2009, p. 37)
Candiotto aponta que no h uma excluso entre poder disciplinar e
biopoltica, uma vez que
110 Com relao ao poder disciplinar: [...] nos sculos XVII e XVIII, viram-se aparecer tcnicas de
poder que eram essencialmente centradas no corpo, no corpo individual. Eram todos aquelesprocedimentos pelos quais se assegurava a distribuio espacial dos corpos individuais (suaseparao, seu alinhamento, sua colocao em srie e em vigilncia) e a organizao, emtorno desses corpos individuais, de todo um campo de visibilidade. Eram tambm as tcnicaspelas quais se incumbiam desses corpos, tentavam aumentar-lhes a fora til atravs doexerccio, do treinamento, etc. Eram igualmente tcnicas de racionalizao e de economiaestrita de um poder que devia se exercer, da maneira menos onerosa possvel, mediante todoum sistema de vigilncia, de hierarquias, de inspees, de escrituraes, de relatrios: todaessa tecnologia, que podemos chamar de tecnologia disciplinar do trabalho (FOUCAULT,1999, p. 288)
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[...] foi a partir dos procedimentos de totalizao (regulao biopoltica) eindividualizao (normalizao disciplinar) que racionalidades polticas,como o liberalismo moderno e as vrias vertentes do neoliberalismocontemporneo, puderam ser entendidas como tcnicas degovernamentalidade (CANDIOTTO, 2011, p. 471).
Foucault procurou estabelecer uma discusso a fim de [...] analisar o
exerccio do poder concentrando-se no desenvolvimento das racionalidades
governamentais e das tecnologias governamentais a elas relacionadas (SIMONS;
MASSCHELEIN, 2011, p. 123), introduzindo assim o neologismo
governamentalidade, uma mentalidade de governo pautada em racionalidades e
tecnologias para conduzir os corpos de acordo com a necessidade de manter o
Estado. Nesse sentido a governamentalidade liberal recodifica os cenrios do
poder disciplinador (como as escolas e as fbricas) para garantir a existncia da
liberdade com a qual possa agir (SIMONS, MASSCHELEIN, 2011, p. 124).
Cabe pensar: como poderamos ler as polticas sociais a partir desse
conceito de Foucault? O autor cita o momento em que determinados processos
que envolvem a massa da populao passam a ser alvo dessa nova tcnica de
poder, visto que foram os problemas de controle de nascimento, reproduo,
fecundidade, natalidade, longevidade, que aparecem a partir da segunda metade
do sculo XVIII, juntamente com problemas econmicos e polticos que [...]
constituram, acho eu, os primeiros objetos de saber e os primeiros alvos de
controle dessa biopoltica (FOUCAULT, 1999, p. 290).
Aquilo que Foucault chama de biopoder, quanto s intervenes do estado
no corpus da populao, aparece no debate terico das polticas pblicas como
uma das primeiras necessidades de proviso de servios por parte do Estado a
fim de aplacar os problemas sociais e econmicos decorrentes da industrializao
crescente: a poltica social. A emergncia dessa poltica social de proviso de
servios a cargo do Estado, considerada o elemento central do Welfare State:
Fenmeno do sculo XX, a proviso de servios sociais, cobrindo asmais variadas formas de risco da vida individual e coletiva, tornou-se umdireito assegurado pelo Estado a camadas bastante expressivas dapopulao dos pases capitalistas desenvolvidos (ARRETCHE, 1995, p.1).
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Essa tomada pelo Estado de certa responsabilidade passa a ser alvo da
tecnologia biopoltica quando [...] se lana mo da medio estatstica desses
fenmenos [natalidade, fecundidade, reproduo, bitos] com as primeiras
demografias (FOUCAULT, 1999, p. 290). Vai-se desenhando uma metodologia
racional de administrao, de regulao e controle, atravs do vis cientfico que a
questo social ganha nas mos de profissionais especializados em problemas
urbanos (engenheiros, urbanistas, psiclogos, pedagogos, assistentes sociais,
mdicos sanitaristas)111.
Com os propsitos de otimizar a administrao da vida no mbitopopulacional, a biopoltica divide-se em subgrupos as crianas, a mo-de-obra, a terceira idade, empregados/desempregados, refugiados,criminosos, doentes, etc. que ora contribuem para a prosperidadecoletiva da populao, ora a refreiam (FIMYAR, 2009, p. 40).
Deve-se contornar o problema dos grupos sociais fora da capacidade
produtiva. Com a criao de instituies de assistncia, diferentemente daquelas
vinculadas Igreja, desencadeiam-se as primeiras articulaes do Estado na
providncia populao. Agora, seriam [...] mecanismos muito mais sutis,
economicamente racionais [...] de seguros, de poupana individual e coletiva, de
seguridade, etc. (FOUCAULT, 1999, p. 291).
Sendo a biopoltica um dos desdobramentos das formas de
governamentalidade, Foucault explicita seu objeto:
A biopoltica lida com a populao, e a populao como problemapoltico, como problema a um s tempo cientfico e poltico, comoproblema biolgico e como problema de poder [...] so fenmenoscoletivos que s aparecem com seus objetos econmicos e polticos, ques se tornam pertinentes no nvel da massa (FOUCAULT, 1999, p. 293).
No momento da industrializao crescente alguns problemas devero sercontornados pelo Estado, colocando-se como um agente que visa equilibrar a
economia com a poltica da nao. Dessas tentativas de manter o Estado
111 Os problemas sociais assim construdos pelos novos profissionais adquirem a qualidade derealidades objetivas [...] Ficam, deste modo, despolitizados e escapam ao mbito dascontrovrsias fictcias e perigosas do enfrentamento democrtico (TOPALOV, 1996, p. 37).
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enquanto aparelho equilibrado, dentro do qual determinadas foras se interferem
(poltica, econmica, social), encontramos um ponto observado por Foucault no
que diz respeito a um movimento de preservao do Estado. A racionalidade
tcnico-cientfica das prticas de governo se apresenta, aparentemente, com um
fim em si mesma. O objetivo das polticas sociais de fornecer auxlio aos
trabalhadores, pobres e invlidos, no viria depois de um objetivo maior, como o
da preservao do Estado? Vale citar uma passagem de Foucault: O desgnio de
uma tal arte de governar precisamente o de no reforar o poder que um
prncipe pode exercer sobre seu domnio. Seu objetivo reforar o prprio Estado
(FOUCAULT, 2006, p. 376, grifo meu).
Passariam a se constituir saberes voltados para a imanncia do Estadoenquanto fim ltimo da poltica e da economia. notvel encontrarmos
consideraes sobre como o Estado est com uma boa sade financeira, como o
IDH do Estado tem se desenvolvido, como a poltica externa e interna tem se
comportado. Expresses que denotam a aplicao de uma racionalidade para um
objeto abstrato, o aparelho estatal. E ento que Foucault utiliza a expresso
razo do Estado para caracteriz-lo, aps distinguir o Estado contemporneo do
Estado cujo poder est nas mos de um soberano:
[...] a razo de Estado no uma arte de governar segundo as leisdivinas, naturais ou humanas. Este governo no tende respeitar a ordemgeral do mundo. Trata-se de um governo em concordncia com apotncia do Estado. um governo cujo objetivo aumentar essapotncia em um quadro extensivo e competitivo (FOUCAULT, 2006, p.376).
Notamos com Foucault um olhar para um Estado racionalizado com um
fim em si mesmo, respondendo a uma suposta demanda de organizao social. A
concepo de Estado, evidentemente, passa a existir depois de instauradas umasrie de necessidades decorrentes da industrializao. Uma espcie de
manuteno das novas formas de existncia e dos deslocamentos da populao
(como do campo para a cidade) e da abertura das cidades para intercmbio de
mercadorias e constituio do livre mercado. Nesse livre mercado, cujo fim ltimo
seria o lucro, notou-se a necessidade de uma regulao deste lucro para a
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pertinncia do sistema capitalista. Aparece assim a necessidade de uma mquina,
instituio, aparelho, capaz de regular os interesses econmicos e a manuteno
do mercado capitalista. Polanyi (2000) aponta que aps a Revoluo Francesa,
impulsionaram-se os interesses econmicos pela paz, de forma a deixar
estabelecer negcios pacficos entre as naes112. E o interesse, segundo o autor,
era universal. Vale citar que as guerras passaram a ser suprimidas, ou foram
muito bem pensadas a fim de buscar um equilbrio entre as grandes potncias da
Europa. (POLANYI, 2000, p. 23)
O contexto do qual trata o autor, de quando as naes comearam a agir
de forma a manter um equilbrio na Europa (durante o sculo XIX), toca os
apontamentos de Foucault quanto a arte de governar, visto ser necessrio,
naquele contexto, assegurar os benefcios que os Estados vinham ganhando,
decorrentes dos avanos tecnolgicos e do livre comrcio. Seria preciso instaurar
uma arte de governar, algo que regulasse e que atravessasse os interesses de
todas as naes europeias, mantendo o equilbrio interno e externo. ento que
aparece a tarefa da polcia, de uma autoridade pblica encarregada em manter o
equilbrio e o crescimento de uma nao, regulando suas foras internas e as
foras de naes vizinhas.
S se pode efetivamente manter a balana e o equilbrio na Europa namedida em que cada um dos Estados tenha uma boa polcia que lhepermita fazer suas prprias foras crescerem. E, se o desenvolvimentono for relativamente paralelo entre cada uma dessas polcias, vamos ter
112 Algumas vezes evitavam-se as guerras removendo deliberadamente as suas causas, se istoenvolvia apenas o destino de potncias pequenas. Controlavam-se as pequenas naes eimpedia-se que perturbassem o status quo de qualquer forma que pudesse precipitar umaguerra. A invaso holandesa da Blgica, em 1831, levou neutralizao daquele pas naocasio. Em 1855 a Noruega tambm foi neutralizada. Em 1867 o Luxemburgo foi vendido
Frana pela Holanda; a Alemanha protestou e Luxemburgo foi neutralizado. Em 1856, aintegridade do Imprio Otomano foi declarada essencial para o equilbrio da Europa e oConcerto da Europa procurou sustentar aquele imprio; aps 1878, quando sua desintegraofoi considerada essencial para aquele equilbrio, promoveu-se o seu desmembramento damesma maneira ordenada, embora em ambos os casos a deciso significasse vida e mortepara inmeros pequenos povos. Entre 1852 e 1863 foi a Dinamarca, e entre 1851 e 1856foram as Alemanhas que ameaaram perturbar o equilbrio, e em cada um dos casos ospequenos estados foram forados a se conformar pelas Grandes Potncias. Nessesexemplos, a liberdade de ao a elas oferecida pelo sistema foi usada pelas Potncias paraalcanar um interesse conjunto - que aconteceu ser a paz.(POLANYI, 2000, p. 23, grifo meu).
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fatos de desequilbrio. Cada Estado, para no ver a relao das foras seinverter em seu desfavor, deve ter uma boa polcia. E chegaremosrapidamente consequncia, de certo modo paradoxal e inversa, queconsistir em dizer: mas, afinal, se no equilbrio europeu h um Estado,mesmo que no seja o meu, que tenha uma m polcia, vamos ter umfenmeno de desequilbrio. Por conseguinte, preciso zelar para que,mesmo nos outros Estados, a polcia seja boa. Portanto, o equilbrioeuropeu dar ao conjunto dos Estados o direito de zelar para que apolcia seja boa em cada um desses Estados (FOUCAULT, 2008, p. 423).
Polcia o termo usado por Foucault, mas fica claro que se trata do que
denominamos hoje por polticas pblicas, sendo as polticas sociais talvez as que
mais se destaquem na literatura que o autor apresentar para explicitar sua
funo.
a partir dessa gnese da formao de polticas que visassem o
equilbrio do Estado, tomando seus cidados enquanto populao, enquanto fora
a qual preciso direcionar (para a indstria, para o comrcio, para o exrcito, para
a academia, enfim, para onde convir se for para manter o equilbrio do Estado),
Foucault aponta um instrumento comum utilizado para mensurar o equilbrio
europeu e a direcionar a organizao da polcia: a estatstica. E a estatstica ser
o instrumento que permitir o controle, passvel de comparao com outros
Estados, das foras do prprio Estado: quem a populao (jovens, velhos,
ativos, inativos), o exrcito, os recursos naturais, como est a produo e o
comrcio, o status da circulao monetria.113 A estatstica permite ao Estado
especular as foras atuais bem como aquelas ainda a serem desenvolvidas:
A estatstica o saber do Estado sobre o Estado, entendido como saber de si do Estado, mastambm saber dos outros Estados. E nessa medida que a estatstica vai se encontrar naarticulao dos dois conjuntos tecnolgicos [que so o equilbrio europeu e a organizao dapolcia]. (FOUCAULT, 2008, p. 424).
As polticas seriam aes do Estado, pelo Estado. Seria uma forma de
pensar uma nao independente da figura de um soberano. O Estado passa a ser
o soberano e no mais o nome de um sujeito. Assim, estatstica aparece como um
113 Para que o equilbrio seja efetivamente mantido na Europa, preciso que cada Estado possa,primeiro conhecer suas prprias foras, segundo conhecer, apreciar as foras dos outros e,por conseguinte, estabelecer uma comparao que possibilitar, justamente, acompanhar emanter o equilbrio (FOUCAULT, 2008, p. 424)
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instrumento cientfico que prescinde da figura de uma pessoa, de um motivo
individual para seus achados. A estatstica, a partir de suas inmeras medies,
vai tecendo uma colcha de resultados que significam o Estado. Determinado
Estado no a figura de um rei, mas aquilo que a estatstica apontou: um Estado
os seus recursos naturais, sua capacidade produtiva, o montante de
trabalhadores, seu arsenal blico, sua acumulao de capital, entre todos os
dados passveis de quantificao. A cada um desses dados atribuem-se siglas,
traam-se paralelos com outras naes, observa-se evolues, regresses,
estabilidade, enfim, entre dados estatsticos. Ao citar tericos que apontassem
para a necessidade de uma manuteno das cidades, do comrcio e da
sociedade, possvel resgatar em Foucault o papel das polcias como atuantes naformao do Estado tal como o conhecemos hoje e, tal como prov certos
servios sociais, como tambm conhecemos hoje.
O autor cita o compndio de De Lamare114, escrito no incio do sculo
XVIII, e uma proposta de programa de Estado policiado, escrita por Turquet de
Mayerne115 em 1611, a fim de explicitar as formas de organizao do Estado
propostas pela literatura desses sculos. Nestas percebe-se que os tericos
recorrem a uma regulamentao das aes do Estado sobre si e sobre apopulao, atravs do conceito de polcia116.
Com Turquet, citado por Foucault, pode-se facilmente correlacionar sua
proposta com o que hoje se teoriza como polticas sociais. Segundo Foucault, ele
prope a criao de conselhos cuja responsabilidade era manter a ordem pblica.
Esses conselhos se dividiriam entre os que velariam pelas pessoas e os que
velariam pelos bens. Dois seriam os que cuidariam das pessoas. Um [...] se
ocuparia da educao, determinaria os gostos e as aptides de cada um e
escolheria os ofcios os ofcios teis: toda pessoa com mais de 25 anos devia
114 LAMARE, N. de. Trait de La Police, Paris: Jean Cot., 1975, 2 vol. Apud FOUCAULT, 2006.115 MAYERNE, L. Turquet de. La monarchie aristodmocratique, ou le gouvernement
compos ds trois formes de legitimes republiques . Paris: J. Berjon, 1611, apudFOUCAULT, 2006.
116 Por polcia eles no entendem uma instituio ou um mecanismo funcionando no seio deEstado, mas uma tcnica de governo prpria ao Estado; domnios, tcnicas, objetivos queapelam a interveno do Estado (FOUCAULT, 2006, p. 377)
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ser inscrita em um registro indicando sua profisso (FOUCAULT, 2006, p. 378). O
outro conselho
[...] devia se ocupar do aspecto negativo da vida: dos pobres (vivas,rfos, velhos) necessitados; das pessoas sem emprego; daquelas cujasatividades exigiriam uma ajuda pecuniria; mas tambm da sade pblica
doenas, epidemiase de acidentes tais como incndios e inundaes(FOUCAULT, 2006, p. 378).
A partir do autor apresentado por Foucault, notamos forte correlao com
a proviso de servios tomada pelo Estado para a populao, cujo fim ltimo seria
potencializar o prprio Estado: Como forma de interveno racional exercendo o
poder poltico sobre os homens, o papel da polcia de lhes dar um pequeno
suplemento de vida; e, assim fazendo, de dar ao Estado um pouco mais de fora
(FOUCAUT, 2006, p. 379).
Em seguida, Foucault aponta o compendium de De Lamare , escrito em
1705, e que apresenta quais seriam as atividades que a polcia deveria ocupar, no
interior do Estado117.
A lgica das intervenes da polcia seria a da preservao da vida e,
mais especificamente, da vida em sociedade. Mas o que devemos chamar a
ateno no somente o carter nico de interveno do Estado a fim de garantir
a felicidade da nao, mas sim, o de garantir seu prprio vigor enquanto Estado.
o que define um texto de 1756, citado por Foucault, quanto ao que o autor118
define como [...] o objetivo da arte moderna de governar ou da racionalidade
estatal: desenvolver esses elementos constitutivos da vida dos indivduos de tal
forma que seu desenvolvimento reforce tambm a potncia do Estado
(FOUCAULT, 2006, p. 383).
Retomando o trabalho de Arretche (1995), as polticas sociais so
pensadas com o crescimento das cidades e os problemas consequentes desse
117 1) a religio; 2) a moralidade; 3) a sade; 4) as provises; 5) as estradas, pontes, caladas eedifcios pblicos; 6) a segurana pblica; 7) as artes liberais (no todo as artes e as cincias);8) o comrcio; 9) as fbricas; 10) os empregados domsticos e carregadores; 11) os pobres(FOUCAULT, 2006, p. 380)
118 JUSTI, J. H. Gottlobs Von. Grundstze der Policey-Wissenschaft. Gttingen: A. Van denHoecks, 1756, apud FOUCAULT, 2006, p. 382.
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crescimento, devido essencialmente industrializao. Nesse contexto, a
biopoltica seria um conjunto de prticas representadas na tentativa de racionalizar
a ao do governo, com relao aos problemas da populao 119. O Estado
procuraria maneiras de intervir no s no nvel do individual 120, como tambm no
nvel da populao:
[...] trata-se sobretudo de estabelecer mecanismos regulares que, nessapopulao global com seu campo aleatrio, vo poder fixar um equilbrio,manter uma mdia, estabelecer uma espcie de homeostase, assegurarcompensaes (FOUCAULT, 1999, p. 293)
E o que seriam determinados programas do Estado seno uma forma de
assegurar certa homeostase na rede de relaes entre economia e poltica? No
seria uma extenso das primeiras intervenes desse mesmo Estado para regular
a economia, no incio do capitalismo, como descreve Polanyi (2000). Assim, cada
ao do estado substancializa o exerccio da governamentalidade biopoltica no
controle e na conduo dos fluxos da populao. O fim seria a permanncia e a
pertinncia do Estado enquanto aparelho institucional, alm da otimizao da
fora desse estado, enquanto aparelho produtivo. As polticas sociais seriam
bases de sustentao desses aparelhos, ao fortalecerem os laos da populao
com as demandas do capital e ao mesmo tempo, a prpria populao, nacobertura de direitos estabelecidos em tratados, leis e cartas constitucionais. As
polticas sociais caracterizarem-se por aes concretas, que interferem na vida da
populao, nas escolhas e nos direcionamentos dos fluxos de corpo produtivo do
Estado, para as reas que o Estado, enquanto instituio, demanda para manter-
se em sua atuao.
Existem alguns recursos que o Estado lana mo a fim de beneficiar seus
cidados e beneficiar seu prprio sistema, enquanto Estado. Determinados
119 Conceito que passa a existir apenas nesse momento da aglomerao urbana decorrente daindustrializao: No exatamente com a sociedade que se lida nessa nova tecnologia depoder [...] no tampouco com o indivduo-corpo. um novo corpo: corpo mltiplo, corpo cominmeras cabeas, se no infinito pelo menos necessariamente numervel. a noo depopulao (FOUCAULT, 1999, p. 292).
120 Como o exerccio do poder disciplinar, que apesar de ser exercido em instituies, fechadas econtroladas, agia nos corpos: em seu treinamento, para o exrcito, em sua capacitao, parao trabalho, e em seu pensamento, para os estudos escolares.
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incentivos, em determinadas reas, impulsionam determinados movimentos. Se
tomarmos as polticas de educao como exemplo, percebemos uma relao
estreita com as polticas de trabalho. Se devido ao avano tecnolgico
necessria a manuteno da fora-de-trabalho, qualificando a mo-de-obra,
pertinente fortalecer polticas educacionais especficas, para campos de trabalho
nos quais a demanda maior ou naqueles em que h previso de crescimento e
de consequente necessidade de mo-de-obra futura.
CONSIDERAES FINAIS
Como lidar com uma populao economicamente ativa crescente que,segundo o IBGE (BRASIL, 2010) aumentou significativamente, correspondendo
atualmente a 68,5% da populao, pronta para adentrar no mercado de trabalho e
ao mesmo tempo assegurar o direito igual a todos, conforme carta magna
estabelecida em 1988, de acesso educao? Regulamentando os fluxos.
No caso da biopoltica, teramos explicitamente um direcionamento dos
corpos, no sentido de conduzir condutas. Facilita-se a determinados grupos o
acesso a polticas especficas, canalizando os fluxos da populao atravs deescolhas individuais. Teramos assim um dos desdobramentos da biopoltica,
[...] a criao de uma superfcie de contato entre o governo dos outros(governo poltico, domstico, religioso, educacional) e o governo de simesmo (autodomnio, autocontrole), entre as tecnologias de dominao eas tcnicas de si, em virtude das quais esto estreitamente ligadas aconduo dos indivduos e a maneira pela qual eles mesmos seconduzem. (CANDIOTTO, 2012, p. 127)
Se entendermos a substancializao dessa arte de governar, ou dessa
racionalidade estatal nas polticas sociais, podemos observar que as intervenes
no corpus da populao, so maneiras de administr-la e direcion-la para
determinados lugares, aparentemente de acordo com o que melhor convir para
manter a boa sade do Estado,e no da populao.
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